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Imagine combinar o clássico “A Hora do Pesadelo” com o filme “Brilho Eterno de uma Mente
sem Lembranças”, de Michel Gondry. Tudo numa atmosfera com referências a “O Iluminado”
de Kubrick e plot twist ao estilo dos filmes de M. Shyamalan. E para completar, alusões aos
conceitos junguianos de Persona, Anima e Animus, Sombra e Self. Teremos como resultado o
ambicioso filme do cineasta canadense Anthony Scott Burns “Come True” (2020): uma jovem
está imersa em um sonho ativo, no qual as fronteiras entre o onírico e o real estão
desaparecendo até se transformar em cobaia de uma pesquisa de ponta em um laboratório do
sono de uma universidade. Os sonhos são dotados de complexos mecanismos para nos
manter inconscientes no interior de um fluxo onírico, sem conseguirmos nos auto observar e
alcançar as camadas mais profundas do nosso Self – a iluminação interior. “Come True” é
uma jornada de gnose junguiana: superar a Sombra ao alcançarmos um nível meta na tela
mental que sempre criamos para nós mesmos.
O alto conceito do filme é o de fazer uma narrativa episódica onde cada capítulo
representa alguns dos principais conceitos da psicologia analítica de Carl Jung: Persona,
Anima e Animus, Sombra e Self. A narrativa acompanha uma jovem de 18 anos chamada
Sarah Dunn (Julia Sarah Stone) desconectada de sua família e de si mesma – a perfeita
personagem do Estrangeiro nos filmes gnósticos, aquele personagem definido pela sensação
de estranhamento e alienação, mesmo no ambiente familiar em que vive.
Perseguida por estranhos sonhos que acompanham um cotidiano quase
sonambúlico, sem conseguir conciliar uma noite completa de descanso e sempre pegando no
sono na escola – com as recorrentes imagens nos sonhos de passagens escuras, enevoadas,
com portas e corpos sombrios dependurados ou parados olhando fixamente para ela.
Seguindo a interpretação de Jung, há algo que impede Sarah de superar tanto a
atmosfera de sombras como as Sombras, entidades que parecem ter um interesse particular
em mantê-la num estado confuso entre os sonhos (ou pesadelos) e a realidade. Assim como
em Jung (o encontro dos limites mais profundos da mente só ocorre com a integração da
Sombra com Anima e Animus), Sarah também tenta se encontrar nesses labirintos oníricos.
Então surge um Laboratório do Sono cujos cientistas, envolvidos em um projeto
inovador, tentarão ajudá-la. Ela torna-se a principal “cobaia” desse projeto neurocientífico,
com consequências éticas, morais e existenciais que poderão ser nada positivas.
Podendo tudo ser revertido em um final ao estilo M. Shyamalan em O Sexto
Sentido.
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27/02/2024 11:56 A gnose junguiana na tela mental dos sonhos no filme 'Come True' ~ Cinema Secreto: Cinegnose
O Filme
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como os não explicados problemas de Sarah com sua mãe que justificaria sua saída de casa;
o porquê de as ruas sempre estarem vazias etc.) seriam evidências de que a protagonista
está em um estado de coma desde o início do filme. O que assistimos desde o início é a
prisão interior da protagonista, mantida pelos mecanismos de sentinela descritos por Freud.
As sentinelas dos sonhos incorporam à narrativa onírica a interferência externa
provavelmente da equipe médica que tenta despertar Sarah – no sonho em estado de coma,
essa interferência é ressignificada como os cientistas do laboratório do sono, e incorporada
ao fluxo do sonho.
Porém a principal referência é a psicologia analítica Jung, para explicar tudo
aquilo que impede Sarah de encontrar a iluminação interior e seu verdadeiro Self. E, assim,
sair do estado de coma e reencontrar a realidade.
Os letterings que dão os títulos aos episódios dos dois primeiros atos de Come
True são dicas de que o que estávamos vendo é uma luta interior de Sarah contra os
simbolismos da dinâmica psíquica que a aprisiona.
O primeiro, a Persona, é a pessoa que projetamos para o mundo exterior. Esta é
a pessoa que queremos que o mundo veja. Muitas vezes é a versão polida de nós mesmos. O
trabalho da Persona é reprimir todas as emoções e instintos que não são socialmente
aceitáveis. Podem surgir problemas quando a Persona domina o eu real e a pessoa não
consegue distinguir seu eu autêntico da imagem que retrata. Sarah pode estar tendo
problemas para conciliar algum abuso sexual da qual foi vítima anteriormente ao coma – os
abusos éticos da equipe de cientistas do laboratório do sono (e principalmente de Riff) pode
ser o simbolismo disso, incorporado à narrativa onírica. Portanto, a Persona de Sarah é a de
uma adolescente inocente.
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imagem. O olho que sangra e é remendado tem a íris escurecida. Isso pode ser um símbolo
da Sombra ultrapassando a Persona.
Jung argumenta que o modelo ideal do parceiro sexual residiria no simbolismo
de Anima e Animus. Jung apresenta os conceitos não como estereótipos arbitrários, mas
como os deuses míticos Eros e Logos. Eros, o feminino, é a criatividade, a subjetividade, os
relacionamentos e a totalidade; enquanto Logos, o masculino, o poder, o pensamento e ação.
Se um homem rejeita sua Anima (sensibilidade e amor) se torna mal humorado e possessivo.
Se uma mulher nega seu Animus em vez de ser assertiva e ambiciosa, ela se torna agressiva
e implacável.
Quando Sarah, diante do espelho, descobre presas, isso pode ser um símbolo de
ela rejeitar seu Animus e se tornar um monstro violento.
Uma vez que o indivíduo superou a Persona e integrou a Sombra e a Anima e o
Animus, ele pode acessar os limites mais profundos da mente, o Self - tudo que somos agora
ou no passado, e tudo que nos tornaremos. É a semente da qual cresce o autoconhecimento
e o desenvolvimento interior. É o nível mais alto da iluminação e só pode ocorrer depois de
forçarmos a Sombra a sair para a luz. E a aceitamos.
Dessa forma Come True alinha-se a filmes gnósticos que tematizam a gnose
como a saída do protagonista de labirintos de origem lisérgica ou onírica quando compreende
(ou pelo menos luta para compreender) a verdadeira natureza dessa dinâmica psíquica –
filmes como O Terceiro Olho, A Passagem, Ink, Enter The Voidentre outros.
A gnose como a superação da tela mental que a mente cria diante de nós,
alimentada por todos os nossos medos, angústias, desejos ou fantasias, representadas pela
Sombra – as entidades que vigiam Sarah e a mantém em constante medo e paranoia.
Sem conseguirmos estabelecer um nível meta nessa tela mental (ou seja, virar a
“câmera”, que filma o sonho, para nós para que nos auto observemos) sempre nos
manteremos imersos inconscientes nessa tela mental, mesmo depois da morte. Assim como
Sarah.
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