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A entoação sentencial
de um ponto de vista funcional
FRANTIŠEK DANEŠ
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Alguns investigadores, como D. L. Bolinger (Word V, p. 249), enfatizam esse
aspecto quando dizem que a entoação está "incorporada numa matriz de reações
instintivas"; eles não fazem justiça à suas funções genuinamente linguísticas,
arbitrárias que são demonstradas pelas diferenças entre as línguas. Desse ponto de
vista, veja-se Mathesius, "K teorii větné intonace," Slovo a slovenost III (1937), pp.
148FF. — De um ponto de vista genético, fórmulas entoacionais podem efetivamente
ter se desenvolvido a partir de sinais instintivos; dada a similaridade relativa de
esquemas entoacionais em muitas línguas. O grau da arbitrariedade é proporcional ao
grau da intelectualidade da função entoacional. Portanto, ao menos em seu uso menos
intelectual, mais "espontâneo" ou instintivo, a entoação é compreensível entre
diversas fronteiras linguísticas: em línguas estrangeiras é mais fácil reconhecer e
assumir certas emoções do que distinguir uma pergunta de uma afirmação. — P. Trost
em seu artigo "O problémech větné intonace," Slova a slovenost III (1937), p. 226,
distinguiu três tipos de uso entoacional: (1) mimetismo entoacional, no qual a
entoação é simulada espontânea, natural e psicofisiologicamente; (2) fórmulas
entoacionais, no qual tais valores naturais são intencionalmente utilizados; (3)
oposições entoacional, que entram em um sistema de forma e sentido peculiares à
língua, e para os quais os valores psicofisiológicos da entoação são irrelevantes. — L.
Bloomfield distingue entre "padrões entoacionais distintivos da fala" e o uso da
entoação "na forma de gestos, como quando falamos asperamente, sarcasticamente,
petulantemente… e assim por diante." (Language, New York, 1933, p. 114).
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DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto
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Cf. N. Chomsky, Syntactic Structures (The Hague, 1957), §6.1, e a resenha desse
livro por Robert B. Lees, in Language XXXII (1957), 375-408: "Os cânones linguísticos
americanos são particularmente caracterizados por essa confusão de técnicas de
campo e de laboratório para a coleta e a classificação dos dados por um lado e o
modelos de construção ou de escrita da gramática por outro" (pp. 379f);
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DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto
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Cfr. K. L. Pike, The Intonation of American English (Ann Arbor, 1945), p. 14 "… uma
análise instrumental para propósitos linguísticos precisa ser precedida por uma análise
de contraste da entoação que, por seu turno, demanda uma atenção cuidadosa das
características que portam ou levam os significados." — Minha própria visão foi
favoravelmente citada por P. L. Garvin e M. Mathiot em seu artigo, "Fused Units in
Prosodic Analysis," Word XIV (1958), p. 179f., fn. 5. Cf. também o comentário análogo
feito por Robert Lees, a respeito do uso de métodos estatísticos na linguística
(Language XXXIII [1957], pp. 379f.): "Métodos estatísticos são, de certa maneira,
mecânicos… mas, apesar de muito material poder ser facilmente resumido, ele não
pode ser explicado desse jeito. Recentes sugestões de que a segmentação fonêmica ou
morfêmica seja mecanicizada por uma técnica estatística são melhor interpretadas
como recurso para gerar hipóteses sobre fronteiras linguística que podem, então, ser
validados gramaticalmente.
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DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto
natureza das unidades entoacionais é igual à dos fonemas.7 A estrutura interna das
unidades entoacionais e a posição da entoação na língua diferem substancialmente
em relação às dos fonemas. Contornos entoacionais e fonemas são fenômenos de
ordem diferente, mesmo que ambos pertençam ao plano fônico da língua. Se
tomarmos a fonologia como uma disciplina funcional que lida com elementos
fônicos da fala (e não, no sentido estreito, como uma teoria somente de fonemas —
"fonêmica"), fica claro que os princípios metodológicos básicos da fonologia
também podem ser aplicados à entoação sentencial.8
2.1. Contornos entoacionais são formações de tom e intensidade (padrões) que
operam como um todo. As mudanças de tom em quaisquer contornos passam por
um grande número de pontos constitutivos e distintivos, que são fixos em vários
níveis tonais relativos. Um desses pontos é o acento (que coincide com a sílaba
acentuada de uma unidade acentual) e que se constitui como o centro do contorno.
Assim, o contorno — como um padrão abstrato — determina-se (1) pelo número
de seus pontos distintivos, (2) pelos seus níveis tonais respectivos (3) por sua
sucessão (configuração). A controvérsia "níveis vs. configurações"9 pode ser
resolvida lidando-se com configurações de níveis.
Numa frase concreta o movimento tonal se distribui acima das sílabas; mas se
realiza por elas.10 Os padrões entoacionais são coordenados com sua base
"segmental" pela coincidência do centro do padrão com a sílaba acentuada de uma
unidade acentual. (A escolha de uma unidade acentual é determinada por regras
funcionais, explicadas abaixo.) Há três relações possíveis de padrão acentual para
uma base segmental: (a) "idealmente", o número de pontos distintivos do contorno
e o número de sílabas são o mesmo e o contorno tem sua forma completa; (b) os
pontos distintivos são mais numerosos do que as sílabas (no caso extremo há
somente uma sílaba) e o contorno tem uma forma contrata; (c) o número de
pontos distintivos é menor do que o número de sílabas, e o contorno tem uma
forma estendida; os níveis tonais da sílabas "surplus" ['excedentes'] são, então,
irrelevantes, mesmo que eles estejam sujeitos a alguma norma.11
2.2. O conjunto de padrões entoacionais funcionais constitui um sistema e sua
estrutura fonológica é determinada por suas relações mútuas. Isso é análogo à
maneira pela qual os traços distintivos do fonema são determinados pelo sistema
fonêmico como um todo, pela relação de um fonema no que diz respeito aos
demais. Em outras palavras, a estrutura fonológica de um contorno não é um fato
absoluto, ela é relativa à sua posição no sistema de contornos que produzem
oposições tonais distintivas. Os níveis tonais não existem fora do contorno e seu
7
Cf. D. L. Bolinger, op. cit., pp. 248ff.
8
Cf. a expressão de Karcevski "a fonologia da frase,", e.g. in Travaux du Cercle
Linguistique de Prague 4 (1931), p. 188 f.
9
Cf. D. L. Bolinger, "Intonation: Levels or Configurations?" Word VII (1951), p. 199-
210
10
A entoação pode existir somente na subestrutura do material "segmental".
Apenas em casos anormais, "patológicos", pode ser murmurada sem palavras: mas isso
é um uso secundário, derivado de casos normais e mantido por eles.
11
Somos tentados a dizer que os contornos estendem-se e contraem-se como uma
sanfona de acordo com a sua base de segmental.
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DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto
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DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto
em um único traço fonológico, isto é, a queda do tom sobre a(s) sílaba(s) que
segue(m) a sílaba acentuada (central);12 a queda final abrange uma queda de ao
menos dois níveis tonais. Todos os outros traços são, com respeito a suas funções
básicas, irrelevantes. Assim, vemos que esse contorno tem uma forma
relativamente frouxa que permite uma liberdade considerável em sua realização;
por exemplo, a declividade da queda, a posição das sílabas antes da sílaba
acentuada, e, algumas vezes, até a posição da sílaba acentuada são variáveis. A
realização desses elementos variáveis podem ser: (1) linguisticamente livre
(mesmo se depender de circunstâncias extralinguísticas); (2) formalmente
condicionadas (por exemplo, pelo número de sílabas na unidade acentual); ou (3)
funcionalmente condicionada. Este último condicionamento pode ocorrer, por sua
vez, de duas maneiras: (a) por funções expressivas, (b) por funções comunicativas
secundárias. Nos casos (1) e (2), falamos de variantes de um dado contorno, no
caso (3) de modificações fonológicas de variantes de contorno.13 No caso do
referido contorno final do Checo existe, paralela à forma fundamental, uma
modificação expressiva que desempenha a função adicional de marcar ênfase
contrastiva. Isso tem um traço fonológico, qual seja, a fixação do nível tonal mais
alto sobre a sílaba acentuada. Esse traço fonológico é mantido por uma elevação na
sílaba que precede a sílaba acentuada. Essa posição fixa de algumas sílabas é
somente um traço acompanhante; ele é dependente, subsidiário, e não entra em
uma oposição fonológica. (Isso não quer dizer, de fato, que esse fenômeno seja
raro; a descrição de contornos precisa ser sistematicamente explicada para sílabas
com posições fixas.)
2.5. Podemos dizer que a complexidade funcional dos contornos entoacionais
correspondem a sua elasticidade formal. Essa elasticidade baseia-se na
variabilidade de quatro fatores: (a) a duração do contorno em termos de sílabas,
(b) os intervalos entre os níveis tonais (isto é, escalas tonais do contorno), (c) a
posição do contorno em relação à escala vocal do falante e (d) a posição das sílabas
do contorno que estão livres para qualquer tom (isto é, cujo tom não é
determinado no contorno). Com a entoação, a fala humana tem um recurso
engenhoso que torna possível expressar sentidos complexos por um meio simples
e econômico em pequenos trechos, algumas vezes numa única sílaba. Há dois
princípios gerais dos quais esse manejo de entoação depende. Um deles diz
respeito à relação do ouvinte com a frase; o outro, à técnica do falante.
2.51. O ouvinte que conhece a língua na qual ele está falando (a língua
naturalmente prevê apenas esses ouvintes) também conhece as funções da
entoação na língua. Na percepção da fala fluente, o ouvinte tem de reconhecer se a
frase está terminando ou se ela ainda vai continuar. Isso significa que sua atenção
está focalizada nos traços entoacionais que têm uma função distintiva no sistema
de oposições entoacionais, isto é, aqueles que desempenham funções esperadas. Os
outros traços e qualidades entoacionais, que são variáveis e irrelevantes em
relação à função em foco, não lhe interessam, e ele não se dá conta deles. Mas, de
fato, a oposição "conclusão vs. continuação da frase" é apenas uma função
12
A descrição sempre se aplica à forma completa do contorno.
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Naturalmente, sempre num dado domínio. Um traço que aparece como uma
modificação fonológica no domínio expressivo é uma variante com vistas ao domínio
comunicativo, e vice-versa.
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DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto
entoacional possível; a entoação também pode ter uma função modal; ela pode
marcar uma ênfase contrastiva, ela pode indicar vários elementos emocionais
(expressividade), e assim em diante. O ouvinte, então, também se dá conta de cada
uma dessas funções e é capaz de, simultaneamente, abstrair da forma entoacional
concreta a presença (ou a ausência) dos traços fonológicos respectivos e, assim, as
diversas funções linguísticas. Da mesma maneira, ele pode abstrair os elementos
individuais sintomáticos da personalidade do falante (idade, sexo, outras
qualidades físicas e mentais, posição social, local de origem, etc.).
Por meio dessa capacidade para analisar e abstrair, o ouvinte é capaz de separar
a forma complexa entoacional em subsistemas separados de elementos linguísticos
que pertencem a diferentes domínios funcionais. Reciprocamente, é nessa
capacidade humana que o sistema entoacional se baseia. O princípio pelo qual a
descodificação de complexos entoacionais é efetivado pode ser chamado (seguindo
K. Bühler) de princípio de relevância abstrativa.
2.52. O outro princípio pode ser explicado pelo exemplo de uma área um pouco
diferente — a fisiognomia. O estudo de um determinado rosto numa foto pode
resultar numa proposição "Esse menino se parece com a mãe." Três coisas são
afirmadas aqui: que é o rosto de um (1) não adulto (2) masculino e que (3) ele se
parece com outro rosto. O observador chega à conclusão examinando os traços de
um dado rosto. Isso significa que o rosto humano é uma estrutura complexa, com
diferentes traços. O observador separa-os em diversos planos, em nosso caso, três:
sexo, idade e semelhança com outro rosto. De fato, ainda que esses traços possam
existir, eles são poucos (por exemplo, uma covinha, no plano da semelhança);
inquestionavelmente há mais traços que pertencem simultaneamente a diversos
ou a todos os planos. Entretanto, eles têm um sentido diferente em cada plano.
Esses traços têm múltipla validade, que estão de acordo com o plano no qual eles
estão colocados, isto é, o plano no qual nós projetamos. Essa capacidade para
funcionar em diversos planos ao mesmo tempo é possível por causa de uma certa
liberdade ou "tolerância ao erro" nas realizações concretas dos traços dados. Aqui
encontram-se as raízes das "variantes" diferentes. De fato, o que se parece como
uma mera variante em um plano pode não ser uma variante em outro, onde ela
pode ser considerada como um elemento independente que porta um sentido
especial. Da mesma maneira, para qualquer rosto de criança (contrariamente aos
rostos de adultos) algumas proporções básicas são característica, mas, uma vez
que elas não são dadas com exatidão matemática, podemos achar que uma testa
relativamente alta é um traço comum entre o rosto da criança e de sua mãe.
Naturalmente, se as proporções forem violadas, isto é, se alguns traços excederem
a tolerância permitida, uma deformação seria realizada, que poderia ser expressa
no caso em questão por alguma proposição como "Esse menino parece mais
velho."
O princípio da tolerância aplica-se igualmente à entoação: qualquer traço
fonológico (de um certo domínio funcional) pode ser realizado livremente dentro
dos limites dados pelo sistema. Nós podemos facilmente trazer exemplos da
fonêmica segmental de diferentes línguas. Em Checo, /e/ tem uma liberdade
(tolerância) muito maior de realização do que o /e/ inglês, porque, em inglês, a
vogal é limitada no sistema pela existência do fonema /æ/. Mas, efetivamente na
pronúncia de /e/, como [ɛ] no Checo standard, embora ele não indique nenhum
erro, soaria incomum e pouco natural: ele poderia ser avaliado como dialetal,
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DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto
As funções da entoação
14
Cf. a noção de Mathesius da potencialidade do fenômeno linguístico ("O
potenciálnosti jevů jazykových, Věstinik Královské české společnosti nauk 1-24) e o
termo "Richtigkeirbreite" de O. Jespersen (Phonetisch Grundfragen, Leipsic, 1904).
15
M. Schubinger (The Role of Intonation in Spoken English, St. Gall, 1935) foi um dos
primeiros pesquisadores que se esforçaram em sua análise para diferenciar
estritamente entre as duas esferas. Cf. também Bloonfield: "… variações tipo gesto,
não distintivas mas socialmente efetivas, assemelham-se muito às distinções
linguísticas verdadeiras" (Language, 1933, p. 104).
16
P. L. Garvin, "Operations in Syntactic Analysis," Report of the Seventh Annual
Round Table Meeting on Linguistic and Language Study (= Georgetown University
Monograph Series on Language and Linguistics, no. 9), Washington, 1957, pp. 59-72.
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DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto
17
P. L. Garvin, que expôs — em seu artigo sobre "Fused Units in Prosodic Analysys"
[unidades fundidas na análise prosódica] — a "abordagem integracional" para
problemas fonológicos (em oposição ao "tratamento linear"), se aproxima, em muitos
aspectos, de nossa concepção do problema. As "unidades fundidas" de Garvin, que são
"unidades fonêmicas de alto nível", correspondem às nossas "configurações", e são
chamadas por, por ele e por mim, de "contornos". Eles têm como suas características
mais gerias (a) traços prosódicos (tom e intensidade) e (b) traços de fronteira (pausas).
Em nossa concepção, a juntura compreende não somente a pausa (traços de
fronteira), mas também o contorno precedente; os tipos de juntura (e seus diferentes
graus) são definidos não somente pela duração da pausa, mas também pelo tipo de
contorno precedente e sua variante que realmente estiver ocorrendo.
18
A frase não é um conceito no nível fônico — cf. §3.21 — mas sim o fato de que
porções de frases entre junturas finais não podem ser identificadas com frases
completas mostra que as fronteiras entre frases na fala real são um tanto vagas.
19
O tema tem uma dinamicidade frasal mínima, a do rema é máxima. Eu prefiro os
termos franceses 'thème' e 'propos' [N.R.: nesta tradução, usamos o termo 'rema' para
traduzir 'propos'] (usado pelos linguistas holandeses A. W. de Groot, C. L. Ebeling, e
outros) aos termos confusos "sujeito psicológicos" e "predicado psicológico"; eles
correspondem ao Checo základ (ou východisko) výpovědi e jádro výpovědi. A
diferenciação de frases a partir dessa base, chamada por alguns linguistas checos de
"perspectiva funcional da sentença", foi elaborada por Vilém Mathesius sobre o título
de "organização contextual" (významová výstvba).
10
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34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto
Inglês: The train has come ['O trem veio.'] The train has come
T P P T
Russo: Poezd prišol Poezd prišol
T P P T
Prišol poezd Prišol poezd
P T T P
A operação da entoação nesse domínio é governada por duas regras básicas: (1)
na frase inteira o rema é normalmente colocado no final; (2) o centro da
informação (CI) com o contorno final é sempre colocado no rema (especificamente,
sobre a última palavra acentuada do rema), isto é, na última sílaba acentuada da
frase.
3.22. Dessas regras seguem-se mais quatro afirmações:
(a) O último (terminal) CI na frase difere de outros CIs da mesma frase (se
houver algum, isto é, se a frase inteira for segmentada por meio de junturas em
seções) por sua posição hierárquica: ele é o próprio centro da frase em contraste
com outros CIs que o precedem na frase e ao qual são subordinados, isto é, do qual
são somente centros de seção. (Em cada seção esses CIs de seção, com seu
contorno não final, localizam-se na última unidade acentuada da seção.) Esse perfil
fônico (e organização correspondente tema-rema) da frase por ser tomada como
normal, neutra, e a posição terminal da CI como automática.
(b) Se a CI estiver localizada em uma palavra diferente daquela especificada no
item (a), como quando se faz uma "topicalização" ou uma modificação do contorno
final, dizemos que a CI está numa posição desautomatizada. O perfil e a
organização tema-rema da frase é, dessa maneira, quebrada no primeiro plano: a
palavra que leva IC é reconhecida não somente como o rema, mas também como o
"rema enfatizado por contraste."20 (O mesmo processo pode ser repetido em uma
escala menor, por assim se dizer, no escopo de diferentes seções.) Se é a primeira
palavra acentuada da frase que é marcada como rema, a frase inteira toma um
caráter enfático. (Isto se aplica, de fato, somente às línguas nas quais a inversão da
ordem das palavras, é possível, cf. nossos exemplos do Russo acima.)
(c) De (a) e (b) segue-se que, pela mudança do CI frasal do final para o início,
forma-se um contorno longo. Ao mesmo tempo, todas as junturas de seção
(mediais), que poderiam seguir o CI da frase são "eliminadas": o CI da frase precisa
ser o último.
(d) A palavra na posição terminal (automática) pode ser enfatizada por
contraste usando a forma de topicalização do contorno.21
3.23. As regras que estabelecemos aqui aplicam-se em geral provavelmente a
muitas línguas europeias e talvez a outras línguas semelhantes. Certamente, seu
efeito real difere em línguas diferentes. Tanto depende do sistema acentual das
línguas quando do uso de outros recursos para marcar a organização tema-rema,
20
Isto é "ênfase por contraste", que, de acordo com D. Jones (An Outline of English
Phonetics, London, 1956, p. 277), "é a ênfase que pretende mostrar que uma palavra
está contrastada com outra (implícita ou expressa anteriormente), ou que uma palavra
introduz uma ideia nova e inesperada."
21
Em frases com organização mais complexa, isto é, com rema duplo ou múltiplo,
ou frases compostas (duplas ou múltiplas), aplicam-se mais regras.
11
DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto
(1) I 'didnʾt 'ask you to ['não pedi para você'] — normal, perfil neutro de frase, CI
na posição automática, contorno na forma neutra
(2) I 'didnʾt 'ask you to — CI na posição desautomatizada, neutra ou contorno de
primeiro plano, o perfil de topicalização da frase, a palavra I
está enfatizada por contraste.
(3) I 'didnʾt 'ask you to — a mesma coisa, mas a palavra you está enfatizada.
(4) I 'didnʾt 'ask you to — perfil de frase de primeiro plano; CI na posição
automática (cf. exemplo 1), mas o contorno de topicalização
foi aplicado.
22
Cf. Mathesius, "Studie kl dějinám anglického slovosledu." Věstník České Akademie
XVI (1907), XVII (1908) XVIII (1909), XIX (1910); "Ze srovná vacích studií slovosledných,"
Časopis pro moderní filologii XXVIII (1942), 181-190, 302-307; "Několik poznámky k
problematice anglického slovního pořadku z hlediska aktualního členění věného" (com
résumé em inglês, "Some Notes on the Problem of Word Order From the Point of View
of Actual Sentence Analysis"), Brno University, Sborník pracé filosofické fakulty, 1955,
řaka jazykovědná A 4, 93-107; K otázce nezákladových podětů v současné angličtině
(com resumo em inglês, "On the Problem of Non-Thematic Subjects in Contemporary
English"), Časopis pro moderní filologii XXXIX (1957), 22-42, 165-173; "Troughts on the
Communicative Function of the Verb in English, German, and Czech," Brno, Studies in
English (Prague, 1959), pp. 39-63. —D. L. Bolinger, "Linear Modification," Publications
of the Modern Language Association LXVII (1952), 1117-1144; "Meaningful Word
Order in Spanish," Boletin de filologia (Universidad de Chile); "Stress and Information,"
American Speech XXXIII (1958), 5-20
23
K. L. Pike usa o termo "innate [inato]" (Intonation of American English, p. 77)
12
DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto
rodapé n. 2), p. 634. Weinreich caracteriza a função semântica nesse exemplo como
uma "transição dramatizada". É interessante que um contorno muito similar seja
usado com a mesma função em Checo, Alemão e em algumas outras línguas.
13
DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto
25
Cf., por exemplo, M Romportl, "Zum Problem der Fagemelodie," Lingua V (1955),
88-108. D. Jones (op. cit., cf. nota de rodapé 20) faz uma afirmação similar a respeito
do Inglês. Nessa língua isso poderia, de um ponto de vista funcional, ser óbvio.
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DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
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em sua forma fônica (isto é, com dois CIs, um localizado em wire, o outro em come,
com uma queda entoacional em come) significam 'Por favor, avise [telegrafe] se eu
estiver para vir.' Mas na forma:
(2a) It is the country | that suits my wife best. (Sentença complexa normal)
(2b) It is the country that suits my wife best. (Ênfase contrastiva no rema)
26
Esse exemplo e o seguinte foram tomados de M. Schubiger, The Role of
Intonations in Spoken English.
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DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto
não é ambígua mesmo sem a forma fônica como pista. A organização tema-rema
demanda em alguns casos que a CI da frase seja colocada na palavra venkov. O uso
do pronome especial co, que — diferentemente do pronome který — também pode
estar no começo absoluto da frase, capacita-nos a mudar a frase ainda de outra
maneira por meio da ordem das palavras. Isso pode ser feito começando-se com o
tema e terminando com o rema, e ter uma forma normal (a palavra venkov pode
ser enfatizada por contraste por um contorno de primeiro plano):
O adjetivo certains pode em uma dada frase ter dois significados lexicais: (1)
'algumas', (2) 'infalíveis'. Se a frase tiver um perfil neutro, ambos os significados
podem realizar-se, de acordo com o contexto ou com a situação. Mas, se esse
adjetivo estiver enfatizado por contraste, ele praticamente só poderá ter o
significado (2) porque com o significado (1), com ênfase contrastiva, é, por razões
semânticas, improvável.27
Mas, novamente aqui estaria errado propor uma relação direta entre a entoação
e o significado da palavra. A entoação não determina o significado diretamente, ela
apenas marca a ênfase contrastiva, e uma vez que nós não antecipamos ênfase em
nenhum dos dois outros significados possíveis, a ambiguidade está resolvida.
3.422. Eu ainda não posso propor que todos os casos alegados da função
"semântica" ou "gramatical" da entoação possam ser explicados dessa maneira. Há
muitas coincidências entoacionais significativas entre as línguas, mas há grandes
diferenças também. Meu exame detalhado desse fenômeno em Checo apontou-me
a conclusão de que nessa língua todos os casos podem ser explicados em termos da
função primária da entoação (isto é, a marcação da organização tema-rema da
frase) e o fato de que essa organização pode, em certas condições, ter outros
efeitos semânticos e sintáticos. Mas, enquanto a entoação "apoia" a estrutura
semântica e gramatical, especialmente quando a última é ambígua ou vaga, esse
apoio é normalmente insuficiente para resolver ambiguidades de sentido sem a
ajuda do contexto ou da situação. (Algumas vezes, de fato, mesmo o contexto não é
suficiente, assim que algumas frases são inerentemente ambíguas e todo o
contexto pode apenas sugerir uma resolução provável da ambiguidade.)
3.43. Problemas especiais aparecem nos casos em que a estrutura gramatical da
frase depende da localização da juntura, como no Russo most derevjannyj 'uma
27
Entretanto, imagino que não se pode eliminar a existência de um contexto
(mesmo que não seja frequente) no qual até o significado 'alguma' pode estar em
contraste (por exemplo, com 'all' ['todos']. M. Schubiger, do qual se retiraram os
exemplos, não contou com essa possibilidade.
16
DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
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ponte feita de madeira' e most|derevjannuy 'a ponte é feita de madeira'. Mas, não
podemos entrar nesse assunto aqui.
3.5. Na função modal secundária (isto é, afetiva, emocional, fala expressiva), a
entoação é mais efetiva (em termos quantitativos). Mesmo se ela atua em
conjunção com outros sentidos fônicos (velocidade, pronúncia, etc.). Aqui, nos
preocupamos somente com o problema da maneira em que ambas as funções da
entoação, a comunicativa e a expressiva, compensam uma a outra.
3.51. A entoação expressiva pode operar somente de uma maneira que não
interfira com a entoação comunicativa básica. Há diversas possibilidades.
Em primeiro lugar, a função expressiva se beneficia do princípio de tolerância
(cf. §2). A estrutura variável dos contornos, especialmente no que diz respeito ao
tamanho dos intervalos, da posição do contorno na escala vocal, e o grau de
intensidade do centro entoacional, permite ampla margem de manobra para o jogo
expressivo. Assim, qualquer contorno, sendo apenas parcialmente determinado em
sua função comunicativa, pode ser "imbuído" com elementos de expressividade. A
variabilidade relativamente grande do contorno entoacional capacita o falante a
"controlar" facilmente a quantidade de expressividade na frase. Em segundo lugar,
uma "deformação" um tanto estável dos padrões fonológicos básicos podem ser
introduzidos e dar um aumento da modificação expressiva da frase. Em terceiro
lugar, há também contornos expressivos especiais, isto é, padrões entoacionais que
têm, além de sua função comunicativa básica, também uma função expressiva. Sua
estrutura fonológica não pode ser identificada com a estrutura básica de algum
contorno unicamente comunicativo e não pode, portanto, ser considerado
modificações fonológicas.
Uma forma especial de expressividade decorre da transposição funcional do
contorno entoacional. Se um contorno que tem a função primária A for usado,
secundariamente, em outra função, B, esse uso secundário tem um caráter distinto
(ou mais distinto) de expressividade e é estilisticamente marcado. Por exemplo,
em Checo, o contorno interrogativo também é usado em comandos muito
expressivos que contenham verbos no modo indicativo.
4.1. A partir de nossa interpretação, segue-se que os contornos entoacionais
devem ser classificados de duas maneiras. Se os abordarmos por meio de sua
forma, definimos padrões fonológicos, estabelecidos por análise fonológica
funcional, em termos de traços fonologicamente relevantes. Ou, podemos
especificá-los por seus traços característicos (por exemplo, contorno ascendente-
descendente), ou indicar os níveis de tons de pontos relevantes: por
números, como Pike (°4—1—2), ou graficamente. (Em uma exposição contínua,
podemos usar, como abreviação, numeração simples de contornos: Contorno 1, 2,
3… ou Contorno A, B, C…, etc.) Em segundo lugar, os contornos podem ser
classificados de acordo com as funções desempenhadas pela entoação na língua;
por exemplo, contorno final e contorno não final; entre os primeiros, não especial e
especial (interrogativo).
As duas classificações não precisam coincidir, porque diversos contornos
podem estar disponíveis para a mesma função e cada contorno e normalmente
multifuncional.
4.2. Se mais do que um contorno estiver disponível na língua para uma função
básica, normalmente apenas um deles é não marcado, neutro, e os outros são
marcados como o de topicalização, o emocional, etc. O mesmo se aplica às
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DANEŠ, František. Function of sentence intonation. Word, v. 16, n. 1, p.
34-54, apr. 1960. trad. Waldemar Ferreira Netto
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Sobre a relação de elementos periféricos e centrais, veja A. W. de Groot
"Strutuctual Linguistics and Phonetic Law", Archives néerlandises de phonétique
expérimentale, XVII (1941), p. 82
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