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EXTRA TO DA ATA res, Célio Borja, Carlos Madeira e Sydney

Sanches que concediam, em parte, a segu-


MS 20.615-2-RJ - ReI.: Ministro Aldir rança, para em preliminar anular a deci-
Passarinho. Impte.: Theda Rosália Moraes sãe do Tribunal de Contas da União, e do
Pinto (Adv.: Francisco Firmino Feliciano). voto do Ministro Octavio Gallotti que re-
Autoridade Coatora: Tribunal de Contas da jeitava a preliminar. Plenário, 13.10.88.
União. Litisconsorte Passivo: Clélia de Sou- Decisão: por maioria o Tribunal conce-
za Sarkis (Advs.: Sebastião Borges Taquary deu, em parte, a segurança para em preli-
e outros). minar anular a decisão do Tribunal de
Decisão: pediu vista o Min. Octavio Gal- Contas da União, contra o voto do Sr. Mi-
lotti, depois do voto do Ministro Relator nistro Octavio Gallotti. Votou o Presidente.
que concedia, em parte, a segurança. Au- Plenário, 16.8.89.
sentes, justificadamente, os Srs. Ministros Presidência do Sr. Ministro Néri da Sil-
Oscar Corrêa e Carlos Madeira. Plenário, veira. Presentes à sessão os Srs. Ministros
19.11.87. Moreira Alves, Aldir Passarinho, Francisco
Decisão: pediu vista o Min. Célio Borja, Rezek, Sydney Sanches, Octavio Gallotti,
após o voto do Ministro Relator que con- Carlos Madeira, Célio Borja, Paulo Brossard
cedia, em parte, a segurança, para em pre- e Sepúlveda Pertence. Compareceu o Sr.
liminar, anular a decisão do Tribunal de Ministro Washington Bolivar, do Superior
Contas, e do voto do Ministro Octavio Gal- Tribunal de Justiça, para completar quorum
lotti que rejeitava a preliminar. Plenário, regimental no julgamento do Mandado de
2.6.88. Segurança nl? 20.861-9-DF.
Decisão: pediu vista o Min. Francisco Procurador-Geral da República, o Dr.
Rezek, após os votos dos Ministros Relato- Aristides Junqueira Alvarenga.

DIREITO A HONRA - DIREITO CONSTITUCIONAL - DANO MORAL

- Indenização por dano moral. Direitos da personalidade.


- I. Os direitos da personalidade estão agrupados em direitos à
integridade física (direito à vida; direito sobre o pr6prio corpo; e
direito ao cadáver) e direitos à integridade moral (direito à honra;
direito à liberdade, direito ao recato; direito à imagem; direito ao
nome; direito moral do autor). A Constituição Federal de 1988 aga-
salhou nos incisos V e X do art. 5.° os direitos subjetivos privados
relativos à integridade moral.
- lI. Dano moral. Lição de Aguiar Dias: o dano moral é o
efeito não patrimonial da lesão de direito e não a pr6pria lesão abs-
tratamente considerada. Lição de Savatier: dano moral é todo sofri-
mento humano que não é causado por uma perda pecuniária. Lição
de Pontes de Miranda: nos danos morais a esfera ética da pessoa é
que é ofendida: o dano não patrimonial é o que, s6 atingindo o de-
vedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio.
- IlI. O ser humano tem uma esfera de valores pr6prios que
são postos em sua conduta não apenas em relação ao Estado, mas,
também, na convivência com os seus semelhantes. Respeitam-se, por

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isso mesmo, não apenas aqueles direitos que repercutem no seu pa-
trimônio material, mas aqueles direitos relativos aos seus valores pes-
soais, que repercutem nos seus sentimentos. Não é mais possível ig-
norar esse cenário em uma sociedade que se tornou invasora porque
reduziu distâncias, tornando-se pequena, e, por isso, poderosa na
promiscuidade que propicia. Daí ser desnecessário enfatizar as amea-
ças à vida privada que nasceram no curso da expansão e desenvolvi-
mento dos meios de comunicação de massa.
- IV. Nenhum homem médio poderia espancar os seus ma:s
íntimos sentimentos de medo e frustração, de indignação e revolta
de dor e mágoa, diante da divulgação de seu nome associado a uma
doença incurável, desafiadora dos progressos da ciência e que tantos
desesperos tem causado à humanidade.
- V. O art. 5.°, X, da Constituição Federal assegura ao ser hu-
mano o direito de obstar a intromissão na sua vida privada. Não é
lícito aos meios de comunicação de massa tornar pública a doença
de quem quer que seja - ainda mais quando a notícia é baseada
apenas em boatos - , pois tal informação está na esfera ética da
pessoa humana, dizendo respeito à sua intimidade, à sua vida priva-
da. Só o próprio paciente pode autorizar a divulgação de notícia
sobre a sua saúde.
- VI. A reparação do dano moral deve adotar a técnica do
quantum fixo.
Apelo provido.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

lI!- Câmara Cível


Apelação Cível nQ 3.059/91
Apelante: Ney de Souza Pereira
Apelado: Bloch Editores S. A. e outra
Relator: Desembargador CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO

Vistos, relatados e discutidos estes autos E assim decidem, integrando neste o re-
em que são partes as acima indicadas. latório de fls. 158 a 160, pelas razões que
Por unanimidade de votos, os Desembar- se seguem.
gadores da lI!- Câmara Cível do Tribunal O caso dos autos está ao alcance dos
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, chamados direitos da personalidade. Moder-
em dar provimento ao recurso para conde- na mente, ainda que sem unanimidade, como
nar as apeladas no pagamento ao autor de advertiu o Ministro José Carlos Moreira
1.500 (hum mil e quinhentos) salários mí- Alves, predomina a opinião de que esses di-
nimos cada uma, na data do efetivo paga- reitos estão agrupados em direitos à inte-
mento. Custas e honorários de 10% sobre gridade física (direito à vida; direito sobre
o valor da condenação pelas vencidas. o próprio corpo; e direito ao cadáver) e

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direitos à integridade moral (direito à hon- Minozzi - '... não é o dinheiro nem coi-
ra; direito à liberdade; direito ao recato; sa comercialmente reduzida a dinheiro, mas
direito à imagem; direito ao nome; direito a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a
moral do autor). injúria física ou moral, em geral uma dolo-
rosa sensação experimentada pela pessoa,
A Constituição Federal de 1988 tratou cs
atribuída à palavvra dor o mais largo 'sig-
direitos do homem acolhendo a distinção nificado'" (Da Responsabilidade Civil, Fo-
entre direitos subjetivos públicos (art. 5Q, rense, Rio, v. lI, 8~ ed., 1987, nQs 226 e
IV, VI, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, 227).
XX, XXIX) e direitos subjetivos privados
Com essa fronteira é que se deve cuidar
(art. 5Q, V e X). Foram, assim, alçados a
do caso dos autos, a partir do conceito his-
direitos constitucionais fundamentais alguns
tórico do conteúdo do dano moral. O que
direitos subjetivos privados relativos à inte-
se impõe, tudo para livrar a quaestio juris
gridade moral, com os seguintes textos,
de impropriedades técnicas, é delimitar a
verbis:
lesão aos direitos subjetivos privados rela-
"V - é assegurado o direito de resposta tivos à integridade moral, assim a inviola-
proporcional ao agravo, além da indeniza- bilidade da intimidade, da honra, da vida
çãc por dano material, moral ou à imagem; privada e da imagem das pessoas.
( ... ) Para os Mazeaud a questão não é nova,
pois que o sentimento de honra, que cons-
X - são invioláveis a intimidade, a vida
titui um dos elementos do patrimônio mo-
privada, a honra e a imagem das pessoas,
ral, já era conhecido desde tempos muito
assegurado o direito à indenização pelo
antigos, sendo que na época da vingança
dano material ou moral decorrente de sua
privada, os agravos à honra eram reprimi-
violação."
dos mais severamente do que os danos ma-
Aguiar Dias ensina que "o dano moral teriais. Os redatores do projeto franco-ita-
é o efeito não patrimonial da lesão de di- liano de obrigações e contratos, por exem-
reito e não a própria lesão, abstratamente plo, cuidaram do dano moral no art. 85,
considerada". E depois de invocar as li- estipulando que o juiz pode fixar indeni-
ções de Minozzi, anota que não "há dis- zação à vítima em caso de lesão corporal,
tinguir entre injúria material e moral, por- de atentado à sua honra, à sua reputação,
que a causa do dano é una. A conseqüên- ou àquela de sua familia, à sua liberdade
cia, isto é, a repercussão da injúria, é que pessoal, à violação de seu domicilio ou de
pode revestir caráter patrimonial ou não um segredo que interesse à vítima manter
patrimonial". Para o mestre da responsabi- (cf. Mazeaud et Mazeaud, Traité Théorique
lidade civil, a distinção, "ao contrário do et Pratique de la Responsabilité Civile, I,
4~ ed., 1947, nQs 293 e 297; no mesmo sen-
que parece, não decorre da natureza do di-
tido, H. Lalou, Traité Pratique de la Res-
reito, bem ou interessado lesado, mas do
ponsabilité Civile, 4~ ed., 1949, n Q 149).
efeito da lesão, do caráter de sua reper-
cussão sobre o lesado", anotando, ainda, Savatier entende por dano moral todo s0-
"que a inestimabilidade do bem lesado, se frimento humano que não é causado por
bem que, em regra, constitua a essência do uma perda pecuniária. Pode ser um sofri-
dano moral, não é critério definitivo para mento físico, sendo a indenização aqui de-
a distinção, convindo, pois, para caracteri- nominada pretium doloris. ~, mais freqüen-
zá-lo, compreender o dano moral em rela- temente, uma dor moral de variegada ori-
ção ao seu conteúdo, que - invocando gem, assim o agravo à reputação, à auto-

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ridade legítima, à sua segurança e sua tran- de Direito Civil, Freitas Bastos, Rio, lI, 5f!.
qüilidade, ao seu amor próprio estético, à ed., 1989, p. 378).
integridade da sua inteligência etc. O anti-
Apoiado em escólios de Clóvis Bevilaqua,
go professor da Faculdade de Direito de
Santos Briz e Yves Chartier, Caio Mario da
Poitiers anota, dentre outros principais as·
Silva Pereira escreve que "a par do patri-
pectos práticos do dano moral, aquele rela-
mônio, como 'complexo de relações jurídi-
tivo ao agravo à reputação, com os seguin-
cas de uma pessoa, economicamente apre-
tes termos: "Des dommages - intérêts fon-
ciáveis', o indivíduo é titular de direitos in-
dés sur un préjudice moral peuvent être
tegrantes de sua personalidade, o bom con-
demandés pour toute atteinte illicite à l'hon-
ceito de que desfruta na sociedade, os sen-
neur et à la réputation de la victime. Ils
timentos que exornam a sua consciência,
compensent la douleur morale causée à
os valores afetivos, merecedores todos de
celle-ci. Ils sont du.s à la suit soit d'une
igual proteção da ordem jurídica. A propó-
injurie ou d'une diffamation, soit de ren-
sito, é de encarecer a minúcia com que
seignements inexactement e fautivement dono
Santos Briz examina cada um dos casos em
nés à la victime, soit d'abus, à son préju-
que ocorre a ofensa a um direito de cunho
dice, des droits de l'écrivain, du journa-
moral. Mais desenvolvidamente Yves Char-
liste, du plaideur adeverse" (Traité de la
lier cogita das numerosas hipóteses em que
Responsabilité Civile, lI, 1939, nQs 525 e
pode ocorrer o prcjuíz:> moral: atentados
532). não físicos à pessoa; atentado à honra, à
Em monografia recente, Ricardo de Án- consideração e à reputação; difamação e in-
gel Yágüez, catedrático de direito civil da júria; ofensa à memória de um morto; aten-
Universidade de Deusto, apresentou os cha- tado contra a vida privada; preservação da
mados danos morais como aqueles impos- imagem, do nome e da personalidade; aten-
tos às crenças, aos sentimento., à dignidade, tado à liberdade pessoal" (Responsabilidade
à estima social ou à saúde física ou psí- Civil, Rio, 21!- ed., 1991, nQ 49).
quica, em suma, aos que são denominados Mestre Pontes de Miranda abre o seu
direitos da personalidade ou extrapatrimo- estudo fixando um conceito básico: nos da-
niais" (La Responsabilidad Civil, 1988, no~ morais a esfera ética da pessoa é que
p. 224). é ofendida; o dano não patrimonial é o que,
No Brasil, já Serpa Lopes assinalava, só atingindo o devedor como ser humano
apoiado em lição de Biagio Brugi, que o não lhe atinge o patrimônio. Para o trata-
dano moral há de ser ressarcido indepen- dista sempre invocado não é só no campo
dente de qualquer repercussão sobre o pa- do direito penal que "se há de reagir con-
trimônio do prejudicado. Para o velho mes- tra a ofensa à honra, à integridade física e
tre, se a lei fala em dano, "deve-se enten· moral, à reputação e à tranqüilidade psí-
der o de qualquer espécie. O direito foi quica". E prossegue: "A sensibilidade hu-
tutelado e existe para garantir e tutelar a mana, sociopsicológica, não sofre somente o
existência, a integridade e o desenvolvi- lucrum cessans e o damnum emergens, em
mento da personalidade humana, e esta, que prepondera o caráter material, mensu-
como sujeito de direito, é considerada no rável e suscetível de avaliação mais ou me-
complexo de sua existência física, moral, nos exata. No cômputo das suas substân-
intelectual, pois, de outro modo, falharia cias positivas é dúplice a felicidade huma-
aos seus objetivos. O direito da personali- na: bens materiais e bens espirituais (tran-
dade humana, conclui Brugi, não pode exau- qüilidade, honra, consideração social, reno-
rir-se com os direitos patrimoniais" (Curso me). Daí o surgir do princípio da reparabi-

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!idade do dano não patrimoniaL" Pontes de trar uma definição geral sobre a vida pri-
Miranda afirma, sem meias palavras, que o vada ou privacidade (private li/e or privccy).
homem, "com os direitos de personalidade, Fazendo menção a um relatório sobre a
tem a honra como algo essencial à vida, matéria, afirma que a privacidade pode ser
tal como ele a entende: a ofensa à honra definida como uma área na vida humana
pede ferir, por exemplo, o direito de liber- na qual, em qualquer circunstância, um ho-
dade e o direito de velar a própria intimi- mem médio com uma compreensão das ne-
dade; mas a honrl! é o entendimento da cessidades legítimas da comunidade pensa-
dignidade humana, conforme o grupo social ria ser errado invadir. E, invocando a con-
em que se vive, o sentimento àe altura, ferência dos juristas nórdicos sobre os di-
dentro de cada um dos homens" (Tratado reitos à privacidade, de 1968, reproduziu a
de Direito Privado, Borsoi, t. UII, §§ proposta formulada, para dt:fini-los como o
5.509 e 5.510, t. 26, § 3.108). direito do indivíduo de conduzir sua pró-
Na realidade, o dano moral como con- pria vida protegida contra: interferência em
seqüência da violação de um dos direitos sua vida privada e familiar; interferência
da personalidade é melhor compreendido em sua integridade física ou mental ou sua
quando se percebe completamente a reali- liberdade moral e intelectual; ataques à sua
dade da natureza humana. Ao estudar os honra e reputação; sua indevida exposição;
fundamentos da moralidade, na sua monu- a divulgação de fatos irrelevantes e emba-
mental obra sobre o direito natural, Johan- raçosos relativos a sua vida privada; uso
nes Messner mostra que o homem é um de seu nome, identidade ou semelhança;
homem perfeito na razão e por meio da espreita, espionagem; interferência em sua
razão, segundo as exigências da realização correspondência; uso indevido das suas co-
plena da sua natureza (Ed. Rialpes, Madrid, municações privadas; divulgação de informa-
1967, p. 34). Isto quer dizer que o ser hu- ção dada ou recebida por ele em segredo
mano tem uma esfera de valores próprios profissional (René Cassin, Amicorum Disci-
que são postos, em sua conduta não apenas pu[orumque Liber, 111, Pedone, Paris, 1971,
em relação ao Estado, mas, também, na p. 181).
convivência com os seus semelhantes. Res- ~ óbvio que se não pode exaurir em um
peitam-se, por isso mesmo, não apenas aque- determinado conceito legal todas as várias
les direitos que repercutem no seu patri- formas de invasão naquela esfera ética men-
mônio material, de pronto aferível, mas cionada por Pontes de Miranda, nos direi-
aqueles direitos relativos aos seus valores tos relativos aos valores pessoais que reper-
pessoais, que repercutem nos seus sentimen- cutem nos sentimentos postos à luz diante
tos, postos à luz diante dos outros homens. dos semelhantes. De todos os modos, é pre-
São direitos que se encontram reservados ao ciso ter presente que não é mais possível
seu íntimo, que a ninguém é dado invadir, ignorar este fato em uma sociedade que se
porque integram a privacidade da sua cons- tomou invasora porque reduziu distâncias,
ciência. tomando-se pequena e, por isso, poderosa
na promiscuidade que propicia. ~ uma so-
Não foi sem razão que o Instituto Inter- ciedade que, verdadeíramente, pretende aca-
nacional de Direitos do Homem publicou bar com o monopólio do homem sobre os
um conjunto de estudos sobre a proteção seus sentimentos, porque criou meios para
dos díreitos do homem nas suas relações descobri-los, expondo-os à sociedade por in-
entre pessoas privadas. Em um deles, Ole teiro. Foi com razão que Andreas Kohl
Espersen, então Ministro da Justiça da Di- advertiu ser desnecessário enfatizar as amea·
namarca, destacou a dificuldade de encon- ças à vida privada que nasceram r:o curso

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da expansão e desenvolvimento dos meios o segundo questionamento que se impõ~
de comunicação de massa (op. e loco cits., é sobre a violação a um dos direitos subje-
p. 210-11). tivos privados agasalhados na declaração de
direitos da Constituição Federal, assim a in-
Estes autos transitam exatamente por esse
violabilidade da intimidade, da honra, da
caminho. Um artista renomado, permanen·
vida privada e da imagem das pessoas. Para
temente exposto à ribalta, desfrutando do
Celso Ribeiro Bastos o inciso X, do art. 5::>,
prestígio do seu talento, alega que as rés,
"oferece guarida ao direito à reserva da in-
empresas de comunicação de massa, alcan-
çaram a sua intimidade, a sua vida pri- timidade assim como ao da vida privada.
vada, a sua honra e a sua imagem, divul- Consiste na faculdade que tem cada indi-
víduo de obstar a intromissão de estranhos
gando, com reincidência, notícia sobre boa-
tos de que havia contraído AIDS. A pri- na sua vida privada e familiar, assim como
do! impedir-lhes o acesso a informações so-
meira manchete, na capa da Revista Amiga
(fI. 11), faz referência aos doentes com bre a privacidade de cada um, e também
AIDS na TV e na música, publicando foto- impedir que sejam divulgadas informações
grafias de diversos artistas, incluído o ape- sobre essa área da manifestação existencial
lante, encimadas pela legenda "Como os do ser humano" (Comentários à Constitui-
artistas se defendem da doença". A segun- ção do Brasil, Saraiva, São Paulo, 29 v.,
da, já com a informação negativa do ape- 1989, p. 63). E José Cretella Junior, tra-
lante, reproduzida a sua entrevista no in- tando da honra, reproduz lição de Gian
terior, tem na manchete: "A AIDS de Ney Domenico Pisapia, para a qual "no concei-
Matogrosso, Milton Nascimento e Caetano to genérico de honra inclui-se a honra, em
Veloso." Esses são os fatos. sentido específico, consistente no conjunto
dos dotes morais, e o decoro, consistente
o primeiro questionamento que se impõe no conjunto dos dotes físicos, intelectuais e
é o alcance da notícia no que diz respeito sociais. Estes dois conceitos podem enten-
ao sentimento da vítima, capaz de produzir der-se sob duplo aspecto. No sentido subje-
dano moral. A doença, desnecessário alon- tivo, a honra e o decoro identificam-se com
gar, lamentavelmente, é letal, atingindo o o sentimento que cada um tem da própria
sistema imunológico, derrubando as resistên- dignidade moral, intelectual, física ou social.
cias do paciente, e, o que é grave, infeliz- Em sentido objetivo, a honra e o decoro
mente, apesar do valoroso esforço de mui- identificam-se com a estima e a opinião que
tos, é uma doença que traumatiza a socie- os outros têm de uma pessoa, constituindo
dade e, como toda doença incurável, pro- sua reputação. O sentimento pessoal da
voca fortes reações psicológicas adversas. lÔ honra e do decoro pode ser lesado, pois,
evidente que nenhum homem médio pode- com fatos de imediato percebidos pela pes-
ria espancar os seus mais íntimos sentimen- soa, independentemente do reflexo que pos-
tos de medo e frustração, de indignação e sam ter na opinião dos outros, isto é, com
revolta, de dor e mágoa, diante da divul- ofensas pronunciadas perante o sujeito pas-
gação de seu nome associado a uma doença sivo; a reputação, ao contrário, pode ocor-
incurável, desafiadora dos progressos da rer somente com a divulgação para outros
ciência e que tantos desesperos tem causado de ofensas que a diminuam" (Comentários
à humanidade. E, mais, nenhum homem mé- à Constituição de 1988, FU, Rio, I, 1989,
dio poderia conter tais sentimentos se, ofe- p. 258). lÔ evidente, acima de qualquer dú-
recido o desmentido, munido de atestado vida razoável, que a divulgação de notícia,
médico próprio, visse novamente, com di- no caso baseada apenas em boatos, sobre
vulgação ampliada pelo poder da televisão, a enfermidade grave de qualquer pessoa,
o seu nome manipulado para a mesma asso- viola os direitos subjetivos privados acolhi-
ciação. dos pelo art. 59, X, da Constituição Federal.

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Nâo é lícíto aos meios de comunícaçâo de da norma de conduta, ísto é, o desprezd,
massa tornar pública a doença de quem por parte do agente, do esforço necessário
quer que seja, pois tal informação está na para observá-la, com resultado, não objeti-
esfera ética da pessoa humana, é assunto vado, mas previsível, desde que o agente
que diz respeito à sua intimidade, à sua se detivesse na consideração das conseqüên-
vida privada, lesando, ademais, o sentimen- cias eventuais da sua atitude" (cit., v. I,
to pessoal da honra e do decoro. A lei suíça p. 143). C o quanto basta para o caso dos
de 1911, no art. 40, protege quem for le- autos, a justificar, às completas, o dever de
sado em seus interesses pessoais (in seinem indenizar.
persõnlichcll Verhiiltnissen) , isto é, lesão aos
Assim, entende a Corte que o apelante
direitos subjetivos sobre a própria pessoa,
referentes às qualidades e situações (e.g., in- deve ser indenizado pelo dano moral que
tegridade física e psíquica, liberdade, honra, sofreu em decorrência do ato ilícito posi-
nome, figura social) (cf. Pontes de Miranda, tivo das apeladas, violador do inciso X, do
t. UH, cit., p. 225-226). A doença inclui-se art. 5Q, da Constituição Federal.
entre esses interesses pessoais, que não per- Todos conhecem as dificuldades para a
tencem a ninguém, que só integram a inti- fixação do ressarcimento do dano moral, a
midade e a vida privada do paciente, que principal delas a flacidez da avaliação em
não pode ser exposta ao público, salvo, dinheiro. A inicial pede que a matéria seja
como no exemplo recente do desportista remetida para a liquidação de sentença com
americano Earvin "Magic" Johnson, com o a indicação de parâmetros estabelecidos com
seu próprio consentimento. Só o próprio base no valor correspondente à tiragem in-
paciente pode autorizar a divulgação de no- tegral de cada revista veiculada, edições nQs
tícia sobre as suas condições físicas, sobre 993 e 1.057, calculado com base no preço
a sua saúde. Diferente conduta por parte da capa, devidamente atualizado, mais a ve-
dos meios de comunicação de massa viola rificação do público alcançado pelas revis-
o inciso X, do art. 5Q, da Constituição Fe- tas, bem como as repercussões e embaraços
deral
causados pela violação, para a primeira ré,
Finalmente, o terceiro questionamento diz e, para a segunda ré, além desses fatos, al-
respeito à culpa. Nos autos, a segunda man- guns outros, que exemplifica, Todavia, tais
chete, peremptória, "A Aids de Ney Mato- cálculos servem apenas para esticar o con-
grosso, Milton Nascimento e Caetano Ve- flito entre as partes, a exigir provas de di-
loso", veio depois que as apeladas esta- fícil manipulação.
vam cientes que o apelante não era por-
A Corte entende que a reparação deve
tador da doença, com o que estavam
adotar a técnica do quantum fixo, prefe-
prevenidas sobre o fato. Mas, insistiram
rível na abalizada opinião de Yussef Sahid
em divulgar a chamada "provocativa",
Cahali (apud Barbosa Moreira, Direito Apli-
ou, para expressar melhor o fato, redigi-
cado, Forense, Rio, 1987, p. 276). Destarte,
ram uma manchete "com interesse co- diante das circunstâncias do caso concreto,
mercial repousando em boato". Como en- a Corte condena as rés no pagamento ao
sina Pontes de Miranda: "A relação causal autor da importância de 1.500 (hum mil e
não tem de ser entre o ato com a intenção quinhentos) salários mínimos, cada uma, na
do dano e o dano: é elemento suficiente data do efetivo pagamento, a título de re-
ter-se previsto, e nada se haver feito para
paração pelo dano moral.
se evitar o ato ou se evitarem as suas con-
seqüências" (cit., t. UH, p. 219). Ou, ain- Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1991.
da, como prefere mestre Aguiar Dias: "A Pedro América Rios Gonçalves, Presidente;
culpa é falta de diligência na observância Carlos Alberto Menezes Direito, Relator.

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