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Seance (Kôrei, 2000) dirigido por Kiyoshi Kurosawa, um dos mais renomados
cineastas japoneses da atualidade, conta a história de Junko Sato (Jun Fubuki) uma
médium descontente com sua própria vida como pária da sociedade por suas
habilidades desacreditadas e seu marido Koji Sato (Koji Yakusho), um engenheiro de
som aparentemente satisfeito com sua vida pacata após o desaparecimento de uma
menina da região e o apelo das autoridades locais às habilidades de Junko para a
solução do caso. Por uma coincidência bizarra a menina foge de seu sequestrador e
encontra nas caixas de equipamento de Koji, que trabalha gravando os sons de uma
floresta, uma oportunidade para se esconder, sendo levada para a casa do casal sem o
conhecimento deles. Junko “sente” a presença da menina e ao questionar o marido e
ambos encontrarem o corpo desacordado em uma mala enfrenta um difícil dilema
moral da possibilidade de fama e sucesso como médium e a necessidade de retornar a
garota às autoridades e aos seus pais. Após um trágico acidente Koji acaba matando a
menina e os dois se vêem obrigados a esconder o corpo e seguir vivendo normalmente
depois da fugaz mas poderosa possibilidade de fama e reconhecimento, agora
assombrados pelo espírito da menina assassinada, além de fugirem das suspeitas da
polícia, que rapidamente se aproxima dos culpados.
Embora Junko seja representada desde o príncipio como uma legítima médium,
coisa que não acontece nem no livro do qual foi adaptada a história para o filme de
Kurosawa nem no filme de 1964 também adaptado da mesma obra, o espírito da
menina, objeto de análise deste texto, age de maneira diferente dos espíritos que a
assombram durante o momento inicial do filme. O espírito da garota que passa a
assombrar seu cotidiano é muito mais representativo de sua tentativa falha de inserção
na sociedade como uma mulher independente, uma metáfora de sua ambição perdida
e da destruição de todos os seus sonhos de liberdade. Esse caminho de interpretação
pode ser muito bem avaliado no icônico plano onde Koji e Junko almoçam juntos em
um restaurante e, em um corte abrupto para um plano médio de Junko há um braço
infantil pairando sobre seu ombro, um peso, enquanto o rosto de Junko é tomado de
resignação, de um olhar deprimido, ciente da futilidade de seus sonhos perante o real.
Se para Junko o fantasma age como uma metáfora da ambição perdida, para
Koji, autor do assassinato, ele é a encarnação da culpa, não só dele como a de sua
mulher, que tenta puxar para si mesmo, até nisso invalidando a capacidade dela de
tomar decisões próprias. Koji não é mostrado como sendo capaz de ver espíritos ou
interagir de qualquer forma com o mundo sobrenatural em momento algum antes da
morte da menina. Toda sua experiência com fantasmas se dá depois de cometer o
assassinato, reforçando a presença do espírito em seu universo como um símbolo. Koji
sabe de sua culpa e a de sua mulher mas, carregado de seu senso de
“responsabilidade” para com seu próprio lar tenta culpar a tudo e todos e age com
violência quando confrontado pelos seus espíritos.