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Modalidade: Comunicação Oral GT: Teatro

Eixo Temático: Ensinar e Aprender em Teatro na Educação Básica

A IMAGINAÇÃO EM VIGOTSKI - O ENSINO DE TEATRO NAS SÉRIES INICIAIS


DO ENSINO FUNDAMENTAL

Juliano Casimiro de Camargo Sampaio (UFT, TO, Brasil)

RESUMO:
Este trabalho surge no contexto da pesquisa “COMPOSIÇÃO POÉTICA CÊNICA E
CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO: o agir simbólico no desenvolvimento afetivo-
cognitivo humano”, em desenvolvimento na Universidade Federal do Tocantins, sob nossa
coordenação, e tem por objetivo responder à questão: Em que as proposições de Vigotski,
em sua obra “Imaginação e Criatividade na Infância”, podem nos auxiliar a pensar a função
do Ensino de Teatro nas séries iniciais do Ensino Fundamental? A partir de revisão
bibliográfica, realizamos uma explicitação crítico-analítica da referida obra, com fins de
problematizar o Ensino de Teatro. Resultou dessa investigação a compreensão de que a
ludicidade natural à brincadeira infantil está prenhe de teatralidade e que a orientação em
teatro na escola deveria partir dessa presença e direcionar-se para a ampliação das
habilidades expressivas, imaginativas e de criação da criança. Concluimos, portanto, a
urgência de se pensar para o Ensino de Teatro com crianças em uma metodologia de
negociação intersubjetiva da atividade lúdico-teatral, bem como a obrigatoriedade de se
afastar a ansiedade do professor de teatro pela construção de produtos teatrais.
Palavras-Chave: Ensino de Teatro; Imaginação; Criatividade; Ludicidade.

THE IMAGINATION BY VIGOTSKI – THE TEACHING OF THEATRE IN THE


EARLY BASIC EDUCATION

ABSTRACT:
This paper emerges in the context of the research “SCENIC POETIC COMPOSITION AND
THE MAKING KNOWLEDGE PROCESSES: the symbolic action in the affective-cognitive
human development. This research has been developed under our coordination in the
Federal University of the Tocantins (Brazil). It is focused on answering the follow question:
How the propositions present in the book: “Imagination and Creativity in the Childhood”, by
Vigotski, can help us both to think and problematize the teaching of theatre in the early basic
education context? For that, it was done a bibliographic review. And here, we do a critical-
analytic explicitness of the oeuvre in question, and from this, we problematize the teaching of
theatre. From that research resulted the understanding that the child playful activities are
completely filled by theatricality. So, the orientation in teaching of theatre in the school
context should be about this theatricality and it should intend to expand the expressive,
imaginative and creative child’s abilities. Thereby, the conclusion is that it is urgent the
necessity to think a methodology of Intersubjectivity negotiation of the playfully-theatrical
activity in the teaching of theatre for children. It is necessary also to avoid any kind of
professor’s anxiety what refers to production of theatrical products.
Keywords: Teaching of Theatre; Imagination; Creativity; Playful Activities.

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Introdução
Este artigo integra os resultados parciais da pesquisa “COMPOSIÇÃO
POÉTICA CÊNICA E CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO: o agir simbólico no
desenvolvimento afetivo-cognitivo humano”1, em desenvolvimento desde março de
2013 na Universidade Federal do Tocantins, sob nossa coordenação. A referida
pesquisa tem por foco o estudo de conceitos oriundos da psicologia (cultural) e da
filosofia, em especial a fenomenologia, com fins da problematização do Ensino de
Teatro. Essa problematização, ao almejar reflexões acerca dos processos pessoais
de construção de conhecimento e do desenvolvimento afetivo-cognitivo humano, no
contexto da presença de atividades teatrais na escola, refere-se à tentativa de se
compreender possíveis funções da inserção do teatro na Educação Básica Formal,
bem como a necessidade de se repensar e reestruturar a formação e atuação do
professor de teatro, mais especificamente, com crianças do Ensino Fundamental –
Séries Iniciais. Entre os autores basilares dessa pesquisa está L. S. Vigotski (1896-
1934).
É inegável a contribuição e a pertinência de L. S. Vigotski para reflexões
acerca da construção de conhecimento e do desenvolvimento afetivo e cognitivo
humano. Entretanto, basta uma rápida busca pelos sistemas de indexação de
revistas e artigos no Brasil para compreendermos que a maioria dos escritos que
tomam a obra de Vigotski como referência acaba por priorizar discussões a respeito
da construção do pensamento e da linguagem, tão caros ao autor (Cf.: VIGOTSKI,
2010). Costumamos encontrar, ainda, não raro, pesquisas a partir das proposições
do psicólogo sobre a epistemologia da Psicologia.
Contudo, não menos intenso foi o interesse de Vigotski no que concerne à
psicologia da arte e à educação estética. Em 1925, publicou “Psicologia da Arte”
(Cf.: VIGOTSKI, 2001), seguido, em 1926, pelo capítulo sobre Educação Estética;
capítulo esse que compunha a sua obra “Psicologia Pedagógica”. Entre 1927 e 1928
publicou o artigo “Psicologia Contemporânea e Arte”. Em 1930, veio a público uma
obra que se tornaria referência para a Psicologia da Criatividade: “Imaginação e
Criatividade na Infância” (Cf.: VIGOTSKI, 2014). No mesmo ano, lançou, ainda,
“Imaginação e Desenvolvimento na Infância” e “Imaginação e Criatividade do
Adolescente”. E em 1932, escreveu seu último trabalho sobre o tema, “Sobre o
Problema da Psicologia da Criatividade do Ator”.
A intensa presença de escritos sobre a imaginação e a criatividade na obra de
Vigotski (no contexto artístico, mas também para além dele) aponta para a
relevância atribuída por ele a esses dois processos no desenvolvimento humano.
Todavia, devemos atentar, desde o início das nossas proposições, para o fato de
que o psicólogo escreveu sobre imaginação e criatividade no âmbito das artes em
um contexto artístico bastante diferente do nosso. Assim, nas leituras que fazemos
das obras do autor sobre esse tema, necessitamos, todo momento, considerar sobre
que arte fala Vigotski, em especial, quando nos referimos às artes cênicas, mais
especificamente, ao teatro. Quando se referia ao teatro, Vigotski pensava, como não
poderia deixar de o fazer, em um teatro textocêntrinco, que privilegiava a presença
representacional da personagem. Nesse sentido, ler as proposições de Vigotski
sobre a Educação Estética significa compreender a necessidade de ajustes
1
Esta pesquisa conta com financiamento parcial pela Universidade Federal do Tocantins em forma de bolsas de Iniciação
Científica, de Extensão Universitária e de Extensão Artística, para os alunos da Licenciatura em Teatro (UFT) que integram a
pesquisa. Parte dos trabalhos foi também financiado pela Prefeitura Municipal de Palmas-TO, por meio de aprovação de
projeto artístico (montagem de espetáculo teatral) no Programa Municipal de Incentivo a Cultura de (PROMIC/2013).

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epistêmico-metodológicos, sem, com isso, invalidar as proposições do psicólogo.
Ainda que possamos debater e rejeitar as colocações específicas do autor sobre
teatro no âmbito da educação estética, a generalidade dos processos como ele os
descreveu e analisou permanecem de grande valia para as discussões na área do
ensino de artes.
Nossa intenção com este artigo é tomar como referência a obra “Imaginação
e Criatividade na Infância”, de Vigotski, a fim de que, ao operarmos uma explicitação
crítico-analítica da obra, possamos levantar reflexões que se mostrem relevantes
para pensarmos a inserção do Ensino de Teatro no espaço escolar. Nosso foco,
mais especificamente, está no Ensino de Teatro no Ensino Fundamental - Séries
Iniciais (1º a 5º Anos).
Ressaltamos, assim, dois pontos importantes para a compreensão dos
nossos objetivos: 1 – Não pretendemos com este texto esgotar as discussões a
respeito das noções de imaginação e de criatividade; 2 – Igualmente não
analisaremos toda a obra de Vigotski a respeito da Imaginação e da Criatividade.
Visto isso, nosso objetivo central resume-se em responder à questão: Em que as
proposições de Vigotski, em sua obra “Imaginação e Criatividade na Infância”,
podem nos auxiliar a pensar a função do Ensino de Teatro nas séries iniciais do
Ensino Fundamental?
Essa questão inicialmente foi formulada a partir de apontamentos mais gerais
de Vigotski sobre a prática teatral na infância. Segundo o autor, a criatividade teatral
é a forma mais frequente de manifestação da imaginação criativa na criança. Isto
porque, “tudo o que pensa e sente, a criança quer concretizar em imagens vivas e
em ações” (VIGOTSKI, 2014, p. 87). Um segundo aspecto atribuído pelo autor ao
gosto infantil pela dramatização, quando ocorre naturalmente ou quando bem
orientadas as atividades teatrais, diz respeito à criança se utilizar do universo teatral
para problematizar sua própria vida e para tornar exteriores algumas de suas
inquietações.
Ainda segundo o psicólogo, a criança é capaz de transitar entre a brincadeira
e a atividade teatral sem grandes dificuldades por reconhecer ambos como exercício
da ludicidade. Vigotski está pensando mais diretamente, por questões contextuais, a
dramatização de papeis. Contudo, igualmente a atividade teatral sem
representações de papeis, e talvez ainda mais essa, seja aceita pela criança, sem
nisso implicar consciência de fato, da proximidade entre a brincadeira como um todo
e a manifestação lúdica do teatro. Isto porque, para o autor, a imaginação criativa
na/da atividade teatral é a mais sincrética de todas as variadas modalidades de
expressão artística. Ou seja, o exercício teatral permite à criança transitar entre
imagens, situações, afetos e conhecimento diversos entre si.
Um terceiro e não menos importante aspecto do interesse da criança pela
expressão teatral está no fato de que a criança quando “joga teatro”, joga para si e
não para os outros. De certa forma, ela subverte o princípio teatral do fazer para que
possa ser visto. Não lhe interessa como resulta o que ela joga. Interessa-lhe
simplesmente que ela joga. A grande recompensa está no prazer do jogo, de se
encontrar consigo mesma no “jogo teatro”. Mas essa é uma condição que depende,
em grande medida, no caso do Ensino de Teatro, de construir com a criança um
sentido de pertença dela e para ela na atividade. E isso, supomos, só se torna
possível compreendendo os caminhos naturais da imaginação na criatividade
infantil.

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Imaginação Retrospectiva e Imaginação Prospectiva
Precisamos entender, portanto, para os fins desse trabalho, a que Vigotski
denomina Imaginação. O psicólogo reconhece dois processos que podem ser
considerados, no escopo da sua psicologia, como movimentos da imaginação:
adaptação e conservação de experiências anteriores em imagens mentais;
atividades imagético-combinatórias, no âmbito da criação. Para Vigotski (2014, pp.
10-11), essas duas dimensões da imaginação não devem ser tomadas como
“divertimento caprichoso do cérebro, algo que paira no ar, mas como uma função
vitalmente necessária” ao homem. A imaginação, ao contrário, deve ser reconhecida
como integrante das necessidades psico-adaptativas da pessoa, ainda que nisso
exista grande parcela de e busca por prazer e satisfação.
Ainda, a imaginação é uma função psíquica antecipatória. Ela transpassa os
dados da experiência para outras possibilidades da mesma experiência. Mesmo a
imaginação mais vinculada à memória, é ela mesma uma ação seletiva na
recuperação incompleta da imagem da experiência. Ou seja, a imaginação como
“antevisão das coisas” atua não só no campo do como algo pode ser (futuro do
presente), mas também no âmbito do poderia ter sido e/ou deveria ter sido. Em certo
sentido, depreende-se daí que uma das temporalidades da memória é o futuro do
pretérito.
Aqui já esbarramos naquilo que pode ser um indicativo da função do teatro
na escola. Possibilitar ao aluno a exploração da temporalidade dos acontecimentos,
na direção de ampliar as possibilidades da vivência. Uma mesma situação (evento –
ação) pode ser explorada na atualidade do agir (presente), rumo às suas
possibilidades no tempo. Nesta direção, a imaginação como a descreveu Vigotski,
seria o caminho para a experiência do Outro da Experiência, ou seja, da atualização
constante das experiências no tempo.
A experimentação da temporalidade imaginativa dos acontecimentos na
prática teatral incentiva o incremento de imagens mentais e o avanço qualitativo em
complexidade dessas imagens, já que, como dissemos, a experiência teatral
possibilita ao aluno o reconhecimento de outras possibilidades para o mesmo
evento, e, portanto, outras futuridades da relação eu-mundo (se pensamos em
acontecimentos que implicam diretamente a pessoa com quem se desenvolve a
atividade teatral). Os ganhos dessa experiência podem ser sentidos no
desenvolvimento intelectual da pessoa, visto que, segundo Vigotski (2010; 2014),
esse desenvolvimento está de certo modo diretamente atrelado a essa proliferação
qualitativa das imagens mentais. Para o psicólogo, toda imagem mental está de
algum modo referido a algo da “vida real”. Os elementos complexos da realidade
alicerçam as possibilidades virtuais da imaginação em uma dinâmica sincrética. E é
o trato lúdico dessas imagens que instaura na vida da pessoa a possibilidade da
imaginação na direção de se criar algo novo.
Devemos, entretanto, compreender que a imaginação para Vigotski (2001;
2010; 2014) não está exclusivamente associada à criação artística. Segundo o autor,
a imaginação é tanto o fundamento para a criação artística, quanto para as criações
científicas, técnicas e cotidianas. Todas as atividades humanas estão mais ou
menos implicadas pela presença do movimento imaginativo, ainda que poucas
estejam interessadas diretamente no seu desenvolvimento. Neste ponto, o teatro,
mas também as outras linguagens artísticas performativas, parece ter em si um
diferencial: ele depende majoritariamente da capacidade humana de supor uma
situação diferente da que vivencia em um determinado tempo e espaço. Ou seja, se
por um lado o teatro depende da maciça presença da imaginação, por outro, ele é

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capaz de exercer ampliações significativas na capacidade abstrativo-imaginativa da
pessoa.
Retomemos a questão da temporalidade da imaginação.
Para o psicólogo russo, a imaginação, como dissemos, possui duas
dimensões de existência, as quais Vigotski denomina: imaginação reprodutiva e
imaginação criativa.
A imaginação reprodutiva é aquela mais vinculada à memória; tem por função
a conservação das experiências, e serve, por exemplo, para o ato de relembrar
impressões passadas. Aos poucos, o ato reprodutivo facilita a adaptação da pessoa
ao meio exterior, na medida em que estimula a permanência de certos hábitos.
Todavia, como já dissemos, mesmo a mais recente memória, enquanto imagem, já
tem algo de diferente em relação ao que foi enquanto vivência. Nesse sentido, não
vemos tão ajustada a separação proposta por Vigotski entre algo que é puramente
reprodutivo e algo que é puramente criativo. Parece-nos mais razoável pensar em
preponderâncias de um movimento em relação ao outro. Alguém que recorda
também cria, preenche suas memórias de algum modo; alguém que cria também se
vale de hábitos e modelos anteriores, mesmo que não tenha consciência da sua
presença em algum grau. Visto isso, preferimos, no que se segue, considerar aquilo
que em Vigotski é uma memória, uma imaginação reprodutiva, como uma
imaginação retrospectiva, que tem por função a manutenção o mais literal possível
de um passado vivido, mas que resguarda em si a alteridade do rememorar; e
chamar por imaginação prospectiva aquela que em Vigotski atende às demandas da
criação de novidade. O termo prospectivo aponta tanto para a futuridade da
imaginação, como em Vigotski, bem como para o processo que faz possível a
emergência da novidade.
Nos dois casos, a imaginação está tomada em Vigotski, desde Alexandre
Baumgarten (1714 – 1762), como cognição sensível, ou seja, como capacidade de
reproduzir, adaptar e transformar impressões sensoriais. Para o autor, essa
cognição sensível, ainda que fortemente ligada às vivências pessoais, pode não ter
necessariamente função em relação à “realidade”. Ainda que, no teatro, por
exemplo, as situações reais sejam tomadas como objeto de jogo (para mantermos a
ideia de ludicidade da imaginação), as investigações do como poderia ter sido e do
como deveria ter sido não alteram a realidade ela mesma, mas podem exercer
influência nas significações afetivo-cognitivas que os participantes da atividade
constroem sobre suas experiências.
Nesta direção, segundo o autor, a imaginação, seja ela retrospectiva ou
prospectiva, estabelece intensas ligações emocionais com a realidade, por meio das
escolhas afetivas de pensamentos, imagens e impressões. Para tanto, a imaginação
como movimento transita entre uma dimensão plástica, que se direciona aos
elementos constituintes externos das experiências, tais como características de
objetos, e a dimensão emocional, elaborada a partir das negociações
intrassubjetivas que o sujeito faz, considerando-se o todo da sua existência afetivo-
cognitiva.
Por essa perspectiva, a investigação teatral de um evento é igualmente a
investigação de um posicionamento pessoal sobre este mesmo evento, bem como a
constituição de um posicionamento de grupo frente ao evento, que implica em
constantes e intensas negociações intra e intersubjetivas. Se pensarmos nas
brincadeiras infantis, tão caras àqueles que se dedicam a estudar o Ensino de
Teatro, já temos nelas explicitações claras do que estamos falando. Nas
brincadeiras com bonecas, não só existem as reproduções da relação mãe-filha, por

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exemplo, com que convive a criança, como também um posicionamento pessoal da
criança sobre a (rel)ação. Ela negocia em tempo real a sua própria experiência, troca
de papel, reorganiza as regras (quase sempre dinâmicas – em constante
transformação); a criança experimenta o mundo na ludicidade teatral de forma como
a vida cotidiana não a permite vivenciar. Nas palavras de Vigotski (2014, p. 6), “Os
jogos das crianças não são uma simples recordação de experiências vividas, mas
uma reelaboração criativa dessas experiências, combinado-as e construindo novas
realidades segundo seus interesses e necessidades”.
Valendo-se dessa necessidade da criança de explorar seu próprio mundo e a
partir dele criar outras temporalidades possíveis, a inserção do Ensino de Teatro
com crianças na Educação Básica Formal, precisa cada vez mais se desvincular da
necessidade, bastante comum em jovens professores de teatro, da construção de
cenas teatrais, para se tornar um lugar de exploração pessoal e coletiva da própria
realidade. Não raro ouvimos professores de teatro alegando que se nos prendermos
à realidade das crianças, não estaremos ampliando seus universos pessoais.
Todavia, como afirmou Vigotski, os elementos da imaginação são sempre vinculados
às experiências passadas, reais ou imaginadas. Para Vigotski (2014, p. 10), mesmo
as fantasias, que são talvez as manifestações da imaginação mais distantes de
traços perceptíveis da realidade, “(...) não são outra coisa senão uma nova
combinação de elementos semelhantes, retirados, de fato, da realidade e
submetidos simplesmente a modificações ou a reelaborações pela nossa
imaginação.”
Segundo o psicólogo, os primeiros traços ou aspectos selecionados pela
pessoa para iniciar o movimento imaginativo são sempre vinculados a alguma
experiência da vida material. Com esses são combinados elementos do universo
fantasioso da pessoa. As combinações podem ser tão numerosas e intensas que
nos perderemos da referência da realidade. Ou seja, não se trata de, no Ensino de
Teatro com crianças, partir do universo abstrato, mas almejá-lo, tomando-se como
ponto de partida a cotidianidade da criança. Parece-nos, assim, que se fossemos
falar em metodologia do Ensino de Teatro, tenderíamos a supor necessário primeiro
a instauração do jogo infantil, natural e cotidiano à criança, e nele negociar outras
possibilidades de consumá-lo, com novos contextos e objetivos. Talvez, assim,
estaremos falando de uma metodologia de negociação intersubjetiva da atividade
lúdico-teatral. Ou seja, a orientação no Ensino de Teatro, serviria como instauradora
da possibilidade de uma futuridade do jogo – o jogo poderia ser cada vez
diversamente consumado pelas crianças-que-brincam.
Isso nos remete à ideia vigotskiana de que existe um processo bastante
comum na cotidianidade que é a criação coletiva anônima. São raros os casos em
que uma pessoa faz emergir no mundo algo historicamente grandioso e
transformador das relações entre as pessoas e o mundo. Todavia, a imaginação
prospectiva nos permite todo tempo pequenas e, por vezes, insignificantes (para os
outros) transformações da realidade, que no exercício da coletividade se somam a
outras pequenas criações e resultam para aquele grupo específico em significativas
transformações. É nesta direção que estamos pensando a metodologia de
negociação intersubjetiva da atividade lúdico-teatral. Cada criança toma o jogo para
si, como de costume, vai aos poucos propondo alterações e adaptações, ainda que
pequenas, também o faz o próprio orientador, que jogo junto, até que se tenha
construído um jogo teatral (não necessariamente dramático) que pertença àquele e
somente àquele grupo. Independente, em um primeiro momento, se ele permanece

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próximo demais da própria realidade das crianças ou se se expande para dimensões
mais abstratas.
Evidentemente, a vida cultural das crianças, e não menos dos adultos, cria
limites e possibilidades para a instauração dos jogos, já que é nela e a partir dela
que a pessoa é capaz de vivenciar o que quer que seja. E isto não deve ser um
problema, já que a própria cultura contempla variações em número e proporções
suficientes para exploração, sentidos como infinitos pela pessoa (ainda que não o
sejam).
Segundo Vigotski (2014, p. 12),

“a atividade criadora da imaginação está relacionada diretamente


com a riqueza e a variedade da experiência acumulada pelo homem,
uma vez que essa experiência é a matéria-prima a partir da qual se
elaboram as construções da fantasia. (...) É essa a razão pela qual a
imaginação da criança é mais pobre do que a do adulto, por ser
menor a sua experiência.”

Depreende-se daí um equívoco comum ao discurso popular sobre a


imaginação infantil: que ela é sempre mais intensa do que no adulto. Sim, isto não
estará equivocado se pensarmos em quantidade de ocorrência e não em qualidade
de processo. De acordo com o psicólogo, existe uma tendência a diminuição da
frequência da imaginação criativa no adulto se comparado à criança. Todavia,
quando existe, ela é tanto mais potente quanto mais experiências significativas
aquele que imagina tiver vivenciado. Por outro lado, a imaginação infantil, ainda que
quase constante, a depender da faixa etária, possui uma potencialidade restrita pela
pequena quantidade de experiências significativas.
Se o Ensino de Teatro nas séries iniciais do Ensino Fundamental tiver, como
apontamos acima, a função de expandir a temporalidade dos eventos, ou seja,
ampliar a sua existência no tempo (futuro do presente e futuro do pretérito),
construindo outras possibilidades de ocorrência para eles, então, a presença do
teatro na escola também pode auxiliar a suprir essa demanda. Ao ampliar a
temporalidade dos eventos, a prática lúdico-teatral potencializa a construção de
outras combinações imagético-afetivas ainda não exploradas pela criança.
Quando falamos de temporalidade dos eventos, não estamos pensando
necessariamente em “fatos reais acontecidos, com determinada complexidade
histórica” ou de algo nesta direção. Estamos pensando qualquer evento que seja
cotidiano à criança, como por exemplo, dar banho na sua boneca ou mesmo
cumprimentar alguém. Alterações contextuais e/ou motoras expandirão as
explorações de movimentos (portanto, da relação corpo-mundo) rumo a novas
possibilidades combinatórias futuras. Algo que poderia ser considerado no campo do
figurativo pode adentrar aos poucos a dimensão do abstrato, e uma aula de teatro
passa a ser sobre pessoas que se encontram e se cumprimentam das mais diversas
formas, com diferentes partes do corpo, em velocidades, tensões corporais e
desenhos no espaço realizados pelo corpo, bastante variados. Isso pode ser
ampliado até ações mais cotidianas como beber água, ir ao banheiro, caminhar da
sala de aula atual até o espaço em que acontecerá a aula de teatro etc..
Para Vigotski (2014, pp. 12-13), “A conclusão pedagógica que podemos tirar
daqui é a necessidade de ampliar a experiência da criança se quisermos
proporcionar-lhes bases suficientemente sólidas para a sua atividade criativa.” Isto
porque, como já apontamos, experiência e imaginação se apoiam mutuamente; se a
imaginação depende da experiência para se potencializar, o movimento imaginativo

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produz novas e significativas experiências para a criança, no campo da fantasia,
mas também no âmbito da descoberta de novas possibilidades para a existência de
eventos específicos.
Também cabe, desde esta perspectiva, ao orientador das atividades lúdico-
teatrais, a mediação de experiências que venham a propiciar construções de
conhecimento a respeito de algo que possa servir de alicerce para a imaginação
prospectiva, já que dados da experiência do outro, segundo o autor, quando
“filtrados” pela pessoa em suas experiências pessoais, produzem novas
combinações imagético-criativas. Essa função do orientador das atividades lúdico-
teatrais é relevante na medida em que, por exemplo, segundo Vigotski (2014, p. 14),
“Se eu não tivesse uma ideia da seca, dos areais, dos grandes espaços e animais
que habitam os desertos, não conseguiria criar uma imagem sobre o deserto.” Ou
seja, é também função do orientador das atividades lúdico-teatrais impulsionar o
surgimento de caminhos que permitam a construção de imagens mentais sobre
aquilo que pode ser tomado como totalmente novo pela criança, para, a partir de
então, possibilitar combinações dessas novas imagens com aquilo que a criança já
“possui” em seu repertório pessoal. Nesse sentido, para o autor, devemos
compreender que a imaginação está como que orientada pela experiência alheia. E
a qualidade da orientação implica na qualidade e na potência do movimento
imaginativo.
Segundo Vigotski (2014, pp.111-112), no que se refere à temporalidade no
Ensino de Artes (no nosso caso especifico, do teatro) com crianças,

Todo o futuro do Homem é conquistado através da imaginação


criativa. A orientação para o futuro, um comportamento baseado no
futuro e derivado desse futuro, é a mais importante função da
imaginação e, por isso, o objetivo educacional mais significativo do
trabalho pedagógico é a orientação do comportamento da criança na
idade escolar com a intenção de prepará-la para o amanhã, na
medida em que o desenvolvimento e o exercício da criatividade
constituem-se como a principal força no processo de concretização
desse objetivo.

Poderíamos erroneamente depreender dessa colocação do psicólogo russo a


ideia de que então o presente, enquanto espaço possível para o agir simbólico,
tenha menor importância no desenvolvimento da pessoa, e que devemos pensar,
prioritariamente, em um vir-a-ser adulto (futuridade independente de presente).
Entretanto, ainda segundo o autor, toda e qualquer futuridade só é possível na
medida em que se ampliam as possibilidades de exercício da imaginação criativa, a
qual só pode ser materializada no aqui e agora (presente) da (rel)ação. O que
pretende Vigotski com a afirmação acima é alertar para a necessidade de se
possibilitar para o aluno, por meio da orientação docente, mas evidentemente não
exclusivamente dependente dela, a formação de uma personalidade criativa, que,
pela natureza da criação, estará como que projetada para o futuro.

Imaginação e Afetividade: associações e dissociações na criação


Outro aspecto relevante deve ser considerado nas orientações lúdico-teatrais:
o fator emocional das combinações imagéticas, denominado como lei do sinal
emocional comum.

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A essência dessa lei consiste em que as impressões e imagens que
causam um efeito emocional comum tendam a agregar-se entre si,
apesar de não existir entre elas nenhuma semelhança interior ou
exterior. O resultado é uma combinação de imagens baseadas em
sentimentos comuns ou um mesmo sinal emocional que aglutina
elementos heterogêneos que se conectam. (Vigotski, 2014, p. 16).

Isso não significa assumir que a criança, ao criar, tenha consciência dessa
relação emocional das imagens e/ou das experiências. Muito pelo contrário, a
discrepância inicial dos eventos e das imagens como que camufla o vínculo das
combinações imagéticas. Contudo, a exploração das variações do evento
(decomposição e reorganização de partes), como indicamos anteriormente, e a
presença de proposições em contraposição (ações antagônicas) podem auxiliar a
criança a reorganizar significações afetivo-cognitivas diversamente dos modos como
as apresentava anteriormente. Isto porque, eventos valorados positivamente quando
trabalhados com eventos valorados negativamente pela criança podem auxiliá-la a
expandir os complexos de combinações durante o ato criativo. Não queremos dizer
com isso que o evento em si, valorado pela criança negativamente, venha a ser
reorganizado enquanto tal, mas, talvez, a presença dele nas atividades implique em
mudanças de perspectiva combinatória.
Além desse aspecto de aglutinação nas combinações, Vigotski reconheceu
ainda a presença constante de outros dois aspectos: aglutinação por semelhança,
que envolvem semelhanças quanto a aspectos mais cognitivos, e aglutinação por
experiência, dados de uma mesma experiência, ainda que não pertencentes a um
mesmo objeto, por exemplo, podem ser combinados de diversas formas. Se
reconhecermos na brincadeira e no jogo infantil a presença de aspectos da
teatralidade, e aqui poderíamos elencar muitos, mas pensemos inicialmente na
construção de papeis sociais (para dialogarmos mais diretamente com Vigotski) e na
exploração corporal para a expressividade (para nos mantermos na atualidade da
nossa pesquisa prática), depreenderemos do que foi explicitado acima, que a
brincadeira apresenta elementos suficientes para que, se devidamente orientada, a
criança consiga, sem se desvincular do jogo iniciado, adentrar mais efetivamente
naquilo que podemos considerar aula de teatro com crianças. Ou seja, para a
criança, ela não deixou de brincar do que brincava antes; para o adulto (professor de
teatro), a criança está explorando mais detidamente aquilo que ele, o adulto, julga
necessário como experiência teatral. Nesse sentido, nos desobrigamos, enquanto
professores de teatro, de nomear os elementos teatrais tão precocemente (na
Educação Infantil e até mesmo no todo do Ensino Fundamental – Séries Iniciais).
Como aponta Vigotski (2010), a necessidade de nomear (atribuir significantes
linguísticos) só se torna uma demanda real para a pessoa depois de experiências
significativas.
Para o autor, a pessoa frente a experiências significativas reorganiza seus
esquemas sensório-motores e imagético-simbólicos anteriores, na medida em que
faz emergir para si e para o mundo produtos da imaginação, sejam eles ferramentas
e utensílios de trabalho, sejam obras de arte. Para Vigotski (2014, pp. 19-20),

Esses produtos da imaginação atravessam uma longa história que


talvez se deva resumir de um modo esquemático e sucinto: deve-se
mencionar que descreveram um clico no curso de seu
desenvolvimento. Os elementos a partir dos quais foram construídos
foram apropriados pelo homem da realidade e em seu pensamento

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foram sujeitos a um trabalho de reconstrução, transformando-os em
produtos da imaginação.
Por fim, ao serem materializados, voltaram outra vez à realidade,
mas trazendo consigo uma força ativa nova, capaz de transformar
essa mesma realidade, fechando-se, assim, o ciclo da atividade
criativa da imaginação humana .

Evidentemente, nessa passagem Vigotski está pensando a macrogênese dos


ciclos de criação. Entretanto, como já apontamos, o autor reconhece que em um
aspecto micro e insignificante para a sociedade como um todo, esse mesmo ciclo se
dá em cada ato de criação individual. Ou seja, também na pessoa e para ela o
processo criativo é prospectivo e implica na apropriação da realidade que a cerca,
seguido de combinações e negociações intrassubjetivas, e retorna para a realidade
em forma de algo manifesto – objeto, ação, comportamento frente a algo específico
etc..
É necessário atentarmos para o fato de que, para o psicólogo russo, apenas
frente ao excesso de experiência esse ciclo criativo da imaginação pode se efetivar.
Nessa direção, a ansiedade do professor de teatro por produção teatral, seja de
qualquer natureza, vai de encontro à possibilidade do ciclo completo de criação.
Quando o foco no Ensino de Teatro está no produto (criar personagens, cenários,
figurinos etc..), em especial com as crianças menores, que, segundo já apontamos,
a partir de Vigotski, possuem poucas experiências significativas, o que se tem é
certa instrumentação vazia. Em resumo, desde esta perspectiva, o Ensino de Teatro
com crianças do Ensino Fundamental – Séries Iniciais deveria ser pensado com fins
de devolver a criança a ela mesma e ampliar as suas potencialidades nesse
encontro dela com ela mesma, já que, conforme estamos apontando, o ato criativo é
apenas o ápice de um processo intenso e longo anteriormente construído. Disso
depreendemos uma dupla finalidade possível para o teatro no Ensino Fundamental:
1 – Intensificar as experiências com foco nas percepções internas e externas (o si
mesmo no mundo); 2 – propiciar um ambiente capaz de incentivar a emergência do
ápice criativo, considerando-se sempre que, no mais das vezes, o impulso para a
criação não encontra resposta na capacidade criativa.
Para Vigotski, o ciclo completo da imaginação criativa só é possível com o
surgimento de demandas sentidas como significativas pela pessoa. Pelas demandas
tomadas pela pessoa como originárias da necessidade de adaptação (que no nosso
caso podem ser lidas como adaptação das regras, contextos e pares do jogo-teatro),
iniciam-se processos pessoais de dissociação e associações de impressões
construídas nas percepções, com fins da potencialização da imaginação criativa.
Nas palavras de Vigotski (2014, p. 26),

Cada impressão representa um todo complexo composto por um


conjunto de múltiplas partes independentes. A dissociação implica a
fragmentação desse todo complexo, separando as suas partes
individuais, preferencialmente por comparação de umas com as
outras; umas são guardadas na memória e outras são esquecidas. A
dissociação é, desse modo, condição necessária para a subsequente
atividade da fantasia.

Seguem-se à dissociação, novas combinações de múltiplas naturezas, entre


elas a fantasia, que resultam em novidades de associações para a pessoa. Essas
novas combinações podem outra vez passar pelo processo de associação. E isso se

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segue em ciclos ininterruptos. Disso desponta outro aspecto crucial para nós quanto
ao Ensino de Teatro: os novos processos de associação são orientados pela
quantidade e qualidade das excitações e estimulações tanto nervosas quanto
cognitivo-emocionais. Ou seja, como ambiente naturalmente lúdico, a aula de teatro,
orientada em direção à expansão da presença da teatralidade nas brincadeiras
infantis, pode vir a favorecer tanto a seletividade dos traços a serem dissociados de
experiências já vividas pelas crianças, como a pluralidade das combinações a que a
criança é capaz de conceber. Nesse sentido, também o tipo das brincadeiras pode
variar e se expandir, indo desde brincadeiras já conhecidas pelas crianças até
brincadeiras que serão introduzidas no grupo, o mais naturalmente possível, pelo
orientador das atividades teatrais.
Ainda que boa parte desse processo tenha uma dimensão intrassubjetiva, o
ciclo completo da imaginação criativa, para o autor, só ocorre na medida em que
existe a construção de ações exteriores, sejam elas corporais ou verbais. Isso não
significa, no caso da criação artística, que essa ação exterior tenha alguma relação
direta de função ou sentido com a realidade. Para o psicólogo, é da natureza da
imaginação criativa, quando se materializa em forma de experiência artística,
construir um nexo de sentido que lhe é próprio. Todavia, como já apontamos
anteriormente, existe uma “angústia natural à imaginação criativa”, que corresponde
ao desencaixe entre o impulso de criação e a efetivação da criação. Na medida em
que a pessoa exercita o ciclo completo da criação, ela vai construindo para si um
repertório sempre em ampliação das suas capacidades expressivas, que estão
influenciadas, por um lado pelos modelos socioculturais de expressões, e por outro
pelo ambiente em que aquele impulso de criação é gerado.

Considerações Finais
Por fim, mas não menos importante, atentemos para o fato de que, ainda que
a fantasia possa ser uma forma de imaginação criativa, a contemplação assume,
segundo o autor, também uma dimensão fantasiosa. Entretanto, essa, a fantasia da
contemplação, costuma ser menos intensa e não resulta em ações exteriores. No
mais das vezes, a contemplação não faz emergir fantasias a serem compartilhadas.
Daí, podemos supor dois diferentes grupos de estímulos: 1 – aqueles que propiciam
o surgimento de demandas pessoais de imaginação criativa – portanto, de criação; 2
– aqueles que não propiciam a emergência dessas demandas. Nesse segundo caso,
estamos falando da contemplação pura ou da execução de algo como exterioridade.
No Ensino de Teatro, por exemplo, podemos pensar que esse segundo grupo seja
mais frequente quanto mais intensa for a ansiedade do orientador quanto a
resultados cênicos (no sentido daqueles que tomam como referência o teatro
profissional realizado quase sempre por adultos). Somente no primeiro caso, para
Vigotski (2014, p.61), teremos o que pode ser considerada a verdadeira função da
educação, “despertar na criança aquilo que ela já tem em si, ajudá-la a desenvolvê-
lo e orientar seu desenvolvimento em determinada direção.”
O estímulo criativo, necessário à imaginação criativa, segundo o psicólogo,
não carece de mediação ou orientação. O foco do orientador das práticas que visam
à criação deve estar em fazer nascer na vida cotidiana da criança (ou potencializar
na vida cotidiana da criança, nos nossos termos) a necessidade da criação. A
demanda ela mesma, depois de significada como pertinente pela criança, é capaz
de impulsionar atos imaginativos-criativos, e nisso encontramos um dos porquês da
inserção do Ensino de Teatro na Educação Básica Formal, em especial nas séries
iniciais do Ensino Fundamental. Ainda assim, as formas de expressão da pessoa só

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ampliam em possibilidades e qualidades quando processualmente exploradas desde
aquelas que lhes são mais familiares, para a criança: o brincar.
No caso específico da criança do Ensino Fundamental – Séries Iniciais,
Vigotski (2014, p. 75) nos faz atentar para outro aspecto de grande relevância para o
Ensino do Teatro, nas criações infantis “aparecem com mais frequência as ações,
com menor frequência os objetos e, ainda mais raramente, as características
particulares dos objetos.” Nesta mesma direção, o autor apontou para o fato de que
o jogo, no espaço escolar, não precisa e/ou deve ser sempre livre, sem orientação.
Ao contrário, faz-se necessário auxiliar as crianças nas organizações dos seus
jogos, na escolha de estratégias de criação, no estimulo à transformação dos
próprios jogos, em grande medida construindo certas resistências e dificuldades
simbólico-acionais para a criança. E é também nesse sentido que reconhecemos a
possibilidade de atuação relevante do professor de teatro nas séries iniciais do
Ensino Fundamental.
Concluímos, portanto, pelo que vimos aqui expondo e desde a nossa questão
norteadora, que as proposições de Vigotski, em sua obra “Imaginação e Criatividade
na Infância”, nos auxiliam a pensar a inserção do Ensino de Teatro nas séries iniciais
do Ensino Fundamental e os caminhos da orientação por parte do professor na
direção de: 1- cultivar e ampliar a potencialidade da imaginação criativa na criança,
orientando a expansão da presença da teatralidade lúdica no seu cotidiano; 2 –
problematizar a situação cotidiana da criança para que daí emerjam demandas para
a imaginação criativa; 3 – ampliar as experiências significativas da criança para que
ela tenha materiais suficientes para novas dissociações e associações; 4 – ampliar a
habilidade expressiva da criança, tomando como referência a sua expressividade
natural na brincadeira; 5 – impulsionar experiências da temporalidade dos eventos.
Só então cremos ser possível passar do Ensino de Teatro para crianças para o
Ensino de Teatro com crianças

Referências
VIGOTSKI, Lev Semenovich. A Construção do Pensamento e da Linguagem. São Paulo:
Martins Fontes, 2010.

_______________________ Imaginação e Criatividade na Infância. São Paulo: Martins


Fontes, 2014

_______________________ Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Juliano Casimiro de Camargo Sampaio


Doutor e Mestre em Psicologia (IP-USP); Bacharel em Artes Cênicas (UNICAMP); é
professor adjunto (DE) do curso de Licenciatura em Artes-Teatro da UFT, professor-
colaborador da Pós-Graduação em Artes (Mestrado e Doutorado) da UNESP e diretor
Artístico-Pedagógico do Eu-Outro Núcleo de Pesquisa Cênica. Organizador do livro
“Teatralidades – da pedagogia da imagem ao sujeito biopolítico” (EDUFT/2014); autor do
livro “Teatralidade e Narrativa – conhecimento e construção de sentido da experiência
criativa” (EDUFT/2014). http://lattes.cnpq.br/3311297887691146

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