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UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO

JEQUITINHONHA E MUCURI

FACULDADE DE MEDICINA DE DIAMANTINA

PORTFÓLIO DE
CONSULTA
GERIATRIA
PIESC VII

Lucas Martinho Casagrande Hilário

Diamantina 2023
 Consulta realizada no dia 11/05/2023

Identificação:
Paciente A.M.F., 71 anos, Natural de Capelinha e residente em Diamantina, há 10 anos.
Comerciante aposentado e evangélico. Possui uma prole de 4 filhos, sendo que 2 moram
com ele. Sem cuidador

Compareceu a consulta sozinho, com marcha satisfatória para idade, bom humor,
educado e comunicativo.

Escolaridade: não soube identificar, ficou na dúvida de quantos anos estudou, disse que
por volta de 6, ao aprofundar na pergunta o paciente garantiu que tinha havia
completado o ensino fundamental.

Percepção:
O paciente parecia ter bom vocabulário e construção gramatical comparado com a sua
formação

Retorno:
A.M.F compareceu a consulta no ambulatório 7 anos atrás, com queixa de dor
epigástrica forte, e cefaleia leve, ambas resolvidas e tremor essencial. Quando foi feito
uma Avaliação Geriátrica Ampla (AGA) e Mini Exame do Estado Mental (MEEM).
Devido ao tempo decorrido, fez-se necessário realizar novamente essas avaliações.

Percepção:
Vale também ressaltar que uma comparação de resultados foi anódino para o paciente e
fundamental para elucidação da queixa principal.

Funcionalidade:
Independente para atividades instrumentais diárias.
Independente para atividades básicas diárias, relata incontinência de urgência, mas sem
prejuízo a qualquer atividade.

Cognição:
A principal queixa do paciente era perda da memória de trabalho, de maneira
progressiva nos últimos 2,3 anos (F=P) sem perda de funcional associada.

MEEM:
OT: 5/5 F:1/1 Total: 27
OE: 5/5 LE:3/3
R:3/3 F:1/1
C:4/5 L:1/1
EV:2/3 D:0
N:2/2
Pelo resultado o MEEM, não era necessário seguir com o teste de figuras, entretanto a
queixa principal do paciente era perda cognitiva. E para além, poderia ser positivo para
minha aprendizagem. Logo decidimos continuar os testes.

Teste de figuras:
N:10/10 MI1:8/10 Reconhecimento:20/20
P:10/10 MI2:9/10
MI:6/10 EV:9/10

Fluência Verbal:
Animais:13 e Frutas: 11

Relógio:
5 pontos

Humor do Paciente:
Paciente diz se sente com humor rebaixado, “As vezes sim, as vezes não” paciente não
soube definir se era a maioria dos dias. Sem anedonia. Sem histórico de depressão.
Paciente usa na maioria dos dias Ritalina, sem indicação médica, sobre o efeito do
medicamento A.M.F relata maior disposição e concentração
GDS-5:0

Percepção:
Neste momento fiquei intrigado ao observar que A.M.F. respondeu a maioria das
perguntas com uma relativização, mesmo para uma pergunta excludente como a Q4.
Para a pergunta 1: Você se sente basicamente satisfeito com a sua vida? O paciente
respondeu “As vezes sim, as vezes não”.
Para a questão Q3. Você se sente frequentemente esperançoso? Foi respondido “tem dia
que eu sim, tem dia que eu não “.
Para a questão Q4: Você prefere ficar em casa ou sair para fazer coisas novas? A
resposta foi “Não, tem dia que eu quero sair de casa, mas tem dia também que eu não
quero”
Para se chegar a uma resposta dentro da forma do (sim/não) foi necessário um prazeroso
trabalho de explicação. Neste momento fiquei satisfeito com meu desempenho para
explicar conceitos abstratos, sem tendencia-lo a uma resposta.
Neste e em outros momentos da consulta, fiquei feliz por ter conseguido fazer 3 coisas
ao mesmo tempo. Adaptar minha linguagem à do paciente, manter o foco na fala e
linguagem corporal do A.M.F. Para além de escrever de forma detalhada e completa no
prontuário.
Particularmente não gostei da escala de depressão GDS-5, uma vez que não existe
graduação (ex: Sim/sempre > Boa parte do tempo > as vezes > Não/nunca) o que faz
com que diagnósticos, mais leves como presença de síndrome do humor depressivo ou
transtorno depressivo leve tenderem a um falso negativo.
Creio que se for usar a GDS, deve ser no mínimo a escala com 15 ou 10 itens. Mesmo
se utilizar a escala GDS 5/15, a tendencia a falsos negativos (abaixo de 2) continua.
Tal ideia é corroborada por estudo brasileiro, realizado com 64 idosos, que apontou um
resultado com P<0,001 e bom coeficiente de correlação (menor que 0,81 para GDS-10 e
menor que 0,86 para GDS-4). Estudo intitulado por: : “Confiabilidade da versão
brasileira da Escala de Depressão em Geriatria (GDS) versão reduzida” 2000.
“Esses resultados indicam que as versões com 1 e 4 ítens
apresentam baixos coeficientes de confiabilidade. Isso
sugere que essas versões têm utilidade clínica limitada.
Por outro lado, a GDS com 15 e 10 iítens pode ser
utilizada com relativa confiabilidade na prática clínica,
particularmente quando se consideram os escores totais
das escalas”
ALMEIDA, 2000. s/p.

Vale a pena ressaltar que o estudo acima foi feito com escala GDS-4, o que difere da
escala utilizada na consulta, GDS-5. No entanto, podemos inferir uma provável
correlação entre a escala GDS-5 e GDS-4.
Particularmente, novamente, para diagnóstico de depressão eu prefiro análise de
critérios maiores e menores do que uma escala quantitativa. Entretanto, concordo em
utilizar uma escala quantitativa para diminuir o viés do entrevistador, ainda mais
enquanto somos estudantes.
Contudo, sugiro uma substituição da escala utilizada para depressão. Uma vez que a
Escala de Depressão Abreviada de Zung, assim como a GDS-5, foi validada para idosos
no Brasil, no entanto, não existem estudos que a descredibilizam. Ademias, tal escala
candidata a substituir a GDS-5 nas consultas do ambulatoriais possui importante
graduação para cada resposta. Além disso, suas perguntas focam mais em conta mais a
comparação de um estado prévio/estado atual, o que é um importante elemento para
diagnósticos diferenciais. Vale também ressaltar que as perguntas são mais diretas e de
fácil interpretação em consonância com o vocabulário simples, sem metáforas ou
excesso de advérbios (ex GDS-5 “basicamente satisfeito” ou “frequentemente
esperançoso”) fatores que causam ruídos na comunicação. De mais a mais, a escala de
Zung apesar de separar os potenciais em mais subtipos (idoso em faixa normal;
levemente deprimido; moderadamente deprimido e severamente deprimido) o
questionário é de rápida aplicação.
Creio que todo esse referencial teórico é indispensável para que eu consiga pelo menos
suscitar a minha tese que a prioridade para esse paciente deveria ser controle e
estabilização de humor, mesmo tendo A.M.F. pontuado zero no GDS-5.

Mobilidade:
Sem quedas ou fraturas no último ano.
Paciente relata lentificação da Marsha, mas no Teste de Velocidade da Marcha o
paciente obteve ótimos resultados. Em um intervalo de 8M, o paciente percorreu os 4
metros centrais em 2,9s.

Comunicação:
Paciente possui hipoacuidade com uso de próteses, Sem próteses apresenta dificuidades
funcionais.
Em uso de próteses, sem xeroftalmia, sem sangramento

Nutrição:
Sem alterações de apetite ou ganho de peso significativo.

Sono:
Sono reparador, presença de roncos, sem uso de medicamentos, acorda de 2-3 vezes por
noite, devido a urgência miccional.

Comorbidades:
Paciente relata presença de tremor essencial, desde a adolescência com piora nos
últimos 10 anos. Após teste, percebeu-se maior instabilidade em membro esquerdo,
relata melhora com uso de propranolol, e piora relacionada a quadros de estresse e
ansiedade.
Hihipotireodismo, hiperplasia prostática, , gastrite.
Ex tabagista e etilista há 40 anos.
Paciente realizou cirurgia previa de gastrectomia a Billroth devido úlcera perfurada há
40 anos.
Histórico familiar positivo para HAS
Sem cartão de vacina

Medicamentos em uso:
Puram T4, 50 mg MID/propranolol 40mg MID/Duomo 2 mg MID/Todalafila 5 mg
MID/ Ritalina- 10mg de uso, pelo menos semanal, sem mais informações.

Percepção:
Neste momento o A.M.F. alterou seu humor subitamente, começou a ficar nervoso com
a monitora, devido a algumas receitas que não poderiam sair da ordem, apesar da
colega, deixar bem claro que manteria a ordem, e ter tomado este cuidado. O paciente
respondeu no ímpeto, mais umas pessoas da sala, ao perceber a situação conversei um
tempo somente eu e o paciente e A.M.F. foi-se acalmando.

Prioridades:
Tratar quadro de tremor essencial.
Orientações gerais
Orientações sobre a perca de memória.

Conduta:
Prescrevo Propranolol 40mg pela manhã e 20mg à noite.
Mantenho Puran T4 50mg MID, Duomo 2 mg MID e Tadalafila 5mg MID.
Solicito exames: Tc de crânio e Densitometria Óssea.
Solicito retorno em aproximadamente 2 meses.

Percepção do Aluno:

Esse caso me fez pensar muito sobre Geriatria, porque era a minha primeira consulta e
estava com a frase na cabeça de que “mais interessante que acrescentar anos na vida a
um idoso, é acrescentar vida aos seus anos” estava empolgado e queria guiar minhas
consultas com esse foco. Mas logo na minha primeira consulta não consegui atender a
nenhuma das expectativas do paciente, nem parcialmente.
Tais expectativas deveriam ter sido perguntada por mim, mas como não foi, considero
que a suas expectativas eram resolução a resolução ou melhora de sua queixa principal.
Sensação de perde cognitiva e de velocidade marcha.
Creio que com o aumento da dose de propranolol A.M.F. teve um ganho de qualidade
de vida, pois ele mesmo disse que chegava a derrubar água no copo dependendo de seu
estado emocional, que intensificava o tremor essencial.
Mas em momento nenhum o paciente reclamou ou lembrou de seu problema, acredito
que foi percebido por nós (eu ou a monitora).

Ao estudar mais as matérias do período, fui tendo ideias de como poderia ter sido
melhor meu atendimento. Principais erros:
 Em aula teórica de geriatria, aprendei que a presença de sensação de doença,
sem uma doença instaurada, (Ex: A.M.F. percebia uma perda cognitiva
gradativa, mas o resultado do seu mini mental era o mesmo de 7 anos atras) é um
forte indicador de quadros depressivos, tal fato deveria ter corroborado minha
tese. (transtorno de humor)
 Aprendi também nos atendimentos de MFC, o quanto a observação da
linguagem corporal e de aspectos comportamentais do paciente é importante
para o diagnóstico.
Ex: Apesar de morar com 2 filhos A.M.F. veio sozinho ao atendimento. Além disso
logo no início da consulta o paciente fez uma de que nós éramos jovens diferentes por
estarmos estudando medicina, porque à maioria dos jovens de hoje em dia não querem
nada com nada. No momento a monitora, sabiamente, perguntou se isso que ele dizia
tinha relação com os seus filhos, o paciente não negou e mudou de assunto.
 O paciente se estressou e perdeu repentinamente a paciência no meio da
consulta, mas isso não foi levado em consideração para nenhuma hipótese
diagnóstica, nem ao menos repassamos o acontecido para professora.
 Não sabia da existência de diferentes graduações, como síndromes depressivas,
humor depressivo e transtorno depressivo
 Não sabia relacionar que a dificuldade do paciente para responder as perguntas
do GDS poderiam estar relacionadas com alguém transtorno de humor
Para consulta de retorno planejei adotar as novas perspectivas, e procurei o telefone
de .M.F. para que ele viesse dessa vez com um acompanhante, mas não foi possível
falar com ele, Além disso, paciente não compareceu à consulta de retorno..
 Ao ser questionado das prioridades de tratamento, cheguei a colocar o humor do
paciente em primeiro lugar. Tal tratamento não necessitaria ser necessariamente
farmacológico, ou prioridade número 1. Mas valia a pena ser discutido, porque
qualquer mudança positiva no humor de uma pessoa, reduz o seu sentimento de
doença, resolvendo, assim, pelo menos em parte a sua queixa principal
Gostaria também de discutir se seria interessante um tratamento medicamentoso, com
duloxetina dose mínima. Tendo em vista que o paciente já é mais velho menor tempo de
vida, logo menor probabilidade de sofrer com efeitos colaterais de uso de
antidepressivos a longo prazo. Além disso, o paciente tem sensação de doença sem
doença, alterações súbitas de humor e não é praticante da polifarmácia.
A.M.F. já faz uso de Ritalina e não saiu do consultório convencido a parar. Sendo assim,
se pudesse voltar no tempo, creio que seria construir um tratamento em conjunto com o
paciente, que envolvesse remédios que trazem os mesmos efeitos que ele relata ter com
a Ritalina, (calma e concentração) desde que o paciente se abstenha de usar mais
Ritalina. Sendo assim promoveria a redução de danos, por redução de efeitos colaterais
indesejáveis da Ritalina, como ansiedade e tremores. Além de acrescentar vida nos anos
que faltam para A.M.F. Tendo em vista que os efeitos benéficos de humor de um Dual
(noradrenalina e serotonina) por exemplo duloxetina, é muito maior e melhor que o
efeito estimulante da Ritalina, apesar dessa substância também estimular sistema de
recompensa (dopamina).

Chagas, Marcos Hortes Nisihara; Tumas, Vitor; Loureiro, Sonia Regina; Hallak, Jaime
E.C.; Trzesniak, Clarissa; De Sousa, João Paulo Machado; Ricciopo Rodrigues,
Guilherme Gustavo; Filho, Alaor Santos; Crippa, José Alexandre S. (2010). «Validity
of a Brazilian version of the Zung self-rating depression scale for screening of
depression in patients with Parkinson's disease». Parkinsonism & Related Disorders.
16: 42–45. PMID 19660977. doi:10.1016/j.parkreldis.2009.07.010

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