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ALEXANDRE TRAVESSONI

Coordenador Geral

ANÍBAL MAGALHÃES DA CRUZ MATOS


CRISTIANE NUNES CAETANO
GILTÔNIO MAURÍLIO PEREIRA SANTOS
LÍVIA ROSA FRANCO
MARA PIRES PENA
MAURO CATTABRIGA DE BARROS
PAULA MARIA NASSER CURV
TIAGO LOPES MOSCI
Coordenadores Adjuntos

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Projeto de Capa: GENESIS
Impressão: COMETA GRÁFICA E EDITORA
LTr 4284.0
Janeiro, 2011

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Dicionário de teoria e filosofia do direito I


coordenador geral Alexandre Travessoni. - São
Paulo: LTr, 2011.

Vários colaboradores
ISBN 978-85-361-1655-6

1. Direito -Filosofia 2. Direito - Teoria I.


Travessoni, Alexandre.

CDU-340.11(03)
10-12138 340.12(03)
Índices para catálogo sistemático:

1. Teoria do Direito: Dicionários


340.11(03)
1. Filosofia do Direito : Dicionários
340.12(03)
(ver também Direito Natural e Positivismo Jurídico)

Alexandre Travessoni

Pós-Positivismo Jurídico é um termo genéri- superados, por outro lado, alguns autores atu-
co, que vem sendo usado amplamente, sobretu- ais, que se consideram pós-positivistas, parecem
do no Brasil, mas também em menor medida em não compreender muito bem as características
alguns países europeus, para designar uma su- do Positivismo Jurídico, teoria que querem su-
posta tendência do pensamento jurídico atual, que perar, o que os leva a uma confusão conceitual
teria superado a teoria positivista do Direito. O que prejudica o próprio objetivo que perseguem.
Pós-Positivismo considera a teoria positivista A fim de se compreender o Pós-Positivismo Jurí-
do Direito extremamente limitada, pois teria redu- dico é preciso primeiramente compreender
zido a compreensão do Direito à norma (ou, na visão adequadamente o próprio Positivismo Jurídico,
de alguns pós-positivistas, à lei), não podendo por o que (infelizmente!) nem sempre ocorre . No
isso oferecer soluções adequadas às necessidades que segue, serão apresentadas as características
de sociedades pluralistas como a "pós-moderna". Ao em geral atribuídas ao Positivismo Jurídico por
lado de Pós-Positivismo aparecem termos como Di- teóricos atuais, sobretudo no Brasil. Após isso,
reito Pós-Moderno, Pós-Modernidade no Direito, será verificado se e em que medida essas carac-
Nêoconstitucionalismo, dentr~ outros. terísticas foram defendidas por autores positi-
vistas. Em seguida, serão apresentadas as supostas
Se, por um lado, é inegável que a teoria po- inovações do Pós-Positivismo Jurídico, que se-
sitivista apresenta problemas que precisam ser rão então analisadas de forma crítica. Se, por

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um lado, não se pretende aqui oferecer uma so- - tivistas como Kelsen tenham afirmado ser o Direi-
lução definitiva para o problema da conceitua- to uma ordem coercitiva (KELSEN, 1987, p. 36-47),
ção do Pós-Positivismo Jurídico, pois essa pare- outros como Hart negaram essa possibilidade
ce ser uma tarefa que demandará ainda grande (HART, 1995, p. 26-31 e 89-109), por entenderem
esforço da Teoria do Direito contemporânea, por que nem todas as normas jurídicas são coercitivas.
outro lado, o procedimento comparativo menci-
(iv) A separação radical entre o Direito e a
onado acima .parece tornar possível pelo menos
Moral. É frequentemente dito que o Positivismo
avançar um pouco na discussão do tema, mini-
Jurídico separa radicalmente o Direito da Moral.
mizando assim os mal-entendidos e a confusão
Essa afirmação, desde que bem compreendida, é
que reina nessa matéria atualmente.
correta . Os positivistas de fato pregam uma sepa-
O Positivismo Jurídico seria, segundo o pen- ração metodológica entre o Direito e a moral (KEL-
samento de alguns, sobretudo no Brasil hoje, uma SEN, 1987, cap. 11), e excluem qualquer juízo moral
corrente (i) estatista, (ii) legalista, (iii) coativis- da Ciência do Direito. Eles assim o faze;m por acre-
ta, que (iv) separa radicalmente o Direito da ditarem existir .não uma Moral, mas várias (KELSEN.
moral, (v) nega a ideia de justiça, (vi) defende a 1987, p. 69-75). Porém, eles não negam a existên-
interpretação mecânica no Direito, (vii) desco- cia da Moral, bem como a possibilidade de com-
parações entre a Moral e o Direito ou mesmo aná-
nhece a existência do princípios ou pelo menos
lise do Direito sob o ponto de vista moral. O que
não reconhece sua força normativa, consideran-
eles negam é que a validade de uma norma jurídica
do o Direito um modelo de regras, (viii) conside-
dependa de sua concordância com a Moral.
ra a lei (os códigos) superior à Constituição, ou
não reconhece força normativa à Constituição e, (v) A negação da ideia de justiça. É comu-
por fim, (ix) prega o poder discricionário. Vejamos mente afirmado que os positivistas negaram a
o que significa mais detalhadamente cada uma des- existência da justiça ou afirmaram que justiça é
sas características e em que medida os positivistas aquilo que determina a autoridade (STRECK, 2006,
de fato as defenderam. p. 275). Essa afirmativa não se sustenta; o que os
positivistas fizeram, de modo geral, foi separar a
(i) O Estatismo e (ii) o legalismo. Na visão de
ideia de justiça do Direito, por entenderem que a
alguns autores, o Positivismo Jurídico teria defen-
justiça é um valor subjetivo. Aqui os positivistas
dido que só é Direito aquele produzido pelo Esta-
defendem, de modo geral, aquilo que defendem
do (estatismo), ou então aquele que passa por um
para a Moral. Não há uma ideia de justiça, senão
processo legislativo, resultando um texto geral e várias (KELSEN, 1998, KELSEN, 1998a e KELSEN,
abstrato- a lei (legalismo) (d. STRECK, 2006, p. 275). 1996). Os valores de justiça são definidos a partir
Essa posição não se sustenta. Embora a lei tenha da ordem Moral; ordens morais são subjetivas e
se tornado, na modernidade, a principal fonte do por isso a validade da norma jurídica não depen-
Direito, os positivistas não reduzem o Direito à de de seu conteúdo de justiça.
lei: Hart, Kelsen e Bobbio têm uma compreensão
mais ampla do Direito, considerando-o uma or- (vi) A defesa da interpretação mecânica no
dem normativa (KELSEN, 1987, cap. I, HART, 1995, Direito . Os positivistas seriam autores que pre-
cap. 5 e BOBBIO, 1996), isto é, um conjunto de nor- gam que a interpretação no Direito se reduz a um
mas, e não apenas de leis. Isso faz que o Direito processo lógico-dedutivo, o que significa que se
englobe, para eles, outras normas estatais (para pode deduzir, a partir de normas gerais (das leis),
Kelsen, as normas individuais contidas nas deci- decisões para os casos concretos. A atribuição des-
sões judiciais, e para Hart, os precedentes), bem sa característica ao Positivismo Jurídica também é
como normas não produzidas por órgãos esta- incorreta; os principais autores positivistas criti-
tais, como normas consuetudinárias e contratos. caram a ideia de dedução no Direito. Kelsen a nega
expressamente, dizendo que não se pode deduzir,
(iii) O coativismo. O Positivismo seria uma a partir de normas gerais, uma única solução para
teoria que entende o Direito como uma ordem um caso concreto (KELSEN, 1987, p. 364-367). O
coercitiva, colocando no centro do próprio con- mesmo acontece em Hart (HART, 1995, cap. VIl).
ceito do Direito a sua possibilidade de realizar-se Como mostra Canaris, criticando Viehweg, com
pela força. Afirmar que o Positivismo Jurídico é base em Diederichsen, a ideia de um sistema ló-
coativista é tomar uma característica da parte e atri- gico-dedutivo não é defendid a na Eu ropa há mui -
buí-la ao tod o, po is em bora algu ns t eóricos posi- to te mr;>o (CANAR IS, 2002, p. 7).

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(vii) A incapacidade de perceber a existên- possíveis quando da aplicação das normas gerais
cia dos princípios. Uma das principais bandeiras a um caso concreto. Essa característica decorre-
de alguns autores atuais, sob a influência de ria, ainda segundo aqueles que se inspiram em
DWorkin, é a afirmação que o Positivismo Jurídi- Dworkin, do fato de os positivistas compreende-
co não conheceria a existência de princípios, con- rem o Direito apenas como um modelo de regras
siderando o Direito apenas como um sistema de (característica vii já analisada acima). A atribuição
regras (DWORKIN, 200-2, caps I a 111). Os princípios dessa característica ao Positivismo Jurídico é correta,
não existiriam no modelo positivista, ou seriam, mas a causa usualmente atribuída é incorreta. Os
quando muito, uma forma de preenchimento de positivistas de fato afirmam que as normas, de-
lacunas, não sendo considerados normas . Os vido à sua generalidade (KELSEN, 1987, p. 366) ou
princípios estão presentes no modelo norma- text ura aberta (HART, 1995, p. 137-149), oferecem
tivo dos positivistas; as normas gerais de Kelsen várias possibilidades de interpretação, quando apli-
e as regras de textura aberta de Hart são aquilo cadas a um caso concreto, e que a ciência do Direi-
que Dworkin chama de princípios. Não_é ver- to não pos'sui métodos para determinar qual é a
dade que não há princípios nos positivistas; eles melhor interpretação, cabendo portanto ao juiz
existem e são normas, sendo aplicadas a diversas escolher aquela que prevalecerá, usando para
situações. Como normas gerais elas geram maior isso critérios políticos (KELSEN, 1987, p. 368). Po-
indeterm inação quando da aplicação, mas não rém, a causa disso não é a compreensão do Direi-
são meras formas de preenchimento de lacunas. to como um modelo de regras, mas, pelo contrá-
Essa ideia de que os princípios são mera forma rio, a constatação de que as normas possuem in-
de integração é da Escola da Exegese, e não dos determinação quando de sua aplicação. Quanto
positivistas . mais geral a norma, maior a indeterminação e con-
sequentemente maior o poder discricionário. Ora,
(viii) A supremacia da lei (dos códigos) e.m
se os princípios são as normas mais gerais do sis-
relação à Constituição. Os positivistas teriam pre-
tema, isto é, normas generalíssimas, e as regras
gado, segundo alguns autores que se denomi-
são normas menos gerais, quanto mais uma nor-
nam pós-positivistas, que as leis (infraconstitu-
ma tende a ser um princípio maior o poder discrici-
cionais) seriam superiores à Constituição (STRE-
onário e, contrario sensu, quanto mais uma nor-
CK, 2006, p. 275)! A constituição não seria norma, ma tende a ser uma regra menor o poder discricio-
isto é, não teria força normativa, estando o cen- nário. Se os positivistas de fato compreendessem
tro normativo do Direito Positivo nos códigos. o Direito como um modelo de regras, defenderi-
Essa afirmativa é novamente incorreta. Os prin- am não haver poder discricionário!
cipais teóricos positivistas, sem exceção, defen-
deram a supremacia da Constituição sobre a lei, Portanto, das características atribuídas ao
e contribuíram de modo significativo para a afir- Positivismo Jurídico, a maioria é incorretamente
mação do princípio da supremacia da Constitui- a ele atribuída. O Positivismo não é uma corrente
ção (KELSEN, 1987, p. 240-294, BOBBIO, 1996, p. (i) estatista, (ii) legalista, (iii) coativista, que, (v)
48-53 e HART, 1995, cap. IV). É preciso lembrar nega a ideia de justiça, (vi) defende a interpretação
que o controle de constitucionalidade das leis, mecânica no Direito, (vii) desconhece a existência
que surgiu originalmente na forma do judicial dos princípios ou pelo menos não reconhece sua
review dos Estados Unidos, aparece na Europa no força normativa, considerando o Direito um mo-
século XX na forma de um modelo concentrado, delo de regras, (viii) considera a lei (os códigos)
criado por ninguém menos que Kelsen (CAPPEL- superior à Constituição, ou não reconhece força
LETII, 1984)! Se realmente acreditasse na supre- normativa à Constituição. Por outro lado, o Positi-
macia da lei sobre a Constituição, por que teria vismo Jurídico (iv) separa o Direito da moral e (ix)
Kelsen criado um controle de constitucionalida- prega o poder discricionário. A meu ver, o que há
de das leis? Não deveria ele ter criado um con- de essencial no Positivismo Jurídico é, como res-
trole de legalidade da Constituição, em que salta García Mãynez, a negação do Direito Natural
quando esta viola os códigos é declarada nula! (MÃYNEZ, 1968). Isso levou os positivistas a defen-
derem um conceito de validade formal do Direito, e a
(i x) O poder discricionário. Sob influência pregar o poder discricionário, pois não dispunham de
de Dworkin (2002, caps . I a 111), tem-se afirmado um critério interno à Ciência do Direito.
qu e os positivist as pregam o poder di scricion á-
rio, isto é, que a t eoria posit ivista atribui ao jui z É interessante notar que algumas das carac-
o poder de escolh er uma entre as vári as soluções te rísticas at ribu ídas incorretamente ao Positivismo

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Jurídico (que foram, na verdade, por ele combati- vistas a si próprios (i, ii, v, vi, vii, ·viii e ix), cinco
das!) são caracte rísticas de correntes do século delas não são novidade! São características já do
XIX, como a Escola da Exegese. Foi a Escola da Positivismo Jurídico! Como vimos, o Positivismo
Exegese que defendeu que o código é a única Jurídico já havia superado (i) o estatismo, (ii) o
fonte do Direito, por isso ela é que pode ser con- legalismo e (vi) a interpretação mecânica no Di-
siderada (i) estatista e (i i) legalista. Foi ela que reito. Já havia (vii) reconhecido, sob o termo nor-
defendeu que a aplicação do Direito se limitava mas gerais ou regras de textura aberta, a existência
à descoberta da regra do código aplicável, e de- dos princípios e de sua força normativa, bem como
dução da solução através de subsunção, ou seja, defendido (viii) a supremacia da Constituição. Por-
foi ela que (vi) defendeu a interpretação mecâ- tanto, mesmo se fosse atribuída à Escola da Exege-
nica no Direito, e (vii) afirmou que os princípios se a pertinência ao Positivismo Jurídico (o que,
servem para preencher as lacunas do Direito. como vimos, seria incorreto), o Pós-Positivismo não
Como colocam o código no centro, pode-se dizer poderia ser definido a partir das características aci-
que foi ela que (viii) considerou a lei (o código) ma, pois, como acabamos de ver, elas não são no-
superior à Constituição (embora seus teóricos vas. A partir dessas observações podemos agora
não o tenham afirmado expressamente). Essa definir Positivismo e Pós-Positivismo Jurídicos.
postura da Escola da Exegese, coerente com seu
O Positivismo Jurídico é uma corrente do
tempo, não se sustenta no século XX, sendo por
pensamento jurídico, que surge no século XIX e se
isso criticada por autores positivistas como Kelsen.
Portanto, a atribuição incorreta de determina- desenvolve até o século XX. Seu apogeu dá-se em
das características ao Positivismo Jurídico decorre meados do século XX, até a década de 70, sobre-
de uma confusão entre Positivismo Jurídico e ou- tudo com as importantes obras de Hart, Kelsen e
tras correntes modernas, a ele anteriores, como Bobbio. A partir dos 70, com a morte de Kelsen
a Escola da Exegese! Alguém poderia dizer que a (1973) e, posteriormente nos 90 com a morte de
Escola da Exegese é uma forma de Positivismo, e Hart (1992), apesar de manter vários seguidores,
portanto a atribuição de suas características ao entra em declínio e começa a ser superado por
Positivismo Jurídico é correta. Como resposta a correntes que, de algum modo, o combatem.
essa deturpação term inológica só se pode res- Como vimos acima, algumas (maioria) das carac-
ponder que não convém designar duas escolas terísticas atribuídas ao Positivismo Jurídico não
tão diferentes com o mesmo nome, sobretudo foram de fato por ele defendidas (embora algu-
quando uma (o Positivismo Jurídico) nega todas mas tenham sido). O Positivismo Jurídico (a) nega
as principais características da outra (da Escola a ideia de um Direito Natural, (b) bem como de
da Exegese)! A confusão metodológica que reina fundamentação do Direito na Moral. (c) Defende
parece colocar posições defendidas por diversas um conceito de validade meramente formal e, por
correntes modernas na boca dos positivistas, crian- isso, (d) prega o poder discricionário.
do assim uma confusão que prejudica a correta O Pós-Positivismo Jurídico, se é que existe,
compreensão das características do Dire ito na pode ser provisoriamente definido como uma ten-
modernidade . dência geral do pensamento atual, que procura
Os Pós-Positivistas geralmente se definem resolver o incômodo legado deixado pelo Positi-
a partir das características que (incorretamente) vismo Jurídico: o poder discricionário. A meu ver,
atribuem ao Positivismo Jurídico (cf. STRECK, o próprio Viehweg percebeu isso, quando afirmou
2006, BARROSO, 2001 e SARMENTO, 2004). Essa a complementaridade entre a Teoria Pura do Di-
nova corrente, ao contrário do Positivismo Jurí- reito de Kelsen e a Nova Retórica de Perellmann
dico, não seria (i) estatista e (ii) nem legalista . (VIEHWEG, 1991, p. 165). Os positivistas estavam
Não (v) ·nega a ideia de justiça, (vi) nem defende a certos ao combater a interpretação mecânica. Eles
interpretação mecânica no Direito, (vii) e conhe- demonstraram que as normas jurídicas, aplicadas
ce a existência do princípios, reconhecendo sua a casos concretos, geram, em princípio, várias e
força normativa. Além disso, (viii) não considera não uma única interpretação. O problema é que
mais a lei (os códigos) superior à Constituição, os positivistas pararam aí; constatada essa carac-
mas, pelo contrário, reconhece força normativa terística, eles não buscaram uma solução. E não
à Constituição (SARMENTO, 2004, p. 413) e, por podiam encontrar essa solução, porque, órfãos do
fim, (ix) nega o poder discricionário. Ora, dessas Direito natural (no qual deram o tiro de misericór-
sete características atribuídas pelos pós-positi- dia), t iveram qu e pregar um fund ament o de vali-

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dade formal, que impediu o desenvolvimento de chimento das lacunas, mas ainda não são normas
uma teoria da interpretação que resolvesse o pro- aplicáveis a todos os casos, porque ainda não mi-
blema do poder discricionário. O Pós-Positivismo graram definitivamente para o Direito positivo. O
Jurídico pode tentar resolver esse problema por- Positivismo Jurídico extraiu as consequências ra-
que, apesar de concordar com o Positivismo Jurí- dicais do processo de positivação dos princípios
dico na negação do Direito Natural, adota um jurídicos: constatando que não existe Direito na-
conceito procedimental de validade. A validade tural, os positivistas tiveram que reconhecer que os
do Direitq não é material como no Jusnaturalismo, princípios estão no Direito positivo, e são normas
nem formal como no Positivismo Jurídico, isto é, aplicáveis, do mesmo modo que as demais; não é
não depende de uma ordem material como o Di- por outra razão que o que denominamos hoje, sob
reito Natural (Jusnaturalismo) e nem é material- a luz de um suposto Pós-Positivismo, princípios
mente indeterminada {Positivismo Jurídico); ela jurídicos, são, para os positivistas, normas gerais
depende do procedimento. (Kelsen}, regras de textura aberta (Hart}, ou nor-
mas generalíssimas (Bobbio). Ao Pós-Positivismo
Essas teorias procedimentais ou de base Jurídico coube atribuir um papel aos princípios que
procedimental, como as de Habermas, Dworkin, eles não tinham no Positivismo Jurídico: estar no
Alexy, Günther e, no Brasil, de todos aqueles que centro da teoria da interpretação, teoria essa que
tentam desenvolver um tipo de teoria da inter- procura resolver o problema do poder discricioná-
pretação que procure resolver o problema do po- rio. Nos positivistas, os princípios não poderiam ter
der discricionário, atribuem um papel importante esse papel, porque neles não existe teoria da in-
aos princípios jurídicos, um papel que, é preciso terpretação; essa a grande diferença. A evolução
reconhecer, os princípios jurídicos não tinham na Jusnaturalismo-Positivismo Jurídico-Pós-Positivis-
teoria positivista. Mas o Pós-Positivismo jurídico mo Jurídico pode ser descrita, portanto, através
não descobre ou atribui força normativa aos da mudança do conceito e do papel dos princípios
princípios jurídicos, pois isso já tinha ocorrido. jurídicos: No Jusnaturalismo são diretrizes gerais
Se quisermos sumarizar a questão, podemos dizer do Direito não diretamente aplicáveis a casos con-
o seguinte: os princípios do Direito sempre exis- cretos; na Escola da Exegese são formas de integra-
tiram, tendo sido estudados e conhecidos desde a ção de lacunas, portanto aplicáveis apenas quando
Grécia antiga. No Jusnaturalismo, os princípios ju- da ausência de uma regra legislada; no Positivismo
rídicos estão no Direito Natural, não tendo por isso Jurídico são normas jurídicas com força vinculante,
força normativa direta. Com as codificações que ocor- aplicáveis a casos concretos, porque são normas
rem no século XIX, os princípios passam (sobretudo do Direito positivo; por fim, no Pós-Positivismo Jurí-
na Escola da Exegese) a cumprir o papel de preen- dico, são o ponto central da teoria da interpretação.

BIBLIOGRAFIA

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (Pós-Mo-
dernidade, Teoria Críticae Pós-Positivismo). In: Interesse público, n. 11, 2001.
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 8. ed . Tradução: Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos.
Brasília: Editora UNB, 1996.
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 3. ed. Tradução de A.
Menezes Cordeiro. Lisboa : Fundação Calouste Gilbenkian, 2002.
CAPPELLETII, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução de Aroldo
Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1984.
DWORKIN, Ronald. Levando direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira . São Paulo: Martins Fontes, 2002.
GARCÍA MÃYNEZ, Eduardo. Postivismo jurídico, realismo sociológico y lusnaturalismo. México: UNAM, 1968.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
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. A ilusão da justiça . 2. ed . Tradução de Sérgio Tellarolli . São Paulo: Martins Fontes, 1998a .
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SARMENTO~ Daniel. Os Direitos Fundamentais nos Paradigmas Liberal, Social e Pós-Social - (Póscmodernidade
Constitucional?}. In: Crises e Desafios da Constituição, José Adércio Leite Sampaio (org.}. Belo .Horizonte: Del Rey,
2004.
- STRECK, Lênio Luiz. A Hermenêutica Filosófica e as Possibilidades de superação do Positivsmo pelo
(Neo}Constitucionalismo. ln: Constituição e Crise Política, José Adérdo Leite Sampaio (org.}. Belo Horizonte: Del Rey,
2006.
VIEHWEG, Theodor. Jópica y filosofia del derecho. Barcelona: Gedisa, 1991.

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