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BRASILEIRA
PRIMEIRA INFÂNCIA
Ano 3, n. 4, 2022
TRIAGEM NEONATAL/
TESTE DO PEZINHO NO
BRASIL E NO MUNDO
Marcelo Ferraz de Oliveira Souto
Consultor legislativo da Câmara dos Deputados na área XVI (saúde pública e sanitarismo). Médico (UFMG).
Mestre em Ciências da Saúde (UFMG).
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1 Introdução
A triagem neonatal tem como objetivo a detecção precoce de doenças cujo qua-
dro clínico não se manifesta necessariamente nos primeiros dias ou meses de vida, e
que podem evoluir com sequelas se não tratadas no momento ideal. Ou seja, as anor-
malidades escolhidas para essa testagem costumam não ter sintomas precoces, mas
podem ter consequências clínicas se não tratadas.
Desta forma, a ideia é estabelecer uma suspeita logo após o nascimento, prosse-
guir com exames mais detalhados e consulta com especialistas, para iniciar o trata-
mento o quanto antes possível.
Para uma doença ser incluída na lista de rastreamento, alguns requisitos de-
veriam ser cumpridos, especialmente ao considerar que há um limite de recursos
financeiros e humanos para aplicação no Programa Nacional de Triagem Neonatal.
Em primeiro lugar, deve haver benefício com o diagnóstico precoce, o que descar-
taria os distúrbios sem nenhum tratamento possível, ou aqueles que não levam a
sequelas irreversíveis se houver um pequeno atraso na confirmação. Em segundo
lugar, o custo-efetividade da triagem precisa ser avaliado, já que alguns testes mais
especializados são de alto custo, ao mesmo tempo que buscam por doenças raríssi-
mas. O desejo de todos deveria ser uma abordagem ampla, de centenas ou milha-
res de anormalidades; no entanto, os recursos financeiros precisam ser distribuídos
também nas medidas de assistência à saúde, entre outras.
O terceiro aspecto a ser avaliado é se existe um teste confiável para a detecção
daquela alteração. Se os testes disponíveis não são competentes, a inclusão no pro-
grama geraria falsos positivos ou falsos negativos, não cumprindo o objetivo princi-
pal. O quarto critério é a existência de um sistema satisfatório para tratar dos casos
detectados. Ou seja, não adianta testar uma doença, se o sistema de saúde não é
capaz de confirmar o diagnóstico, fazer o aconselhamento, tratar e acompanhar a
criança (INTERNATIONAL SOCIETY FOR NEONATAL SCREENING, 2021).
Esse rastreamento neonatal não se confunde, mas complementa, os exames
pré-natais, os quais buscam alterações na saúde materna e fetal que poderiam preju-
dicar o processo gestacional ou a vida da mãe e do bebê. Da mesma forma, o exame
médico do recém-nascido também é um tipo de triagem de doenças, mas da modali-
dade clínica.
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1 “Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e parti-
culares, são obrigados a: [...] III – proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anor-
malidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais.”
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aprovadas leis semelhantes em São Paulo (capital), Paraíba, Rio Grande do Sul e
Minas Gerais, todas recentes, sancionadas a partir de 2019.
Fonte: Datasus/Tabnet/CNES.
Ainda que os dados não estejam completos, já que o cadastro tem suas deficiên-
cias, a baixa quantidade e desigualdade de acesso a estes especialistas são evidências
preocupantes.
Portanto, o país ainda enfrenta dificuldades em universalizar o acesso ade-
quado ao PNTN, devido a aspectos como falta de informação, dificuldades logísticas,
falta de laboratórios qualificados e credenciados, assim como a escassez de médicos
especialistas em genética.
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5.4 Europa
Dos mais de 130 milhões de bebês nascidos anualmente no mundo, quase a me-
tade nasce na Ásia e na Oceania. O rastreamento neonatal tem crescido nessas re-
giões, porém ainda sem ter alcançado um elevado percentual de cobertura.
A Índia, por exemplo, país com o maior número de nascimentos no planeta,
ainda não priorizou suficientemente a triagem como política pública, levando a uma
cobertura menor que 1% (THERRELL et al., 2015). Situação semelhante ocorre em
Bangladesh, Indonésia e Paquistão, nações que também estão entre as cinco mais po-
pulosas da região.
A China se destaca por ter avançado muito no rastreamento neonatal de doen-
ças. País mais populoso, e com o segundo maior número de nascimentos no mundo,
tem uma cobertura acima de 85%, embora com estratégia dividida entre teste do pe-
zinho e coleta de sangue do cordão umbilical (THERRELL et al., 2015).
I – etapa 1:
a) fenilcetonúria e outras hiperfenilalaninemias;
b) hipotireoidismo congênito;
c) doença falciforme e outras hemoglobinopatias;
d) fibrose cística;
e) hiperplasia adrenal congênita;
f) deficiência de biotinidase;
g) toxoplasmose congênita;
II – etapa 2:
a) galactosemias;
b) aminoacidopatias;
c) distúrbios do ciclo da ureia;
d) distúrbios da betaoxidação dos ácidos graxos;
III – etapa 3: doenças lisossômicas;
IV – etapa 4: imunodeficiências primárias;
V – etapa 5: atrofia muscular espinhal.
§ 2º A delimitação de doenças a serem rastreadas pelo teste do pezinho, no
âmbito do PNTN, será revisada periodicamente, com base em evidências cien-
tíficas, considerados os benefícios do rastreamento, do diagnóstico e do trata-
mento precoce, priorizando as doenças com maior prevalência no País, com
protocolo de tratamento aprovado e com tratamento incorporado no Sistema
Único de Saúde.
§ 3º O rol de doenças constante do § 1º deste artigo poderá ser expandido pelo
poder público com base nos critérios estabelecidos no § 2º deste artigo.
§ 4º Durante os atendimentos de pré-natal e de puerpério imediato, os profissio-
nais de saúde devem informar a gestante e os acompanhantes sobre a impor-
tância do teste do pezinho e sobre as eventuais diferenças existentes entre as
modalidades oferecidas no Sistema Único de Saúde e na rede privada de saúde.
Portanto, o PNTN passou a ser uma política prevista em lei, com progressão
prevista, cabendo ao Ministério da Saúde organizar o aperfeiçoamento. Ademais,
determinou-se a obrigação de informação para a gestante e acompanhantes a
respeito da importância do teste do pezinho e quanto a eventuais diferenças exis-
tentes entre a lista rastreada no SUS e a disponível na saúde privada.
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7 Conclusão
Referências
BOTLER, J.; et al. Triagem neonatal – o desafio de uma cobertura universal e efetiva.
Ciência & Saúde Coletiva, 15(2):493-508, 2010.
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BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.324, de 1991. Torna obrigatório o
diagnóstico precoce, nos casos que especifica, em crianças nascidas nas maternidades
e casas hospitalares integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS. Brasília: Câmara
dos Deputados, 1991. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/
fichadetramitacao?idProposicao=202293>. Acesso em: 15 maio 2021.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 5.043, de 2020. Altera a Lei nº 8.069,
de 13 de julho de 1990, para dispor sobre o teste do pezinho ampliado. Brasília: Câmara
dos Deputados, 2020. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/
fichadetramitacao?idProposicao=2264712>. Acesso em: 15 maio 2021.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 5.985, de 2009. Altera dispositivo
da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para
obrigar a realização da triagem neonatal completa realizada em recém-nascidos.
Brasília: Câmara dos Deputados, 2009. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/
proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=448491>. Acesso em: 15 maio 2021.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 6.197, de 2005. Incluir, no Teste do
Pezinho, o diagnóstico da Deficiência da Biotinidase em todas as Unidades Neonatais
pertencentes ou conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Câmara dos
Deputados, 2005. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/
fichadetramitacao?idProposicao=306556>. Acesso em: 15 maio 2021.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 7.374, de 2014. Dispõe sobre
mecanismos para auxiliar o atendimento e garantir o tratamento de crianças
especiais portadoras de doenças de Erro Inato do Metabolismo – EIM e dá outras
providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2014. Disponível em: <https://www.
camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=611493>. Acesso
em: 15 maio 2021.
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International Society for Neonatal Screening (ISNS). ISNS General Guidelines for
Neonatal Screening. Disponível em: <https://www.isns-neoscreening.org/isns-
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