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Farmacologia - 5º Período, 1º Ciclo | Saúde do Adulto I

AULA 1 (28/02) colaterais? Que foi a pergunta que eu fiz lá


no início, que eu queria responder com a
minha pesquisa, porque até então já existia
Fases da Pesquisa Clínica
tratamento, mas eu queria um tratamento
que fosse efetivo e menos agressivo, então
aqui vou buscar informações sobre
É triste fazer isso com o animal, mas pensa efeitos colaterais, se o paciente tolerou
em sair da placa de petri e colocar em um melhor aquele tratamento, se foi mais
corpo de alguém? Então, entre uma pessoa tranquilo de finalizar o tratamento. Então,
e um animal, infelizmente, quem vai pagar o aqui continuo ainda coletando informações
pato, vai ser o animal, não tem outro jeito. sobre efeitos colaterais, sobre toxicidade,
Ah mas tem outra forma de fazer, sem ser confirmo o que já foi observado na fase
no animal? Qual? Porque você precisa ter anterior, “ na fase anterior da galera
um sistema vivo, funcionante de células, de saudável falou que sentiu dor de cabeça,
tecido, como você cria isso? Com o avanço grande parte das pessoas relataram dor de
da inteligência artificial, pode ser que um dia cabeça, e agora também “ e então dor de
a gente chegue nesse patamar, mas neste cabeça seria um efeito colateral do uso do
momento é isso, usar o animal como teste. medicamento, o objetivo aqui é saber a
Ah mas criaram uma pele artificial, e o efetividade.
resto? Cadê o resto que vai interferir ali, as
células, os tecidos?
Além da efetividade, é agora que vamos
começar a falar dos parâmetros
Então, o estudo em animais é um mal
posológicos. Qual é a dose efetiva? De
necessário. Praticamente todos os
quanto em quanto tempo temos que
medicamentos de prateleira de farmácia
administrar esse fármaco para manter ele ali
passaram pela fase animal.
efetivo? Qual é o tempo de tratamento?
FASE 2 Então, é tratando e observando a melhora
do paciente que vou descobrir os melhores
parâmetros posológicos. E agora para
Testes em pessoas doentes (portadores da finalizar esse pensamento eu descubro o
doença estudada). Assim, há maior que a dose ideal é de 500mg, e 1g que tem
facilidade de encontrar voluntários: a que ser administrado de 8 em 8 horas, 6 em
amostra é maior. 6, 12 em 12, uma vez por semana, 1 vez por
mês, enfim agora que entramos na parte
O principal objetivo é avaliar a efetividade, posológica.
se o medicamento vai curar o paciente,
apresentando efeitos colaterais ou não.

Pergunta: Esse parâmetro de posologia é


encontrado por teste de cada dose em cada
Na pesquisa da professora, por exemplo, foi voluntário?
analisado se as nanocápsulas além de curar
o paciente apresenta menos efeitos

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Resposta: Sim! Então a gente busca
informações de dose/concentração por kg. Na fase 3 a gente quer confirmar essa
Essa dose por kg, por exemplo, a gente efetividade, pq vamos supor que de 100
consegue transpor depois para uma criança, pessoas avaliadas 95 se curaram, mas não
que tem peso inferior. E às vezes teremos posso afirmar que elas se curaram com o
que testar. Podem começar a testar por vias, uso da substância pois pode acontecer que
logo, o pesquisador testa por via alguém melhorou sem o fármaco. Então, é
endovenosa, mas endovenosa pode ser preciso ter certeza o quanto realmente o
limitada, sendo mais para pacientes que fármaco desencadeia a cura porque pode
estão internados. Com isso, tenta-se criar ser que uma galera tenha melhorado mas
uma formulação oral. No momento que por outros motivos e não necessariamente
começam a formulação oral, eles retornam pelo uso do fármaco e não outras coisas.
para um patamar anterior, mas avançam Para isso, realiza-se a fase 3, é uma
mais rapidamente em relação às próximas confirmação de efetividade.
fases. Mas aí a via oral tem uma efetividade
muito boa e é mais bem aceita pelo Aqui, todo mundo é doente, então, no caso
paciente, aí lança a via oral. Quando você da pesquisa da professora Juliana, ela
quer mudar qualquer coisa da formulação, continuou trabalhando com pessoas que são
você tem que voltar um pouquinho, doentes com leishmaniose visceral. A
padronizar. amostra será muito maior, é a fase que
possui mais voluntários, com aproximação
Pergunta: Mas aí tem que voltar para o teste de milhares de pessoas, pois já confirmou
“in vivo”? que é efetivo e que tem poucos colaterais na
fase 2. Logo, todos são doentes, a diferença
Resposta: Não necessariamente. Depende em relação à fase 2 é que terá dois
do que está sendo mudado na formulação. grandes grupos: o grupo A vai receber o
Ou seja, quero mudar só o revestimento, vou placebo/medicamento fake e o grupo B
usar uma substância para revestir que eu já vai receber o fármaco teste.
sei que não é tóxica. Então, nesse sentido,
volta na fase 1, avalia e vai pra fase 2.
O resultado esperado é que quem recebeu o
FASE 3 placebo permaneça doente e quem recebeu
o fármaco tenha cura.
Portanto, recapitulando, na fase 2 são
aprovadas a segurança e a efetividade. Nesse ínterim, na fase 3 pode-se afirmar
Prossegue-se, então, para a fase 3, na qual que uma cura foi decorrente do uso do
nós realizamos o estudo comparativo ou fármaco. Quando, por exemplo, um grupo
chamado de randomizado/duplo cego. de pessoas recebe o placebo e ninguém
Nesse sentido, na fase 2, todo mundo era melhora e quem recebeu o medicamento
doente e todas as pessoas receberam 95% destes pacientes melhoraram, com isso
fármaco teste e ao final avaliados com podemos dar certeza que a cura foi
relação aos parâmetros buscados, ou seja, decorrente do uso do fármaco, pois eliminou
se houve cura ou melhora da doença. os outros possíveis fatores. Caso
apresentem uma melhora igual, pode-se ter

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certeza que não é pelo fármaco e sim por menos tóxica. Então muitas vezes isso é
outro motivo. feito, quando já existe algum fármaco para
tratar aquela doença que já é aprovado e já
Esse estudo é muito importante pois é utilizado, o novo e diferente tem que ser
confirma a efetividade do fármaco, tirando comparado com aquele que já existe para
todas as variáveis e deixando apenas o comprovar que é melhor. Isso se dá devido
fármaco agindo e realizando o resultado. a Anvisa não permitir serem inseridos no
Além disso, vale destacar, pois é de extrema mercado um medicamento inferior àquilo
importância que a pessoa que recebe não que já existe. Então, essa questão da
sabe o que está recebendo e a escolha para porcentagem é importante. Por exemplo:
quem recebe o fármaco e quem recebe deu 70% só de cura, mas quando se
placebo não é feita por pessoas e sim por compara com um medicamento que já existe
computadores, para que não haja e gera 90% de cura não justifica um novo
interferência possíveis no resultado. ser aprovado. Mesmo sendo mostrado tudo,
ele é inferior àquilo que já existe, não
precisa colocar no mercado algo que é pior.
Obs.: As pessoas não sabem o que elas irão Assim, provavelmente, o novo medicamento
receber. Então quem vai receber placebo não vai conseguir autorização para
não tem nem noção de que tá recebendo comercialização, e o desenvolvimento dele
placebo, quem tá recebendo o teste também para na fase 3.
não sabe o que está recebendo. Descobrir
isso invalida tudo e tem que começar tudo
de novo, não pode saber jamais.
Fase I - 3 anos, Fase II - 3 anos , Fase III - 3
até 4 anos , então está se falando de 10
anos de pesquisa só da fase clínica, fora o
Outra coisa que pode ser feita nessa fase,
tempo de pesquisa pré-clínica. É mais de 15
supondo que quando a professora Juliana
a 20 anos para aquela substância
estava desenvolvendo as nanocápsulas e
efetivamente chegar ao mercado, fora os
não existia nada para tratar leishmaniose,
gastos com animais, equipamentos, etc.
nenhum medicamento existisse, sendo
então, será o primeiro remédio que sairá no
mercado para poder tratar essa doença.
Nesse contexto, eu vou comparar o que é o
Todo e qualquer medicamento são,
primeiro que em teoria quer chegar no
basicamente, os mesmos passos. Por
recado com o placebo. Entretanto, se
exemplo, testagem de antipsicótico e
quando ela começou a pesquisa já existisse
ansiolítico são feitas por meio de indução de
tratamento para leishmaniose?
psicose e estresse no animal para,
posteriormente, tratá-lo. (indução da doença
e depois vem tratando para ver o efeito do
Nesse caso, o que iria, provavelmente, ser
medicamento).
pedido seria um comparativo das
nanocápsulas em desenvolvimento com um
fármaco que já existia, até para provar que a
da professora Juliana seria mais efetiva e

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Todas essas etapas deverão ser seguidas Retornando, ao final da fase 3, os
no desenvolvimento de um fármaco, resultados e toda a documentação são
contudo, dependendo do tipo de pesquisa, apresentados para a ANVISA.
não necessariamente será realizado tudo da
maneira que foi comentado em aula. Inclusive, nesse momento, o pesquisador já
Entretanto, todas as etapas, por regra, tem que ter até uma parceria com alguma
deverão ocorrer: caracterização como ponto indústria e ter mais ou menos uma noção de
inicial, depois “ in vitro”, "in vivo”, fase I, II, como isso vai ser produzido. Nesse ponto, é
III. muito comum que o pesquisador venda para
a indústria toda a pesquisa e a indústria
Há a possibilidade de dar uma agilizada no passa ser a dona do negócio e aí ela
processo, como a fase 1 ser mais curtinha e apresenta para a Anvisa os documentos dos
já passar para a fase 2. Mas, basicamente, o experimentos, dos resultados, como que vai
percurso é esse. ser fabricado, tudo. E a Anvisa vai analisar
tudo, então por isso que tem que guardar
Um recorte disso que ocorreu na história é a os documentos desde o início porque ela
vacina do COVID que começou nos doentes vai avaliar se não burlou o resultado,
e foi uma modificação de uma vacina que já então análise estatística é feita lá por
existia, sendo aprovada para outros tipos de expert na área, em uma análise minuciosa
coronavírus. O coronavírus é um vírus para dar o aval se a comercialização será
conhecido, deparou-se então com uma permitida ou não. Posteriormente, caso
variante um pouco diferente, assim, seja aprovado, será autorizado comercializar
pegou-se a vacina do coronavírus antigo o produto, o qual recebe um registro .
modificou a vacina estruturalmente e não
dava tempo de passar por todas as etapas
no tempo usual que ocorrem as fases, desse O registro acontece ao final da fase 3. Ao
modo, iniciou-se já na fase dos doentes. final do registro, assim esse produto passa a
Logo, o tempo das etapas foi reduzido para ser comercializado, chegando nas
a liberação em pouco tempo. E como vamos prateleiras das farmácias e utilizado.
descobrir os efeitos da vacina? Vamos Médicos agora podem prescrever,
descobrir daqui alguns anos em quem tomou tornando-se um medicamento autorizado.
a vacina, nós somos os cobaias mas o foco Então, a comercialização vem após a fase
principal sabemos que a vacina reduz a 3.
complicação da doença.
FASE 4

Sobre a vacina é diferente porque vai A fase 4 é chamada de pós -


imunizar uma pessoa saudável e verificar se comercialização, é depois que esse
ela é imune à doença, seguindo a mesma medicamento chega nas prateleiras das
linha, mas vendo se tem imunização e não o farmácias, que todos, na teoria, vão poder
tratamento. É diferente o tratamento de utilizar. É quando inicia a fiscalização
prevenção. Depois é monitorizado com o desse medicamento, sendo chamada
tempo e os dados vão sendo liberados. também de fase pós-comercialização ou
fase farmacovigilância.

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Nessa senda, continua-se a vigiar esse daquele produto e que não estava
fármaco para que se descubra mais coisas especificado na bula. Nesse sentido, a
sobre ele. Novos efeitos colaterais e novas empresa sempre coloca todos os efeitos
aplicabilidades, a exemplo da nova colaterais na bula para se isentar daquilo.
descoberta para o uso estético de Bepantol, Então, todo efeito diferente do que está
que a princípio era apenas destinado à escrito na bula há a possibilidade de
prevenção de assaduras em crianças. As localizar a empresa fabricante e entrar em
mulheres começaram a usar o produto como contato, inclusive pode denunciar para
creme para acne, óleo para o cabelo e para Anvisa. Se isso ocorre, eles vão em cima da
unhas. A farmacovigilância percebe isso, vê empresa fiscalizar.
o uso do produto para estética. Então,
cria-se novas apresentações para se atingir Então a fase 4 é a fase que a gente continua
públicos diferentes. Lançam o Bepantol vigiando esse medicamento até quanto
labial, bepantol capilar e bepantol oil free. A tempo? Enquanto ele estiver sendo
empresa lucra com todos. A indústria com a comercializado. A fase 4 tem fim? Só se o
farmacovigilância descobriu um novo medicamento for retirado do mercado. Logo,
mercado, novo público, nova forma de enquanto ele estiver sendo distribuído e
comercialização. Lança o produto para uma comercializado há a vigilância, dentro da
determinada função e de repente indústria farmacêutica. Isso ocorre a partir
descobre-se que ele serve para outras. Isso de um setor responsável chamado de setor
é ótimo para empresa. fármaco vigilância. Esse setor fica
investigando, buscando informações e
E se for descoberto um efeito colateral pior descobrindo novos mercados.
depois de estar sendo comercializado, a tem
de investigar e, se for comprovado, reavaliar Objetivo da fase 4:
ou introduzir na bula. Então, aconteceu algo
que não era conhecido, mas muitas pessoas - Estabelecer um valor terapêutico, ou
estão relatando esse novo evento adverso, seja, ter certeza que aquilo realmente
um exeplo, uma pessoa relatou: "começou funciona. Exemplo: depois que começou a
usar as nanocápsulas da Juliana e começou ser usado pela população, ele realmente
a cair cabelo". Entra nesse processo. está sendo efetivo.

Como se relata? Tem um SAC na caixinha. - Avaliar o surgimento de novas reações


Se é percebido algum efeito adverso com adversas que não foram observadas.
uso do medicamento é necessário relatar
,quanto mais gente relata é possível - Confirmar a frequência das reações
observar que talvez seja algo recorrente ao adversas que foram observadas nas
uso e é necessário reavaliar. Se não estiver fases anteriores e talvez criar novas
na bula que, por exemplo, causa queda de estratégias com o uso daquele fármaco
cabelo e você comprovar que uso da (novos mercados).
substância promove isso, você entra com
um processo contra a empresa e ganha
dinheiro. Só que você tem que comprovar
que aquele efeito colateral é decorrente

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História da Talidomida: início ao julgamento da Chemie Grünenthal
na Alemanha.
A talidomida, desenvolvida pela Chemie
Grunenthal, tornou-se popular na Alemanha Os diretores da empresa foram acusados de
como sonífero e antiemético em 1957. No violação da lei nacional de drogas, causando
entanto, causou danos graves, como a danos físicos (primeiro por imprudência e
focomelia, em milhares de crianças cujas depois deliberadamente), mas não foram
mães a tomaram durante a gravidez para punidos individual­mente. A Justiça alemã
aliviar os enjoos. A empresa negligenciou aceitou a proposição de acordo para que os
testes adequados, não monitorou os efeitos pacientes afetados pudessem requerer
em mulheres grávidas e mentiu sobre a indenizações, determinando que o governo
segurança do medicamento. Após seu do país mediasse os pagamentos.
banimento, em 1968, os diretores
enfrentaram acusações, mas não foram
individualmente punidos. O governo alemão
estabeleceu uma fundação para fornecer
pensões vitalícias às vítimas.

Hoje, sabe-se que a Chemie Grunenthal foi


relapsa na condução de testes com
animais e simplesmente não monitorou
testes em humanos. O medicamento era
feito na forma de sua mistura racêmica, com
tempo, descobriu-se que somente uma
forma da molécula era responsável pelas
propriedades analgésicas, sedativas e
antieméticas, enquanto ao rotacionar a
molécula, torna-se teratogênica, isto é,
provoca mutações no feto.

Por conseguinte, a equipe da Grunenthal


não conduziu estudos sobre o impacto da
droga em mulheres grávidas. Quando
questionada por médicos que observaram
efeitos nocivos (tontura, perda de memória,
neurite periférica/polineurite) em pacientes
que utilizaram Contergan, a partir do final de
1958, a empresa passou a mentir
continuamente sobre a existência de uma
relação entre o medicamento e as reações .

Após o período em que o medicamento foi


banido em muitas nações, em 1968 deu-se

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