Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
2.1.1 Discriminação
Embora não seja o prisma da discriminação em análise, importa aqui referir que existe
também a discriminação positiva ou acção afirmativa que, diferentemente da
discriminação negativa (ou discriminação), visa empreender políticas públicas ou
privadas que darão a um determinado grupo social, étnico, minoria ou vítima de
injustiças sociais, o tratamento preferencial no acesso ou distribuição de certos recursos
ou serviços, bem como o acesso a determinados bens, a fim de melhorar a qualidade de
vida dos grupos desfavorecidos, e para compensar o prejuízo ou discriminação de que
foram vítimas (Gomes, 2001, in: Cecchin, 2006: 331).
2
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
situações que podemos identificar os vários tipos de discriminação social, tendo como
factor determinante a pessoa ou grupo alvo da discriminação. Dentre os tipos de
discriminação social podemos destacar, por exemplo, a discriminação contra os
seropositivos, deficientes físicos, doentes mentais, presos, ex-presidiários, entre
outros. Sendo os dois últimos o foco das atenções neste trabalho, pois a reincidência
(criminal), uma das problemáticas que encabeça o tema em tese, pressupõe a existência
de um crime perpetrado e punido por lei, este assunto será abordado com maior
profundidade mais adiante (ver ponto 2.5).
Jurandir F. Costa (In: Bock, Furtado e Teixeira, 2008: 331) define violência como toda
aquela “situação em que o indivíduo foi submetido a uma coerção e a um desprazer
absolutamente desnecessário ao crescimento, desenvolvimento e manutenção do seu
bem-estar físico, psíquico e social”. Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2008), é
comum associarmos violência exclusivamente ao crime, à criminalidade, por isso,
3
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
muitas vezes, é mais difícil ver e reconhecer outras de suas expressões, como por
exemplo, a guerra, o preconceito, a destruição do meio ambiente, a corrupção, a fome,
ausência de vagas nas escolas, atendimento precário de saúde, condições de habitação
desumanas, entre outras. Essas múltiplas e variadas expressões da violência compõem o
quotidiano de todos os cidadãos e criam um ambiente social em que ela vai se tornando
invisível para os que ali nascem, crescem e se desenvolvem – é o fenómeno da
naturalização ou banalização da violência. Tendo em conta os pressupostos acima
focados podemos, assim, considerar a discriminação social como sendo uma das formas
de expressão de violência (Op. cit. 335)
1*
Heurística: atalhos ou métodos rápidos de chegar a conclusões, utilizados com intuito de conhecer o
ambiente social (Rodriguez, Assmar e Jablonskim, 2005: 84).
4
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
5
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
Uma primeira tarefa a ser considerada quando se procura determinar as fontes dos
preconceitos é a de identificar o maior número possível de factores, classificando-os de
acordo com algum critério aceitável. Com base neste postulado, faz-se referência a três
grupos de factores capazes de alimentar os preconceitos: sociais, afectivos e cognitivos.
Entre os factores sociais se pode destacar as injustiças sociais, o senso de identidade
social, conformidade e suporte institucional. No caso dos factores emocionais, pode se
fazer referência à frustração-agressão e à personalidade autoritária, enquanto no caso
dos factores cognitivos podemos identificar a categorização, os estímulos que capturam
a atenção e a atribuição de causalidade (Pereira, 2002: 80).
b) Componente afectivo
6
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
e essa opinião num nível cognitivo sem unir a isto qualquer traço afectivo. Não se
poderia dizer então que tal pessoa tem uma atitude em relação à existência de vidas em
outros planetas ou em relação à origem da lua. Os mesmos objectos, porém poderão ser
alvos de atitudes por parte de outras pessoas. Estas acrescentariam uma conotação
afectiva às suas cognições acerca da existência de vida em outros planetas e acerca da
origem da lua, e demonstrariam isso ao engajar-se em discussões acaloradas sobre estes
tópicos.
c) Componente comportamental
Por exemplo, um dos vários comportamentos que pode ser desencadeado pelas atitudes
negativas ante a um preso ou ex-presidiário é a estigmatização, caracterizada como uma
resposta colectiva. Segundo Goffman (In: Bock, Furtado e Teixeira, 2008) o estigma
refere-se às marcas ou atributos sociais que um indivíduo, grupo ou povo carrega e cujo
valor pode ser negativo ou pejorativo. Estigmas sociais frequentemente levam à
marginalização. O estigma pode se apresentar em três formas, segundo Erving Goffman:
as deformações físicas (deficiências visuais, motoras, auditivas, desfiguração de rostos,
entre outros); características e alguns desvios de comportamento (distúrbios mentais,
vícios, toxidependência, sexualidade, reclusão prisional, entre outros); e estigmas tribais
(relacionados com a pertença a uma raça, nação ou religião). Embora as características
sociais que se tornaram estigmatizadas possam variar através do tempo e espaço, as três
formas básicas de estigma (deformidade física, características pessoais e status tribal
desviantes) são encontradas na maioria das culturas e épocas, levando alguns psicólogos
7
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
a teorizar que a tendência para estigmatizar possa ter raízes evolucionárias. Um aspecto
bastante importante deste processo, que pode envolver um indivíduo, um grupo ou povo
e acompanhar o indivíduo desde o seu nascimento ou ser adquirido ao longo da vida, é o
atributo negativo que pode ser internalizado pelo indivíduo e influenciar
decisivamente sua auto-imagem e auto-estima (Op. cit. 214).
8
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
Neste ponto, tal como nos anteriores, serão elencados determinados conceitos em torno
do desvio e controlo social que, de certa forma, nos ajudarão a melhor compreender
ambas realidades.
Embora o desvio e controlo social sejam fenómenos universais, eles assumiram novas
feições motivadas por alguns fenómenos modernos que marcaram o seu estudo,
nomeadamente os processos de industrialização e urbanização das sociedades. Esses
processos históricos assumiram uma importância capital a partir dos finais do século
XIX (Bairoch, 1985, in: Ferreira e outros, 1995). Nunca até então a pressão
demográfica, a migração, a mobilidade social, a produção e o consumo, os transportes,
as comunicações, a ciência e a técnica, tinham atingido semelhante dimensão. A par
deste quadro de mudanças, encontramos ainda um conjunto importante de
transformações estruturais e institucionais, que marcarão directamente a face do desvio
e do controlo social nas sociedades modernas, a citar: a) a progressiva transformação e
perda de influência dos grupos sociais primários tradicionais (e o correspondente
aumento da esfera de acção dos grupos secundários); b) a difusão de uma racionalidade
instrumental (ligada à crença do progresso, na ciência e na técnica); c) a adopção de
novos valores, normas e ideologias (Op. cit. 430).
O controlo social deixou de ser exercido nos limites estritos dos grupos primários, da
tradição e do costume. A transformação progressiva dos grupos sociais primários
destruiu as formas de controlo social assentes no parentesco, na tradição, nas
comunidades locais e nos grupos de vizinhança. Essa função passou a ser exercida
prioritariamente pelos grupos secundários (Foulcault, 1975, in: Ferreira e outros, 1995).
9
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
10
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
Uma segunda fase de estudos que podemos designar por socioestatística, é dominada
por trabalhos como os de Émile Durkheim. Só com ela o desvio conquista, de facto, o
estatuto de tema sociológico. Agora, o desvio, nas variantes do crime e do suicídio, é
visto como um fenómeno social que se reflecte nas estatísticas sociais. As supostas
regularidades que o traduzem apontam para a ideia de que a sua explicação deve ser
essencialmente de natureza social. Só mais tarde, em pleno século XX, se forjará uma
nova visão do desvio designada de construtivista. Com ela, o desvio deixará de ser
visto como um fenómeno que emerge da estrutura das sociedades, para passar a ser
concebido como resultado de um processo de definição social. Só então o controlo
social assumirá o papel de variável explicativa e conquistará o lugar central na análise.
Será a chamada Teoria da Rotulagem ou da Reacção Social a principal responsável por
esta concepção. Por último, surgirão várias análises que, não recusando esta visão,
colocarão o acento nos aspectos racionais e estratégicos do desvio.
11
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
2.3.2 Desvio
12
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
A anomia é uma palavra de origem grega que significa “ausência de regras” (Born,
2005: 51). O conceito foi utilizado por Durkheim para descrever “sentimentos de
ausência de objectivos e desespero provocados por processos de mudança no mundo
moderno que levam a que certas normas sociais percam o seu poder de controlo sobre o
comportamento” (Giddens, 2013: 1220). Para Michener, Delamater e Mayers (2005),
toda sociedade fornece, aos seus integrantes, objectivos a que aspirar. Se os integrantes
de uma determinada sociedade valorizam a religião, é provável que eles socializem seus
jovens e adultos para que aspirem à salvação; se eles valorizam o poder, ensinarão as
pessoas a buscar posições em que podem dominar as outras. Em toda sociedade,
13
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
também há normas que definem maneiras aceitáveis de lutar pelos objectivos, chamados
meios legítimos. Uma pessoa que luta para atingir um objectivo legítimo, mas vê
negado o seu acesso ao meio legítimo vivenciará a anomia (estado que reduz o
compromisso com as normas ou a busca dos objectivos). Há quatro maneiras de alguém
reagir à anomia, cada uma delas é um tipo distinto de desvio. Em primeiro lugar, o
indivíduo pode rejeitar o objectivo e abrir mão de tentar atingir o sucesso, mas
continuando conformando-se às normas sociais. Essa adaptação é denominada
ritualismo. Em segundo lugar, o indivíduo pode rejeitar tanto o objectivo como os
meios, retirando-se da participação activa na sociedade por meio do afastamento. Isso
pode assumir forma de alcoolismo, uso de drogas, mergulho na doença mental ou outro
tipo de escapismo. Em terceiro lugar, a pessoa pode continuar comprometida com os
objectivos, mas voltar-se para modos desaprovados ou ilegais de atingir o sucesso. Essa
adaptação é chama-se inovação. Finalmente, a pessoa pode tentar subverter o sistema
existente e criar objectivos e meios diferentes por meio da rebelião (Michener,
Delamater e Mayers, 2005: 556).
O conceito de controlo social pode ser utilizado em dois sentidos distintos: um restrito e
outro alargado. No primeiro sentido, o controlo social corresponde a duas tarefas
clássicas: vigiar e punir (ou recompensar). Segundo Guy Rocher (In: Lakatos e
Marconi, 2006: 236), controlo social consiste num conjunto de sanções positivas e
negativas a que uma sociedade recorre para assegurar a conformidade das condutas aos
modelos estabelecidos. Neste sentido, o controlo liga-se directamente ao desvio e tem
por relação ao indivíduo, uma intervenção estritamente externa e a posteriori. Um outro
sentido possível e mais amplo daquele conceito consiste na consideração não só dos
elementos que constituem o seu anterior significado, mas ainda na ideia de que o
controlo social tem igualmente uma dimensão interna e antecipadora. Para Boudon e
14
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
De acordo com Fitchter (In: Lakatos e Marconi, 2006: 237), o controlo social pode ser
classificado da seguinte maneira: controlo positivo e negativo; controlo formal e
informal.
15
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
O não cumprimento das normas sociais pressupõe a aplicação de sanções a quem assim
procede. Dentre os tipos de sanções mencionados por Lakatos e Marconi (2006)
destacam-se: sanções especificamente sociais; constrangimento físico.
16
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
estreitas entre seus membros, essa censura ou rejeição pode prejudicar a posição do
indivíduo. O falatório, o diz-que-diz, a fofoca, a bisbilhotice, são sanções poderosas e
temidas, tanto mais eficazes quanto menor a comunidade; seu poder baseia-se
principalmente nas possíveis deformações e amplificações da realidade. A reprovação
da conduta pode manifestar-se também através do silêncio e do olhar de censura (Op.
cit. 236).
b) Constrangimento físico
Michael Foucalt (In: Bock, Furtado e Teixeira, 2008: 336) afirma que é difícil imaginar
outra forma punitiva para os cidadãos que transgridem a lei que não a prisão. Sua
obviedade e universalidade devem-se ao facto de incidir sobre um valor básico da
humanidade: a liberdade. Por tanto, a prisão caracteriza-se, principalmente, por cercear
o direito à liberdade humana.
2∗
Status Quo: Status quo é uma expressão abreviada de "in statu quo ante", que significa "no estado em
que as coisas estavam anteriormente". Status quo é uma expressão que remete para o estado das coisas e
situações, e por isso vem geralmente acompanhada de palavras como manter, defender e mudar
(http://www.significados.com.br /status/).
17
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
é reformular os indivíduos a partir do controlo sobre seu corpo e sua vontade, isto é, a
partir de práticas disciplinares. Ao mesmo tempo que é óbvia a existência da prisão,
muitos estudiosos no mundo todo afirmam sua inoperância. Ou seja, ela não cumpre a
função de preparar o indivíduo que cometeu um crime para o retorno ao convívio social.
Pelo contrário, o ambiente de socialização instituído na prisão é marcado também pela
violência e por práticas institucionais que acabam por produzir indivíduos mais
violentos e, portanto, não revertem os indicadores de reincidência. Em muitos lugares
no mundo há denúncias sobre torturas e métodos indignos de tratamento dos presos. Isto
é particularmente sério quando se trata de adolescente cuja vivência de terror nessas
circunstâncias podem produzir graves danos psicológicos e marcas identitárias que
definem um destino de morte, como agente ou vítima de violência (Bock, Furtado e
Teixeira, 2008: 337-338).
18
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
sociedade a livre expressão dos próprios instintos de agressão. A pena não é mais do
que a violência legitimada. Segundo Freud (In: Dias e Andrade, 1997), oferece aos que
a aplicam a oportunidade de, a coberto da justificação da expiação, praticar os mesmos
actos criminosos. No segundo caso, a punição do delinquente dá à sociedade a
oportunidade de autopunição e expiação dos sentimentos colectivos de culpa. À
semelhança do que acontece no plano individual, o sentimento de culpa – e a
necessidade da sua expiação por meio do crime e do castigo – é também um dado de
experiência colectiva. Ora, através do mecanismo da projecção, a colectividade
transfere a sua culpa para o delinquente e se pune, punindo-o. É a teoria do pode
expiatório, com tradições na criminologia psicanalítica (Op. cit. 204).
3∗
Feedback: é uma expressão de origem inglesa que significa “reacção” (UNIVERSITY OXFORD
2006: 369).
19
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
20
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
meio de valorar sua condição humana, ou até mesmo resgatar a cidadania, na medida
em que possibilita a sua integração na sociedade, o recebimento de remuneração,
permite-lhe realizar a aquisição de bens, implicando na melhoria de vida da população
como um todo. Portanto, uma das maneiras de se devolver a dignidade aos detentos é
através da sua ressocialização ao mercado de trabalho. A inclusão social dos mesmos
nesse mercado é capaz de lhes devolver a dignidade, assim como, a possibilidade de
criar novas expectativas acerca de um futuro perdido que vislumbrava entre as paredes
de uma penitenciária (Miraglia, 2010, in: Brandão e Farias, 2013: 6).
À medida que um indivíduo envolve-se aberta e regularmente com o desvio, ele pode
associar-se cada vez mais com os outros que adoptam rotineiramente essa actividade ou
outra com ela relacionada. As subculturas fornecem não apenas a aceitação, mas
também a oportunidade para representar papéis desviantes. Os grupos subculturais são
alternativa atraente para as pessoas desviantes por duas razões: em primeiro lugar, essas
pessoas são frequentemente forçadas a sair dos relacionamentos e dos grupos não
desviantes pelas reações dos outros, à medida que a família e os amigos rompem
progressivamente as relações com elas, vêem-se obrigados a buscar aceitação em outra
21
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
parte; em segundo lugar, a afiliação aos grupos subculturais pode resultar do desejo da
pessoa desviante associar-se com pessoas que sejam semelhantes e que lhes possam
fornecer sensações de aceitação social e de autovalorização (Cohen, 1966, in: Michener,
Delamater e Mayers, 2005). As pessoas desviantes não são diferentes das outras nas
suas necessidades de aprovação positiva, as subculturas desviantes ajudam as mesmas a
lidar com o estigma associado ao seu status desviante (Op. cit. 573-577).
Tal como o título de per si elucida, neste ponto será abordado questões referentes ao
conceito de reincidência criminal e os seus pressupostos legais, isto a luz do Código
Penal Angolano e de algumas doutrinas no âmbito do Direito Penal. Também será feita
uma análise acerca dos factores desencandeadores da reincidência. Porém, para que se
perceba o tema em destaque é necessário que tenhamos patente o conceito de crime e
suas modalidades, pois, reincidência e crime são fenómenos indissociáveis.
a) Delito doloso
Delito doloso é o tipo de situação em que ocorre acto voluntário com resultado
esperado. Há evidências da vontade consciente; contudo, a análise, em profundidade,
das motivações que levam a pessoa à prática do delito agregará elementos para melhor
22
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
b) Delito culposo
De cordo com o Código Penal Angolano nos termos do art. 35º, dá-se a reincidência
quando o agente, tendo sido condenado por algum crime, comete outro crime da mesma
natureza, antes de terem passado oito anos desde a dita condenação, ainda que a pena do
primeiro crime tenha sido prescrita ou perdoada (Marques, 2007: 23-24).
23
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
§ 3º - Os crimes podem ser da mesma natureza, ainda que não tenha sido consumado
ambos, ou algum deles.
A) Pressupostos formais
§ 368 Segundo o disposto no art. 76.º-1, 1ª parte, «Será punido como reincidente aquele
que por si só ou sob qualquer outra forma de comparticipação, cometer um crime doloso
a que corresponda pena de prisão, depois de ter sido condenado por sentença transitada
em julgado em pena de prisão total ou parcialmente cumprida, por outro crime
doloso...» E acrescenta, por seu turno o art. 76.º-2, 1ª parte, que «o crime anterior por
que o agente tenha sido condenado não conta para a reincidência se entre a sua prática e
a do crime seguinte tiveram decorrido mais de anos 5 anos» (Dias, 2005:263).
24
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
§ 369 Verifica-se, desde logo, que a reincidência só opera entre crimes dolosos. Crimes
dolosos aqueles que como tal devam ser considerado não apenas segundo o seu
tipo-de-ilicitude subjectivo, mas também segundo o seu tipo-de-culpa.
§ 371 A reincidência só entre crimes que sejam e tenham sido punidos com penas de
prisão, de prisão efectiva. Não serve seguramente para fundar a reincidência a
condenação em pena de multa ou em uma qualquer pena de substituição em sentido
próprio.
§ 373 É necessário, em terceiro lugar, que a condenação pelo crime anterior tenha já
transitado em julgado quando o novo crime é cometido. Esta exigência é compreensível,
pois que de outro modo a hipótese reconduzir-se-ia ao concurso de crimes.
§ 374 Dispõe a lei que o crime anterior não conta para efeito de reincidência se entre a
sua prática e a prática do novo crime tiverem decorrido mais de 5 anos.
25
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
§ 376 Exige o art. 76.º-1 que a pena de prisão a que o agente tenha sido condenado
anteriormente haja sido total ou parcialmente cumprida; e acrescenta o art. 76º-4 que a
prescrição, a amnistia e o indulto se equiparam, para este efeito, ao cumprimento da
prisão.
B) Pressupostos materiais
§ 377 Nos termos da 2ª parte do art. 76.º-1, é pressuposto material da reincidência que
se mostre, segundo as circunstâncias do caso, que a condenação ou as condenações
anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime.
26
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
De acordo com Augusto (In: Brandão e Farias, 2013: 3), políticas públicas são acções
que exercem um impacto directo no bem-estar dos cidadãos. Para Filho (In: Silva,
2012), estas têm, necessariamente, de indicar caminhos objetivos para a minimização de
pequenos problemas quotidianos, mas que assumem um carácter grandioso quando
afligem pessoas fragilizadas pela vivência do encarceramento e principalmente pela
estigmatização. Segundo Silva (2012), quando as estratégias propostas pelo Estado não
qualificam os sujeitos antes do cárcere nem depois dificulta a sua inserção ou reinserção
na sociedade, esta situação não propicia alterações nas condições de vida dos sujeitos
envolvidos neste processo de fragilização. Neste sentido, deve-se questionar sobre o
papel do Estado no que se refere às políticas públicas, principalmente, as de segurança
pública. No entender do referido autor, o que antecede a violência é o desrespeito, que é
consequências das injustiças e afrontamentos, sejam sociais ou económicas, esse
desrespeito produz desejos de vingança que se transformam em actos de violência. De
acordo com Foleiros (In: Silva, 2012), a trajectória dos dominados tem a marca da
exclusão social, os sujeitos que deixam o sistema prisional passam por um processo de
fragilização com perdas de patrimónios e referências, esses sujeitos que nunca tiveram
acesso às políticas sociais, encontram-se a mercê da criminalidade, além de serem
expostos as diversas formas de discriminação ao saírem da prisão, pela condição
estigmatizante de “ex-presidiário” favorecendo assim a reincidência criminal. Santos e
Rodrigues (In: Brandão e Faria, 2013: 6) corroboram com a ideia anterior realçando que
em consequência da discriminação a que são sujeitos, os encarcerados perdem a sua
identidade, privacidade e consequentemente a auto-estima, são isolados da sociedade,
tornando-se improdutivos, contribuindo assim, para que continuem na criminalidade.
No caso da segurança pública, Justilex (2006) alega que as políticas públicas têm de
acontecer antes da prisão dos infractores, com o Estado se fazendo presente através da
educação, emprego e moradia. Além disso, a presença do Estado deve acontecer dentro
27
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
das penitenciárias e quando os detentos saírem devem ser devolvidos a sociedade com a
assistência social, mínima, garantindo a sua aceitação (Justilex, 2006. In: Brandão e
Farias, 2013: 5).
b) Factores psicológicos
No que concerne aos factores psicológicos importa aqui salientar que os mesmos,
muitas vezes, surgem também como consequência directa dos fenómenos sociais acima
frisados, e não só. Dentre os factores psicológicos temos a destacar: a frustração,
disrupção do autoconceito e perturbação da personalidade.
28
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
29
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
a) Aspetos a favor
30
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
b) Aspectos contra
Martins (2012) afirma ainda que, dentro da prisão, dentre várias outras garantias que são
desrespeitadas, o preso sofre principalmente com a prática de torturas e de agressões
físicas. Essas agressões geralmente partem dos outros presos como dos próprios agentes
da administração prisional. Os abusos e as agressões cometidos por agentes
4∗
Advogado e professor na Faculdade de Direito na Universidade José Eduardo dos Santos e no ISPSN.
31
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
O referido autor afirma ainda que, o que tem ocorrido na prática é a constante violação
dos direitos e a total inobservância das garantias legais previstas na execução das penas
privativas de liberdade. A partir do momento em que o preso passa à tutela do Estado
perde não somente o seu direito de liberdade, mas também todos os outros direitos
fundamentais que não foram atingidos pela sentença, passando a ter um tratamento
execrável e a sofrer os mais variados tipos de castigos que acarretam a degradação de
sua personalidade e a perda de sua dignidade, num processo que não oferece quaisquer
condições de preparar o seu retorno à sociedade. É imperioso e urgente a introdução, no
nosso sistema prisional, de um conjunto de doutrinas e princípios jurídicos universais e
modernos, contidos nos instrumentos jurídicos internacionais ratificados por Angola,
sobretudo as constantes na Declaração Universal dos Direitos Humanos para que não
haja qualquer tipo de discriminação ou distinção de ordem religiosa, ideológica ou de
outra natureza, que venha prejudicar a situação prisional do recluso. Devemos combater
a prática de transformar o castigo penal num aparato de terror, como se fosse o único
fim proclamado a ser cumprido, ou seja:
32
DRISCRIMINAÇÃO SOCIAL E REINCIDÊNCIA (CRIMINAL)⎪ BRANCELL FERREIRA
33