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LAVA JATO

Crítica à crítica de Lênio Streck


sobre a AED
Nenhuma outra escola jurídica foi tão testada e debatida quanto a
Análise Econômica do Direito

CRISTIANO
CARVALHO

31/07/2017 17:21

Alguns dias atrás, o professor Lênio


Streck, renomado jurista e autor de
extensa obra literária, publicou artigo
[1] criticando a Análise Econômica do
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Direito (AED), no contexto de outra
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Jato e às decisões do juiz Sergio Moro.
Até aí, não há problema algum, pois em
uma sociedade aberta a crítica não só
é bem-vinda, como necessária.

Chamou a atenção, no entanto, suas


colocações em relação à AED. Em
verdade, pensei até, em um primeiro
momento, escrever um texto mais
cientíYco, no sentido de contra-
refutação à refutação de Lênio. Mas aí
percebi que não se tratava de uma
“refutação racional”, no sentido que
Popper confere à expressão em sua
“Lógica da Pesquisa CientíYca”, mas
sim de ataques a um espantalho
batizado, pelo professor gaúcho, de
“Análise Econômica do Direito”. São
críticas disparadas contra uma
entidade inexistente, o que demonstra
que o referido jurista pouco conhece
em relação ao que buscou criticar.

Cabem alguns breves pontos, no


entanto. AED não é e nem nunca foi
uma teoria “cética”, como diz Lênio,
mas um projeto cientíYco
interdisciplinar para analisar o
fenômeno jurídico, com aplicação de
metodologia econômica. Aliás, o que
viria a ser uma teoria “ cética”?
Hipóteses, produtos advindos do
processo denominado método
cientíYco (cumpre dizer que Ciência é
método) buscam
demonstrar/explicar/descrever
determinados aspectos da realidade, e,
nesse sentido, todo cientista deve ter
uma porção de ceticismo, de dúvida
em si. Cumpre buscar compreender,
até porque o autor não deixa claro, o
que entende por “ ciência” e por “
teoria”. Seja como for, importante
salientar que não importando qual o
objeto de estudo (se ontologicamente
objetivo ou ontologicamente subjetivo,
como nos ensina John R. Searle), o
método cientíYco é um e apenas um.

Em suma, como faz a Economia


propriamente dita, a Análise Econômica
do Direito aplica o método cientíYco à
investigação do fenômeno jurídico,
com emprego de teorias e ferramentas
da MicroEconomia. Tampouco é
relativista, ou negadora da “verdade”;
como implica Lênio:

“Teorias céticas constituem um


problema, porque, nelas, há uma
crença de que a verdade, com um
mínimo grau de objetividade, não
importa. Quer dizer: paradoxalmente,
para essas teorias “é verdade que não
existe verdade”. Com isso, o Direito — e
a teoria prova — são transformados em
uma katchanga (real ou não).”

Interessante, pois Lênio, adepto da


Hermenêutica FilosóYca, sempre
pareceu-me justamente um seguidor
de teorias críticas do Direito, algo muito
mais parecido com a Critical Legal
Studies (também, assim como o L&E,
Ylha do Realismo Jurídico Norte-
Americano, porém sem as mesmas
pretensões cientiYcas), e isso me
parece bem visível em algumas de
suas obras (ver o Hermenêutica e(m)
Crise, Porto Alegre, Livraria do
Advogado). A AED, por seu turno,
prefere partir até de modelos
positivistas do Direito (Posner tem um
belo-artigo sobre isso: “Kelsen Vs.
Hayek: Pragmatism, Economics and
Democracy”, em Law, Pragmatism and
Democracy, Harvard University Press,
2003) para suas análises (pela
neutralidade moral e ideológica do
positivismo jurídico), da mesma forma
que a Economia mainstream se
concentra em análise positiva (objetiva
e empírica) de problemas econômicos,
para depois, se for o caso, propor
soluções normativas (v.g., políticas
públicas).[2]

Tampouco me parece, pela leitura de


alguns de seus textos, que o Prof.
Streck seja adepto da teoria da verdade
por correspondência [3] (como parece
implicar acima), aquela de Aristóteles,
Alfred Tarsky e John Searle, dentre
outros Ylósofos realistas, corrente a
qual eu me Ylio YlosoYcamente, mas
sim de teorias discursivas ou retóricas
da verdade. Igualmente tampouco me
consta que a linha
heideggeriana/gadameriana, crítica do
Iluminismo, pugne por qualquer
pretensão de objetividade no processo
de conhecimento, o que é fundamental
para o projeto cientíYco. Não sou um
profundo conhecedor da obra de Lênio
Streck, mas sempre me pareceu que a
“fusão de horizontes” gadameriana
inviabiliza qualquer objetividade
epistemológica. A Hermenêutica passa
a ser uma arte e não uma ciência,
passa a ser uma experiência pessoal e
não um experimento capaz de ser
praticado e repetido em qualquer
laboratório mundo afora.

Ocorre que a verdade muitas vezes (se


não sempre) é probabilística (e isso
não lhe retira a correspondência com
os fatos), e uma das formas mais
seguras de se apurar fatos em
contexto de incerteza é justamente o
Teorema de Bayes (que talvez não
tenha sido bem compreendido e, prova
disso, é a frase “Deixemos o
bayesianismo na (e para a) YlosoYa
moral e a lógica”. Qualquer um que
tenha mínimo conhecimento do tema
sabe que até hoje o teorema é
intensamente aplicado para questões
práticas de todo tipo e de toda área,
como por exemplo, teste de
medicamentos, e – pasme!
Cometimento de crimes).

[formulario_fulllist]

Ora, mesmo os fatos provados pelo


processo probatório em um processo
judicial igualmente são
ontologicamente probabilísticos. Em
suma, a Ciência busca a verdade, e
suas hipóteses são conYrmadas
probabilisticamente, sendo que sempre
poderão ser refutadas pelo processo
racional do debate cientíYco (ou, como
diria Popper, jamais são conYrmadas
efetivamente – o que nada mais é que
probabilidade). A AED, por ser empírica,
jamais poderia negar esse método.
Ainda assim, algo bem diferente é
aplicar Bayes para conYrmar uma
hipótese cientíYca, e aplicar Bayes para
provar um crime no contexto de um
processo penal – para provar fatos
jurídicos, o Direito tem positivadas as
formas probatórias que autoriza para
tanto. Se métodos probabilísticos
forem permitidos, tudo bem. Se não
forem, os procedimentos serão aqueles
tradicionais (prova direta, indireta,
documental, testemunhal etc).
Epistemologicamente falando, todavia,
a questão sempre será probabilística,
ainda que com valor 1 (100%). Entendo,
ainda, que o Teorema de Bayes tem
aplicações interessantíssimas para a
teoria das provas, no Direito.

Outro equívoco muito comum,


cometido por Streck: “Aliás, defender a
AED no Brasil é um grande e barulhento
tiro no pé, porque, por ela, muitas
operações da Justiça-MPF-PF podem
ser severamente criticadas —
mormente a operação carne fraca,
assim como a divulgação das
gravações do presidente Temer com
Joesley (nesse dia, a bolsa perdeu 200
bilhões), porque mais causam prejuízo
que felicidade (no sentido utilitarista —
que, como se sabe, está por detrás da
AED) — sem considerar os altos custos
em diárias e logística das operações.”

Ora, Utilitarismo não está por “detrás”


da AED. Existe uma diferença básica
aqui, facilmente constatável na
FilosoYa Moral, que é a distinção entre
Utilitarismo e Consequencialismo
(Aliás, a qual “ Utilitarismo” Lênio se
refere? Ao Benthaniano? Ao de Mill? Ao
de Regras?).

A AED é consequencialista e isso


signiYca uma posição positiva, ou seja,
de análise das possíveis
consequências advindas da escolha
racional, e, no caso do Direito, da
decisão jurídica. Utilitarismo já implica
questão normativa, ou seja, uma
escolha que resulta, por exemplo, em
políticas públicas. O próprio Kelsen não
faria tal confusão, ao distinguir a tarefa
do cientista puro do Direito com a do
decisor jurídico, a quem cabe realizar
atos políticos, não jurídicos no sentido
da teoria pura. A AED, por seu turno,
medirá consequências pelo critério da
eYciência, signiYca dizer, custo-
benefício. A distinção é fácil de veriYcar
com o exemplo da modulação das
decisões de inconstitucionalidade pelo
STF. Um utilitarista pode justiYcar a
modulação com o argumento que
permitir o efeito “ ex tunc” da decisão
de inconstitucionalidade, v.g., sobre um
tributo, poderia ter o efeito de quebrar
os cofres públicos do Estado. Um
scholar da AED dirá que tais
modulações poderão gerar
consequências (incentivos)
indesejados, como por exemplo,
sinalização ao Fisco que criar tributos
inconstitucionais vale a pena, uma vez
que o benefício é enorme (arrecadar
bilhões até que a questão seja decidida
no STF) e custo zero (não precisar
devolver o tributo declarado
inconstitucional). Esse tipo de
sinalização incentiva o Estado a seguir
agindo mal (criando tributos indevidos),
o que se denomina de “risco moral”, na
literatura especializada. O critério é
meramente economicista ou
utilitarista? Não, trata-se de questão
jurídica, pois o mau-incentivo signiYca
uma permissão ao Estado para que
siga violando direitos individuais do
contribuinte e distorcendo todo o
sistema jurídico.

No exemplo citado por Streck, a


mesma lógica se aplica. A AED não se
confunde com custo-benefício
meramente Ynanceiro, ou com
“prejuízo” apenas pecuniário. Em suma,
AED não é sinônimo de dinheiro. Esse é
um equívoco tão superYcial e já tão
ultrapassado, que causa espanto um
acadêmico do nível e da estirpe de
Lênio Streck nele incorrer [4]. As
gravações de Temer com Joesley
causaram instabilidades no mercado
de capitais (dentre outros problemas),
porém o que importa – novamente
insistindo em ponto óbvio para quem
conhece AED – são os incentivos ao
comportamento dos agentes. A
operação Lava Jato é vista com bons
olhos pois as sinalizações das
organizações (PF, MPF, JF) que agem
dentro do contexto institucional (regras
do jogo, como nos ensina Douglas
North) passam a criar um sistema
penal mais eYciente, onde há devido
“enforcement” das sanções e,
consequentemente, dissuasão do
cometimento de infrações pelos
demais indivíduos. Algo que em teoria
econômica se chama de
“externalidades positivas”, tema
genialmente tratado por Cesare
Beccaria (Dei Delitti e delle pene, 1765)
lá no século 18 e, mais recentemente,
no século 20, por Gary Becker (Crime
and Punishment, an economic
approach, 1968), Nobel de Economia.
Como se não bastasse, as delações
premiadas, chave do sucesso da Lava
Jato, nada mais são que aplicação
prática de Teoria dos Jogos, mais
especiYcamente o Dilema do
Prisioneiro, com eYcácia inaudita. Em
síntese, aquilo que Lênio chama de “tiro
no pé”, nós, estudiosos de Direito e
Economia, saudamos como prova da
um bem-vindo fortalecimento das
instituições.

Segue Lênio Streck:

“Bom, só para avisar, eu não sou


adepto da AED. Logo, essas
contradições não são problema meu
nem são problemas que atrapalham
minha análise. Ah: e também não sou
contra a lava jato – sou contra os
desmandos e autoritarismos que a
operação institucionaliza”.

Quanto ao ponto das contradições, o


que me parece justamente
contraditório não são as supostas
existentes na AED (porem nunca
enfrentadas com rigor, já que, ao que
tudo indica, o referido jurista indica não
ter conhecimento profundo da
literatura da área), mas a sua última
frase, sobre a Lava Jato. Diz ele não ser
contra a operação, apenas contra os
desmandos e autoritarismos que a ela
institucionaliza. Bom, interessante
saber que o Prof. Miguel Reale Jr.,
titular de Direito Penal da USP, também
leu a sentença, e seus comentários a
respeito foram: “a decisão é minudente,
irrefutável, lógica, precisa, sem nenhum
cunho político” [5]. Já Lênio opina:
“lendo a sentença condenatória do ex-
Presidente Lula prolatada pelo Juiz
Sérgio Moro, deu-me a nítida
impressão que o réu teria mais chance
de ser absolvido se tivesse sido usado
o “Teorema do Pintinho Envenenado”,
que faz sucesso na tribo Azande, da
África Central”.

Não diz o que está errado na decisão,


mas certamente ali não foi empregado
Teorema de Bayes, mas sim todo o
procedimento probatório previsto pelo
Direito Penal Brasileiro. Não inferências
probabilísticas, mas prova testemunhal,
documental, delação premiada etc. O
que falta é apenas o recibo de
corrupção assinada de punho, pelo
próprio Presidente, o que
convenhamos, seria altamente
improvável que houvesse em crimes de
ocultação de patrimônio. Nem o
Reverendo Bayes seria capaz de criar
um teorema para isso. Será que Streck
não está ele mesmo conYrmando a
tese central do Realismo Jurídico
norte-americano, aquela que diz que
primeiro os juízes decidem e depois
buscam a fundamentação (que faltou
em seu artigo, contudo), em outras
palavras, sua ideologia fala mais alto
que sua análise objetiva do caso? I rest
my case.

Vale também transcrever o seguinte


trecho:

“Minha oposição a qualquer teoria


ceticista (emotivista, não-cognitivista
moral e/ou pragmaticista, todos
parentes entre si) está assentada na
CHD – Crítica Hermenêutica do Direito
– tendo por suporte a ideia de que
existem padrões objetivos que
sustentam “o certo e o errado”.
Meu Dicionário de Hermenêutica e o
livro Diálogos com Lenio
Streck mostram isso à saciedade.
Direito sem teoria da decisão vira
irracionalidade na veia. Estamos cheios
de profetas sobre o passado. No Brasil
existem até realistas (retrôs) que
sustentam que precedentes são fonte
primária de direito. Aceita-se, no
atacado, que, primeiro se decide e, só
depois, busca-se a fundamentação. Ou
seja: atravessam a ponte, chegam do
outro lado e depois voltam para
construir…a ponte pela qual passaram.
Aporias em cima de aporias.
Processualismo…sem processo. Bingo”.

A locução tem estilo retórico, rica em


jogos de palavras, metáforas e
expressões de efeito (Lênio Streck é
inegavelmente habilidoso com as
palavras), porém, confesso, ao menos
para mim, a frase é de difícil
compreensão. Nunca fui muito afeito à
expedientes linguísticos dessa
natureza, quase poéticos e mesmo
belos. Talvez eu necessite me tornar
um hermeneuta para ser capaz de
construir a devida compreensão desse
texto, mas, reconheço, sempre preferi a
objetividade e a clareza próprios da
Ciência, ainda que o texto possa até
mesmo Ycar mais monótono, então
prossigamos nesse estilo.

Como dissemos, AED não é “ ceticista”


e muito menos emotivista. Não sei o
que Streck quer dizer com “ não-
cognitivista moral”, talvez algo na linha
positivista jurídica, o que não deixa de
ser verdade. Mas qualquer ciência o é.
Por Ym, pragmaticismo, no sentido
YlosóYco (Peirce, James, Rorty) é
in}uência mais presente em Posner do
que na própria AED, como já dito,
composta de inúmeros pensadores e
correntes. O ponto que mais me
chamou a atenção, todavia, foi “ Direito
sem teoria de decisão vira
irracionalidade na veia”. Ora, nenhuma
Ciência oferece mais instrumentos
para analisar a escolha (portanto, a
decisão) do que a Economia, e,
portanto, no contexto jurídico, a Análise
Econômica do Direito. Desde escolhas
de mercado (tratadas pela Economia
mainstream), como as de não-
mercado, pioneiramente investigadas
por Gary Becker, não há Teoria que
ofereça mais ferramentas de análise da
decisão que a Escolha Racional
(sinônimo e teoria econômica), e suas
variantes, como a Teoria dos Jogos, e
mesmo as linhas mais críticas do
modelo padrão de racionalidade, como
a Bounded Rationality, a
Neuroeconomia, a Heurística e Vieses,
o Behavioral Economics, todas com
aplicação intensa no Direito.
Certamente, a melhor teoria geral de
decisão para o Direito não virá da
Hermenêutica FilosóYca, mas
justamente da Análise Econômica do
Direito. Aliás, não virá, ela já chegou, e
faz tempo, tanto na literatura
estrangeira, como na nacional [6]. Em
suma, não voltamos para construir a
ponte pela qual antes passamos,
apenas examinamos com rigor e
método a ponte, antes de atravessá-la.

Por Ym, a passagem “aceita-se, no


atacado, que, primeiro se decide e, só
depois, busca-se a fundamentação. Ou
seja: atravessam a ponte, chegam do
outro lado e depois voltam para
construir…a ponte pela qual passaram”.
DesconYo que Lênio reYra-se à velha
posição do Realismo Jurídico norte-
americano, famosamente expressada
por Jerome Frank, pela qual “o juiz
decide dependendo do que tiver
comido no café da manhã”.
Novamente, cabem aqui alguns
cuidados básicos. O posicionamento
realista jurídico, como corretamente
apontou Lênio, foi uma reação ao
formalismo que imperava até então no
estudo da decisão jurídica. O
formalismo pressupunha que o Direito
era um arcabouço conceitual
autossuYciente, pelo qual qualquer
caso concreto era solucionável
aplicando-se os conceitos gerais. Não
só nos EUA, mas na Europa
Continental, a chamada Jurisprudência
dos Conceitos seguia a mesma toada.
A crítica trazida pelos realistas jurídicos
foi fundamental para possibilitar a
abertura do Direito para outros campos
do conhecimento (dentre eles a
Economia e a Psicologia), inaugurando,
assim, a interdisciplinaridade que viria
a dar azo ao posterior Law and
Economics.

Todavia, Lênio parece confundir uma


análise positiva da decisão (como os
juízes de fato decidem), corretamente,
e até de forma óbvia, exposta pelos
realistas, com uma análise normativa
(como os juízes devem decidir). Alhos e
bugalhos. Em anos recentes, Richard
Posner abordou a primeira análise
(How Judges Think, Harvard University
Press, 2008), que é, diga-se de
passagem, importantíssima, para que
se possa devidamente propor a última.
Juízes são seres de carne e osso, são
indivíduos racionais, que reagem a
incentivos como quaisquer outros.
Uma boa teoria de decisão jurídica
certamente não pode passar ao largo
do estudo do comportamento para
propor métodos e protocolos
decisórios que tragam maior eYciência
(e, consequentemente, maior justiça)
às decisões.
Recorramos então ao que costumo
chamar de “Princípio da Seleção
Natural Darwiniana das Ciências”. Se
algo é heterodoxo a vida toda, é porque
não vingou, não passou no teste da
seleção cientíYca. Nesse sentido, na
FilosoYa, as linhas analíticas anglo
saxãs, as linhas empiricistas, ou
mesmo as racionalistas continentais
vingaram. E da Hermenêutica
FilosóYca, se pode dizer o mesmo?

A Hermenêutica, sobre a qual tive a


oportunidade de tecer alguns
comentários breves no meu livro
Ficções Jurídicas no Direito Tributário
(São Paulo, Noeses, 2008), é uma linha
YlosóYca ” exótica” (para citar a
expressão que Lênio empregou no seu
artigo) dentro da própria FilosoYa. Se
fosse na Economia, se diria que é uma
escola heterodoxa, algo outsider. Na
linha Gadameriana/Heideggeriana é
realmente difícil ver qualquer aplicação
consistente ao fenômeno jurídico. Na
linha clássica, aquela bem vetusta,
melhor representada no Brasil por
Carlos Maximiliano, é bem facilmente
aplicável, mas e na linha proposta
pelos Ylósofos acima citados? A píYa
literatura estrangeira sobre o tema
demonstra que os resultados
certamente não empolgaram os
juristas do além mar. Ao menos, não
recordo de nenhum legal scholar de
relevância histórica que tenha sido
adepto da Hermenêutica FilosóYca.
Tampouco me consta que nomes
como Dworkin, MacCormick, Alexy,
Hart, Ross, Schauer, Finnis, Raz ou o
próprio Posner, só para citar nomes
mais óbvios, tenham dado alguma
importância ou escrito algum artigo
sobre essa escola de pensamento.

Obviamente que a baixa aderência não


é argumento para lhe tirar a validade,
mas é sintomático que a coisa
simplesmente não pegou. Terá sido
testada e descartada? Será testável,
antes de mais nada? Por outro lado, se
é para discutir interpretação, bem mais
interessante e aplicável é a linha
textualista de Antonin Scalia,
recentemente falecido Justice da
Suprema Corte americana, que
escreveu obras magníYcas sobre o
tema [7]. Quanto à minha opinião sobre
a Hermenêutica, confesso que posso
estar plenamente errado, pois para ser
sincero, nunca tive muito interesse em
estudar essa linha, limitando-me a
alguns poucos textos, que sempre me
soaram mais como um amaranhado de
jogos eloquentes de palavras, do que
algo propriamente útil para o Direito,
com real conteúdo substantivo. Mas,
por amor ao debate acadêmico, aYrmo
que poderia plenamente ser
convencido do contrário. O Professor
Lênio, por sua vez, declara não ser “
adepto” de AED, criticando-a
peremptoriamente, sem reconhecer,
entretanto, para criticar algo é
necessário antes conhecer. E não é
preciso nenhum teorema de Bayes para
chegar a essa conclusão.

Por outro lado, nenhuma outra escola


jurídica foi tão testada, debatida,
criticada (no sentido positivo do debate
cientíYco) quanto a Análise Econômica
do Direito. O debate sobre seus
conceitos e, principalmente, sobre a
sua metodologia é intenso até hoje. A
crítica é sempre bem-vinda, e quando
ela própria vinga, acaba sendo
incorporada ao mainstream, tal como
ocorreu com a racionalidade limitada,
behavioral, heurística e vieses, além de
outros campos que vieram agregar,
como a Teoria dos Jogos, a Psicologia
evolutiva etc. A AED (ou Law and
Economics) passou com louvor teste
do princípio da seleção natural
cientíYca, o que não lhe coloca a salvo,
contudo, do perene debate racional.
São milhares de pesquisadores, de
textos, de aplicações, todas
plenamente consoantes com o método
cientíYco. Seja tida como Escola de
Pensamento ou mais simplesmente
como método de análise, a Análise
Econômica do Direito ou, melhor ainda,
Direito e Economia, é a linha de
investigação jurídica mais in}uente do
mundo, a julgar apenas pelo número de
citações de seus autores [8] da
quantidade de publicações e de centros
especializados pelas Universidades
mundo afora. E por que esse resultado
tão bem-sucedido? Simplesmente
porque funciona, por que apresenta
resultados robustos e consistentes. [9]

E das chamadas Teorias “Exóticas” do


Direito, dentre elas, a Hermenêutica
FilosóYca Jurídica, pode-se dizer o
mesmo?

——————————————————-

[1] “Livre apreciação da prova é melhor


do que dar veneno ao pintinho?”,
Disponível em
http://www.conjur.com.br/2017-jul-
13/senso-incomum-livre-apreciacao-
prova-melhor-dar-veneno-pintinho

[2] Não confundir, todavia, Positivismo


Jurídico com Análise Positiva, método
que se aplica nas Ciências, dentre elas,
a Economia. Positivismo jurídico é,
grosso modo e malgrado as suas
diversas correntes, um projeto que
busca afastar critérios morais da
investigação do Direito, ou seja, buscar
tornar a Ciência Jurídica objetiva, sem
interferência da moral do jurista. O que
não signiYca afastar a Moral do Direito
positivo. Ou seja, Direito Ciencia é puro,
sem contaminação moral ou
ideológica; o Direito-norma é eivado
dessa contaminação, por ser fruto de
ato político (decisão) do legislador ou
do juiz. Já a análise positiva refere-se à
aplicação do método cientiYco:
observação do fenômeno, identiYcação
do problema, proposição de hipótese
que o explique e teste da hipótese.

[3] Teoria da Verdade por


correspondência com os fatos,
entendidos estes como independentes
da linguagem que os relata. Ou seja,
uma sentença é verdadeira se e
somente se corresponder aos fatos a
que se refere: “ a porta está aberta” é
verdadeira somente se a porta estiver
aberta. Por isso, a teoria também é
denominada de teoria semântica da
verdade, formulada por Alfred Tarsky.
Ou, de forma mais simples e elegante,
a deYnição de Aristóteles: “uma
aYrmação é verdadeira se diz do que é
que é, e do que não é que não é”
(Metafísica IV, 110). Para uma
exposição mais detalhada das
principais teorias da verdade, ver o
nosso Ficções Jurídicas no Direito
Tributário (Noeses, 2008)

[4] Justiça seja feita, Lênio Streck não


cometeu o equívoco que era bastante
comum e talvez o mais frequente:
rotular o Direito e Economia como uma
escola ou método ideológico,
“neoliberal”, “ conservador” ou algo do
gênero, erros já ocorridos mesmo entre
os acadêmicos norte-americanos e
europeus. Há tantos scholars e centros
de Law and Economics mundo afora,
que percebe-se tendências ideológicas
tanto liberais quanto mais à esquerda.

[5] Entrevista dada ao site O


Antagonista, disponível em:
http://www.oantagonista.com/posts/d
ecisao-e-minudente-irrefutavel-
logica-precisa-sem-nenhum-cunho-
politico

[6] Na área tributária, ver o nosso


“Teoria da Decisão Tributária”, (Saraiva,
2013).

[7] Por exemplo, “ Reading Law. The


Interpretation of Legal Texts. West,
2012.

[8] Dentre os autores mais citados ,


encontram-se diversos de Law and
Economics, como se pode verYcar
neste ranking de citações:
http://www.leiterrankings.com/faculty/
2014_scholarlyimpact.shtml

[9] Porém, cabe sempre ressaltar, não


se trata de uma visão imperialista da
Economia sobre o Direito. Por isso, a
melhor expressão não é “Análise
Econômica do Direito” e sim “Direito e
Economia”, que denota maior
interdisplicinaridade e indica um
constante }uxo de informação e de
contribuições entre as duas áreas do
conhecimento, como ensina Guido
Calabresi, em sua última obra. The
Future of Law and Economics: Essays
in Reform and Recollection. Yale
University Press, 2016

CRISTIANO CARVALHO – Livre-Docente em


Direito Tributário (USP). Pós-Doutor em Direito
e Economia (U.C. Berkeley), Advogado.

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