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URDUME
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Tapeçaria brasileira:
ecos no presente Carolina Bouvie Grippa
O CADERNO
Urdume
é um programa do Instituto Urdume, que tem
por objetivo partilhar, com aqueles que nos
acompanham, ensaios, esboços e referências
de pesquisas que temos realizado e têm nos
acompanhado nos últimos dois anos.
Boa leitura!
Sobre a autora
Carolina Bouvie Grippa é mestra em
artes visuais com ênfase em Histó-
ria, Teoria e Crítica de Arte (Ufrgs),
graduada em História da Arte (Ufrgs)
e em moda (Universidade Feevale).
Atua como produtora cultural, cura-
dora e pesquisa tapeçaria brasileira
desde 2017.
A o pensarmos em arte, o mais comum é relacioná-
-la com pinturas, aquarelas e esculturas, suportes
lembrados como mais tradicionais. E a tapeçaria?
Qual seria o seu lugar na história da arte brasileira?
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em 1922, na qual Graz expôs tapetes. A partir de então, o casal desenvol-
veu projetos decorativos para a elite paulistana, inclusive na casa moder-
nista de Gregori Warchavchik, o que era uma opção incomum na época.
Porém, havia uma divisão muito clara nos projetos: Regina Graz, por
ser mulher, era a responsável por criar os elementos decorativos liga-
dos ao têxtil, como tapetes, cortinas e almofadas, artefatos associados a
um saber feminino. Independentemente dessa situação, ela inaugurou
a Indústria Regina Graz, em 1940, e obteve sucesso até 1957, quando se
tornou muito difícil concorrer com produções totalmente industriais.
Outra artista que se voltou para a tapeçaria foi Madeleine Colaço, que,
casada com o jornalista e escritor Thomaz Ribeiro Colaço, foi morar
no município de Espraiado, cidade localizada a 70 quilômetros da ca-
pital fluminense. Era por volta dos anos 30, e Colaço desenvolveu, com
grande maestria, diversas tapeçarias, sempre olhando para a paisagem
brasileira – tanto a urbana quanto a da natureza. Seguidamente, a ar-
tista viajava para conhecer mais sobre fauna, flora, histórias, tradições
e arquitetura local e passava o que via para suas criações com linhas.
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e Moderna, da França. “O samba sempre me encantou, gosto de ou-
vi-lo enquanto trabalho. Foi sensibilizada por seu ritmo que inventei
o ponto brasileiro, feito de tal forma que se parece a um gingado”
(MATTAR, 2009, p. 57). A criação do ponto trouxe prestígio a Made-
leine, recebendo diversos convites para mostras, no Brasil e no exte-
rior. Também foi chamada para produzir uma tapeçaria para o Palá-
cio Itamaraty, de Brasília. Essa questão é importante para pensarmos
sobre a tapeçaria no Brasil, pois esse suporte se beneficiou da união
da arquitetura com a arte, muito em voga na arquitetura moderna,
conceito que tem como princípio a ligação intrínseca entre as artes
e a arquitetura, buscando unidade dos elementos artísticos com os
construtivos. No Brasil, a noção foi colocada em prática na casa mo-
dernista de Warchavchik (por isso, a participação de Regina e John
Graz), em 1927, com a construção do antigo prédio do Ministério da
Educação e Saúde, em 1936. Já o ápice se deu com o projeto da cidade
de Brasília, na década de 1950.
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Genaro de Carvalho. Horto da Esperança, s.d.
Tapeçaria bordada em lã sobre talagarça, 95 x 129 cm.
Acervo artístico do Museu de Arte do Rio Grande do Sul – MARGS.
Fotografia: Fábio Del Re & Carlos Stein – VivaFoto.
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O artista francês Jean Lurçat se dedicou intensamente à tapeçaria,
tornando-se conhecido por formular o conceito de “nova tapeçaria”.
A noção propunha que os artistas criassem cartões mais adequados
ao suporte têxtil, priorizando desenhos sem perspectiva, sem som-
breamentos e usando poucas cores. Lurçat também criou a Associa-
ção de Pintores de Cartões de Tapeçaria, com o objetivo de conquis-
tar a autonomia da tapeçaria e envolver mais artistas com a técnica;
e também foi responsável pelo desenvolvimento e pelo sucesso das
Bienais de Lausanne, evento voltado para a exposição de tapeçaria
e arte têxtil, que ocorreu de 1962 a 1995. Apenas cinco artistas bra-
sileiros participaram da mostra suíça: Genaro de Carvalho, Zoravia
Bettiol, Jacques Douchez, Heloisa Silva Braun e Shirley Paes Leme.
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Norberto Nicola. Alba, 1979.
Lã, sisal, algodão em tear de alto liço, 105 x 152 cm.
Acervo artístico do Museu de Arte do Rio Grande do Sul – MARGS.
Fotografia: Fábio Del Re & Carlos Stein – VivaFoto.
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A produção inicial dos dois artistas é de conhecimento e exploração
da lã, muito baseada na transposição dos desenhos já feitos na pintu-
ra para a tapeçaria. Mas, com o passar do tempo, e com mais conhe-
cimento da técnica e das possibilidades que o tear oferece, as obras
foram ficando mais complexas. Ainda assim, seguiam os preceitos da
renovação francesa, com um número reduzido de cores e simplifica-
ção nas formas.
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Jacques Douchez. Funambulesca, 1980.
Lã, sisal e algodão em tear de baixo liço. 134 x 131 cm.
Acervo artístico do Museu de Arte do Rio Grande do Sul – MARGS.
Fotografia: Fábio Del Re & Carlos Stein – VivaFoto.
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Os trabalhos da dupla não mais se pareciam com a tradicional tape-
çaria, apresentando liberdade de forma e do convencional retângulo.
Nicola criou tapeçarias presas apenas pela parte superior, podendo ser
soltas no espaço, e o artista usava cordões, torções e entrançamento
de tiras tecidas. Essas características de seus trabalhos foram retoma-
das em diversos momentos de sua trajetória. Douchez criou uma obra
diferente, mais geométrica. A partir de fitas tecidas sobrepostas e cru-
zadas, o artista deu volume à obra.
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Anos 1970 – o auge da tapeçaria
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Berenice Gorini.
Orunko: Axó Iemanjá,
1977. Fibra natural,
420 x 125 x 115 cm.
Acervo artístico do
Museu de Arte do Rio
Grande do Sul – MARGS.
Fotografia: Fábio Del Re
& Carlos Stein – VivaFoto.
Houve artistas com trajetórias mais consolidadas em outras técnicas, como
pintura, escultura e gravura, que flertaram com o têxtil e chegaram a pro-
duzir algumas tapeçarias. Encontram-se (com certa dificuldade) pelos
acervos e em coleções particulares tapeçarias de Alfredo Volpi, Aldemir
Martins, Francisco Brennand, Di Cavalcanti, Glênio Bianchetti, Iberê Ca-
margo, Nelson Jungbluth, Regina Silveira, Xico Stockinger, Djanira, Ma-
nabu Mabe, Vasco Prado e Carlos Scliar, por exemplo.
O Centro Brasileiro, infelizmente, não teve uma organização efetiva, mas foi
devido a esse passo inicial que se criaram outros centros regionais, como o
Centro Gaúcho da Tapeçaria Contemporânea, em 1980, Núcleo Paulista de
Tapeçaria, em 1982, e Centro Paulista de Tapeçaria, em 1986. Desses, o mais
atuante e longevo foi o Centro Gaúcho, que durou até 2000, somou cerca
de 200 inscritos e realizou mais de 50 exposições no Brasil e no Exterior. O
CGTC também tinha trocas constantes com Centro de Tapeçaria Uruguaio
(CTU) e Centro Argentino de Arte del Tapis (CAAT).
Entretanto, com toda essa movimentação nas décadas de 1970 e 1980, envol-
vendo exposições e artistas, a tapeçaria ficou à margem da história da arte, sen-
do pouco estudada e pesquisada. Houve algumas razões para seu apagamento,
como a ruptura entre Belas Artes e “artes aplicadas”, e a tapeçaria no segundo
grupo, com seus produtores reconhecidos por menor “intelectualização” em
função do saber manual e artesanal envolvido na produção. Essas técnicas tam-
bém estavam muito ligadas ao “mundo feminino”, entravando sua legitimação
perante a dificuldade da mulher em se estabelecer no mundo artístico.
Arte têxtil hoje
Carolina Ponte
Sem título, 2011
Crochê e moldura
de madeira
200 x 340 x 175 cm
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Esse interesse também se reflete em exposições recentes, como a mostra
FIBRA, I Bienal de Arte Têxtil Contemporânea, realizada em 2019 na ci-
dade de Porto Alegre. Também em 2019, a exposição A memória que se
tece: o Centro Gaúcho da Tapeçaria Contemporânea apresentou obras
realizadas no período de existência do grupo, além de documentação e um
vídeo com relatos de associadas. A 12ª Bienal do Mercosul, intitulada Fe-
minino(s): visualidades, ações e afetos, que ocorreu virtualmente também,
teve a participação de artistas que lidam com o têxtil, como Chiachio e
Giannone, Brígida Baltar, Cecilia Vicuña, Lídia Lisbôa e Sandra Berduccy.
É evidente que está ocorrendo uma (re)descoberta do têxtil, tanto por esfor-
ços acadêmicos e de pesquisa, incluindo o próprio Instituto Urdume, quanto
por artistas que olham para os fios para concretizar suas criações. Que essa
movimentação se mantenha presente no futuro e nos faça olhar para esses
artistas do passado que merecem um lugar na história da arte brasileira.
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REFERÊNCIAS
MATTAR, Denise (org.). Norberto Nicola – Trama Ativa. São Paulo: Impren-
sa Oficial do Estado de São Paulo, Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2013.
INSTITUTO
URDUME
Coodernação: Estefania Lima e Paula Melech
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