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Plano de Saúde: se tem preço é porque tem custo

*Por Cesar Lopes


No Brasil, os planos de saúde de assistência médica já somam mais de 50 milhões
de beneficiários, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Até
2019, tais planos permaneceram no topo das reclamações do ranking anual de
atendimento do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) durante oito anos
consecutivos.

Segundo dados do Idec, o principal tema abordado pelos associados sobre planos de
saúde são dúvidas e reclamações a respeito de reajustes abusivos (27,4%),
predominantemente de planos coletivos. As demais reclamações abrangem
principalmente negativa de cobertura, com 16,2%, e problemas relacionados à falta
de informação, com 13,1%.

Atuando há mais de 35 anos no mercado brasileiro, como consultor de benefícios, foi


possível acompanhar diversos movimentos na oferta de benefícios corporativos.
Foram inúmeras regulações no mercado de saúde e previdência. Pude vivenciar as
novidades do setor, as entradas e saídas de players no País, entre tantas
transformações nesse universo B2B2C.
Dos benefícios que compõem o pacote tradicional que é oferecido pela maior parte
das empresas que atuam no Brasil, o plano privado de saúde é o mais desafiador.
Seja pela imprevisibilidade de custos futuros, pela judicialização ou pela própria
pressão que muitas vezes os participantes da carteira fazem para ter suas
necessidades atendidas com prioridade.

Afinal, quando se trata de saúde, o que não é urgente para uns, pode ser
extremamente urgente para quem está passando por algum problema de saúde, seja
próprio ou de algum familiar.
De acordo com a 7ª Pesquisa Anual de Benefícios, realizada no Brasil, pela maior
corretora e consultoria independente de seguros do mundo, a Lockton, Assistência
Médica é o único benefício oferecido por 100% das empresas participantes do estudo,
seguido por Plano Odontológico e por Seguro de Vida, com 96% e 94%,
respectivamente. Já Vale Refeição e Vale Alimentação ocupam a 4ª posição com
89%, seguidos de Estacionamento e Previdência Complementar com 74% e 69%,
respectivamente.

Frequentemente, a mídia divulga notícias sobre beneficiários de assistência médica


questionando os reajustes dos valores de mensalidades ou, até mesmo, pessoas
idosas questionando o motivo pelo qual pagam por valores superiores aos de pessoas
mais jovens.
Também é muito comum ler ou ouvir questionamentos do tipo: ‘quase não usei o plano
no último ano, então, porque tenho que ter reajuste?’.
Em uma população existem pessoas com muita necessidade de atendimento médico,
outras com média necessidade e um grupo grande de pessoas que estão com a saúde
em boa condição e que raramente buscam os serviços de saúde.
A Lockton analisou a utilização do plano de saúde de uma população mais de 100.000
vidas, em um período de 12 meses, o que representou um despesa total de cerca de
R$615 milhões. O comportamento apresentado resume o que comumente chamamos
de mutualismo, ou seja:

● 10% da população foi responsável por 69% de todo o custo gerado e 20% por
81% do custo total gerado pela massa como um todo.
É esta combinação de fatores que faz com que a mensalidade de um plano de saúde
fique, de uma certa forma, adequada para a maioria das pessoas.
Qual seria o custo de um plano de saúde se todas as pessoas cobertas tivessem
a mesma necessidade de atendimento e gerassem os mesmos custos dos 10%
da população analisada? Seria proibitivo e não existiria produtos no mercado para
cobrir todo este risco.
Então o conceito do Mutualismo é:
Em seguros, o mutualismo nada mais é do que a operação pela qual um grupo de
indivíduos com interesses semelhantes contribuem individualmente com cotas ou
frações para fazer frente aos custos relacionados a determinados riscos.
No caso da operação de seguro saúde/plano de saúde, o mutualismo é formado pela
mensalidade referente ao risco de cada participante, com o objetivo de repor as
despesas médicas de determinado grupo de participantes.

Diferente do que ocorre no sistema de previdência complementar, o plano de saúde


não segue o modelo de capitalização, ou seja, as despesas (mensalidades) pagas
pelos participantes visam cobrir um determinado risco durante um período de tempo
(por exemplo, 01 ano) e não o acúmulo de capital.

Este é o motivo que todos os participantes que usaram ou não usaram o plano em um
determinado período recebem reajustes, pois os valores que foram pagos durante o
ano já foram utilizados para cobrir as despesas geradas no próprio ano.

Idade do participante e o custo do plano de saúde:

Os participantes idosos normalmente necessitam de maior assistência médica, uma


vez que as doenças crônicas e os eventos de maior gravidade são mais prevalentes
nestas faixas etárias. Algo inerente ao processo natural do envelhecimento humano.

Conforme estudo cedido pela área de business intelligence da Lockton, fica evidente
a diferença da frequência de utilização de participantes com 59 anos ou mais versus
a frequência de utilização dos usuários com idades inferiores, o que justifica os custos
acima de 60 anos serem maiores que os mais jovens.
Enquanto a população de 59 ou mais possui uma frequência média anual de utilização
de 0,26 internações, 8,0 consultas e 34,4 exames, os usuários entre 24 a 28 têm
0,13 internações, 4,8 consultas e 11,8 exames Já a população entre 39 e 43 anos
apresenta uma frequência média anual de utilização em internações de 0,13, em
consultas de 5,2 exames de 15,1. A discrepância da frequência de utilização por
beneficiário do plano de saúde durante o ano é evidente.
Desse modo, o custo em programas de saúde é gerado pela:

● População exposta ao risco durante o período de cobertura;


● Pelos procedimentos médicos que necessitam serem cobertos pelo plano,
acompanhando da atualização do ROL aprovado pela ANS – Agência Nacional
de Saúde;
● Pela quantidade de eventos realizados (frequência de utilização), por esta
população, e;
● Pelo custo de cada evento realizado: consultas, exames, terapias, pronto
socorro, internações, etc.
E o preço do plano de saúde?
O preço é o valor que precisa ser cobrado dos participantes cobertos em planos
individuais ou coletivos por adesão ou das empresas que contratam o plano para seus
empregados, por meio de contratos coletivos empresariais, para fazer frente ao custo
gerado pela população, acrescido das despesas administrativas (estrutura para operar
o negócio), mais impostos, e, também, o lucro, já que uma Operadora/Seguradora de
Saúde não é uma entidade beneficente e, sim, ela precisa ter lucro para continuar
gerando empregos, seguir honrando os compromissos assumidos com os
beneficiários dos planos e pagar os devidos impostos ao governo.
Logo, se tem preço é porque tem custo, se há reajuste é porque a conta não fecha.
Não é uma questão de lucro. Saúde custa caro. Antes de reclamar é importante estar
atento às regras do jogo, afinal, alguém tem que pagar a conta e quando se ingressa
num grupo para ter acesso a benefícios e dividir as despesas é importante ter
consciência do que usar, quando usar e porque usar.
A sustentabilidade do plano de saúde não é apenas responsabilidade da operadora
ou dos planos em si, é também das seguradoras, das corretoras, dos hospitais,
clínicas, médicos e usuários. Se cada um fizer a sua parte, educar e usar com
moderação, diante de uma necessidade real todo mundo sai ganhando.
Essa história não é do lobo mal. Tem muita chapeuzinho vermelho por aí, passeando
pelo bosque e distribuindo maçãs, sem se dar conta de que as maçãs serão divididas
e pagas pela vovozinha e por outros moradores do bosque. E isso não é história de
conto de fadas, é a vida real.

*Cesar Lopes é diretor atuarial e de previdência complementar da Lockton Brasil

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