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INTRODUÇÃO
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Para mais informações sobre o grupo ver: HTTP://geografiahumanista.wordpress.com
pertencimento e que são esteados sobre o lugar (este, que é a relação mais intima entre
homem e porção do espaço) surgem a partir da vivência do espaço. E é a Geografia
Humanista, de orientação fenomenológica, que vem lidando com essa temática,
desenvolvendo teoria, método e pesquisas empíricas referentes à vivência e experiência
espacial2. Dessa forma, esta perspectiva da Geografia pode contribuir fortemente para a
compreensão desses territórios que, nesse trabalho, serão chamados de territórios
vividos. No entanto, apesar da contribuição possível da Geografia com abordagem
fenomenológica, constatamos estar presente nas bibliografias dos trabalhos já realizados
acerca de territórios vividos apenas um autor que faça uma relação explícita entre esse
tipo de território e a abordagem fenomenológica: o professor Werther Holzer (um dos
expoentes da Geografia Humanista no país), no artigo “Uma discussão fenomenológica
sobre os conceitos de paisagem e lugar, território e meio ambiente” (HOLZER, 1997).
Assim, surge a questão: não existe, para além da geografia brasileira, geógrafos
que propuseram uma reflexão epistemológica mais sistemática acerca de territórios
vividos? Há geógrafos que já vem desenvolvendo de forma mais detalhada a abordagem
fenomenológica do território? Assim, buscando vencer essas questões, continuamos a
pesquisa, empreendendo um primeiro levantamento em bibliografia internacional
(principalmente livros e artigos em periódicos de destaque), referente a território do
ponto de vista humanista e fenomenológico, cujo resultado parcial, apresentamos aqui.
Este texto segue discutindo sobre a produção de dois coletivos de geógrafos que
apresentaram maior destaque nas buscas, o anglófono e o francófono; e se encerra
apontando os caminhos possíveis para ampliar e aprofundar a discussão epistemológica
da Geografia Humanista no Brasil, particularmente, em relação a uma das principais
categorias geográficas – o território.
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Para uma discussão mais detalhada da contribuição da Fenomenologia para compreensão dos territórios
vividos, ver De Paula (2011).
Iniciamos o levantamento bibliográfico, em literatura estrangeira, buscando
trabalhos em que os territórios fossem pensados fenomenologicamente. Esse primeiro
levantamento cobriu três frentes: (1) precursores e expoentes da Geografia Humanista,
assim como, grupos de pesquisas associados a eles (Anne Buttimer, Edward Relph,
David Lowenthal e Yi-Fu Tuan); (2) coletâneas de livros associados à Geografia
Humanista Cultural (notadamente, os livros lançados pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa
sobre Espaço e Cultura – NEPEC); (3) sítios de plataformas com periódicos de
Geografia em, inglês, espanhol e francês. Neste levantamento, não foram encontrados
trabalhos que abordassem fenomenologicamente o território.
Como uma outra estratégia, ampliamos o levantamento para abarcar outros
textos (além dos já difundidos no Brasil) que trabalhassem com territórios vividos3,
esperando que pudessem revelar a influencia ou não de uma reflexão fenomenológica,
mesmo que o autor do trabalho não se aliasse, necessariamente, a essa linha de pesquisa.
Embora esse levantamento também não tenha revelado, diretamente, trabalhos
específicos relacionando território e fenomenologia, foram encontrados artigos
discutindo territórios vividos em dois coletivos de geógrafos: os anglófonos e os
francófonos, sistematizando a produção referente ao território em dois coletivos. Nos
próximos dois subitens, apresentamos mais especificamente o que foi encontrado sobre
esses dois coletivos.
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Os critérios para selecionar o trabalho como referente à território vivido foram, principalmente: serem
territórios de indivíduos ou pequenos grupos e/ou de poder não institucionalizado.
Na discussão sobre territorialidade humana, Gold (1982) mostra que haveria
duas escolas: aquela que defende que a territorialidade humana é análoga à
territorialidade animal; e a segunda defendendo que as territorialidades animal e
humana se diferenciam na medida em que, na ultima, “[...] territoriality represents a
culturally derived and transmitted answer to particular human problems, not the blind
operation of instinct” (GOLD, 1982, p. 48). Dos poucos estudos, em língua inglesa,
encontrados no levantamento realizado, observa-se que a discussão acerca de territórios,
de sua vivência, dos mecanismos manutenção e defesa dos territórios, acompanham as
discussões sobre comportamento espacial humano (ainda que não as aprofunde) e sua
relação com a cultura.
Por exemplo: no artigo “Urban grafitti as territorial makers” de Ley e
Cybriwsky (1974); no artigo “Home: as territorial core” de Porteous (1976); e o
reasearch paper da Association of American Geografphers de Edward Soja (1971);
observa-se discussões relacionadas a territórios de indivíduos ou pequenos grupos,
levantando o papel da cultura nesses territórios e identificando agentes da
territorialização, configuração dos territórios e estratégias de territorilização, criação e
manutenção do poder e dos limites. O conceito-chave desses trabalhos é behaviorismo;
em outras palavras, os territórios oriundos da vivência são compreendidos enquanto
fruto do comportamento humano o qual é pensado a partir das teorias behavioristas
(levantando discussões sobre paralelos e divergências entre território humano e
território animal), como o artigo de Gold (1982) destaca.
No que diz respeito à abordagem e/ou reflexão fenomenológica, encontramos
nos artigos de Ley e Cybriwsky (1974), de Porteous (1976) e de Gold (1982),
referências a geógrafos precursores da abordagem fenomenológica (Yi-Fu Tuan e Anne
Buttimer) para embasar argumentos concernentes à vivência do lugar. Também
aparecem reflexões fenomenológicas do filósofo Gaston Bachelard, desenvolvidas no
livro “A poética do espaço”. Observamos que nestas discussões anglófonas sobre
territorialidade humana, a utilização de reflexões de cunho fenomenológico acontecem
por conta dessa corrente de pensamento apresentar pontos de interesse em comum com
a noção de comportamento humano espacial: a escala abordada (indivíduos e pequenos
grupos) e o tema abordado (a experiência dos indivíduos, a vivência e, dentro desta, a
constituição de territórios).
Embora haja pontos de contato entre as discussões do comportamento espacial
humano, território e fenomenologia, não foi encontrado ainda nenhum trabalho que
aprofunde essas relações. Mesmo, verificou-se (até o momento) que a discussão sobre
comportamento espacial humano não tem sido desenvolvida nas ultimas décadas.
No entanto, se na literatura anglófona, são poucas a possibilidade de encontrar
estudos mais aprofundados do território a partir da fenomenologia, acontece o contrário
na literatura francesa. Acreditamos que isso se deve, sobretudo, pelo fato do território
ter adquirido grande importância na Geografia francesa em geral – estando menos
restrito às discussões de Estado-Nação. Sobre territórios vividos, nesse coletivo de
geógrafos, já são bastante conhecidos os trabalhos de Joel Bonnemaison; no entanto, a
discussão sobre território com base na vivência do espaço não se restringe a esse
geógrafo. No próximo subitem, detalhamos melhor os autores que pensam território a
partir da fenomenologia.
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Ver Debarbieux (1998).
trabalho deste geógrafo. Essa influência é observável na forma como o “habitar” e a
“quadratura” heideggerianos estão presentes na compreensão de território de Gervais-
Lambony (apud GIRAUT, 2008, p. 60) nessa passagem:
Le territoire paradigmatique est l’habiter par excellence, c’est à dire la
double inscription au monde, verticale (mise en relation avec la terre
et le ciel « être au monde ») et horizontale (relation avec les autres,
être à la société humaine).[...] La territorialité n’est pas ce discours qui
est d’ordre culturel, elle est inscription individuelle immédiate au
monde.»
PORTEOUS, Douglas. Home: the territorial core. Geographical Review, vol. 66, n. 4,
pp. 383-390, out. 1976.