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“O Estigma Social e a Discriminação que Afetam Pessoas Vivendo com

HIV e a Lei Federal nº 14.289/22”

Diego da Silva Teixeira¹


Dulciene Cardozo Pereira²
Jhon Quenedi Francisco Ferreira de Jesus³
Julia Soares Rodrigues⁴
Lucas Gabriel Lopes de Almeida⁵
Luciana de Souza Costa Santos⁶
Tayne Karoline Siqueira⁷
Victor Cardoso Lourenço⁸
Leonardo Gomes Fernandes⁹

Resumo

O presente artigo aborda o estigma social e a discriminação que afetam pessoas


vivendo com HIV através de uma análise do fato social, atrelado à Sociologia
Geral e Jurídica, e sua vertente na ótica da Lei Federal nº 14.289/22, além de
situações concretas decididas pelas cortes brasileiras.

Palavras-chave: Estigma. Discriminação. HIV. Fato Social. Jurisprudências


Brasileiras.

Abstract
This article addresses the social stigma and discrimination that affect people
living with HIV through an approach to the social fact, linked to General Sociology,
as well as its analysis from a legal perspective based on Federal Law nº
14.289/22, in addition to concrete situations decided by the Brazilian courts.

Keywords: Stigma. Discrimination. HIV. Social Fact. Brazilian Jurisprudence.

¹ Discente do 1º Semestre do Curso de Direito da Faculdade ISCON; 2221193@aluno.iscon.edu.br


² Discente do 1º Semestre do Curso de Direito da Faculdade ISCON; 2220979@aluno.iscon.edu.br
³ Discente do 1º Semestre do Curso de Direito da Faculdade ISCON; 2210925@aluno.iscon.edu.br
⁴ Discente do 1º Semestre do Curso de Direito da Faculdade ISCON; 2221069@aluno.iscon.edu.br
⁵ Discente do 1º Semestre do Curso de Direito da Faculdade ISCON; 2221176@aluno.iscon.edu.br
⁶ Discente do 1º Semestre do Curso de Direito da Faculdade ISCON; 2221053@aluno.iscon.edu.br
⁷ Discente do 1º Semestre do Curso de Direito da Faculdade ISCON; 2221187@aluno.iscon.edu.br
⁸ Discente do 1º Semestre do Curso de Direito da Faculdade ISCON; 2220946@aluno.iscon.edu.br
⁹ Docente do Curso de Direito da Faculdade ISCON; Mestre em Aspectos Bioéticos e Jurídicos da
Saúde; Professor das disciplinas: Direito Civil, Direito Administrativo, Ética Geral e Profissional,
Linguagem, Comunicação e Redação Jurídicas e Sociologia Geral e Jurídica; Autor de Livros;
Articulista; leonardo.fernandes@edu.iscon.br

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1. Introdução

O presente artigo visa abordar o estigma social e a discriminação que


afetam pessoas vivendo com HIV e a Lei Federal nº 14.289/22 através de um
olhar sociológico, corroborado por teorias sociológicas aptas a darem suporte
legal a essas pessoas.

Baseia-se, exclusivamente, na metodologia de revisão bibliográfica, tendo


em vista a sua elaboração por discentes do primeiro semestre do curso de
Direito, na disciplina Sociologia Geral e Jurídica, orientados pelo professor da
cátedra.

Importa ressaltar a relevância da análise do fato social que permeia o


tema, bem como apresentar a conceituação do vocábulo estigma, para que
verdadeiramente se possa alcançar a dimensão e repercussões, notadamente
negativas atreladas. Beber-se-á nas lições de Erving Goffman, expoente
sociólogo da saúde, autor de um dos dez livros mais importantes do mundo de
Sociologia do Século XX.

A partir desta bagagem teórica, esmiuçar os pontos relevantes da Lei


Federal nº 14.289/22 e, finalmente, pontuar a postura e olhar de nossos
Tribunais acerca de sua aplicabilidade.

2. Análises Social, Legal e Jurídica

2.1 Fato Social

Impossível abordar tal temática sem antes enaltecer a sua importância


para o ponto de vista social, vez que pessoas vivendo com HIV representam
expressivo número da sociedade brasileira.

Durkheim, em sua obra As Regras do Método Sociológico, estabelece


com clareza o tipo de fato que o sociólogo deve estudar: os fatos sociais.

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Todavia, não são todos os fenômenos que se passa em sociedade que


serão considerados como tal, mas um conjunto de fatos com características
aptas a qualificarem como fatos sociais.

Esses tipos de condutas, e outras mais, são exteriores ao indivíduo, se


impõem a todos e são comuns a todos de uma sociedade. Durkheim
identifica nos fatos sociais três características: a exterioridade, a
coercitividade e a generalidade (DURKHEIM, apud GARCIA e
BARSALINI, 2018, p. 59).

“Exterioridade refere-se aos fatos sociais existirem fora do indivíduo, isto


é, já existiam antes de seu nascimento e atuam sobre ele, independentemente
de sua vontade ou de sua adesão consciente” (DURKHEIM, apud GARCIA e
BARSALINI, 2018, p. 59).

“Coercitividade decorre da coerção social ou força que esses fatos


exercem sobre os indivíduos, levando-os a agirem de acordo com as regras
estabelecidas pela sociedade em que vivem” (DURKHEIM, apud GARCIA e
BARSALINI, 2018, p. 59).

“Generalidade é percebida pelo grau de difusão das crenças, tendências,


das práticas do grupo pelo conjunto da sociedade” (DURKHEIM, apud GARCIA
e BARSALINI, 2018, p. 60).

Ao se analisar a temática na ótica de Durkheim, não resta dúvidas que se


está diante de um fato social, posto que estigmatizar pessoas vivendo com HIV
é prática comum na sociedade contemporânea, infelizmente, já que tal conduta
de estigmatizar é exterior ao próprio indivíduo e, muitas das vezes, o faz sem ter
consciência de seu ato, quase que uma adesão consciente e natural.

De igual forma, a coercitividade no estigmatizar, na visão sociológica,


ocorre tão arraigada, quase como se fosse a força de um ordenamento que o
determinasse (aqui não o legal, mas o social, o costumeiro).

E, finalmente, a generalidade salta aos olhos, quão flagrante o é, já que,


quase sempre, a naturalidade do estigmatizar é tão presente, que sequer se
percebe seu cometimento.

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Assim, tem-se a importância do tema como fato social apto a ser


analisado.

2.2 Estigma Social

A definição de estigma trazida pelo ilustre Goffman, em sua obra Stigma,


de 1963 é pontual e reflete o fio condutor do vocábulo. “Aos sinais corporais com
os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre
o status moral de quem os apresentava” (GOFFMAN, apud NUNES, 2009, p. 8).

O termo estigma e seus sinônimos ocultam uma dupla perspectiva:


Assume o estigmatizado que a sua característica distintiva já é
conhecida ou é imediatamente evidente ou então que ela não é nem
conhecida pelos presentes e nem imediatamente perceptível por eles?
No primeiro caso, está-se lidando com a condição do desacreditado,
no segundo com a do desacreditável. Esta é uma diferença importante,
mesmo que um indivíduo estigmatizado em particular tenha,
provavelmente, experimentado ambas as situações (GOFFMAN, apud
NUNES, 2009, p. 8).

Ao dissecar as vertentes que o estigma pode apresentar

Goffman distingue três diferentes tipos de estigmas: as abominações


do corpo (deformidades físicas); as culpas de caráter individual
(vontade fraca, desonestidade, crenças falsas, etc); estigmas tribais de
raça, nação e religião (GOFFMAN, apud NUNES, 2009, p. 8).

A partir de tais visões, diversos pesquisadores alargaram a análise


estigmatizante para diversos fatos sociais, como sobre deficientes:

O estudo antropológico sobre deficientes, de Amaral e Coelho (2003),


que usaram os conceitos de carreira moral, estigma ou o trabalho de
Moreira e Souza (2002), quando realizaram importante análise sobre a
Teoria do estigma de Goffman e a análise relacional. Destacam que
essa abordagem teórica é relevante [na] análise dos movimentos
associativos na área da saúde, que podem estar se referindo tanto à
perspectiva da auto-ajuda e da ajuda mútua, quanto a uma
solidariedade entre pessoas que não necessariamente carregam um
marca estigmatizante, ligada a patologias físicas ou comportamentais.
(MOREIRA; SOUZA, apud NUNES 2009, p. 10)

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O raciocínio é exatamente o mesmo a ser aplicado às pessoas vivendo


com HIV.

2.3 Estigma e Pessoas Vivendo com HIV no Brasil

Desde o início da pandemia de AIDS no mundo, e no Brasil não foi/é


diferente, a estigmatização do paciente com AIDS ou da pessoa vivendo com
HIV sempre foi/é algo preocupante e estarrecedor.

Muitas das condutas derivam do “pré-conceito” decorrente da falta de


informações sobre contágio, prevenção, tratamento e acompanhamento. Tem-
se em mente exatamente nos anos atuais de 2022 o mesmo estereótipo do
enfermo do fim da década de 1970 e o “boom” da década de 1980.

Todavia, em que pese ainda não se tenha a cura para tal patologia,
diversos tratamentos estão à disposição das pessoas acometidas, quer referente
à virologia, quer para procedimentos estéticos a afastarem as imagens que
devem ficar no passado.

Ainda se tem o estigma presente a uma determinada parcela da


população, a qual foi o “start” da pandemia, onde ficou conhecida como a “peste
gay”. Em decorrência desta classificação social, sem qualquer embasamento
científico, há mais de 40 (quarenta) anos, ainda se vincula tal patologia a essas
pessoas integrantes da sociedade.

Urge informar que, há tempos, AIDS/HIV não possuem mais um “rosto”


ou parcela populacional referência. Qualquer pessoa está sujeita a ter sua
sorologia alterada. A questão não é mais o “com quem se contaminar”, mas o
“como se prevenir”.

De acordo com Cleiton Euzébio de Lima, diretor interino do UNAIDS


Brasil, em seu artigo publicado em 2019, intitulado “Estudo revela como estigma
e a discriminação impactam pessoas vivendo com HIV e AIDS no Brasil” revela
que:

64,1% das pessoas entrevistadas já́ sofreram alguma forma de estigma


ou discriminação pelo fato de viverem com HIV ou com AIDS.
Comentários discriminatórios ou especulativos já afetaram 46,3%
delas, enquanto 41% do grupo diz ter sido alvo de comentários feitos
por membros da própria família. O levantamento também evidencia

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que muitas destas pessoas já passaram por outras situações de


discriminação, incluindo assédio verbal (25,3%), perda de fonte de
renda ou emprego (19,6%) e até mesmo agressões físicas (6,0%). (p.
01)

São dados extremamente relevantes e alarmantes.

Em sua maioria, as quase 1.800 pessoas que participaram do Índice


de Estigma no Brasil são negras e vivem com HIV, em média, há dez
anos. Dados recentes sobre a epidemia de HIV no Brasil, divulgados
pelo Ministério da Saúde no Boletim Epidemiológico HIV/AIDS 2019,
mostram que o número de óbitos por causas relacionadas à AIDS
cresceu 22,5% entre a população negra na última década enquanto,
entre a população branca, a tendência é inversa: queda de 22,2%.
Considerada a proporção de pessoas negras respondentes nesta
pesquisa do Índice de Estigma, este estudo surge como uma
importante fonte de referência para a análise de possíveis causas
sociais subjacentes para estas tendências verificadas no país. (Lima,
2019, p.01)

O artigo evidencia, também, as variadas formas de estigma e


discriminação sofridos:

entre suas consequências mais frequentes, o assédio moral, a


exclusão social, a agressão física e a perda do emprego—mesmo com
o arcabouço legal já existente no país para proteger estas pessoas,
reforçado pela lei 12.984/2014, que tornou crime punível com reclusão
e multa atos de discriminação contra pessoas vivendo com HIV ou com
AIDS. (Lima, 2019, p. 01)

2.4 Lei Federal Nº 12.984 de 2 de Junho de 2014

Tal diploma legal define o crime de discriminação dos portadores do vírus


da imunodeficiência humana (HIV) e doentes de AIDS. Em seu art. 1º aduz que:

Art. 1º Constitui crime punível com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro)


anos, e multa, as seguintes condutas discriminatórias contra o portador
do HIV e o doente de aids, em razão da sua condição de portador ou
de doente:
I - recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir
que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino
de qualquer curso ou grau, público ou privado;
II - negar emprego ou trabalho;

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III - exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego;


IV - segregar no ambiente de trabalho ou escolar;
V - divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de aids, com
intuito de ofender-lhe a dignidade;
VI - recusar ou retardar atendimento de saúde. (BRASIL, 2014).

Em que pese se tenha a tipificação penal do delito discriminatório, em


suas mais diversas formas previstas nos incisos, as diversas condenações nos
tribunais do nosso país encontram-se nas demandas cíveis e trabalhistas
atinentes à discriminação. Não foi encontrada condenação penal neste sentido.

2.5 Lei Federal Nº 14.289 de 3 de Janeiro de 2022

Tal Lei Federal torna obrigatória a preservação do sigilo sobre a condição


de pessoa que vive com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)
e das hepatites crônicas (HBV e HCV) e de pessoa com hanseníase e com
tuberculose, nos casos que estabelece e altera a Lei nº 6.259 de 30 de outubro
de 1975.

Seu art. 2º determina:

Art. 2º É vedada a divulgação, pelos agentes públicos ou privados,


de informações que permitam a identificação da condição de
pessoa que vive com infecção pelos vírus da imunodeficiência
humana (HIV) e das hepatites crônicas (HBV e HCV) e de pessoa com
hanseníase e com tuberculose, nos seguintes âmbitos:
I - serviços de saúde;
II - estabelecimentos de ensino;
III - locais de trabalho;
IV - administração pública;
V - segurança pública;
VI - processos judiciais;
VII - mídia escrita e audiovisual.
Parágrafo único. O sigilo profissional sobre a condição de pessoa que
vive com infecção pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV) e das
hepatites crônicas (HBV e HCV) e de pessoa com hanseníase e com
tuberculose somente poderá ser quebrado nos casos determinados por
lei, por justa causa ou por autorização expressa da pessoa acometida
ou, quando se tratar de criança, de seu responsável legal, mediante

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assinatura de termo de consentimento informado, observado o


disposto no art. 11 da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral
de Proteção de Dados Pessoais - LGPD) (BRASIL, 2022) (grifo
nosso).

Este diploma legal, em seu art. 6º, traz as punições para o caso de
descumprimento dos comandos legais:

Art. 6º O descumprimento das disposições desta Lei sujeita o agente


público ou privado infrator às sanções previstas no art. 52 da Lei nº
13.709, de 14 de agosto de 2018, bem como às demais sanções
administrativas cabíveis, e obriga-o a indenizar a vítima por danos
materiais e morais, nos termos do art. 927 da Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002 (Código Civil).
Parágrafo único. Nas situações em que for divulgada informação sobre
a condição de pessoa que vive com infecção pelos vírus da
imunodeficiência humana (HIV) e das hepatites crônicas (HBV e HCV)
e de pessoa com hanseníase e com tuberculose por agentes que, por
força de sua profissão ou do cargo que ocupam, estão obrigados à
preservação do sigilo, e essa divulgação ficar caracterizada como
intencional e com o intuito de causar dano ou ofensa, aplicar-se-ão em
dobro:
I - as penas pecuniárias ou de suspensão de atividades previstas
no art. 52 da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018;
II - as indenizações pelos danos morais causados à vítima.

2.6 Como Nossos Tribunais Vêm Enfrentando o Tema

Diversas são as jurisprudências acerca do tema. Contudo, ainda é um


número bem inexpressivo se comparado aos dados estatísticos trazidos no
tópico estigma e pessoas vivendo com HIV no Brasil.

Sobre a novel Lei Federal nº 14.289/22, não foi encontrada nenhuma


jurisprudência que a houvesse usado como base ou citação em julgamentos.

Dentre as variadas condenações, prevalece decisões da justiça laboral a


tratar do tema como indenizações anti-discriminatórias, mas utilizando a
CRFB/88 (arts. 1º, III e 3º, IV) e a Lei Federal nº 9.029/15 (art. 1º) além da
Convenção nº 111 da OIT (que trata sobre formas de discriminação):

"NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.


RECURSO DE REVISTA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. Não

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cuidando a parte de dar a seu inconformismo o devido enquadramento


legal, mediante a alegação de afronta a dispositivos de lei ou da
Constituição da República, ou de contrariedade a súmula deste
Tribunal Superior, ou, ainda, transcrevendo paradigmas à hipótese dos
autos, resulta manifesta a impossibilidade de conhecimento do recurso
de revista por ausência de fundamentação. Recurso de revista não
conhecido. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA
IMOTIVADA. ATITUDE DISCRIMINATÓRIA PRESUMIDA.
REINTEGRAÇÃO . 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no
sentido de que se presume discriminatória a dispensa do empregado
portador do vírus HIV. Desse modo, recai sobre o empregador o ônus
de comprovar que não tinha ciência da condição do empregado ou que
o ato de dispensa tinha outra motivação, lícita . 2. Entendimento
consentâneo com a normativa internacional, especialmente a
Convenção n.º 111, de 1958, sobre Discriminação em Matéria de
Emprego e Ocupação (ratificada pelo Brasil em 26.11.1965 e
promulgada mediante o Decreto n.º 62.150, de 19.01.1968) e a
Recomendação n.º 200, de 2010, sobre HIV e AIDS e o Mundo do
Trabalho. (RR-148400-68.2001.5.15.0004, 1ª Turma, Relator Ministro
Lelio Bentes Correa, DEJT 04/10/2013).

"REAJUSTE SALARIAL. EMPREGADOS NO COMÉRCIO. O processo


inflacionário é fato incontestável, assim como o é a perda do poder
aquisitivo dos salários, dele decorrente. Esta Corte tem reconhecido
essa realidade em inúmeros julgamentos, nos quais se tem
reiteradamente afirmado que cabe à Justiça do Trabalho, no exercício
do Poder Normativo que lhe é conferido pela Constituição Federal,
distribuir a Justiça Social, estabelecendo condições e normas que,
aplicadas às relações de trabalho existentes entre as categorias
profissional e econômica, enfatizem a dignidade e primazia do trabalho
como fator de produção e, simultaneamente, estimulem a atividade
produtiva. Trata-se da distribuição da Justiça Social com eqüidade,
consideradas as reais condições da prestação de serviço da categoria
profissional e a lucratividade e situação econômica do empresariado.
E isto porque a própria Lei nº 10.192/2001, no seu art. 13, § 1º, admite
a possibilidade de reajuste; o art. 114 da CF/88 consagra o poder
normativo da Justiça do Trabalho, desde que frustrada a solução
autônoma do conflito; e o art. 766 da CLT, dispõe no sentido da
possibilidade do estabelecimento, nos dissídios sobre estipulação de
salários, de condições que, assegurando o justo salário aos
trabalhadores, permitam também a justa retribuição às empresas
interessadas. Recurso Ordinário parcialmente provido" (RODC-
1109986-47.2003.5.04.0900, Seção Especializada em Dissídios
Coletivos, Relator Ministro Rider de Brito, DEJT 02/04/2004).

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO


RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. CARREIRA MILITAR.
PORTADOR DO VÍRUS HIV. ASSINTOMÁTICO.
DESCLASSIFICAÇÃO NA ETAPA DE INVESTIGAÇÃO DE SAÚDE.
PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS.
TESE DEBATIDA PELA INSTÂNCIA ORIGINÁRIA. PRECEDENTE
ESPECÍFICO DA SEGUNDA TURMA. QUESTÃO DIVERGENTE DO
TEMA Nº 1.088. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A tese relativa à impossibilidade de candidato portador de vírus HIV
assintomático ser aprovado na fase de investigação de saúde de
concurso militar foi debatida pela instância de origem, motivo pelo qual
não prospera a alegação de ausência de prequestionamento.

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2...
3. O caso diz respeito à reprovação de candidato na fase de
investigação de saúde de concurso para carreira militar por ser
portador do vírus HIV, embora assintomático, situação diferente do
Tema nº 1.088 em análise nesta Corte.
4... (AgInt no REsp n. 1.948.790/RS, relator Ministro Mauro Campbell
Marques, Segunda Turma, julgado em 20/6/2022, DJe de 22/6/2022.)

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. IMPOSTO


DE RENDA. MOLÉSTIA GRAVE. SÍNDROME DA
IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA. VIRUS HIV. ISENÇÃO. SUMULA
627/STJ.
I - A presente controvérsia cinge-se em determinar se os proventos de
aposentadoria ou reforma percebidos por pessoa dignosticada como
soropositiva para HIV, mesmo quando não tiver sintomas da Síndrome
de Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS, estão abrangidos pela
isenção do imposto sobre a renda da pessoa física - IRPF, nos termos
do art. 6º da Lei n. 7.713/1988.
II - A análise da presente questão impõe que seja assentada no sentido
de que a isenção do imposto sobre a renda da pessoa física - IRPF em
relação aos rendimentos percebidos abrange pessoas diagnosticadas
com HIV, mesmo que ausentes sintomas da Síndrome de
Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS, prevista no art. 6º, XIV, da Lei
n. 7.713/1988. Com efeito, o debate dos autos refere-se ao valor justiça
tributária e envolve a aplicação do princípio da isonomia, que, em
matéria de imposto de renda, implica a verificação de discrimen
razoável para estabelecimento de distinção comparativa entre os
contribuintes. Segundo a doutrina, para a compreensão dessa
distinção comparativa, são aferidos os seguintes elementos estruturais
na aplicação concreta do princípio da isonomia tributária: os sujeitos; a
medida de comparação; o elemento indicativo da medida de
comparação; e a finalidade da comparação.
III - ...
IV - ...
V - Aplicando o entendimento acima ao caso concreto, e buscando
conferir integridade ao Direito, verifica-se que não deve haver diferença
de tratamento jurídico entre a pessoas que possuem a SIDA/AIDS e
aquelas soropositivas para HIV que não manifestam os sintomas da
SIDA/AIDS. Portanto, da jurisprudência deste Superior Tribunal de
Justiça se extrai que, independentemente de a pessoa diagnosticada
como soropositiva para HIV ostentar sintomas da Síndrome de
Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS, deve o contribuinte ser
abrangido pela isenção do imposto sobre a renda da pessoa física -
IRPF.
VI - ... (REsp n. 1.808.546/DF, relator Ministro Francisco Falcão,
Segunda Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 20/5/2022.)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL


REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA DE NATUREZA
REPETITIVA. MILITAR. REFORMA EX OFFICIO. LEIS 6.880/80 E
7.670/88. HIV. MILITAR PORTADOR ASSINTOMÁTICO DO VÍRUS.
GRAU DE DESENVOLVIMENTO DA SÍNDROME DE

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IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA - SIDA/AIDS. IRRELEVÂNCIA.


REMUNERAÇÃO. SOLDO CORRESPONDENTE AO GRAU
HIERÁRQUICO IMEDIATAMENTE SUPERIOR. PRECEDENTES DO
STJ. REVISITAÇÃO DA MATÉRIA DOS ERESP 670.744/RJ.
ALTERAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI 13.954/2019. MILITAR
TEMPORÁRIO. TESE FIRMADA SOB O RITO DOS RECURSOS
ESPECIAIS REPETITIVOS. ART. 1.036 E SEGUINTES DO
CPC/2015. ART. 927, § 3º, DO CPC/2015. NÃO MODULAÇÃO DOS
EFEITOS DO JULGADO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE
CONHECIDO, E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.
I. ...
II. Trata-se, na origem, de Ação Ordinária, ajuizada em 05/01/2017, por
militar da Marinha, incorporado ao serviço militar em 21/02/2000,
ocupando a graduação de Terceiro-Sargento, portador do vírus HIV,
contra a União, objetivando a concessão da reforma por incapacidade
definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, nos termos dos
arts. 108, V, e 110, § 1º, da Lei 6.880/80 c/c art. 1º, I, c, da Lei 7.670/88,
com a remuneração calculada com base no posto hierarquicamente
imediato ao que possuía na ativa, bem como indenização por danos
morais, em virtude de discriminação que estaria sofrendo, por ser
portador do vírus HIV, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
III. a VIII...
IX. Os três Recursos Especiais afetados e ora em julgamento, por esta
Primeira Seção, tratam de hipóteses anteriores à Lei 13.954/2019, em
que o pedido de reforma, em face de exame do militar que detectou a
presença do vírus HIV, deu-se antes da alteração legislativa.
X. A teor da Súmula 359/STF, "ressalvada a revisão prevista em lei, os
proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que
o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários". Nesse
mesmo sentido, "se no momento da obtenção do benefício
encontravam-se preenchidos todos os requisitos necessários de
acordo com a lei em vigor, caracterizando-se como ato jurídico perfeito,
não pode a legislação superveniente estabelecer novos critérios, sob
pena de ofensa ao princípio tempus regit actum" (STJ, AgRg no REsp
1.308.778/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA
TURMA, DJe de 30/09/2014).
XI ao XXIV. ...
XXV. Recurso Especial parcialmente conhecido, e, nessa extensão,
parcialmente provido, para julgar parcialmente procedentes os pedidos
formulados pela parte autora, com a concessão da reforma ex officio
por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas,
sem a remuneração calculada com base no soldo equivalente ao grau
hierárquico imediato ao que possuía o autor na ativa, por não estar ele
impossibilitado, total e permanentemente, para qualquer trabalho, na
vida castrense e civil.
XXVI. Recurso julgado sob a sistemática dos recursos especiais
representativos de controvérsia (art. 1.036 e seguintes do CPC/2005 e
art. 256-N e seguintes do RISTJ), sem modulação dos efeitos do
julgado.
(REsp n. 1.878.406/RJ, relatora Ministra Assusete Magalhães,
Primeira Seção, julgado em 11/5/2022, DJe de 1/8/2022.)

3. Conclusão

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Conforme se percebe, o tema é interessantíssimo do ponto de vista


sociológico, posto analisar um fato social. No que tange à sua relevância, a
conclusão também não pode ser negativa. É chegada a hora do enfrentamento
do tema em suas diversas matizes: social, civil, trabalhista, penal, previdenciária,
tributária e tantas outras áreas que abarcam tal celeuma.

De igual sorte, além da interdisciplinaridade social, há, também, o


interesse pelas Ciências Médicas e biológicas acerca da evolução de
tratamentos no sentido de exterminar, de vez por todas, tal patologia, bem como
da Psicologia, no sentido de amparar e aninhar os portadores vítimas das formas
mais violentas e cruéis de discriminação e estigma.

De per si, a expressão estigma já coloca o estigmatizado em um outro


patamar. Patamar de exclusão, de marginalizado, de culpado, de responsável
por situações que, na maioria dos casos, são alheios às suas condutas.

É chegada a hora de se recorrer à empatia ao invés da antipatia. Ser


empático é ser plural, é ser acolhedor, é ser agregador, é ser humano.

Assim, mister se faz que nossos Tribunais analisem tal temática sobre
todos os espectros. Proceda às devidas apurações e condenações quando for
necessário. Determine as retificações e reintegrações de dispensas arbitrárias
discriminatórias. Condene nas indenizações cíveis e administrativas para a
completa eficiência legislativa.

Somente desta forma, firmes e afáveis, poder-se-á garantir o escopo da


paz social e urbanidade entre os mais diversos tipos de pessoas que integram a
sociedade.

4. Referências

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. www.stj.jus.br. REsp n. 1.878.406/RJ,


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