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Universidade do Minho

Lima, Denise Maria Domingues de


Filosofia para crianças : uma abordagem crítica
dentro da filosofia da educação
http://hdl.handle.net/1822/4925

Metadados
Data de Publicação 2004
Tipo masterThesis

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II- Currículo de Filosofia para Crianças

1. Estratégias subjacentes à elaboração do currículo

O desenvolvimento das habilidades do pensar não é possível num

currículo que, não seja pensado para ser utilizado em Comunidade de

Investigação, em questionamento. Porque o que se tem observado nos

currículos de ensino e na sua aplicação, dentro das escolas (segundo

Lipman, 1990, 166-167) é uma atitude monológica e não uma atitude

dialógica. O que não se percepciona como plausível e possível é o

desenvolvimento, a tempo e horas, de um conjunto suficiente de

habilidades cognitivas por parte dos componentes curriculares.

Em todas as matérias curriculares é fundamental e importante que

os alunos saibam, no nosso caso particular, a Língua Portuguesa para

que saibam ler e escrever os conteúdos de cada disciplina. Ninguém

ousaria retira-la dos currículos, já que é base fundamentar para se

compreender e analisar todas as outras matérias curriculares. As

habilidades do pensamento, como já tivemos oportunidade de salientar no

capitulo anterior, são também base igualmente fundamental e necessária

para todo o processo de aprendizagem, o que merece que cuidemos do

seu desenvolvimento através de um currículo específico.

O projecto educativo de FpC apresenta um currículo que propõe

um número significativo de problemas filosóficos para as crianças

reflectirem, procurando reforçar a capacidade da criança para raciocinar,

quer sobre relações ou sobre conceitos.

O Currículo teve como base da sua elaboração sete estratégias:

79
1ª- O desempenho da habilidade de pensamento pode ser

aperfeiçoado pelo facto de dar às crianças prática nas habilidades;

introduzi-las à rationale subjacente às habilidades; por fim, arranjar

oportunidades para aplicar as habilidades. O que quer dizer que, o

currículo apresenta três estágios de desenvolvimento, sendo o primeiro a

prática da habilidade cognitiva com o mínimo de explicação,

correspondendo ao Pré-escolar (5 -6 anos). O segundo corresponde ao 1º

e 2º ciclo, estudando o sistema subjacente de explicação, ou seja o

desenvolvimento da linguagem, falando, lendo e pesando, de certa forma

corresponde ao estádio formal do desenvolvimento da criança. No 3º ciclo

pretende-se mostrar aos alunos como aplicar aos problemas da vida do

adolescente e adulta as habilidades que eles podem usar e entender.

2ª- Após a identificação dos três estágios como 1ª estratégia é

crucial a reflexão sobre o programa correspondente a cada um deles,

para que exista um tratamento curricular sequenciado. Por exemplo a

Elfie, que é para o Pré-escolar, incide no fazer da distinção, conexão e

comparação, conteúdos que abrem o caminho para as habilidades mais

aprimoradas de classificação e comparação encontradas em Pimpa.

3ª- Tendo em conta a estratégia anterior infere-se que o currículo é

ordenado e “planejado para corresponde aos estágios do

desenvolvimento cognitivo já existentes, derivados de descrições do

comportamento de crianças em contextos não educacionais” (1990, 169).

Lipman diz, ainda, que a organização do currículo funciona

“paradigmaticamente para os alunos que procuram descobrir como

devem pensar.” (Ibid).

80
4ª- A acareação entre a criança e o currículo deve proporcionar

empatia de forma a estimular à reflexão e à investigação. “Deve haver

desafio intelectual, mas apresentado de modo a ser emocionalmente

estimulante.” (Ibid) O que significa que o currículo tem de apresentar

continuidade afectiva bem como cognitiva. Esta exigência encontra-se no

currículo de FpC, ao fornecer programas em forma de novelas de

crianças.

5ª- As personagens fictícias encontradas nas novelas estão

determinadas a servirem de modelos. Não obstante, as personagens não

podem ser totalmente activas, mas sim, personagens relaxadas. Essas

personagens, que são crianças, não devem possuir como única

curiosidade o que os adultos já sabem, mas sim, intriga pelo

desconhecido de forma a problematizarem a sua própria experiência.

“Além do mais, as crianças são retratadas como pensantes, como se

engajando em actos mentais.” (1990, 170).

6ª- Os manuais são os instrumentos propícios para fazerem com

que os professores procurem manter o momento especial ao qual a

novela deu o impulso inicial. Isso é possível, na medida em que existe um

planeamento de discussão de modo a originar novas perguntas. Os

manuais pretendem fomentar o diálogo e o raciocínio sobre os temas

levantados nas novelas.

7ª Como ultima estratégia, Lipman aponta a necessidade da

investigação como processo de autocorrecção. Esta correcção não se fica

pela correcção de erros mas, por uma correcção de parcialidade, o que

implica observar de muitas outras perspectivas. “A investigação é

81
necessariamente perspectiva (sic), social e comum”. (Ibid). As crianças

devem analisar o seu pensamento como seu e não como o da

Comunidade de Investigação, ou seja, cada criança da comunidade deve

pensar por si.

Estas sete estratégias pressupõem (1) que as habilidades

cognitivas de categoria inferior e categoria superior da criança não são

adquiridas progressivamente com a idade mas estão em formação nos

estágios pré-linguístico, processo que é acelerado na fase de aquisição

da linguagem; (2) as crianças podem e necessitam ter contacto com

abstracções bem antes do início do estádio formal, assim como (3) a

deficiência cognitiva das pessoas de qualquer idade pode ser devida à

falta de experiência indispensável, as capacidades de raciocínio. O bem

pensar depende, de certa forma, das experiências de cada pessoa e de

como utilizou essas experiências. A quarta pressuposição (4) remete para

o facto de não se esperar que as crianças sintetizem aspectos diferentes

se lhe foram ensinados isolados uns dos outros.

Com o currículo assente nestas estratégias, os textos filosóficos

criados por Lipman, onde as personagens se comportam como filósofos,

o bem pensar e a filosofia têm uma relação intrínseca, que no caso das

outras disciplina a relação é extrínseca. Fazer alguém filosofar, por

conseguinte, é fazê-lo pensar, necessariamente, bem. Isso consegue com

– os programas de FpC - os textos filosóficos.

82
2. A Novela filosófica

A Novela ou romance filosófico, que segundo Lipman, caracteriza-

se por apresentar um modelo de Comunidade de diálogo filosófico ou

investigação filosófica que aborda os aspectos problemáticos da

experiência. Texto que apresenta a riqueza dos conceitos filosóficos da

tradição em toda a sua complexidade e no seu carácter aberto. Mas o que

é que Lipman entende por texto? Ao longo de toda a história do percurso

filosófico verificamos o quanto o texto foi e é importante na forma de

desenvolver o caminho para a compreensão. Filósofos como: Whitehead,

salienta que o caminho da compreensão está em começar pelo romance

e a aventura; começar pela narrativa é recomendação de Gadamer e

Ricoeur. Porém, não são estes os textos que Lipman aconselha para o

desenvolvimento das habilidades, pois ele mesmo diz: “não que tenhamos

nada contra histórias; adoramos.” (2001, 311), porém não são, segundo o

pioneiro, essas histórias, esses textos que levam ao estudo sério, à

investigação em comunidade filosófica.

O texto na forma narrativa é o escolhido por Lipman, no entanto

não são os defendidos pelos filósofos citados no parágrafo anterior,

também não é a história literária, pois é uma literatura fantasiada por

alguém, não contendo factos, e são os factos que constituem o

conhecimento, não podendo esquecer que, as crianças vão para a escola

para adquirirem conhecimentos. Conhecimentos que devem ser do estilo

descritivo. (Cfr Lipman, Ibid.).

83
Para não se ficar pelo estudo das descrições (porque as crianças

devem aprender a verdade acerca do mundo e a descrição é o meio mais

adequado), Lipman defende, para a FpC, a estrutura literário – filosófico

que gera um modelo funcional para o diálogo enquanto integra a

comunidade e fortalece os laços sociais; texto que incorporam e

modelam, tanto a racionalidade como a criatividade, para que o pensar

atinja a ordem superior. “O pensar de ordem superior implica num

constante vaivém, num diálogo contínuo entre a racionalidade e a

criatividade.” (2001, 313).

As novelas filosóficas são constituídas por “personagens - modelo

da mesma idade das crianças que as lêem” (Kohan, Wuensch,op. Cit.,

88), tendo como objectivo aplica-las aos vários problemas filosóficos, tais

como: problemas lógicos, éticos, estéticos, sociais e políticos. Mas

porquê novelas filosóficas?

Porque, se a filosofia, segundo Lipman, “é uma recompensa em si

própria”, então podemos também salientar que a Filosofia é a disciplina

que melhor desenvolve a mente através do raciocínio aperfeiçoado e da

formação de conceitos (Kohan, e Leal, 2000,254). Sendo o “raciocínio é

pensamento em movimento, exercendo pressão progressiva para a

frente.” (Lipman, 1990, 48) Efectivamente, pretende-se desenvolver um

pensamento discursivo submetido a aspectos válidos ou não válidos, isto

é, critérios de avaliação, exigindo que se utilize inferências, que

apresente uma sintaxe e uma semântica, com apresentações razoáveis,

convincentes, ou seja, com pragmática. É, sem dúvida, a sala de aula o

local onde as crianças podem desenvolver o raciocínio.

84
Desenvolver porque as crianças começam a sondar, examinar,

inferir e indagar muito antes da aquisição da linguagem, isto é: as

crianças estão naturalmente inclinadas a adquirir habilidades cognitivas,

do mesmo modo que adquirem naturalmente a linguagem, e a educação

é necessária para fortalecer esse processo (Lipman, 2001,66). Não

obstante é necessário um programa educacional para o Pensar para

cultivar as habilidades, proporcionando ao aluno as condições, de um ser

mais atento ao que se passa à sua volta, mais reflexivo, mais discursivo,

mais tolerante, sobretudo fornecer instrumentos para melhorar a sua

capacidade de criar juízos. Decerto que as áreas de habilidades mais

significativas para os objectivos educacionais são aquelas relacionadas

com os processos de investigação, de raciocínio, organização de

informação e tradução.

A forma como se cultiva a habilidade de investigação através do

diálogo possibilita a construção de um saber pela participação, ou seja,

“as crianças aprendem a associar as suas actuais experiências com

aquilo que já aconteceu em suas vidas e com aquilo que esperam que

aconteça” (Ibid); a criança está pronta a fazer raciocínios analógicos. Em

relação à habilidade de raciocínio, a criança, através do conhecimento da

experiência vai ampliando, elaborando raciocínios dedutivos e indutivos,

que partem de duas premissas válidas formalmente para inferirem uma

conclusão. As premissas são válidas, mas podem não ser verdadeiras,

ou seja, o que é verdadeiro para uns pode não ser verdadeiro para

outros. Posto isto, pode-se “demonstrar a alunos incrédulos que a

85
racionalidade é possível, (...) e que alguns argumentos são melhores que

outros.”(Ibid). Isto só é possível utilizando a lógica e as suas noções.

Para chegar a raciocínios é necessário organizar a informação que

vem do exterior em juízos, dado que, é a relação dos mesmos que nos

leva aos raciocínios. No entanto, para chegarmos aos juízos tem de se

organizar os conceitos que nos chegam em redes conceptuais.

“Considerando que cada relação é uma unidade de significados, cada um

dos grupos ou redes alternativos representa uma teia de significados”

(Ibid, 67), as crianças ou os jovens devem compreender e organizar.

O desenvolvimento da habilidade de tradução tem importância

significativa para as artes, para se compreender as expressões artísticas,

“quando um compositor tenta, por meio de um poema sinfónico, conferir

significados literários em forma musical, ou um pintor busca dar um título

a sua obra que será fiel ao seu conteúdo plástico”(Op. Cit., 72) está a

praticar a habilidade da tradução. Praticar a tradução não significa só

traduzir o que é dito numa Língua, para outra diferente, sem perder o

sentido. É muito mais. Pois como diz Lipman: “o raciocínio é aquela

forma de pensamento que preserva a verdade através da mudança, a

tradução é aquela forma que preserva o significado através da mudança”

(Ibidem, 73).

Para pensar melhor e por si mesmo é necessário viver muitas

experiências, que obriguem a escutar, ler, memorizar, escrever, explorar,

provar e errar, e para isso, não se pode deixar de usar todos os nossos

sentidos para desenvolver a perspicácia. Com efeito, na perspectiva,

lipmaniana é a filosofia como um todo, com toda a sua história e

86
temáticas, que é capaz de desenvolver as habilidades do pensamento,

sobretudo é a disciplina que nos faz pensar melhor. E o projecto

educacional de FpC tem como objectivo levar as crianças, não a serem

pequenos filósofos, mas a serem futuros cidadãos que saibam falar,

argumentar, isto é, que tenham pensamento desenvolvido na criatividade,

na crítica e na intervenção social.

É evidente que para se fazer aceitável às crianças, a filosofia, tem

tido de sacrificar a terminologia hermética através da qual, desde

Aristóteles, tem conseguido fazer-se ininteligível para o leigo e

escassamente inteligível para o graduado em Filosofia, como nos diz o

pioneiro em Filosofia vai à Escola. De facto, por que razão se deve

utilizar uma linguagem complexa para estudar temas e questões próprias

da vida do ser humano? Pois, se o importante, no currículo de FpC, como

diz Lipman e os seus colaboradores em todos os manuais, é ter

consciência que o programa é dirigido ao desenvolvimento da destreza

do pensamento, estando implícita a ajuda aos alunos a criarem ideias

novas e a serem mais críticos.

As novelas filosóficas aplicam-se através da metodologia do

diálogo filosófico no contexto da Comunidade de Investigação na sala de

aula, pretendendo-se que cada página de uma novela seja um pequeno

campo filosófico.

Os programas33 que fazem parte do currículo oficial de FpC serão

apresentados, não pela ordem que foram criados, isto é, pela data

33
Em anexo encontra-se um quadro com o currículo, textos e temas oficiais de FpC.

87
publicados pela primeira vez nos E.U.A, mas pela forma da sua aplicação,

desde as idades de 5 e 7 anos até aos 14 e 17 anos.

2.1 Elfi

Novela filosófica para as crianças com idades entre os 5 e 7 anos.

Uma história para se surpreenderem com os seus pensamentos e com as

coisas do mundo exterior. Conteúdos como: o Pensar, o Ensinar, a

Escola, Improvisar, Amizade, Amor, Realidade, Sabedoria e Escolha,

levam ao desenvolvimento das habilidades de estabelecer relações,

encontrar semelhanças e fazer distinções. É importante referir que, em

relação a ferramenta complementar (manual correspondente) desta

novela filosófica, não existe uma só, mas sim dois manuais. O primeiro

surgiu com o título de Pondo juntos os nossos pensamentos. Dada a

riqueza da novela foi possível um segundo manual que os colaboradores

e investigadores de Lipman chamaram de Preparando-se para filosofar.

Neles encontramos uma série de linhas orientadoras para o professor por

em prática a Comunidade de Investigação sobre Antropologia filosófica,

que constitui o tema principal da Elfi34.

Elfi é a protagonista da novela, uma menina de cinco anos muito

tímida, que não levanta qualquer questão nas aulas. No entanto, nada lhe

passa despercebido, tanto nas aulas como no recreio e em casa. A sua

mente está sempre ocupada com muitas coisas. As diferenças entre a

34
No original chama-se Elfie. Editada pela primeira vez em 1988.

88
aparecia e a realidade, a unidade e a multiplicidade, as partes e o todo,

são fruto de grandes reflexões, tal como fizeram Heraclito de Éfeso e

Parménides de Eleia. Lipman soube colocar na Elfi de forma a provocar

espanto nas crianças e questionamento sobre as coisas da natureza. As

coisas existem, para, a partir daí, explicar-se os seus movimentos e

processos. A convicção de que por detrás da aparente pluralidade e

mudança subjaz algum princípio originário, alimenta a inquietação da

protagonista da novela.

2.2 Issao e Guga

A Filosofia da Natureza e Teoria do Conhecimento são os temas

desenvolvidos no texto filosófico Issao e Guga,35 que se aplica a crianças

de 7 a 8 anos de idade. A novela narra as férias de Issao na quinta dos

avós, onde faz amizade com Guga, uma menina invisual que vive ao lado

da quinta. Deste modo, Issao ajuda a sua amiga a conhecer o mundo

exterior e simultaneamente, Guga ajuda Issao a penetrar na realidade do

seu mundo interior, isto é, na mente. Os conteúdos desenvolvidos na

história são: verdade, mundo, amor, natureza, seres vivos e seres

humanos, esperança, beleza, bem, amizade, ecologia, geologia,

cooperação. As habilidades a desenvolver dizem respeito a todos os

sentidos: olhar, tocar, ouvir, saborear, cheirar, assim como, ainda,

35
No original designa-se por Kio e Gus. Novela publicada em 1982 e 1986.

89
detectar pressupostos, levantar questões, brincar a ser outro, procurar

alternativas.

Neste caso, as crianças que têm a oportunidade de conhecer a

obra vão, pouco a pouco, compreendendo a forma de raciocinar e

investigar os conceitos, que nos possam parecer básicos, as situações

do dia-a-dia, para entenderem melhor o mundo externo e interno, para

cuidarem a natureza. Não será que o ser humano ao destruir a natureza

o faz porque lhe falta o espanto, a admiração e a reflexão sobre a

mesma? Histórias como esta também deveriam ser trabalhadas pelos

adultos, para que um pouco da sensibilidade que já perderam voltasse as

suas percepções. Pois, não será que se começou a destruir o meio

ambiente no momento em que se perdeu o espanto e admiração pelo

que nos rodeia?

2.3 Pimpa

Novos programas continuaram a surgir dos trabalhos e

investigações do Institute for Advancement of Philosophy for Children.

Em 1981 aparece Pimpa,36 com temas ligados à Filosofia da Linguagem,

próprios para crianças entre os 9 e 10 anos de idade. A partir da

curiosidade sobre o que rodeia as personagens, as questões surgem até

descobrirem que a resposta é tanto mais interessante e valiosa na

medida que levanta mais questões. A personagem Pimpa apresenta-se

36
No original chama-se Pixie. Editado em 1981.

90
com uma especial curiosidade e vontade de perguntar, mas não um

perguntar por perguntar. É um perguntar sistemático, onde as perguntas

se encaixam de forma metódica, despertando a curiosidade em toda a

turma. Perguntas como Alguma vez o teu braço ficou dormente? Não é

estranho? É como se o teu braço já não te pertence-se! E se o meu corpo

e eu somos diferente, então, quem sou eu? (Lipman, 1989, 10),

estimulam o raciocínio, desenvolvendo as estrutura cognitivas, para a

capacidade de interpretar, criar metáforas, projectar modelos, traçar

comparações, avaliar de forma analógica, estabelecer relações e, fazer

perguntas.

O texto aborda conteúdos como Origem, Identidade, Classes,

Regras, Realidade, Relações, História, Pensar, Mente/Corpo, Linguagem,

Pensamento, Espaço/Tempo e Relato. O facto do texto ter como base e

fio condutor a reflexão filosófica não significa que seja um obstáculo para

alcançarmos os objectivos propostos para a sala de aula. Pelo contrário,

nos países onde se utiliza este programa (novela Pimpa) os alunos são

mais criativos, solidários e sempre prontos para escutar o ponto de vista

do outro. Esta novela também se faz acompanhar pelo manual. Os

exercícios são variados estimulando os alunos a seguir o dialogo na aula

e em casa com os familiares.

91
2.4. A Descoberta de Ari dos Teles

A primeira novela criada por Lipman chama-se: A Descoberta de

Ari dos Teles37. É o texto central do programa de FpC. que proporciona

instrumentos básicos de raciocínio, técnicas de pensamento crítico e de

lógica formal e informal, para jovens de 11 a 13 anos que poderão mais

tarde aplicar em cursos com um grau superior a problemas específicos

de várias áreas, tais como: Matemática, Ciências Sociais ou mesmo

Linguística. Nela encontramos um diálogo entre crianças de 11 a 13 anos

e adultos, tanto nas aulas, como em família, que conduz a descobertas,

com exemplos e situações do dia -a - dia no grupo escolar, das leis da

lógica, e onde se levantam questões tipicamente filosóficas: o que é o

pensamento? o que é a verdade? o que é o universo? etc.

Para elucidar vejamos uma passagem do capítulo III, páginas 18 e

19 do texto, onde os jovens falam do pensamento e do pensar.

(…)
— É curioso – disse ao fim de algum tempo – que
estejamos a falar de pensamentos. Sabes? Aris dos
Teles está sempre a falar de como pensamos.
Lembraste daquela discussão que tivemos outro dia na
aula?
— Como pensamos? – repetiu Fran Wood, que
acabava de chegar e se sentou junto a elas.
— Sim, é que Ari está sempre a falar do
pensamento.

37
O título original é Harry Stottlemeier’s Discovery.. Novela filosófica editada em 1974 e 1982.

92
— Bem! E porque não? – perguntou Jill – Na
escola falamos de tudo, das chuvas anuais, das guerras,
dos drogaditos, e da con-ta-mi-na-ção am-bi-en-tal.
As raparigas riram-se, pois reconheceram que Jill
estava a imitar a professora Halsey, a de geografia e
história. Porém Fran queria continuar a falar do tema.
—Quando decides «um pensamento», o que
queres dizer: os pensamentos que temos na cabeça…,
ou seja, ideias, lembranças, sonhos ou tudo isso… ou a
maneira como pensamos?
— O que queres dizer com a «maneira como
pensamos»?
(…)
Lisa acrescentou
— A minha mente, bem!, é como um mundo por si só. É
como o meu quarto. No meu carto tenho as bonecas
numa estante, e às vezes agarro uma para brincar e
outras vezes agarro outra distinta. E faço o mesmo com
os meus pensamentos. Tenho os meus pensamentos
favoritos. E tenho outros que nem quero pensar.
(Lipman, 1994, 18-19).

Os jovens, na prática de Comunidade de investigação, começam a

descobrir o pensar no pensamento, iniciando a procura dos princípios da

razão e do saber, e a aplicar esses princípios às situações do dia – a –

dia. O texto é também um modelo de educação não autoritário e não

doutrinador. Ressalta-se o valor da procura, estimulando o

desenvolvimento de diferentes modos de pensar, de imaginar, onde os

jovens aprendem uns com os outros e não só com os adultos. Destaca o

que é viver e participar em comunidade, onde existem vários interesses

proclamados pelos jovens habitantes, mas onde se respeitam uns aos

93
outros como pessoas, e são capazes de se envolverem numa procura

partilhada, que não tenha outra razão se não a satisfação dessa mesma

procura.

É uma novela que apela a vários conteúdos filosóficos:

Perspectivismo, Objectividade, Comunidade de Investigação, Deus,

Origem do Mundo, Ciência, Arte, Direitos da Crianças, Mente, Educação,

Paradigma, Verdade, Descobrimentos, Invenção, O Bem, Pensamentos,

Ideias, Pensar, Sexismo e Racismo. Pretendendo desenvolver as

habilidades de conversão, padronização, ambiguidade, indução,

silogismo, lógica de relações e lógica informal, verdade e validade,

contradição. E em que cada capítulo sugere uma série de temas que

podem provocar o interesse de novos leitores e levantarem algumas

questões. Para poder conduzir essas discussões colectivas, e

desenvolver as estruturas cognitivas dos jovens, surge em 197438 o

Manual do Professor39 com o título Investigação Filosófica, onde

encontramos, nas suas mais de 450 páginas, uma variedade de

exercícios, assim como as orientações metodológicas necessárias para

ajudar na prática da investigação e estimulando para que descubra novas

formas de diálogo com os seus próprios alunos.

Dada a pertinência da novela, o texto e o manual do professor

foram, ligeiramente, adaptados nos Estados Unidos para a Educação de

Adultos.

38
Alguns documentos apresentam a data de 1974, outros de 1976. Optamos pela data de
1974 porque são mais as fontes que a citam.
39
Cada história filosófica ou novela tem um manual específico.

94
2.5. Luísa

Luísa40 - foi a segunda novela de FpC a surgir em 1976. É uma

continuação de A Descoberta de Ari dos Teles, mas ao mesmo tempo

uma introdução à investigação ética, cuja preocupação é “o que pode a

escola fazer pelos valores morais?”. Através de várias situações e

diálogos os jovens aprendem a raciocinar sobre questões morais que

surgem na sua convivência diária. Nesta, encontramos os seguintes

conteúdos filosóficos: Direitos Humanos, Direito dos Animais, Justiça,

Bondade, Reciprocidade, Liberdade/Determinismo, Solidariedade,

Personalidade, Beleza, Mentira, Drogas, Competição, Sexismo, Etarismo,

Racismo, Morte e Tentações. Em relação às habilidades que pretende

desenvolver nas crianças, correspondem a ter visão de conjunto,

antecipar consequências, procurar consistência, dar e pedir boas razões,

levantar hipóteses, considerar o contexto, desenvolver a empatia,

detectar pressupostos, considerar a verdade e a falsidade. As

personagens que encontramos na novela têm entre 12 e 15 anos.

O manual do professor, que acompanha a novela Luísa, titula-se

Investigação Ética, porque “o objectivo desta novela é levar os

adolescentes a tomar consciência dos seus valores morais e a pensar

neles.” (Cfr Manual do Professor, 1988, 21). Luísa mostra a Ari dos Teles

e aos seus amigos, tentando aplicar o que aprendeu na novela anterior,

as questões que surgem na sua vida quotidiana.

40
No original chama-se Lisa. Editada em 1976.

95
Os adolescentes da história ficam perplexos perante as seguintes

questões: É possível ao mesmo tempo querer os animais e comê-los?

Quando duas pessoas saem juntas o dar, e o receber estão

necessariamente implicados? Qual é a diferença entre normas e

critérios? Como é possível ter em conta ao mesmo tempo as

consequências e as intenções? O que é o Bem? Qual é a diferença entre

o bom e o justo? etc.

Vejamos o que Ari reflecte sobre o que significa uma pergunta, no

capítulo I, segundo episódio, páginas 14 e 15:

— Papá – disse Ari.


—Mmmmmmmm – disse o pai.
— Papá, o que é uma pergunta?
— É o que tu estás a fazer.
— Sim …, já sei que te estou a fazer uma pergunta,
mas esta não é a pergunta que te estou a fazer.
— Qual é a pergunta que me fazes? Estamos a dar
voltas e mais voltas como o Abbot e Costello. Qual é o
primeiro?
— Papá!!
— Quê?
— Estou a falar a sério. O que é uma pergunta?
— Porque é que queres saber?
— Papá, isto já é demais. O que é que importa o
porque de querer saber? Quero saber, e pronto!
(…)
— O que sentes quando é hora de Jantar?
— Fome! Oh! Já entendi o que queres dizer.
Queres dizer que quando temos fome procuramos,
naturalmente, alguma coisa para comer, e quando
estamos confundidos procuramos, naturalmente,
respostas. (…)

96
Ari sentou-se no chão ao lado do cadeirão do pai.
— Talvez seja assim, porém significa isso que fazer
perguntas é o mesmo que procurar respostas? (Lipman,
1988, 14-15)

É transparente o desassossego de Ari, sobre o porquê de se

fazerem perguntas e do que significa esse acto de perguntar. Assim como

também se percebe o quanto é importante a actuação do pai no

desabrochar de Ari.

Apesar do texto estar feito para ser utilizado de forma

independente, como mais uma novela, está pensada para ser utilizada na

sala de aula, sem encaminhar para um relativismo ético, assim como não

se fica pelo desenvolvimento da razão moral; oferece os instrumentos

necessários para os alunos procurarem através do diálogo e da reflexão

algo mais que uma simples resposta. Se for feita uma leitura inadequada

poderá parecer que a personagem principal – Luísa – está só a

encaminhar os adolescentes para um conjunto de valores específicos. De

facto, o que faz é proporcionar os instrumentos para prepará-los para que

no futuro sejam pessoas razoáveis, pensadoras e tolerantes, para que

pensem por si mesmas.

97
2.6. Satie

A terceira novela filosófica que surgiu em 1978 - Satie41-, é

constituída por personagens com idades entre os 13 e 16 anos. O enredo

anda à volta da Estética. Os jovens da história colocam-se questões de

filosofia da linguagem, de teoria do conhecimento e de estética, ou seja,

conteúdos como: Ficção, Facto, Imaginação, Rima, Beleza,

Comunicação, Formar Possibilidades, Descrição, Poesia, Escrita, Amor,

Amizade e Sentido; estão presentes no diálogo para desenvolver nas

crianças a percepção estética, tendo em conta: o sentido, a harmonia, a

unidade, a complexidade, a expressividade. O manual específico desta

novela apresenta uma série de sugestões, incluindo jogos, para levar os

jovens a praticar a investigação estética, a observarem a arte de forma a

não ser mais um objecto.

Em alguns países onde se implantou o projecto educativo Filosofia

para Crianças recorre-se à arte para o desenvolvimento das habilidades

da criatividade, da crítica e do saber interventivo, “A arte, não só permite

conferir orientações inéditas e criadoras aos problemas sociais, como

possibilidade que cada indivíduo se assuma, livre e criticamente, no seu

seio.”( Kechikian, A., 1993, 55). A actividade artística, diz Olivier

D’Allonnes42, “faz surgir um tipo de homem novo. (...) porque são homens

que possuem a capacidade de ‘fazer de outro modo’.”(Ibidem, 56). O

sentimento do belo, o sentimento estético em geral, é sem dúvida

41
No original a novela chama-se Suki. Editada em 1978
42
Professor universitário de filosofia da arte e da cultura, co-editor com Mikel Dufrenne,
da Revue d’ Esthétique. Fundador, em 1975, do “Centre de documentation et de
Recherche sur la Théorie Critique de la Société” (CDRTCS) no Departamento de
Filosofia da Sorbonne.

98
problematizado no campo da arte, onde a relatividade do gosto é hoje um

dado adquirido, que não dispensa uma reflexão criterioso sobre os

valores estéticos, isto é, sobre aquilo que nos autoriza a seleccionar,

entre as criações do ser humano, algumas como particular artística e

particularmente belas. Nesta medida, a educação deve utilizar a arte,

para aprender a «fazer de outro modo».

A criança, por si já é espontânea, gosta de observar, mexer e criar,

sendo a arte um meio propício para tal. E assim, partilhando da ideia que,

“a verdadeira educação deve transmitir o saber mostrando que ele é uma

disponibilidade e não uma obrigação, que ele é uma liberdade e não um

constrangimento”.(Op. Cit., 57). Pela arte a criança descobre o sentido do

processo criativo, do mundo dos sentimentos e pensamentos, já que “o

que caracteriza os artistas não é o fato de eles terem um tipo especial de

experiência de vida mas de eles prestarem mais atenção à experiência

que têm” (1990, 156), argumenta Lipman. Por isso, a criança vai

adquirindo formas de organização da experiência humana que promove a

configuração de uma imagem do mundo. Nomeadamente, desperta a

imagem que vai servir de mediadora entre o que faz e o que pensa, isto

é, entre a presença espontânea da brincadeira e o olhar profundo do

mundo, e a criação da sua representação.

Uma equipa da área de expressão plástica da Universidade de

Valência - Espanha criou um guião didáctico e alguns vídeos sobre como

aplicar ou trabalhar a arte no jardim de infância e na escola do 1º ciclo. A

equipa «Didart»,43 tem desenvolvido um trabalho sobre recreação

43
Didart é o nome da equipa composta por quatro docentes da Universidade de Valencia
que trabalham no departamento das artes plásticas.

99
artística com crianças entre os 5 e 8 anos, levando-as a criarem uma

técnica e uma cor na sua própria obra de arte. Tem como primeiro

objectivo “apresentar a arte como forma sensível do conhecimento e

como veículo conceptual capaz de ser reinterpretado” (Didart, 1996, 18).

Com este trabalho a equipa pretende desenvolver na criança: a aplicação

da arte como imagem expressiva do ser humano; a sensibilidade estética

para introduzir a estética nas suas vidas; a aplicação das técnicas

artísticas, valorizando o que o rodeia de forma perceptiva, criativa e

expressiva; projectar tudo na sua experiência activa, de forma a ser

espontânea, pessoal, cognitiva e sensível. (Cfr. Didart).

Em Espanha, o Centro de Estudos de Filosofia para Crianças em

Barcelona, dirigido por Irene Puing, tem vários projectos·, sobre a arte e

as crianças, e o envolvimento das mesmas é de tal forma que tem

superado as expectativas. A educação estética pode ser facilmente

integrada em estudos sociais e módulos de artes da linguagem ou

permanecer isolada como um outro aspecto do currículo. O

desenvolvimento da leitura é acompanhado de uma obra de arte,

mostrando não ser só, uma leitura perceptiva sensorial, mas também

reflexiva.

2.7 Marco

Cada vez mais se fala em Globalização, como processo de

unificação económico, social e cultural, facilitando o movimento de

100
pessoas, bens e serviços, levando mais rapidamente as informações a

todas as partes do mundo.

Paralelamente à globalização, os políticos, os professores e

educadores apelam à necessidade de desenvolver a educação para a

cidadania, no sentido de proporcionar aos alunos, desde cedo, o contacto

com as instituições e os valores fundamentais das sociedades

democráticas. É perceptível o afastamento dos cidadãos da vida política

e dos valores que colocaram em funcionamento a experiência

democrática contemporânea em relação ao vigor e à força criativa do

início das sociedades democratas.

A questão está em como se deve ensinar os valores da

cidadania44. A pensar nisso, Lipman e os seus colaboradores, criaram a

novela filosófica Marco,45 abordando a Filosofia Social e Política. As

personagens com idades entre 14 e 17 anos dialogam e questionam-se

sobre conteúdos como: Esperança, Solidariedade, Justiça, Crime,

Imparcialidade, Democracia, Discriminação, Educação, Direitos das

minorias, Ciúmes, Igualdade de géneros, Trabalho, Emprego e

Alienação.

Através do contacto com o texto de Marco e do diálogo orientado

em sala de aula ou em casa, os jovens vão desenvolvendo as

habilidades de: Praticar a Democracia46, Ser solidário, Respeitar as

regras, Reconhecer e Exercer Direitos, assim como Dar e Pedir Razões.

44
Os valores cívicos são parte de uma abordagem mais reflectida no capítulo II., dada a
sua importância na FpC.
45
No original a novela chama-se Mark. Foi editada em 1980.
46
Por democracia entendemos “muito mais que um sistema político, um ideal de vida
social ao qual todo grupo humano deveria tender”. (Kohan, e Wuensch, op. cit., p. 128-
129).

101
As questões e o espanto perante o que envolve a sociedade e a política,

provocam uma dinâmica de perguntas, idênticas às questões levantadas

ao longo de vários séculos por filósofos como Platão, Aristóteles, Carlos

Magno, Maquiavel, Hobbes, John Locke, Rousseau, Montesquieu,

Habermas, etc; levando os jovens a reflectirem e a desenvolverem

habilidades específicas para enfrentarem e compreenderem os

problemas sociais e políticos, tal como o fazem as personagens: Laura,

Marco e Tó

(…)
— O que é a Democracia? – perguntou a Laura.
— O que é a Democracia? – perguntou a senhora
Willians, dado que ninguém fez nenhum comentário,
durante algum tempo.
— A Democracia consiste na vivência das pessoas,
segundo as suas próprias leis, leis estas que são
elaboradas por elas mesmas. Por isso as pessoas na
democracia são livres. – Disse a Laura esticando-se com
um gesto de desafio.
— Pára um momento; não vás tão rápido - disse o
Marco com cara de quem se sentiu agredido – Não
podes escolher uma razão antiga e dizeres que essa é a
que está certa. São muitas as diferenças entre as
democracias e os vários tipos de governo. Quem te
disse que essa é a que tem de ser levada em conta?
— O Marco tem razão Laura – disse o Tó –
Quando falamos de coisas tão complexas como a
Democracia e a Liberdade deve-se ter em conta muitas
outras coisas. (Lipman, 1989, 8).

Neste diálogo, a linguagem e o raciocínio apresentam um nível

mais elevado, consequência da idade dos jovens a que se dirige. Em

102
relação ao manual do professor, este, apresenta exercícios diferentes,

dos manuais de apoio aos outros programas. Pede-se aos alunos para

investigarem e procurarem dados que lhes permitam enriquecer os

debates levados a cabo na sala de aula; assim como tem textos

filosóficos, com sólida tradição de pensamento sobre os temas expostos.

3. O Manual: plano de discussão e exercícios

Apesar de não fazerem parte do currículo oficial, já existe uma

série de histórias infantis que foram criadas, nos diversos Centros de

Filosofia para Crianças em todo o mundo, para aplicar na sala de aula,

assim como outro material didáctico. Em jeito de exemplificação,

podemos referir que em Espanha é utilizada a história de Phil sans point

de Gilbert Talbot, traduzida para castelhano por Félix y Sofia, para aplicar

nas aulas de filosofia com alunos de 16 e 17 anos de idade, onde são

abordados temas que fazem parte dos problemas dos jovens com essas

idades. O Tempo, tema abordado, entre outros por Tomás de Aquino, na

época medieval e que é difícil explicar, apesar de pensarmos saber o que

é; é tema principal do conto de Ann Margaret Sharp que apresenta uma

abordagem diferente, oferecendo não só material para a leitura como

também exercícios e planos de discussão, que facilitam uma postura

reflexiva e uma maior compreensão do conceito Tempo. (Aprender a

pensar, 1993). No nosso país, no Externato «A Torre» é utilizada a

103
história Os Brinquedos do Rei47, criada por Maria José Rego num

trabalho em parceria com a Espanha e a Holanda. Existe, ainda, a

colecção – Filosofia para Crianças - de várias histórias escritas por

Brigitte Labbé48 e Michel Puech49, editada em português e espanhol.

Com efeito, estamos num campo de estudo que não se esgota no

currículo oficial, dada a sua pertinência para uma educação do pensar.

Todos os programas estão acompanhados por um Manual para os

professores servindo-lhes de apoio. Manuais criados por Lipman e seus

colaboradores para propiciar uma das formas mais valiosas de

estruturação. Estruturação que, segundo Lipman não deverá “ser

removida mesmo quando os professores acreditam que estão prontos a

dispensá-lo”. (2001, 325) A explicação para tal facto está na forma como

o manual foi pensado, isto é, o manual apresenta habilidades, exercícios

que estão fora do alcance de quem trabalha com as novelas filosóficas na

sala de aula. Estão preparados para desenvolver os vários tipos de

conceitos e raciocínios abordados nos textos. Mas o que entende Lipman

por Manual?

O manual é a ferramenta do professor de FpC, pois “fornece uma

estruturação elaborada que é gradualmente absorvida pela própria

estrutura do pensar” (2001, 326). Não desempenha as funções de

modelos que encontramos nos textos (novelas filosóficas), porém à

medida que os professores trabalham com eles, tendem a adequar os

exercícios e planos de discussão que contem a realidade dos alunos que

fazem parte da sala de aula.

47
História e manual com os exercícios em anexo.
48
Escritora francesa que, trabalhou durante muito tempo na Comunicação Social.
49
Professor de Filosofia na Sorbonne.

104
À medida que se utiliza o manual a consequência incumbe de não

utilizar o mesmo como um bordão, pois é “como aprender uma língua,

onde depois de certo tempo paramos de procurar palavras no dicionário”

(Ibid). No entanto fica parte do manual para ser utilizado em ocasiões

novas, experiências e adaptações futuras. Para proporcionarmos um

ensino do pensar de ordem superior, o manual tem um valor precioso.

Mas qual é o conteúdo do manual? Que planos nos apresenta?

Os manuais contêm planos de discussão para atender o propósito

da formação de conceitos e do esclarecimento, assim como exercícios

que têm como meta o desenvolvimento de habilidades. A unidade básica

de ambos é a pergunta, tendo esta a função de questionar uma certa

parte do mundo, assim como uma certa parte dos poderes da pessoa que

responde. (Cfr. Lipman, 2001). Na obra O Pensar na Educação de Lipman

salienta que: “cada exercícios do manual funciona como uma investigação

que penetra profundamente, em geral, do que o professor consegue

através da discussão ou conversação causal”. (2001, 326)

Os exercícios são instrumentos para expor a criatividade dos

alunos, para induzi-los a pensar sozinhos, a serem independentes e

desembaraçados no pensamento, ao passo que dispostos a colaborar na

investigação geral em comunidade como um todo aliciado. Os objectivos

gerais50 dos exercícios e do plano de discussão visam:

- apurar e fortalecer as habilidades cognitivas;

- promover a exactidão e a especificidade;

Sendo que o plano de discussão visa:

50
Cfr. Em Lipman (1996), «Philosophical Discussion Plans and Exercises», Analytic
Teaching, V. 16, nº 2 Abril, p. 3-14.

105
- a melhorar a formação de conceitos;

- fornecer ferramentas tais como critérios e razões, argumentos e

definições.

Para tornar mais claro em que consiste um e outro passemos a

exemplos particulares nos pontos que se seguem.

3.1 Planos filosóficos de discussão

O plano de discussão consiste num grupo de perguntas que

geralmente trabalham com um único conceito, relação ou problema.

Começa-se por elaborar a agenda, isto é, as perguntas podem formar

uma série, na qual cada uma estrutura-se segundo a anterior, ou então

podem formar um círculo a contornar o tema, para que cada questão

foque o mesmo a partir de um ângulo diferente. Chama-se a estas séries

planos de discussão cumulativos e não acumulativos.

Para que as perguntas de uma discussão sejam cumulativas são

várias as maneiras que existem para o fazer. As perguntas podem ser

formalmente iguais, para que possam lidar com temas cada vez mais

abrangentes. Exemplo disso é o que passamos a mostrar:

a) Plano de discussão: Tudo tem uma história de como aconteceu?

Perguntas a seguir:

1. A tua carteira tem uma história?

2. O prédio da tua escola tem uma história?

3. A tua casa tem uma história?

106
4. A tua família tem uma história?

5. A tua rua tem uma história?

6. A tua cidade ou rua tem uma história?

7. O teu país tem uma história?

8. O mundo tem uma história?

9. Uma história pode ter uma história?

(Cfr. Em busca del sentido manual del profesor para acompañar

Pixie, Cap. 1):

Se a resposta às questões é sim então pede-se para contar a

história.

Um plano de discussão também pode ser considerado cumulativo

no caso de as questões se estruturarem umas sobre as outras, ou seja,

no sentido de cada uma representar uma ligeira variação da anterior.

Vejamos o seguinte exemplo:

b) plano de discussão: quando temos que dizer que uma coisa

é “boa”?

1. Se gostas de algo, é porque é bom?

2. Se muita gente gosta de uma coisa, quer dizer que essa

coisa é boa?

3. Se preferes maçãs a laranjas, quer dizer que as maçãs

são melhores que as laranjas?

4. Se desejas alguma coisa, será que só por isso essa coisa

tem de ser boa?

5. Se não desejas uma coisa, só por isso essa coisa é ruim

ou sem valor?

107
6. É possível gostares de uma coisa ruim?

7. É possível gostares de alguma coisa, mesmo sabendo

que é ruim?

8. O facto de uma coisa ser boa garante que as pessoas

gostem dela?

9. O facto de alguém ser bom garante que as pessoas

gostem dela?

(O plano continua até chagar à questão décima oitava)

18. A que tipo de coisas devemos chamar de boas, aquelas

que são desejadas ou as que são desejáveis?

(Cfr Investigação ética manual del professor para acompañar a

Lisa, Cap.1)

No caso de planos acumulativos, também encontramos algumas

variedades. O que proporciona muitas soluções alternativas para um

determinado problema:

c) Plano de discussão: Liberdade

Concordas ou não com as seguintes afirmações? Por que

concordas? Por que discordas?

1. Somos livres se ninguém nos diz como viver.

2. Somos livres se elaboramos as nossas próprias regras e

vivemos de acordo com elas.

3. Somos livres quando nada nos atrapalha.

4. Somos livres se acreditamos ser livres.

5. Somos livres quando podemos fazer o que achamos

melhor.

108
6. Somos livres se temos boa saúde.

7. Somos livres se somos inteligentes.

8. Somos livres só quando todos são livres.

9. Somos livres somente se somos nós mesmos.

10. Somos livres quando as afirmações acima se combinam.

(Cfr. Em busca del sentido manual del profesor para acompañar

Pixie, Cap. 7):

Outros planos poderiam ser citados, no entanto não é objectivo

transcrever todos os exemplos, mas sim elucidar a forma de Plano de

discussão, pois ainda ficam por exemplificar os planos que remetem para

o significado de uma palavra, assim como as formas possíveis de

entender-se determinada palavra. Outro tipo de plano de discussão é o

que coloca o problema que segundo se espera, irá suscitar um debate. O

problema levantado pode surgir de um provérbio, ou de uma anedota. A

origem não é o importante, o que tem pertinência é o facto de ser

intrinsecamente atraente para as crianças ou mesmo os adultos.

Como se verifica através dos exemplos apresentados a sequência

de perguntas num plano de discussão vai, de um modo geral, do simples

ao difícil, dos casos claros aos casos confusos. Verifica-se que as

primeiras questões de qualquer plano destinam-se ao leitor, enquanto as

últimas procuram maior imparcialidade e generalidade. Tomemos como

exemplo o seguinte plano:

d) Plano de discussão: Silêncio

1. Concordas em que o silêncio está para o som como a

escuridão está para a luz?

109
2. Concordas em que o silêncio está para o som como o frio

está para o calor?

3. Concordas em que o silêncio está para o som como o

fundo de um quadro está para o seu objecto principal?

4. Os quadros dizem-te alguma coisa, mesmo que não

falem?

5. Achas que as palavras “som” e “barulho” significam o

mesmo?

6. Achas que as palavras “silêncio”, “calma” e “quietude”

significam o mesmo?

7. Achas que as palavras “silêncio” e “paz” significam o

mesmo?

8. Pode acontecer que uma pessoa queira falar mas fique

calada?

9. Pode acontecer que uma pessoa queira ficar calada mas

fale?

10. Achas que os momentos silenciosos às vezes são

inquietadores?

11. Podem os momentos silenciosos, às vezes, ser

eloquentes?

12. Pode ser que um silêncio esteja cheio de ódio?

13. Pode ser que um silêncio esteja cheio de amor?

14. Pode um silêncio ser belo?

15. O silêncio é alguma coisa ou é nada?

110
(Cfr. Em busca del sentido manual del profesor para acompañar

Pixie, Cap. 3):

Os planos também podem ser diferenciados pelo suporte didáctico

que fornecem. No caso do exemplo do plano de discussão sobre o

significado de Liberdade é absolutamente não didáctico, no sentido de

não encaminhar os alunos para uma compreensão em particular. É

considerado muito didáctico quando focaliza só uma alternativa, ainda

que seja possível reconhecer que essa alternativa possa ser muito

discutível. Intuitivamente, quanto mais didáctico for um plano de

discussão, mais cuidadosa deve ser a sua utilização. Com isto não se

pretende salientar que, aqueles que trabalham com o currículo tenham

que afastar totalmente os planos de discussão que foquem uma só

alternativa, desde que esta possa ser discutida pelos alunos de forma

aberta e não coerciva.

Após uma análise aos manuais infere-se que a maioria dos planos

de discussão não apresentam sugestões sobre como devem desenvolver-

se as discussões. Porém em alguns casos o plano de discussão indica

algumas considerações que é necessário levar em conta, podemos

encontrar exemplos disso no manual de apoio ao texto filosófico de

Marco51 no capítulo quarto. Não obstante, Lipman apela a moderação na

utilização das instruções que coordenam as discussões para que não se

reprima a espontaneidade. Por outro lado pode existir situações onde o

diálogo é tão livre e abundante que é necessário restrições para o

canalizar ao tema.

51
Cfr. Investigación social manual del profesor para acompañar a Mark .

111
Não existe uma fórmula para criar planos de discussão, a

variedade pode ser quase inesgotável, no entanto são idealizados

novamente para cada novo conceito ou problema.

3.2. Exercícios filosóficos

Dissemos que existem inúmeras variantes de planos de discussão,

não é menos verdade, que a variedade de exercícios filosóficos é quase

infinita. Tendo em conta que a prática filosófica é exercitada sempre que

alguma coisa é tida como verdadeira e precisa de exame, essa prática

requer exercícios.

Um dos exercícios filosóficos que dá realce à particularidade em

lugar da universalidade pode ser, algumas das citações, opiniões

retiradas das personagens fictícias das novelas filosóficas, das quais se

espera que cada aluno concorde ou discorde, e forneça um enunciado

para o juízo emitido. Para ilustrar esta ideia vejamos o seguinte exemplo

de exercício:

a) Exercício: cópias e originais

Concordas ou não com as seguintes afirmações? Em cada

caso, dá a tua opinião.

1. Felipe: A bandeira que está no mastro na frente da

Escola é uma cópia da verdadeira bandeira.

2. Sandra: Esta moeda de um escudo é a cópia do

original que está na Casa da Moeda.

112
3. Maria: A luz do sol é original, a da lua é apenas uma

cópia.

4. Cláudia: Quando vês um rapaz que tem o mesmo rosto

do pai, estamos perante um caso de cópia ou original.

5. Óscar: O meu primeiro amor verdadeiro foi a Cristina.

Desde então apaixonei-me muitas vezes, mas todas

essas ocasiões posteriores nada mais foram senão

cópias.

( Adp. de «Como e por quê», Manual para acompanhamento

de Satie, cap. 5)

Estas ideias podem ser entendidas como argumentos sintéticos e

ponderar se são representantes ou não de inferências válidas, o que

significa praticar a lógica dessas afirmações. Avaliar o testemunho para

determinar até que ponto ele pode ser considerado uma evidência é outra

forma de exercícios.

Por outro lado, os exercícios apresentam uma prática para

desenvolver as habilidades cognitivas, e apesar de cada caso poder

resultar num juízo, talvez o mais importante seja a função de estimular a

habilidade. Um exercício pode conter múltiplas funções. Pode, pois

contribuir para a compreensão de um conceito, que poderá fortalecer o

processo de raciocínio dos alunos que o utilizam. Ilustremos esta ideia

com o seguinte exemplo:

b) Exercício: O que é real e o que apenas parece real?

Para este exercício são necessários cartões que se distribuem por

quatro mesas diferentes, contendo o seguinte:

113
1. Coisas que parecem reais mas não são.

2. Coisas que parecem e são reais.

3. Coisas que não parecem mas são reais.

4. Coisas que não parecem nem são reais.

Pede-se para que cada aluno traga um objecto para a sala de aula,

colocando-o sobre uma das mesas. Eis algumas sugestões:

a. Uma flor artificial.

b. Um carrinho de brinquedo.

c. Um livro de conto de fadas.

d. Uma garrafa de coca-cola cheia de água.

e. Um aviãozinho de papel.

f. Uma fotografia de um aluno da turma.

g. Um espelhinho

A fase seguinte consiste em que cada aluno, de forma ordenada,

estimule o outro a expor a razão para ter colocado o seu objecto naquela

mesa especial. (Exercício adaptado do Em busca del sentido manual del

profesor para acompañar Pixie, Cap. 1).

Um exercício pode possuir uma função lógica e também

representar práticas sociais. A forma mais adequada a seguir é os jogos,

pois funcionam como exercícios que estimulam o pensamento, aspecto

que já foi citado no primeiro capítulo. Qualquer jogo para criança pode ser

reorganizar de modo a fornecer a base para um exercício filosófico.

A investigação filosófica, no currículo de FpC, está centrada no

aluno e no pensamento de cada aluno que é apresentada na Comunidade

de Investigação. O plano de discussão fomentar o diálogo conceptual,

114
enquanto que o exercício, tende a apresentar para cada aluno um

aspecto particular do problema geral e incide a resposta do mesmo como

uma interpretação individual. “Agora estamos numa posição melhor para

entender a reivindicação da filosofia de ser a disciplina que nos prepara

para pensar nas disciplinas”. (1990, 166).

115

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