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DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.

34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto

A entoação sentencial
de um ponto de vista funcional

FRANTIŠEK DANEŠ

A natureza da entoação e os métodos de sua análise

0.1. O estudo da entoação sentencial (estritamente falando, da entoação das


frases) é um dos interesses linguísticos principais. Enquanto outros trabalhos
sobre esse tema eram principalmente descrições fonéticas, em diferentes
instâncias, empregamos, atualmente, uma abordagem genuinamente linguística,
com o propósito de estabelecer um sistema completo. Nesse contexto, é necessário
resolver inicialmente algumas questões relativas à natureza da entoação e de sua
posição entre outros recursos linguísticos, de um lado, e aos métodos de estudo e
de análise, de outro.
0.2. Nas descrições de sistemas linguísticos, a entoação sequencial (entendida
comumente como o movimento tonal no processo da fala) é tratada de duas
maneiras: do ponto de vista fonêmico e do ponto de vista sintático. O primeiro é
feito tomando-se a natureza material da entoação: o segundo, tomando-se a sua
função. Alguns linguistas, como A.I. Smirnickij,1 postularam uma disciplina especial
da gramática cujo alvo era a entoação, aproximando-a da sintaxe. D. L. Bolinger,2
entretanto, mostrou, corretamente a diferença fundamental entre entoação e
fonêmica. Em meu próprio estudo da entoação no Checo, 3 cheguei à conclusão de
que as funções da entoação têm caráter sobretudo não sintático, se entendermos
"sintaxe" como uma teoria da estrutura gramatical das frases. Entoação é um
fenômeno sui generis. É um dos recursos comunicativos elementares da língua, que
forma um sistema fonológico especial, usado para a organização de frases
diferentes em diferentes línguas.
0.3. É tarefa da ciência linguística descrever o sistema fonológico dos recursos
entoacionais em todas as línguas e verificar suas funções.
1.0. O movimento tonal na fala tem um efeito multivariado. A complexidade da
entoação é à primeira vista enganosa e pode levar alguns pesquisadores à
conclusão de que é muito difícil, se não impossível, dar-lhe uma descrição
sistemática e inequívoca, e de que a entoação é apenas parcialmente suscetível à
investigação científica.
De fato, é impossível analisar de uma só vez todo o complexo entoacional; a
abordagem apropriada para a entoação envolve um grande número de sucessivas
etapas de análise.

1 A. I. Smirnickij, Sintacsis anglijskogo jazyka (Moscow, 1957).


2
Dwight L. Bolinger, "Intonation and Analysis," Word V (1949); cf. também U.
Weinreich, "Notes on the Yiddish Rise-Fall Intonation Contour," For Roman Jakobson
(The Hague, 1956), p. 633.
3
František Daneš, Intonace a věta ve spisouné češtině (Prague, 1957)
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1.11. A primeira coisa necessária é uma restrição do material. Em muitos casos,


não se pode examinar uma língua de uma só vez em seus aspectos sociais e
geográficos. A descrição precisa restringir-se a certas formações, tal como uma
língua padrão, um dialeto social, etc.
1.12. A segunda coisa necessária é diferenciar entre traços individuais
acidentais (que pertencem à fala) e traços sistêmicos geralmente válidos e
arbitrários (que pertencem à língua). São esses traços arbitrários e socialmente
efetivos da entoação que são o objeto principal da pesquisa linguística. No caso da
entoação, essa diferenciação é especialmente importante, porque os usos da
entoação como um "sinal espontâneo" são muito numerosos.4
1.13. Em terceiro lugar, é necessário diferenciar traços que cumprem funções
comunicativas e traços que têm outras funções, especialmente as expressivas.
Mesmo que os elementos expressivos, incluindo os emocionais, sejam
quantitativamente predominantes e estejam, em certo grau, presentes em todas as
frases, os traços que pertencem aos dois tipos de função precisam, e podem ser,
diferenciados por razões metodológicas. Os traços que desempenham funções
comunicativas são os que representam a estrutura fônica básica da frase; são eles
que operam como um recurso organizador; e, por essa razão, eles têm relevância
particular para a pesquisa linguística.
1.2. Em relação ao método do estudo linguístico da entoação sentencial, pode-se
proceder (como em outros ramos da linguística) tanto a partir dos recursos da
língua para sua função (isto é, para a necessidade de expressão satisfeita por esse
recurso) como vice-versa. Ambos os procedimentos têm suas vantagens e suas
desvantagens, dependendo de seus objetivos. Na minha opinião, é conveniente
combinar os dois métodos, porque são complementares: um pressupõe o outro.

4
Alguns investigadores, como D. L. Bolinger (Word V, p. 249), enfatizam esse
aspecto quando dizem que a entoação está "incorporada numa matriz de reações
instintivas"; eles não fazem justiça à suas funções genuinamente linguísticas,
arbitrárias que são demonstradas pelas diferenças entre as línguas. Desse ponto de
vista, veja-se Mathesius, "K teorii větné intonace," Slovo a slovenost III (1937), pp.
148FF. — De um ponto de vista genético, fórmulas entoacionais podem efetivamente
ter se desenvolvido a partir de sinais instintivos; dada a similaridade relativa de
esquemas entoacionais em muitas línguas. O grau da arbitrariedade é proporcional ao
grau da intelectualidade da função entoacional. Portanto, ao menos em seu uso menos
intelectual, mais "espontâneo" ou instintivo, a entoação é compreensível entre
diversas fronteiras linguísticas: em línguas estrangeiras é mais fácil reconhecer e
assumir certas emoções do que distinguir uma pergunta de uma afirmação. — P. Trost
em seu artigo "O problémech větné intonace," Slova a slovenost III (1937), p. 226,
distinguiu três tipos de uso entoacional: (1) mimetismo entoacional, no qual a
entoação é simulada espontânea, natural e psicofisiologicamente; (2) fórmulas
entoacionais, no qual tais valores naturais são intencionalmente utilizados; (3)
oposições entoacional, que entram em um sistema de forma e sentido peculiares à
língua, e para os quais os valores psicofisiológicos da entoação são irrelevantes. — L.
Bloomfield distingue entre "padrões entoacionais distintivos da fala" e o uso da
entoação "na forma de gestos, como quando falamos asperamente, sarcasticamente,
petulantemente… e assim por diante." (Language, New York, 1933, p. 114).
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1.21. Procedendo na primeira direção, da forma para a função, comparamos


contornos entoacionais de várias frases e de suas variações em diferentes
contextos e situações, e, por esse procedimento, chegaremos a um grande número
de padrões entoacionais que constituirão um sistema de oposições fonológicas. O
próximo passo é verificar as funções desses padrões. Comparando várias frases
que contêm o padrão dado, nós chegaremos a traços básicos comuns que serão
recorrentes nessas frases. Esses traços podem ser chamados de "denominador
comum" ou "máximo divisor comum".
1.22. O procedimento reverso, da função para a forma, baseia-se na questão que
segue: Como o ouvinte reconhece que uma frase terminou? De que maneira uma
palavra é apresentada para contraste? Na busca das respostas, comparamos várias
frases do tipo dado e, então, chegamos ao padrão entoacional que tem a função
dada. Esse procedimento pressupõe naturalmente uma noção impressionística das
mesmas funções possíveis da entoação, como uma análise preliminar da forma.
1.23. No estudo da entoação, o procedimento que começa com a forma é o
primário; entretanto no processo da análise é frequentemente vantajoso combiná-
lo com o segundo procedimento. Na minha opinião é errado abordar a língua como
se não a conhecêssemos. De fato, um estudante que examina uma língua que ele
conhece bem, especialmente sua língua materna, está numa situação diferente do
estudo acadêmico de uma língua completamente estranha. Entretanto, é possível
antecipar algumas funções linguísticas mesmo numa língua não familiar. Se essas
antecipações forem usadas como hipóteses de trabalho, sujeitas à verificação,
alteração ou rejeição por investigações posteriores, a carga de apriorismo será
inválida.
Recentemente, na literatura linguística americana houve referências ao fato de
que um procedimento mecânico de análise de dados brutos, especificado com
precisão, não garante a descoberta de teorias científicas corretas. Mesmo nas
ciências físicas mais avançadas, as novas descobertas não são feitas somente por
meio de procedimentos bem estabelecidos; muitos cientistas usam como fonte de
inspiração teorias bem-sucedidas e noções de cientistas mais antigos e mais
experientes.5 Os critérios de correção devem ser procurados em outro lugar.
1.31. Quanto à TÉCNICA para se investigar a entoação, dois procedimentos
fundamentais têm de ser avaliados: o instrumental e o auditivo. Atualmente,
muitos linguistas e foneticistas, a despeito dos últimos aperfeiçoamentos, veem as
possibilidades da investigação experimental mais sóbria e criticamente do que
antes, especialmente quanto à fala fluente. Entendem que instrumentos são mais
acurados e sensíveis do que os ouvidos humanos, mas, também, que gravações
instrumentais e suas interpretações em termos de física acústica não dão um
quadro verdadeiro dos meios pelos quais os ouvintes ouvem e entendem (avaliam)
sua própria língua.
Os traços da entoação linguisticamente relevantes condicionam-se por três
fatores: (1) fatores de natureza física e fisiológica (a capacidade de organismos

5
Cf. N. Chomsky, Syntactic Structures (The Hague, 1957), §6.1, e a resenha desse
livro por Robert B. Lees, in Language XXXII (1957), 375-408: "Os cânones linguísticos
americanos são particularmente caracterizados por essa confusão de técnicas de
campo e de laboratório para a coleta e a classificação dos dados por um lado e o
modelos de construção ou de escrita da gramática por outro" (pp. 379f);
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humanos apreenderem e distinguirem ruídos), (2) fatores psicológicos (contexto:


interferências entre efeitos do tom; quantidade, intensidade e velocidade;
expectativa e surpresa; etc.), e (3) fatores linguísticos (o conhecimento de um
sistema linguístico particular, adquirido na infância, determina a relevância
fonológica de vários traços fônicos). Somente o primeiro fator está pronto para a
investigação instrumental. Entretanto, os instrumentos que temos para investigar
tom e acento na fala fluente são relativamente imperfeitos, e a investigação, sendo
pesada e complexa, pode cobrir somente uma parcela limitada dos dados.
Considerando-se a relativa escassez de gravações, o perigo de acidentes nas
investigações instrumentais é consideravelmente maior do que na auditiva, que
sempre tem dados quase ilimitados à sua disposição.
A gravação instrumental mais completa torna-se útil para a linguística somente
depois da análise e da avaliação a partir do ponto de vista da função e da
significância de vários componentes em termos do sistema da língua. A gravação
instrumental não permite, por si só, verificar a significância e a função de várias
ondas, formantes, etc. — que precisam, primeiro, ser descobertos, mesmo se forem
apenas um esboço, por uma análise auditiva da língua falada.6
1.32. A análise auditiva precisa ser refinada, sobretudo pelo uso de vários
procedimentos experimentais. Não é possível se contentar com a audição casual de
uma frase nem apenas com o uso pessoal; como próxima etapa, alguns tipos de
frases precisam ser procurados deliberadamente, de acordo com um plano pré-
estabelecido. Os procedimentos mais importantes são: (a) repetição da mesma
frase pela mesma pessoa e por diferentes pessoas, uma vez que a comparação de
várias realizações de uma mesma frase elimina muito dos traços casuais e
idiossincráticos; (b) omissão, substituição e transformação — procedimentos que
são úteis em outras áreas da pesquisa linguística, e que nos permitem atingir
traços fonológicos relevantes e verificar as relações entre padrões entoacionais.
Gravações em fita, que tornam possível a repetição e outros tipos de manipulações,
também têm um papel importante.

Sistemas de contornos entoacionais

2.0. As unidades fonológicas da entoação sentencial são os contornos entoacionais


que constituem um sistema de oposições. Isso não quer dizer, entretanto, que a

6
Cfr. K. L. Pike, The Intonation of American English (Ann Arbor, 1945), p. 14 "… uma
análise instrumental para propósitos linguísticos precisa ser precedida por uma análise
de contraste da entoação que, por seu turno, demanda uma atenção cuidadosa das
características que portam ou levam os significados." — Minha própria visão foi
favoravelmente citada por P. L. Garvin e M. Mathiot em seu artigo, "Fused Units in
Prosodic Analysis," Word XIV (1958), p. 179f., fn. 5. Cf. também o comentário análogo
feito por Robert Lees, a respeito do uso de métodos estatísticos na linguística
(Language XXXIII [1957], pp. 379f.): "Métodos estatísticos são, de certa maneira,
mecânicos… mas, apesar de muito material poder ser facilmente resumido, ele não
pode ser explicado desse jeito. Recentes sugestões de que a segmentação fonêmica ou
morfêmica seja mecanicizada por uma técnica estatística são melhor interpretadas
como recurso para gerar hipóteses sobre fronteiras linguística que podem, então, ser
validados gramaticalmente.
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natureza das unidades entoacionais é igual à dos fonemas.7 A estrutura interna das
unidades entoacionais e a posição da entoação na língua diferem substancialmente
em relação às dos fonemas. Contornos entoacionais e fonemas são fenômenos de
ordem diferente, mesmo que ambos pertençam ao plano fônico da língua. Se
tomarmos a fonologia como uma disciplina funcional que lida com elementos
fônicos da fala (e não, no sentido estreito, como uma teoria somente de fonemas —
"fonêmica"), fica claro que os princípios metodológicos básicos da fonologia
também podem ser aplicados à entoação sentencial.8
2.1. Contornos entoacionais são formações de tom e intensidade (padrões) que
operam como um todo. As mudanças de tom em quaisquer contornos passam por
um grande número de pontos constitutivos e distintivos, que são fixos em vários
níveis tonais relativos. Um desses pontos é o acento (que coincide com a sílaba
acentuada de uma unidade acentual) e que se constitui como o centro do contorno.
Assim, o contorno — como um padrão abstrato — determina-se (1) pelo número
de seus pontos distintivos, (2) pelos seus níveis tonais respectivos (3) por sua
sucessão (configuração). A controvérsia "níveis vs. configurações"9 pode ser
resolvida lidando-se com configurações de níveis.
Numa frase concreta o movimento tonal se distribui acima das sílabas; mas se
realiza por elas.10 Os padrões entoacionais são coordenados com sua base
"segmental" pela coincidência do centro do padrão com a sílaba acentuada de uma
unidade acentual. (A escolha de uma unidade acentual é determinada por regras
funcionais, explicadas abaixo.) Há três relações possíveis de padrão acentual para
uma base segmental: (a) "idealmente", o número de pontos distintivos do contorno
e o número de sílabas são o mesmo e o contorno tem sua forma completa; (b) os
pontos distintivos são mais numerosos do que as sílabas (no caso extremo há
somente uma sílaba) e o contorno tem uma forma contrata; (c) o número de
pontos distintivos é menor do que o número de sílabas, e o contorno tem uma
forma estendida; os níveis tonais da sílabas "surplus" ['excedentes'] são, então,
irrelevantes, mesmo que eles estejam sujeitos a alguma norma.11
2.2. O conjunto de padrões entoacionais funcionais constitui um sistema e sua
estrutura fonológica é determinada por suas relações mútuas. Isso é análogo à
maneira pela qual os traços distintivos do fonema são determinados pelo sistema
fonêmico como um todo, pela relação de um fonema no que diz respeito aos
demais. Em outras palavras, a estrutura fonológica de um contorno não é um fato
absoluto, ela é relativa à sua posição no sistema de contornos que produzem
oposições tonais distintivas. Os níveis tonais não existem fora do contorno e seu

7
Cf. D. L. Bolinger, op. cit., pp. 248ff.
8
Cf. a expressão de Karcevski "a fonologia da frase,", e.g. in Travaux du Cercle
Linguistique de Prague 4 (1931), p. 188 f.
9
Cf. D. L. Bolinger, "Intonation: Levels or Configurations?" Word VII (1951), p. 199-
210
10
A entoação pode existir somente na subestrutura do material "segmental".
Apenas em casos anormais, "patológicos", pode ser murmurada sem palavras: mas isso
é um uso secundário, derivado de casos normais e mantido por eles.
11
Somos tentados a dizer que os contornos estendem-se e contraem-se como uma
sanfona de acordo com a sua base de segmental.
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número pode ser estabelecido somente pela análise do sistema entoacional


completo, e não para cada contorno separadamente.
Para ilustrar: um dado contorno baseado no esquema Fig. 1 ⎽⎺⎻ pode ser
interpretado em termos de três níveis tonais; mas se levarmos em conta outro
contorno que pertença ao mesmo sistema, baseado no esquema Fig. 2 ⎽⎺⎼ , e que
seja portador de outra função, precisaremos interpretar ambos os contornos em
termos de quatro níveis: o primeiro como °4—1—2, o segundo como °4—1—3. O
nível do ponto terminal é o traço distintivo dos dois contornos no sistema
delineado. (Para um confronto similar, a distinção dos outros níveis, 1 e 4,
precisaria ser estabelecida.)
De um ponto de vista fonológico, o sistema de níveis tonais não está sujeito à
frequência física concreta (absoluta); os intervalos entre os níveis particulares,
bem como a localização total dos padrões na escala vocal são variáveis. A
magnitude física concreta dessas quantidades variáveis depende de outros fatores
que não afetam a estrutura do contorno. Um dado esquema entoacional permanece
com sua identidade mesmo se uma vez ele for pronunciado em uma voz grave (por
exemplo, "entre parênteses") e outra vez em uma voz aguda; ou uma vez com
longos intervalos (por exemplo no caso de uma emoção forte) e outra vez com
intervalos breves.
2.3. As funções multivariadas do tom, linguísticas e extralinguísticas, podem ser
analisadas do ponto de vista das seguintes camadas: (1) o tom como uma
componente de um "complexo acentual"; (2) o tom em um sistema quasifonêmico
de contornos entoacionais (que funcione comunicativamente ou não); (3) o nível
tonal genérico de uma unidade rítmica (seção de frase) como um todo em relação
às unidades rítmicas vizinhas (por exemplo, o tom baixo de uma frase parentética);
(4) a tendência geral do tom na frase inteira, ou em sua maior parte (compondo
uma unidade rítmica com dois ou mais centros entoacionais); (5) o nível tonal
genérico da frase como um todo (em relação à escala vocal do falante). A realização
de elementos que pertençam a certa camada depende da realização dos elementos
de todas as camadas que se encontram mais acima.
2.4. Qualquer realização efetiva de um contorno, isto é, qualquer padrão
entoacional concreto, consiste em um grande número de elementos e de traços
fônicos. Mas no sistema linguístico abstrato nem todos esses traços precisam
necessariamente ser empregados: alguns traços são traços puramente individuais,
alguns, — como a duração do contorno — dependem da duração silábica da base
segmental, etc. Se eles são empregados, os elementos fônicos e os traços diferem
no grau e na maneira de seu uso de acordo com os diversos domínios das funções
linguísticas fundamentais. Assim, o padrão entoacional colocado no final de uma
frase do Checo do tipo Ty tam půjdeš! 'sai daqui!', que expressa um comando
nervoso transmitido pelo modo indicativo, sinaliza (1) a compleição da frase, (2) a
modalidade, isto é, a intenção, e (3) a emoção relevante. O ouvinte, julgando a
partir da presença ou da ausência de traços entoacionais quasifonêmicos
particulares (e dando conta da estrutura gramatical da frase, de seu conteúdo
semântico e de seu contexto), descodifica o sentido complexo desse esquema
entoacional.
2.41. Um exemplo mais completo é o seguinte. O padrão entoacional do Checo
Estandardizado que marca o final da frase diferente de uma pergunta com palavra
interrogativa (em minha terminologia, o "contorno final não especial") baseia-se

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em um único traço fonológico, isto é, a queda do tom sobre a(s) sílaba(s) que
segue(m) a sílaba acentuada (central);12 a queda final abrange uma queda de ao
menos dois níveis tonais. Todos os outros traços são, com respeito a suas funções
básicas, irrelevantes. Assim, vemos que esse contorno tem uma forma
relativamente frouxa que permite uma liberdade considerável em sua realização;
por exemplo, a declividade da queda, a posição das sílabas antes da sílaba
acentuada, e, algumas vezes, até a posição da sílaba acentuada são variáveis. A
realização desses elementos variáveis podem ser: (1) linguisticamente livre
(mesmo se depender de circunstâncias extralinguísticas); (2) formalmente
condicionadas (por exemplo, pelo número de sílabas na unidade acentual); ou (3)
funcionalmente condicionada. Este último condicionamento pode ocorrer, por sua
vez, de duas maneiras: (a) por funções expressivas, (b) por funções comunicativas
secundárias. Nos casos (1) e (2), falamos de variantes de um dado contorno, no
caso (3) de modificações fonológicas de variantes de contorno.13 No caso do
referido contorno final do Checo existe, paralela à forma fundamental, uma
modificação expressiva que desempenha a função adicional de marcar ênfase
contrastiva. Isso tem um traço fonológico, qual seja, a fixação do nível tonal mais
alto sobre a sílaba acentuada. Esse traço fonológico é mantido por uma elevação na
sílaba que precede a sílaba acentuada. Essa posição fixa de algumas sílabas é
somente um traço acompanhante; ele é dependente, subsidiário, e não entra em
uma oposição fonológica. (Isso não quer dizer, de fato, que esse fenômeno seja
raro; a descrição de contornos precisa ser sistematicamente explicada para sílabas
com posições fixas.)
2.5. Podemos dizer que a complexidade funcional dos contornos entoacionais
correspondem a sua elasticidade formal. Essa elasticidade baseia-se na
variabilidade de quatro fatores: (a) a duração do contorno em termos de sílabas,
(b) os intervalos entre os níveis tonais (isto é, escalas tonais do contorno), (c) a
posição do contorno em relação à escala vocal do falante e (d) a posição das sílabas
do contorno que estão livres para qualquer tom (isto é, cujo tom não é
determinado no contorno). Com a entoação, a fala humana tem um recurso
engenhoso que torna possível expressar sentidos complexos por um meio simples
e econômico em pequenos trechos, algumas vezes numa única sílaba. Há dois
princípios gerais dos quais esse manejo de entoação depende. Um deles diz
respeito à relação do ouvinte com a frase; o outro, à técnica do falante.
2.51. O ouvinte que conhece a língua na qual ele está falando (a língua
naturalmente prevê apenas esses ouvintes) também conhece as funções da
entoação na língua. Na percepção da fala fluente, o ouvinte tem de reconhecer se a
frase está terminando ou se ela ainda vai continuar. Isso significa que sua atenção
está focalizada nos traços entoacionais que têm uma função distintiva no sistema
de oposições entoacionais, isto é, aqueles que desempenham funções esperadas. Os
outros traços e qualidades entoacionais, que são variáveis e irrelevantes em
relação à função em foco, não lhe interessam, e ele não se dá conta deles. Mas, de
fato, a oposição "conclusão vs. continuação da frase" é apenas uma função

12
A descrição sempre se aplica à forma completa do contorno.
13
Naturalmente, sempre num dado domínio. Um traço que aparece como uma
modificação fonológica no domínio expressivo é uma variante com vistas ao domínio
comunicativo, e vice-versa.
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entoacional possível; a entoação também pode ter uma função modal; ela pode
marcar uma ênfase contrastiva, ela pode indicar vários elementos emocionais
(expressividade), e assim em diante. O ouvinte, então, também se dá conta de cada
uma dessas funções e é capaz de, simultaneamente, abstrair da forma entoacional
concreta a presença (ou a ausência) dos traços fonológicos respectivos e, assim, as
diversas funções linguísticas. Da mesma maneira, ele pode abstrair os elementos
individuais sintomáticos da personalidade do falante (idade, sexo, outras
qualidades físicas e mentais, posição social, local de origem, etc.).
Por meio dessa capacidade para analisar e abstrair, o ouvinte é capaz de separar
a forma complexa entoacional em subsistemas separados de elementos linguísticos
que pertencem a diferentes domínios funcionais. Reciprocamente, é nessa
capacidade humana que o sistema entoacional se baseia. O princípio pelo qual a
descodificação de complexos entoacionais é efetivado pode ser chamado (seguindo
K. Bühler) de princípio de relevância abstrativa.
2.52. O outro princípio pode ser explicado pelo exemplo de uma área um pouco
diferente — a fisiognomia. O estudo de um determinado rosto numa foto pode
resultar numa proposição "Esse menino se parece com a mãe." Três coisas são
afirmadas aqui: que é o rosto de um (1) não adulto (2) masculino e que (3) ele se
parece com outro rosto. O observador chega à conclusão examinando os traços de
um dado rosto. Isso significa que o rosto humano é uma estrutura complexa, com
diferentes traços. O observador separa-os em diversos planos, em nosso caso, três:
sexo, idade e semelhança com outro rosto. De fato, ainda que esses traços possam
existir, eles são poucos (por exemplo, uma covinha, no plano da semelhança);
inquestionavelmente há mais traços que pertencem simultaneamente a diversos
ou a todos os planos. Entretanto, eles têm um sentido diferente em cada plano.
Esses traços têm múltipla validade, que estão de acordo com o plano no qual eles
estão colocados, isto é, o plano no qual nós projetamos. Essa capacidade para
funcionar em diversos planos ao mesmo tempo é possível por causa de uma certa
liberdade ou "tolerância ao erro" nas realizações concretas dos traços dados. Aqui
encontram-se as raízes das "variantes" diferentes. De fato, o que se parece como
uma mera variante em um plano pode não ser uma variante em outro, onde ela
pode ser considerada como um elemento independente que porta um sentido
especial. Da mesma maneira, para qualquer rosto de criança (contrariamente aos
rostos de adultos) algumas proporções básicas são característica, mas, uma vez
que elas não são dadas com exatidão matemática, podemos achar que uma testa
relativamente alta é um traço comum entre o rosto da criança e de sua mãe.
Naturalmente, se as proporções forem violadas, isto é, se alguns traços excederem
a tolerância permitida, uma deformação seria realizada, que poderia ser expressa
no caso em questão por alguma proposição como "Esse menino parece mais
velho."
O princípio da tolerância aplica-se igualmente à entoação: qualquer traço
fonológico (de um certo domínio funcional) pode ser realizado livremente dentro
dos limites dados pelo sistema. Nós podemos facilmente trazer exemplos da
fonêmica segmental de diferentes línguas. Em Checo, /e/ tem uma liberdade
(tolerância) muito maior de realização do que o /e/ inglês, porque, em inglês, a
vogal é limitada no sistema pela existência do fonema /æ/. Mas, efetivamente na
pronúncia de /e/, como [ɛ] no Checo standard, embora ele não indique nenhum
erro, soaria incomum e pouco natural: ele poderia ser avaliado como dialetal,

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cômico, expressivo, etc. Pois, um traço (detalhe da altura da língua) que é


irrelevante na esfera comunicativa não é irrelevante em outra esfera. Alguns traços
que são fonologicamente irrelevantes na esfera comunicativa podem tornar-se
pontos de partida de mudanças históricas no sistema.14
2.6. Assim, verifica-se que isso não é apenas possível, mas até mesmo necessário
de um ponto de vista metodológico, para diferenciar na análise da entoação traços
comunicativos de traços expressivos, mesmo que na fala fluente eles sempre
apareçam simultaneamente.15

As funções da entoação

3.1. A função fundamental da entoação é transformar palavras, como unidades de


chamamento, em unidades comunicativas, isto é, em frases. Cada palavra ou
sucessão de palavras torna-se automaticamente uma frase quando é pronunciada
em uma certa forma entoacional. A frase como um todo é normalmente organizada
ainda de alguma outra maneira, isto é, tem uma forma gramatical específica. Essa
forma gramatical, eu chamo de padrão sentencial, e, a frase que tem essa forma, eu
chamo de frase sentencial ou sentença num sentido largo. Elas se caracterizam pelo
fato de que sua validade comunicativa é duplamente marcada — pela entoação e
pelo padrão sentencial. A entoação é, então, o mais comum, o mais elementar, o
recurso marcador de frase sempre presente. Frases sem forma gramatical
(sentenças) ocorrem, mas sentenças sem entoação frasal não ocorrem. (No texto
escrito a entoação precisa ser insinuada por meios gráficos).
3.11. Uma palavra ou sucessão de palavras, ao se tornar uma frase, termina em
um certo tipo de padrão entoacional. Olhando para uma frase isoladamente, a
entoação, então, integra a frase; olhando para a fala fluente discursiva, a entoação
delimita as frases uma da outra e ao mesmo tempo segmenta o discurso conectado.
Qualquer frase (com a exceção daquelas não terminadas) terminam em algum
tipo de padrão entoacional. Mas no que se refere à fala fluente discursiva (o texto),
não é necessário que cada instância do padrão final entoacional assinale o final da
frase. Em outras palavras, não é possível definir a frase simplesmente como uma
porção da fala fluente discursiva (texto) entre dois padrões entoacionais finais.
(Essa é a razão porque alguns pesquisadores, ao definir uma sentença, usam
critérios fonológicos somente como um suplemento ao critério distribucional.)16

14
Cf. a noção de Mathesius da potencialidade do fenômeno linguístico ("O
potenciálnosti jevů jazykových, Věstinik Královské české společnosti nauk 1-24) e o
termo "Richtigkeirbreite" de O. Jespersen (Phonetisch Grundfragen, Leipsic, 1904).
15
M. Schubinger (The Role of Intonation in Spoken English, St. Gall, 1935) foi um dos
primeiros pesquisadores que se esforçaram em sua análise para diferenciar
estritamente entre as duas esferas. Cf. também Bloonfield: "… variações tipo gesto,
não distintivas mas socialmente efetivas, assemelham-se muito às distinções
linguísticas verdadeiras" (Language, 1933, p. 104).
16
P. L. Garvin, "Operations in Syntactic Analysis," Report of the Seventh Annual
Round Table Meeting on Linguistic and Language Study (= Georgetown University
Monograph Series on Language and Linguistics, no. 9), Washington, 1957, pp. 59-72.
9
DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto

3.12. Em suas funções delimitadoras e segmentadoras os padrões entoacionais


não operam independentemente, mas formam, junto com as pausas, um recurso
linguístico especial — assim chamado de juntura.17
3.13. Frases que são longas ou complexas, ou ambas, segmentam-se por razões
rítmicas e/ou funcionais por meio de junturas entre seções de frases; essas seções
diferem de frases completas porque elas finalizam em contornos do tipo não final
(continuadores). Então, a entoação, nesse caso, marca a oposição 'conclusão vs.
continuação da frase'. (A segmentação propriamente — na forma da oposição
'presença vs. ausência de juntura' ou 'juntura com pausa zero vs. juntura com uma
pausa de um nível mais alto' — tem, algumas vezes, uma função especial na
gramática ou na estrutura semântica da frase.)
A segmentação da frase em seções é hierárquica. A porção do texto entre duas
junturas com um padrão entoacional final e uma pausa relativamente longa
representa uma unidade de um nível mais alto; essas unidades são normalmente
idênticas às frases (ou sentenças) propriamente ditas, mas algumas vezes elas
representam exclusivamente porções de frases separadas.18 Essas porções podem,
elas mesmas, ser subdivididas por meio de junturas de dois ou três graus
diferentes em mais seções, formando, assim, grupos hierárquicos de seções.
Junturas de graus diferentes diferenciam-se pela forma do contorno entoacional e
pela duração da pausa delimitadora.
3.2. A segunda função da entoação é marcar a integração de duas partes temáticas
fundamentais da frase, chamada 'tema' (a coisa já conhecida e de que já se falou) e
o 'rema' (o que se diz sobre o tema).19 Nos exemplos seguintes, o sublinhado
significa acento; T=tema e P=rema.

17
P. L. Garvin, que expôs — em seu artigo sobre "Fused Units in Prosodic Analysys"
[unidades fundidas na análise prosódica] — a "abordagem integracional" para
problemas fonológicos (em oposição ao "tratamento linear"), se aproxima, em muitos
aspectos, de nossa concepção do problema. As "unidades fundidas" de Garvin, que são
"unidades fonêmicas de alto nível", correspondem às nossas "configurações", e são
chamadas por, por ele e por mim, de "contornos". Eles têm como suas características
mais gerias (a) traços prosódicos (tom e intensidade) e (b) traços de fronteira (pausas).
Em nossa concepção, a juntura compreende não somente a pausa (traços de
fronteira), mas também o contorno precedente; os tipos de juntura (e seus diferentes
graus) são definidos não somente pela duração da pausa, mas também pelo tipo de
contorno precedente e sua variante que realmente estiver ocorrendo.
18
A frase não é um conceito no nível fônico — cf. §3.21 — mas sim o fato de que
porções de frases entre junturas finais não podem ser identificadas com frases
completas mostra que as fronteiras entre frases na fala real são um tanto vagas.
19
O tema tem uma dinamicidade frasal mínima, a do rema é máxima. Eu prefiro os
termos franceses 'thème' e 'propos' [N.R.: nesta tradução, usamos o termo 'rema' para
traduzir 'propos'] (usado pelos linguistas holandeses A. W. de Groot, C. L. Ebeling, e
outros) aos termos confusos "sujeito psicológicos" e "predicado psicológico"; eles
correspondem ao Checo základ (ou východisko) výpovědi e jádro výpovědi. A
diferenciação de frases a partir dessa base, chamada por alguns linguistas checos de
"perspectiva funcional da sentença", foi elaborada por Vilém Mathesius sobre o título
de "organização contextual" (významová výstvba).
10
DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto

Inglês: The train has come ['O trem veio.'] The train has come
T P P T
Russo: Poezd prišol Poezd prišol
T P P T
Prišol poezd Prišol poezd
P T T P
A operação da entoação nesse domínio é governada por duas regras básicas: (1)
na frase inteira o rema é normalmente colocado no final; (2) o centro da
informação (CI) com o contorno final é sempre colocado no rema (especificamente,
sobre a última palavra acentuada do rema), isto é, na última sílaba acentuada da
frase.
3.22. Dessas regras seguem-se mais quatro afirmações:
(a) O último (terminal) CI na frase difere de outros CIs da mesma frase (se
houver algum, isto é, se a frase inteira for segmentada por meio de junturas em
seções) por sua posição hierárquica: ele é o próprio centro da frase em contraste
com outros CIs que o precedem na frase e ao qual são subordinados, isto é, do qual
são somente centros de seção. (Em cada seção esses CIs de seção, com seu
contorno não final, localizam-se na última unidade acentuada da seção.) Esse perfil
fônico (e organização correspondente tema-rema) da frase por ser tomada como
normal, neutra, e a posição terminal da CI como automática.
(b) Se a CI estiver localizada em uma palavra diferente daquela especificada no
item (a), como quando se faz uma "topicalização" ou uma modificação do contorno
final, dizemos que a CI está numa posição desautomatizada. O perfil e a
organização tema-rema da frase é, dessa maneira, quebrada no primeiro plano: a
palavra que leva IC é reconhecida não somente como o rema, mas também como o
"rema enfatizado por contraste."20 (O mesmo processo pode ser repetido em uma
escala menor, por assim se dizer, no escopo de diferentes seções.) Se é a primeira
palavra acentuada da frase que é marcada como rema, a frase inteira toma um
caráter enfático. (Isto se aplica, de fato, somente às línguas nas quais a inversão da
ordem das palavras, é possível, cf. nossos exemplos do Russo acima.)
(c) De (a) e (b) segue-se que, pela mudança do CI frasal do final para o início,
forma-se um contorno longo. Ao mesmo tempo, todas as junturas de seção
(mediais), que poderiam seguir o CI da frase são "eliminadas": o CI da frase precisa
ser o último.
(d) A palavra na posição terminal (automática) pode ser enfatizada por
contraste usando a forma de topicalização do contorno.21
3.23. As regras que estabelecemos aqui aplicam-se em geral provavelmente a
muitas línguas europeias e talvez a outras línguas semelhantes. Certamente, seu
efeito real difere em línguas diferentes. Tanto depende do sistema acentual das
línguas quando do uso de outros recursos para marcar a organização tema-rema,

20
Isto é "ênfase por contraste", que, de acordo com D. Jones (An Outline of English
Phonetics, London, 1956, p. 277), "é a ênfase que pretende mostrar que uma palavra
está contrastada com outra (implícita ou expressa anteriormente), ou que uma palavra
introduz uma ideia nova e inesperada."
21
Em frases com organização mais complexa, isto é, com rema duplo ou múltiplo,
ou frases compostas (duplas ou múltiplas), aplicam-se mais regras.
11
DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto

especialmente no uso de ordem de palavras. Assim, quanto às línguas eslavas,


especialmente no Checo, a ordem de palavras é muito utilizada na organização
tema-rema da frase, já no Inglês utiliza-se principalmente a estrutura gramatical
da sentença.22
Seguem alguns exemplos:

(1) I 'didnʾt 'ask you to ['não pedi para você'] — normal, perfil neutro de frase, CI
na posição automática, contorno na forma neutra
(2) I 'didnʾt 'ask you to — CI na posição desautomatizada, neutra ou contorno de
primeiro plano, o perfil de topicalização da frase, a palavra I
está enfatizada por contraste.
(3) I 'didnʾt 'ask you to — a mesma coisa, mas a palavra you está enfatizada.
(4) I 'didnʾt 'ask you to — perfil de frase de primeiro plano; CI na posição
automática (cf. exemplo 1), mas o contorno de topicalização
foi aplicado.

3.231. O exemplo (3) é interessante de um ponto de vista comparativo. A


proporção de monossílabos no vocabulário do inglês resulta numa relativa
instabilidade de unidades acentuais na frase; o acento pode mudar sua posição
neutra (normal)23 de acordo com a necessidade da organização tema-rema da
frase: uma palavra acentuada facilmente torna-se átona e vice-versa. De acordo
com a necessidade e a circunstância é possível, no caso da desautomatização,
mudar o CI para o final da frase, desde que a posição terminal automática não seja
absolutamente a posição final, mas apenas a posição mais próxima da final que seja
neutra. Em Checo, por outro lado, a estrutura das unidades acentuais é mais
estável. Normalmente a primeira sílaba é acentuada e a unidade acentual consiste
de apenas uma palavra. Quando uma palavra acentuada está seguida por uma ou
mais palavras monossilábicas, ou algumas vezes mesmo por uma dissilábica, todos
elas podem ser uma unidade acentual, mas uma unidade desse tipo não ocorre
normalmente antes de pausa (isto é, no final de frase); nesta posição qualquer
palavra se torna acentuada (com exceção de fato, dos assim chamados enclíticos).

22
Cf. Mathesius, "Studie kl dějinám anglického slovosledu." Věstník České Akademie
XVI (1907), XVII (1908) XVIII (1909), XIX (1910); "Ze srovná vacích studií slovosledných,"
Časopis pro moderní filologii XXVIII (1942), 181-190, 302-307; "Několik poznámky k
problematice anglického slovního pořadku z hlediska aktualního členění věného" (com
résumé em inglês, "Some Notes on the Problem of Word Order From the Point of View
of Actual Sentence Analysis"), Brno University, Sborník pracé filosofické fakulty, 1955,
řaka jazykovědná A 4, 93-107; K otázce nezákladových podětů v současné angličtině
(com resumo em inglês, "On the Problem of Non-Thematic Subjects in Contemporary
English"), Časopis pro moderní filologii XXXIX (1957), 22-42, 165-173; "Troughts on the
Communicative Function of the Verb in English, German, and Czech," Brno, Studies in
English (Prague, 1959), pp. 39-63. —D. L. Bolinger, "Linear Modification," Publications
of the Modern Language Association LXVII (1952), 1117-1144; "Meaningful Word
Order in Spanish," Boletin de filologia (Universidad de Chile); "Stress and Information,"
American Speech XXXIII (1958), 5-20
23
K. L. Pike usa o termo "innate [inato]" (Intonation of American English, p. 77)
12
DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto

Portanto, a posição automática do Checo é, na prática, a última palavra da frase,


assim a posição neutra mais final é ao mesmo tempo a posição absolutamente final.
A desautomatização da posição do CI por movimento pra o final da frase é, então,
impossível em Checo — em contraste com o caso do Inglês.
3.24. Em geral, a organização tema-rema de uma frase pode ser de topicalização
de três maneiras: (1) pela localização do CI, (2) pela forma especial do contorno,
(3) pela ordem de palavras.
3.25. Em acréscimo, é possível usar um contorno especial de notação para
destacar o tema, por exemplo, em inglês: My brother | went to Bringhton yesterday
(isto é, "Quanto a meu irmão, ele ..."). Insects | have only | six legs. If it succeeds || I
shall make fortune. ||| Em checo: Za dne || zdál se pustý ||| 'De dia parecia estar
deserto.' Večer však || je náhle neobyčejně obydlen. ||| 'Mas, à noite, é
repentinamente habitado.' Do Yiddish U. Weinreich24 dá esse exemplo: As s'iz
gevorn tog || hot er dersén dem khurbn arum zikh. ||| 'Quando o dia clareou, viu a
devastação ao redor dele.'
3.3. Nos casos descritos em §§3.1 e 3.2, a entoação é sempre operativa. Neles, sua
função é primária e opera como recurso básico (ou como um dos recursos básicos).
Em outros casos, a entoação tem apenas a função facultativa ou suporte para
(substituir) outros recursos linguísticos. Ambas as funções primárias da entoação
— delimitação e organização tema-rema — podem ser chamadas (seguindo V.
Mathesius) suas funções estruturais.
A função secundária mais importante da entoação é caracterizar a frase de
acordo com sua intenção; essa função pode ser rotulada como a principal função
modal. Ela se distingue da função modal subsidiária, que pertence à esfera da
expressividade e indica a assim chamada modalidade subjetiva, isto é,
emocionalidade.
3.31. A intenção da frase é um dos dois tipos: (a) comunicação propriamente
dita, isto é, afirmativa, (b) comunicação com um apelo. Frases contendo um apelo
são, por sua vez, de dois tipos: comandos (apelos para o ouvinte desempenhar
alguma ação) ou perguntas. As perguntas são novamente subdivididas em dois
tipos: o ouvinte é chamado a reconhecer (ou não) a frase (mais exatamente, o seu
rema — chamada de pergunta "sim-ou-não"), ou fornecer o rema. (Na pergunta, o
rema é substituído por uma palavra interrogativa especial.)
3.32. A parte da entoação que expressa a intenção da frase difere conforme a
língua. Frequentemente ela se substitui por outro meio gramatical ou lexical. Uma
vez que a afirmação é geralmente uma categoria não marcada, o contorno
entoacional final é normalmente empregado em tais frases (quer estejam numa
forma neutra ou de topicalização) mesmo se eles têm uma intenção diferente de
uma afirmação, na medida em que sua intenção marcada é suficientemente
assinalada por outros meios. Mas, quando outros meios estão ausentes ou não são
suficientemente claros, ocorre um contorno final especial. Então, por exemplo,
indica-se fonologicamente a oposição 'afirmação vs. pergunta' pela oposição
'contorno final não especial vs. contorno final especial (interrogativo)'.

U. Weinreich, "Notes on the Yiddishg Rise-Fall Intonation Contour" (veja nota de


24

rodapé n. 2), p. 634. Weinreich caracteriza a função semântica nesse exemplo como
uma "transição dramatizada". É interessante que um contorno muito similar seja
usado com a mesma função em Checo, Alemão e em algumas outras línguas.
13
DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto

Consequentemente, uma categoria intencional marcada que é expressa por uma


forma não marcada lexicalmente ou gramaticalmente requer uma forma
entoacional marcada.
3.321. Isso pode ser ilustrado com exemplos do Checo. No Checo, o contorno
básico pode ser classificado funcionalmente como vai a seguir: grupo A: contorno
final, subgrupo AN: contorno final não especial; subgrupo AS: contorno
interrogativo especial; grupo B: contorno continuativo. Todos os três grupos são
fonologicamente diferenciados. Os contornos do subgrupo AS são usados somente
em perguntas sim-não, caso contrário, não poderiam diferir suficientemente, seja
gramaticalmente, seja lexicalmente, de afirmações. — O estado de coisas em outras
línguas ainda não está claro. O Alemão, por exemplo, concorda parcialmente com o
Checo no uso de contornos interrogativos especiais para perguntas sim-não, mas
essas perguntas são marcadas, em alemão, também por uma inversão obrigatória
da ordem das palavras. Em Inglês também se usa um contorno interrogativo
especial com perguntas sim-não, embora seja marcado pela inversão e muitos até
mesmo por uma perífrase com o verbo auxiliar to be. No Russo, pelo contrário, em
perguntas sim-não que contêm a partícula interrogativa -li, esse contorno
interrogativo especial não é usado. Diz-se, no entanto, que em Russo o contorno
interrogativo de outras perguntas sim-não não difere (na forma fonológica) da
forma continuativa;25 na prática a função relevante precisa ser deduzida da
situação e do contexto. Esse problema merece ser estudado mais profundamente,
pois, embora contornos interrogativos e continuativos sejam comumente
semelhantes em várias línguas, eles não são necessariamente idênticos.
3.322. A partir dos trabalhos sobre entoação publicados até agora, não está
muito claro se realmente existe um contorno especial para comando. Como já se
viu, encontrei no Checo comandos sem uma forma gramatical imperativa (modo
imperativo) especial, isto é, os comandos são expressos pelo infinitivo ou pelo
indicativo, aplica-se o contorno final não especial (de fato, não em sua forma
neutra, mas na de topicalização, uma vez que comandos desse tipo tem sempre
caráter emocional). Em frases coloquiais, muito emocionais, o contorno
interrogativo de topicalização é favorecido. O efeito de comando, das frases com o
verbo principal no infinitivo, é fornecido por sua construção gramatical, enquanto
sentenças com o indicativo tornam-se comandos apenas pela situação (contexto).
Da mesma maneira para frases que contêm imperativos ou perífrases de 3ª pessoa
do imperativo com ať, nechť, o contorno final não especial é usado, em sua forma
neutra ou de topicalização, de acordo com as circunstâncias.
3.4. Não está claro se, e em que extensão, a entoação desempenha funções
propriamente gramaticais ou funções lexicais. Sem dúvida, há casos em muitas
línguas em que a mesma frase, ou uma palavra dentro da frase, possa ter dois
sentidos diferentes, dependendo de sua forma entoacional. Assim, a frase do
Inglês:

25
Cf., por exemplo, M Romportl, "Zum Problem der Fagemelodie," Lingua V (1955),
88-108. D. Jones (op. cit., cf. nota de rodapé 20) faz uma afirmação similar a respeito
do Inglês. Nessa língua isso poderia, de um ponto de vista funcional, ser óbvio.
14
DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto

(1a) Please wire | if I am to come26

em sua forma fônica (isto é, com dois CIs, um localizado em wire, o outro em come,
com uma queda entoacional em come) significam 'Por favor, avise [telegrafe] se eu
estiver para vir.' Mas na forma:

(1b) Please wire | if I am to come

(isto é, com um CI simples, localizado em wire, com um contorno longo ascendente-


descendente) sugere-se que, como um significado mais imediato, 'Por favor, avise
no caso em que eu estiver para vir.'
3.411. Mas, é possível afirmar que a entoação e também a juntura
desempenham uma função gramatical adicional aqui? Eu penso que não. Tudo o
que foi marcado aqui pela entoação é a organização tema-rema da frase. No
exemplo (1a) a oração subordinada, if am to come, é marcada como rema,
enquanto que em (1b) é o verbo wire que é marcado como um rema enfático,
enquanto que a oração if I am to come contém uma coisa que já é conhecida do
contexto prévios (ou da situação) e que está aqui repetida. O sentido real da oração
('your decision...' vs. 'in case...') e a função ambígua da conjunção if advém do efeito
dos dois perfis da organização tema-rema na estrutura gramatical e semântica
reais da frase. Melhor do que dizer que a entoação aqui preenche uma função
"gramatical" especial, tal como a distinção entre uma oração objetiva de uma
oração adverbial, diríamos que isso é um efeito acidental das duas organizações
tema-rema possíveis da frase.
3.412. Encontra-se uma situação similar nas frases do tipo:

(2a) It is the country | that suits my wife best. (Sentença complexa normal)
(2b) It is the country that suits my wife best. (Ênfase contrastiva no rema)

Aqui, estamos lidando com um fenômeno "internacional", como a construção


original francesa (2b) foi decalcada em muitas línguas europeias. No Checo a
situação é particularmente interessante. O equivalente do exemplo inglês seria em
Checo:

(2a) Je to venkov, | který svědči mé ženě nejlépe.(Sentença complexa normal.)


(2b) Je to venkov, který svědči mé ženě nejlépe.(Ênfase contrastiva no rema.)

Entoacionalmente, o Checo concorda com os exemplos do Inglês, em que a forma


entoacional resolve a ambiguidade da frase. Mas em Checo, outro pronome relativo
está disponível — o pronome incongruente co — que não aparece nas orações
normais da língua padrão. Portanto, a frase

(2c) Je to venkov, co svědči mé ženě nejlépe.(= 2b)

26
Esse exemplo e o seguinte foram tomados de M. Schubiger, The Role of
Intonations in Spoken English.
15
DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto

não é ambígua mesmo sem a forma fônica como pista. A organização tema-rema
demanda em alguns casos que a CI da frase seja colocada na palavra venkov. O uso
do pronome especial co, que — diferentemente do pronome který — também pode
estar no começo absoluto da frase, capacita-nos a mudar a frase ainda de outra
maneira por meio da ordem das palavras. Isso pode ser feito começando-se com o
tema e terminando com o rema, e ter uma forma normal (a palavra venkov pode
ser enfatizada por contraste por um contorno de primeiro plano):

(2d) Co svědči mé ženě nejlépe, je to venkov.

3.421. Observações semelhantes aplicam-se a casos em que a entoação


diferencia entre dois sentidos possíveis de uma palavra: por exemplo:

(3a) I have certain proofs (certain = 'algumas' ou 'positivas, infalíveis')


(3b) I have certain proofs (certain= 'positivas, infalíveis, indubitavelmente
verdadeiras')

O adjetivo certains pode em uma dada frase ter dois significados lexicais: (1)
'algumas', (2) 'infalíveis'. Se a frase tiver um perfil neutro, ambos os significados
podem realizar-se, de acordo com o contexto ou com a situação. Mas, se esse
adjetivo estiver enfatizado por contraste, ele praticamente só poderá ter o
significado (2) porque com o significado (1), com ênfase contrastiva, é, por razões
semânticas, improvável.27
Mas, novamente aqui estaria errado propor uma relação direta entre a entoação
e o significado da palavra. A entoação não determina o significado diretamente, ela
apenas marca a ênfase contrastiva, e uma vez que nós não antecipamos ênfase em
nenhum dos dois outros significados possíveis, a ambiguidade está resolvida.
3.422. Eu ainda não posso propor que todos os casos alegados da função
"semântica" ou "gramatical" da entoação possam ser explicados dessa maneira. Há
muitas coincidências entoacionais significativas entre as línguas, mas há grandes
diferenças também. Meu exame detalhado desse fenômeno em Checo apontou-me
a conclusão de que nessa língua todos os casos podem ser explicados em termos da
função primária da entoação (isto é, a marcação da organização tema-rema da
frase) e o fato de que essa organização pode, em certas condições, ter outros
efeitos semânticos e sintáticos. Mas, enquanto a entoação "apoia" a estrutura
semântica e gramatical, especialmente quando a última é ambígua ou vaga, esse
apoio é normalmente insuficiente para resolver ambiguidades de sentido sem a
ajuda do contexto ou da situação. (Algumas vezes, de fato, mesmo o contexto não é
suficiente, assim que algumas frases são inerentemente ambíguas e todo o
contexto pode apenas sugerir uma resolução provável da ambiguidade.)
3.43. Problemas especiais aparecem nos casos em que a estrutura gramatical da
frase depende da localização da juntura, como no Russo most derevjannyj 'uma

27
Entretanto, imagino que não se pode eliminar a existência de um contexto
(mesmo que não seja frequente) no qual até o significado 'alguma' pode estar em
contraste (por exemplo, com 'all' ['todos']. M. Schubiger, do qual se retiraram os
exemplos, não contou com essa possibilidade.
16
DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto

ponte feita de madeira' e most|derevjannuy 'a ponte é feita de madeira'. Mas, não
podemos entrar nesse assunto aqui.
3.5. Na função modal secundária (isto é, afetiva, emocional, fala expressiva), a
entoação é mais efetiva (em termos quantitativos). Mesmo se ela atua em
conjunção com outros sentidos fônicos (velocidade, pronúncia, etc.). Aqui, nos
preocupamos somente com o problema da maneira em que ambas as funções da
entoação, a comunicativa e a expressiva, compensam uma a outra.
3.51. A entoação expressiva pode operar somente de uma maneira que não
interfira com a entoação comunicativa básica. Há diversas possibilidades.
Em primeiro lugar, a função expressiva se beneficia do princípio de tolerância
(cf. §2). A estrutura variável dos contornos, especialmente no que diz respeito ao
tamanho dos intervalos, da posição do contorno na escala vocal, e o grau de
intensidade do centro entoacional, permite ampla margem de manobra para o jogo
expressivo. Assim, qualquer contorno, sendo apenas parcialmente determinado em
sua função comunicativa, pode ser "imbuído" com elementos de expressividade. A
variabilidade relativamente grande do contorno entoacional capacita o falante a
"controlar" facilmente a quantidade de expressividade na frase. Em segundo lugar,
uma "deformação" um tanto estável dos padrões fonológicos básicos podem ser
introduzidos e dar um aumento da modificação expressiva da frase. Em terceiro
lugar, há também contornos expressivos especiais, isto é, padrões entoacionais que
têm, além de sua função comunicativa básica, também uma função expressiva. Sua
estrutura fonológica não pode ser identificada com a estrutura básica de algum
contorno unicamente comunicativo e não pode, portanto, ser considerado
modificações fonológicas.
Uma forma especial de expressividade decorre da transposição funcional do
contorno entoacional. Se um contorno que tem a função primária A for usado,
secundariamente, em outra função, B, esse uso secundário tem um caráter distinto
(ou mais distinto) de expressividade e é estilisticamente marcado. Por exemplo,
em Checo, o contorno interrogativo também é usado em comandos muito
expressivos que contenham verbos no modo indicativo.
4.1. A partir de nossa interpretação, segue-se que os contornos entoacionais
devem ser classificados de duas maneiras. Se os abordarmos por meio de sua
forma, definimos padrões fonológicos, estabelecidos por análise fonológica
funcional, em termos de traços fonologicamente relevantes. Ou, podemos
especificá-los por seus traços característicos (por exemplo, contorno ascendente-
descendente), ou indicar os níveis de tons de pontos relevantes: por
números, como Pike (°4—1—2), ou graficamente. (Em uma exposição contínua,
podemos usar, como abreviação, numeração simples de contornos: Contorno 1, 2,
3… ou Contorno A, B, C…, etc.) Em segundo lugar, os contornos podem ser
classificados de acordo com as funções desempenhadas pela entoação na língua;
por exemplo, contorno final e contorno não final; entre os primeiros, não especial e
especial (interrogativo).
As duas classificações não precisam coincidir, porque diversos contornos
podem estar disponíveis para a mesma função e cada contorno e normalmente
multifuncional.
4.2. Se mais do que um contorno estiver disponível na língua para uma função
básica, normalmente apenas um deles é não marcado, neutro, e os outros são
marcados como o de topicalização, o emocional, etc. O mesmo se aplica às

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DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto

modificações fonológicas do mesmo contorno. Se o mesmo contorno tiver diversas


funções, uma delas é normalmente a primária, e as outras, secundárias; o uso na
função secundária é marcada.
Assim, por exemplo, o uso de um contorno descendente (que é primariamente o
contorno final não especial) com uma pergunta sim-não, em vez do contorno
interrogativo especial, que seria o comum nesse caso, produz uma frase
intencionalmente marcada. Will you come with us? ['Você virá conosco?] com um
tom descendente sugere 'Eu convido você a vir conosco'; isso não é uma pergunta
normal, mas uma pergunta que pressupõe uma resposta afirmativa. Assim, isso
não é uma pergunta, mas apenas um tipo de convite ou de solicitação. Da mesma
maneira, em Checo: Přijde v sobotu, | vidvte? com contorno final descendente em
ambas as seções: significa literalmente 'Você virá conosco no sábado, não é?' Mas,
de fato, fica 'Eu convido você para vir conosco no Sábado'.
5.1. A entoação como um recurso linguístico fundamental minimamente
especificado, primitivo é um elemento periférico e pode modificar ou neutralizar
elementos mais centrais tanto em relação a sua forma quanto à sua função.28
Portanto, ela tem uma posição decisiva na estrutura hierárquica das frases, porque
pode modificar ou mesmo neutralizar a estrutura semântica e/ou gramatical das
frases em alguns aspectos. Como um exemplo, podemos trazer as assim chamadas
"perguntas-eco" [echo-questions], isto é, perguntas que contêm uma palavra
interrogativa, mas que nunca é pronunciada com contorno interrogativo. Tais
frases são compreendidas como um apelo para que o ouvinte não forneça o rema
desconhecido (seria entendido dessa maneira se fosse pronunciada com um
contorno final não especial), mas responda "sim" ou "não"; o apelo para uma
resposta não se refere a uma palavra interrogativa, mas a frase como um todo. Isso
significa que para o ouvinte a entoação é que é primordial e não a forma gramatical
ou lexical da frase. Naturalmente, em consequência do choque entre a forma
gramatical e a lexical e o contorno interrogativo final empregado na função
secundária, a frase tem caráter marcado.
5.2. A posição da entoação na língua é tal que se a explicitude da fala for
radicalmente perdida e sua elipsidade for aumentada, as funções fundamentais da
entoação não serão afetadas (a despeito de mudanças em detalhes fonéticos). Pelo
contrário, a posição funcional da entoação é mais forte do que quando a fala é
maximamente simplificada ou estruturalmente perturbada por tais fatores como
danos cerebrais ou o impacto de outras línguas.

The Czechoslovak Academy of Sciences


Institute of the Czech Language
Prague, Czechoslovakia

28
Sobre a relação de elementos periféricos e centrais, veja A. W. de Groot
"Strutuctual Linguistics and Phonetic Law", Archives néerlandises de phonétique
expérimentale, XVII (1941), p. 82
18

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