Você está na página 1de 4

Quadro Teorico

A abordagem que rege esse projeto segue domínios teóricos da sociologia de


práticas musicais em contextos sociais. Para compreender a relação estabelecida entre o
mercado do Recife e o guitarrista, este estudo tomará por base Bourdieu (1996) para
refletir sobre as possibilidades e barreiras que se apresentam nesta profissão. Segundo
este autor:

O social é constituído por campos, microcosmos ou espaços de relações


objetivas, (...) O campo é tanto um "campo de forças", uma estrutura que
constrange os agentes nele envolvidos, quanto um "campo de lutas", em que
os agentes atuam conforme suas posições relativas no campo de forças,
conservando ou transformando a sua estrutura (Bourdieu, 1996 p.50 apud
Hermano Roberto Thiry-Cherques).

A partir deste conceito, adotarei como premissa que no mercado de ação de


guitarristas no Recife estabelecem-se relações conflituosas e tensionais como as de
“campo de lutas”, ou ainda como uma arena onde o guitarrista emerge na qualidade de
um agente que vai atuar conforme sua posição neste campo de forças. Sob tal premissa,
o conceito de campo (Bourdieu, 1996 p.50) favorece uma abordagem de verificação do
como cada agente pode atuar em espaços de relações “conservando ou transformando” a
sua estrutura. E consequentemente, conforme pude perceber em minha experiência
empírica na prática participante em bandas de baile, as ações e decisões do guitarrista
tendem a ser induzidas por planos de forças. Tais relações que se estabelecem entre o
guitarrista e o mercado podem depender ainda de tendencias sociais como também da
indústria do entretenimento e de fatores dominantes que ditam e influenciam direta ou
indiretamente nesta profissão. A esse respeito, Cristiano Nunes Alves (2014), em seus
estudos acerca do mercado da cena musical do Recife, observando tendencias de ações
de músicos, considera que a ação aliada à intencionalidade se manifesta como sinônimo
de desejo, “espinha dorsal de todo e qualquer plano” (ALVES 2014, p.405). Com base
nessa compreensão, é possível perceber que a característica essencialmente humana é
“fluído vital da dinâmica dos microcircuitos musicais urbanos” (Ibidem).
Percebe-se que as tendências sociais que se impõem a população recifense
através das mídias, podem afetar diretamente a música e consequentemente os músicos.
Parece existir um monopólio musical que induz músicos a uma adequação aos gêneros,
estilos, ritmos, tipos de instrumentos, materiais musicais e outros, os quais nos remetem
a indústria cultural citada por Teodor Adorno (2004 [1947]). Considerar a compreensão
do como a indústria cultural pode exercer controle social e ao mesmo tempo, manipular
e afetar resultados que poderão implicar em sucessos ou fracassos, emerge neste
presente projeto de estudo como estratégia de compreender o pensamento que se
manifesta entre guitarristas de baile.

Costa (2003), a cerca da indústria cultural, permite perceber como ações de


guitarristas podem dialogar com o mercado de bailes do Recife. Nestes termos, pensar a
indústria cultural emerge como metodologia de entendimento do campo de ação de
guitarristas de baile. Costa (2003) observa que indústria cultural é:

O conjunto de meios de comunicação como, o cinema, o rádio, a televisão,


os jornais e as revistas, que formam um sistema poderoso para gerar lucros e
por serem mais acessíveis às massas, exercem um tipo de manipulação e
controle social, ou seja, ela não só edifica a mercantilização da cultura, como
também é legitimada pela demanda desses produtos. (COSTA et al., 2003
p.2)

Sob esta percepção, buscar-se-á perceber se os meios de comunicação têm uma


influencia direta no desempenho do profissional da guitarra pois, a preconização das
músicas pela indústria do entretenimento pode exercer forte pressão sobre os músicos
que atuam no cenário musical do Recife. Assim, podemos entender que o guitarrista faz
parte de uma estrutura hierarquizada onde ele, na sua posição, tende a executar e
satisfazer aos ditames mercadológicos que parece não se importar com o conteúdo
transmitido, mas, com os resultados do consumo. Ainda em Costa (2003), é possível
compreender que:

Esses produtos passaram por uma hierarquização quanto à qualidade, no


sentido de privilegiar uma quantificação dos procedimentos da indústria
cultural, não há uma preocupação exata com seu conteúdo, mas com o

registro estatístico dos consumidores. (COSTA et al., 2003 p.3)

Nestes termos, torna-se relevante verificar o quanto um músico tenderá a


trabalhar em função dos resultados de consumo, posto que, em função do seu campo de
atuação, a manutenção de sua atividade profissional no mercado de entretenimento
musical poderá estar diretamente relacionada a fins lucrativos. Sob tais contextos,
buscar-se-á perceber como o guitarrista buscará se relacionar com as tendencias do
mercado musical. O conceito de campo de força (Bourdieu) emergirá então como
ferramenta de compreensão de demandas de gosto determinadas por contratantes e
senso comum da sociedade. Vetores de intensões e ações que possam vir a ser
manipuladas pela indústria cultural.

Em sua atividade, induzido ou influenciado pelas tendencias de mercado, o


guitarrista recorre a competências e habilidades técnicas que lhe garantam êxito
funcional. Ações que adquiridas, tornem-se estruturas de um hábito comum ao baile.
Hábito este que remete a domínios de repertorio e procedimentos técnicos desejados e
perseguidos pelos atores deste segmento de mercado. Alves (2014), quando descreve
diálogo técnico, próprio de guitarristas, permite que se perceba no discurso cotidiano de
músicos da noite o valor considerado a postura técnica e conhecimento de repertório:

“Antes de regular (a guitarra) eu peço: bicho, dá uma tocadinha antes” (...)


“quero que tu toque primeiro, pra eu ver tu tocando... eu quero saber qual é a
pegada dele, como é que ele toca, a maneira de atacar a nota com a paleta, a
força que ele aplica, o estilo de música que ele toca” (ALVES 2014, p416)

Nesta passagem é possível inferir que o guitarrista precisa estar tecnicamente


aperfeiçoado, assim como atualizado nos estilos proposto pelas mídias e pela indústria
cultural. Podemos ainda dizer que dentro do seu “campo”, o profissional da guitarra
elétrica tem que lutar para ocupar seu espaço.

Em diversos cenários musicais, aos quais o baile se insere, o músico está imerso
em planos dialógicos e simbólicos, em que a imaginação esconde a realidade de seus
esforços. Nestes termos, apesar do músico ser interpretado como alguém iluminado, que
se diverte enquanto trabalha, ignora-se que este profissional esteja em campos de força
promovidos por relações trabalhistas tensionais, peculiares ao mercado de trabalho da
música. A esse respeito Luciana Requinhão afirma:

Apesar da “aura romântica” que pode envolver o trabalho de um músico,


ainda mais em um cenário como o da Lapa, estão presentes nesses processos
de trabalho todas as características e contradições das relações de trabalho
que vêm se estabelecendo no capitalismo tardio. (Requinhão,2008 p.177)
O cenário da Lapa apontado por Requinhão acima, expressa planos conflituosos
que emergem de campos de força, aos quais músicos guitarristas estão sujeitos no
exercício de suas profissões em bandas de baile.

Você também pode gostar