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Período: 2019.

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Prof. Alberto S. Arruda
Texto para uso exclusivo em sala de aula

Pesquisa Científica e Psicologia

Há mais de uma forma de compreender o mundo (a realidade). Podemos recorrer ao


pensamento mítico, que evoca elementos sobrenaturais como a magia e o sagrado, mas
podemos recorrer ao pensamento filosófico, que busca no próprio mundo os elementos para
a sua compreensão, ou ao chamado pensamento científico, circunscrito aos chamados
fenômenos empiricamente observáveis.
À ciência deve interessar apenas a experiência possível ao homem, isto é, qualquer
objeto de estudo desde que seja observável. Portanto, entende-se o objeto de estudo
científico como a dimensão da realidade compreendida pelos fenômenos passíveis de
investigação realizada através da utilização das capacidades humanas ou instrumentos
tecnológicos capazes da ampliar essas capacidades, a exemplo de equipamentos como o
microscópio, capaz de ampliar enormemente o poder da visão humana.
No tocante aos objetos de estudo da ciência instaura-se uma discussão que divide
inúmeros autores. Trata-se da diferenciação entre o objeto de estudo de característica
puramente natural (ciências naturais) e o objeto de estudo de característica humana
(ciências humanas). Essa diferença aparece a partir de reflexões segundo as quais os
indivíduos humanos (individualmente ou em grupos) são inteligíveis apenas quando
consideradas suas características subjetivas, ou seja, a natureza psicológica e culturalmente
orientada da humanidade.
Pode-se, portanto, analisar o processo de busca por conhecimento em termos de dois
elementos básicos: o primeiro elemento é o sujeito investigador, que representa as
peculiaridades do tipo de ótica (enfoque teórico) adotada; o segundo elemento é o objeto de
estudo a ser investigado.

1 OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA

Para uma adequação da psicologia aos critérios de cientificidade propostos pela


ciência natural, a resposta de uma corrente norte americana da psicologia (Behaviorismo)
foi definir o comportamento como objeto da ciência psicológica e suas pesquisas,
enfocando em seu quadro teórico o papel dos determinantes ambientais do comportamento.
Porém, grande parte das condutas e atividades de indivíduos e grupos de indivíduos
não é totalmente governada por forças ambientais, devendo ser considerados fatores como a
intencionalidade (motivação e objetivos) dos envolvidos e a historicidade (acontecimentos
anteriores e paralelos), que contextualizam cada comportamento individual ou grupal.
Assim sendo, cabe uma reflexão sobre a real possibilidade de se empreender
investigações científicas sobre as ações humanas como se elas se equiparassem aos
fenômenos naturais físicos ou biológicos, a exemplo da queda de uma maçã ou mesmo da
migração das aves.
Como lembra Pinker (1998, p. 74), “O abismo entre o que pode ser medido por um
físico e o que pode causar o comportamento é a razão porque precisamos atribuir crenças e
desejos às pessoas”.
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Dento deste cenário, cada área das ciências humanas estabelece seus próprios
objetos de estudo e seus métodos de pesquisa.

2 VARIÁVEIS

Como a própria nomenclatura evidencia, variável constitui um aspecto ou atributo


que pode variar, isto é, apresentar valores ou qualidades diferentes. A idade, por exemplo, é
um aspecto que varia, progressivamente, ao longo da existência de um objeto, permitindo
assim a comparação entre objetos distintos, ou seja, com diferentes idades. Basicamente,
para efeito da pesquisa científica as variáveis podem sofrer uma dupla classificação:
a) Variável Dependente (VD): tratada como fenômeno-consequência;
b) Variável Independente (VI): tratada como fenômeno-causa.
Esta classificação é estabelecida dentro de cada pesquisa. Uma variável pode ser
considerada uma VI em uma determinada pesquisa e considerada uma VD em uma outra,
dependendo das variáveis elencadas e da perspectiva do pesquisador.

3 ESQUEMAS DE CAUSALIDADE

Existem diferentes interpretações acerca da relação entre causa e efeito, na qual


alguns fenômenos são qualificados como causa de outros fenômenos que são,
consequentemente, qualificados como efeito.

a) Causalidade Linear

Pode-se definir (detectar) um esquema “Linear” de causa-efeito a partir do critério


temporal, ou seja, observando-se qual dos fenômenos envolvidos nessa relação ocorre
primeiro. Assim, uma janela quebrada após ser atingida por uma bola apresenta uma
relação de causa e efeito em que se pode afirmar que o fenômeno correspondente ao
deslocamento da bola (VI) causou o fenômeno correspondente à quebra da janela (VD).
Para variáveis complexas, o critério teórico também pode ser utilizado para
determinar causalidade. Posso assumir a premissa de que um adolescente é influenciável e
por isso sua participação em um grupo social “inadequado” pode distorcer seu caráter.
Neste caso: Participar de Grupo Inadequado (VI) causa Distorção de Caráter (VD)
Por outro lado, posso assumir a premissa de que um adolescente com uma distorção
em seu caráter tende a buscar grupos sociais que correspondam aos seus valores e
princípios pessoais. Neste caso: Distorção de Caráter (VI) causa a Participação em Grupo
Inadequado (VD)

b) Causalidade Circular

O esquema de causalidade “Circular” tenta descrever um processo de interação ou


integração entre fenômenos que, por estarem estreitamente relacionados, não podem ser
precisamente diferenciados em termos de fenômeno-causa e fenômeno-efeito.
Por exemplo: estudos envolvendo fenômenos como desenvolvimento cognitivo e
aprendizagem. Uma vez que estes fenômenos são interativos, deve-se considerar o efeito da
maturação cognitiva sobre a capacidade de aprendizagem, bem como o efeito das situações
de ensino-aprendizagem no desenvolvimento das operações cognitivas.
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O esquema de causalidade denominado “Circular” permite qualificar os fenômenos


envolvidos como sendo causa ou efeito somente através de um critério teórico. Como
mencionado anteriormente, a teoria adotada para orientar a análise do cientista pode
fornecer-lhe uma concepção prévia acerca dos fenômenos a serem tratados como causa ou
como efeito no que se referir ao seu estudo em particular.
No exemplo acima, um educador piagetiano tenderá a enfatizar o efeito da
maturação cognitiva sobre a aprendizagem enquanto um educador vygotskyano tenderá a
enfatizar o efeito das situações de ensino-aprendizagem sobre o desenvolvimento cognitivo.
Vale salientar que, seja qual for o esquema de causalidade enfocado, dependendo da
teoria adotada uma variável pode ser qualificada de formas diferentes em estudos
diferentes, ou seja, uma determinada variável pode ser qualificada como Independente em
um estudo e Dependente em outro.
Na verdade, isso pode ocorrer até mesmo dentro de um mesmo estudo. Imagine uma
pesquisa envolvendo as seguintes variáveis:
(1) Sistema de ensino: variando em “público” ou “privado”;
(2) Recursos educativos: variando em “satisfatórios” ou “insatisfatórios”
(3) Desempenho no ENEM: variando em “aprovado” ou “não aprovado.”

Desconsiderando-se o fato de que o desempenho no ENEM é um fenômeno


extremamente complexo e resultante de inúmeros fatores que se combinam de forma
peculiar para cada indivíduo, e assumindo-se analisar apenas essas três variáveis,
constatamos que a variável “Recursos Educativos” se qualifica como uma variável
dependente (VD) em relação à variável “Sistema de ensino”, porém se qualifica como uma
variável independente (VI) em relação à variável “Desempenho no ENEM.”

4 MÉTODOS

O método corresponde a um conjunto de procedimentos através dos quais procura-


se verificar se as explicações teóricas formuladas de fato correspondem aos fenômenos
observados.
Como mencionado anteriormente, as variáveis podem ser analisadas segundo
esquemas de causalidade: Linear ou Circular. Estes dois esquemas de causalidade
caracterizam dois dos principais métodos de investigação científica: Correlacional e
Experimental.

4.1 Método Correlacional

Como a própria nomenclatura denuncia, trata-se de um método capaz de avaliar a


relação entre variáveis. Mais precisamente, esse método compara a variabilidade das
variáveis (“observa” como elas variam) visando indicar se elas estão relacionadas ou
ocorrem de maneira independente uma da outra.
Em outras palavras, o objetivo é determinar se as variáveis estudadas influenciam-se
mutuamente ou não se influenciam. Caso variem independentemente uma da outra significa
que não estão relacionadas. Caso contrário, pode-se estabelecer a existências de dois tipos
de relação: positiva ou negativa. A primeira refere-se a variáveis que variam no mesmo
sentido; na segunda, variam em sentidos opostos.
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Um exemplo de estudo correlacional é a pesquisa que verificou uma relação positiva


entre níveis de tabagismo e incidência de doenças pulmonares. Para a realização do estudo
foram contatados dois grupos: tabagistas e não tabagistas. Foram realizados exames nos
dois grupos e como resultado observou-se que a incidência de doenças pulmonares é
significativamente mais frequente entre os tabagistas do que entre os não tabagistas.
Não se trata de uma correlação causa-efeito perfeita, já que nem todos os indivíduos
tabagistas apresentam doenças pulmonares, e indivíduos não tabagistas podem apresentar
essas doenças. Não obstante, o tabagismo passou a ser considerado fator de risco para as
doenças pulmonares, assumindo-se o tabagismo como VI (causa) e as doenças pulmonares
como VD (efeito).
Nada impediria que um determinado teórico propusesse a hipótese de que as
doenças pulmonares geram no organismo uma propensão ao tabagismo. Por essa teoria, as
doenças pulmonares seriam a VI e o tabagismo seria a VD, mas provavelmente esse teórico
seria ridicularizado.
Essa polêmica seria eliminada com a utilização do método experimental, porém
nenhum comitê de ética autorizaria essa pesquisa se o método escolhido fosse o
Experimental.

4.2 Método Experimental

Enquanto no método correlacional efetua-se apenas um acompanhamento da


variabilidade das variáveis em estudo, no método experimental as variáveis tidas como
independentes são manipuladas (controladas conforme determinação do cientista) de modo
a verificar de que maneira sua presença e ausência afetam as variáveis tidas como
dependentes. Existem alguns modelos de planejamento experimental propostos com este
objetivo, porém o delineamento experimental mais simples é o seguinte:

Grupo Experimental Manipulação Pós-Teste

Participantes

Falsa
Grupo Controle Manipulação Pós-Teste

Se a ética permitisse, uma maneira de ter maior grau de certeza de que o tabagismo
de fato causa doenças pulmonares seria: reunir indivíduos comprovadamente saudáveis
(Participantes); submeter uma parte deles (Grupo Experimental) aos elementos químicos
absorvidos por tabagistas (Manipulação), e submeter outra parte deles (Grupo Controle) a
elementos químicos inócuos para a saúde (Falsa Manipulação); realizar exames médicos
nos dois grupos após um período determinado (Pós-Teste); e então comparar os resultados
dos exames dos dois grupos. Estaria assim assegurada uma ordem temporal entre fumar e
desenvolver doenças pulmonares.
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Cabe ressaltar que o estabelecimento desta ordem temporal é uma condição


necessária mas não suficiente para atestar uma relação linear de causa-efeito verificada
mediante o uso do método experimental. Faz-se necessário, ainda, um rigoroso controle das
variáveis estranhas ao estudo, cujo poder de influenciar a variável dependente (VD)
constitui uma ameaça a validade dos resultados observados.
Mais precisamente, durante o estudo fatores como alimentação e contato com
substâncias tóxicas ou radiação devem ser monitorados pelo pesquisador, de modo que
nenhum fator não previsto possa afetar o Grupo Controle e somente a manipulação possa
afetar o Grupo Experimental.

BIBLIOGRAFIA

KAUFMANN, F. Metodologia das ciências sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves,


1997.

KAPLAN, A. A conduta na pesquisa: metodologia para as ciências do comportamento. São Paulo:


Herder, 1975.

KERLINGER, F. N. Metodologia da pesquisa em ciências sociais. São Paulo. EPU/EDUSP,


1980.

MCGUIGAN, F. J. Psicologia experimental. São Paulo: EPU, 1976.

PINKER, S. Como a mente funciona. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

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