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Análise da qualidade das estatísticas vitais brasileiras:

ARTIGO ARTICLE
a experiência de implantação do SIM e do SINASC

Quality analysis of Brazilian vital statistics:


the experience of implementing the SIM and SINASC systems

Maria Helena Prado de Mello Jorge 1


Ruy Laurenti 1
Sabina Léa Davidson Gotlieb 1

Abstract One of the main purposes of health Resumo Sabe-se que um dos fins da informação
information is to help administrative staff and é fornecer subsídios para ações adequadas, em cada
health planners take the best possible decisions setor. Há cerca de trinta anos, sistemas de infor-
for promoting the wellbeing of society. Since 1970, mação vêm sendo criados pelo Ministério da Saú-
the Brazilian Ministry of Health has been devel- de. Objetivo: mostrar a evolução dos Sistemas de
oping and organizing Health Information Sys- Informações sobre Mortalidade e Nascidos Vivos,
tems. This paper presents the progress of the Mor- desde a concepção, implantação (respectivamen-
tality Information System and the Live Birth In- te, 1975 e 1989), até sua avaliação. Os Sistemas
formation System since they were first established, foram concebidos para suprir falhas do Registro
building up historical series with accurate fig- Civil e permitir conhecer o perfil epidemiológico
ures for these vital events. Their positive and neg- em todo o país. Este registro é ato jurídico e as
ative aspects are analyzed through quantitative anotações referem-se a dados necessários à com-
and qualitative evaluations. Steadily improving, provação legal do evento; à área de saúde falta-
they are expected to attain full coverage and ade- vam informações sobre esses eventos e suas carac-
quate quality in the near future. terísticas relacionadas à saúde. Mostram-se ava-
Key words Information systems, Mortality, Live liações quantitativas e qualitativas dos sistemas,
births feitas em níveis federal, estadual e municipal, vi-
sando medir a fidedignidade e as limitações dos
dados. Conclui-se que os Sistemas vêm melhorando
acentuadamente e, para o futuro, espera-se que a
captação dos eventos, em ambos, aproxime-se de
100%, com adequada qualidade.
Palavras-chave Sistemas de informações, Óbi-
tos, Nascidos vivos

1
Faculdade de Saúde
Pública, Universidade de
São Paulo. Avenida Dr.
Arnaldo 715, Cerqueira
Cesar. 01246-904 São
Paulo SP.
mhpjorge@usp.br
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Mello Jorge, M. H. et al.

Introdução e os desvios dos estados fisiológicos normais


devidos às mais variadas causas. Nessa linha de
Apesar de já ultrapassado o quinto ano do sécu- raciocínio, fica patente a importância da Epide-
lo XXI, é comum, ainda, ouvir-se que “não se miologia na administração e no planejamento
dispõe de estatísticas”, “não há dados para o país” de ações de saúde e serviços de saúde, reconheci-
ou “os dados brasileiros não são confiáveis”. Para da por Leavell e Clarck e admitida pela própria
rebater essa idéia, Moraes1 aborda muito bem o Organização Mundial de Saúde3. Dever4 chama a
assunto ao afirmar que, no Brasil, não faltam atenção de que organizações ligadas à saúde ne-
informações e que, já em 1585, o trabalho cessitam dos instrumentos básicos da Epidemi-
“L’information”, do Padre José de Anchieta, rela- ologia para tomar decisões seguras quanto à
tava existir população de 57.000 habitantes. Co- política de saúde, baseadas em evidências epide-
menta, ainda, que “por mais precárias que pos- miológicas. Tal objetivo é alcançado com a Epi-
sam ser consideradas essas fontes, têm servido demiologia Descritiva, que tem como método,
não só como documentação histórica da época, principalmente, a análise dos dados de mortali-
como também evidenciam o ritmo do progresso dade e de morbidade.
do país, nesse campo”. Nesse sentido, é clássica a análise feita por
Acresce que muitos gestores, em geral, não se Graunt, dos registros paroquiais de morte em
dão conta de que uma das finalidades da infor- Londres, no século XVII, sendo o pioneiro a ver
mação é, exatamente, fornecer subsídios para finalidade médico-estatística nesses assentamen-
ações adequadas no setor. Quanto à utilização tos. Mostrou a predominância dos óbitos mas-
dessas informações no processo decisório, é tam- culinos sobre os femininos, dos da zona urbana
bém Moraes1 quem cita obra de José Bonifácio sobre os da rural e a compatibilidade entre causas
de Andrada e Silva, sobre estudos de divulgação de morte e faixas etárias. Anos após, também em
estatística preocupados em discutir mais a finali- Londres, William Farr estudou os nascimentos e
dade dos dados disponíveis do que métodos e as mortes e deixou clara sua finalidade epidemio-
técnicas usados na sua geração. lógica, além de analisar os aspectos relacionados
Visando promover a disponibilidade adequa- com a saúde5; enfatizou a necessidade de unifor-
da e oportuna de dados básicos, indicadores e mização internacional dos conceitos de eventos
análises sobre as condições de saúde e suas ten- vitais, adoção de modelo único de atestado de
dências, foi criada, em 1996, a Rede Interagencial óbito e de uma classificação de causas de morte.
de Informações para a Saúde (RIPSA), que teve No Brasil, a história dos registros de even-
como uma das primeiras finalidades tornar dis- tos vitais e, em particular, de mortalidade, já
poníveis todas as bases de dados importantes está referida por autores como Mello Jorge3 e
para o setor2. Laurenti et al.6.
Nos últimos trinta anos, sistemas de infor- Em 1944, o Serviço Federal de Bioestatística
mação foram desenvolvidos pelo Ministério da do Departamento Nacional de Saúde publicou o
Saúde, para o que muito contribuiu o avanço Anuário de Bioestatística, com dados de morta-
tecnológico em informática. O objetivo desta lidade por causas referentes a 1929/1932, ocorri-
apresentação é mostrar um panorama dos dois dos nas capitais de estados do Brasil7. Alguns
principais sistemas nacionais de informação em anos depois, o IBGE passou a publicar, para as
saúde – mortalidade, SIM, e nascidos vivos, SI- capitais, os dados de mortalidade por causas, sem
NASC – desde a concepção, implantação, até a ser, entretanto, de forma regular3. Baldijão8 cha-
sua avaliação. ma a atenção de que, na década de 70, o IBGE
passou a produzir uma série de informações re-
levantes para o setor saúde.
Antecedentes No princípio da década de 70, já existiam to-
dos os insumos favoráveis à implantação de um
Historicamente, sabe-se que foram os estudos sistema de informação de mortalidade, em nível
epidemiológicos que permitiram conhecer, pri- nacional, faltando apenas decisão política para
meiro, aspectos das doenças transmissíveis, no tal, oportunidade que surgiu em 1975. Quanto
tempo em que estas sobrepujavam em impor- aos nascidos vivos, a realização se deu anos mais
tância as demais e, depois, as não transmissíveis tarde.
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O sistema de informações sobre das, e introdução de outras que se mostraram
mortalidade – SIM necessárias: a) numeração seqüencial para o con-
trole da emissão, distribuição, coleta e resgate
Concepção e implantação das DO; b) número da Declaração de Nascido
Vivo, nas DO de menores de um ano, para o
Em 1975, foi promulgada a Lei Nº 6.229 de pareamento com os dados do SINASC; c) variá-
30/10, que criava o Sistema Nacional de Vigilân- veis específicas para identificar se as mulheres
cia Epidemiológica, para o qual era essencial ha- falecidas em idade fértil estavam grávidas, no
ver um subsistema de informações em mortali- momento da morte, ou tinham estado grávidas
dade. Em julho, havia sido designado grupo de até um ano antes do evento fatal, visando a pos-
trabalho para que elaborasse as linhas mestras síveis causas maternas; d) característica raça/cor;
desse subsistema. A primeira tarefa consistiu em e) introdução do campo VIII, referente aos óbi-
avaliar a situação dos atestados de óbito no país, tos por causas externas, com descrição sumária
tendo sido verificados 43 diferentes modelos, bem do evento e a fonte que permitiu tal descrição; f)
como variados fluxos de informação9. substituição do nome do campo VI, de Atestado
Diante desse diagnóstico, foi recomendado Médico para Condições e Causas de Morte, para
que se adotasse modelo único de atestado no afastar do médico o entendimento de que ele se-
país, o qual, em relação às causas da morte, se- ria responsável apenas pelo preenchimento desse
guiria o padrão internacional proposto pela campo; g) inclusão da linha “d”, na Parte I do
OMS, em 194810. Foi criado um fluxo padroni- campo Condições e Causas de Morte, segundo
zado para os dados e estabelecido que a sua im- recomendações da 10ª Revisão da CID10, e de uma
pressão e a distribuição deveriam ficar a cargo coluna para a codificação das causas anotadas
do nível central. Da mesma forma, o processa- no atestado.
mento dos dados seria centralizado, devido às O primeiro modelo foi feito em duas vias; atu-
dificuldades operacionais na codificação das cau- almente, apresenta-se em três, de cores distintas,
sas de morte e falta de equipamentos eletrônicos com fluxos específicos para óbitos domiciliares e
nos estados. Farto material didático foi produzi- hospitalares. Segundo a legislação, a DO deve ser
do, incluindo manual de preenchimento do do- preenchida por médico e, em caso de morte por
cumento-básico e manual operacional para a causa não natural, por perito legista pós-necrop-
codificação de variáveis. sia, obedecidas as especificidades do Código de
Em junho de 1976, foi criado o Centro Brasi- Ética Médica e legislação complementar.
leiro de Classificação de Doenças (CBCD), por As DO, hoje numeradas, são impressas pelo
meio de convênio entre o MS, OPAS/OMS e USP; MS e distribuídas às Secretarias Estaduais de Saú-
este muito contribuiu com o SIM, atuando na de (SES) para subseqüente entrega às Secretarias
formação do pessoal para a codificação de cau- Municipais de Saúde (SMS), que as repassam aos
sas de morte, de médicos, no sentido de dar a estabelecimentos de saúde, Institutos de Medici-
importância devida ao correto preenchimento na Legal, Serviços de Verificação de Óbito (SVO)
dos atestados, na sensibilização de autoridades e Cartórios do Registro Civil. Compete às SMS o
sanitárias, para que reconhecessem a relevância controle da distribuição das DO, para evitar que
dos seus dados e na produção de material didá- agências funerárias tenham acesso às mesmas; o
tico que objetivasse, inclusive, a padronização de que é fundamental, pois, no passado, muitas funerária
conceitos usados na área e treinamento de pes- delas ofereciam, às famílias, DO preenchidas ou
soal especializado5. apenas assinadas por médicos que não haviam
tratado do falecido ou, sequer, examinado os
A Declaração de Óbito (DO) cadáveres ou conversado com as famílias.
e o fluxo da informação A implantação do SIM não foi acompanha-
da, à época, de legislação que obrigasse o uso do
A adoção de modelo único padronizado da documento padrão; isto aconteceu em 2000, por
DO, para óbitos e óbitos fetais, permitiu a uni- meio da Portaria Nº 474 de 31/8/2000, substituída
formização dos dados, bem como facilitou a pela Portaria Nº20, de 3/10/2003, que estabeleceu
apuração das informações de interesse para o a coleta de dados, fluxo e periodicidade do envio
setor saúde. das informações para o nível central. Importante
Nesses anos de existência do SIM, a DO pas- resolução do MS, no final de 1997 (Portaria Nº
sou por modificações na formulação de algumas 1.882/GM), estabeleceu, no país, o Piso da Aten-
variáveis, a fim de obter respostas mais adequa- ção Básica, prevendo que “a transferência de re-
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Mello Jorge, M. H. et al.

cursos será suspensa se a SMS deixar de alimen- sem o competente registro. Até 1995, verifica-se
tar, por dois meses consecutivos, os Sistemas de que, apesar de abranger volume elevado de óbi-
Informação em Saúde”, entre os quais, o SIM. tos e, em alguns locais, poder mesmo estar ultra-
Em 1984, o MS iniciou a série Estatísticas de passando a quantidade coletada nos cartórios, o
Mortalidade-Brasil, com publicações sucessivas, SIM não havia ainda alcançado a massa de even-
apresentando óbitos de 1977 a 1995, por local de tos coletada por aquelas instituições. Isto era con-
residência, sexo, idade e causas agrupadas em seqüência, talvez, da recusa de alguns cartórios
capítulos da CID 11. Hoje, o MS disponibiliza os em enviar as DO registradas aos órgãos de saúde
dados em CD-ROM12 e via internet. Abrangen- e, posteriormente, ao MS, já que a obrigatorie-
do cerca de um milhão de óbitos/ano, permitem dade legal existia apenas para a remessa ao IBGE14.
boa visão do quadro epidemiológico no país, A partir de 2000, o SIM apresenta maior volume
com base na mortalidade. de óbitos do que os cartórios, possivelmente gra-
ças à mudança na metodologia da coleta de da-
Alcance e limitações dos, visto que as DO passaram a ser coletadas
nos hospitais;
O SIM foi concebido para suprir as falhas do 3º) comparação entre os dados do SIM e
Sistema do Registro Civil e permitir conhecer o projeções demográficas feitas pelo IBGE15. Desde
perfil epidemiológico da mortalidade em todo o 1996, com a criação da RIPSA, essas estimativas
país. Os primeiros dados coletados e processa- têm sido usadas como referência para avaliação
dos dão conta de que, para grande parte do país, do SIM. Em 1997, a cobertura variava entre 56,2%
apenas as capitais estavam englobadas. Apesar no Nordeste e 95,5% no Sudeste, sendo que, em
disso, o MS assumiu o risco de publicar os dados 2002, a do Brasil ultrapassava os 83%. Há, entre-
e o primeiro anuário Estatísticas de Mortalidade tanto, limitações e imprecisões inerentes às técni-
Brasil – 1977 veio à luz, em 1984. À época, o MS cas indiretas, pois o fato de as estimativas serem
recomendava não usar coeficiente e, sim, morta- baseadas em censos passados pode não refletir o
lidade proporcional, pois estimava que os óbitos padrão demográfico atual2;
apurados eram cerca de 65% dos esperados para 4º) análise do coeficiente de mortalidade:
o país. Quanto à qualidade, já se fazia referência qualquer que seja o nível de saúde de uma popu-
aos problemas (correção e clareza) do preenchi- lação, sabe-se que esse indicador deve estar entre
mento da DO e à existência de óbitos sem assis- 6 e 12 óbitos por mil habitantes16,17. O MS consi-
tência médica13. derava o valor 4 como um mínimo aceitável para
Avaliações sucessivas do SIM dos pontos de o país, até 1990, quando alterou para 6 óbitos
vista quantitativo e qualitativo vêm sendo feitas por mil13. No Brasil, nos últimos vinte anos, es-
pelo MS, pelas Secretarias envolvidas e no meio tes estiveram ao redor de 6 por mil, com peque-
acadêmico, para medir o grau de fidedignidade e nas variações: as Regiões Norte, Nordeste e Cen-
as limitações das informações. tro-Oeste tinham coeficientes bem mais baixos
e, no Sudeste e Sul, eram próximos a 6 e, às vezes,
Avaliação da cobertura maiores que 7 por mil habitantes. Essa é a razão
de a RIPSA, ao publicá-lo para o Brasil, Regiões e
Diversos métodos têm sido usados: UF, adotar o método indireto para calculá-lo
1º) número de municípios com informação (número estimado de óbitos), sempre que o SIM
regular de mortalidade, na população coberta pelo apresentar menor valor2.
sistema e número de óbitos informados pelo to-
tal de municípios, bem como por aqueles com Avaliação da qualidade
informações regulares (aqueles que tivessem co-
letado DO durante todo o ano; estivessem cap- Verifica-se que, embora lentamente, vem sen-
tando, no mínimo, 4 óbitos por mil habitantes e do obtida uma melhora do SIM. As variáveis com
conseguissem uma massa de óbitos igual a, pelo elevada presença de informações ignoradas ou
menos, 90% dos óbitos conhecidos pelo Registro não preenchidas estão, hoje, em menor número.
Civil11). Foi usado no início da implantação do A ausência de informação nas variáveis sexo
SIM e abandonado a partir dos dados de 1995 9; e idade vem se mantendo, sempre, em níveis bai-
2º) comparação dos seus dados com aqueles xos (menos de 1%), permitindo, assim, que es-
dos Cartórios (via IBGE), embora se saiba que sas possam ser bem analisadas do ponto de vista
estes também têm falhas nas áreas menos desen- epidemiológico.
volvidas do país, onde enterramentos são feitos A característica raça/cor foi introduzida, em
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1995, mas, só a partir de 2000, o MS passou a Na análise da mortalidade, os óbitos classifi-
trabalhá-la, dada a melhoria do seu registro; des- cados como mal definidos representam impor-
de então, é possível investigar diferenças de risco tante lacuna no conhecimento da distribuição
de morte entre brancos, negros e pardos18. segundo causas. Constituem obstáculo para a
Sabe-se que as causas de morte decorrentes alocação racional dos recursos de saúde com base
de gravidez, parto e puerpério são, talvez, uma em perfil epidemiológico, visto que podem alte-
das mais mal informadas nas DO19. Por essa ra- rar os coeficientes de mortalidade por doenças
zão, a 43ª Assembléia Mundial da Saúde adotou, específicas21.
em 1990, a recomendação de que os países inclu- As causas classificadas como mal definidas
íssem, nas DO, questões sobre a presença de gra- referem-se aos casos em que houve assistência
videz atual ou durante o ano que precedeu o óbi- médica, mas não foi possível determinar a causa
to10; o que ocorreu, em 1995, no Brasil. Laurenti básica da morte (ou o médico declarou apenas
et al.20 verificaram, em DO de 1996/97, cerca de um sintoma ou sinal), e àqueles em que não houve
90% de ausência dessa informação; e conside- assistência médica.
rando os casos já classificados como causa ma- A análise temporal da proporção desses óbi-
terna, somente cerca de 20% deles tinham anota- tos, nos últimos 25 anos, deixa claro que, até
ção sobre a nova variável. Os autores concluí- meados da década de 80, representava mais de
ram que, apesar de o Brasil ter adotado a pro- 20% do total de óbitos captados pelo SIM; em
posta da OMS, esta não foi acompanhada de 1990, havia declinado para cerca de 16% e, nos
divulgação junto a médicos visando à sua adesão anos 2000, sua freqüência está ao redor de 13%
ao correto preenchimento das novas questões. (Gráfico 1). Esses resultados são fruto de esfor-
Em 2002, Laurenti et al.19, analisando 7.332 óbi- ços dos gestores do Sistema, nos três níveis de
tos de mulheres em idade fértil, verificaram, ain- atuação, federal, estadual e municipal, mas, em-
da, elevada proporção de não preenchimento bora auspiciosos, estão longe de corresponder a
dessa variável, inclusive nos óbitos cuja causa uma situação resolvida, visto que, em números
básica havia sido materna. absolutos, representam ainda 130.000 mortes.

Gráfico 1
Proporção (%) de óbitos por causas mal definidas segundo ano do óbito e Região. Brasil, 1979 a 2004.

60

50

40

30

20

10 S S S S S S S S S S S S S S S S S S S S
S S S S S S

0
79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04
19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20 20 20 20 20

Norte Nordeste S Sudeste Sul Centro-Oeste Brasil


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Mello Jorge, M. H. et al.

Acresce que eles podem esconder uma reali- Vários autores, ao investigar as reais causas
dade que, absolutamente, não é satisfatória, pois dessas mortes, têm mostrado que o IML dispõe
quando se examinam os dados nas UF, nota-se da informação que o setor saúde necessita para
que, se por um lado, há áreas onde as mal defini- o esclarecimento da causa básica da morte, não
das apresentam-se em até 10%, por outro, em a transcrevendo, entretanto, para a DO25,26. As-
estados como Maranhão e Paraíba, os valores sim, sugere-se aos gestores do SIM que, nos seus
são maiores do que 30%. Igualmente, é preciso diversos níveis, invistam na metodologia que
deixar claro que algumas diferenças regionais busca a melhoria da qualidade dos dados, por
importantes existem também dentro das UF22. meio da investigação. Trata-se de informação
Por essa razão, em 2004, o Comitê Técnico As- que está disponível e que, se resgatada, vai con-
sessor para o SIM/SINASC do MS sugeriu plano tribuir para a melhoria dos dados do Sistema24.
de metas visando ao aperfeiçoamento do SIM, Mello Jorge et al.27 apontam mudanças apreciá-
no qual o enfoque principal seria dado à investi- veis no panorama das mortes por causas exter-
gação das mortes por causas mal definidas a ser nas; em algumas áreas do país, em 2000, o total
feita pelas SMS das localidades com 50.000 habi- de homicídios tornou-se cinco vezes o declara-
tantes e mais, em uma primeira fase23. do, os suicídios dobraram sua freqüência e os
Os óbitos sem assistência médica, engloba- acidentes de transporte aumentaram em 90%,
dos entre os mal definidos, mostram que, no após a investigação.
país, no início dos anos 80, seu peso era menor
do que 30%, em razão de, provavelmente, a in- Os óbitos fetais
formação referir-se apenas às mortes ocorridas
nas capitais (momento de implantação do Siste- Apesar da importância que estes eventos têm
ma). No final dos anos 80, atingem proporções para os estudos de mortalidade fetal e perinatal,
de, praticamente, 83%, declinando para 65,9% e que cresce à medida que diminui a mortalidade
53,3% das mortes mal definidas, em 1995 e 2003. infantil6, o MS não vem trabalhando rotineira-
Tal fato faz pensar que esteja havendo um au- mente esses dados. Oliveira et al.28 comentam que
mento da atenção médica e, portanto, maior as- “não só o Ministério não emite relatório a res-
sistência ao paciente na doença que o levou à peito, como as próprias Secretarias Estaduais e
morte ou um melhor preenchimento da parte Municipais não têm mostrado interesse em estu-
médica da DO ou, ainda, o esclarecimento da dar esse assunto”.
causa por investigação promovida pelos agentes O conceito de perda fetal ou óbito fetal é o
responsáveis pelo SIM. preconizado pela OMS10. Com a entrada em vi-
Várias SMS, para melhorar a qualidade da gor, em 1996, da 10ª Revisão da CID, novos con-
informação de mortalidade, têm procurado cri- ceitos e limites de períodos para a mortalidade
ar SVO, o que, de fato, tem ocorrido, sendo que perinatal foram estabelecidos, estando o limite
o MS, por meio da Secretaria de Vigilância em inferior na gestação de 22 semanas e não mais
Saúde, está, atualmente, envidando esforços para em 28, como disposto anteriormente. O médico
incentivar a criação desses serviços, em várias passou a ser obrigado a fornecer a Declaração de
áreas do país. Óbito Fetal (DOF) para produtos eliminados
Quanto às causas externas, sabe-se que, sem- “sem sinal de vida com gestações de 20 ou mais
pre que a causa de morte for uma lesão ou outro semanas de duração ou peso equivalente a 500
efeito de uma causa externa, as circunstâncias gramas ou estatura de 25 ou mais centímetros”,
que deram origem a essa situação deverão ser sendo facultativo para aqueles abaixo desses va-
selecionadas como causa básica10. Esse princípio lores. O limite inferior da obrigatoriedade a par-
deixa claro que as causas básicas devem corres- tir de vinte semanas foi definido com o objetivo
ponder aos tipos de causas externas (circunstân- de garantir que todas as perdas de, no mínimo,
cias) que originaram as lesões e nunca a essas 22 semanas fossem declaradas (Resolução CFM
lesões. Por razões apontadas em bibliografia es- Nº.1779).
pecífica24, os legistas ao preencher a DO pós-ne- Levantamento dos óbitos fetais de 1980 a 2003
cropsia, freqüentemente fazem menção somente mostra que as DOF captadas pelo SIM declina-
às lesões encontradas e não às circunstâncias do ram em todo o período, com redução da ordem
acidente/violência responsáveis por essas lesões. de 45% (de 67.053 em 1986 para 42.752 em 1990,
No Brasil de hoje, cerca de 10% das mortes 39.442 em 2000 e 37.125 em 2003). Entretanto,
por causas externas encontram-se nesta situa- utilizando-se, apenas, essa informação, fica difí-
ção (em 1980 correspondiam a mais de 20%). cil discernir se a queda é resultado do menor
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número de eventos captados pelo SIM ou se é de informações para o conhecimento de sua fre-
decorrente de uma redução efetiva das perdas qüência e algumas de suas características. Sabia-
fetais, em razão do menor número de gestações se, entretanto, por meio de pesquisas, que esses
que as mulheres vêm apresentando, ao longo do dados não refletiam a realidade, principalmente
tempo, ou aumento da atenção pré-natal e ao do ponto de vista quantitativo. Por meio da com-
parto, o que levaria a um possível declínio no paração com outras fontes, mas, também, por
número de perdas. Comparando os dados com investigação em amostras de domicílios, os da-
os do Registro Civil, há diminuição de 55%, tam- dos davam conta de uma cobertura, às vezes,
bém, nos eventos captados por esta fonte, o que bastante deficitária do Registro Civil, mostran-
fala a favor da queda das mortes fetais9. do sua estimativa de omissão em números não
Avaliação qualitativa das mortes fetais mos- desprezíveis30. O registro atrasado de nascimen-
tra que, quanto à variável sexo, a informação to representava também um fator contributário
ignorada caiu de 10% em 1990 para 3,6%, em para o não conhecimento do real número de nas-
2003. Relativamente ao peso ao nascer, em 2003, cimentos em cada ano.
a categoria ignorada estava presente em 23% das Acrescia-se o fato de que, em sendo o regis-
DOF, enquanto que, em 1980, a ausência de in- tro civil um ato fundamentalmente jurídico, as
formação era quase o triplo deste valor. As pro- informações anotadas eram as enumeradas em
porções de perdas com informação ignorada nas lei e referiam-se a situações necessárias à com-
variáveis tipos de gravidez e de parto, no período provação legal do evento. À área de saúde falta-
de vinte anos, apresentaram decréscimos próxi- vam dados importantes, como as condições da
mos a 40%. Quanto à duração da gestação, seria criança ao nascer, os relativos à gravidez e ao
de se esperar que a grande maioria das DOF con- parto, bem como algumas características da mãe
tivesse essa informação, visto que seu preenchi- que, sabidamente, guardavam relação com a saú-
mento é, praticamente, obrigatório nos hospi- de do filho, como, por exemplo, sua idade e sua
tais. Entretanto, isso não é o que acontece (em paridade. A experiência de alguns países mostra-
2003, 15% com informação ignorada). Para o va que a melhor informação sobre nascidos vi-
cálculo do indicador de mortalidade perinatal, vos era aquela proveniente de documentos emi-
sua determinação é também bastante importan- tidos nos próprios serviços onde ocorriam esses
te e valores elevados de casos com tempo ignora- eventos8 e resultados promissores de projetos
do de gestação levaram a RIPSA a, correndo o isolados levados a efeito em algumas áreas brasi-
risco de estar superestimando o indicador, pre- leiras31,32 evidenciavam sua viabilidade no Brasil.
conizar o uso de todas as perdas, independente- Em 1989, o Ministro da Saúde havia designa-
mente do tempo2. do um grupo de especialistas para compor o GE-
É praticamente inexistente em quase todos os VIMS – Grupo de Estatísticas Vitais do Ministé-
países do mundo a apresentação das estatísticas rio da Saúde – e assessorá-lo nessa área específi-
de mortes fetais segundo a “causa” da perda. A ca (Portaria Nº 649/GM/MS de 4/7/1989, publi-
questão da declaração da causa de morte fetal é cada no DOU nº 126 de 05/07/89). Este, entre
muito pouco conhecida pelos médicos, julgando suas tarefas, elegeu como prioritária a criação de
eles ser suficiente apenas declarar “nascido mor- um sistema de informações próprio, que cuidas-
to”, “morte intra-útero”, “feto macerado” e outros se dos nascidos vivos, ainda que se corresse o
semelhantes. Baldijão e Mello Jorge29, na análise risco de, em alguma medida, estar duplicando a
das perdas fetais do Brasil, no primeiro qüinqüê- tarefa já realizada pelo IBGE, com os dados pro-
nio dos anos 80, encontraram 15,4% de casos venientes dos cartórios.
nessa situação. Oliveira et al.28 referem que cerca Concebido e montado à semelhança do SIM,
de 25% das DOF dos anos 2000 estão catalogadas o novo sistema objetivava partir de um docu-
como “morte fetal de causa desconhecida”. mento básico, padronizado para todo o país e
que deveria ser gerado nos hospitais e outras ins-
tituições de saúde, para os partos aí realizados, e
O sistema de informações nos Cartórios do Registro Civil, para os partos
sobre nascidos vivos – SINASC ocorridos no domicílio e cuja informação che-
gasse a essa instituição. Com essa metodologia,
Concepção e implantação se estariam perdendo os dados de nascidos vivos
de partos domiciliares que não fossem registra-
Com relação aos nascimentos vivos, o Regis- dos. Entretanto, considerava-se que esse núme-
tro Civil constituía-se, também, na principal fonte ro deveria ser pequeno visto aumento do núme-
650
Mello Jorge, M. H. et al.

ro de partos hospitalares que vinha ocorrendo A Declaração de Nascido Vivo – DN –


no país30. e o fluxo da informação
O grupo elaborou um documento – Decla-
ração de Nascimento (posteriormente denomi- O primeiro modelo de DN colocado no siste-
nado Declaração de Nascido Vivo, DN) – que ma era formado por oito blocos de informação,
continha alguns dados exigidos por lei para o contendo dados sobre o cartório onde o Registro
Registro Civil do evento e outras variáveis im- Civil era feito; sobre o local de ocorrência; relati-
portantes para a definição do perfil epidemioló- vos ao recém–nascido (data do nascimento, sexo,
gico dos nascidos vivos. Na mesma oportunida- peso ao nascer, índice de Apgar); sobre a duração
de, foi estabelecido um fluxo para a informação, da gestação, tipo de gravidez e tipo de parto; da-
desde a geração do documento padrão até seu dos sobre a mãe (nome, idade, grau de instrução,
retorno ao Ministério da Saúde, órgão gestor do residência e filhos tidos); nome do pai e referentes
Sistema que então se criava e que deveria centra- ao responsável pelo preenchimento da DN.
lizar a informação no nível nacional. Em janeiro de 1996, novo modelo de DN cir-
Para a análise e discussão da proposta do culava no país, com algumas mudanças em rela-
Sistema, do documento básico e do fluxo, foram ção ao anterior. Alterações sucessivas em datas
realizadas reuniões setoriais e nacionais, após o posteriores modificaram a forma de algumas
que o GEVIMS preparou todo o material neces- perguntas ou introduziram novas variáveis
sário para que, em 6/3/1990, se considerasse ofi- (exemplo, raça/cor; presença de anomalia con-
cialmente implantado, no Brasil, o Sistema de gênita) ou ainda suprimiram questões (exem-
Informações Sobre Nascidos Vivos – SINASC. plo: nome do pai).
Objetivava ele permitir obter um perfil dos nas- É importante notar que, desde o início, dois
cimentos vivos segundo variáveis consideradas cuidados básicos foram tomados, quais sejam o
importantes do ponto de vista epidemiológico e, estabelecimento do conceito adotado para nasci-
visto que muitas dessas estavam registradas tam- do vivo5 e a anotação de que a DN não se consti-
bém na DO, a obtenção de coeficientes específi- tuía no registro civil do recém-nascido, mas era
cos de mortalidade infantil33. Hoje, é possível não um documento que deveria ser apresentado para
só a elaboração de diagnósticos de saúde, mas a que esse registro pudesse ser efetivado.
vigilância e o monitoramento de recém-nascidos O modelo em vigor no Brasil em 2006 está
como avaliação de ações de saúde na área mater- disponível e pode ser localizado em: http://
no-infantil e o conhecimento da oferta de servi- por tal.saude.gov.br/por tal/arquivos/pdf/
ços que realizam partos34. declaracao_nasc_vivo.pdf.
É importante salientar que, também, para o A DN vinha impressa em papel carbonado,
SINASC, não houve nenhuma legislação que obri- em três vias, de cores diferentes, que deveriam,
gasse o uso do novo formulário e seu fluxo. Essa também, seguir fluxos diversos. O fluxo, conce-
imposição legal efetivou-se em julho do mesmo bido de forma flexível para ser adaptado às dife-
ano, quando foi promulgado, no país, o Estatu- rentes realidades estaduais, está determinado na
to da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069 de Portaria No 20, já referida.
13/7/1990), que previa no artigo 10: “Os hospi- Providência importante foi o contato com
tais e demais estabelecimentos de atenção à saú- os Cartórios do Registro Civil, a fim de que eles
de de gestantes, públicos e privados, são obriga- pudessem entender sua participação no novo
dos a [...] IV. fornecer declaração de nascimento Sistema.
onde constem, necessariamente, as intercorrên- Relativamente à implantação, foi estabeleci-
cias do parto e do desenvolvimento do neonato”. do que ela deveria ser gradual, iniciando-se pelas
Por falta de especificação de que declaração era capitais dos estados, estendendo-se, posterior-
essa, passou-se a admitir que a DN deveria cor- mente, aos demais municípios, na medida das
responder ao documento então referido. possibilidades de cada um. A descentralização
Em 31/08/2000, coleta de dados, fluxo e pe- administrativa e operacional surgida no país no
riodicidade do envio das informações sobre nas- início dos anos 90, esta última incrementada com
cidos vivos para o nível central foram regula- o advento da era da informática, fez com que
mentados por meio da Portaria Nº 475 do MS, muitas Secretarias Municipais de Saúde assumis-
(D.O.U de 4/09/2000). Em 2003, através da Por- sem as tarefas de coleta, processamento e análise
taria Nº20, já referida, essa normatização foi re- dos dados, em nível municipal. Esse fato, se por
vista e adaptada à nova sistematização do MS. um lado foi benéfico, por outro, introduziu um
viés metodológico importante representado pela
651

Ciência & Saúde Coletiva, 12(3):643-654, 2007


invasão/evasão de nascimentos que acabavam vivos no ano e registrados no mesmo ano, os
não sendo processados33, problema que demo- dados do SINASC são sempre mais elevados (Ta-
rou a ser resolvido. bela 1). As diferenças surgem quando se levam
Em julho de 1995, a abrangência do SINASC, em conta os “registrados no ano seguinte” e pio-
em relação ao momento da implantação, era já ram quando o total considerado abrange os cin-
bastante significativa: em 19 UF, estava implan- co primeiros anos de vida. Entretanto, a partir
tado em 100% dos municípios, o que evidencia de 1998, a “cobertura” do SINASC é de, pelo me-
uma forte adesão ao Sistema por parte das di- nos, 90% dos registrados em cartório.
versas áreas. Esses números mostravam que, em 2º) A comparação do SINASC com o núme-
relação ao total do país, 80,4% dos municípios já ro de nascidos vivos estimados pelo IBGE, por
estavam cobertos30. Em fins de 1997, com o Piso meio de projeções demográficas, pode correspon-
de Atenção Básica, a implantação e a utilização der a uma aproximação da sua taxa de cobertu-
dos Sistemas de Informação passaram a ser obri- ra, método que tem sido adotado pela RIPSA.
gatórias, o que fez com que, em 1998, o SINASC Com a utilização dessa metodologia, verifica-se
já estivesse em funcionamento em 100% dos que a cobertura máxima do SINASC foi alcança-
municípios do país.. da em 1999, declinando a partir de então, de 92,8%
As primeiras informações relativas aos resul- para 85,7% em 2002 2. Este fato sugere que as
tados da implantação do SINASC referem-se a estimativas devam ser revistas e essa situação,
algumas áreas que, antes das demais, completa- mais recentemente, está sendo discutida, pois a
ram o fluxo da informação previsto pelo Sistema, “taxa de cobertura”, assim calculada, pode não
enviando seus dados ao nível central. Essas infor- estar mais refletindo os dados reais. Os dados
mações correspondem aos anos de 1991/92 e são do SINASC, entretanto, não estão sendo utiliza-
referentes a apenas alguns estados. Os resultados dos para o cálculo das taxas de natalidade em
foram publicados por Mello Jorge et al.. 30, que todos os estados brasileiros. Em alguns continu-
comentam o fato “[...] se por um lado, não co- am sendo usadas as estimativas de taxas2, situa-
brem todas as áreas do país, nem talvez o ano ção que, também, está sendo revista. Analisados
como um todo, ou sequer todos eventos, mos- regionalmente, os dados mostram melhor co-
tram, de outra parte, a grande possibilidade que bertura no Sul e Sudeste e, quanto às Unidades
se abre com a utilização dos mesmos, à medida da Federação, em algumas, os valores são maio-
que venham a ser trabalhados e aprimorados”. res que 100%, sendo que fatores como invasão/
Avaliações sucessivas vêm sendo feitas, con- evasão ou problemas de estimativas podem ser
siderando-se que os dados do Brasil podem ser os responsáveis18.
usados a partir de 1994. Essas estatísticas, que 3º) Complementação da avaliação quantita-
abrangem cerca de 3 milhões de nascidos vivos/ tiva foi feita por Mello Jorge et al.35, que elabora-
ano para o país, estão disponíveis em CD-Rom12 ram pesquisa em municípios do interior do Esta-
e na internet.. do de São Paulo, logo após a implantação do SI-
NASC. Concluíram que 0,5% do total de nasci-
Avaliação dos vivos não haviam recebido sua DN no hospi-
tal do nascimento e 0,1% havia recebido duas DN.
Com a implantação do SINASC no Brasil, 4º) Com metodologia baseada no resgate da
abriu-se, pela primeira vez, a oportunidade de DN no hospital, no Cartório e em visita domici-
realização de estudos com base populacional so- liária, Mello Jorge et al. 36 mostraram que, do
bre nascimentos vivos. Assim, a avaliação do Sis- ponto de vista quantitativo, de 4.292 DN anali-
tema, por meio de sua cobertura e da fidedigni- sadas, existiram 0,3% de DN “duplas” (existência
dade das informações, tornou-se prioritária. de duas DN para a mesma criança). Por outro
A avaliação quantitativa do SINASC pode ser lado, revelaram que a proporção de partos do-
feita por meio de vários métodos. miciliares pode estar superestimada, visto que
1º) Comparação com os dados do Registro algumas famílias registraram crianças nascidas
Civil: lembrando que entre as finalidades do SI- em hospital como se o evento tivesse ocorrido
NASC estava a de suprir as deficiências do regis- no domicílio, “encobrindo” adoções irregulares.
tro civil, seria de se esperar que o número de 5º) Em municípios com boa cobertura do
nascidos vivos nesse Sistema fosse sempre maior Programa Saúde da Família, os dados do SIAB
do que o registrado e conhecido via IBGE. Mello podem apresentar número mais elevado de nas-
Jorge e Gotlieb14 chamam atenção para o fato de cidos vivos que o SINASC, e, nesse sentido, é pos-
que quando se consideram somente os nascidos sível pensar em complementação da informação37.
652
Mello Jorge, M. H. et al.

Tabela 1
Número de nascidos vivos segundo fonte de informação e ano de registro e razão entre os mesmos, Brasil,
1994/2004.

Registro Civil Razão


Ano SINASC(1) No No ano Nos 3 anos (1/2)(%) 1/(2 + 3) 1/(2 + 4)
ano(2) seguinte (3) seguintes (4) (%) (%)

1994 2.571.571 2.472.325 430.909 800.175 104,0 88,6 78,6


1995 2.824.729 2.357.337 643.583 976.900 119,8 94,1 84,7
1996 2.945.425 2.412.615 500.415 920.954 122,1 101,1 88,4
1997 3.026.658 2.345.074 672.867 1.064.770 129,1 100,3 88,8
1998 3.148.037 2.459.275 562.902 873.051 128,0 104,2 94,5
1999 3.256.433 2.657.613 538.053 801.451 122,5 101,9 94,1
2000 3.206.761 2.611.422 497.502 741.101 122,8 103,2 95,7
2001 3.115.474 2.509.354 527.922 335.523* 124,2 102,6 99,5*
2002 3.059.402 2.581.955 402.275 ... 118,5 102,5 ...
2003 3.038.251 2.814.763 ... ... 107,9 ... ...
2004 3.026.548 ... ... ... ... ... ...

* dois anos
Fontes: SINASC (dados brutos) e IBGE (www.ibge.gov.br)

A avaliação qualitativa diz respeito ao preen- variável de fácil obtenção. Desde o início da im-
chimento da DN, em especial, à mensuração da plantação do SINASC, sua freqüência na moda-
freqüência de informação “ignorada” para cada lidade “ignorada” tem sido bastante baixa30. A
variável analisada. Para efeito deste trabalho, es- escolaridade ignorada vem apresentando valo-
tão aí englobados tanto os casos em que a variá- res elevados, prioritariamente em razão de esse
vel foi preenchida com essa modalidade quanto dado não constar do prontuário hospitalar e re-
aqueles em que não ocorreu seu preenchimento. querer, para o seu preenchimento, a designação
As variáveis de identificação do recém-nasci- de uma pessoa para entrevistar a puérpera. O
do apresentam freqüência bastante baixa de in- valor mais de 30% de informação ignorada, em
formação ignorada, em 2002 e 2003. Verificou-se 1999, deve-se à alteração da forma com que a
que somente o sexo apresentou baixos valores questão vem sendo redigida na DN, quando pas-
durante todo o período (menos de 1%); o peso sou de “grau de instrução” (nenhum, 1º Grau, 2º
ao nascer declinou de 15% em 1994 para valores Grau e superior) para “número de anos estuda-
próximos a 1% e o índice de Apgar que, em me- dos”. Esse procedimento deixa claro o quanto
ados da década de 90, correspondia a mais de mudanças no formulário podem prejudicar não
30%, no início dos anos 2000, apresenta-se me- só o seu entendimento, mas o estudo de séries
nor que 10%. A variável cor, que aparece pela históricas importantes. Quanto ao número de
primeira vez na DN, no modelo de 1996, nesse filhos tidos, tem sido comentado o fato de existir
ano, tem a quase totalidade da informação igno- associação entre a mortalidade perinatal e a pa-
rada, fundamentalmente, em razão da utilização ridade, evidenciando-se maior risco entre as pri-
de modelo antigo de DN. Dois anos mais tarde, a míparas e as grandes multíparas. Dessa forma, o
freqüência de “ignorados” já caíra pela metade e, conhecimento desse dado é bastante importan-
em 1999, já era menor que 30%. A partir do ano te, verificando-se, entretanto, que a freqüência
2000, vem se mantendo ao redor de 12%, nada se de informação ignorada é elevada.
conhecendo, entretanto, sobre sua fidedignida- Quanto às variáveis relativas à gestação e ao
de. Trata-se de variável difícil de ser obtida, além parto, verifica-se que, a partir de 1997, as infor-
de ser coletada de forma diferente do censo, onde mações sobre a duração da gestação, tipo de gra-
a cor é a referida. videz e tipo de parto apresentam valores bastan-
A idade da mãe, importante fator de risco ao te aceitáveis; tal fato se deve a que, sendo a abso-
baixo peso ao nascer e à mortalidade infantil, é luta maioria de nascidos vivos resultado de par-
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Ciência & Saúde Coletiva, 12(3):643-654, 2007


to hospitalar, tais dados não poderiam ser des- res municipais nessa questão e sensibilizá-los e
conhecidos. Relativamente ao número de con- orientá-los quanto ao uso dos dados de mortali-
sultas de pré-natal, que se pretende serem capa- dade e de nascidos vivos na construção de indica-
zes de medir o grau de cobertura do atendimen- dores apropriados, capazes de fornecer subsídios
to de pré-natal, nos serviços de saúde, observa- para análise adequada da situação de saúde, no
se que houve declínio acentuado da “não infor- nível local. Nesse aspecto, considera-se que a RIP-
mação”. Tal fato é decorrente dos esforços envi- SA tenha um papel absolutamente fundamental.
dados pelas SMS. Outro ponto relevante é o de que os gestores
dos sistemas de informação devam aproveitar as
experiências exitosas de várias localidades e pro-
Perspectivas para o futuro mover, sempre que necessário, investigações vi-
sando à melhoria da qualidade dos dados de nas-
Pelo apresentado, não há dúvida de que o cimentos e de mortes. Muitas delas já foram apre-
SIM e o SINASC vêm melhorando acentuada- sentadas em reuniões técnicas, estão publicadas e
mente, quer quanto à cobertura quer quanto à podem servir como modelo para áreas nas quais
qualidade de seus dados, mesmo que, relativa- os problemas ainda se fazem presentes38.
mente à causa básica de morte, a informação Quanto aos avanços permitidos pela tecno-
possa deixar ainda um pouco a desejar. Entre- logia, alguns estudos já revelam a importância
tanto, pode-se afirmar que até essa variável apre- de linkage (pareamento) entre bancos de dados,
sentou, nas duas últimas décadas, indícios de sen- permitindo, na era da informática, “a versão ele-
sível melhora. trônica de um verdadeiro livro da vida”, confor-
Com relação ao futuro, o que se espera é que, me referia Dumm39. Estudos como os de Almei-
nos próximos dez anos, a captação dos eventos da et al.40, Bohland41, Almeida42, Cascão43e Aerts
pelo SIM e pelo SINASC aproxime-se de 100%. et al.44 mostram o ganho da informação com o
Tendo em vista as facilidades no campo da infor- uso desse processo.
mática, o aumento de sua abrangência e a possi- Dessa forma, enfatiza-se que, somente com
bilidade de seu aprimoramento tornam-se mais esforço conjunto de todos os que trabalham no
factíveis. Entretanto, é preciso motivar os gesto- setor, será possível atingir as metas colimadas.

Colaboradores

MHP de Mello Jorge, R Laurenti e SLD Gotlieb


participaram igualmente de todas as etapas da
elaboração do artigo.

Referências

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Artigo aprovado em 14/11/2006
Versão final apresentada em 19/12/2006

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