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Levante

Carta de Felicíssimo José Victorino de Souza informando a prisão dos negros quilombolas
Geremias, Aleixo, João, Pedro e Domingos, acusados de vários roubos e mortes, incluindo
de um soldado. Segundo o documento, os assassinatos ocorreram a mando do negro
Joaquim, considerado “rei” no quilombo, que também foi morto pelos prisioneiros. As
agitações causadas por negros insurretos e quilombolas marcaram o período colonial
deixando registrado em documentos como este, a violência do confronto entre brancos e
negros, bem como a necessidade de que fossem aplicadas punições severas e exemplares.

Data do documento: 12 de outubro de 1805


Local: Cabo Frio

“Pelo Alferes de granadeiros do regimento do meu comando, João de Souza Braga, remeto
presos os negros aquilombados[1], que constam da relação, que ponho na respeitável
presença de V.Ex.ª, os quais foram uns presos, na ocasião em que roubaram
no engenho[2] do capitão Antonio Gonçalves, e outros em um distante quilombo[3], no
qual se levantaram com armas de fogo, por cuja causa mataram os soldados um negro, que
dizem ser da viúva d. Teresa Gonçalves; e o mesmo levante fizeram os que roubaram a
fazenda, os quais dispararam armas de fogo, escapando por felicidade os soldados sem
maior incômodo. Do referido quilombo se escaparam seis, indo com eles um dos que
capturaram ilegível nas ocasiões dos insultos, os quais tem sido tantos, que se considera
ser um levante de negros, os quais tem inquietado todo este Distrito. Eu continuo nas mais
eficazes diligências para as quais me é inteiramente necessário que V.Ex.ª se digne mandar
que a Câmara assista com algum sustento para a tropa, sendo assim do agrado de V.Ex.ª .
Os principais matadores dos que remeto presos, são Geremias, Aleixo, João, Pedro e
Domingos, que já remeti com a parte á presença de V.Ex.ª , datada em oito do corrente, os
quais fizeram várias mortes por mandado de um negro Joaquim a quem no Quilombo
chamavam = Rei = e como tal o obedeciam, cujo rei, eles o mataram há poucos dias na
ocasião, em que repartiam o roubo que fizeram a Joaquim Manoel, ao qual roubaram tudo
quanto possuía, e o deixaram mortalmente ferido (...) Igualmente confessa o Geremias que
foi ele quem matou o soldado do meu regimento, o que já participei a V.Ex.ª , sendo
companheiro o negro Domingos, o qual pela confissão dos mesmos companheiros, se
achava em todos os distúrbios, e também confessam, fizeram (...) várias mortes em alguns
seus companheiros, o que tudo declararam perante várias testemunhas. São tantos os
distúrbios, que estes insultadores têm feito, que não me posso dispensar de rogar a V.Ex.ª
queira mandar vir para este Distrito as cabeças dos que forem justiçados, para exemplo, o
que igualmente me requerem alguns senhores de fazendas, que julgam algum levante
dos escravos[4] pelos distúrbios, que diariamente fazem os mesmos escravos, ao quais
tem dado motivo de bem se suspeitar o referido. V.Ex.ª mandará o que for servido, a cujas
determinações se humilhará sempre constante a minha fiel obediência. Deus guarde a
V.Ex.ª . Cabo Frio[5], doze de Outubro de mil oitocentos e cinco. Felicíssimo José Victorino
de Souza. ”

[1] AQUILOMBADOS: os aquilombados eram os escravos fugitivos que se refugiavam em


quilombos.
[2] ENGENHO DE AÇÚCAR: durante o período colonial o termo “engenho” designava o
mecanismo usado para moer a cana, no início do processo de preparo do açúcar. Passa a
referir-se ao complexo no qual se fabricava açúcar e toda área da fazenda – as terras, as
plantações, a capela, a casa senhorial, a senzala, as ferramentas, e a moenda –
posteriormente, desde a segunda metade do século XIX, conceito cunhado por historiadores
e estudiosos da agricultura e economia coloniais. Os engenhos de cana (moendas) se
dividiam em dois tipos: os engenhos reais, movidos a água – que apresentavam maior
riqueza e complexidade, empregavam um grande número de oficiais de serviço e
trabalhadores especializados, contavam com grande contingente de mão de obra escrava,
grande plantação própria (além de comprar a produção de engenhos menores) e possuíam
toda a maquinaria para produzir o açúcar, cobrindo todo o processo – e os movidos a tração
animal – menores em tamanho e capacidade de produção, exigiam investimentos inferiores,
também chamados engenhocas ou trapiches, e mais utilizados na produção de aguardente.
Os engenhos, como unidades produtivas, tiveram um papel central na colonização,
ocupação e povoamento do território da colônia. A maior parte da primeira geração de
senhores de engenho não era formada por nobres ou grandes investidores, mas por plebeus
que auxiliaram na conquista e povoamento da costa brasileira. Com o tempo, a expansão
do açúcar e o consequente aumento da sua importância para a economia metropolitana, o
status do senhor de engenho cresceu proporcionalmente. Os engenhos constituíam
verdadeiros núcleos populacionais, em torno dos quais e de suas capelas, se formavam
vilas e se construíam as defesas das fronteiras das capitanias. Os grandes engenhos tinham
em torno de 60 a 100 escravos, e muito poucos ultrapassavam a marca de 150-200 cativos,
dos quais, em média, 75% trabalhavam nos campos, 10% na manufatura do açúcar, e o
restante dedicava-se a atividades domésticas ou não relacionadas ao trato açucareiro. Os
engenhos, assim como o açúcar, tinham grande valor, mas um alto custo: as terras, o
beneficiamento, os instrumentos, os escravos, as construções encareciam a produção, que
apresentava, em geral, baixos rendimentos, descontados os gastos do senhor. A maior parte
dos engenhos era muito pouco ou não lucrativa, fazia o suficiente para sua subsistência, ou
lucrava mesmo com a produção da aguardente. Algumas poucas unidades geraram
fortunas; a maioria rendia pouco e muitos acumularam grandes dívidas. Ao contrário do que
comumente se pensa, a capitania que mais concentrava engenhos, em quantidade e
grandeza, era a Bahia, e não Pernambuco, seguida pelo Rio de Janeiro, e então por aquela.
A lucratividade variava muito, de acordo com: a safra de cana (influenciada pelas condições
climáticas e de solo); as epidemias que assolavam vez ou outra a população escrava e de
trabalhadores pobres; a falta de gêneros (como lenha, água, animais) e as dívidas que se
acumulavam. Apesar das dificuldades, os engenhos não eram abandonados, e a produção
açucareira, embora oscilasse de acordo com as ofertas e demandas do mercado europeu e
suas colônias, não perdeu sua importância no Brasil. Os engenhos representavam um
microcosmo da sociedade aristocrática rural, apoiada no poder patriarcal e político do
senhor, base da sociedade brasileira em construção, bem analisada por Gilberto Freyre em
sua obra. Mais do que representação de riqueza, o engenho tinha grande importância
simbólica, um signo de poder e um sinal de distinção. Os senhores de engenho dominaram
a política local durante décadas e, até o século XVIII, ocuparam a maior parte dos postos
de oficial nas milícias locais, formando durante todo o período colonial um poderoso grupo
de pressão, uma vez que a metrópole precisava de sua lealdade e de seus investimentos
para manter a colônia e torná-la rentável. Havia uma hierarquia entre os senhores de
engenho, que dependia basicamente da tradição da família e do tipo de propriedade que
possuíam. Embora a maior parte dos lucros resultantes da produção de açúcar se
concentrasse na atividade comercial, era a produção agrícola que concedia prestígio e
poder.

[3] QUILOMBO: o termo quilombo, derivado do banto kilombo, (acampamento ou fortaleza)


foi usado pelos portugueses para designar as comunidades e povoações de escravos
fugidos construídas em áreas rurais e urbanas ao longo do território da colônia. O mocambo
(derivado do quimbundo mukambu), como também era conhecido aqui no Brasil, possuía
uma estrutura social, política e cultural original, que procurava recompor as relações sociais
e as identidades dos aquilombados, que haviam sofrido todo tipo de violência no seu
cotidiano nas senzalas. O mais antigo mocambo que se tem registro no Brasil data de 1575,
no interior da Bahia. A primeira legislação colonial que procura definir o que é o quilombo e
estabelecer formas de repressão surge em 1740, quando o Conselho Ultramarino determina
que os mocambos eram qualquer habitação de escravos fugidos que passassem de cinco
pessoas. Principal foco de resistência dos negros fugidos de seus cativeiros, os quilombos
foram duramente reprimidos pelas autoridades coloniais e depois imperiais, o que levou
grande parte dos estudos em torno do tema a se basearem em informações retiradas de
fontes militares, dificultando, em parte, as análises de aspectos não registrados por estes
documentos. É o caso de alguns movimentos e formas de resistência de grupos, que pelas
suas características e pelas circunstâncias, deixaram poucos registros escritos ou que se
perderam. Apesar disto, pesquisas revelaram que estes espaços possibilitaram aos seus
agentes a redefinição das diásporas africanas através de continuidades e rupturas com
experiências trazidas não apenas da África, mas também das vivenciadas nos próprios
cativeiros. Diferentemente do que muitos imaginam, as comunidades de quilombolas não
eram apenas uma “reação” – via isolamento radical – ao regime escravocrata. Elas se
integravam às suas regiões estabelecendo comércio com escravos e livres, entre esses
negociantes locais, lavradores, mascates, taverneiros, sendo assim, quase reconhecidas,
por partes destes, como comunidades de camponeses autônomos, que produziam
principalmente mandioca (e derivados), legumes, cana, peixe e caça, entre outros produtos.
Além disso, os aquilombados construíram uma rede de alianças com outros grupos sociais
e até movimentos políticos, o que dificultou as tentativas de reescravização promovidas
pelas autoridades locais, forçando-as à negociação. O maior e mais longevo quilombo foi o
de Palmares, organizado em meio às densas florestas de palmeiras na Serra da Barriga em
Pernambuco desde finais do século XVI. Palmares resistiu às incursões portuguesas e
holandesas, sobrevivendo com o conhecimento de agricultura, pecuária, metalurgia, entre
outras atividades, trazidas pelos seus integrantes. Apesar dos esforços do governo, a fuga
e formação de quilombos continuaram a ocorrer, alcançando o século XIX como uma
contínua ameaça ao sistema escravista.
[4] ESCRAVOS [AFRICANOS]: pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um
senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a
Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão
ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e
proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na
pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente
da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados,
seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical,
onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da
pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico
traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade
e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de
História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma
diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana.
No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de
obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a
implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o
trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para
áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a
suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade
açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena
perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes
da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico
gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos
para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole,
em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham
chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio
foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os
negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas
vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento
de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de
rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes
reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de
interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais.
Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus,
deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele
que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos
africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar
com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens
e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os
europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de
possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos
africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos,
não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa,
sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em
Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde
podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos
de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas
habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de
Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi
implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o
açúcar. A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento,
que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou
economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria
implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana.
E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da
economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas
cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos
gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar
uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se
esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de
determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma
geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente
pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento
endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e
Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além
de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos,
e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das
vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial,
os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22
de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de
pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa
parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão
social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da
historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A
perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e
não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e
senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda
metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre
outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente
árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro,
como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas
historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como
agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias
sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo
decisivamente para o fim da escravidão.
[5] CABO FRIO: região litorânea no sudeste da América portuguesa descoberta em 1503,
por ocasião da segunda expedição exploradora enviada pelo rei de Portugal d. Manuel I.
Sob o comando de Gonçalo Coelho, contou com a participação do navegador Américo
Vespúcio, responsável pela fundação da feitoria de Cabo Frio, destinada à exploração do
pau-brasil existente na praia do Cabo da Rama, atual praia dos Anjos em Arraial do Cabo.
Junto com a feitoria, foi edificada uma fortaleza com a finalidade de guarnecer o litoral. A
cidade de Nossa Senhora da Esperança de Cabo Frio foi fundada em 1615, pelo capitão
Constantino Menelau após a expulsão de cinco naus holandesas da região. Além da
abundância de pau-brasil, Cabo Frio se destacava por ser um porto de fácil atracagem de
navios para o embarque de produtos, em especial madeiras, corantes e gêneros do reino
animal, como peixes, tartarugas, óleo de baleias etc. Cabo Frio foi palco da Confederação
dos Tamoios, conflito violento entre os índios Tamoios, aliados dos franceses, e os
Tupiniquim e portugueses. No final do século XVI, os Tamoios de Cabo Frio tinham sido de
tal modo dizimados que já não havia notícias deles. ocuparam a maior parte dos postos de
oficial nas milícias locais, formando durante todo o período colonial um poderoso grupo de
pressão, uma vez que a metrópole precisava de sua lealdade e de seus investimentos para
manter a colônia e torná-la rentável. Havia uma hierarquia entre os senhores de engenho,
que dependia basicamente da tradição da família e do tipo de propriedade que possuíam.
Embora a maior parte dos lucros resultantes da produção de açúcar se concentrasse na
atividade comercial, era a produção agrícola que concedia prestígio e poder.

[3] QUILOMBO: o termo quilombo, derivado do banto kilombo, (acampamento ou fortaleza)


foi usado pelos portugueses para designar as comunidades e povoações de escravos
fugidos construídas em áreas rurais e urbanas ao longo do território da colônia. O mocambo
(derivado do quimbundo mukambu), como também era conhecido aqui no Brasil, possuía
uma estrutura social, política e cultural original, que procurava recompor as relações sociais
e as identidades dos aquilombados, que haviam sofrido todo tipo de violência no seu
cotidiano nas senzalas. O mais antigo mocambo que se tem registro no Brasil data de 1575,
no interior da Bahia. A primeira legislação colonial que procura definir o que é o quilombo e
estabelecer formas de repressão surge em 1740, quando o Conselho Ultramarino determina
que os mocambos eram qualquer habitação de escravos fugidos que passassem de cinco
pessoas. Principal foco de resistência dos negros fugidos de seus cativeiros, os quilombos
foram duramente reprimidos pelas autoridades coloniais e depois imperiais, o que levou
grande parte dos estudos em torno do tema a se basearem em informações retiradas de
fontes militares, dificultando, em parte, as análises de aspectos não registrados por estes
documentos. É o caso de alguns movimentos e formas de resistência de grupos, que pelas
suas características e pelas circunstâncias, deixaram poucos registros escritos ou que se
perderam. Apesar disto, pesquisas revelaram que estes espaços possibilitaram aos seus
agentes a redefinição das diásporas africanas através de continuidades e rupturas com
experiências trazidas não apenas da África, mas também das vivenciadas nos próprios
cativeiros. Diferentemente do que muitos imaginam, as comunidades de quilombolas não
eram apenas uma “reação” – via isolamento radical – ao regime escravocrata. Elas se
integravam às suas regiões estabelecendo comércio com escravos e livres, entre esses
negociantes locais, lavradores, mascates, taverneiros, sendo assim, quase reconhecidas,
por partes destes, como comunidades de camponeses autônomos, que produziam
principalmente mandioca (e derivados), legumes, cana, peixe e caça, entre outros produtos.
Além disso, os aquilombados construíram uma rede de alianças com outros grupos sociais
e até movimentos políticos, o que dificultou as tentativas de reescravização promovidas
pelas autoridades locais, forçando-as à negociação. O maior e mais longevo quilombo foi o
de Palmares, organizado em meio às densas florestas de palmeiras na Serra da Barriga em
Pernambuco desde finais do século XVI. Palmares resistiu às incursões portuguesas e
holandesas, sobrevivendo com o conhecimento de agricultura, pecuária, metalurgia, entre
outras atividades, trazidas pelos seus integrantes. Apesar dos esforços do governo, a fuga
e formação de quilombos continuaram a ocorrer, alcançando o século XIX como uma
contínua ameaça ao sistema escravista.
[4] ESCRAVOS [AFRICANOS]: pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um
senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a
Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão
ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e
proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na
pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente
da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados,
seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical,
onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da
pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico
traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade
e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de
História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma
diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana.
No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de
obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a
implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o
trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para
áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a
suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade
açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena
perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes
da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico
gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos
para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole,
em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham
chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio
foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os
negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas
vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento
de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de
rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes
reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de
interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais.
Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus,
deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele
que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos
africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar
com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens
e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os
europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de
possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos
africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos,
não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa,
sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em
Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde
podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos
de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas
habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de
Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi
implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o
açúcar. A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento,
que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou
economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria
implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana.
E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da
economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas
cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos
gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar
uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se
esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de
determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma
geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente
pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento
endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e
Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além
de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos,
e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das
vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial,
os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22
de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de
pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa
parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão
social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da
historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A
perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e
não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e
senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda
metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre
outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente
árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro,
como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas
historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como
agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias
sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo
decisivamente para o fim da escravidão.
[5] CABO FRIO: região litorânea no sudeste da América portuguesa descoberta em 1503,
por ocasião da segunda expedição exploradora enviada pelo rei de Portugal d. Manuel I.
Sob o comando de Gonçalo Coelho, contou com a participação do navegador Américo
Vespúcio, responsável pela fundação da feitoria de Cabo Frio, destinada à exploração do
pau-brasil existente na praia do Cabo da Rama, atual praia dos Anjos em Arraial do Cabo.
Junto com a feitoria, foi edificada uma fortaleza com a finalidade de guarnecer o litoral. A
cidade de Nossa Senhora da Esperança de Cabo Frio foi fundada em 1615, pelo capitão
Constantino Menelau após a expulsão de cinco naus holandesas da região. Além da
abundância de pau-brasil, Cabo Frio se destacava por ser um porto de fácil atracagem de
navios para o embarque de produtos, em especial madeiras, corantes e gêneros do reino
animal, como peixes, tartarugas, óleo de baleias etc. Cabo Frio foi palco da Confederação
dos Tamoios, conflito violento entre os índios Tamoios, aliados dos franceses, e os
Tupiniquim e portugueses. No final do século XVI, os Tamoios de Cabo Frio tinham sido de
tal modo dizimados que já não havia notícias deles.

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