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REVISTA ACADÉMICA DE LA FEDERACIÓN

LATINOAMERICANA DE FACULTADES DE COMUNICACIÓN SOCIAL


ISSN: 1995 - 6630

Somália
Contributos para uma reflexão à luz dos novos meios

Paulo Nuno Vicente


pnvicente@gmail.com

Paulo Nuno Vicente. É licenciado em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, formado em Jornalismo e Religiões pela
Universidade Católica de Lisboa e frequentou o curso de Língua e Cultura Árabe e Islâmica pela Universidade de Lisboa. Concluiu o
Summer Institute in Digital Media (Online Journalism) pela Universidade UT Austin - Portugal. Autor de vários weblogs (Chão de Papel,
Report on Safety, Synergias) dedicados ao estudo dos media e do jornalismo. Coordenador do loev project, iniciativa de
desenvolvimento de comunidades interactivas (em fase de protótipo), apresentado no festival digital Future Places e candidato ao
Prémio Zon Criatividade em Multimédia.

Resumo
Na era do hipertexto, que razões comunicativas levam a que os conflitos contemporâneos no Corno de
África não se estabeleçam como um ponto-chave na cultura de proximidade que os media informativos
promovem junto do público? O reiterado estado de conflito na Somália – equívoco e prolongado – é um
sinal de que a audiência civil para a temática da guerra está a desaparecer? Quais as perspectivas para as
comunidades online locais e para a inteligência colectiva na visibilidade e resolução dos conflitos regionais e
internacionais?

Palavras-chave
Corno de África, Somália, Jornalismo Online, Grassroot Communities, Spoilers

1 DIÁLOGOS DE LA COMUNICACIÓN, N°78, ENERO - JULIO 2009


REVISTA ACADÉMICA DE LA FEDERACIÓN
LATINOAMERICANA DE FACULTADES DE COMUNICACIÓN SOCIAL
ISSN: 1995 - 6630

1. Sobre a Somália

1.1. Colonialismo e Independência

O estado de conflito na Somália não é de hoje. Particularmente, o histórico das conflitualidades


transfronteiriças e das dissoluções estatais remete-nos para os finais do século XV da era comum, quando
o sultanato de Adel, formado nove séculos antes, se desintegra para dar lugar a vários estados.

Entre 1875 e 1889, as grandes potências coloniais retalham entre si as principais zonas de influência: o
Egipto ocupa cidades na costa somali, a França deita mão ao que haveria de ser o Djibouti, os britânicos
anunciam um protectorado sobre a Somalilândia, a Itália faz o mesmo na região central da Somália. De tal
forma que, incendiados os ânimos entre os Aliados e o Eixo, já em plena II Guerra Mundial no coração da
Europa – respectivamente em 1940 e 1941 – os italianos ocupam a Somalilândia britânica e os britânicos
invadem a Somalilândia italiana.

Terminado o conflito na Europa, a Somalilândia de influência italiana é rebaptizada para Somália,


assumindo o direito à autonomia. Em 1960, as zonas de influência britânica e italiana tornam-se
independentes, fundem-se e formam a República Unida da Somália. Aden Abdullah Osman Daar é eleito
presidente.

A independência é o momento de libertação colonial e, simultaneamente, a caixa de Pandora para a


tragédia nacional: desde logo, 1964 e 1977 marcam duas guerras sobre a região de Ogaden, parte da
Etiópia, porém de maioria somali e islâmica.

Nas eleições presidenciais de 1967, Daar sai derrotado por Abdi Rashid Ali Shermarke. O mandato deste
teria um fim violentamente antecipado: Shermarke é assassinado dois anos depois de tomar posse, altura
em que Muhammad Siad Barre assume o poder através de um golpe de estado: declara a Somália um
estado socialista e nacionaliza sectores-chave da economia.

Em 1974, a Somália junta-se à Liga Árabe. Nesse mesmo ano, uma seca severa provoca a fome
generalizada junto da população.

Um ano depois de terem invadido a região de Odagen, em 1977, as forças somalis são expulsas da Etiópia
com o auxílio de conselheiros soviéticos e de militares cubanos.

1.2. Desintegração nacional

Em 1981, a oposição à presidência de Barre começa a fazer sentir-se, sobretudo depois dos clãs Mijertyn e
Issaq serem afastados do governo, substituídos por membros do clã Marechan, a que pertence o próprio
presidente.

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Só em 1988 chega o acordo de paz com a Etiópia. Porém, três anos depois, em 1991, a guerra civil estala
entre clãs rivais: Mohamed Siad barre é afastado e a luta pelo poder instala-se entre os clãs liderados por
Mohamed Farah Aideed e Ali Mahdi Mohamed. Os violentos confrontos provocam milhares de vítimas
mortais e de feridos.

O antigo protectorado britânico da Somalilândia declara unilateralmente a independência.


Em 1992, Marines norte-americanos são enviados para Mogadíscio ainda antes de uma força de
manutenção de paz das Nações Unidas. A missão seria a de restaurar a ordem e garantir a segurança dos
recursos de emergência.

Um ano mais tarde dá-se o confronto que o cinema haveria de cristalizar no filme “Black Hawk Down”:
rangers do exército norte-americano são mortos depois de as milícias somalis abaterem dois helicópteros
que sobrevoavam a capital. Centenas de somalis morrem nos combates. A missão norte-americana termina
formalmente em Março de 1994; um ano depois, saem igualmente da Somália as forças de manutenção da
paz das Nações Unidas.

Em 1996, a Somália entra num novo capítulo de violência: Muhammad Aideed morre e a sucessão cabe ao
seu filho Hussein. Dois anos mais tarde, a região de Puntland declara a autonomia. Em 2000, os líderes dos
clãs reúnem-se no Djibouti e elegem Abdulkassim Salat Hassan como novo presidente da Somália. Em
Outubro desse ano é anunciado o novo governo – liderado por Ali Khalif Gelayadh – o primeiro desde 1991.
Porém, a instabilidade ameaça regressar: em Abril do ano seguinte, forças somalis apoiadas pela Etiópia
anunciam a intenção de formar, dentro de seis meses, um governo nacional que sirva de oposição à actual
administração.

1.3. Avanço islamista

O tempo avançaria até Agosto de 2004. Pela décima quarta vez desde 1991 um novo governo de transição
é apontado. Abdullahi Yusuf, senhor da guerra e aliado de longa data da Etiópia, torna-se no presidente
interino da Somália e faz de Baidoa a sua base.

Nesse ano, os astros provocariam um gigantesco dano ao país, com os efeitos do Tsunami asiático a
atingirem a costa somali e a ilha de Hafun: são reportadas centenas de vítimas mortais, milhares de
pessoas ficam sem ter onde viver.

No campo político, o primeiro-ministro Ali Mohammed Ghedi sobrevive a uma tentativa de assassinato.
Entre Março e Maio de 2006, de novo em Mogadíscio, combates entre milícias rivais provocam uma nova
vaga de vítimas.

Em Junho de 2006, a União dos Tribunais Islâmicos (UIC, na sigla anglo-saxónica) toma o controlo da
capital somali, Mogadíscio, e avançam para sul na tentativa de conquistarem território. A 20 de Julho, uma

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coluna de camiões e carros blindados etíopes entra em território somali. A Etiópia admite apenas estar a
fornecer treino militar como forma de apoio ao governo interino de Abdullahi Yusuf. Um dia depois, a
liderança somali do Tribunal islâmico decreta uma “guerra santa” contra os etíopes que entraram na
Somália.

A 18 de Setembro, é divulgado que o Presidente Abdullahi Yusuf acaba de sobreviver a uma tentativa de
assassinato: fica registado como o primeiro ataque com recurso a bombistas suicidas.

Passado pouco mais de um mês, Meles Zenawi, primeiro-ministro da Etiópia, anuncia que o país está
“tecnicamente em guerra” contra os Tribunais Islâmicos. Como resposta, a UIC alega que forças etíopes
bombardeiam a cidade de Bandiradley, no Norte, monta uma emboscada a uma coluna militar etíope nas
proximidades de Baidoa e anuncia que terão morrido 20 combatentes inimigos nessa operação.
As Nações Unidas apresentam novos dados: como fuga à seca e à fome, à imposição impiedosa da lei
islâmica e à possibilidade de um novo conflito, entre Janeiro e Outubro de 2006, cerca de 35 mil somalis
refugiaram-se no vizinho Quénia.

A 30 de Novembro, o Parlamento etíope aprova uma resolução que autoriza o Governo de Zenawi a tomar
todas as medidas necessárias contra uma “invasão da UIC”.

O último mês de 2006 fica marcado por um ultimato: os Tribunais Islâmicos dão às tropas etíopes uma
semana para abandonarem o país, caso contrário será lançado um “ataque de peso”.

A 24 de Dezembro, o Governo etíope admite pela primeira vez que tem militares a combater na Somália. O
executivo diz tratar-se de uma operação de “auto-defesa” contra as milícias islâmicas. No dia seguinte, a
aviação etíope bombardeia o aeroporto de Mogadíscio e, passados três dias, forças governamentais
somalis apoiadas pela Etiópia capturam a capital.

A 23 de Janeiro de 2007, Mogadíscio assiste à cerimónia que assinala o início da retirada etíope. É
anunciada como um processo a três fases. Nesse dia são vistos 200 militares a abandonarem o seu último
bastião, a cidade costeira de Kismayo. Pela primeira vez desde 2004, o Presidente Abdulahhi Yusuf entra
em Mogadíscio.

1.4. Contra-terrorismo e Pirataria

Já em Janeiro de 2007, os Estados Unidos lançam uma série de ataques aéreos no sul da Somália. A
ofensiva é justificada com o combate lançado a figuras-chave da al-Qaeda: esta intervenção norte-
americana, a primeira desde 1993, é apoiada pelo Presidente Yusuf. O ataque provoca um número
indeterminado de vítimas civis. O governo interino impõe por três meses o estado de emergência.
Em Fevereiro, o Conselho de Segurança das Nações Unidas autoriza o envio para a Somália de uma
missão de meio ano composta por militares da União Africana. Essa força aterra em Mogadíscio um mês

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depois, em pleno momento de confronto entre insurgentes e forças governamentais apoiadas por tropas
etíopes. Nessa altura, a Cruz Vermelha Internacional anuncia tratarem-se dos piores combates desde há 15
anos.

Se entre Janeiro e Outubro de 2006, cerca de 35 mil somalis tinham já fugido para o vizinho Quénia, em
Abril de 2007, o número total de refugiados pelas Nações Unidas alcança os 320 mil. Não são apenas os
combates a agravar a situação, mas o ressurgimento da pirataria marítima ameaça o fornecimento de
alimentos.

Em Junho, um vaso de guerra norte-americano bombardeia, em Puntland, alvos suspeitos de pertencerem


à al-Qaeda. Nesse mesmo mês, é a vez de o primeiro-ministro Ghedi sobreviver a um ataque suicida. Em
Julho, é aberta na capital somali uma conferência de reconciliação nacional: os líderes islamitas não
aderem às conversações; ao local da conferência é atacado com tiros de morteiro.

Com a situação a agravar-se, a organização não-governamental Human Rights Watch acusa as forças
somalis, etíopes e os rebeldes islamistas de serem responsáveis por crimes de guerra e insurge-se contra a
indiferença do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Em Setembro de 2007, vários grupos da oposição formam uma nova aliança. No mês seguinte, forças
etíopes disparam sobre manifestantes que em Mogadíscio protestam contra a presença militar da Etiópia
em território somali. O mês de Outubro fica marcado pela resignação do primeiro-ministro Ali Mohammed
Ghedi. Viria a ser substituído por Nur Hassan Hussein.

Em Novembro, o governo ordena o encerramento das rádios Shabelle, Simba e Banadir. Neste mesmo
mês, o enviado especial das Nações Unidas, Ahmedou Ould-Abdallah, descreve a situação humanitária da
Somália como sendo actualmente a pior crise no continente africano: o número de refugiados ultrapassa um
milhão de pessoas.

Já em Março de 2008, forças militares norte-americanas bombardeiam a cidade de Dhoble, visando atingir
um membro da al-Qaeda alegadamente responsável pelo ataque, seis anos antes, a um hotel israelita no
Quénia.

Depois de uma série de sequestros, a União Europeia lança, em Abril, um apelo internacional ao combate à
pirataria na costa somali. O apelo é seguido, meses depois, por um voto unânime no Conselho de
Segurança da ONU que autoriza o envio internacional de vasos de guerra para águas territoriais somalis
como forma de combater a pirataria marítima.

No campo do contra-terrorismo, a força aérea americana elimina Aden Hashi Ayro, líder do al-Shabaab, um
dos grupos islamistas insurgentes. Do outro lado da fronteira, o primeiro-ministro etíope anuncia que vai
manter tropas na Somália até que os “jihadistas sejam derrotados”.

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Em Junho, o governo assina com a Aliança para a Re-Libertação da Somália (oposição) um acordo de
cessar-fogo válido por três meses. O acordo, que estabelece a retirada de forças etíopes dentro de 120
dias, é rejeitado por Hassan Dahir Aweys. O líder da União dos Tribunais Islâmicos garante que a UTC não
vai parar os combates até que todos os militares estrangeiros abandonem o país.

Um mês mais tarde, o director do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Somália,
Osman Ali Ahmed, é assassinado em Mogadíscio.

Em Outubro deste ano, um relatório da Chatham House confirma que a pirataria em águas somalis, além de
ameaçar o comércio global e a preservação ambiental do Golfo de Aden, está a financiar os conflitos locais:
se durante todo o ano de 2003 se tinham sido registado 17 ataques, até 25 de Setembro de 2008, esse
número tinha já ultrapassado os 60, tendo duplicado comparativamente ao ano anterior.

2. O panorama mediático

O relatório anual (2008) da organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras faz a síntese ao
cenário mediático somali: apesar de uma imprensa robusta, ou precisamente por esse mesmo motivo, a
Somália é o país mais mortífero para os jornalistas.

Em 2008, os profissionais da informação foram alvos de assassinos contratados e da intolerância do


governo de transição.

Na extensa lista de violações do direito universal à informação, pesam as mortes de Ali Mohammed Omar
(rádio Warsan, Baidoa), Mohammed Abdullahi Khalif (rádio Voice of Peace, Galkayo), Abshir Ali Gabre e
Ahmed Hassan Mahad (rádio Jowhar), Mahad Ahmed Elmi (rádio Capital Voice, Mogadíscio), Ali Iman
Sharmarke (rádio HornAfrik), Abdulkadir Mahad Moallim Kaskey (rádio Banadir) e Bashir Nur Gedi (rádio
Shabelle, Mogadíscio), este último, assassinado à porta de sua casa em frente da mulher e dos filhos.

O relatório anual (2007) do Sindicato Nacional dos Jornalistas da Somália (NUSOJ) regista o “clima de
medo e intimidação” em que sobrevivem os 300 jornalistas nacionais oficialmente registados pela
organização, dos quais pelo menos 240 sindicalizados, deixando claro que os profissionais da informação
“se tornaram vítimas dos conflitos e da insegurança crescentes que se abateram como uma praga sobre a
Somália nos últimos 17 anos”.

Existe ou não uma responsabilidade mediática inerente – uma ética íntima e internacional – que impede, na
esfera do jornalismo, que a anarquia reinante e o ataque arbitrário aos mais básicos direitos humanos sejam
remetidos à mais profunda espiral do silêncio?

Tal como questiona Carruthers (2008) deixaremos todos nós de querer olhar? Estará a audiência da guerra
a desaparecer? E o que representará esse processo empírico e gnoseológico na construção de um espaço

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público democrático e na uma participação cívica dos cidadãos, dos jornalistas e das empresas de
comunicação? Para a vida da Somália, que implicações tem tido essa aversão colectiva a inspeccionar a
guerra e as suas consequências?

Nada é tão facilitador de entendimentos equívocos quanto o próprio silêncio. Estará o pulsar das
sociedades liberais do Ocidente cada vez mais couraçado quanto à absorção crítica de realidades
culturalmente tidas como dissonantes?

No caso dos conflitos na Somália – à semelhança do Iraque e do Afeganistão, do Chade e do Sudão, da


Tchetchénia e de Cabinda – não será essa aparente dormência do espectador enormemente devedora da
míngua de relatos e coberturas noticiosas?

Entramos aí por outra porta da discussão: a cobertura da realidade somali confronta os media internacionais
com um desafio altamente letal; os riscos humanos são pesados, os encargos financeiros exigem-se
razoavelmente altos por meio a garantir a segurança mínima aos enviados especiais.

Na balança dos valores-notícia e da máquina de tempo informativa de Londres, Paris, Berlim, Madrid,
Lisboa, Washington e Nova Iorque quanto pesa um ataque pirata no longínquo Golfo de Aden quando
justaposto ao esboçar de um colapso financeiro da banca internacional?

3. Novos meios, novas oportunidades

Assumindo que as comunidades de conhecimento – os grupos de interesse – são o ponto fulcral de


qualquer processo de convergência – política, cultural, económica, tecnológica – e considerando o cenário
mediático somali, devemos interrogar-nos sobre o potencial desafiador representado pelos novos meios
digitais numa situação de conflito e pós-conflito.

Que ímpeto pode ser emprestado ao fluxo de informação sobre a actualidade somali se perspectivarmos a
activação de comunidades online enraizadas no local, as denominadas grassroot communities?

Se considerarmos que, no momento em que “os membros da comunidade ficam online, as diferenças entre
zonas temporais e geográficas se esbatem” (Jenkins, 2008), qual o peso dos weblogs e das redes
participativas neste processo?

Eis a janela de oportunidade para lançarmos um quadro de hipóteses sobre a nossa auto-promovida
sociedade em rede e as reais dependências entre os universos comunicativos, as relações de poder e os
distintos contextos tecnológicos.

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Pelo canto do olho das democracias liberais, tornou-se reiteradamente defensável que o espaço mediático é
por excelência a arena onde se decidem as relações de poder (Castells, 2007). E quando esse espaço
mediático é forçado ao sufoco?

Não deixará de ser representativo notar: os cálculos quantitativos do Technorati – um dos principais
motores de busca para weblogs, cuja função é “coligir, organizar e distribuir as conversações online à
escala global” – mostram que o termo “somália”, nos últimos 180 dias, foi utilizado pelos webloggers de
língua portuguesa mais representativos (designação “some authority”) nunca mais do que uma vez por dia;
no caso dos webloggers de língua inglesa, o dia mais forte rondou os 120 posts, no caso francófono, 18
posts, os germânicos, 13 posts.

À escala global, estaremos longe de ter a geopolítica somali como tema cimeiro das redes informais de
informação. Casos de vaga excepção são representados por páginas informativas como a Harowo.com, que
acompanha a actualidade do Corno de África nas línguas somali e inglesa, à semelhança do que acontece
com o projecto Tv Somaliland Europe (sem vídeo online), o Qaran News e o Somaliland Times, um jornal
online semanal editado em inglês e publicado pela Haatuf Media Network Hargeysa, uma organização com
sede na Irlanda e na Bélgica dedicada à protecção dos defensores dos direitos humanos.

Além das habituais notícias, o Somaliland Times recorre a vídeos do You Tube como forma de
complementar visualmente a cobertura informativa dos temas relacionados com a Somália. A tendência de
recorrer a conteúdos gerados por comunidades externas representa, aliás, um capital comunicativo ainda
pouco potenciado por estes projectos, exceptuando o desempenho da Awdal News Network e do website
Somaliland.org.

Este último explicita exemplarmente o potencial descentralizador das comunidades online, ao assumir que
foi criado por cidadãos da Somalilândia que “sentiam a necessidade de trazer à luz informação alargada e
politicamente descomprometida” tendo em vista “uma imagem real sobre o país”.

O Somaliland.org desenvolve uma extensa actividade informativa, complementada com um vasto leque de
textos de análise e opinião. Simultaneamente, retransmite na Internet a emissão da rádio Horyaal Isniin.

Espaços pessoais como o La Mia Somalia, página mantida até Agosto do presente ano pelo jornalista
italiano Pino Scaccia, o Somali Comment, findo em 2005, o Greetings from Mogadishu, também ele
interrompido em Fevereiro deste ano, o AllBoon.com, o Hiildan Express, o Samotalis, o Somalifans.net, o
Gargaar, o Islaamdoon e o fórum para a diáspora somali The Voice of Somaliland Diaspora, mantido por
Ahmed Quick, representam uma nova vaga de spoilers para a escassa liberdade de imprensa no país:
“estraga-prazeres” para os interesses instituídos que a par de ferramentas colaborativas como o
Somalitube.com se revestem claramente de um enorme potencial na comunicação multimédia da situação
de crise que atinge reiteradamente o país e a região.

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Conclusões

O crónico pendor para o militarismo, para a estruturação social de clãs e das suas redes de influência, a par
da fusão de identidades com recurso à violência armada, não deve por si só anular as perspectivas de paz
para a região do Corno de África (Somália, Etiópia, Eritreia, Djibouti, Quénia).

Na arena mediática, apesar das duras imposições colocadas pela insegurança e pela veia instrumentalista
dos actores políticos, resulta claro que o jornalismo online e os projectos electrónicos assentes em
comunidades de base informal – as grassroot communities – representam uma enorme auto-estrada
comunicacional a ser percorrida na construção de renovados esquemas de poder e contrapoder, tendo em
vista a mudança social para uma sociedade pacificada.

Nunca como hoje foram tão extensas as oportunidades de interacção internacional – a hipertextualidade
modal (Castells, 2007). Essa evidência representa, no plano ético dos media, uma responsabilidade
acrescida na comunicação do outro: necessariamente, um estado de constante atenção, crítica e de
renovadas sinergias.

Há muito que terminaram os conflitos mundiais com intervalos de décadas. Jornalistas, militares, diplomatas
e sociedade civil são ferozmente confrontados com a erupção de conflitos regionais em zonas do globo das
quais nunca ouviram falar até ao instante-problema: quando percebem que a notícia está por todo lado e
também eles vão de ter de redigir e pôr no ar o mesmo tipo de conteúdo.

Além disso, esses conflitos – veja-se o Afeganistão, o Iraque, o Darfur, os Balcãs, entre tantos – tendem a
não ter uma resolução inequívoca: prolongam-se anos a fios, têm pontos altos e baixos no alinhamento das
agendas informativas, apresentam-se irresolúveis.

A apropriação social – casa a casa, bairro a bairro, cidade a cidade, em suma, rede a rede – da matéria que
constitui os fluxos transnacionais de ideias está agora incrivelmente facilitada. Essa metamorfose
comunicacional, de que temos ainda uma muito escassa compreensão enquanto fenómeno de
transformação histórica, torna possível novas alternativas aos conglomerados mediáticos: novos modelos
de organização informativa, novos objectivos para a actividade jornalística, novas agendas, novas
perspectivas sobre a resolução de conflitos.

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Bibliografia

Livros

Bunker, R.J. (2003). Non-state threats and future wars. Londres: Routledge.

Curran, J. & Gurevitch, M. (2000). Mass media and society. Oxford university Press.

Jenkins, H. (2008). Convergence Culture. Where old and new media collide. New York University Press.

Artigos

Cardoso, G. (2008). From mass to networked communication: communicational models and the informational society. In International
Journal of Communication, Vol. 2.

Carruthers, S. (2008). No one's looking: the disappearing audience for war. In Media, War & Conflict, Sage Publications.

Castells, M. (2007). Communication, Power and Count-power in the Network Society. In International Journal of Communication, Vol. 1.

Internet

África News Somalia: «http://www.africanews.com/site/page/somalia».


AllBoon.com: «http://allboon.com/».
Awdal News Network: «http://www.awdalnews.com/».
Comité Internacional da Cruz Vermelha: «http://www.icrc.org/Web/Eng/siteeng0.nsf/htmlall/somalia?opendocument&link=home».
EIN News: «http://www.einnews.com/somalia/newsfeed-somalia-media».
Gargaar: «http://www.gargaar.com/.
Greetings from Mogadishu: «http://avrahamshanshi.blogspot.com/».
Harowo.com: «http://harowo.com/».
Hiildan Express: «http://hiildan.org/».
Horn Afrik Media Online: «http://www.hornafrik.com/».
Human Rights Watch: «http://www.hrw.org/doc?t=africa&c=Somali».
Islaamdoon: «http://islaamdoon.blogspot.com/».
International Federation of Journalists: «http://africa.ifj.org/en».
La Mia Somalia: «http://somaliamia.blogspot.com/».
National Union of Somali Journalists: «http://www.nusoj.org/».
Qaran News: «http://www.qarannews.com».
Radio Shabelle: «http://www.shabelle.net/».
Rádio Warsan: «http://www.radiowarsan.com/index.php».
RSF - Reporters Without Borders (2008). Annual Report 2008. Consultado em 20 de Outubro de 2008, em
http://www.rsf.org/article.php3?id_article=25405&Valider=OK.
Samotalis: «http://samotalis.blogspot.com/».
Somali Comment: «http://somalicomment.blogspot.com/».
Somalifans.net: «http://somalifans.net/».
Somalia News Network: «http://www.snnnews.net/».
Somaliland News Network: «http://www.somalilandnews.com/».
Somaliland.org: «http://www.somaliland.org/».
Somaliland Times: «http://www.somalilandtimes.net/».

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Somalitube.com: «http://www.somalitube.com/».
The Voice of Somaliland Diaspora: «http://www.waridaad.blogspot.com/».
Tv Somaliland Europe: «http://www.tvsomalilandeurope.net/».
US State Department: «http://www.state.gov/p/af/ci/so/».

Nota biográfica

Paulo Nuno Vicente


pnvicente@gmail.com
É licenciado em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, formado em Jornalismo e Religiões pela
Universidade Católica de Lisboa e frequentou o curso de Língua e Cultura Árabe e Islâmica pela
Universidade de Lisboa.
Concluiu o Summer Institute in Digital Media (Online Journalism) pela Universidade UT Austin - Portugal.
Autor de vários weblogs (Chão de Papel, Report on Safety, Synergias) dedicados ao estudo dos media e do
jornalismo. Coordenador do loev project, iniciativa de desenvolvimento de comunidades interactivas (em
fase de protótipo), apresentado no festival digital Future Places e candidato ao Prémio Zon Criatividade em
Multimédia.
Em 2004, coproduziu o projecto de reportagem fotográfica A Caminho da Lusofonia.
Jornalista da Antena 1 desde 2005.
Entre os principais trabalhos destacam-se reportagens na Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe, Ceuta e
Melilla, Líbano, Bósnia, Israel, Cisjordânia, Chade e República Centro Africana.
Prepara actualmente um documentário sobre Cabo Verde e Guiné-Bissau para a Associação para a
Cooperação entre os Povos (ACEP).
Membro da War and Media Network e da International Journalists Network.

Abstracts

Na era do hipertexto, que razões comunicativas levam a que os conflitos contemporâneos no Corno de
África não se estabeleçam como um ponto-chave na cultura de proximidade que os media informativos
promovem junto do público? O reiterado estado de conflito na Somália – equívoco e prolongado – é um
sinal de que a audiência civil para a temática da guerra está a desaparecer? Quais as perspectivas para as
comunidades online locais e para a inteligência colectiva na visibilidade e resolução dos conflitos regionais e
internacionais?

In the hypertext era, which communicational reasons hind contemporary conflicts in the Horn of Africa of
being a key point in the media proximity culture? Is the reiterated conflict in Somalia a sign that civil
audiences for war are disappearing? What perspectives can be launched about online grassroot
communities and collective intelligence in the resolution of regional and international conflicts?

¿En la era del hipertexto, que razones comunicativas no permiten al conflicto en el cuerno de África de ser
un punto clave en la cultura de la proximidad de los medios? ¿Es el conflicto reiterado en Somalia una

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LATINOAMERICANA DE FACULTADES DE COMUNICACIÓN SOCIAL
ISSN: 1995 - 6630

muestra que están desapareciendo las audiencias civiles para la guerra? ¿Qué perspectivas se pueden
poner en marcha sobre comunidades en línea y la inteligencia colectiva en la resolución de conflicto
regionales y internationales?

12 DIÁLOGOS DE LA COMUNICACIÓN, N°78, ENERO - JULIO 2009

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