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está vinculado ao sexo e sim à consciência, ou seja, uma consciência
identificada com o feminino terá seu contraponto masculino no inconsciente.
Para Jung (OC 9/2, §34), quando positivo, a ação do animus é “bastante
poderoso e enche imediatamente a personalidade do sentimento inabalável de
que ela está de posse da justiça e da verdade (...) porque sua origem foi
projetada, e parece fundada consideravelmente em objetos e situações
objetivas”.
No livro “O Homem e Seus Símbolos” (2016), von Franz diz que quando
a mulher está sob o aspecto positivo de seu animus está em comunhão com
seu sagrado.
“Como já assinalamos, o lado positivo do animus pode
personificar um espírito de iniciativa, coragem, honestidade e,
na sua forma mais elevada, de grande profundidade espiritual.
Por meio do animus, a mulher pode tornar-se consciente dos
processos básicos de desenvolvimento da sua posição
objetiva, tanto cultural quanto pessoal, e encontrar, assim, o
seu caminho para uma atitude intensamente espiritual em
relação à vida.”
(2016, von FRANZ, p. 260)
Mas, o lado negativo do animus é complexo e intenso. Diz Jung (OC 9/1,
§223) que o animus “é rígido, cheio de princípios, legalista, dogmático,
reformador do mundo, teórico, emaranhando-se em argumentos, polêmico e
despótico”.
Jung (OC 9/2, §33) afirmava que da mesma forma que a anima se
transforma em um Eros da consciência, mediante a integração, assim também
o animus se transforma em um Logos; da mesma forma que a anima imprime
uma relação e uma polaridade na consciência do homem, o animus confere um
caráter meditativo, uma capacidade de reflexão e conhecimento à consciência
feminina.
Rita permitiu que a polaridade positiva de seu animus ganhasse o
mundo através de suas canções, seus protestos, seu ativismo e consciência
feminista. Ela era a personificação de uma melodia rebelde, livre, sem trela.
Na música Agora só falta você (1975), Rita dá o tom da mulher que se
cansou da rotina e do relacionamento mal resolvido, que resolveu dar uma
virada na forma de levar seus dias. Ao abandonar a vida medíocre, decreta sua
independência e dá impulso à liberdade. Este furor da mulher que se lança a
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ação em busca da libertação, que a faz agir de forma racional (em tudo que eu
faço existe um porquê) são características do animus. Além disso, o enorme
prazer de ser quem se é e de estar onde quiser é um jeito de habitar
confortavelmente a própria pele.
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perdida em si mesma – “não adianta chamar / quando alguém está perdido /
procurando se encontrar”.
OVELHA NEGRA
Em Demian (2022, p. 10), Herman Hesse diz que “a vida de todo ser
humano é um caminho em direção a si-mesmo, a tentativa de um caminho, o
seguir de um simples rastro”.
Jung (OC 9/2, §102) entende que “empiricamente a consciência é
incapaz de abarcar a totalidade, mas é muito provável que a totalidade esteja
presente, inconscientemente, no eu. Isto corresponderia a um estado da mais
alta perfeição ou integralidade”.
Para a Psicologia Analítica o Si-mesmo representa a totalidade e a
integração da psique, num processo ad continuum da busca de sentido e
realização pessoal, da integração dos opostos (luz e sombra, consciência e
inconsciente etc.) e o processo de individuação é a caminhada, ora cadenciada
ora desordenada que conduzimos rumo à completude.
Rita abordou questões feministas em suas letras e posicionamentos.
Suas canções falavam sobre a liberdade e a autonomia feminina, desafiando
os padrões tradicionais impostos às mulheres na sociedade.
Das tantas canções que fazem referência ao feminismo, compôs Pagu
(2000) em parceria com Zelia Duncan, que é um protesto contra a objetificação
do corpo da mulher. É o grito de quem quer ser percebida além da beleza
física, de alguém que vai à luta, realiza e se desdobra. A música faz referência
à mulher cuja força é espiritual e emocional, que simbolicamente morre na
fogueira dos problemas cotidianos, dos julgamentos sociais, das diferenças no
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mercado de trabalho, na criação muitas vezes solitária dos filhos, que vira
carvão por ser queimada nas chamas dos problemas, mas que, mesmo assim,
não perde a capacidade de renascer.
A Pagu homenageada na canção foi Patrícia Galvão, escritora, jornalista,
poetisa, tradutora, diretora de teatro e militante política, que teve uma vida
marcada pela rebeldia e pela busca à liberdade, que buscou romper com as
normas sociais impostas. Sua vida e a obra deixaram um legado importante
para o feminismo e à luta pelos direitos das mulheres. Pagu desafiou as
normas e rompeu com os estereótipos, tornando-se uma referência para outras
mulheres que buscavam autonomia e liberdade.
PAGU
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Por isso, não provoque
(Refrão)
MANIA DE VOCÊ
Como diz lindamente Pablo Neruda (2013), o amor entre Rita e Roberto
foi “como se amam certas coisas obscuras, secretamente, entre a sombra e a
alma”.
Um amor que não se sabe amar de outra maneira, que não se sabe
como, nem quando, nem onde. Um amor com troca e entrega, que gerou três
filhos e muitas músicas imortalizadas.
Para Jung há uma dinâmica projetiva dos arquétipos da anima e animus
nos relacionamentos. Ele diz:
(...) tanto a anima como o animus se caracterizam por uma
versatilidade enorme. No matrimônio é sempre o envolvido que
projeta tal imagem no envolvente, enquanto este último é capaz
de projetar apenas em parte essa imagem no outro conjugue.
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Quanto mais simples e unívoco for o envolvido, tanto menos
conseguirá o outro efetuar sua projeção. (OC 17, §339 – grifos meus)
DESCULPE O AUÊ
Desculpe o auê
Eu não queria magoar você
Foi ciúme sim
Fiz greve de fome, guerrilhas, motins
Perdi a cabeça, esqueça
Da próxima vez eu me mando
Que se dane meu jeito inseguro
Nosso amor vale tanto
Por você vou roubar os anéis de Saturno
Jung (OC 7/2, §334) afirma que “do mesmo modo que a anima, o
animus é um amante ciumento, pronto para substituir um homem de carne e
osso por uma opinião sobre ele, opinião cujos fundamentos duvidosos nunca
são submetidos à crítica”.
O amor maduro e a responsabilidade afetiva passa pelo reconhecimento
dos erros. E nesta canção, há um pedido de desculpas pelo excesso cometido
e pelo desrespeito ao outro. O próprio Jung (OC 17, §219) reconhece que “o
problema do amor faz parte dos grandes sofrimentos da humanidade; ninguém
deveria envergonhar-se pelo fato de ter também de pagar o seu tributo”.
Se no sistema capitalista temos um “multiverso”, Rita é a personificação
dos “multi-versos”. Ela é tão poética e plural que suas facetas precisarão de
tantas outras palavras expressas em novos textos.
Com seus acordes dissidentes, buscou a liberdade, desafiou as
convenções e desafinou a normalidade sem perder a doçura e a capacidade de
amar.
Ela empoderou as mulheres, amou os homens, riu das convenções
sociais, sempre com inteligência, ousadia e afeto.
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Como ela mesma antecipou, é difícil “ser humano nessas horas de
partida”. Mas, mesmo sabendo que cedo ou tarde ela nos deixaria, nos
conforta ao dizer que “são coisas da vida”.
Nas dissonâncias que ecoam, sua voz e poesia ecoarão para sempre.
Referências
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