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Mello Filho, Júlio (coordenador); Psicossomática hoje; Porto Alegre; Artes Médicas, 1992.
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Freyre, Gilberto de Mello (Recife, 15 de março de 1900 — Recife, 18 de julho de 1987) foi um polímata brasileiro. Como escritor,
dedicou-se à ensaística da interpretação do Brasil sob ângulos da sociologia, antropologia e história. Foi também autor de
ficção, jornalista, poeta e pintor.
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É importante ampliarmos a nossa capacidade de entendimento sobre o
comportamento dos indivíduos no que eles são influenciados socialmente. Esta
influência histórico-social se faz de acordo com o grupo social ao qual eles
pertencem, e que reforçará ou punirá os seus comportamentos. As emoções, ainda
que sejam respostas universais de um organismo, submetem-se às influências
sociais” (Lane, 1986). Assim, aquilo que nos entristece ou nos alegra decorre da
visão de mundo que se adquire através do contato social. Na verdade, todo
fenômeno humano é um fenômeno social, como também a ordem social existe
unicamente como produto da atividade humana.
Para Jung (2006, p.43) “não chegaremos a compreender a psicologia do ser
humano, enquanto a considerarmos apenas como assunto subjetivo do indivíduo,
pois o mais importante é seu caráter de relacionamento com os outros.”
Desenvolvimento orgânicos significativos se completam após o nascimento
do bebê. Por conseguinte, o organismo humano desenvolveu-se em interação com
o seu ambiente social (grupo no qual se insere) e assim muitas funções orgânicas
são fortemente influenciadas e serão determinadas socialmente. O ser humano está
em constante movimento e a todo momento surgem situações que exigem dele uma
solução. Este continuo movimentar-se é determinado, em parte, pelo conjunto das
necessidades inconscientes e pelas exigências da cultura. Um bom exemplo disso
é o trabalho, que pode ser fonte de satisfação e criador de condições para a
satisfação de necessidades (inclusive instintivas).
Este continuo movimentar-se, para buscar satisfação, é em geral movido por
emoções (muitas vezes inconscientes); disso decorre a criação de situações de
novo surge a necessidade de se obter soluções, o que gera a ação.
A linguagem surge como algo que medeia a ação. Por um lado, ela tem um
caráter instrumental, na medida em que expressa ao outro uma comunicação, e por
outro lado, um conteúdo ideológico cultural que está a ela vinculado.
A emoção busca a expressão (por meio da linguagem) para solucionar o
estado de necessidade e obter a satisfação.
No entanto, se esse processo for total ou parcialmente bloqueado, em geral,
este bloqueio é de origem ideológica e cultural, má solução não é adequada, a ação
mostra-se comprometida e a emoção fica contida, o que implica que a manifestação
da emoção, então, faz-se de forma indireta e/ou simbólica. Aproximando-se dos
conceitos de somatização e conversão.
É fundamental a insistência de se levar em consideração a totalidade do ser
humano e das circunstâncias que o rodeiam para termos uma compreensão mais
ampla dos processos de adoecer. A totalidade surge quando se leva em conta a
pessoa, o doente e não a doença. Daí a tendência atual da psicossomática de
compreender os processos de adoecer, não como um evento casual na vida de uma
pessoa, mas sim representando a resposta de um sistema, de uma pessoa que vive
em sociedade. De uma pessoa que nessa sociedade vive em relação recíproca com
outros sistemas, inclusive outras pessoas, e que é parte ativa de uma microestrutura
familiar inserida na macroestrutura social e cultural, situada em determinado
ambiente físico e que procura resolver, do melhor modo possível, os problemas da
sua existência no mundo (Pontes). O estudo e a compreensão da biografia do
indivíduo nos permite perceber que os fenômenos humanos têm sempre uma
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motivação nada acontecendo por acaso. Assim, o processo de adoecer deixa de
ser um evento casual e passa a ser integrado a biografia. Para Magaldi3:
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Magaldi Filho, Waldemar. Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia,
Mestre e Doutor em Psicologia da Religião.
4 Símbolos, a palavra significa juntar; reunir; reencontro de forças contrárias; lançar juntos; revelando uma síntese, uma união ou ligação
de forças ou aspectos opostos de uma mesma coisa. (MAGALDI, 2009, p. 103)
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Fernandes Pontes: Médico, gastroenterologista, participante a Associação Brasileira de Medicina
Psicossomática "somente" surgiria em 1964, tendo o Prof. Pontes como um de seus fundadores e, em
momento posterior, seu Presidente.
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(vômitos, síndrome hipostênica, diarreia, prisão de ventre, discinesias); do aparelho
respiratório (asma, bronquite); do aparelho genitourinário (discursiva, cólica
pielouretral, dismenorreia, polaciúria, vaginismo, taquiespermia); do aparelho
circulatório (hipertensão arterial diastólica, enxaqueca, cefaleia de tensão); de pele
(neurodermites, eczemas, pruridos) e de outros órgãos e aparelhos. A disfunção,
quando secretora, manifesta-se não só na produção de muco, mas também na
produção de secreções enfocarias, na produção de hormônios do aparelho
digestivo, secreção gástrica, pancreática, biliar e entérica. A disfunção da irrigação
sanguínea nos órgãos, exerce importante papel na determinação de processos
agudos e crônicos e na, dependência da intensidade, da repetição e da duração
deles, pode ocasionar a diminuição da resistência da mucosa a outros agentes
agressivos, surgindo hemorragias e ulcerações de extensão e profundidade
variáveis. As alterações destas três funções parciais ocorrem em combinações
múltiplas, ao sabor das mais variadas situações de vida, ligadas a sentimentos de
raiva (hostilidade), medo, dor (mal-estar), fome, humilhação, depressão,
desesperança, desalento, tristeza e melancolia. E as suas expressões na clínica
são as mais variadas”.
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Seyle, Hans. Húngaro (26 de janeiro de 1907 - 16 de outubro de 1982), era um austríaco-canadense pioneiro endocrinologista. Ele
realizou muitos trabalhos científicos importantes sobre a resposta não específica hipotético de um organismo para estressores. Selye era
consciente dos muitos aspectos dos glicocorticoides no seu papel da resposta ao estresse. Alguns comentaristas consideram-no o primeiro
a demonstrar a existência de estresse biológico .
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A) aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, para permitir que o sangue
circule mais rapidamente e portanto, cheguem aos tecidos mais oxigênio e
nutrientes;
B) contração do baço, levando mais glóbulos vermelhos à corrente sanguínea,
acarretando mais oxigênio para o organismo;
C) o fígado libera açúcar armazenado na corrente sanguínea para que seja utilizado
como alimento e, consequentemente, mais energia para os músculos e cérebro;
D) redistribuição sanguínea, diminuindo o fluxo para a pele e vísceras, aumentando
para músculo e cérebro;
E) aumento da frequência respiratória e dilatação dos brônquios, para que o
organismo possa captar e receber mais oxigênio;
F) dilatação pupilar com exoftalmia, para aumentar a eficiência visual;
G) aumento do número de linfócitos na corrente sanguínea, reparar possíveis danos
aos tecidos.
Tais reações são desencadeadas por descargas adrenérgicas da medula da
supera-renal e de noradrenalina em fibras pós-ganglionares. Paralelamente, é
acionado o eixo hipotálamo-hipófise-supera renal que desencadeia respostas mais
lentas e prolongadas e que desempenha um papel crucial na adaptação do
organismo ao estresse a que está sendo submetido. O estímulo agudo provoca a
secreção no hipotálamo do hormônio corticotrophin releasing hormônio, que por sua
vez determina a liberação de ACTH da adeno-hipófise, além de outros neuro
hormônios e peptídeos cerebrais, como as beta-endorfinas (que atuam sobre o
componente doloroso do estresse), STH, protactínio, etc. O ACTH desencadeia a
síntese e a secreção de glicorticoides pelo córtex da supera-renal. Estabelece-se
então um mecanismo de feedback negativo com os glicorticoides atuando sobre o
eixo hipotálamo- hipofisário. Essas reações são mediadas pelo sistema diencéfalo-
hipofisário, visto que não surgem em animais de experimentação que tiveram a
hipófise ou parte do diencéfalo destruídos. Se os agentes estressantes
desaparecem, tais reações tenderá regredir no entanto, se o organismo é obrigado
a manter seu esforço de adaptação, entra em uma nova fase, que é chamada Fase
de Resistência, que se caracteriza basicamente pela reação de hiperatividade
cortico-supra-renal, sob mediação diencéfalo-hipofisário, com aumento do córtex da
supra-renal, atrofia do baço e de estruturas linfáticas, leucocitose, diminuição de
eosinófilos e ulcerações.
Se os estímulos estressores continuarem a agir, ou se tornarem crônicos e
repetitivos, a resposta basicamente se mantém, mas com duas características:
diminuição da amplitude e antecipação das respostas. Poderá ainda haver falha nos
mecanismos de defesa, mas com desencadeamento da terceira fase, que é a de
Exaustão, com retorno à Fase de Alarme, dificuldade na manutenção de
mecanismos de adaptação, perda de reservas e morte (Seyle, 1965 e 1947;
Rodrigues, 1989a; Melo Filho,1983; Pontes, 1987; Granboulan, 1988).
As reações de estresse resultam, pois, dos esforços de adaptação. No
entanto, se a reação ao agressor for muito intensa ou se o agente do estresse for
muito potente e/ou prolongado, poderá haver, como consequência, doença ou maior
predisposição ao desenvolvimento de doença. Pois a reação protetora sistêmica
desencadeada pelo estresse pode ir além da sua finalidade e dar lugar a efeitos
indesejáveis. É oportuno lembrarmos mais uma vez Levi (2010, p. 118): “o ser
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humano é capaz de adaptar-se ao meio ambiente desfavorável, mas esta adaptação
não ocorre impunemente. O perigo parece ser maio nas situações em que a energia
mobilizada pelo estresse psicoemocional não pode ser consumida. Aliás, Seyle
(2010, p. 118)) nos lembra que as doenças de adaptação são consequências do
excesso de hostilidade ou de excesso de reações de submissão. Além disso, a
possibilidade de que o organismo contenha memória afetiva (sistema límbico,
hipotálamo conectados com o córtex) de situações de estresse anteriores, perpetua
o potencial nocivo (Granboulan, 1988).
Podemos comprovar nas doenças em que aparece um componente de
esforço de adaptação, como, por exemplo, nas úlceras digestivas, nas úlceras
digestivas, nas alterações dispépticas, crises hemorroidárias, alterações da pressão
arterial (ditas acidentais), alterações na parede dos vasos sanguíneos, alguns tipos
de doenças renais, alterações inflamatórias do aparelho gastrintestinal, diversas
afecções dermatológicas, alterações metabólicas várias, manifestações alérgicas,
artrites reumáticas e reumatoides, perturbações sexuais, comprometimento do
sistema imunológico e algumas alterações tiroidianas.
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conteúdos reprimidos. Para tentar entender o inconsciente, Jung elaborou a técnica
de associações de palavras, a técnica sugere uma palavra estímulo que toca um
tópico inconsciente e evidencia um complexo. Uma característica do inconsciente
pessoal é a possibilidade de reunião de conteúdos para formar um aglomerado ou
constelação. Jung deu-lhe o nome de complexos. Estes são autônomos, possuem
a força propulsora própria, e podem atuar de modo intenso no controle de nossos
pensamentos e comportamentos. Quando uma pessoa tem um complexo vive tão
intensamente preocupada com um fato que dificilmente consegue pensar em outro,
um forte complexo é facilmente percebido por outras pessoas, embora quem o
vivencia não o perceba. O complexo não tem que ser necessariamente um
obstáculo ao ajustamento de uma pessoa, ele também pode ser fonte de inspiração
e de impulso, essencial para uma realização digna de nota. É usual considerar que
os complexos são pessoais, a maioria dos complexos é gerada na própria história
específica da vida de uma pessoa e pertence estritamente ao indivíduo. Para Jung
ao lado do inconsciente pessoal há outros conteúdos que provem, não só de
aquisições pessoais, mas das possibilidade herdadas do funcionamento psíquico
em geral da estrutura central herdada. São essas as conexões mitológicas, os
motivos e imagens, que e em todo lugar podem nascer sem tradição histórica ou
migração, chamado de inconsciente coletivo.
O Inconsciente coletivo é de origem anterior ao pessoal e engloba todos os
conteúdos da experiência psíquica humana. Jung (in HALL, 2005, p.32) diz que do
mesmo modo que o corpo humano apresenta uma anatomia comum, sempre a
mesma, apesar de todas as diferenças raciais, assim também a psique possui um
substrato comum. O inconsciente coletivo é um reservatório de imagens latentes
em geral denominadas imagens primordiais por Jung. O homem herda tais imagens
do passado ancestral, passado que inclui antepassados humanos, bem como os
antecessores humanos, bem como os antecessores pré-humanos ou animais.
Estas imagens étnicas não são herdadas no sentido de uma pessoa lembrar-se
delas conscientemente, ou de ter visões com os antepassados. São antes
predisposições ou potencialidades no experimentar e no responder ao mundo tal
como os antepassados. Os conteúdos do inconsciente coletivo estimulam um
padrão pré-formado de comportamento pessoal que o indivíduo seguirá desde o dia
do nascimento. Esta imagem virtual transforma-se em realidade consciente ao
identificar-se com os objetos que lhe são correspondentes. Por exemplo: quando
existe no inconsciente coletivo uma imagem virtual da mãe, tal imagem expressar-
se-á logo que a criancinha perceber e reagir à mãe verdadeira ou ao cuidador desta
criança. De modo que os conteúdos do inconsciente coletivo são responsáveis pela
seletividade da percepção e da ação. Quanto maior o número de experiências, mais
numerosas as probabilidades de as imagens latentes tornarem-se manifestas. Eis
porque um ambiente rico e muitas oportunidades de experimentação, criatividade e
aprendizado fazem-se necessários para a individuação.
Os conteúdos do inconsciente coletivo denominam-se arquétipos. A palavra
arquétipo significa um modelo original que conforma um protótipo. Constituem
sedimentos de experiência constantemente revividos pela humanidade.
Os Arquétipos são as formas típicas de conceber, vivenciar e reagir, da maneira de
se comportar e de sofrer, retratos da própria vida. Os arquétipos são universais, isto
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é, todos herdam as mesmas imagens arquetípicas básicas. O arquétipo constitui o
núcleo de um complexo, ele atrai para si experiências significativas a fim de formar
um complexo. Tendo-se tornado suficientemente forte através da adição de
experiências, o complexo pode chegar à consciência. Somente na medida em que
se constitui centro de um complexo bem desenvolvido é que o arquétipo pode ter
uma expressão na consciência e no comportamento. Alguns arquétipos têm uma
importância tão grande na formação da personalidade e do comportamento do ser
humano que Jung dedicou-lhes uma especial atenção. São os arquétipos de
persona, anima e animus, sombra e o self.
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No entanto, Jung ressalta que a divisão entre fatores físicos e psíquicos se
aplicam mais numa compreensão teórica dos acontecimentos. O olhar empírico
sinaliza que, de tão intima que se configura essa relação, podemos entender a
psique e o soma como um fator uniforme, correspondente à totalidade do indivíduo
(2008, p.170).
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A neurose é caracterizada por uma dissociação moderada da personalidade
devido a um estado de desunião consigo mesmo. É sintoma de desajustamento e
de conflito, gerando, simultaneamente, crises, ativação de complexos autônomos e
possibilidade de crescimento evolucionai, por meio da integração consciente dos
conteúdos que se tornaram dissociados. (MAGALDI, 2009, p. 23)
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A humanidade experimentou, inúmeras vezes, tanto individualmente quanto
coletivamente, que a consciência individual significa separação e inimizade. No
indivíduo, o tempo de dissociação é tempo de doença, o mesmo acontecendo na
vida dos povos. Não podemos negar que a nossa época é um tempo de dissociação
de doença. As condições políticas e sociais, a fragmentação religiosa e filosófica, a
arte e psicologia modernas tudo dá a entender a mesma coisa. Será que existe
alguém, mesmo tendo só um pouquinho de sentimento de responsabilidade, que se
sinta bem com este estado de coisas? Se formos honestos temos que reconhecer
que ninguém mais se sente totalmente bem no mundo atual; aliás, o mal estar vai
aumentando. A palavra crise também é expressão médica que sempre designa
clímax perigoso de doença. (JUNG, 2012, p.151)
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complexos de grande envergadura compreendem em si inúmeras enervações
corporais e, por outro lado, os afetos fortes constelam um grande número de
associações, graças ao estímulo poderoso e persistente que provocam no corpo.
Normalmente, os afetos podem durar por tempo indeterminado (distúrbios gástricos
e cardíacos, insônias, tremedeiras, etc.). Mas vão morrendo aos poucos,
desaparecendo da consciência as ideias do complexo, que passarão a se
manifestar de vez em quando, nos sonhos através de alusões disfarçadas. ( 1986,
p.35).
Quando pensamos na cura sabemos que ela, como diz Magaldi (2009, p. 137)
“representa, simbolicamente, a conquista da integralidade humana, a consistência
do ego com o Self rumo ao caminho da individuação. Psicologicamente podemos
afirmar que a cura é diretamente proporcional a um estado de consistência no qual
o ego pode lidar de forma flexível, estruturante e integral com toda potencialidade
simbólica e diversidade da vida.
Referências
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4. MAGALDI FILHO, Waldemar. Dinheiro, saúde e sagrado: interfaces culturais,
econômicas e religiosas à luz da psicologia analítica. São Paulo. Ed. Eleva
Cultural, 2009.
5. MELLO-FILHO, Julio de. Psicossomática hoje. Porto Alegre, Ed. Artmed,
2010.
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