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Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

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Leonardo Danziato
Leônia Cavalcante Teixeira
Jean-Luc Gaspard
(Organizadores)
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

VIOLÊNCIA DE GÊNERO E
ÓDIO AO FEMININO

Editora CRV
Curitiba – Brasil
2021
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Imagem de Capa: Tinnakorn jorruang / Shutterstock.com (modificado)
Revisão: Os Autores

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

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CATALOGAÇÃO NA FONTE
Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506

V795

Violência de gênero e ódio ao feminino / Leonardo José Barreira Danziato, Leônia Cavalcante
Teixeira, Jean-Luc Gaspard (organizadores) – Curitiba : CRV, 2021.
518 p.

Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-1435-4
ISBN Físico 978-65-251-1438-5
DOI 10.24824/978652511438.5

1. Psicologia 2. Violência de gênero 3. Ódio 4. Feminino – Feminismo 5. Psicanálise


I. Danziato, Leonardo José Barreira, org. II. Teixeira, Leônia Cavalcante, org. III. Gaspard, Jean-
Luc, org. IV. Título V. Série

CDU 364.27-055 CDD 305.42


Índice para catálogo sistemático
1. Violência de gênero – 305.42

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2021
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
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Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Christiane Carrijo Eckhardt Mouammar (UNESP)
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Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Fauston Negreiros (UFPI)
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Cesar Gerónimo Tello (Univer Nacional University, MMU, Grã-Bretanha)
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Três de Febrero – Argentina) Jacqueline de Oliveira Moreira (PUC-SP)


Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG) João Ricardo Lebert Cozac (PUC-SP)
Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL) Marcelo Porto (UEG)
Elizeu Clementino de Souza (UNEB) Marcia Alves Tassinari (USU)
Élsio José Corá (UFFS) Maria Alves de Toledo Bruns (FFCLRP)
Fernando Antônio Gonçalves Alcoforado (IPB) Mariana Lopez Teixeira (UFSC)
Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) Monilly Ramos Araujo Melo (UFCG)
Gloria Fariñas León (Universidade Olga Ceciliato Mattioli (ASSIS/UNESP)
de La Havana – Cuba) Regina Célia Faria Amaro Giora (MACKENZIE)
Guillermo Arias Beatón (Universidade Virgínia Kastrup (UFRJ)
de La Havana – Cuba)
Jailson Alves dos Santos (UFRJ)
João Adalberto Campato Junior (UNESP)
Josania Portela (UFPI)
Leonel Severo Rocha (UNISINOS)
Lídia de Oliveira Xavier (UNIEURO)
Lourdes Helena da Silva (UFV)
Marcelo Paixão (UFRJ e UTexas – US)
Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFSCar)
Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC)
Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA)
Paulo Romualdo Hernandes (UNIFAL – MG)
Renato Francisco dos Santos Paula (UFG)
Rodrigo Pratte-Santos (UFES)
Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Simone Rodrigues Pinto (UNB)
Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA)
Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)

Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a Universidade de Fortaleza (Unifor) que com seu
financiamento e investimento no campo da pesquisa, e muito especialmente
na pesquisa Violência de gênero no contexto da pandemia do COVID-19:
uma proposta de intervenção em urgência subjetiva com mulheres em situa-
ção de vulnerabilidade e risco que deu origem a esta obra, possibilitando a
presente publicação.
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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ..................................................................................... 7

APRESENTAÇÃO
GÊNERO E FEMININO:
violência, escuta e intervenções.................................................................... 15
Leonardo Danziato
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Leônia Cavalcante Teixeira


Jean-Luc Gaspard

PRÉSENTATION
GENRE ET FÉMININ:
violence, écoute et interventions ................................................................... 23
Leonardo Danziato
Leônia Cavalcante Teixeira
Jean-Luc Gaspard

O FEMININO:
ódio, violência e rejeição

AMÁLGAMAS DO NÃO ............................................................................... 33


Ana Carolina B. Leão Martins
Marília Albuquerque de Sousa

AMALGAMES DU NON ............................................................................... 43


Ana Carolina B. Leão Martins
Marília Albuquerque de Sousa

RECUSA DO FEMININO / RECUSA AO FEMININO:


do impasse freudiano ao enigma lacaniano ................................................. 53
Jean-Luc Gaspard
Mélinda Marx
Gabriella Dupim

REFUS DU FÉMININ / REFUS AU FÉMININ:


De l’impasse freudienne à l’énigme lacanienne ........................................... 73
Jean-Luc Gaspard
Mélinda Marx
Gabriella Dupim
SOBRE A FANTASIA
“NÓS MATAMOS UMA MULHER” .............................................................. 91
Marie-José Grihom

À PROPOS DU FANTASME « ON TUE UNE FEMME » ........................ 109


Marie-José Grihom

O AMÓDIO AO FEMININO E A VIOLÊNCIA NAS PARCERIAS ............ 127


Heloisa Caldas
Gabriella Dupim

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LA HAINAMORATION AU FÉMININ ET LA VIOLENCE DANS LES
PARTENARIATS ........................................................................................ 139
Heloisa Caldas
Gabriella Dupim

A OBJETALIZAÇÃO DA CATEGORIA MULHER NAS


CONSTRUÇÕES PSICANALÍTICAS: um tipo de violência de gênero .... 153
Anderson Santos
Aline Souza Martins
Bárbara Cristina Souza Barbosa
Cândida Cristine de Oliveira Lucas
Estanislau Alves da Silva Filho
Priscilla Santos de Souza
Tahamy Louise Duarte Pereira

L’OBJECTIVATION DE
LA CATÉGORIE FEMME DANS
LES CONSTRUCTIONS PSYCHANALYTIQUES :
un type de violence de genre ...................................................................... 173
Anderson Santos
Aline Souza Martins
Bárbara Cristina Souza Barbosa
Cândida Cristine de Oliveira Lucas
Estanislau Alves da Silva Filho
Priscilla Santos de Souza
Tahamy Louise Duarte Pereira

VIOLÊNCIA DE GÊNERO
E ÓDIO AO FEMININO:
alteridade e desvelamento no tratamento discursivo do feminino .............. 193
Leonardo Danziato
Gabriela Ferreira
Luciana Lira
VIOLENCE DE GENRE ET HAINE DU FÉMININ :
altérité et dévoilement dans le traitement discursif du féminin .................... 215
Leonardo Danziato
Gabriela Ferreira
Luciana Lira

MATAR MULHERES: que ódio é esse? .................................................... 237


Roseane Freitas Nicolau
Paula Affonso de Oliveira

TUER LES FEMMES : c’est quelle haine celle-là? .................................... 249


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Roseane Freitas Nicolau


Paula Affonso de Oliveira

A ESCUTA DA VIOLÊNCIA

DO LUGAR DE ASSISTIDA AO DE SUJEITO DO DESEJO:


escuta clínica com mulheres em situação
de violência doméstica em tempos de COVID-19 ....................................... 263
Leônia Cavalcante Teixeira
Jerzuí Mendes Tôrres Tomaz
Danielle Maia Cruz
Priscilla Faheina de Oliveira
Juçara Rocha Soares Mapurunga
Sabrina Serra Matos
Esther de Sena Ferreira

DU LIEU D’ASSISTÉE À CELUI DU SUJET DU DÉSIR:


l’écoute clinique avec des femmes en situation
de violence domestique en temps de COVID-19 ........................................ 277
Leônia Cavalcante Teixeira
Jerzuí Mendes Tôrres Tomaz
Danielle Maia Cruz
Priscilla Faheina de Oliveira
Juçara Rocha Soares Mapurunga
Sabrina Rocha Matos
Esther de Sena Ferreira

A ESCUTA DA VIOLÊNCIA NO PROGRAMA RAPARIGA BIZ:


enlaces entre psicanálise e política ............................................................. 291
Sandra Djambolakdjian Torossian
Katia Regina Paim
Yanisa Yusuf

L’ÉCOUTE DE LA VIOLENCE DANS LE CADRE DU PROGRAMME


RAPARIGA BIZ : entrelacs entre psychanalyse et politique.......................... 307
Sandra Djambolakdjian Torossian
Katia Regina Paim
Yanisa Yusuf
A FORÇA POLÍTICA DA ESCUTA CLÍNICA DE MULHERES
EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA........................................ 323
Luciana Ferreira Chagas
Jacqueline de Oliveira Moreira
Maria Lívia Tourinho Moretto

LA FORCE POLITIQUE DE L’ÉCOUTE CLINIQUE DE


FEMMES VICTIMES DE VIOLENCE CONJUGALE ............................... 335
Luciana Ferreira Chagas
Jacqueline de Oliveira Moreira

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Maria Lívia Tourinho Moretto

ERRÂNCIA E ENIGMA:
a indeterminação feminina e seus destinos ................................................ 345
Aparecida Rosângela Silveira
Carolina Saggioro Sobrinho
Cristina Andrade Sampaio
Flávia da Silva Tereza
Lêda Antunes Rocha
Márcia Cristina Maesso
Maria Clerismar Pereira dos Santos
Nayara Teixeira Gomes
Samuel Rocha Freitas

ERRANCE ET ÉNIGME :
l’indétermination féminine et ses destinations ............................................. 355
Aparecida Rosângela Silveira
Carolina Saggioro Sobrinho
Cristina Andrade Sampaio
Flávia da Silva Tereza
Lêda Antunes Rocha
Márcia Cristina Maesso
Maria Clerismar Pereira dos Santos
Nayara Teixeira Gomes
Samuel Rocha Freitas

POLÍTICAS DE GÊNERO E INTERVENÇÕES

MULHER SUBMISSA, MUNDO EM ORDEM:


leituras psicanalíticas sobre a submissão da mulher e
de seu corpo na discursividade evangélica e na política ............................ 369
Gabriel Inticher Binkowski
Gisele Laranjeira

FEMME SOUMISE, MONDE EN ORDRE:


lectures psychanalytiques à propos de la soumission de la femme
et de son corps dans la discursivité évangélique et dans la politique ......... 385
Gabriel Inticher Binkowski
Gisele Laranjeira
A CONDIÇÃO DAS MULHERES E A LUTA ESTRUTURAL:
uma leitura a partir do filme A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (2019)... 401
Andrea Hortelio Fernandes
Victoria Ayelén Gómez
Daniela Scheinkman Chatelard

LA CONDITION DES FEMMES ET LA LUTTE STRUCTURELLE:


une lecture du film La Vie Invisible d’Eurídice Gusmão (2019) ....................411
Andrea Hortelio Fernandes
Victoria Ayelén Gómez
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Daniela Scheinkman Chatelard

O TRAUMA E OS DISCURSOS COLONIAIS: o despertar de uma


reflexão sobre a violência racista contra a mulher negra no Brasil ............. 421
Samira Andrade Paiva
Débora Passos
Maria Celina Peixoto Lima
Ana Catarina Nogueira Farias
Juliane dos Santos Moraes
Francisca Renata de Araújo Pessoa

LES TRAUMAS ET LES DISCOURS COLONIAUX : l’éveil d’une


réflexion sur la violence raciste à l’égard des femmes noires au Brésil ...... 435
Samira Andrade Paiva
Débora Passos
Maria Celina Peixoto Lima
Ana Catarina Nogueira Farias
Juliane dos Santos Moraes
Francisca Renata de Araújo Pessoa

RACISMO, SEXISMO E DENEGAÇÃO NO BRASIL:


contribuições psicanalíticas de Lélia Gonzalez ........................................... 449
Miriam Debieux Rosa
Priscilla Santos de Souza

RACISME, SEXISME ET DÉNÉGATION AU BRÉSIL:


les apports psychanalytiques de Lélia Gonzalez......................................... 465
Miriam Debieux Rosa
Priscilla Santos de Souza

“QUASE DA FAMÍLIA”:
violências às trabalhadoras domésticas
(in)visibilizadas por nossas branquitudes .................................................... 481
Jaquelina Maria Imbrizi
Adriana Rodrigues Domingues
Ana Lucia Gondim Bastos
« PRESQUE DE LA FAMILLE »: les violences à l’égard des
travailleuses domestiques rendues (in)visibles par nos blanchités ............. 493
Jaquelina Maria Imbrizi
Adriana Rodrigues Domingues
Ana Lucia Gondim Bastos

ÍNDICE REMISSIVO ................................................................................. 505

INDEX ..........................................................................................................511

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SOBRE OS AUTORES .............................................................................. 517

SUR LES AUTEURS ................................................................................. 529


APRES ENTAÇ Ã O
GÊNERO E FEMININO:
violência, escuta e intervenções
Leonardo Danziato
Leônia Cavalcante Teixeira
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Jean-Luc Gaspard

O livro e-book bilingue “Violência de gênero e ódio ao feminino” é o


produto dos trabalhos, pesquisas e interlocuções de vários autores brasileiros
e franceses que se preocupam em por em cena um debate público sobre esse
fenômeno histórico, cultural, transnacional, político, íntimo, que é a violência
de gênero dirigido tanto às mulheres como as populações LGBTQIA+.
A partir de uma pesquisa intitulada “Violência de gênero no contexto da
pandemia do COVID-19: uma proposta de intervenção em urgência subjetiva
com mulheres em situação de vulnerabilidade e risco”, realizada pelo Labo-
ratório de Estudos sobre Psicanálise, Cultura e Subjetividade (LAEpCUS) do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza, em
convênio com a “Defensoria Pública do Estado do Ceará” (DPCe) e articulada
a rede internacional de pesquisa Milo – Réseau universitaire pluridisciplinaire
de recherches sur les violences et trauma (Milo – Rede universitária pluridis-
ciplinar de pesquisa sobre as violências e trauma), chegamos à proposta da
presente obra, com o intuito de congregar vários pesquisadores e trabalhos
que se dispusessem ao debate público de forma clara e contundente.
Os autores provêm de diferentes instituições de ensino superior brasileiras
e francesas e representam, assim, seus grupos de pesquisa, ratificando os inter-
câmbios interinstitucionais que alimentam os programas de pós-graduação e
graduação, tanto no campo da psicologia, da psicanálise, como em outras áreas.
Ressaltamos e congratulamos os intercâmbios produtivos entre os vários Gru-
pos de Trabalho (GTs) da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
em Psicologia (ANPEPP), que se consolidam pelas participações de membros
dos seguintes GTs, que tomam a psicanálise como eixo: “Psicanálise, cultura e
política”, “Psicanálise, Política e Clínica”, “Subjetividade Contemporânea” e
“Psicanálise, política e educação”. Destacamos, ainda, a participação de colegas
das redes de pesquisa e coletivos proeminentes do trabalho político, social e
cultural em nosso país, como a Rede Interamericana de Pesquisa em Psicanálise
e Política (RedIPPol), a Rede Internacional Coletivo Amarrações – psicaná-
lise & Políticas com Juventudes, O Movimento Cada Vida Importa, Grupo
16

Veredas: Psicanálise e Migração (IP-USP), o (MCVI). Todos esses espaços e


instituições que trabalham com a pesquisa, com o estudo, com a prevenção e
o enfrentamento e da violência, constituem-se como lócus de construção de
saberes e práticas referenciados pela ética da psicanálise.
A estrutura do nosso livro foi definida em três partes que buscam nomear
de forma mais geral as temáticas percorridas pelos quinze capítulos. São elas:
“O feminino: ódio, violência e rejeição”; “A escuta da violência” e “Políticas
de gênero e intervenções”.
Na primeira parte da obra – que conta com seis capítulos – encontra-

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mos trabalhos que discutem e aprofundam temáticas cruciais acerca do femi-
nino como o alvo preferencial do ódio e da violência: a negação, a recusa, o
impasse, a fantasia, a hainamoration, a objetalização e o ódio à alteridade.
No capítulo “Amálgamas do não”, Ana Carolina B. Leão Martins e
Marília Albuquerque de Sousa debatem o assédio e o lugar da palavra das
mulheres a partir de duas vertentes: o estatuto do não na clínica e na política;
a generificação e a racialização do não no campo da cultura, articulado ao
racismo e aos feminicídios. Discutem, ainda, a contraposição entre o “não da
igualdade” e o “não da diferença”, o que direciona à potência clínica e política
da negativa. As autoras afirmam que, em sua potência amalgamática, o não
assim se mostra afirmativo da vida, aliançando corpos que presentificam a
diferença e a multiplicidade.
A recusa do feminino é o eixo central do capítulo de Jean-Luc Gaspard,
Mélinda Marx e Gabriella Dupim, intitulado “Recusa do feminino / Recusa ao
feminino: Do impasse freudiano ao enigma lacaniano”, no qual abordam duas
modalidades de recusa: a recusa do feminino, por um lado e a recusa ao femi-
nino, por outro. Considerando que a recusa do feminino, estaria inscrita para
qualquer sujeito e qualquer que seja seu sexo, como uma resposta ao encontro
real de uma falta no corpo do Outro (materno), propõem que o sujeito responde,
estruturalmente, na orientação freudiana por uma recusa, seja pelo recalque,
denegação ou foraclusão. Por outro lado, a recusa ao feminino (Versagung)
será considerada na lógica da palavra, como o ponto a partir do qual isso fala
da falha do Outro. A recusa torna-se então um ato pelo qual o sujeito entra em
uma posição que carrega consigo uma ética. Isto lança uma luz original sobre
a questão da violência de gênero, já que a recusa ao feminino pode ir até a
repugnância e o assassinato, ou mesmo, marcada por esta posição radical do
sujeito, possivelmente ao ponto de consentir com sua própria morte.
Em “Sobre a fantasia “Nós matamos uma mulher”, Marie-José Grihom,
com base na antropologia, nas teorias de gênero e na psicanálise postula a
existência de uma fantasia original denominada “Mata-se uma mulher”, que
seria compartilhada por homens e mulheres e articulada com a recusa do femi-
nino. A violência baseada no gênero dentro do casal parece ser proporcional
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 17

às experiências psíquicas comuns dos parceiros nesta fantasia original, que


é tanto mais ativa quanto a recusa do feminino está presente tanto para o
homem quanto para a mulher.
Em “O amódio ao feminino e a violência nas parcerias”, Heloisa Caldas
e Gabriella Dupim discutem o como o empoderamento das mulheres tem
ampliado seu lugar de cidadania e direito. A despeito disso, a violência contra
elas vem aumentando e evidenciando a presença resistente de um ódio misó-
gino. Na violência reiterada das parcerias amorosas, as autoras interrogam:
como tratar a mulher para que ela passe de vítima a poder evitar a violência?
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Para a psicanálise, o ódio violento traz a marca de um excesso de gozo Outro,


rebelde ao significante, deslocalizado no corpo, cuja falta de limites causa um
empuxo à infinitização. Tais aspectos podem nortear propostas de intervenção
de vítimas da violência levando em conta suas possibilidades de manejo do
que escapa aos limites simbólicos, tão presente nas parcerias violentas.
Partindo da crítica à violência de gênero na academia e na epistemologia,
o capítulo “A objetalização da categoria mulher nas construções psicanalíti-
cas: um tipo de violência de gênero”, de autoria de Anderson Santos, Aline
Souza Martins, Bárbara Cristina Souza Barbosa, Cândida Cristine de Oliveira
Lucas, Estanislau Alves da Silva Filho, Priscilla Santos de Souza, Tahamy
Louise Duarte Pereira, interroga o apagamento e a objetificação da mulher
que ocorre em decorrência de determinadas leituras psicanalíticas que tomam
a mulher como categoria. Problematizam a aproximação entre o feminino e
a mulher, que apesar de serem noções distintas, são muitas vezes tomadas
desconsiderando a complexidade da sua conjugação. Destacam o silencia-
mento de intelectuais mulheres nas referências canônicas psicanalíticas e a
perpetuação de uma epistemologia localizada politicamente, e que contém
limitações e cristalizações históricas. A importante contribuição das feministas
para o debate destaca a violência da “permissão para narrar” em relação aos
que são narrados, objetos a serem descritos a partir da perspectiva dominante,
como mulheres brancas e negras, homens negros, povos originários e outros.
Entendem que insistir numa “enigmatização” da mulher “anatomizando” o
corpo feminino, é produzir mais uma violência às mulheres, que se dá como
na produção teórica, na clínica, na transmissão e na política. Assim, intentam
deslocar tais posições hegemônicas e objetificantes da mulher, elencando alter-
nativas estratégicas de construções epistemológicas, políticas e de posições
psicanalíticas contra hegemônicas, trazendo-as para o debate.
Partindo também da rejeição ao feminino, Leonardo Danziato, Gabriela
Ferreira e Luciana Lira propõem discutir a violência de gênero como um “ódio
ao feminino” e não propriamente à mulher no capítulo “Violência de gênero
e ódio ao feminino: alteridade e desvelamento no tratamento discursivo do
feminino”. Para tanto, repassam o debate sobre a posição da mulher na cena de
18

violência, sinalizando o paradoxo do fato de algumas mulheres permanecerem


num circuito de repetição das práticas de agressão e indicam a necessidade
de se sair da referência insistente ao masoquismo feminino, em direção à
lógica do ódio à um tipo de gozo do corpo. Concebem esse ódio ao feminino
como uma reação colérica fálico-masculina diante da impotência e a incon-
sistência do todo-fálico, sempre denunciado pelo não-todo fálico feminino,
mas também como uma reação de todo sujeito à uma posição e à um gozo
originário marcado pela condição primária, sempre objetal, que dispõe todo
sujeito diante do risco de apassivamento. Concluem propondo uma estratégia

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discursiva de “bem-dizer” o feminino, a partir do que denominam, seguindo
Lacan, de “feminilizar o buraco”.
A violência contra as mulheres se expressa em números crescentes de
feminicídio, com uma mulher assassinada a cada minuto no Brasil. Embora
esse fenômeno acompanhe a história das civilizações, a agressividade dirigida
às mulheres ganha novos contornos com a tentativa de destruir o feminismo
e suas conquistas de liberdade sexual, social e política. Cresce a imagem da
mulher virtuosa e submissa incentivada pelas “pessoas de bem” identifica-
das como conservadoras no atual contexto sociopolítico, mas que agridem
liberdades e dão força a posições machistas e fundamentalistas, alimentando
o ódio contra o feminino. Historicamente identificada ao estranho, à castra-
ção, à sedução e ao mal, estaria esse ódio inscrito a partir da alteridade que
elas encarnam, em função do seu modo de gozo enigmático e inapreensível,
característica da modalidade de gozo não-todo referido ao falo? Matar seria
uma tentativa de eliminar a angústia que o encontro com o feminino portaria?
Essas são as interrogações norteiam as discussões do capítulo de Roseane
Nicolau e Paula Oliveira intitulado “Matar mulheres. Que ódio é esse?”.
A segunda parte da coletânea é intitulada “A escuta da violência” trata
de práticas de pesquisa ou clínicas que trabalham diretamente com a escuta
de pessoas em situação vulnerabilidade.
No capítulo “Do lugar de assistida ao de sujeito do desejo: escuta clínica
com mulheres em situação de violência doméstica em tempos de COVID-19”,
Leônia Cavalcante Teixeira, Jerzuí Mendes Tôrres Tomaz, Danielle Maia Cruz,
Priscilla Faheina de Oliveira, Juçara Rocha Soares Mapurunga, Sabrina Rocha
Matos e Esther de Sena Ferreira, partem da situação de emergência sanitária
que impôs o isolamento social no Brasil, em 2020, para problematizar a escuta
do sofrimento psíquico de mulheres em situação de vulnerabilidade e risco
diante do aumento dos índices de violência doméstica, com base no arcabouço
teórico psicanalítico e com o uso do dispositivo de urgência subjetiva. Por meio
do relato de uma vinheta clínica e a discussão de um caso clínico, construídos
borromeanamente, as autoras descrevem a travessia entre o silenciamento da
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 19

voz feminina e a posição de sujeito do desejo, privilegiando-se uma narrativa


que entrelaça aspectos culturais, jurídicos, políticos, de gênero e íntimos.
No mesmo esteio de discussão teórica a partir de intervenções no social,
o capítulo “Escuta da violência no programa Rapariga Biz: enlaces entre
psicanálise e política”, escrito por Sandra Djambolakdjian Torossian, Katia
Regina Paim e Yanisa Yusuf, discute a violência contra a mulher a partir do
programa “Rapariga Biz” desenvolvido em Moçambique. Nesse programa
elegeu-se como estratégia a mentoria, na qual jovens mulheres são capacitadas
para promover a reflexão sobre saúde sexual reprodutiva, direitos humanos,
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empoderamento econômico junto a jovens de suas comunidades. Pautadas


pela ética da psicanálise, uma equipe de 15 psicólogas realizou atendimentos
à aproximadamente 1000 jovens, no contexto remoto, devido à COVID-19. A
maioria das mentoras também vivenciou situações de vulnerabilidade e vio-
lências e focaram o suporte psicossocial, que inclui tanto a escuta pontual das
mentoras por parte de uma equipe de psicólogas, quanto a supervisão dessa
equipe de apoio. Essa supervisão, um dos dispositivos analisados, aconteceu
numa parceria entre Moçambique e o Brasil.
Em “A força política da escuta clínica de mulheres em situação de vio-
lência doméstica” de Luciana Ferreira Chagas, Jacqueline Moreira de Oliveira
e Maria Lívia Tourinho Moretto propõem uma leitura crítica dos serviços de
enfrentamento à violência contra a mulher, apresentando reflexões a respeito
da atuação da psicologia na articulação entre os diferentes campos de saber.
Indicam a repetição como dado clínico e a escuta psicanalítica como provedor
da subjetividade e possível estratégia no rompimento do ciclo da violência.
Defendem, sobretudo, a implicação de cada mulher como sujeito de sua his-
tória, na construção de um futuro diferente.
“Errância e Enigma: a indeterminação feminina e seus destinos”, capítulo
escrito por Aparecida Rosângela Silveira, Carolina Saggioro Sobrinho, Cris-
tina Andrade Sampaio, Flávia da Silva Tereza, Lêda Antunes Rocha, Márcia
Cristina Maesso, Maria Clerismar Pereira dos Santos, Nayara Teixeira Gomes
e Samuel Rocha Freitas, discute a posição de um sujeito às voltas com os
impasses de uma costura que procura cingir feminino, traumatismo, exílio e
errância. Utiliza-se, para tanto, do relato de um sujeito feminino em situação
de rua; sua história, aqui entendida como uma ficção singular. A partir da nar-
rativa memorialística localiza-se o apagamento dos rastros do sujeito em uma
trajetória de violência em relação ao ideal sem permitir uma costura de um
lugar para o estabelecimento do laço social, que se presentifica na repetição
de uma posição de gozo mortífera de exílio e errância. À questão “o que pode
uma mulher na rua?”, diferente de um homem, mas nem tanto, a investigação
permite recolher as capturas do sujeito diante da vulnerabilidade e as marcas
20

da violência inscritas em sua trajetória de vida e rua que conjugam trauma,


dor de existir e o fora de sentido do feminino.
Com o título “Políticas de gênero e intervenções”, a última parte do
livro é inaugurada pelo texto “Mulher submissa, mundo em ordem: leituras
psicanalíticas sobre a submissão da mulher e de seu corpo na discursividade
evangélica e na política” de Gabriel Inticher Binkowski e Gisele Laranjeira,
as diferenças entre o lugar do homem e da mulher no mundo pentecostal e
neopentecostal brasileiro são debatidas, a partir das figuras de feminino e
de masculino presentes na política brasileira dos últimos anos, de modo a

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entender como essa discursividade seguiu um funcionamento decalcado de
certas estruturas presentes na sociedade brasileira.
Andrea Hortelio Fernandes, Victoria Ayelén Gómez e Daniela Scheinkman
Chatelard assinam o capítulo “A condição das mulheres e a luta estrutural:
uma leitura a partir do filme A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, que
realiza uma análise do filme “A vida invisível de Eurídice Gusmão”, a par-
tir da interlocução entre psicanálise, sublimação, literatura e a denúncia do
patriarcado e suas interseções com as lutas feministas. Todos esses aspectos
são retomados a partir de uma postura crítica, o que coloca em tensão os dis-
cursos históricos que configuram as formas de ser mulher e as diversas formas
de submissão. Ressalta, ainda, a relevância de tomar a política no campo da
psicanálise, considerando os limites e não-limites entre o espaço público e
privado, assim como a reformar a posição ética da prática clínica e o apro-
fundamento das leituras entre psicanálise, literatura, feminismo e patriarcado.
O capítulo “O trauma e os discursos coloniais: o despertar de uma refle-
xão sobre a violência racista contra a mulher negra no Brasil”, escrito por
Samira Andrade Paiva, Débora Passos, Maria Celina Peixoto Lima, Ana Cata-
rina Nogueira Farias, Juliane dos Santos Moraes e Francisca Renata de Araújo
Pessoa, busca analisar as consequências sociais e psicológicas deixadas pelo
Sistema Escravocrata Colonial no Brasil, compreendendo ser este uma ferida
histórica no país, ainda não cicatrizada. Desta forma, reconhece a violência
que se fez presente na escravidão como um trauma para a sociedade brasi-
leira que, apesar de tentar negá-la ou minimizá-la, continua por reproduzir
lógicas do período colonial em forma do racismo. Ademais, busca analisar,
historicamente, como o colonialismo auxiliou na construção de estereótipos
no que diz respeito à imagem das pessoas negras no país, enfocando mais
especificamente a construção e manutenção dos preconceitos que, até hoje,
acometem as mulheres negras. Para tanto, serão discutem três principais mitos
construídos socialmente, a saber: o Mito da Mãe-preta; o Mito da Mulata
Sexual e o Mito da Mulher Negra Forte.
Em “Racismo, sexismo e denegação no Brasil: contribuições psicanalí-
ticas de Lélia Gonzalez”, Miriam Debieux Rosa e Priscilla Santos de Souza
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 21

abordam a naturalização das violências racistas como estratégia que mantém


o regime de exploração e permite a manutenção da escravização por outros
meios. Seguindo as contribuições de Lélia Gonzalez (1935-1994), filósofa,
antropóloga, militante do movimento negro e feminista e ancorada na psi-
canálise, consideram a manutenção acrítica do racismo e do sexismo nas
relações sociais como um sintoma da cultura brasileira baseado num processo
de denegação (Verneinung) do desejo. Tais aspectos da denegação pereniza o
racismo através de um discurso carregado de marca-dores sociais que reiteram
as relações históricas de espoliação de bens materiais, culturais e simbólicos de
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parte da população. Através da análise de três figuras desdobradas da amásia


escrava, a mulata, a doméstica e a mãe preta, denunciam a configuração de
uma solida dominação e poder material e subjetivo.
O cotidiano de exploração vivenciado por empregadas domésticas ilus-
trado em produções cinematográficas argentinas, brasileiras e mexicanas,
lançadas principalmente a partir do ano 2000, é a temática do capítulo “Quase
da Família”: violências às trabalhadoras domésticas (in)visibilizadas por nos-
sas branquitudes”, escrito por Jaquelina Maria Imbrizi, Adriana Rodrigues
Domingues e Ana Lucia Gondim Bastos. Consideradas “quase da família”,
as trabalhadoras sofrem séries de humilhações e constrangimentos que são
naturalizados no cotidiano de trabalho, no qual lugares sociais autorizam a
ambivalência de afetos. Foram escolhidas obras que visam desconstruir o
destino social naturalizado e predeterminado à categoria e, assim, oferecem
roteiros que as colocam como protagonistas de suas próprias histórias. Essa
análise fílmica é realizada por meio da abordagem psicanalítica em interface
com as discussões interseccionais do feminismo negro, relevando as questões
de etnia, gênero e classe social.
Todos esses trabalhos que encorpam a presente obra, mas fundamental-
mente a discussão política e acadêmica sobre a violência de gênero e o ódio
ao feminino, nos dispõem diante de um importante e imponente arma para
trabalhos e pesquisas que busquem reafirmar a singularidade e a alteridade
do sujeito e da diferença, a partir da psicanálise e sua ética, mas sem perder e
vistas a dimensão política, cultural e histórica desse contexto. Esperamos que
essa obra coletiva possa servir como um importante instrumento que permita
a invenção de leituras e a construção de intervenções diante dessa realidade
cruel e muitas vezes devastadora da violência de gênero.
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PRÉSENTATION
GENRE ET FÉMININ:
violence, écoute et interventions
Leonardo Danziato
Leônia Cavalcante Teixeira
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Jean-Luc Gaspard

Le livre électronique bilingue « Violence de genre et haine du fémini »»


est le produit du travail, des recherches et des interlocutions de plusieurs auteurs
brésiliens et français soucieux de mettre en scène un débat public sur ce phéno-
mène historique, culturel, transnational, politique, intime qu’est la violence de
genre dirigée à la fois contre les femmes et contre les populations LGBTQIA+.
À partir d’une recherche intitulée « La violence de genre dans le contexte
de la pandémie de COVID-19 : une proposition d’intervention en urgence
subjective auprès de femmes en situation de vulnérabilité et de risque », réa-
lisée par le Laboratoire d’Études sur la Psychanalyse, la Culture et la Sub-
jectivité (LAEpCUS) du Programme d’Études Supérieures en psychologie
de l’Université de Fortaleza, En accord avec la « Défense Publique de l’État
du Ceará » (DPCe) et articulé avec le réseau international de recherche Milo
– Réseau universitaire pluridisciplinaire de recherches sur les violences et
trauma, nous sommes arrivés à la proposition de ce travail, avec l’intention
de réunir divers chercheurs et travaux qui étaient disposés à un débat public
d’une manière claire et ferme.
Les auteurs proviennent de différents établissements d’enseignement
supérieur brésiliens et français et représentent ainsi leurs groupes de recherche,
ratifiant les échanges interinstitutionnels qui alimentent les programmes de
deuxième et troisième cycles, tant dans le domaine de la psychologie, de la
psychanalyse, que dans d’autres domaines. Nous soulignons et félicitons les
échanges productifs entre les différents Groupes de Travail (GT) de l’Associa-
tion Nationale de Recherche et de Post-graduation en Psychologie (ANPEPP),
qui sont consolidés par la participation des membres des GT suivants, qui
prennent la psychanalyse comme axe: « Psychanalyse, Culture et Politique »,
« Psychanalyse, Politique et Clinique », « Subjectivité Contemporaine » et
« Psychanalyse, Politique et Éducation ». Nous soulignons également la par-
ticipation de collègues issus de réseaux de recherche et de collectifs influents
au travail politique, social et culturel dans notre pays, tels que le Réseau inte-
raméricain de recherche en psychanalyse et politique (RedIPPol), le Réseau
24

International Collectif Amarrages – Psychanalyse et Politique avec la Jeunesse,


le Mouvement Chaque Vie Compte : l’université dans la prévention et la
confrontation de la violence à Ceará (MCVI), Grupo Veredas : Psychanalyse
et migration (IP-USP). Tous ces espaces et institutions qui travaillent avec la
recherche, avec l’étude, avec la prévention et la confrontation de la violence,
se constituent comme des locus de construction de connaissances et de pra-
tiques référencées par l’éthique de la psychanalyse.
La structure de notre ouvrage a été définie en trois parties qui cherchent
à nommer de manière plus générale les thèmes abordés dans les quinze cha-

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pitres. Ce sont: « Le féminin : haine, violence et rejet » ; « L’écoute de la
violence » et « Politiques de genre et interventions ».
Dans la première partie de l’ouvrage – qui se compose de six chapitres –
nous trouvons des œuvres qui discutent et approfondissent des thèmes cruciaux
sur le féminin en tant que cible préférentielle de la haine et de la violence :
le déni, le refus, l’impasse, la fantaisie, l’hainamoration, l’objectalisation et
la haine de l’altérité.
Dans le chapitre « Amalgames du non », Ana Carolina B. Leão Martins et
Marília Albuquerque de Sousa discutent le harcèlement et la place de la parole
des femmes à partir de deux perspectives: le statut du non dans la pratique
clinique et politique; la générification et la racialisation du non dans le champ
de la culture, articulé au racisme et aux féminicides. Ils discutent également de
la contre-position entre le « non de l’égalité » et le « non de la différence », qui
renvoie au potentiel clinique et politique de la négative. Les auteurs affirment
que, dans son potentiel amalgamique, le non s’avère ainsi l’affirmative de la
vie, alliant des corps qui manifestent la différence et la multiplicité.
Le refus du féminin est l’axe central du chapitre de Jean-Luc Gaspard,
Mélinda Marx et Gabriella Dupim intitulé « Refus du féminin / Refus du
féminin : de l’impasse freudienne à l’énigme lacanienne », dans lequel ils
discutent de deux modalités de refus : le refus du féminin d’une part et le
refus au féminin d’autre part. Considérant que le refus du féminin s’inscrirait
pour tout sujet et quel que soit son sexe, comme une réponse à la rencontre
réelle d’un manque dans le corps de l’Autre (maternel), ils proposent que le
sujet réponde structurellement, dans l’orientation freudienne, par un refus,
que ce soit par le refoulement, la dénégation ou la forclusion. D’autre part, le
refus au féminin (Versagung) sera considéré dans la logique du mot, comme
le point à partir duquel celui-ci parle de l’échec de l’Autre. Le refus devient
alors un acte par lequel le sujet entre dans une position qui porte en elle une
éthique. Cela apporte un éclairage original sur la question de la violence de
genre, puisque le refus du féminin peut aller jusqu’au dégoût et au meurtre,
ou même, marqué par cette position radicale du sujet, éventuellement jusqu’à
consentir à sa propre mort.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 25

Dans « À propos du fantasme « On tue une femme » Marie-José Grihom,


sur la base de l’anthropologie, des théories du genre et de la psychanalyse
postule l’existence d’une fantaisie originale appelée « On tue une femme »,
qui serait partagée par les hommes et les femmes et articulée avec le refus
du féminin. La violence basée sur le genre au sein du couple semble être
proportionnelle aux expériences psychiques partagées par les partenaires
dans cette fantaisie originelle, d’autant plus actif que le refus du féminin est
présent aussi bien pour l’homme que pour la femme.
Dans « La hainamoration au féminin et la violence dans les partenariats »
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Heloisa Caldas et Gabriella Dupim examinent comment le développement


de l’autonomie des femmes a élargi leur place au sein de la citoyenneté et
du droit. Malgré cela, la violence à leur égard a augmenté et montre la pré-
sence résistante d’une haine misogyne. Face à la violence répétée des parte-
nariats amoureux, les auteures posent la question suivante: comment traiter
les femmes pour qu’elles passent du statut de victime à celui de personne
capable d’éviter la violence ? Pour la psychanalyse, la haine violente porte la
marque d’un excès de jouissance Autre, rebelle au signifiant, déplacée dans
le corps, dont l’absence de limites provoque une poussée vers l’infinitisation.
Ces aspects peuvent orienter les propositions d’intervention pour les victimes
de violence en tenant compte leurs possibilités de gérer ce qui échappe aux
limites symboliques, si présentes dans les partenariats violents.
Partant de la critique de la violence de genre dans l’académie et dans
l’épistémologie, le chapitre “L’objectivation de la catégorie femme dans les
constructions psychanalytiques : un type de violence de genre”, dont les
auteurs sont Anderson dos Santos, Aline Souza Martins, Bárbara Cristina
Souza Barbosa, Cândida Cristine de Oliveira Lucas, Estanislau Alves da Silva
Filho, Priscilla Santos de Souza, Tahamy Louise Duarte Pereira, interroge
l’effacement et l’objectivation des femmes qui se produit à la suite de cer-
taines lectures psychanalytiques qui prennent la femme comme catégorie.
Ils problématisent le rapprochement entre le féminin et la femme, qui, bien
qu’étant des notions distinctes, sont souvent considérées sans tenir compte
de la complexité de leur conjugaison. Ils mettent en évidence la réduction au
silence des femmes intellectuelles dans les références canoniques psychana-
lytiques et la perpétuation d’une épistémologie politiquement située, et qui
contient des limites et des cristallisations historiques. L’importante contribu-
tion des féministes au débat met en lumière la violence de la « permission
de raconter » par rapport à ceux qui sont racontés, objets à être décrits du
point de vue dominant, tels que les femmes blanches et noires, les hommes
noirs, les peuples originaires et autres. Ils comprennent qu’insister sur une
« énigmatisation » de la femme en « anatomisant » le corps féminin équivaut
à produire une autre violence envers les femmes, qui se produit aussi bien
26

dans la production théorique que dans la clinique, dans la transmission et dans


la politique. Ainsi, ils ont l’intention de déplacer ces positions hégémoniques
et objectivants de la femme, en énumérant des alternatives stratégiques de
constructions épistémologiques, politiques et de positions psychanalytiques
contre-hégémoniques, en les apportant au débat.
Toujours sur la base du rejet du féminin, Leonardo Danziato, Gabriela
Ferreira et Luciana Lira discutent de la violence de genre comme d’une « haine
du féminin » et pas exactement d’une haine envers la femme dans le chapitre
« Violence de genre et haine du féminin : altérité et dévoilement dans le trai-

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tement discursif du féminin ». À cette fin, ils revoient le débat sur la position
des femmes dans la scène de la violence, en soulignant le paradoxe du fait que
certaines femmes restent dans un circuit de répétition des pratiques d’agression
et indiquent la nécessité de s’éloigner de la référence insistante au masochisme
féminin, vers la logique de la haine pour un type de jouissance du corps. Ils
conçoivent cette haine du féminin comme une réaction colérique phallique-mas-
culine à l’impuissance et à l’inconsistance du tout phallique, toujours dénoncée
par le non-tout phallique féminin, mais aussi comme une réaction de tout sujet
face à une position et une jouissance originelle marquée par la condition pre-
mière, toujours objectale, qui dispose tout sujet devant le risque de passivation.
Ils concluent en proposant une stratégie discursive de « bien dire » le féminin,
fondée sur ce qu’ils appellent, à la suite de Lacan, « féminiser le trou ».
La violence contre le femmes s’expresse en nombres croyssants de
féminicide, avec une femme assassinée à chaque minute, au Brésil. Malgré
ce phénomène accompagne l’histoire des civilisations, l’agréssivité dirigée
aux femmes gagne de nouveaux contours avec la tentative de détruire le
féminisme et ses conquêtes de liberté sexuele, sociale et politique. S’enlève
l’image de la femme virtueuse et soumise, incentivé par les “personnes de
bien”, identifiées comme conservatrices dans l’actuel contexte socio-politique,
mais qui agressent des libertés et donnent de la force aux positions machistes
et fondamentalistes, en nourrant la haine contre le féḿinin. Historiquement
indentifiée à l’étrange, à la castration, à la séduction et au mauvais, serait-il
cette haine inscrite à partir de l’altérité qu’elles incarnent, en fonction de leur
mode de plaisir énigmatique et inapréhénsible, caractéristique de la modalité
de plaisir non-tout référé au phallus? Teur serait-il une tentative d’éliminer
l’angoisse que le rencontre avec le féminin porterait? Celles-là sont les ques-
tions qui guident les discussions de ce chapitre intitulé « Tuer les Femmes,
C’est Quelle Haine Celle-Là? ».
La deuxième partie de cette publication s’intitule « Écouter la violence »
et traite des recherches ou des pratiques cliniques qui travaillent directement
sur l’écoute des personnes en situation de vulnérabilité.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 27

Dans le chapitre « Du lieu d’assistée à celui du sujet du désir – l’écoute


clinique avec des femmes en situation de violence domestique en temps de
COVID-19», Leônia Cavalcante Teixeira, Jerzuí Mendes Tôrres Tomaz,
Danielle Maia Cruz, Priscilla Faheina de Oliveira, Juçara Rocha Soares
Mapurunga, Sabrina Rocha Matos et Esther de Sena Ferreira, partent de la
situation d’urgence sanitaire qui a imposé l’isolement social au Brésil en 2020,
pour problématiser l’écoute de la souffrance psychologique des femmes en
situation de vulnérabilité et de risque face à l’augmentation des taux de vio-
lence domestique, en s’appuyant sur le cadre théorique psychanalytique et
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en utilisant le dispositif de l’urgence subjective. À travers le compte-rendu


d’une vignette clinique et la discussion d’un cas clinique, construit de manière
borroméenne, les auteurs décrivent la traversée entre la réduction au silence
de la voix féminine et la position de sujet du désir, en se focalisant sur un récit
qui entremêle des aspects culturels, juridiques, politiques, de genre et intimes.
Dans la même veine de discussion théorique basée sur des interventions
sociales, le chapitre « L’écoute de la violence dans le cadre du programme
Rapariga Biz : entrelacs entre psychanalyse et politique », rédigé par Sandra
Djambolakdjian Torossian, Katia Regina Paim et Yanisa Yusuf, traite de la
violence contre les femmes à partir du programme « Fillette Biz » développé
au Mozambique. La stratégie choisie pour ce programme est le mentorat, dans
lequel des jeunes femmes sont formées pour promouvoir la réflexion sur la
santé sexuelle et reproductive, les droits de l’homme et l’autonomisation écono-
mique des jeunes de leur communauté. Guidée par l’éthique de la psychanalyse,
une équipe de 15 psychologues a fourni une assistance à environ 1000 jeunes,
dans le contexte d’isolement, en raison du COVID-19. La plupart des mentors
ont également connu des situations de vulnérabilité et de violence et ont mis
l’accent sur le soutien psychosocial, qui comprend à la fois l’écoute ponctuelle
des mentors par une équipe de psychologues, comme la supervision de cette
équipe de soutien. Cette supervision, l’un des mécanismes analysés, a eu lieu
dans le cadre d’un partenariat entre le Mozambique et le Brésil.
Dans « La force politique de l’écoute clinique des femmes en situation
de violence conjugale », Luciana Ferreira Chagas, Jacqueline de Oliveira
Moreira et Maria Lívia Tourinho Moretto proposent une lecture critique
des services de combat de la violence contre les femmes, en présentant des
réflexions sur le rôle de la psychologie dans l’articulation entre différents
champs de connaissance. Elles indiquent la répétition comme une donnée
clinique et l’écoute psychanalytique comme un fournisseur de la subjectivité
et une possible stratégie pour briser le cycle de la violence. Elles défendent,
avant tout, l’implication de chaque femme comme sujet de son histoire, dans
la construction d’un futur différent.
28

« Errance et énigme : l’indétermination féminine et ses destinations »,


chapitre écrit par Aparecida Rosângela Silveira, Carolina Saggioro Sobrinho,
Cristina Andrade Sampaio, Flávia da Silva Tereza, Lêda Antunes Rocha,
Márcia Cristina Maes, Maria Clerismar Pereira dos Santos, Nayara Teixeira
Gomes et Samuel Rocha Freitas, discute de la position d’un sujet autour des
impasses d’une couture qui cherche à enserrer le féminin, traumatisme, exil et
errance. Ils utilisent, pour cela, le rapport d’un sujet féminin en situation de
rue; son histoire, entendue ici comme une fiction singulière. Du récit mémoriel
on situe l’effacement des traces du sujet dans une trajectoire de violence par

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rapport à l’idéal sans permettre une couture d’un lieu pour l’établissement du
lien social, ce qui se présente dans la répétition d’une position de jouissance
mortifère d’exil et d’errance. À la question « que peut faire une femme en
situation de rue ? », différente d’un homme, mais pas si différente, l’enquête
permet de recueillir les captures du sujet devant la vulnérabilité et les marques
de violence inscrites dans sa trajectoire de vie et de rue qui conjuguent le
traumatisme, la douleur d’exister et le non-sens du féminin.
Intitulée « Politique de genre et interventions », la dernière partie du
livre s’ouvre à partir du texte “Femme soumise, monde en ordre. Lectures
psychanalytiques à propos de la soumission de la femme et de son corps
dans la discursivité évangélique et dans la politique” de Gabriel Inticher
Binkowski et Gisele Laranjeira, les différences entre la place de l’homme
et de la femme dans le monde pentecôtiste et néo-pentecôtiste brésilien sont
discutées, à partir des figures du féminin et du masculin présentes dans la
politique brésilienne de ces dernières années, afin de comprendre comment
ce discours a suivi un fonctionnement basé sur certaines structures présentes
dans la société brésilienne.
Andrea Hortelio Fernandes, Victoria Ayelén Gómez et Daniela Scheink-
man Chatelard signent le chapitre « La condition des femmes et la lutte struc-
turelle: une lecture du film La vie invisible », qui réalise une analyse du film
« La vie invisible d’Eurydice Gusmão », à partir de l’interlocution entre la
psychanalyse, la sublimation, la littérature et la dénonciation du patriarcat
et ses intersections avec les luttes féministes. Tous ces aspects sont repris à
partir d’une position critique, qui met en tension les discours historiques qui
configurent les manières d’être femme et les différentes formes de soumis-
sion. Il met également en évidence la pertinence de faire de la politique dans
le domaine de la psychanalyse, en considérant les limites et les non-limites
entre l’espace public et l’espace privé, ainsi comme à réformer la position
éthique de la pratique clinique et l’approfondissement des lectures entre psy-
chanalyse, littérature, féminisme et patriarcat.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 29

Le chapitre «Le trauma et les discours coloniaux : l’éveil d’une réflexion


sur la violence raciste à l’égard de la femme noire au Brésil», rédigé par
Samira Andrade Paiva, Débora Passos, Maria Celina Peixoto Lima, Ana
Catarina Nogueira Farias, Juliane dos Santos Moraes et Francisca Renata
de Araújo Pessoa, cherche à analyser les conséquences sociales et psycholo-
giques laissées par le système colonial esclavagiste au Brésil, en considérant
qu’il s’agit d’une blessure historique du pays, qui n’est toujours pas guérie.
De cette manière, on reconnaît que la violence que se situait dans l’esclavage
est comme un trauma pour la société brésilienne qui, bien qu’elle essaie de
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le nier ou de le minimiser, continue à reproduire la logique de la période


coloniale sous la forme du racisme. En outre, il cherche à analyser, historique-
ment, comment le colonialisme a contribué à la construction de stéréotypes
concernant l’image des personnes noires dans le pays, en se concentrant plus
spécifiquement sur la construction et le maintien des préjugés qui, jusqu’à
aujourd’hui, affectent les femmes noires. À cette fin, seront examinées trois
principaux mythes socialement construits, à savoir: le Mythe de la Mère Noire,
le Mythe de la Mulâtresse Sexuelle et le Mythe de la Femme Noire Forte.
Dans « Racisme, sexisme et dénégation au Brésil: les apports psycha-
nalytiques de Lélia Gonzalez », Miriam Debieux Rosa et Priscilla Santos de
Souza, abordent la naturalisation de la violence raciste en tant que stratégie qui
maintient le régime d’exploitation et permet le maintien de l’asservissement
par d’autres moyens. Suivant les contributions de Lélia Gonzalez (1935-
1994), philosophe, anthropologue, militante du mouvement noir et féministe,
et ancrées dans la psychanalyse, elles considèrent le maintien sans critique
du racisme et du sexisme dans les relations sociales comme un symptôme de
la culture brésilienne fondée sur un processus de dénégation (Verneinung)
du désir. Ces aspects de déni perpétuent le racisme à travers un discours
chargé de marquers-douleurs sociaux qui réitèrent les relations historiques
de spoliation des biens matériels, culturels et symboliques d’une partie de la
population. À travers l’analyse de trois figures déployées de l’amasie esclave,
de la mulâtresse, de la domestique et de la mère noire, sont dénoncées la
configuration d’une domination solide et d’un pouvoir matériel et subjectif.
Le quotidien d’exploitation des travailleurs domestiques illustré dans
des productions cinématographiques argentines, brésiliennes et mexicaines,
sorties principalement depuis 2000, est le thème du chapitre “Presque de la
Famille » : les Violences à l’égard des Travailleuses Domestiques rendues
(In)Visibles par Nos Blanchités” écrit par Jaquelina Maria Imbrizi, Adriana
Rodrigues Domingues et Ana Lucia Gondim Bastos. Considérés comme des
« presque membres de la famille », ces travailleurs subissent une série d’hu-
miliations et d’embarras qui sont naturalisés dans leur travail quotidien, dans
30

lequel les lieux sociaux autorisent l’ambivalence des affects. Il a été choisi
des œuvres qui visent à déconstruire le destin social naturalisé et prédéter-
miné de la catégorie et, ainsi, à proposer des scripts qui les placent comme
protagonistes de leurs propres histoires. Cette analyse filmique est menée à
travers une approche psychanalytique en interface avec les discussions inter-
sectionnelles du féminisme noir, en soulignant les questions d’ethnicité, de
genre et de classe sociale.
Tous ces travaux qui constituent le présent travail, mais fondamentale-
ment la discussion politique et académique sur la violence de genre et la haine

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du féminin, nous placent devant une arme importante et imposante pour des
travaux et des recherches qui cherchent à réaffirmer la singularité et l’altérité
du sujet et de la différence, à partir de la psychanalyse et de son éthique,
mais sans perdre de vue la dimension politique, culturelle et historique de
ce contexte. Nous espérons que ce travail collectif pourra servir comme un
instrument important qui permettra l’invention de lectures et de construire
des interventions face à cette réalité cruelle et souvent dévastatrice de la
violence de genre.
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O FEMININO:
ódio, violência e rejeição
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AMÁLGAMAS DO NÃO
Ana Carolina B. Leão Martins
Marília Albuquerque de Sousa

O atual debate sobre o assédio e sobre a violência contra as mulheres


interpelam os psicanalistas a retomar as elaborações teóricas freudo-lacania-
nas sobre o estatuto do ‘não’, em seus efeitos à clínica e a política. Se Freud
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(1925/2007) nos chamou à atenção para o caráter constitutivo da negativa, na


formação do aparelho psíquico, os dilemas clínicos sobre o assédio e sobre a
violência nos remetem mais além, às operações do ‘não’ na cultura, no laço
social: o que se diz quando se diz não? E em quais circunstâncias um sujeito
poderá dizer não àquilo que o violenta e destrói?
Uma apreensão mais rasa da questão nos remete às desconfianças quanto
ao valor absoluto do não, bem explicitadas nos exemplos que iniciam o prin-
cipal artigo freudiano sobre o assunto: “agora o senhor deve estar pensando
que eu queria dizer algo ofensivo, mas realmente não é essa a minha inten-
ção” (p. 147), e Freud logo constata que a frase de seu analisando introduz
a representação da ofensa, mas por uma via negativa. Sob tal perspectiva, o
‘não’ se manifestaria como um sinal vivo e presente do que fora rechaçado,
“certificado de origem” daquilo que se preferiu recalcar.
Mas, ao considerar o argumento freudiano apenas sob a perspectiva do
‘não’ que afirma seu contrário, logo estaríamos impossibilitados de escutar
outras nuances da negativa, as quais se manifestam prioritariamente no eixo
das relações amorosas/sexuais: afinal, quando uma mulher diz não ao seu
parceiro, será que no fundo ela gostaria de dizer sim? Pergunta tendenciosa,
que insere uma vertente de desconfiança sobre o eixo do enunciado delas. Uma
outra pergunta se desdobra da primeira, agora no eixo clínico: ao desconfiar
rigorosamente do valor da negativa de suas analisandas, não estaria o/a ana-
lista reduzindo a tarefa analítica à busca de um sentido oculto, de um desejo
sexual velado? Questão que perigosamente resvala para a culpabilização das
mulheres, diante das situações de assédio e de violência por elas sofridas.
Nesse ponto, será possível inserir um complicador, introduzido pelo pró-
prio Freud: a comunicação direta do conteúdo supostamente encoberto pela
negativa, na melhor das hipóteses, é completamente sem efeito ou, na pior,
desencadeia resistências e reações defensivas. O analisando tende a receber
a interpretação do analista – “você quer dizer algo ofensivo!”– de maneira
hipócrita, por tratar-se de “uma aceitação apenas intelectual do recalcado”
(p. 148), sem qualquer trabalho elaborativo que o implique em sua própria
enunciação. Falta, aqui, a vertente de consentimento do sujeito ao desejo – o
34

dizer ‘sim’ ao próprio inconsciente – indicação que já redimensiona o espi-


nhoso problema do consentimento feminino. Desse modo, seja na clínica ou
na política, a insistência em desconfiar do ‘não’ das mulheres, independente
de em qual grau de avanço de investidas sexuais seja ele enunciado, produzirá
o efeito violento de recusar, a elas, o estatuto de sujeito, capaz de consentir
afirmativamente com seu desejo. E isso à revelia de haver – ou não – um
desejo sexual velado por detrás da recusa.
Para além do valor enunciativo do não, há também o problema de suas
condições de acolhimento, indicando o quanto, em determinadas circuns-

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tâncias político-sociais, a negativa já está previamente esvaziada de valor,
tornando-se impossível reconhecê-la. Questão que nos aponta o quanto o
‘não’ jamais poderá ser circunscrito ao eixo de uma mera intenção individual,
ganhando nuances variadas no campo do Outro, lá onde se estrutura o desejo
do sujeito, conforme nos ensinou Lacan (1953/1998). Nessa perspectiva, em
um contexto fortemente marcado pelo racismo e pela misoginia, as mulheres
lidas como negras terão muito mais dificuldade de enunciar e de fazer valer
seus ‘nãos’, em comparação com os homens e com as mulheres brancas, sendo
alvos de constantes silenciamentos e de violações de seus corpos.
Tais problemas iniciais nos remetem a duas linhas de investigação, a
serem exploradas ao longo deste artigo: 1. As considerações sobre o estatuto do
não na clínica e na política; 2. A generificação e racialização do não no campo
da cultura, intimamente relacionado às diversas manifestações de racismo e
aos feminicídios. Nas breves conclusões, retomaremos a pergunta referente à
possibilidade de dizer não à violência e à morte, em uma nova perspectiva da
negativa, amalgamática, porque favorável à vida e ao laço na/pela diferença.

Não-todo não é igual

Se Freud1 inicialmente indica um ‘não’ que sempre afirmará o mesmo,


o já previamente inscrito no aparelho psíquico, no decorrer do seu artigo o
valor do ‘não’ se desloca em direção a algo de novo: há uma negativa que
expressa a diferença, apontando para o que existe para além da referência
do eu-mesmo. Será preciso discriminar, portanto, o ‘não da igualdade’ em
contraposição com o ‘não da diferença’: o primeiro operando a favor das
totalizações, dos binarismos, da lógica exclusiva eu versus outro; o segundo,
muito mais contingente, localizado, acentuando uma falha irremediável entre
o existente e as suas representações, a qual impele à produção contínua de
inéditas e surpreendentes significações.

1 Idem.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 35

O ‘não da igualdade’, Freud2 o destacou na gênese do aparelho psíquico,


sob a forma de um juízo que qualifica os objetos, predicando-os em ‘bons’ ou
‘maus’. Tal ‘não’ mostra-se inseparável do ‘sim’, pois a qualidade do que é
recusado só ganha seu pleno sentido no contraste ao que foi acolhido. De tal
maneira, ‘sim’ e ‘não’ compõem o verso e o reverso de uma mesma moeda:
a moeda da unidade egóica, ainda em vias de ser constituída.
É curioso constatar o quanto o juízo de atribuição aponta para uma lógica
segregacionista – ou seria racista? – que atravessa estruturalmente a formação
do Eu: “o Eu-prazer presente no início do desenvolvimento quer introduzir
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tudo o que é bom e expelir tudo o que é mau. Inicialmente, para o Eu-prazer
não há diferença entre o mal, o que é estranho ao Eu e tudo aquilo que se
situa fora do Eu” (p. 148). Nessa perspectiva, a referência egóica se torna
o único crivo de leitura do mundo, a partir da qual será rejeitado/destruído
tudo o mais que destoar de sua própria unidade. Não seria exatamente esse o
mesmo princípio do racismo, em que uma dada normativa torna-se um crivo
totalitário de interpretação, sob o custo de ejetar o que lhe é dessemelhante? G.
Kilomba (2019), em seu livro Memórias da Plantação, dá-nos uma indicação
do quanto o ‘não da igualdade’ participa ativamente na produção do negro
como figura da alteridade, submetida à centralidade normativa do Eu-branco:

O sujeito negro torna-se a tela de projeção daquilo que o sujeito branco


teme reconhecer em si mesmo [...] Em termos psicanalíticos, isso permite
que os sentimentos positivos em relação a si mesma/o permaneçam intac-
tos – branquitude como a parte boa do ego – enquanto as manifestações
da parte má são projetadas para o exterior e vistas como objetos externos
e ruins. No mundo conceitual branco, o sujeito negro é identificado como
o objeto ruim [...]. (Kilomba, 2019, p. 37).

Há aqui uma articulação íntima entre o juízo de atribuição e a produção


das fronteiras (raciais, sexuais, etc), delimitando-se uma zona de interioridade,
homogênea e acolhedora, que apenas se produz ao custo da marcação de uma
exterioridade irruptiva e ameaçadora. A atribuição das qualidades do dentro/fora
e do bom/mau expressa, portanto, uma relação de equivalência entre o ‘sim’ e a
interioridade pacificada, de um lado, e o ‘não’ e a exterioridade (a ser) destruída
e/ou destrutiva, de outro. Problema que não passou desapercebido a Hyppolite,
em seu famoso comentário sobre o artigo A Negativa: “a afirmação, enquanto
equivalente à unificação, é o feito de Eros [...] e a negação é o sucessor da
expulsão ou, mais exatamente, da pulsão de destruição” (Hyppolite, 1954/1998,
p. 900). Seguindo as trilhas freudianas, a inscrição do sim demonstra-se ainda
mais primordial que a negativa, atrelando-se ao erotismo, à delimitação das

2 Idem.
36

bordas corporais, esse grande feito de Eros; e, a ela, sucede a operação respon-
sável por rechaçar/destruir o que escapa aos limites do corpo, de tal maneira a
negativa engendra o não-Eu, reduzindo-o a puro objeto-dejeto. Nessa dialética
entre o ‘sim’ e o ‘não’, a síntese final será sempre o fortalecimento do idêntico,
estabilizando continuamente uma normativa egóica.
É importante lembrar que a lógica de produção da norma, tão bem expli-
citada por Freud na gênese do psíquico, apresenta-se indistinta às estabili-
zações normativas no eixo social: o Eu continua a se apresentar sob a forma
de uma unidade autoreferente, seja no caso de um único Eu, sob o ponto de

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vista do sujeito, ou de vários Eus que fazem Um, identificados entre si pelo
mesmo traço (sob o ponto de vista da massa). Nessas dobras do psíquico em
direção ao político, no entremeio da psicologia do Eu e a das massas, uma nova
problemática emerge: o que faz com que certos corpos se subjetivem do lado
da normativa, enquanto outros tendem a ser sempre outros, objeto-desejos,
excluídos de qualquer inteligibilidade social? As investigações sobre o ‘não
da igualdade’ nos encaminham, portanto, a uma nova versão do embate eu/
outro: à polarização do dominante versus dominado, que tradicionalmente
prevaleceu no debate sobre a violência e sobre o assédio, entre as mais variadas
correntes feministas (Butler, 2014).
Tais leituras enquadram as mulheres violentadas/assediadas em um dos
círculos concêntricos da normativa, no lugar de vítimas (em oposição aos
agressores), de alteridade irremediavelmente subordinada ao eu-branco-mas-
culino dominante. Mas não sem impasses: lá onde o sim e o não compõem
uma mesma unidade, contrapor-se ao patriarcado inclui o efeito reverso de
seu próprio reforçamento, pois “qualquer oposição à norma já está contida na
própria norma, e é crucial para o seu funcionamento” (Butler, 2014, p. 272). O
ideário de um ‘não’ emancipatório – em jogo na concepção de que as mulheres
seriam capazes de ‘sair’ das relações abusivas tão logo desejem – esbarra aqui
na impossibilidade de localizar o ‘fora da norma’, lugar em que o sujeito estaria
livre dos processos de sujeição, os quais, paradoxalmente, contribuíram para
constituí-lo. De fato, a escuta clínica indica o quanto, para algumas mulheres,
dizer ‘não’ às parcerias destrutivas torna-se o equivalente a dizer ‘não’ a si
próprias, na dificuldade de se separarem do significante a que suas feminili-
dades estão assujeitadas. Será preciso, portanto, investigar outra vertente do
não, diante desse efeito coercitivo e aparentemente intransponível da norma.
Ainda em seu pequeno artigo sobre a Negativa, Freud (1925/2007) nos
deu indicações de como a diferença inevitavelmente se introduz no seio do
mesmo, no coração da repetição, desestabilizando a hegemonia imposta pela
normativa. Lá onde a predicação visa encerrar a coisa em um único sentido,
de pretensões totalizantes (ou bom ou mau), o confronto (perceptivo) com o
objeto existente aponta para a insuficiência da palavra (ou da representação)
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 37

em abarcá-la em uma significação unívoca. Freud3 constata, portanto, uma


decalagem contínua entre a inscrição psíquica do objeto, sua representação,
e a presença desse mesmo objeto no mundo, a ser subjetivamente apreendido
por via perceptiva: “a reprodução do percebido na forma de uma representação
mental nem sempre é a sua fiel repetição” (p. 149), diz-nos ele.
A operação (repetitiva) do juízo de existência se refere ao esforço infi-
nito em reencontrar os traços do objeto a cada nova representação, e como a
equivalência total entre a palavra e a coisa jamais será realizada, o que aí se
desencadeia é o surgimento da diferença por uma via negativa, em que o ‘não’
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e o ‘nome’ se articulam em uma mesma estrutura: “o nome (em francês: nom)


é alguma coisa como a propagação de um não (em francês: non) mais radical
o qual, antes de toda nomeação, no instante de toda nomeação, apresenta-se
como qualquer coisa de infinita” (Récanati, 1972, p. 31). Atravessando a
coerência e a unidade egóicas, o ‘não da diferença’ expressa, portanto, uma
dimensão negativa intrínseca à nomeação, e que por isso impulsiona à busca
de novas palavras, mais ainda (encore), previamente ancoradas no corpo.
A citação acima, de F. Récanati, retirada do seminário XX e ainda não
traduzida ao português, destaca uma falha que se interpõe nos processos de
predicação, a secção de predicado, em que “a predicação é a capa de uma
impossibilidade [...] a impossibilidade de fornecer todos os predicados e de
colocá-los em conjunto, sem que ao menos um se destaque como representante
do impossível” (p. 35) Assim, lá onde um único significante se pretende univer-
salizante (negro, mulher, LGBT, etc.), produzindo uma identidade normativa via
juízo de atribuição, o confronto com uma multiplicidade de corpos existentes
multiplicam o rol de representações, indicando uma falha irremediável entre a
pretensão universalizante do predicado, por um lado, e cada corpo singularizado,
por outro. Multiplicam-se aqui as feminilidades, as negritudes, as transexualida-
des e tantos outros significantes, os quais jamais constituirão o ‘todo’, falhando
em apreender normativamente a totalidade dos corpos que existem.
E não seria essa a mesma direção do tratamento analítico na desestabi-
lização de identificações rígidas e aprisionantes?
Pela via do discurso analítico, o ‘não da diferença’ opera sobre o ‘não
da igualdade’, proliferando os significantes, em uma articulação contínua
entre ambos os juízo: “o desejo do analista é o desejo de obter a diferença
absoluta”, conforme nos lembra Lacan (1964/1998b). Assim, na tarefa ope-
rada pelo desejo do analista, um ‘não’ mais radical se introduz no coração da
lógica do ‘todo’ (fálica), apontando para o ‘não-todo’, para um conjunto aberto
de significações, marcados pela falha estrutural em alcançar o significante
último, que responda em definitivo à pergunta “quem sou?”. E, no entanto, tal

3 Idem.
38

operação de produção contínua da diferença, no campo do sujeito, não toca


necessariamente a força coercitiva da norma, no eixo social.
Mais além da clínica, tais questões nos remetem às possibilidades de
enunciar um ‘não’ que implique o sujeito do inconsciente, e que o convoque,
em contextos de contínua objetivação dos corpos racializados e generificados

A racialização do não

A inscrição da discussão acerca do estatuto do ‘não’ no campo cultural e

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político também está referido a uma questão relativa à norma, levando em consi-
deração que ela não pode ser reduzida à sua concretização, então ela precisa ser
constantemente atualizada a partir das práticas sociais e cotidianas para manter o
estatuto de norma (Butler, 2014). Nesse sentido, tanto a palavra quanto o corpo
estão enquadrados por uma maquinaria que se esforça na tentativa de fixar os
lugares e as posições. Com base nisso, retomaremos a generificação e a racia-
lização das mulheres negras e a produção normativa que rebaixa o ‘não’ a mera
manutenção da norma, retirando a força enunciativa da palavra. Afinal, como
romper a norma violenta que localiza a mulher como objeto a ser domesticado,
ao ponto de não ter voz própria ou – até mesmo – a não desejar? Ao ponto de
não poder fazer uma negação ou uma afirmação, mesmo que essa negação seja
uma afirmação da própria vida? O ‘não’, afinal, pode afirmar a vida?
Essas questões são colocadas para que possamos retomar a produção
estigmatizada da mulher negra como sendo passiva e masoquista, fixando-a
em uma posição objetificada e erotizada. Essa normativa transforma o corpo
da mulher negra em um território a ser conquistado; selvagem e primitiva, ela
precisaria ser domesticada à revelia de seus desejos. É nesse contexto que se
inscreve o corpo negro e feminino marcado historicamente pela violência e
pela invasão de um homem estrangeiro.
O triplo silenciamento e a tripla objetificação operados pelo racismo,
patriarcalismo e colonialismo complexificam o debate sobre o consentimento,
levando em consideração múltiplos obstáculos para a enunciação a partir de
um lugar de sujeito, uma vez que a dificuldade de falar não está resumida
à função da fala em si, mas, sim, na impossibilidade de inscrição da fala
da subalterna na centralidade do regime discursivo (Spivak, 2010). É nesse
contexto que a afirmação da vida a partir da palavra se coloca como um
privilégio. A circunscrição da palavra das mulheres dentro desse território
discursivo colonial, racista e patriarcal, é tida como vazia, livre de sentido
ou força enunciativa.

Falar torna-se, assim, virtualmente impossível, pois, quando falamos,


nosso discurso é frequentemente interpretado como uma versão dúbia da
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 39

realidade, não imperativa o suficiente para ser dita nem tampouco para
ser ouvida. Tal impossibilidade ilustra como o falar e o silenciar emergem
como um projeto análogo. O ato de falar é como uma negociação entre
quem fala e quem escuta, isto é, entre falantes e suas/seus interlocutoras/
es (Castro Varela e Dhawan, 2003). Ouvir é, nesse sentido, um ato de
autorização em direção à/ao falante (Kilomba, 2020, p. 42).

Assim, tendo em vista que o ato de falar – e neste caso, o ato de recusar a
partir da palavra – é uma negociação, poderia uma mercadoria negociar a sua
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própria vida? Essa questão se coloca com o objetivo de reposicionar a noção


da negativa, pois, historicamente, a enunciação do não diante da violação
dos corpos das mulheres negras adquiriu consequências mortíferas, desde o
silenciamento de suas vozes até o silenciamento de suas vidas. As heranças do
Brasil colônia ainda hoje produzem ecos e refletem no lugar social e político
destas mulheres, pois a história da miscigenação e das mulheres negras, que
está nas bases da formação social brasileira (Gonzalez, 2020), é marcada por
estupro e violência sexual.
Afinal, o racismo foi fundamental para a desumanização dessas mulheres,
localizando-as como corpos-mercadorias – sem nome e sem história – sujei-
tos a invasões no seu corpo à revelia de seus desejos (hooks, 2019). É nesse
contexto, que se acentua o esforço para construir um imaginário que localize
as mulheres como passivas e como condizentes às violências empregadas
pelos senhores brancos e seus filhos, tal como é possível analisar nas obras de
Gilberto Freyre (2003), que desenha o processo de miscigenação como sendo
uma confraternização das mulheres de cor com os portugueses, baseada em
uma suposta relação complementar entre o sádico e a masoquista. A cons-
trução da mulher negra masoquista é um instrumento valioso que opera no
silenciamento destas perante situações de violência, pois é uma tentativa de
fabricar um sujeito que consente e se satisfaz diante da invasão sexual. Nessa
narrativa, a resistência das mulheres diante das violências não é inscrita e,
menos ainda, as retaliações sofridas por elas.
Longe de masoquistas e passivas por natureza, as mulheres resistiam das
mais variadas formas à violência sexual, em uma tentativa de romper com a
ideia de submissão que ficava explícita ao serem vendidas como mercadorias.
Apesar disso, os efeitos nocivos da insurreição eram escancarados e publiciza-
dos, inclusive no próprio corpo das negras, pois eram amordaçadas, espancadas
e estupradas à vista de todos, da casa grande à senzala. Essas retaliações serviam
para advertir os outros negros e negras que cogitassem a possibilidade de se
rebelar, pois a manutenção da estrutura social da colônia precisava ser constan-
temente resguardada. A preservação desse arranjo às custas de sangue negro se
manteve ao longo da formação cultural, econômica e social do Brasil. É com
40

base nisso que retomamos a tese de Grada Kilomba, ao analisar o trauma do


racismo que se desdobra em repetição da violência no presente e no passado, a
saber, o racismo colonial e o racismo cotidiano. De acordo com a autora,

As/os africanas/os do continente e da diáspora foram forçadas/os a lidar


não apenas com traumas individuais e familiares dentro da cultura branca
dominante, mas também com o trauma histórico coletivo da escravização e
do colonialismo reencenado e reestabelecido no racismo cotidiano, através
do qual nos tornamos, novamente, a/o “Outra/o” subordinado e exótico

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da branquitude (Kilomba, 2020, p. 215).

Esse trauma histórico coletivo da escravização não cessa de se inscrever,


produzindo efeitos desumanos na população negra e, no caso das mulheres
negras, elas recebem como herança estigmas que marcam os seus corpos e
demarcam os seus lugares, inscrevendo-as social e culturalmente como pas-
sivas, sexualmente ativas, selvagens e sensuais. Essa herança nociva trans-
forma as mulheres em alvos privilegiados do feminicídio, o que é refletido
em estatísticas tais como a coletada pelo Monitor da Violência, onde a 73%
dos casos de homicídio notificados em 2020 foram cometidos contra mulheres
negras; em casos de lesão corporal, a porcentagem cai para 51% e em casos
de estupro, para 52% (G1, 2020). Essa variação nas porcentagens sinaliza
um ponto importante para o que discutimos neste artigo, pois a redução não
aponta para uma diminuição dos casos, mas, na verdade, para a ausência de
denúncias por parte das mulheres negras.
É com base nisso que situamos a dimensão produtiva da norma, que opera
na fixação e no assujeitamento a uma única significação, o que introduz estas
mulheres em um campo de constantes destituições e violações, aprisionando-as
e negando-lhes o lugar de sujeito. Enclausuradas nos significantes passiva,
masoquista, erotizada e consensual, essas mulheres encontram dificuldades
de afirmar o contrário, pois a sua palavra está frequentemente referenciada
a essa normativa.
É com base nisso que nos perguntamos: como fazer operar um “não”
que funcione como rompimento discursivo da norma e não como reiteração
da mesma?
Uma pista para responder essa pergunta é reencontrar o efeito disruptivo
do ‘não’ e apostar na potência desagregadora, que desestabiliza as significa-
ções fixas e unívocas. Inventar um “não” que aponte para a diferença e para a
multiplicidade, pois dizer não é também romper com um silêncio que marca
o ‘sim’ da sujeição como norma.
Operar esse corte a partir da linguagem é romper com o lugar de
silêncio, de objetificação, que, historicamente, produziu um corpo-objeto,
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 41

dessubjetivado, sem desejo e sem resistência. Tal como a paralisia ou a afonia


do corpo histérico, a reivindicação pelo ‘não’ é uma forma de fazer romper a
mordaça que silencia as mulheres. Dialetizar o lugar da negação e da sujeição
é um ponto de partida, tornando complexo o que parece simples, isto é, a fala.
Assim, é possível potencializar o lugar de enunciação, sem deixar de envolver
as marcas históricas, sociais, raciais e culturais que produzem silenciamentos.

Conclusões: amálgamas do não


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A discussão ao longo deste artigo foi atravessada por uma articulação da


clínica e da política, retomando o lugar da negativa nos debates sobre o consen-
timento das mulheres. Longe de uma perspectiva relativista do consentimento,
que desconfia aprioristicamente do enunciado das mulheres, a problematiza-
ção do ‘não’ apontou para as coerções normativas, raciais e de gênero, que o
impedem de efetivamente operar enquanto recusa, mas sem as tomar enquanto
condições fatalistas de enunciação. Afinal, como cada sujeito poderá responder
inventivamente aos significantes que o marcam e o aprisionam?
A pergunta toca no problema norteador do nosso artigo, relativo às possi-
bilidades de um sujeito dizer ‘não’ à morte, àquilo que o violenta e o destrói.
É nessa perspectiva que resgatamos a potência de vida em jogo na direção do
tratamento analítico, o qual, ao reinvestir na tarefa de fala, também reinveste
na posição do sujeito, em suas saídas únicas e singulares aos mais diversos
assujeitamentos. Desse modo, a contraposição do ‘não da diferença’ com o
‘não da igualdade’ nos direcionou para a potência clínica e política da negativa,
como forma de romper com uma norma que fixa e aprisiona os sujeitos em
significações não dialetizáveis, amplamente difundidas no eixo socio-cultural.
O ‘não’, ao operar na afirmação da vida, demonstra aqui toda a sua
potência amalgalmática, de favorecimento do laço entre corpos diferentes,
díspares. Assim, frente ao movimento que tende à morte, restaurar a desordem
própria à vida coloca-nos na trilha da política freudiana, essa que sustenta o
estatuto desviante e perturbador do vivo, face aos caminhos ‘encurtados’ que
conduzem à morte.
A proposta desse artigo não está acabada, implicando constantes (re)apro-
priações político-clínicas do arcabouço teórico freudo-lacaniano. Talvez, por
essa via, torne-se possível acolher os ‘nãos’ inventivos, os quais fazem ruídos,
provocam incômodos, esses ‘nãos’ perturbadores, responsáveis por balançar as
estruturas normativas. Em tempo de negacionismo, de não reconhecimento da
realidade da pandemia e dos seus efeito mortíferos sobre os corpos racializados
e generificados, indicamos aqui uma ética da negativa, mais radical, produtora
de amálgamas, a qual enlaça a multiplicidade da vida afirmativamente, seja na
clínica, na pólis ou em nossas elaborações teóricas entre (ím)pares.
42

REFERÊNCIAS
Butler, J. (2014). Regulações de gênero. Cadernos pagu, 42, 249-274.

Freud, S. (2007). A Negativa. In S. Freud, Escritos sobre Psicologia do Incons-


ciente (L.A. Hanns, Trad.) (Vol. 3, pp. 145-159). Rio de janeiro: Imago Ed.
(Originalmente publicado em 1925).

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hooks, B. (2019) E eu não sou uma mulher: Mulheres negras e feminismo.
Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos.

Hyppolite, J. (1998). Comentário falado sobre a Verneinung de Freud. In J,


Lacan, Escritos (pp. 893- 902). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (Originalmente
publicado em 1954).

Kilomba, G. (2019) Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano.


Rio de Janeiro: Editora Cobogó.

Lacan, J. (1998). Função e campo da fala e da linguagem na psicanálise. In J,


Lacan, Escritos (pp. 238-324). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (Originalmente
publicado em 1953).

Lacan, J. (1998b). O Seminário: Livro 11. Os Quatro Conceitos Fundamentais


da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (Seminário originalmente
apresentado em 1964).

Récanati, F. (1972). Leçon, 12 décembre 1972. In Lacan, J. Encore.


Seminário não traduzido para o português. http://www.valas.fr/
Jacques-Lacan-Encore-1972-1973,323.

Spivak, G. (2010) Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG.

Velasco, C., Grandin, F., Caesar, G. & Reis, T. (2020, 16 out.) Mulheres
negras são as principais vítimas de homicídios; já as brancas compõem
quase metade dos casos de lesão corporal e estupro. G1, Brasil. https://
g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/09/16/mulheres-negras-
sao-as-principais-vitimas-de-homicidios-ja-as-brancas-compoem-quase-
metade-dos-casos-de-lesao-corporal-e-estupro.ghtml.
AMALGAMES DU NON
Ana Carolina B. Leão Martins
Marília Albuquerque de Sousa

Le débat actuel sur le harcèlement et la violence contre les femmes met


les psychanalystes au défi de reprendre les élaborations théoriques freudo-la-
caniennes sur le statut du « non », dans ses effets sur la clinique et la politique.
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Si Freud (1925/2007) a attiré notre attention sur le caractère constitutif de la


négative, dans la formation de l’appareil psychique, les dilemmes cliniques
du harcèlement et de la violence nous envoient plus loin, vers les opérations
du « non » dans la culture, dans le lien social: que dites-vous quand vous
dites non? Et dans quelles circonstances un sujet peut-il dire non à ce qui le
viole et le détruit?
Une appréhension plus superficielle de la question nous amène à nous
méfier de la valeur absolue du non, bien expliquée dans les exemples qui com-
mencent le principal article freudien sur le sujet: «maintenant vous devez penser
que je voulais dire quelque chose d’offensant, mais ce n’est vraiment pas mon
intention » (p. 147), et Freud constate bientôt que la phrase de son analysant
introduit la représentation de l’offense, mais de manière négative. Dans cette
perspective, le « non » se manifesterait comme un signe vivant et présent de
ce qui avait été rejeté, un « certificat d’origine » de ce qu’on préférait réprimer.
Mais, en considérant l’argument freudien uniquement dans la perspective
du «non» qui affirme son contraire, on serait bientôt incapable d’entendre
d’autres nuances de la négative, qui se manifestent essentiellement dans l’axe
des relations amoureuses/sexuelles: après tout, quand une femme dit non à son
partenaire, aimerait-elle vraiment dire oui? Question biaisée, qui insère un brin
de méfiance sur l’axe de leur déclaration. Une autre question se déroule dès la
première, à partir de ce moment sur l’axe clinique: en se méfiant rigoureuse-
ment de la valeur de la négative de ses analystes, le pshycanalyste ne rédui-
rait-il pas la tâche analytique à la recherche d’un sens caché, d’un désir sexuel
voilé? Problème qui se dirige dangereusement vers la culpabilité des femmes,
face aux situations de harcèlement et aussi de violence dont elles souffrent.
À ce point, il serait possible d’insérer un point difficile, introduit par
Freud lui-même: la communication directe du contenu prétendument caché
par la négative, au mieux, est totalement inefficace ou, au pire, déclenche
des résistances et des réactions défensives. L’analysant a tendance à recevoir
l’interprétation de l’analyste – « voulez-vous dire quelque chose d’offensant! »
– de manière hypocrite, car il n’est « qu’une acceptation intellectuelle du
refoulé » (p. 148), sans aucun travail d’élaboration qui l’implique dans sa
44

propre énonciation. À ce point, il manque le consentement du sujet au désir


– le « oui » à l’inconscient lui-même – une indication qui redimensionne déjà
l’épineux problème du consentement féminin. Ainsi, que ce soit en clinique
ou en politique, l’insistance à se méfier du « non » des femmes, quel que soit
le degré d’avances sexuelles, produira l’effet violent de leur refuser le statut
de sujet, capable de consentir affirmativement à son désir. Et ceci malgré
l’existence – ou pas – d’un désir sexuel voilé derrière le refus.
Au-délà de la valeur énonciative du non, il y a aussi le problème de leurs
conditions d’accueil, indiquant à quel point, dans certaines circonstances

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politiques et sociales, la négative est auparavant vide de valeur, ce qui la rend
impossible de reconnaître. Une question qui nous rappelle à quel point le
« non » ne peut jamais se limiter à l’axe d’une simple intention individuelle,
gagnant des nuances variées dans le sphère de l’Autre, où se structure le désir
du sujet, comme nous l’a appris Lacan (1953/1998). Dans cette perspective,
dans un contexte fortement marqué par le racisme et la misogynie, les femmes
qui sont lues comme noires auront beaucoup plus de difficultés à énoncer et à
faire respecter leurs « non », par rapport aux hommes et aux femmes à la peau
claires, étant la cible d’un silence constant et de violations des leurs corps.
Ces problèmes initiaux nous amènent à deux pistes d’investigation, à
explorer tout au long de cet article: 1. Les considérations sur le statut du non
en clinique et en politique; 2. Les effets concernés directement aux questions
de genre et de race du non dans le domaine de la culture, étroitement liées
aux diverses manifestations du racisme et des féminicides. Enfin, dans les
brèves conclusions, nous reviendrons sur la question de la possibilité de dire
non à la violence et à la mort, dans une nouvelle perspective de la négative,
amalgammatique, car elle favorise la vie et le lien dans/par la différence.

Pas-tout non est égal

Si Freud4 indique d’abord un « non » qui affirmera toujours la même


chose, celui précédemment inscrit dans l’appareil psychique, au cours de
son article la valeur du « non » se dirige vers quelque chose de nouveau: il
y a une négative qui exprime la différence, en se dressant vers ce qui existe
au-delà de l’auto-référence. Il faudra donc discriminer le « non d’égalité »
par rapport au « non de différence »: le premier opérant en faveur des tota-
lisations, des binarismes, de la logique exclusive du moi contre l’ autre; le
second, beaucoup plus contingent, localisé, accentuant un écart irrémédiable
entre l’existant et ses représentations, qui pousse à la production continue de
significations inédites et surprenantes.

4 Idem.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 45

Le « non d’égalité », Freud5 l’a mis en évidence dans la genèse de


l’appareil psychique, sous la forme d’un jugement qui qualifie les objets, les
prédisant comme « bons » ou « mauvais ». Un tel « non » se révèle insépa-
rable du « oui », car la qualité de ce qui est rejeté ne prend tout son sens que
par opposition à ce qui a été accepté. Ainsi, « oui » et « non » constituent
les deux côtés de la même monnaie: la monnaie de l’unité égoïque, toujours
en train de se constituer.
Il est curieux de remarquer à quel point le jugement d’attribution pointe
vers une logique ségrégationniste – ou serait-il raciste? – qui passe struc-
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turellement par la formation du Moi: «le Moi-plaisir présent au début du


développement veut introduire tout ce qui est bon et expulser tout ce qui est
mauvais. Au départ, pour le Moi-plaisir, il n’y a pas de différence entre le
mal, ce qui est plutôt bizarre au Moi et tout ce qui est en dehors du Moi » (p.
148). Dans cette perspective, la référence égoïque devient le seul écran de
lecture au monde, à partir duquel tout ce qui est en désaccord avec sa propre
unité sera rejeté/détruit. Ce nest-ce pas exactement le même principe que le
racisme, dans lequel un normatif donné devient un tamis totalitaire d’interpré-
tation, au prix d’éjecter ce qui lui est différent? G. Kilomba (2019), dans son
livre Memórias da Plantação, nous donne une indication sur la participation
active du « non d’égalité » à la production du noir comme figure de l’altérité,
soumis à la centralité normative du Moi-Blanc :

Le sujet noir devient l’écran de projection de ce que le sujet blanc a peur


de reconnaître en lui-même [...] En termes psychanalytiques, cela permet
aux sentiments positifs envers lui-même de rester intacts – la blancheur
comme bonne partie de l’ego – tandis que le les manifestations de la
mauvaise partie sont projetées vers l’extérieur et considérées comme des
objets extérieurs et mauvais. Dans le monde conceptuel blanc, le sujet
noir est identifié comme le mauvais objet [...]. (Kilomba, 2019, p. 37).

À partir de cet extrait, on distingue une articulation intime entre le juge-


ment d’attribution et la production de frontières (raciales, sexuelles, etc.), déli-
mitant un espace intérieur homogène et accueillant, qui ne se fait qu’au prix
de marquer une extériorité irruptive et menaçante. L’attribution des qualités
du l’intérieur/ de l’extérieur et du bon/ du mauvais exprime donc un rapport
d’équivalence entre le « oui » et l’intériorité pacifiée, d’une part, et le « non »
et l’extériorité (être) détruit et/ou destructif, d’autre part. Un problème qui
n’est pas passé inaperçu par Hyppolite, dans son célèbre commentaire sur
l’article Die Verneinung: « l’affirmation, comme équivalent à l’unification,
est l’exploit d’Eros [...] et la négation est le successeur de l’expulsion ou, plus

5 Idem.
46

exactement, de la volonté de destruction » (Hyppolite, 1954/1998, p. 900). En


suivant les traces freudiennes, l’inscription du oui est encore plus primitive
que la négative, liée à l’érotisme, à la délimitation des frontières du corps, ce
grand exploit d’Eros; et il est suivi de l’opération chargée de rejeter / détruire
ce qui échappe aux limites du corps, de telle manière que la négative engendre
le non-moi, en le réduisant à un pur objet-déjet. Dans cette dialectique entre «
oui » et « non », la synthèse finale sera toujours le renforcement de l’identique,
stabilisant continuellement un normatif égoïque.
Il est important de rappeler que la logique de production de la norme, si

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bien expliquée par Freud dans la genèse du psychique, est indiscernable des
stabilisations normatives dans l’axe social: le moi continue à se présenter sous
la forme d’un moi – unité autoréférente, que ce soit dans le cas d’un seul Moi,
du point de vue du sujet, ou de plusieurs Moi qui font Un, identifiés par le
même trait (du point de vue de la masse). Dans ces replis du psychique vers
le politique, au milieu de la psychologie du moi et des masses, une nouvelle
problématique se fait remarquer: ce qui fait que certains corps se subjectivisent
sur le plan normatif, tandis que d’autres tendent à être toujours d’autres, les
objets-déjets, exclus de toute sorte d’intelligibilité sociale? Les enquêtes sur
l’idée de « non d’égalité » nous conduisent donc à une nouvelle version du
choc moi / autre: la polarisation du dominant contre le dominé, qui prévalait
traditionnellement dans le débat sur la violence et le harcèlement, parmi les
courants féministes les plus variés (Butler, 2014).
De telles lectures encadrent, ce qu’on distingue les femmes violées/har-
celées dans l’un des cercles concentriques de la norme, à la place des victimes
(par opposition aux agresseurs), de l’altérité irrémédiablement subordonnée
au mâle blanc dominant. Mais pas sans impasses: où le oui et le non forment
la même unité, l’opposition au patriarcat inclut l’effet inverse de son propre
renforcement, car «toute opposition à la norme est déjà contenue dans la norme
elle-même, et elle est cruciale pour son fonctionnement» (Butler, 2014, 272).
L’idée d’un « non » émancipateur – en jeu dans l’idée que les femmes pour-
raient « sortir » des relations abusives dès qu’elles le souhaitent – se heurte à
l’impossibilité de localiser le « hors norme », un lieu où le sujet serait libre des
processus d’assujettissement, qui, paradoxalement, ont contribué à le consti-
tuer. En fait, l’écoute clinique indique à quel point, pour certaines femmes,
dire « non » aux relations abusives devient l’équivalent de se dire « non » à
elles-mêmes, face la difficulté de se séparer du signifiant auquel leurs féminités
sont soumises. Par conséquent, il sera nécessaire d’étudier un autre aspect du
non, étant donné cet effet coercitif et apparemment insurmontable de la norme.
Toujours dans son court article sur la Négative, Freud (1925/2007) nous
a donné des indications sur la façon dont la différence s’introduit inévitable-
ment dans le contexte d’igalité, au cœur de la répétition, déstabilisant l’hégé-
monie imposée par le normatif. À partir de ce point, où la prédication vise à
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 47

clôturer la chose dans un sens unique, de prétentions totalisantes (ou bonnes


ou mauvaises), la confrontation (perceptive) avec l’objet existant pointe vers
l’insuffisance du mot (ou de la représentation) pour l’englober dans un sens
univoque. Freud (idem) observe donc une dévalorisation continue entre l’ins-
cription psychique de l’objet, sa représentation, et la présence de ce même
objet dans le monde, à appréhender subjectivement par voie perceptive: « la
reproduction du perçu dans le forme d’une représentation mentale pas toujours
fidèle à sa répétition » (p. 149), nous dit/ afirme-il.
L’opération (répétitive) du jugement d’existence renvoie à l’effort infini
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pour retrouver les traces de l’objet à chaque nouvelle représentation, et comme


l’équivalence totale entre le mot et la chose ne se réalisera jamais, ce qui se
déclenche c’est l’apparition de différence de manière négative, dans laquelle
« non » et « nom » s’articulent dans la même structure: « le nom est quelque
chose comme la propagation d’un non plus radical qui, avant toute nomination,
à l’instant de toute nomination, se présente comme quelque chose d’infini »
(Récanati, 1972, p. 31). Traversant la cohérence et l’unité égoïques, le « non de
différence » exprime donc une dimension négative intrinsèque à la nomination,
et qui pour cette raison anime la recherche de nouveaux mots, encore, en corps.
La citation ci-dessus, de F. Récanati, tirée du séminaire XX et non
encore traduite en portugais, met en évidence une faille qui intervient dans les
processus de prédication, section des prédicats, dans laquelle « la prédication
est la couverture d’une impossibilité [...] Limpossibilité de fournir tous les
prédicats et de les assembler, sans qu’au moins un ne se démarque comme
représentant de l’impossible » (p. 35). Ainsi, là où un seul signifiant se veut
universel (noir, femme, LGBT, etc. ), produisant une identité normative via le
jugement d’attribution, la confrontation à une multiplicité de corps existants
multiplie la liste des représentations, indiquant un échec irréparable entre
la revendication universelle du prédicat, d’une part, et chaque corps indivi-
dualisé, d’autre part. Les féminités, les noirs, les transsexes et tant d’autres
signifiants se multiplient ici, qui ne constitueront jamais le « tout », faute
d’appréhender normativement la totalité des corps qui existent.
Et ce ne serait pas la même direction que le traitement analytique pour
déstabiliser les identifications rigides et captives ?
Par le discours analytique, le « non de la différence» opère sur le « non
de l’égalité », proliférant les signifiants, dans une articulation continue entre
les deux jugements: « le désir de l’analyste est le désir d’obtenir la différence
absolue », comme le rappelle Lacan (1964/1998b). Ainsi, dans la tâche opérée
par le désir de l’analyste, un « non » plus radical entre au cœur de la logique du
« tout » (phallique), pointant vers le « pas-tout », vers un ensemble ouvert de
significations, marqué par l’échec structurel. en atteignant le signifiant ultime,
qui répond définitivement à la question «qui suis-je?». Et pourtant, une telle
48

opération de production continue de différence, dans le champ du sujet, ne


touche pas nécessairement à la force coercitive de la norme, dans l’axe social.
Au-delà de la clinique, telles interrogations nous conduisent aux pos-
sibilités d’énoncer un « non » qui implique le sujet de l’inconscient, qui le
convoque, dans des contextes d’objectivation continue des corps sumis aux
concepts de race et de genre.

La racialisation du non

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L’enregistrement de la discussion sur le statut du « non » dans le domaine
culturel et politique est également lié à une question par rapport à la norme, en
tenant compte du fait qu’elle ne peut être réduite à sa réalisation, elle a donc
besoin d’être constamment mise à jour en fonction des pratiques sociales et
quotidiennes pour maintenir le statut de la norme (Butler, 2014). Dans ce sens,
le mot et le corps sont encadrés par des machines qui s’efforcent de fixer les
lieux et les positions. Sur cette base, nous reviendrons sur les effets du genre
et la race des femmes noires et la production normative qui rabaisse le « non
» au simple maintien de la norme, supprimant le pouvoir énonciatif du mot.
Après tout, comment briser la norme violente qui situe la femme comme un
objet à apprivoiser, au point de ne pas avoir de voix à elle ou – même – de
ne pas avoir un désir? Au point de ne pas pouvoir faire un déni ou une affir-
mation, même si ce déni est une affirmation de vie elle-même? Le « non »,
après tout, peut-il affirmer la vie?
Ces questions sont posées pour que nous puissions reprendre la production
stigmatisée des femmes noires comme passive et masochiste, les fixant dans
une position objectivée et érotisée. Cette régulation transforme le corps de la
femme noire en un territoire à conquérir; sauvage et primitif, il faudrait l’ap-
privoiser malgré ses désirs. C’est dans ce contexte que s’inscrit le corps noir
et féminin historiquement marqué par la violence et l’invasion d’un étranger.
Le triple silence et la triple objectivation opérés par le racisme, le patriar-
cat et le colonialisme compliquent le débat sur le consentement, en tenant
compte des multiples obstacles à l’énonciation à partir de la place d’un sujet,
puisque la difficulté de parler ne se limite pas à la fonction dont il parle pour
lui-même, mais plutôt pour l’impossibilité d’inscrire le discours du subalterne
dans la centralité du régime discursif (Spivak, 2010). C’est dans ce contexte
que l’affirmation de la vie à partir de la parole est un privilège. La circonscrip-
tion de la parole des femmes à l’intérieur de ce territoire discursif colonial,
raciste et patriarcal est vue comme vide, libre de sens ou de force énonciative.

Parler devient ainsi pratiquement impossible, car lorsque nous parlons,


notre discours est souvent interprété comme une version douteuse de
la réalité, pas assez impérative pour être dite ou être entendue. Cette
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 49

impossibilité illustre comment parler et faire taire émergent comme un


projet analogue. L’acte de parler est comme une négociation entre l’orateur
et l’auditeur, c’est-à-dire entre les locuteurs et leurs interlocuteurs (Castro
Varela et Dhawan, 2003). L’écoute est, en ce sens, un acte d’autorisation
envers le locuteur (Kilomba, 2019, p. 42).

Alors, considérant que l’acte de parler – et dans ce cas, l’acte de refuser


la parole – est une négociation, une objet-marchandise pourrait-elle négocier
sa propre vie? Cette question se pose dans le but de repositionner la notion
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de la négative, car, historiquement, l’énonciation du non face à la violation


du corps des femmes noires a acquis des conséquences mortelles, du silence
de leurs voix au silence de leur vies. Les héritages de la colonie brésilienne
produisent encore des échos et réfléchissent sur la place sociale et politique
de ces femmes, car l’histoire du métissage et des femmes noires, qui est à la
base de la formation sociale brésilienne (Gonzalez, 2020), est marquée par
le viol et le sexe la violence.
Après tout, le racisme était fondamental pour la déshumanisation de ces
femmes, les situant comme des corps marchands – sans nom et sans histoire
– soumis à des invasions dans leur corps malgré leurs désirs (hooks, 2019).
C’est dans ce contexte que l’accent est mis sur l’effort de construire un ima-
ginaire mettant en avant les femmes comme passives et cohérentes avec la
violence exercée par les hommes blancs et leurs enfants, comme il est pos-
sible de l’analyser dans les travaux de Gilberto Freyre (2003), qui décrit le
processus de métissage comme une fraternisation des femmes de couleur avec
les Portugaises, basée sur une prétendue relation de complémentarité entre
le sadique et le masochiste. La construction de la femme noire masochiste
est un instrument précieux qui opère pour la faire taire face à des situations
de violence, car elle est une tentative de fabriquer un sujet qui consent et se
satisfait face à l’invasion sexuelle. Dans ce récit, la résistance des femmes à
la violence n’est pas incluse et, encore moins, les représailles subies par elles.
Loin d’être de nature masochiste et passive, les femmes ont résisté
à la violence sexuelle de diverses manières, dans une tentative de rompre
avec l’idée de soumission qui était explicite lorsqu’elle était vendue comme
marchandise. Malgré cela, les effets néfastes de l’insurrection ont été lar-
gement révélés et médiatisés, même sur le corps noir lui-même, car ils ont
été bâillonnés, battus et violés à la vue de tous, de la grande maison aux
quartiers des esclaves. Ces représailles ont servi à avertir d’autres hommes
et femmes noirs d’envisager la possibilité de se rebeller, car le maintien
de la structure sociale de la colonie devait être constamment surveillé. La
préservation de cet arrangement aux dépens du sang noir a été maintenue
tout au long de la formation culturelle, économique et sociale du Brésil.
C’est sur cette base que nous revenons à la thèse de Grada Kilomba, en
50

analysant le traumatisme du racisme qui se déroule dans une répétition de


la violence dans le présent et dans le passé, à savoir le racisme colonial et
le racisme quotidien. Selon l’auteur,

les femmes africaines du continent et de la diaspora ont été forcées de faire


face non seulement aux traumatismes individuels et familiaux au sein de la
culture blanche dominante, mais aussi au traumatisme historique collectif
de l’esclavage et du colonialisme reconstitué et rétabli dans le racisme
quotidien, à travers lequel nous redevenons le subordonné et exotique

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«Autre / o» de la blancheur (Kilomba, 2020, p. 215).

Ce traumatisme historique collectif de l’esclavage ne cesse de s’enre-


gistrer, produisant des effets inhumains sur la population noire et, dans le cas
des femmes noires, elles héritent des stigmates qui marquent leur corps et
délimitent leurs places, les inscrivant socialement et culturellement comme
passives, sexuellement actives., sauvage et sensuel. Cet héritage préjudiciable
fait des femmes des cibles privilégiées du fémicide, ce qui se reflète dans des
statistiques comme celle collectée par le Violence Monitor, où 73% des cas
d’homicides signalés en 2020 ont été commis contre des femmes noires; en cas
de blessures corporelles, le pourcentage tombe à 51% et en cas de viol, à 52%
(G1, 2020). Cette variation des pourcentages signale un point important pour
ce que nous avons discuté dans cet article, car la réduction ne signifie pas une
diminution des cas, mais, en fait, l’absence de plaintes des femmes noires.
C’est à partir de là que nous situons la dimension productive de la norme,
qui opère en fixant et en soumettant un sens unique, qui introduit ces femmes
dans un champ de dénuement et de violations constantes, les emprisonnant et
leur refusant la place de sujet. Enfermées dans des signifiants passifs, maso-
chistes, érotisés et consensuels, ces femmes ont du mal à affirmer le contraire,
car leur mot est souvent référencé à ce normatif.
C’est à partir de là que nous nous demandons: comment opérer un «non»
qui fonctionne comme une rupture discursive avec la norme et non comme
une réitération de celle-ci?
Un indice pour répondre à cette question est de redécouvrir l’effet dis-
ruptif du «non» et de miser sur le pouvoir disruptif, qui déstabilise les signi-
fications fixes et univoques. Inventer un «non» qui pointe vers la différence
et la multiplicité, car dire ce n’est pas aussi rompre un silence qui marque le
«oui» de la soumission comme la norme.
Opérer cette coupure du langage, c’est rompre avec le lieu du silence,
de l’objectivation, qui, historiquement, a produit un objet-corps, désubjec-
tivé, sans désir et sans résistance. Comme la paralysie ou l’aphonie du corps
hystérique, l’exigence du «non» est une manière de briser le bâillon qui fait
taire les femmes. Dialectiser la place de la négation et de l’assujettissement
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 51

est un point de départ, rendant ce qui semble simple, c’est-à-dire la, com-
plexe parole. Ainsi, il est possible de valoriser le lieu de l’énonciation, tout
en impliquant les marques historiques, sociales, raciales et culturelles qui
produisent les silences.

Conclusions: amalgames du non


La discussion tout au long de cet article a été traversée par une articulation
de la clinique et du politique, revenant à la place de la négative dans les débats sur
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le consentement des femmes. Loin d’une perspective relativiste du consentement,


qui se méfie a priori de l’énoncé des femmes, la problématisation du « non »
pointe vers les contraintes normatives, raciales et de genre qui l’empêchent de
fonctionner effectivement comme un refus, mais sans les prendre pour conditions
d’énonciation fatalistes. Après tout, comment chaque sujet peut-il répondre de
manière inventive aux signifiants qui le marquent et l’emprisonnent?
La question touche au problème directeur de notre article, concernant les
possibilités d’un sujet de dire «non» à la mort, à ce qui le viole et le détruit.
C’est dans cette perspective que nous sauvons le pouvoir de la vie en jeu dans
la direction d’un traitement analytique qui, réinvesti dans la tâche de parole,
réinvestit aussi dans la position du sujet, dans ses sorties uniques et singu-
lières vers les plus divers assujettissements. De cette manière, le contraste
entre « non de différence » et « non d’égalité » nous a orienté vers le pouvoir
clinique et politique de la négative, comme moyen de rompre avec une norme
qui fixe et emprisonne les sujets dans des sens non dialectisables, largement
diffusés dans l’axe socio-culturel.
Le « non », lorsqu’il opère dans l’affirmation de la vie, démontre ici toute
sa puissance amalgalmatique, favorisant le lien entre des corps différents et
disparates. Ainsi, face au mouvement qui tend à la mort, la restauration du
désordre propre à la vie nous met sur la voie de la politique freudienne, qui sou-
tient le statut déviant et inquiétant du vivant, face aux chemins « raccourcis »
qui conduisent à mort.
La proposition de cet article n’est pas terminée, impliquant des appro-
priations politiques-cliniques constantes du cadre théorique freudo-lacanien.
Peut-être devient-il ainsi possible d’accueillir les « non » inventifs, qui font
du bruit, causent de l’inconfort, ces «non» dérangeants, chargés de déséqui-
librer les structures normatives. En période de déni, de ne pas reconnaître la
réalité de la pandémie et ses effets mortels sur les corps racialisés et genrés,
nous signalons ici une éthique plus radicale de la négativité, qui produit des
amalgames, qui affirme la multiplicité de la vie, que ce soit en clinique, dans
la polis ou dans nos élaborations théoriques entre (im) paires.
52

RÉFÉRENCES
Butler, J. (2014). Regulações de gênero. Cadernos pagu, 42, 249-274.

Freud, S. (2007). A Negativa. In Freud, S. Escritos sobre Psicologia do Incons-


ciente. L.A. Hanns, Trad. Vol. 3, pp. 145-159. Rio de janeiro: Imago Ed.
(Originalmente publicado em 1925).

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hooks, B. (2019) E eu não sou uma mulher: Mulheres negras e feminismo.
Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos.

Hyppolite, J. (1998). Comentário falado sobre a Verneinung de Freud. In J,


Lacan, Escritos (pp. 893- 902). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (Originalmente
publicado em 1954).

Kilomba, G. (2019) Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano.


Rio de Janeiro: Editora Cobogó.

Lacan, J. (1998). Função e campo da fala e da linguagem na psicanálise. In J,


Lacan, Escritos (pp. 238-324). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (Originalmente
publicado em 1953).

Lacan, J. (1998b). O Seminário: Livro 11. Os Quatro Conceitos Fundamentais


da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. (Seminário originalmente
apresentado em 1964).

Récanati, F. (1972). Leçon, 12 décembre 1972. In Lacan, J. Encore.


Seminário não traduzido para o português. http://www.valas.fr/
Jacques-Lacan-Encore-1972-1973,323.

Spivak, G. (2010) Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG.

Velasco, C., Grandin, F., Caesar, G. & Reis, T. (2020, 16 outubro) Mulheres
negras são as principais vítimas de homicídios; já as brancas compõem
quase metade dos casos de lesão corporal e estupro. G1, Brasil. https://
g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/09/16/mulheres-negras-
sao-as-principais-vitimas-de-homicidios-ja-as-brancas-compoem-quase-
metade-dos-casos-de-lesao-corporal-e-estupro.ghtml.
RECUSA DO FEMININO /
RECUSA AO FEMININO:
do impasse freudiano ao enigma lacaniano
Jean-Luc Gaspard
Mélinda Marx
Gabriella Dupim
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Introdução
Em 1937, no texto “Análise terminável e interminável”, Freud torna
a recusa do feminino, para ambos os sexos, um rochedo não analisável, se
opondo à posição de Fliess sobre a determinação do recalque pela biologia
sexual. Além disso, faz desta biologia uma contingência: nascer uma menina
ou um menino. O rochedo do biológico é assim uma tensão entre o corpo
vivo e o sexual, na medida em que uma disjunção radical aparece de um para
o outro. As diferenças psíquicas entre homens e mulheres dependem das
diferenças anatômicas que orientam sua evolução de maneira diferente; o que
Freud resume na aporia: “a anatomia é destino” (tradução nossa)6.
O inconsciente, portanto, não conhece nem o masculino nem o feminino;
um e outro só têm valor em relação a uma falta. Falta esta, visível em pri-
meiro lugar no encontro com o corpo do outro. Assim, o menino, portador do
pênis, vai apreender a falta deste a partir do corpo feminino. Por outro lado,
a menina imaginará essa falta em seu próprio corpo, ao constatar o pênis no
corpo masculino. Esta falta no corpo, Freud a chamará de “falo”. Por tudo
isso, a questão do feminino não está resolvida. Em 1905, Freud observa:

É essencial perceber que os conceitos de ‘masculino’ e ‘feminino’, cujo


conteúdo parece tão inequívoco para a opinião comum, estão entre as
noções mais confusas no campo científico e compreendem pelo menos três
orientações diferentes. As palavras masculino e feminino são usadas às
vezes no sentido de atividade e passividade, às vezes no sentido biológico,
às vezes no sentido sociológico. (Freud, 1987, p. 161, [tradução nossa])7.

6 Citação original: «l’anatomie, c’est le destin». In:  Freud S. (1937). “L’analyse avec fin et l’analyse sans fin”,
in Résultats, idées, problèmes II, Paris, PUF, 1985, p. 268.
7 Citação original: « Il est indispensable de se rendre compte que les concepts de « masculin » et de « féminin »,
dont le contenu paraît si peu équivoque à l’opinion commune, font partie des notions les plus confuses du
domaine scientifique et comportent au moins trois orientations différentes. On emploie les mots masculin
et féminin tantôt au sens d’activité et de passivité, tantôt au sens biologique, tantôt au sens sociologique».
In: Freud S. (1905). Three Essays on Sexual Theory, Paris, Gallimard, 1987 p. 161.
54

Na primeira etapa de elaboração, Freud, se esforçará sobretudo para defi-


nir o masculino e o feminino a partir do ponto de vista libidinal, atribuindo
ao masculino a atividade de impulso, enquanto à passividade ao feminino. O
conceito de feminino é revisitado em seu texto de 1932 intitulado “Feminili-
dade”, preferindo falar de atividade com um propósito passivo. No entanto, aqui
novamente, ele lembra: “o que faz da masculinidade ou da feminilidade um
caráter desconhecido, que a anatomia não consegue captar” (tradução nossa)8.
Masculinidade e feminilidade não são atributos naturais do ser humano, apesar
das diferenças biológicas. O inconsciente é, acima de tudo, o lugar do recalcado.

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Em sua polêmica conferência sobre a feminilidade, Freud usa uma retórica
que beira os estereótipos. Deve-se lembrar que esta palestra foi dirigida a uma
plateia de médicos majoritariamente, senão exclusivamente, homens, em que
Freud respondeu com um estilo muito particular na transmissão da psicanálise.
Sua demonstração se desdobra em três etapas:

Estima-se que as mulheres tenham contribuído pouco para as descobertas e


invenções da história da cultura, mas talvez tenham, no entanto, inventado
uma técnica, a de trançar e tecer. Se assim for, somos tentados a adivinhar
o motivo inconsciente para esta conquista. É a própria natureza que teria
fornecido o modelo para esta imitação ao fazer os pelos pubianos que
esconde os órgãos genitais crescer no momento da puberdade (Freud, 1987,
p. 177 [tradução nossa])9.

A este primeiro estágio, arcaico e naturalista, acrescenta-se um segundo


estágio, mais materialista:

Ao fazê-lo, devemos ter cuidado para não subestimar a influência das


organizações sociais que também forçam as mulheres a situações passivas.
Tudo isso ainda está longe de ser esclarecido. A repressão de sua agres-
sividade, prescrita constitucionalmente e socialmente imposta à mulher,
favorece o desenvolvimento de fortes movimentos masoquistas que con-
seguem ligar eroticamente as tendências destrutivas viradas para dentro
[...] (Freud, 1987, p. 176 [tradução nossa])10.

8 Citação original: « ce qui fait la masculinité ou la féminité est un caractère inconnu, que l’anatomie ne peut
saisir ». In: Freud S., (1932). “XXXIII palestra: Femininidade”, em Nouvelles conférences d’introduction à la
psychanalyse, Paris, Gallimard, 1984, p. 153.
9 Citação original: « On estime que les femmes ont apporté peu de contributions aux découvertes et aux
inventions de l’histoire de la culture, mais peut-être ont-elles quand même inventé une technique, celle du
tressage et du tissage. S’il en est ainsi, on serait tenté de deviner le motif inconscient de cette réalisation.
C’est la nature elle-même qui aurait fourni le modèle de cette imitation en faisant pousser, au moment de la
puberté, la toison pubienne qui cache les organes génitaux ». Ibid, p. 177.
10 Citação original: « Ce faisant, il nous faut prendre garde de ne pas sous-estimer l’influence des organisations
sociales qui acculent également la femme à des situations passives. Tout cela est encore loin d’être tiré
au clair. […] La répression de son agressivité, constitutionnellement prescrite et socialement imposée à la
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 55

No entanto, Freud não pára por aí. À dimensão filogenética do feminino


e àquela determinada por suas atribuições culturais (o gênero de certa forma),
acrescenta um terceiro termo: “o enigma da mulher” (tradução nossa)11 ou “o
continente negro” (tradução nossa)12. Freud admite assim sua incapacidade de
definir o feminino, a ponto de considerá-lo um impasse. “Mas também pode-
ríamos dizer que ao testemunhar a forma como ele encontrou a feminilidade
como um continente negro, ele já colocou Lacan no caminho desta dimensão
da feminilidade que escapa ao simbólico” (tradução nossa).13
Com Lacan, o feminino será elevado à categoria de enigma próprio a
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qualquer estrutura. O que é um enigma? Uma enunciação, um meio-dito da


verdade, como a pergunta que a Esfinge faz a quem quiser entrar na cidade
de Tebas, e que Édipo responderá à sua grande desgraça. Lembremos que a
Esfinge, a quimera, não é nem homem nem mulher, nem humano nem animal.
Pelo contrário, o monstro alado provoca opacidade, desfoca o que garante,
normalmente, que o sujeito sabe com o que ou com quem está lidando. Como
não nos lembrarmos desta anedota proferida pelo psicanalista italiano A. di
Ciaccia: “Ele disse que uma senhora tinha vindo lhe pedir uma análise, tendo
interrompido sua análise anterior da qual ela não estava satisfeita e durante as
entrevistas preliminares ela lhe disse: ‘Vim vê-lo porque pelo menos você...
você é um homem’. E acariciando sua barbicha, Antonio Di Ciaccia havia
respondido: ‘O que você sabe?” (tradução nossa)14.
Como M. H. Brousse (2000) aponta, há uma subversão inerente no dis-
curso do analista sobre a questão do feminino, que às vezes é rotulada de
heterodoxo, às vezes de ortodoxo. Há algo perturbador ali se ouvirmos neste
“algo” inominável o que fez com que uma paciente dissesse sobre seu pai: “há
algo de feminino nele”. Não se tratava de forma alguma de negar ou interpre-
tar mal seu status masculino (portador do pênis), bem como sua virilidade.
Ela enfatizou: “Não é que ele seja afeminado”. Não é uma aparência, ou um
comportamento, mas ele carrega este “algo feminino”.

femme, favorise le développement de fortes motions masochistes qui parviennent à lier érotiquement les
tendances destructrices tournées vers le dedans […]». Ibid, p. 178.
11 Citação original: « l’énigme de la femme ». Ibid, p. 176.
12 Citação original: « le continent noir ». In: Freud, S. (1926). La question de l analyse profane, Paris, Gallimard,
1985, p. 75. Em referência à África através do trabalho do explorador Stanley Through The dark continent.
13 Citação original: « Mais on pourrait dire aussi qu’en témoignant de la façon dont il a rencontré la féminité
comme un continent noir, il a déjà mis Lacan sur la voie de cette dimension de la féminité qui échappe au
symbolique. ». In: Leguil, C., “On the gender of women according to Lacan, Female sexuality beyond the
norms”, in Lacanian subversion of gender theories, Michèle editions, Paris, 2015. p. 67.
14 Citação original: « Il racontait qu’une dame était venue lui demander une analyse ayant interrompu son analyse
précédente dont elle n’était pas satisfaite et lors des entretiens préliminaires elle lui avait dit : ‘’Je viens vous voir
parce qu’au moins vous... vous êtes un homme. » In: Observações relatadas por M.-H. Brousse, Conferência
O que é uma Mulher? 18 de fevereiro de 2000, Côte-des-neiges, Le pont freudien (on-line).
56

É através da recusa que tentaremos lançar luz sobre este “algo”, não para
reduzi-lo ou restringi-lo a uma definição que lhe dê todo o seu significado,
mas para compreender sua lógica no que diz respeito aos modos de gozo.
Para tal, dois casos nos servirão de apoio: o caso do pintor Haizmann, que
Freud desdobra em 1923 enquanto questiona o outro Édipo, e o de Sygne de
Coûfontaine, um personagem trágico de P. Claudel que Lacan lerá em seu
seminário ‘A Transferência’.
A recusa do feminino marca uma diferença da recusa ao feminino.
Enquanto a recusa do feminino é inscrita a partir de uma problemática edi-

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piana, como a posição do sujeito histérico diante da castração, a recusa ao
feminino é uma resposta do sujeito à demanda do Outro, fundada no enigma.

A “Querela do phallus”

“Há apenas uma libido que é colocada a serviço tanto da função sexual
masculina quanto da feminina”15 (tradução nossa). O falicismo de Freud não
seria uma crença em um único órgão, mas o reconhecimento de um único traço,
o falo, símbolo de castração para ambos os sexos. Uma primazia fálica que
exclui qualquer ideia de “essência feminina” e indica uma universalidade da
fase fálica. Entretanto, esta posição de Freud, torna-se problemática, levando
a um debate dentro da comunidade analítica sobre a questão da sexualidade
feminina até o final dos anos 30. Sem encontrar uma resolução, culmina no
rompimento da escola freudiana e no surgimento de correntes pós-freudianas.
Surgem assim duas tendências: por um lado, aqueles que, na perspectiva de
Freud, reconhecem que a organização genital infantil se articula em torno do
falo (Escola Vienense); por outro, aqueles para os quais existem dois tipos de
organização libidinal, masculina e feminina (Escola Inglesa).
Entre 1927 e 1935, Ernest Jones retoma a questão da sexualidade femi-
nina, a respeito da existência de uma fase fálica e reduz a controvérsia com
Freud a uma fórmula16: “No final, trata-se de saber se uma mulher nasce mulher,
ou se ela se torna uma17”. Em 1935, em sua conferência: “Sexualidade Femi-
nina Primitiva”, Jones coloca em evidência as diferenças doutrinárias entre a
Escola Vienense e a Escola Inglesa de Psicanálise, dando assim continuidade
ao debate iniciado nos anos 1920. Para E. Jones haveria uma feminilidade
15 Citação original: « Il n’y a qu’une seule libido qui est mise aussi bien au service de la fonction sexuelle
masculine aussi bien que féminine ». In: Freud S., (1932). “XXXIIIª Palestra: Feminilidade”, em Nouvelles
conférences d’introduction à la psychanalyse, Paris, Gallimard, 1984, p. 176.
16 Uma fórmula que Jacques Lacan retomará em “Propostifs pour un Congrès sur la sexualité féminine”, em
Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 725-736.
17 Citação original: « En fin de compte, il s’agit de savoir si une femme naît femme, ou si elle le devient ». In:
Jones E. e Stronck A. (1935). “Primitive female sexuality”, in Théorie et pratique de la psychanalyse, Paris,
Payot, 1969, p. 452.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 57

natural e original da pequena menina, esvaziando assim o conteúdo do Édipo


freudiano numa tentativa de ligá-lo à doutrina de Melanie Klein.
De fato, E. Jones, em um movimento que tinha por objetivo derrubar a
ordem fálica a fim de erguer uma ordem materna feminina, desenvolveu uma
teoria baseada na preeminência do peito materno, cuja perda se revela como
um grande evento traumático. A principal angústia não seria a angústia de
castração, mas de destruição. A frustração oral gerada pelo seio mau faria com
que a menina deseje ter o pênis, mas que nesta perspectiva fica reduzido a ser
apenas uma versão do mamilo. A menina desejaria então devorar o pênis que
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ela acreditaria estar situado no corpo da mãe. A fase fálica aparece a partir daí
como uma defesa contra sua agressividade oral para com a mãe e a angústia
que isso provoca. A fase fálica é uma reação protetora secundária e não uma
verdadeira fase de desenvolvimento.
Para Jones, a mãe não pode satisfazer completamente a menina. E é esta
frustração oral que provoca o primeiro desejo pelo pênis. A fase fálica da
menina é assim reduzida à agressão oral. O autor reconhece na menina uma
posição fálica que procede de uma “atitude afetiva” (tradução nossa)18. Intro-
duzindo o termo “aphanisis” para ambos os sexos, Jones procura identificar
um universal que tornaria possível superar o conceito de castração. Em nome
de uma ordem natural, Jones rejeita a ideia de que a distinção entre os sexos é
uma questão de identificação. Esta abordagem está muito mais preocupada em
fazer da identificação um modo de conservação de objetos. Ao reduzir o falo
ao órgão, E. Jones perde a dimensão simbólica na qual Lacan se baseará nos
anos 50 em sua releitura de Freud. Além disso, ele tem um entendimento equi-
vocado sobre função estruturante da falta de objeto que a castração introduz.
Na primeira fase de seu ensino, Lacan critica a concepção do objeto que
prevalece na época dentro da IPA, replicando que não há relação possível
de objeto sem a mediação do falo. Esta nova orientação baseada na teoria
do significante herdada da linguística estruturalista permite que Lacan se
liberte das doutrinas “obcecado pela relação com o objeto” (tradução nossa)19.
Adverte ainda que “é a questão do pai que centraliza todas as pesquisas de
Freud, todas as perspectivas que ele introduziu na experiência subjetiva”
(tradução nossa)20. No entanto, neste primeiro movimento teórico, Lacan não
está tão interessado em definir especificamente o feminino, mas em inscrever
logicamente o complexo de Édipo a partir da escrita da metáfora paterna.
O objeto fálico, central no problema edipiano e da castração, seria assim
retomado por Lacan em sua dimensão simbólica, na relação do sujeito com a
18 Citação original: « attitude affective ». Ibid, p. 449.
19 Citação original: « obnubilées par la relation d’objet ». In: Lacan J., Les psychoses, Le Séminaire, livre III,
Paris, Seuil, 1981, p. 361.
20 Citação original: « c’est la question du père, qui centre toute la recherche de Freud, toutes les perspectives
qu’il a introduites dans l’expérience subjective ». Ibid, p. 360.
58

linguagem. A partir daí, o circuito do desejo marca o trajeto pelo qual o falo
passa do posto de objeto imaginário que falta à mãe para o de significante
da falta, símbolo do desejo. O significante fálico torna-se o significante
privilegiado do desejo.
Entre 1958 e 1960, vários dos escritos de Lacan abordam a questão do
falo e a diferença dos sexos21. Em seu Seminário livro V, Lacan lembra a “fun-
ção normativa” do complexo de Édipo para todo sujeito, “não simplesmente
na estrutura moral do sujeito, nem em suas relações (com a realidade), mas na
assunção de seu próprio sexo” (tradução nossa)22. Acrescenta ainda que esta

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suposição do sujeito a seu sexo se dá pelo “fato de que um homem assume
seu tipo viril, e que uma mulher se identifica com suas funções como mulher.
Virilização e feminização, estes são os dois termos que são essencialmente a
função do Édipo” (tradução nossa)23.
A resolução do complexo de Édipo, no terceiro tempo, passa por uma
identificação ao pai, como aquele que tem o falo. O sujeito faz então um pacto
simbólico, uma renúncia do falo para que o desejo se perpetue; o destino de
um sujeito que consentiu à castração, sacrificando uma parte do gozo em nome
do pai morto. Entretanto, a normalização do Édipo não resolve totalmente
a questão do sexo e da sexualidade; ao contrário, a deixa em suspenso, “em
certa ambiguidade” (tradução nossa)24.
É somente nos anos 70 que o feminino foi especificado na teoria lacaniana,
a partir da questão do gozo que toma como apoio a clínica do Real. Através desta
mudança radical de paradigma em seu ensino, Lacan desloca toda sua teoria, que
antes era orientada pelo desejo e pelo significante fálico. Contra os defensores
de um feminismo essencialista, ele introduz a questão da sexuação psíquica,
constituindo ao mesmo tempo uma superação da metáfora paterna, mas também
uma superação da posição de Freud, além do rochedo da castração, sem refutar
o falicismo deste último. Em outras palavras, a lógica do todo fálico não esgota
o feminino, sem permitir uma identidade feminina que não passe pelo pai25.
No texto “O Aturdito”, Lacan critica as mulheres psicanalistas que
escaparam do inconsciente para a “[...] voz do corpo, como se não fosse

21 Os seminários IV sobre A Relação Objeto, V sobre As Formações do Inconsciente, e VI sobre O Desejo


e sua Interpretação, entre os quais estão intercalados dois textos: O significado do Falo e as Propostas
de Diretrizes para um Congresso sobre Sexualidade Feminina. Este último texto, escrito em 1958, foi
apresentado em um colóquio sobre o tema da sexualidade feminina em Amsterdã em 1960.
22 Citação original: « non pas simplement dans la structure morale du sujet, ni dans ses rapport (avec la réalité),
mais dans l’assomption de son propre sexe ». In: Lacan J., (1957-1958), Les formations de l’inconscient, Le
Séminaire, livre V, Paris, Seuil, 1998. p. 141.
23 Citação original: « est le fait qu’un homme assume son type viril, que la femme s’identifie à ses fonctions de femme.
La virilisation et la féminisation, voilà les deux termes qui sont essentiellement la fonction de l’ Œdipe». Ibid, p. 141.
24 Citação original: « dans une certaine ambiguïté ». Ibid, p. 141
25 Lacan desdobra particularmente a questão da sexualidade feminina através de três seminários: “D’un
discours qui ne serait pas du semblant”, “Encore”, “Ou pire”.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 59

precisamente do inconsciente que o corpo tomou voz” (tradução nossa)26.


Cegos pelo “véu do órgão”, estas ficariam presos à distribuição do homem/mu-
lher, e perderiam a relação do sujeito com a falta de significante e com o
que o suplementa. Lacan afirma assim uma posição contrária à ideia de uma
essência da mulher que encontraria uma base substancial de feminilidade
na relação com o corpo da mãe. Além disso, a sexuação depende do signifi-
cante fálico, bem como da posição do sujeito em relação a este significante
e, finalmente, da aceitação ou recusa do significante. A sexualidade é assim
uma escolha, além de identificações imaginárias e simbólicas, mas também
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além da sexualidade biológica.


A partir daí, o sexo não seria mais uma questão de anatomia, nem de
identificações ou nomeações; o sexo seria uma questão de castração e sexua-
ção. Esta posição marca um corte entre os sexos, pois seria acima de tudo
uma questão de status particular de gozo para o sujeito. Com as fórmulas de
sexuação, Lacan extrai dois modos de gozo consubstanciais: o gozo fálico,
entendido como o gozo sexual enquanto tal, que se refere em sua substância
a um Outro gozo, suplementar. Este suplemento não é um complemento,
mas um acréscimo ao gozo fálico. E se o gozo feminino é colocado como o
suplemento do gozo fálico, ele é, ao mesmo tempo, seu ponto de referência.
O complexo de Édipo aparece então articulado a um limite que o sujeito pode
encontrar na experiência da linguagem. O Outro gozo é um gozo que passa
pela palavra e sua lógica, mas que não pode ser dito, nem elaborado em um
saber. Portanto, não há transmissão possível da feminilidade. Cada mulher
terá, portanto, que inventar sua própria solução para suplementá-la.

Tornar-se mulher

Em 1924, Karl Abraham escreveu a Freud: “Comecei recentemente a


me perguntar se já não haveria, na época da primeira infância, uma primeira
eclosão vaginal da libido feminina, que estaria destinado a ser recalcado, e
que seria então sucedido pela predominância do clitóris como expressão da
fase fálica” (tradução nossa)27. O complexo de castração na menina é um
fenômeno secundário ao recalque sobre o conhecimento prévio da vagina. Esta
sensação vaginal precoce é então interpretada como uma reação ao pênis do
pai, que assim se torna o primeiro objeto de amor. Freud responde: há apenas

26 Citação original: « [...] voix du corps, comme si justement ce n’était pas de l’inconscient que le corps prenait
voix ». In: Lacan J., (1972). “L’étourdit”, em Autres écrits, Paris, Seuil, 2001. p. 463.
27 Citação original: « Je me suis pris à me demander récemment s’il n’y aurait pas déjà, au moment de la
prime enfance, une première éclosion vaginale de la libido féminine, qui serait destinée au refoulement, et
à laquelle succéderait ensuite la prédominance du clitoris comme expression de la phase phallique », In:
Abraham K., “Carta a Freud de 3/12/1924”, em ÜVres Complètes, T.II, Payot, 1966.
60

um sexo no relacionamento com a mãe28. Ele reafirma assim a existência de


uma “atividade fálica da filha de difícil reconhecimento por parte da mãe”
(tradução nossa)29 e a relaciona com o período pré-edipiano de apego.
Para ambos os sexos, a mãe é o primeiro objeto de amor e todos eles
(menino e menina) passam sucessivamente pelas três fases da sexualidade
infantil (oral, sádico-anal, fálica). Entretanto, na menina, ocorre um processo
particular: um recalque que toca a sexualidade. Se para o menino, há uma
transferência da mãe para outra mulher, a menina não só terá a tarefa de mudar
o objeto de amor (passando da mãe para o pai), mas também de mudar seu

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sexo, fazendo-a passar de uma satisfação clitoriana para uma satisfação vagi-
nal. Em seus primeiros desenvolvimentos, o complexo de Édipo é concebido
de forma positiva, ou seja, como o desejo sexual do menino para a mãe e o
desejo mortífero para o pai rival, e inversamente para a menina.
A partir da década de 1920, Freud destaca além do amor da menina pelo
pai um amor mais fundamental pela mãe. O complexo de castração aparece
como secundário: “A menina passa por uma fase do complexo “negativo” que
consiste em afastar seu pai para ter sua mãe antes de entrar na fase positiva, e
fazer de seu inimigo seu amado” (tradução nossa). Assim, até a fase fálica, “a
menininha é um homenzinho” (tradução nossa). Consequentemente, se existe
uma posição anterior comum ao menino e à menina em relação à mãe, a questão
não é então saber o que é uma mulher, mas muito mais, como se tornar uma.
Retomando a questão da sedução, Freud afirma que é a mãe, a sedutora,
que desperta a criança para a sexualidade através dos cuidados corporais que
ela empreende. Entretanto, se ele insiste na relação da criança com a mãe,
e mais particularmente na sexualidade feminina que permanece inacessível
à análise, por pertencer a um período pré-edipiano, “uma sombra que mal
consegue reviver, como se tivesse sido submetida a um recalque particu-
larmente inexorável” (tradução nossa)30. Assim, há uma impossibilidade de
Freud prestar contas da mãe, exceto através do pai, quando ao mesmo tempo
é através da mãe que a relação com o pai é construída.
Na dimensão histórica, a mãe sedutora é anterior ao pai, enquanto que
na dimensão pré-histórica, é o pai como morto que está na origem. A natureza
do trauma se desloca assim da sedução do pai para seu assassinato; e o pai
recupera seu lugar primordial na lógica freudiana. A posição de Freud sobre o
Édipo, tal qual desenvolve a partir de 1923, leva a esta afirmação paradoxal:
é na identificação ao pai que a menina pode “tornar-se mulher”.

28 Freud conta aqui com os estudos de Jeanne Lampl-de Groot em Souffrance et jouissance, Paris, Aubier, 1983.
29 Citação original: « activité phallique si difficile à croire de la fille à l’égard de sa mère ». In: Freud S., (1932). “XXXIII
palestra: La Féminité”, em Nouvelles conférences d’introduction à la psychanalyse, Paris, Gallimard, 1984, p. 175
30 Citação original: « une ombre à peine capable de revivre, comme s’il avait été soumis à un refoulement
particulièrement inexorable ». Ibid, p. 158.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 61

O reconhecimento da castração da mãe resulta, para ambos os sexos, num


desapego da criança, bem como numa desvalorização do feminino. Para o
menino, a aspiração à virilidade aparece em conformidade com o eu, enquanto
a posição passiva e feminina, na medida em que implica a falta fálica, é
recalcada. Para a menina, o primeiro objeto de amor é também a mãe, e aí
novamente, a aspiração à virilidade aparece de acordo com o eu. Mas, para a
menina, seria a partir do recalque desta fase fálica que dependeria os destinos
da feminilidade, enquanto que, para o menino, a posição passiva feminina
que seria recalcada. O menino sai do complexo de Édipo através da angústia
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de castração, enquanto a menina, sob a influência do Penisneid, se separa da


mãe para se aproximar do pai, entrando assim no complexo de Édipo. No
menino, há uma superestimação do pênis que pode vir a faltar. Por outro lado,
a menina entende que nunca terá este órgão. A menina, sentindo-se

seriamente prejudicada, muitas vezes declara que gostaria de “também


ter algo assim” e sucumbe à inveja do pênis que deixa traços indeléveis
em seu desenvolvimento e na formação de seu caráter e que, mesmo
no caso mais favorável, não é superada sem um gasto psíquico intenso”
(tradução nossa)31.

O destino do Édipo estaria então logicamente ligado ao Penisneid, que


se torna o núcleo da sexualidade feminina. Freud distingue três destinos do
Édipo – a neurose, o complexo de masculinidade e a feminilidade “normal”.
Assim, a simetria entre os sexos no complexo de Édipo é quebrada, enquanto
o “fator específico” (tradução nossa)32 de diferenciação reside agora na moda-
lização do complexo de castração.
Entre 1925 e 1932, Freud identifica assim um duplo enraizamento da
sexualidade feminina em ódio à mãe por um lado, e em um segundo amor ao
pai, para quem ela transfere sua demanda. A menina deixa sua mãe “sob o
sinal de hostilidade” (tradução nossa)33: uma mudança de objeto pelo qual a
menina se afasta da mãe em favor do pai e indica um terceiro estágio da fase
fálica na sexualidade feminina. Freud atribui esta hostilidade a uma privação
real (como a proibição do onanismo) que leva à frustração, que se expressa em
uma fantasia imaginária (por exemplo, na reprovação de não ter recebido leite
suficiente). A posição hostil das meninas em relação à mãe não é, portanto,

31 Citação original: « gravement lésée, déclare souvent qu’elle voudrait ‘’aussi avoir quelque chose comme ça’’
et succombe à l’envie du pénis qui laisse des traces indélébiles dans son développement et la formation
de son caractère et qui, même dans le cas le plus favorable, n’est pas surmontée sans une lourde dépense
psychique ». Ibid, p. 167.
32 Citação original: « facteur spécifique ». Ibid, p. 166.
33 Citação original: « sous le signe de l’hostilité »É sobre este ponto que Freud observa uma insuficiência no
estudo de Jeanne Lampl de Groot, em La vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, p. 153.
62

uma consequência da rivalidade do complexo de Édipo, mas advém da fase


anterior, pré-edipiana.
Se para o menino, é a ameaça de castração que leva à dissolução do
complexo de Édipo, que então encontrará um peso na construção do supereu;
para a menina, ao contrário, é a castração que força a situação edipiana. Como
a castração é reconhecida como um fato consumado desde o início, a trans-
formação do complexo de Édipo, que conduz à criação do supereu através da
internalização da instância paterna, revela-se muito mais problemática para a
menina. Freud deduz da persistência do complexo de Édipo na menina, a hos-

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tilidade em relação à mãe, que ocasionalmente pode recair sobre o marido na
relação conjugal: “É na medida em que uma mulher se identifica com seu pai,
que ela faz todas as queixas ao marido que ela fez à mãe” (tradução nossa)34.
Em 1972, Lacan introduz o termo “devastação”35 para qualificar o que
Freud concebeu sobre a relação mãe-filha. Para ele, o acesso à feminilidade
só pode ser alcançado ao preço de não ser completamente cativo ao desejo
da mãe e ao gozo autoerótico que ela traz consigo. Além disso, sublinha
uma “irrealização” da posição paterna devido ao fato de que a ameaça de
castração levada pelo pai é inoperante sobre a posição feminina, que já está
sempre castrada, colocando assim o pai na posição de ideal. O Penisneid
revela assim sua estrutura de recobrimento. O objeto de amor esconde uma
lacuna no âmago do ser, a falta que o fez advir como sujeito.

A recusa do feminino: do pai para o pior

A recusa do feminino faz parte da clínica freudiana, entretanto, é sobre-


tudo na figura da histeria masculina que Freud identifica este modo particular
de resposta à castração, designado como “o outro Édipo” do qual Haizmann e
Dostoievski são casos paradigmáticos. Em um texto intitulado “Uma neurose
demoníaca no século XVII”36, Freud apresenta o caso do pintor Christopher
Haizmann. Este texto é contemporâneo em sua obra e apresenta grandes
modificações em sua teoria, notadamente pela passagem do primado do genital
para o primado do falo e da primeira para o segundo tópica.
Na análise do caso, Freud está particularmente interessado na natureza
e no papel de diferentes fantasias: fantasia da gravidez, fantasia do pacto
com o diabo, a fim de trazer à tona a fantasia “a mais radical do neurótico,

34 Citação original: « C’est dans la mesure où une femme fait une identification à son père, qu’elle fait à son
mari tous les griefs qu’elle avait fait à sa mère ». In: Lacan J., (1957-1958), Les formations de l’inconscient,
Le Séminaire, livre V, Paris, Seuil, 1998. p. 304.
35 Citação original: « ravage ». In: Lacan J., (1972). “L’étourdit”, em Autres écrits, Paris, Seuil, 2001.
36 Freud S., (1923c) “Une névrose diabolique au XVIIème siècle”, in L’inquiétante étrangeté et autres essais,
Paris, Gallimard, 1985. pp. 267-315.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 63

ou seja, que o pai é apenas uma mulher travestida” (tradução nossa)37. O caso
Haizmann está articulado como “o outro Édipo”, um Édipo invertido marcado
pela feminização do filho em sua relação com o pai. Freud distingue a histeria
masculina por uma intensidade sobredeterminada de ódio ao pai, ao mesmo
tempo em que se comporta “como uma menina manifestando a terna posição
feminina em relação ao pai” (tradução nossa)38. Assim, para o menino, dois
modos possíveis do complexo de Édipo emergem: confrontar o pai ou tomá-lo
como objeto de amor; ambos levando inelutavelmente à castração.
Reexaminando a “função do Édipo invertido” em seu seminário “O
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Desejo e sua Interpretação”, Lacan enfatiza: “Se ele quiser tomar o lugar do
pai, ele será castrado”. Se ele quiser tomar o lugar da mãe, ele também será
castrado [...]. Assim, em relação ao falo, o sujeito fica preso em uma alternativa
fechada que não lhe deixa saída” (tradução nossa)39, entre o impossível e o nada.
Recordemos alguns elementos deste caso: em 1678, o pintor Christoph
Haizmann, atormentado pela melancolia desde a morte de seu pai, foi tomado
por um violento ataque de convulsões durante uma missa dominical. Diante
do juiz, ele confessa ter assinado dois pactos com o diabo nove anos antes –
um com tinta e o outro com seu próprio sangue. Foi somente quando o pacto
expirou (cerca de um mês antes) que o sintoma apareceu, levando Haizmann
a solicitar seu primeiro exorcismo. “Eu, Christoph Haizmann, constituo-me
por este escrito a este Senhor, seu filho, um servidor corpóreo durante nove
anos” (tradução nossa)40.
Enfatizemos a forma estranha que este pacto assume. De fato, a castração
está inscrita em uma estrutura de troca no qual o que se ganha é uma perda
adicional, enquanto o sujeito se torna um objeto de troca, inscrito na rede
simbólica. No caso de Haizmann, pelo contrário, o sujeito se compromete
com o pacto sem nenhuma contrapartida, inscrevendo-se sobretudo como
um objeto entregue ao gozo do pai. Em outras palavras, onde Fausto acusa o
que o diabo poderia lhe oferecer com desdém, Haizmann não pede nada. Isto
porque aqui o diabo é apenas um homem de palha, o tolo do rei.
O exorcismo seria um confronto com o pai, no qual Haizmann sai vito-
rioso, enquanto a melancolia cede lugar a um período de exaltação. No entanto,
isto é apenas por um curto período. Logo as convulsões e visões, às vezes
37 Citação original: « le plus radical du névrosé, à savoir que le père ne soit que femme travestie ». In: André
S., (1984). “Christophe Haizmann, ou a dramaturgia de um Nom-du-Père”, Quarto, 17. p. 23.
38 Citação original: « comme une fille en manifestant la position féminine tendre envers le père ». In: Freud S.,
(1923b). “The ego and the id”, em Essays on Psychoanalysis, Paris, Payot, 1981.
39 Citação original: « s’il veut prendre la place du père, il sera châtré. S’il veut prendre la place de la mère, il
le sera aussi [...]. Ainsi, par rapport au phallus, le sujet est pris dans une alternative close qui ne lui laisse
aucune issue ». In: Lacan, J., (1959). Ornicar ? 1983, N. 26-27. p. 36
40 Citação original: « Moi, Christoph Haizmann, me constitue par cet écrit à ce Seigneur son fils inféodé de
corps pour neuf ans. En l’an 1669 ». In: Freud S., (1923c). “ Une névrose diabolique au XVIIème siècle”, in
L’inquiétante étrangeté et autres essais, Paris, Gallimard, 1985. p. 282.
64

demoníacas, às vezes místicas, retornam, levando-o a pedir um segundo exor-


cismo. Depois disso, Haizmann torna-se eremita de Notre-Dame antes de
entrar na ordem dos Irmãos da Caridade. Se, depois do exorcismo, as fantasias
da tentação se transformam em fantasias de ascese, isso será apenas à custa
de uma culpa intensa.
Para Freud, Haizmann sofre de um “luto patológico” (tradução nossa)41
que o leva a um impasse, uma impotência em dialetizar a ambivalência de
sua relação com o pai. Tal ambivalência aparece na própria forma em que
o diabo toma ao surgir: como um burguês que tenta seduzí-lo ou como um

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animal chifrudo e bifurcado, como marca de sua ferocidade. O diabo é um
“substituto direto do pai” (tradução nossa)42, uma tradução do ódio recalcado
ao pai, fixando Haizmann em uma posição de “eterno bebê” (tradução nossa)43.
O confronto com o pai no exorcismo parece assim ser um jogo de puro sem-
blante, enquanto o objetivo da armadilha que Haizmann monta é preservá-lo
da castração. O confronto com o pai no exorcismo é, no entanto, apenas uma
faceta da lógica do trabalho de identificação com o pai morto. Um confronto
que não leva à castração, mas que participa de sua elisão. Assim, a entrada
de Haizmann nas Ordens parece acima de tudo uma restauração do pai, sob
o manto; outra face, a da identificação ao nada.
A fantasia de gravidez que Freud induz a partir da temporalidade dos
pactos (9 anos) e do número de tentações sofridas (9), seria a encenação do
desejo de ter um filho do pai; uma fantasia recalcada, reativada com a morte
deste. Nos quadros pintados durante sua estadia na casa da irmã entre os dois
exorcismos, o diabo é representado com seios ou “com um pênis grande que
termina em uma cobra” (tradução nossa)44.
O falo não seria então uma invenção histérica? Para dizer sobre a sexua-
lidade, existe apenas o falo entendido como este significante com esta carga
particular; isto é garantido pela histeria masculina. Entretanto, do falo, não
surge nenhuma palavra, nada a dizer. Tal é a estratégia do sujeito, para silenciar
o outro, para passá-lo em silêncio, para reduzi-lo a este nada. Como podemos
não reconhecer também a Medusa nisto? Esta que esconde tanto quanto mostra
uma égide mortal para aquele que cruza seu olhar. Um motivo que combina
o confronto do feminino – como ausência – e as diferentes defesas que se
oferecem ao sujeito para suportar o que é insuportável. “O temor frente à
Medusa é o temor da castração, ligado a algo que se vê” (tradução nossa)45.

41 Citação original: « deuil pathologique ». Ibid, p. 303.


42 Citação original: « substitut direct du père ». Ibid, p. 286.
43 Citação original: « éternel nourrisson ». Ibid, p. 314.
44 Citação original: « avec un grand pénis qui se termine en serpent ». Ibid, p. 293.
45 Citação original: « L’effroi devant la Méduse est effroi de la castration, rattaché à quelque chose qu’on voit ».
In: Freud S., (1922). “The Head of Medusa”, in Results, Ideas, Problems II, Paris, PUF, 1985, p. 50.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 65

É uma imagem que desvia o sujeito do que seria insuportável, a ausência


mesmo de representação, substituindo-se por esta ausência que causa o horror.
Haizmann ilustra a recusa da posição feminina como “uma consequência
da rebelião diante da castração” (tradução nossa)46; uma recusa que encontra
“sua expressão mais forte na fantasia oposta que consiste em castrar o próprio
pai” (tradução nossa)47. Haizmann rejeita a posição feminina em “uma proje-
ção de sua própria feminilidade no substituto do pai” (tradução nossa)48. O pai
de Haizmann é uma “mulher travestida”, uma figura superegóica que exige
o gozo. Enquanto o ódio recalcado do pai encontra sua tradução no rebaixa-
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mento do mesmo ao diabo, mas de uma forma feminizada. Aqui novamente,


Haizmann encontra-se em um impasse; recusa a castração do lado feminino e
a implicação desta posição em relação ao pai. Ele coloca em ação este impasse
entregando-se à Santíssima Virgem, cedendo a seu desejo. Assim, o diabo
com as tetas mascara o horror do feminino ao mesmo tempo em que o porta,
fazendo existir ali, algo, onde de outra forma não haveria nada. No entanto,
o nada é também o objeto com o qual o histérico se identifica e a ele reduz o
outro. O diabo é o nada, um objeto vazio que porta consigo um impossível,
um nihil negativum (Kant).

Recusa ao feminino: a perdição como uma ética

Em seus Seminários VII e VIII, Lacan aborda novamente a questão da


recusa, tomando como apoio a tragédia, através de Antígona e Sygne de Coû-
fontaine. Na articulação da questão do feminino e do ato, efetua-se a passagem
da recusa do feminino para a recusa ao feminino. Lacan convoca então outro
termo de Freud, o Versagung, um conceito central do texto de 1912, “Tipos
de desencadeamento da neurose”49. Este termo foi traduzido do francês como
“frustração”, ao qual Lacan não cessou de se opor. Assim, vemos na única
ocorrência nos Escritos em “Situação da psicanálise e formação do psicanalista
em 1956” o termo Versagung articulado à renúncia.
No ano seguinte, em seu seminário “A relação de objeto”, Lacan sublinha:

Freud nunca fala de frustração. Ele fala da Versagung, que está muito mais
adequadamente inscrita na noção de denúncia, no sentido de que dizemos
denunciar um tratado, no qual se fala da retirada de um compromisso. Isto

46 Citação original: « conséquence de la rébellion face à la castration ». In: Freud S., (1923c) “Une névrose
diabolique au XVIIème siècle”, in L’inquiétante étrangeté et autres essais, Paris, Gallimard, 1985. p. 295.
47 Citação original: « son expression la plus forte dans le fantasme opposé qui consiste à castrer le père lui-
même ». Ibid, p. 295.
48 Citação original: « une projection de la féminité propre sur le substitut du père ». Ibid, p. 293.
49 Freud, S. (1912). “On the types of entry into neurosis”, em Neurosis, psychosis and perversion, Paris, PUF, 1973.
66

é tão verdade que se pode até mesmo, ocasionalmente, colocar a Versagung


no lado oposto, pois a palavra pode significar tanto promessa quanto a
quebra de promessa. (Lacan, 1956-1957 [tradução nossa])50.

Com a leitura da trilogia de P. Claudel, “O refém”, “O pão duro” e “O


pai humilhado”51, Lacan retorna à Versagung, mais uma vez, para questionar
o sacrifício de Sygne nesta tragédia moderna.
A história começa logo após a Revolução Francesa. Sygne, cujos pais
foram guilhotinados, é o último membro da família, que restou na propriedade.

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Junto com Georges, seu primo, Signe empreende a tarefa de reconstituir a
herança da família. Ambos comprometidos com Deus, “eles dão um ao outro
sua fé para perpetuar o nome, a raça e a terra de Coûfontaine” (tradução
nossa)52. Entretanto, Georges tem uma segunda missão, mais secreta: a de
esconder o papa para protegê-lo do poder opressor do imperador.
Neste momento da tragédia entra em cena o pior inimigo dos Coûfontai-
nes, Toussaint Turelure, o mesmo homem que mandou cortar as cabeças dos
pais de Sygne. Tendo descoberto o segredo de George, faz a Sygne uma pro-
posta repugnante: se ela concordar em se casar com ele, o papa será poupado.
A princípio Sygne recusa, até que Badilon, o padre com o qual a família se
confessa, convence-a a mudar de ideia. Sygne concorda com um casamento
para salvar o papa, esse pai humilhado, mesmo que essa união vá de encontro
a tudo o que ela é, tanto de seu amor, quanto de seus ideais. Ela concorda
em se casar com um homem que odeia, e trai o homem a quem havia jurado
uma promessa. Alguns anos depois, quando nasce a criança que esperava de
seu marido terrível, recebe uma segunda proposta: se o primo concordar em
abrir mão de todos os seus direitos a seu favor, e se ela aceitar que o nome de
Coûfontaine passe para este descendente miserável, ele assinaria a rendição de
Paris aos monarquistas. O acordo é firmado e o rei é devolvido ao seu reino.
A história de Sygne termina com uma briga entre Georges e Turelure,
na qual ela recebe a bala que lhe era destinada. Enquanto jaz em seu leito de
morte, o padre confessor, Badilon, lhe pede que perdoe seu marido. “Sygne,
morrendo, não diz uma palavra: ela simplesmente sinaliza sua rejeição de

50 Citação original: « Freud ne parle-t-il jamais de la frustration. Il parle de la Versagung, qui s’inscrit beaucoup
plus adéquatement dans la notion de dénonciation, au sens où on dit dénoncer un traité, où on parle du
retrait d’un engagement. Cela est si vrai que l’on peut même à l’occasion mettre la Versagung sur le versant
opposé car le mot peut vouloir dire à la fois promesse et rupture de la promesse ». In: Lacan, J. (1956-1957),
The Object Relationship, The Seminar, Livro IV, Paris, Seuil, 1994. 27/02/1957.
51 Claudel, p. (1911). “L’otage”, em L’otage seguido por Le pain dur e Le père humilié, Paris, Folio,
Gallimard, n. 170.
52 Citação original: « ils se donnent l’un à l’autre leur foi pour perpétuer et le nom et la race et la terre de
Coûfontaine ». In: Julien, P. (1995), L’étrange jouissance du prochain. Éthique et psychanalyse, Paris, Le
Seuil. p. 131.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 67

uma reconciliação final com seu marido por um tique nervoso, uma espécie
de tremor convulsivo que distorce seu belo rosto” (tradução nossa).53
Sygne morre, mas desta vez o padre não recebe nada. Ela recusa “a paz,
o abandono, a oferta de si mesma a Deus [...] Sygne não encontra, de forma
alguma, nada que a reconcilie com uma fatalidade [...] O sacrifício de Sygne
de Coûfontaine a leva apenas ao escárnio absoluto de seus fins” (tradução
nossa)54. Assim, onde na antiga tragédia, o herói estava assujeitado ao Deus
do destino, a Éris, na tragédia moderna se encontra presa ao fato de que “o
Deus do destino está morto” (tradução nossa)55.
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A ação de Antígona estava determinada por uma razão articulada antes de


seu nascimento, tinha um sentido, mesmo que pudesse lhe escapar. Para Sygne,
nenhum significado, nenhuma fatalidade, nenhuma determinação, nenhum
Deus, está na origem de sua ação. Se o divino não apresenta mais uma garantia,
o destino assume o nome do impossível, que se expressa como um “não existe”,
sendo o sujeito efeito de privação, uma falta no real. A recusa trágica chega a
ponto de a beleza beirar o grotesco: Sygne fica desfigurada pela careta que exibe
face ao real. E se num primeiro tempo Sygne consente em ceder a seu desejo
casando-se com Turelure, em um segundo tempo recusa, mudando assim de
posição subjetiva. A partir de então, não é mais a partir do simbólico que ela
sustenta seu ato, mas do real, demosntrando assim, ter dado um passo à frente.
Em seu livro, J.-J. Gorog retoma a análise do caso de Sygne tornando-o
a figura exemplar da posição feminina. Nesta tragédia moderna, de um mundo
à deriva, o pai de Signe como figura de exceção, o ao-menos-um que diz não
à função fálica, fica posto fora de jogo. O destino de Sygne não tem sentido.
Sem necessidade, tudo não passa de contingência, o encontro com um Real,
enquanto que ela vem para se alojar neste ponto vazio da estrutura. A careta
no rosto de Sygne, sua recusa, é a marca desta falha radical que está no cerne
do dito. Um furo em um sistema supostamente consistente.
A partir de então, onde Freud localiza o feminino sob o regime da incom-
pletude, na medida em que porta a falta em seu próprio corpo, Lacan situa do
lado de uma inconsistência, situando-o ao lado do Outro. A morte de Sygne
não é o “kallos thanatos”, a “bela morte” do herói grego que visa se inscre-
ver na eternidade através de seu nome. Ao contrário, a morte de Sygne é o
“kères”, uma morte que nos horroriza por pertencer a uma ordem radicalmente

53 Citação original: « Sygne, mourante, ne prononce pas un mot: elle signale simplement son rejet d’une ultime
réconciliation avec son mari par un tic nerveux, une sorte de saccade convulsive qui déforme son beau visage ».
In: Zizek, S. (1996). Ensaio sobre Esquemas. Le reste qui n’éclôt jamais, Paris, L’Harmattan. p. 157.
54 Citação original: « la paix, l’abandon, l’offrande de soi-même à Dieu […] Sygne ne peut trouver, par aucun
biais, quoi que ce soit qui la réconcilie avec une fatalité […] Le sacrifice de Sygne de Coûfontaine n’aboutit
qu’à la dérision absolue de ses fins ». In: Lacan, J. (1960-1961), Le transfert, Le Séminaire, Livre VIII, Paris,
Le Seuil, 1991. p. 325.
55 Citação original: « le Dieu du destin est mort ». Ibid, p. 355.
68

estrangeira, escapando de toda tentativa de simbolização, ponto de aniquilação


e inconsistência, lá onde não há mais palavra por dizer.
A careta de Sygne marca o encontro com o ponto de recobrimento, fora do
simbólico, do real pelo corpo, “verdadeiro furo” do gozo do Outro barrado. A
partir daí, se não há gozo do Outro do Outro, há um gozo da ausência do Outro
do Outro; um gozo que só tem consistência lógica porque o Outro é incompleto.
A careta torna-se máscara de horror, uma “resposta padrão” a “profunda Verwer-
fung da mulher, sua profunda rejeição enquanto ser” (tradução nossa)56; momento
de vacilação da fantasia que escancara o furo da nomeação. Uma vacilação da

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fantasia a ponto de cruzar a barreira do belo; lá onde o belo causa horror.
Com Sygne, a Versagung se torna “perdição”, traição do Outro. Sygne
ilustra então a posição de um sujeito que, através de sua recusa, leva a traição
do amor a ponto de aniquilação do pai. Sygne encontra o limite do fálico,
ao mesmo tempo em que um ocorre um desastre subjetivo. O mundo, para
sempre dilacerado, é definitivamente marcado pela possibilidade do mal, ou
seja, “o caráter radicalmente maligno que o homem tem com o homem, e
o que está no coração de seu destino, este ding” (tradução nossa)57 como a
paixão humana mais fundamental.
Das Ding, termo herdado de Freud, é retomado por Lacan para marcar a
lacuna no coração do simbólico, permitindo-lhe considerar a posição confli-
tuosa do homem em relação à sua satisfação; uma oposição que, em Freud, se
inscreve na diferença entre a libido do eu e a libido do objeto. Com Lacan, das
Ding se torna este Outro, um objeto pré-histórico, hostil, estrangeiro enquanto
que estranho. Abre-se assim uma via a dimensão que não é mais a do desejo da
mãe, concebido como o que pode ser dito no âmbito da castração, mas que se
refere a um “não pode ser dito” irredutível. Assim, na aflição, onde o homem
(em sua relação com sua própria morte) não espera ajuda de ninguém, ele se
aproxima deste campo de das Ding, lugar de abandono no qual “aquele em
vida pode preferir a morte” (tradução nossa).58

Conclusão

De que foram as bruxas culpadas? Reduzir a violência de que foram


vítimas a seus corpos femininos não nos parece suficiente para responder esta
questão, uma vez que nem todas as mulheres foram levadas à fogueira. Mais

56 Citação original: « réponse en défaut » à « la profonde Verwerfung de la femme, son profond rejet en tant qu’être ».
In: Lacan J., (1957-1958), Les formations de l’inconscient, Le Séminaire, livre V, Paris, Seuil, 1998. p. 350.
57 Citação original: « le caractère radicalement mauvais que l’homme entretient avec l’homme, et ce qui est
au cœur de son destin, cette Ding ». In: Lacan, J. (1959-1960). The Ethics of Psychoanalysis, The Seminar,
livro VII, Paris, Seuil, 1986. p. 116.
58 Citação original: « ce qui, dans la vie, peut préférer la mort ». In: Lacan J., (1957-1958), Les formations de
l’inconscient, Le Séminaire, livre V, Paris, Seuil, 1998. p. 124
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 69

que isso, foi o que pôde fazer enigma, além de seus corpos, que provocou a
ira dos Inquisidores.
Como sublinha A. Lebovits-Quenehen: “Aqueles que se sentem atordoa-
dos, esmagados, angustiados pelas mulheres, posto que sua relação com esta
Alteridade que os habita é às vezes palpável e os faz lembrar delas, aqueles
que se recusam a cair sob seu charme, muitas vezes as maltratam, começando
por difamá-las, por lhes dit-femme”, observa Lacan, brincando muito apropria-
damente com o equívoco59”. O corpo da mulher porta este ponto de absoluta
diferença que a torna ao mesmo tempo Outra para si mesma, e pode despertar
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o ódio e a inveja, ambos se tornando emblemas da recusa do feminino. Haiz-


mann revela-se um professor neste assunto. Sua recusa do feminino o conduz
do pai ao que ele tinha de pior, enquanto Sygne nos leva a outro ponto. Em
sua recusa como mulher, ela se torna uma mártir, sacrificada, em um mundo
de perdição; uma tragédia da modernidade, diria Lacan.
É a partir de sua estrutura opaca que o feminino pode ser pensado em
psicanálise. O feminino: é o enigma do sujeito, ali onde encontra a diferença
absoluta. No final do texto de 1937, “Análise terminável e interminável”,
Freud sublinha uma “recusa da feminilidade”60, para todos independente do
sexo. Entretanto, não se trata de considerar esta recusa no mesmo lugar para
os dois sexos.
A recusa do feminino concerne, portanto a homens e mulheres, alicer-
çada em uma clínica diferencial construída a partir da lógica do desejo. “Para
Freud, assim como para Lacan, o gênero feminino é antes um caminho para
o sujeito, um caminho fora do programa, sem nada a ver com a natureza e,
no final, pouco tem a ver com a cultura no sentido das normas de gênero,
mas sim com um encontro com um inassimilável”61. É a partir da Alteridade
absoluta que a ética da psicanálise se orienta, visando a singularidade de cada
sujeito. No decorrer do tratamento, se trata de encontrar essa Alteridade que
habita a cada sujeito, não mais para se defender dela, mas para fazê-la surgir
e saber fazer com ela (savor y faire avec).

59 Citação original: « Ceux que les femmes stupéfient, dépassent, angoissent, tant leur rapport à cette Altérité
qui les habite est parfois palpable et leur rappelle alors la leur, ceux donc qui se refusent à tomber sous leur
charme, les maltraitent souvent, en commençant par les diffamer, par les dit-femmer, note Lacan en jouant
très à propos sur l’équivoque». In: Lebovits-Quenehen A., (2020). “Actualité de la haine, une perspective
psychanalytique”, Paris, Navarin Éditeur. p. 121.
60 Citação original: « refus de la féminité ». In: Freud S., (1937) “L’analyse avec fin et l’analyse sans fin”, in
Résultats, idées, problèmes II, Paris, PUF, 1985. p. 266.
61 Citação original: « Pour Freud comme pour Lacan, le genre femme est plutôt un cheminement pour le sujet,
cheminement hors programme, ne devant rien à la nature, assez peu aussi, finalement, à la culture au sens
des normes de genre, mais relevant plutôt d’une rencontre avec un inassimilable ». In: C. Leguil, (2015).
Sobre o gênero das mulheres segundo Lacan, La sexualité féminine par-delà les normes, in Subversion
lacanienne des théories du genre, éditions Michèle, Paris. p. 65.
70

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REFUS DU FÉMININ /
REFUS AU FÉMININ:
De l’impasse freudienne à l’énigme lacanienne
Jean-Luc Gaspard
Mélinda Marx
Gabriella Dupim
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Introduction

En 1937, dans le texte Analyse avec fin et analyse sans fin, Freud fait du
refus du féminin, pour les deux sexes, un roc inanalysable. Il s’oppose aussi
à la position de Fliess sur la détermination du refoulement par la biologie
sexuelle. Bien plus, il fait de ce biologique une contingence : naître fille ou
naître garçon. Le roc du biologique est donc une mise en tension du corps
vivant et du sexuel, en tant que de l’un à l’autre apparaît une disjonction radi-
cale. Les différences psychiques entre les hommes et les femmes dépendent
des différences anatomiques qui orientent différemment leur évolution ; ce
qu’il résume dans l’aporie : « l’anatomie, c’est le destin »58.
L’inconscient ne connaîtrait donc ni le masculin, ni le féminin ; l’un et
l’autre ne prenant valeur que par rapport à un manque. Ce manque est, en
premier lieu, visible sur le corps dans la rencontre de l’autre. Ainsi, l’enfant
garçon, porteur du pénis, appréhendera le manque (de pénis) sur le corps
féminin. À l’inverse, l’enfant fille envisagera ce manque sur son propre corps,
de voir le pénis sur le corps masculin. Ce manque sur le corps, Freud le
nommera « phallus ». Pour autant, la question du féminin ne s’en trouve pas
réglée. En 1905, Freud note : « Il est indispensable de se rendre compte que
les concepts de « masculin » et de « féminin », dont le contenu paraît si peu
équivoque à l’opinion commune, font partie des notions les plus confuses du
domaine scientifique et comportent au moins trois orientations différentes. On
emploie les mots masculin et féminin tantôt au sens d’activité et de passivité,
tantôt au sens biologique, tantôt au sens sociologique. »62 Dans ce premier
temps d’élaboration, Freud va avant tout s’attacher à définir le masculin et
le féminin d’un point de vue libidinal. Au masculin, il attribuera l’activité
pulsionnelle, au féminin la passivité. Une conception sur laquelle il reviendra
dans son texte sur La Féminité de 1932, préférant parler d’activité à but passif.
Toutefois, là encore, il rappelle : « ce qui fait la masculinité ou la féminité
62 Freud S. (1905). Trois essais sur la théorie sexuelle, Paris, Gallimard, 1987 p. 161.
74

est un caractère inconnu, que l’anatomie ne peut saisir »63. Le masculin et le


féminin ne sont pas des attributs naturels de l’être humain et ce en dépit des
différences biologiques. L’inconscient est avant tout le lieu du refoulé.
Dans sa conférence qui fera polémique sur La Féminité, Freud use d’une
rhétorique qui frôle les stéréotypes. Rappelons que cette conférence s’adresse à
un public, majoritairement voir exclusivement masculin, de médecins et Freud
y répond par un style bien particulier dans la transmission de la psychanalyse.
Sa démonstration se déplie en trois temps :

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On estime que les femmes ont apporté peu de contributions aux décou-
vertes et aux inventions de l’histoire de la culture, mais peut-être ont-elles
quand même inventé une technique, celle du tressage et du tissage. S’il en
est ainsi, on serait tenté de deviner le motif inconscient de cette réalisation.
C’est la nature elle-même qui aurait fourni le modèle de cette imitation
en faisant pousser, au moment de la puberté, la toison pubienne qui cache
les organes génitaux64.

A ce premier temps, archaïque, emprunt de naturalisme, s’adjoint un


second temps, plus matérialiste :

Ce faisant, il nous faut prendre garde de ne pas sous-estimer l’influence


des organisations sociales qui acculent également la femme à des situations
passives. Tout cela est encore loin d’être tiré au clair. [...] La répression de
son agressivité, constitutionnellement prescrite et socialement imposée à
la femme, favorise le développement de fortes motions masochistes qui
parviennent à lier érotiquement les tendances destructrices tournées vers
le dedans [...]65.

Toutefois, Freud ne s’arrête pas là. A la dimension phylogénétique du


féminin et à celle déterminée par ses assignations culturelles (le Gender en
quelque sorte), Freud ajoute un troisième terme : « l’énigme de la femme »66
ou « le continent noir »67. Freud avoue ainsi son incapacité à définir le féminin,
au point d’en faire une impasse. « Mais on pourrait dire aussi qu’en témoi-
gnant de la façon dont il a rencontré la féminité comme un continent noir, il

63 Freud S., (1932). « XXXIIIe conférence: La Féminité », in Nouvelles conférences d’introduction à la


psychanalyse, Paris, Gallimard, 1984, p. 153.
64 Ibid., p. 177
65 Ibid., 178
66 Ibid., p. 176
67 Freud, S. (1926). La question de l analyse profane, Paris, Gallimard, 1985, p. 75. En référence à l’Afrique à
travers l’ouvrage de l’explorateur Stanley Through The dark continent.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 75

a déjà mis Lacan sur la voie de cette dimension de la féminité qui échappe
au symbolique. »68
Avec Lacan, le féminin sera élevé au rang d’énigme propre à toute struc-
ture. Qu’est-ce qu’une énigme ? Une énonciation, un mi-dire de la vérité, telle
la question que pose la Sphynge à quiconque veut entrer dans la cité de Thèbes,
et à laquelle Œdipe répondra pour son plus grand malheur. Rappelons que la
Sphynge, la chimère n’est ni homme, ni femme, ni humain, ni animal. Bien au
contraire, le monstre ailé opacifie, rend flou ce qui assure (« normalement »)
au sujet de savoir à quoi ou à qui il a affaire. Comment ne pas rappeler cette
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anecdote livrée par le psychanalyste italien A. di Ciaccia : « Il racontait qu’une


dame était venue lui demander une analyse ayant interrompu son analyse
précédente dont elle n’était pas satisfaite et lors des entretiens préliminaires
elle lui avait dit : « Je viens vous voir parce qu’au moins vous... vous êtes un
homme. » Et en caressant sa barbiche, Antonio Di Ciaccia lui avait répondu :
« Qu’est-ce que vous en savez ? »69
Comme le souligne M.H. Brousse, il y a une subversion inhérente au dis-
cours de l’analyste sur la question du féminin, tantôt taxé d’hétérodoxie, tantôt
d’orthodoxie. Quelque chose dérange à cet endroit. Doit-on entendre dans ce
« quelque chose » informulable qui avait fait dire à une patiente, à propos de
son père : « il a quelque chose de féminin ». Il ne s’agissait en aucun pour elle
de nier ou de méconnaître son statut masculin (porteur du pénis) comme sa
virilité. Elle le soulignera : « ce n’est pas qu’il est efféminé ». Ce n’est pas une
apparence, ou un comportement mais il porte ce « quelque chose de féminin ».
C’est par le refus que nous tenterons d’éclairer ce « quelque chose »,
non pour le réduire ou le rabattre dans une définition qui lui donnerait tout
son sens, mais bien pour en saisir la logique au regard des modes de jouis-
sance. Deux cas nous serviront d’appui : Le cas du peintre Haizmann que
Freud déplie en 1923 alors qu’il interroge l’autre Œdipe, et celui de Sygne
de Coûfontaine, personnage tragique de P. Claudel dont Lacan fera la lecture
dans son séminaire sur le Transfert.
Du refus du féminin au refus au féminin marque un changement : le refus
du féminin s’inscrit dans une problématique œdipienne, comme position du
sujet hystérique face à la castration. Le refus au féminin relève d’une réponse
du sujet à la demande de l’Autre, à partir de l’énigme.

68 Leguil, C., « Sur le genre des femmes selon Lacan, La sexualité féminine par-delà les normes », in Subversion
lacanienne des théories du genre, éditions Michèle, Paris, 2015. p. 67.
69 Propos rapporté par M.-H. Brousse, Conférence Qu’est-ce qu’une femme ?, 18 février 2000, Côte-des-neiges,
Le pont freudien (en ligne).
76

La « Querelle du phallus »

« Il n’y a qu’une seule libido qui est mise aussi bien au service de la
fonction sexuelle masculine aussi bien que féminine »70. Tel est le phallicisme
de Freud : non pas comme croyance en un seul organe mais comme recon-
naissance d’un trait unique, le phallus, symbole de la castration pour les deux
sexes. Un primat phallique qui exclut toute idée d’une « essence féminine »
et qui indique une universalité de la phase phallique. Or, cette position qui
s’affirme chez Freud s’avérera problématique, animant un débat au sein de

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la communauté analytique sur la question de la sexualité féminine jusqu’à la
fin des années 1930, sans pour autant trouver de résolution, mais qui aboutira
à l’éclatement de l’école freudienne et à l’essor des courants post-freudiens.
Deux tendances vont ainsi se dessiner : d’un côté, ceux qui, dans l’optique
de Freud, reconnaissent que l’organisation génitale infantile s’articule autour
du phallus (École viennoise) ; de l’autre, ceux pour lesquels il y a deux types
d’organisation libidinale, masculine et féminine (École anglaise).
Entre 1927 et 1935, Ernest Jones reprend la question de la sexualité
féminine, discute l’existence d’une phase phallique, et réduit la controverse
qui l’oppose à Freud par la formule71 : « En fin de compte, il s’agit de savoir
si une femme naît femme, ou si elle le devient »72. En 1935, dans sa confé-
rence Sexualité féminine primitive, Jones vise ainsi à mettre en évidence les
différences doctrinales entre l’École viennoise et l’École anglaise de psy-
chanalyse, poursuivant ainsi le débat engagé dans les années 20. Pour E.
Jones, il y a une féminité naturelle et originelle de la petite fille. Il vide ainsi
le contenu de l’œdipe freudien dans une tentative de conjoindre ce dernier
à la doctrine de Mélanie Klein. En effet, cette dernière, dans un mouvement
qui vise à renverser l’ordre phallique pour ériger un ordre maternel féminin,
va développer une théorie se fondant sur une prééminence du sein maternel,
dont la perte se révèle être un événement traumatique majeur. L’angoisse
primaire n’est pas l’angoisse de castration mais une angoisse de destruction.
C’est la frustration orale engendrée par le mauvais sein qui lui fait désirer
le pénis ; celui-ci se trouvant réduit à n’être qu’une version du mamelon du
sein. La petite fille veut dévorer le pénis qu’elle croit situé dans le corps de
la mère. La phase phallique apparaît dès lors comme une défense contre son
agressivité orale envers la mère et l’angoisse que cela provoque. Le stade

70 Freud S., (1932). « XXXIIIe conférence: La Féminité », in Nouvelles conférences d’introduction à la


psychanalyse, Paris, Gallimard, 1984, p. 176.
71 Formule que Jacques Lacan reprendra dans « Propos directifs pour un Congrès sur la sexualité féminine »,
in Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 725–736.
72 Jones E. et Stronck A. (1935). « Sexualité féminine primitive », in Théorie et pratique de la psychanalyse,
Paris, Payot, 1969, p. 452.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 77

phallique est une réaction de protection secondaire plutôt qu’un véritable


stade de développement. Pour Jones, la mère ne peut combler intégralement
la petite fille. Et c’est cette frustration orale qui provoque le premier désir du
pénis. La phase phallique de la fille est ainsi réduite à l’agression orale. E.
Jones en vient à reconnaître chez la fille une position phallique qui procède
d’une « attitude affective »73. Introduisant le terme d’aphanisis pour les deux
sexes, Jones cherche à dégager un universel qui permettrait de dépasser le
concept de castration. Au nom d’un ordre naturel, Jones refuse l’idée que la
distinction des sexes soit une question d’identification. La démarche de Jones
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vise bien plus à faire de l’identification un mode de conservation de l’objet.


À rabattre le phallus sur l’organe, E. Jones rate la dimension symbo-
lique sur laquelle Lacan s’appuiera dans les années 50, dans sa relecture de
Freud. De plus, il méconnaît la fonction structurante du manque d’objet auquel
introduit la castration. Dans le premier temps de son enseignement, Lacan va
en effet critiquer la conception de l’objet qui prévaut à l’époque au sein de
l’IPA, en y objectant alors qu’il n’y a pas de relation d’objet possible sans la
médiation du phallus. Cette orientation inédite va s’appuyer sur la théorie du
signifiant héritée de la linguistique structuraliste et permettre à Lacan de se
dégager des doctrines « obnubilées par la relation d’objet »74. Il rappelle que
« c’est la question du père, qui centre toute la recherche de Freud, toutes les
perspectives qu’il a introduites dans l’expérience subjective »75. Toutefois,
dans ce premier mouvement théorique, Lacan ne s’intéresse pas tant à définir
spécifiquement le féminin, qu’à inscrire en logique le complexe d’œdipe avec
l’écriture de la métaphore paternelle. L’objet phallique, clef de voûte de la
problématique œdipienne et de la castration, va ainsi être repris par Lacan
dans sa dimension symbolique, dans le rapport du sujet au langage. Dès
lors, le périple du désir va dessiner ce trajet par où le phallus passe du rang
d’objet imaginaire qui manque à la mère au statut de signifiant du manque,
symbole du désir. Le signifiant phallique devient le signifiant privilégié du
désir. Entre 1958 et 1960, plusieurs écrits de Lacan vont reprendre la question
du phallus et de la différence des sexes76. Dans son séminaire V, Lacan rap-
pelle le « fonction normative » du complexe d’œdipe pour tout sujet, « non
pas simplement dans la structure morale du sujet, ni dans ses rapport (avec

73 Ibid., p. 449
74 Lacan J., Les psychoses, Le Séminaire, livre III, Paris, Seuil, 1981, p. 361.
75 Ibid., p. 360
76 Les séminaires IV sur La relation d’objet, V sur Les formations de l’inconscient et VI sur Le désir et son
interprétation, entre lesquels s’intercalent deux textes : La signification du phallus et Propos directifs pour
un congrès sur la sexualité féminine. Ce dernier texte écrit en 1958 sera présenté à l’occasion d’un colloque
sur le thème de la sexualité féminine à Amsterdam en 1960.
78

la réalité), mais dans l’assomption de son propre sexe »77. Il ajoute que cette
assomption du sujet à son sexe « est le fait qu’un homme assume son type
viril, que la femme s’identifie à ses fonctions de femme. La virilisation et la
féminisation, voilà les deux termes qui sont essentiellement la fonction de l’
Œdipe »78. La résolution, au troisième temps, en passe par une identification
au père, en tant que celui qui a. Le sujet réalise alors un pacte symbolique,
un renoncement au phallus pour que le désir se pérennise ; destin d’un sujet
qui a consenti à la castration, sacrifiant une part de jouissance au nom du
père mort. Toutefois, la normalisation de l’Œdipe ne résorbe pas totalement

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la question du sexe et de la sexualité ; bien plus, elle la laisse en suspens,
« dans une certaine ambiguïté »79.
Il faudra attendre les années 70, pour que le féminin trouve à se spéci-
fier dans la théorie lacanienne, à partir de la question de la jouissance et en
prenant appui sur une clinique du Réel. Par ce changement de paradigme
radical dans son enseignement, Lacan va ainsi déplacer l’ensemble de sa
théorie jusque-là orientée par le désir et le signifiant phallique. Contre les
tenants d’un féminisme essentialiste, il introduit à la question de la sexuation
psychique, constituant dès lors à la fois un dépassement de la métaphore pater-
nelle, mais aussi un dépassement de la position de Freud, au-delà du roc de
la castration, sans pour autant réfuter le phallicisme de ce dernier. Autrement
dit, la logique du tout phallique n’épuise pas le féminin, sans pour autant
permettre une identité féminine qui n’en passerait pas par le père80. Dans le
texte « L’étourdit », Lacan fait une critique des femmes psychanalystes qui
ont glissé de l’inconscient à la « [...] voix du corps, comme si justement ce
n’était pas de l’inconscient que le corps prenait voix »81. Aveuglées par « le
voile de l’organe », celles-ci s’attacheraient à la répartition homme /femme,
et passeraient à côté du rapport du sujet au manque de signifiant et à ce qui
y supplée. Lacan affirme ainsi une position contre l’idée d’une essence de la
femme qui trouverait une base substantielle de la féminité dans un rapport
au corps de la mère. Bien plus, la sexuation dépend du signifiant phallique,
ainsi que de la position du sujet vis-à-vis de ce signifiant et, enfin, de l’accep-
tation ou du refus du signifiant. La sexuation est donc un choix, au-delà des
identifications imaginaires et symboliques, mais aussi au-delà de la sexualité
biologique. Dès lors, le sexe n’est pas une question d’anatomie, ni d’identifi-
cations ou de nomination ; le sexe est affaire de castration et la « sexuation »

77 Lacan J., (1957-1958), Les formations de l’inconscient, Le Séminaire, livre V, Paris, Seuil, 1998. p. 141.
78 Ibid., p. 141.
79 Ibid., p. 141.
80 Lacan déplie tout particulièrement la question de la sexualité féminine au travers de trois séminaires « D’un
discours qui ne serait pas du semblant », « Encore », « Ou pire ».
81 Lacan J., (1972). « L’étourdit », in Autres écrits, Paris, Seuil, 2001. p. 463.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 79

devient avant tout coupure entre les sexes, car relevant avant tout d’un statut
particulier de la jouissance pour le sujet. Avec ses formules de la sexuation,
Lacan extrait deux jouissances consubstantielles : la jouissance phallique en
tant que jouissance sexuelle se référant dans sa substance à une jouissance
Autre, qui en est le supplément. Ce supplément n’est pas complément, mais
vient comme un « en plus » de la jouissance phallique. Et si la jouissance
féminine est posée comme le supplément de la jouissance phallique, elle en
est, en même temps, son point de référence. Le complexe d’ Œdipe apparaît
dès lors articulé à une limite que le sujet peut rencontrer dans l’expérience
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du langage. La jouissance Autre est une jouissance qui passe par la parole et
sa logique, mais qui ne peut pas se dire, ni s’élaborer en un savoir. Ainsi, il
n’y a pas de transmission possible de la féminité. Chaque femme aura donc
à inventer sa propre solution pour y suppléer.

Devenir femme

En 1924, Karl Abraham écrit à Freud :

Je me suis pris à me demander récemment s’il n’y aurait pas déjà, au


moment de la prime enfance, une première éclosion vaginale de la
libido féminine, qui serait destinée au refoulement, et à laquelle suc-
céderait ensuite la prédominance du clitoris comme expression de la
phase phallique82.

Le complexe de castration chez la fille est un phénomène secondaire au


refoulement de la connaissance préalable du vagin. Cette sensation vaginale
précoce est alors interprétée comme une réaction au pénis du père, qui devient
ainsi le premier objet d’amour. Freud répond : il n’y a qu’un seul sexe dans le
rapport à la mère83. Il réaffirme ainsi l’existence d’une « activité phallique si
difficile à croire de la fille à l’égard de sa mère »84 et la rapporte à la période
d’attachement pré-œdipienne. Pour l’un et l’autre sexe, la mère est le premier
objet d’amour et tous (garçon et fille) traversent successivement les trois
phases de la sexualité infantile (orale, sadique-anale, phallique). Cependant
chez la fille, il se produit un processus particulier : un refoulement qui touche
à la sexualité. Là où pour le garçon, il y a une permanence de la mère à une
autre femme, la petite fille aura non seulement pour tâche de changer d’objet
d’amour (passant de la mère au père) mais aussi de changer de sexe, la faisant

82 Abraham K., « Lettre à Freud du 3/12/1924 », in Œuvres Complètes, T.II, Payot, 1966.
83 Freud s’appuie ici des études de Jeanne Lampl-de Groot in Souffrance et jouissance, Paris, Aubier, 1983.
84 Freud S., (1932). « XXXIIIe conférence: La Féminité », in Nouvelles conférences d’introduction à la
psychanalyse, Paris, Gallimard, 1984, p. 175.
80

passer d’une satisfaction clitoridienne à une satisfaction vaginale. Dans ses


premiers développements, le complexe d’œdipe est conçu sous une forme
positive, c’est-à-dire en tant que désir sexuel du petit garçon pour la mère
et le désir meurtrier pour le père rival, et inversement pour la petite fille.
A partir des années 1920, Freud met en évidence, en deçà de l’amour de la
petite fille pour le père, un amour plus fondamental pour la mère. Le com-
plexe de castration apparaît comme secondaire : « La fille traverse une phase
de complexe « négatif » qui consiste à écarter son père pour avoir sa mère
avant d’entrer dans la phase positive, et faire de son ennemi son bien-aimé ».

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Ainsi, jusqu’à la phase phallique, « la petite fille est un petit homme »85. Par
conséquent, s’il y a une position préalable commune au garçon et à la fille
par rapport à la mère, la question n’est dès lors pas de savoir ce qu’est une
femme, mais bien plus, comment le devenir. Reprenant la question de la
séduction, Freud affirme que c’est la mère, séductrice, qui éveille l’enfant à
la sexualité par les soins corporels qu’elle lui procure. Toutefois, s’il insiste
sur la relation de l’enfant à la mère, et plus particulièrement dans la sexualité
féminine, celle-ci reste cependant inaccessible à l’analyse, d’appartenir à un
temps pré-œdipien, « une ombre à peine capable de revivre, comme s’il avait
été soumis à un refoulement particulièrement inexorable »86. Il y a ainsi une
impossibilité pour Freud à rendre compte de la mère, sauf à en passer par le
père, quand en même temps c’est sur la mère que s’édifie la relation au père.
Dans la dimension historique, la mère séductrice est antérieure au père, tandis
que dans la dimension préhistorique, c’est le père en tant que mort qui est à
l’origine. La nature du Trauma se déplace ainsi de la séduction par le père à
son meurtre ; et le père recouvre sa place primordiale dans la logique freu-
dienne. La position de Freud quant à l’Œdipe, telle qu’elle s’élabore à partir
de 1923, conduit dès lors à cet énoncé paradoxal : c’est dans l’identification
au père que la petite fille peut « devenir femme ».
La reconnaissance de la castration de la mère a pour conséquence, pour
les deux sexes, un détachement de l’enfant ainsi qu’une dévalorisation du
féminin. Pour le petit garçon, l’aspiration à la virilité apparaît en conformité
avec le moi, tandis que la position passive, féminine, en tant qu’elle implique
le manque phallique, est refoulée. Pour la fille, le premier objet d’amour est
aussi la mère, et là encore, l’aspiration à la virilité paraît en accord avec le moi.
Mais, pour la fille, c’est du refoulement de cette phase phallique que dépen-
dront les destins de la féminité, tandis que, pour le garçon, c’est la position
passive féminine qui est refoulée. Le garçon sort du complexe d’ Œdipe par
l’angoisse de castration, tandis que la fille, sous l’emprise du Penisneid, se

85 Ibid., p. 158
86 Ibid., p. 158
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 81

détache de la mère pour se rapprocher du père, entrant par là dans le complexe


d’Œdipe. Chez le garçon, il y a une surestimation du pénis qui pourrait venir
à manquer. Pour la fille, en revanche, elle comprend qu’elle n’aura jamais ce
sexe. La fille se sentant « gravement lésée, déclare souvent qu’elle voudrait
«aussi avoir quelque chose comme ça» et succombe à l’envie du pénis qui
laisse des traces indélébiles dans son développement et la formation de son
caractère et qui, même dans le cas le plus favorable, n’est pas surmontée sans
une lourde dépense psychique »87. Le sort de l’Œdipe est dès lors logiquement
lié au Penisneid qui devient le noyau de la sexualité féminine. Freud distingue
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trois destins de l’ Œdipe – la névrose, le complexe de masculinité, la féminité


« normale ». Ainsi se voit rompue la symétrie posée entre les sexes dans le
complexe d’Œdipe, tandis que le « facteur spécifique »88 de la différenciation
réside désormais dans la modalisation du complexe de castration. Entre 1925
et 1932, Freud dégage ainsi un double enracinement de la sexualité féminine
dans la haine pour la mère d’une part, dans un amour second pour le père,
vers lequel elle transfère sa demande. La fille quitte sa mère « sous le signe
de l’hostilité »89 : changement d’objet par lequel la fille se détourne de la mère
au profit du père et indique un troisième temps de la phase phallique dans la
sexualité féminine. Freud conjugue cette hostilité à une privation réelle (telle
que l’interdiction de l’onanisme) entraînant une frustration, qui s’exprime dans
un fantasme imaginaire (par exemple dans le reproche de ne pas avoir reçu
suffisamment de lait). La position d’hostilité des filles envers leur mère n’est
donc pas une conséquence de la rivalité du complexe d’ Œdipe mais provient
de la phase antérieure, pré-oedipienne. Si pour le garçon, c’est la menace de
castration qui entraîne la dissolution du complexe d’Œdipe, qui trouvera dès
lors un relais dans l’édification du surmoi ; pour la fille, au contraire, c’est la
castration qui contraint à la situation œdipienne. La castration étant reconnue
comme fait accompli dès le départ, la transformation du complexe d’Œdipe,
qui amène à la création du surmoi par l’intériorisation de l’instance paternelle,
s’avère beaucoup plus problématique pour la fille. Freud en déduit la persis-
tance du complexe d’ Œdipe chez la fille, d’où la persistance de l’hostilité
à l’égard de la mère, celle-ci ressurgissant à l’occasion sur l’époux dans le
couple : « C’est dans la mesure où une femme fait une identification à son père,
qu’elle fait à son mari tous les griefs qu’elle avait fait à sa mère »90. En 1972,
Lacan introduit le terme de « ravage »91 pour qualifier ce que Freud soulignait

87 Ibid., p. 167
88 Ibid., p. 166
89 C’est sur ce point que Freud note une insuffisance de l’étude de Jeanne Lampl de Groot, in La vie sexuelle,
Paris, PUF, 1969, p. 153.
90 Lacan J., (1957-1958), Les formations de l’inconscient, Le Séminaire, livre V, Paris, Seuil, 1998. p. 304
91 Lacan J., (1972). « L’étourdit », in Autres écrits, Paris, Seuil, 2001.
82

dans la relation de la mère à la fille. Pour celui-ci l’accès à la féminité ne peut


se faire qu’au prix de ne pas être toute captive du désir de la mère et de la
jouissance auto-érotique qu’elle emporte avec elle. Par ailleurs, il souligne une
« irréalisation » de la position paternelle du fait que la menace de castration
portée par le père est inopérante sur la position féminine toujours déjà châtrée,
plaçant ainsi le père en position d’idéal. Le Penisneid laisse ainsi apparaître
sa structure de recouvrement. L’objet d’amour masque une béance au cœur
de l’être, le manque qui l’a fait advenir comme sujet.

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Le refus du féminin : du père au pire

Le refus du féminin s’inscrit dans la clinique freudienne. Or, c’est avant


tout dans le tableau de ce qu’il nomme l’hystérie masculine que Freud dégage
ce mode de réponse particulier à la castration, dans ce qu’il désigne comme
« l’autre Œdipe » dont Haizmann et Dostoïevski se font les cas paradigma-
tiques. Dans un texte intitulé « Une névrose diabolique au 17ème siècle92, Freud
présente le cas du peintre Christophe Haizmann. Ce texte est contemporain de
modifications majeures dans sa théorie, notamment par le passage d’un primat
du génital à un primat du phallus et de la première à la seconde topique.
Dans l’analyse de ce cas, Freud s’intéresse tout particulièrement à la
nature et au rôle des différents fantasmes : fantasme de grossesse, fantasme
du pacte avec le diable, pour dégager le fantasme « le plus radical du névrosé,
à savoir que le père ne soit que femme travestie »93. Le cas Haizmann articulé
comme « l’autre Œdipe » apparaît comme un Œdipe inversé marqué par la
féminisation du fils dans sa relation au père, par où Freud en vient à distin-
guer l’hystérie masculine par une intensité surdéterminée de la haine pour le
père, en même temps qu’il se comporte « comme une fille en manifestant la
position féminine tendre envers le père »94. Il se dégage donc, pour le garçon,
deux modes possibles du complexe d’ Œdipe : affronter le père ou le prendre
comme objet d’amour ; tous deux conduisant inéluctablement à la castration.
Réinterrogeant cette « fonction de l’œdipe inversé » dans son séminaire Le
désir et son interprétation, Lacan soulignera : « s’il veut prendre la place du
père, il sera châtré. S’il veut prendre la place de la mère, il le sera aussi [...].
Ainsi, par rapport au phallus, le sujet est pris dans une alternative close qui
ne lui laisse aucune issue »95, entre l’impossible et le rien.

92 Freud S., (1923c)) « Une névrose diabolique au XVIIème siècle », in L’inquiétante étrangeté et autres essais,
Paris, Gallimard, 1985. pp. 267–315.
93 André S., (1984). « Christophe Haizmann, ou la dramaturgie d’un Nom-du-Père », Quarto, 17. p. 23
94 Freud S., (1923b). « Le moi et le ça », in Essais de psychanalyse, Paris, Payot, 1981.
95 Lacan, J., (1959). Ornicar ?, 1983, N°26-27. p. 36
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 83

Rappelons quelques éléments de ce cas : En 1678, le peintre Christoph


Haizmann, en proie à la mélancolie depuis le décès de son père, est pris d’une
violente attaque de convulsions au cours d’une messe dominicale. Devant le
juge, il avouera avoir signé, neuf ans auparavant, deux pactes avec le diable
– l’un à l’encre, l’autre de son sang. C’est au moment où le pacte arrive à
échéance (environ un mois avant) que survient le symptôme qui conduit
Haizmann à demander un premier exorcisme.
« Moi, Christoph Haizmann, me constitue par cet écrit à ce Seigneur
son fils inféodé de corps pour neuf ans. En l’an 1669 »96. Soulignons, la
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forme étrange que prend ce pacte. En effet, la castration s’inscrit dans une
structure d’échange où ce qui est gagné est une perte supplémentaire, tandis
que le sujet devient objet d’échange, inscrit dans le réseau symbolique. Au
contraire, dans le cas d’Haizmann, le sujet s’engage dans le pacte sans aucune
contre-partie, s’y inscrivant avant tout comme objet livré à la jouissance du
père. Autrement dit, là où Faust accuse d’un dédain ce que le diable pourrait
lui offrir, Haizmann ne demande rien. C’est bien qu’ici le diable n’est qu’un
homme de paille, le fou du roi.
L’exorcisme est affrontement contre le père, dont Haizmann sort victorieux
en même temps que la mélancolie laisse sa place à une période d’exaltation.
Toutefois, ce ne sera que pour une courte durée. Bientôt, les convulsions et les
visions tantôt diaboliques, tantôt mystiques, reviendront conduisant Haizmann
à demander un second exorcisme. A la suite de quoi, Haizmann deviendra
ermite de Notre-Dame avant d’entrer dans l’ordre des Frères de la charité. Si,
à la sortie de son exorcisme, les fantasmes de tentations sont transformés en
fantasme d’ascèse, ce ne sera toutefois qu’au prix d’une intense culpabilité.
Pour Freud, Haizmann souffre d’un « deuil pathologique »97 qui le conduit
à une impasse, une impuissance à dialectiser l’ambivalence de sa relation
au père. Une ambivalence qui apparaît dans la forme même qu’emprunte le
diable pour lui apparaître : comme bourgeois pour le séduire ou animal cornu
et fourchu pour en marquer la férocité. Le diable est un « substitut direct
du père »98, traduction de la haine refoulée du père, fixant Haizmann à une
position d’« éternel nourrisson »99. L’affrontement du père dans l’exorcisme
apparaît ainsi comme un jeu de pur semblant, tandis que l’enjeu du piège que
met en place Haizmann vise à le préserver de la castration. L’affrontement du
père dans l’exorcisme n’est toutefois qu’une face de la logique à l’œuvre, celle
de l’identification au père mort. Un affrontement qui ne conduit toutefois pas

96 Freud S., (1923c). « Une névrose diabolique au XVIIème siècle », in L’inquiétante étrangeté et autres essais,
Paris, Gallimard, 1985. p. 282
97 Ibid., p. 303
98 Ibid., p. 286
99 Ibid., p. 314
84

à la castration, mais participe bien plus de son élision. Ainsi, l’entrée dans les
ordres d’Haizmann semble avant tout comme une restauration du Père, sous
la robe ; autre face, celle de l’identification au rien.
Le fantasme de grossesse que Freud induit à partir de la temporalité des
pactes (9 ans) et du nombre de tentations subies (9), est la mise en scène du
souhait d’avoir un enfant du père ; un fantasme refoulé, réactivé à la mort du
père. Dans ses tableaux peints lors de son séjour chez sa sœur entre les deux
exorcismes, le diable est représenté pourvu de seins ou « avec un grand pénis
qui se termine en serpent »100. Le phallus, n’est-ce pas là une invention de

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l’hystérique ? Pour dire la sexualité, il n’y a que le phallus compris comme ce
signifiant ayant cette charge particulière ; ce que garantit l’hystérie masculine.
Toutefois, il n’en ressort, du phallus, aucune parole, un rien dire. Telle est la
stratégie du sujet, pour faire taire l’autre, le passer sous silence, de le réduire
à ce rien. Comment ne pas aussi y reconnaître Méduse ? Celle qui cache
autant qu’elle ne montre, égide mortelle pour celui qui croise son regard. Un
motif qui conjoint la confrontation du féminin – en tant qu’absence – et les
différentes défenses qui s’offrent au sujet pour supporter ce qu’il y a d’in-
soutenable. « L’effroi devant la Méduse est effroi de la castration, rattaché à
quelque chose qu’on voit »101. C’est une image qui détourne le sujet de ce qui
serait insupportable, l’absence même de représentation, se substituant à cette
absence qui cause l’horreur. Haizmann illustre le refus de la position féminine
comme « conséquence de la rébellion face à la castration »102 ; un refus qui
trouve « son expression la plus forte dans le fantasme opposé qui consiste
à castrer le père lui-même »103. Haizmann récuse la position féminine dans
« une projection de la féminité propre sur le substitut du père »104. Le père
d’Haizmann est « femme travestie », figure surmoïque qui exige la jouissance.
Et la haine du père refoulée trouvera sa traduction dans le ravalement du père
au diable sous une forme féminisée. Là encore, Haizmann est dans l’impasse
; il refuse la castration du côté féminin et l’implication de cette position à
l’endroit du père. Impasse qu’il mettra en acte en s’en remettant à la Sainte
Vierge, cédant ainsi sur son désir. Ainsi, le diable à mamelles masque l’horreur
du féminin en même temps qu’il le porte pour faire ex-sister quelque chose là
où sinon il n’y aurait rien. Or, le rien, c’est aussi l’objet auquel l’hystérique
s’identifie à y réduire l’autre. Le diable est rien, objet vide qui emporte avec
lui un impossible, un nihil negativum (Kant).

100 Ibid., p. 293.


101 Freud S., (1922). « La tête de Méduse », in Résultats, idées, problèmes II, Paris, PUF, 1985, p. 50.
102 Freud S., (1923c)) « Une névrose diabolique au XVIIème siècle », in L’inquiétante étrangeté et autres essais,
Paris, Gallimard, 1985. p. 295.
103 Ibid., p. 295.
104 Ibid., p. 293.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 85

Le refus au féminin : la perdition comme éthique

Dans ses séminaires VII et VIII, Lacan va reprendre la question du refus


en prenant appui sur la tragédie, avec Antigone et Sygne de Coûfontaine. Dans
l’articulation de la question du féminin et de l’acte, il effectue un passage du
refus du féminin au refus au féminin. Lacan va dès lors convoquer un autre
terme de Freud, la « Versagung », concept central du texte de 1912, « Sur
les types d’entrée dans la névrose »105. Un terme qui sera traduit en français
par « frustration », ce à quoi Lacan ne cessera pas de s’opposer. Déjà dans
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« Situation de la psychanalyse en 1956 », seule occurrence dans les Écrits, il


articule la Versagung au renoncement. L’année suivante dans son séminaire
sur La relation d’objet, il souligne : « Freud ne parle-t-il jamais de la frustra-
tion. Il parle de la Versagung, qui s’inscrit beaucoup plus adéquatement dans
la notion de dénonciation, au sens où on dit dénoncer un traité, où on parle
du retrait d’un engagement. Cela est si vrai que l’on peut même à l’occasion
mettre la Versagung sur le versant opposé car le mot peut vouloir dire à la fois
promesse et rupture de la promesse »106. Avec la lecture de la trilogie de P.
Claudel, L’otage, Le pain dur et Le père humilié107, Lacan y revient, encore,
pour interroger le sacrifice de Sygne dans cette tragédie moderne.
L’histoire commence peu après la Révolution française. Sygne, dont
les parents ont été guillotinés, est le dernier membre de la famille, restée sur
un domaine qu’elle veut reconstituer avec Georges, son cousin. Tous deux
engagés devant Dieu, « ils se donnent l’un à l’autre leur foi pour perpétuer
et le nom et la race et la terre de Coûfontaine »108. Cependant, Georges a une
seconde mission, plus secrète : celle de cacher le pape pour le soustraire au
pouvoir oppresseur de l’empereur. C’est là qu’entre en scène le pire ennemi
des Coûfontaine, Toussaint Turelure, celui-là même qui a fait couper la tête
des parents de Sygne. Ayant découvert le secret de Georges, il fait cette pro-
position immonde à Sygne : si elle accepte de l’épouser, il épargnera le pape.
Sygne refuse, jusqu’à ce que Badilon, le prêtre confesseur de la famille,
la fasse changer d’avis. Sygne accepte un mariage pour sauver le pape, ce
père humilié, alors même que cette union va à l’encontre de tout ce qu’elle
est, de son amour comme de ses idéaux. Elle accepte d’épouser un homme
qu’elle exècre et elle trahit celui avec qui elle s’était engagée par la promesse.
Quelques années plus tard, alors que l’enfant qu’elle a eu avec son hideux mari

105 Freud, S. (1912). « Sur les types d’entrée dans la névrose », in Névrose, psychose et perversion, Paris,
PUF, 1973.
106 Lacan, J. (1956-1957), La relation d’objet, Le Séminaire, livre IV, Paris, Seuil, 1994. 27/02/1957
107 Claudel, P. (1911). « L’otage », in L’otage suivi de Le pain dur et Le père humilié, Paris, Folio, Gallimard,
n. 170.
108 Julien, P. (1995), L’étrange jouissance du prochain. Éthique et psychanalyse, Paris, Le Seuil. p. 131.
86

naît, il lui fait une seconde proposition : si son cousin accepte d’abandonner
tous ses droits en sa faveur, et si elle accepte que le nom de Coûfontaine passe
à cette descendance mésalliée, il signera, quant à lui, la reddition de Paris aux
mains des royalistes. Le marché est conclu et est rendu au roi son royaume.
L’histoire de Sygne s’achève sur un combat entre Georges et Turelure dont
elle prendra la balle qui lui était destiné. Et tandis qu’elle est étendue sur son
lit de mort, son confesseur Badilon lui demande de pardonner à son mari.
« Sygne, mourante, ne prononce pas un mot : elle signale simplement son
rejet d’une ultime réconciliation avec son mari par un tic nerveux, une sorte

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de saccade convulsive qui déforme son beau visage »109. Sygne meurt, mais
cette fois le curé n’obtiendra rien. Elle refuse « la paix, l’abandon, l’offrande
de soi-même à Dieu [...] Sygne ne peut trouver, par aucun biais, quoi que ce
soit qui la réconcilie avec une fatalité [...] Le sacrifice de Sygne de Coûfontaine
n’aboutit qu’à la dérision absolue de ses fins »110. Ainsi, là où dans la tragédie
antique, le héros était assujetti au Dieu du destin, à l’Até, le tragique moderne
se trouve au prise avec le fait que « le Dieu du destin est mort »111. L’action
d’Antigone était déterminée par une raison articulée avant sa naissance, elle
avait un sens, même si celui-ci pouvait lui échapper. Pour Sygne, aucun sens,
aucune fatalité, aucune détermination, aucun Dieu, n’est à l’origine de son
action. Si le divin ne fait plus garantie, le destin prend le nom d’impossible,
qui s’exprime comme un « il n’y a pas », soit le sujet en tant qu’effet de la
privation, manque dans le réel. Le refus tragique devient point où la beauté
rencontre le grotesque : Sygne est défigurée par la grimace qu’elle affiche face
au réel. Et si dans un premier temps, Sygne consent à céder sur son désir en
épousant Turelure, dans un second temps, elle refuse, et par là même change
de position subjective. Dès lors, ce n’est plus du symbolique qu’elle soutient
son acte mais du Réel. Sygne fait un pas de sens.
Dans son livre J.-J. Gorog reprend l’analyse du cas de Sygne pour en
faire la figure exemplaire de la position féminine. En effet, pour Sygne le père
comme figure d’exception, l’au-moins-un qui dit non à la fonction phallique,
est mis hors jeu dans cette tragédie moderne d’un monde à la dérive. Le destin
de Sygne n’a pas de sens. Sans nécessité tout n’est plus que contingence, ren-
contre d’un Réel, tandis qu’elle vient se loger à ce point vide de la structure. La
grimace de Sygne, son refus, est la marque de cette faille radicale au cœur du
dire. Un trou dans un système supposé consistant. Dès lors, là où Freud plaçait
le féminin sous le régime de l’incomplétude, en ce qu’il porte le manque en
son corps même, pour Lacan il sera situé du côté d’une inconsistance, à situer

109 Zizek, S. (1996). Essai sur Schelling. Le reste qui n’éclôt jamais, Paris, L’Harmattan. p. 157
110 Lacan, J. (1960-1961), Le transfert, Le Séminaire, Livre VIII, Paris, Le Seuil, 1991. p. 325
111 Ibid., p. 355
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 87

du côté de l’Autre. La mort de Sygne n’est pas le « kallos thanatos », la « belle


mort » du héros grec visant à s’inscrire dans l’éternité par son nom. Bien plus,
la mort de Sygne relève du « kères », de cette mort qui fait horreur d’appartenir
à un ordre radicalement étranger, échappant à toute tentative de symbolisation,
point de néantisation et d’inconsistance, là où il n’y a plus de mot pour le dire.
La grimace de Sygne marque la rencontre au point de recouvrement, hors sym-
bolique, du réel par le corps, « vrai trou » de la jouissance de l’Autre barré. Dès
lors, s’il n’y a pas de jouissance de l’Autre de l’Autre, il y a une jouissance de
l’absence de l’Autre de l’Autre ; une jouissance qui n’a de consistance logique
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que parce que l’Autre est incomplet. La grimace devient masque de l’horreur,
« réponse en défaut » à « la profonde Verwerfung de la femme, son profond
rejet en tant qu’être »112 ; moment de vacillement du fantasme dans le trou béant
de la nomination. Un vacillement du fantasme au point de franchissement de
la barrière du beau ; là où le beau fait horreur.
Avec Sygne, la Versagung devient « perdition », trahison de l’Autre.
Sygne illustrera dès lors la position d’un sujet qui, par son refus, porte la tra-
hison de l’amour jusqu’à l’anéantissement du père. Sygne rencontre la limite
du phallique, en même temps que s’accomplit un désastre subjectif. Le monde
à jamais déchiré, est marqué définitivement par la possibilité du mal. Or, « le
caractère radicalement mauvais que l’homme entretient avec l’homme, et ce
qui est au cœur de son destin, cette ding »113 comme passion humaine la plus
fondamentale. Das Ding, terme hérité de Freud, est repris pas Lacan pour
marquer la béance au cœur du symbolique, lui permettant de rendre compte
de la position conflictuelle de l’homme quant à sa satisfaction ; opposition
qui, chez Freud, s’inscrit dans la différence entre une libido du moi et une
libido d’objet. Avec Lacan, das Ding devient cet Autre, objet préhistorique,
hostile, étranger autant qu’étrange. Il ouvre par là à une dimension qui n’est
plus celle du désir de la mère conçu comme ce qui peut se dire dans le cadre
de la castration, mais à celle qui renvoie à un « ne peut pas se dire » irréduc-
tible. Ainsi, dans la détresse où l’homme (dans son rapport à sa propre mort)
n’a à attendre d’aide de personne s‘approche de ce champ de Das Ding, lieu
d’abandon où « ce qui, dans la vie, peut préférer la mort »114.

Conclusion

De quoi les sorcières étaient-elles coupables ? Réduire la violence dont


elles ont été victimes à leur corps féminin ne suffit pas à y répondre : pas

112 Lacan J., (1957-1958), Les formations de l’inconscient, Le Séminaire, livre V, Paris, Seuil, 1998. p. 350
113 Lacan, J. (1959-1960). L’éthique de la psychanalyse, Le Séminaire, livre VII, Paris, Seuil, 1986. p. 116
114 Lacan J., (1957-1958), Les formations de l’inconscient, Le Séminaire, livre V, Paris, Seuil, 1998. p. 124
88

toutes les femmes seront conduites au bûcher. Bien plus, c’est ce qui a pu
faire énigme, au-delà de leur corps, qui déchaîna l’Inquisiteur.
Comme le souligne A. Lebovits-Quenehen :

Ceux que les femmes stupéfient, dépassent, angoissent, tant leur rapport
à cette Altérité qui les habite est parfois palpable et leur rappelle alors la
leur, ceux donc qui se refusent à tomber sous leur charme, les maltraitent
souvent, en commençant par les diffamer, par les dit-femmer, note Lacan
en jouant très à propos sur l’équivoque.115

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Le corps de la femme porte ce point de différence absolue qui la rend à
la fois Autre à elle-même, et en même temps peut susciter la haine comme
l’envie, tout deux devenant les emblèmes du refus du féminin. Haizmann est
enseignant à cet endroit. Son refus du féminin le conduit du père à ce qu’il
y a de pire. Sygne nous amène à un autre point. Dans son refus de femme,
elle devient martyre, sacrifiée, dans un monde en perdition ; tragédie de la
modernité nous dira Lacan.
C’est à partir de sa structure opaque que le féminin peut se penser en
psychanalyse. Le féminin : c’est l’énigme du sujet, là où il rencontre la diffé-
rence absolue. A la fin du texte de 1937, « L’analyse avec fin et l’analyse sans
fin », Freud souligne un « refus de la féminité »116, et ce, pour les deux sexes.
Il ne s’agit toutefois pas d’envisager ce refus à la même place pour les deux
sexes. Le refus du féminin concerne donc les hommes et les femmes, avec
cependant une clinique différentielle construite à partir de la logique du désir.
« Pour Freud comme pour Lacan, le genre femme est plutôt un cheminement
pour le sujet, cheminement hors programme, ne devant rien à la nature, assez
peu aussi, finalement, à la culture au sens des normes de genre, mais relevant
plutôt d’une rencontre avec un inassimilable »117 C’est du point d’Altérité
absolue que l’éthique de la psychanalyse s’oriente, pour viser la singularité
de chaque sujet. Dans le trajet de la cure, il s’agira dès lors de rencontrer
cette Altérité qui habite en chaque sujet, non plus pour s’en défendre mais y
advenir et savoir y faire avec.

115 Lebovits-Quenehen A., (2020). « Actualité de la haine, une perspective psychanalytique », Paris, Navarin
Éditeur. p. 121
116 Freud S., (1937) « L’analyse avec fin et l’analyse sans fin », in Résultats, idées, problèmes II, Paris, PUF,
1985. p. 266
117 C. Leguil, (2015). Sur le genre des femmes selon Lacan, La sexualité féminine par-delà les normes, in
Subversion lacanienne des théories du genre, éditions Michèle, Paris. p. 65
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 89

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SOBRE A FANTASIA
“NÓS MATAMOS UMA MULHER”
Marie-José Grihom

Sem sermos acusados de ideologia, podemos considerar que levou sécu-


los para deixar claro que a violência especificamente de gênero é exercida
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em todo o mundo e que as sociedades ocidentais não são imunes a formas de


dominação e poder de um gênero sobre o outro. As mentalidades têm sido
abaladas pelas revelações de estudos internacionais e mais particularmente
pelos dados da pesquisa nacional Enveff em 2000, mas há muita resistência
em integrar esta realidade, tanto em nível social quanto individual, particu-
larmente entre as próprias mulheres vítimas118.
Além da evidente atualidade desta violência e sua frequência, temos
o dever ético de entender por que ela é perpetrada principalmente contra as
mulheres. O assassinato de mulheres – seja organizado e planejado sob a forma
de genocídio, como no México, ou se ocorre no contexto do relacionamento de
um casal – levanta questões específicas que o termo “feminicídio” condensa
em parte. Todos estes ataques à vida devem ser considerados como crimes de
gênero, baseados em teorias de gênero em particular, ou devemos distinguir as
condições deste crime de acordo com o contexto político, cultural, religioso,
social e psicológico? Sem dúvida, uma articulação dos diferentes registros
envolvidos permitiria dar conta de uma realidade que, embora sórdida, não
é menos humana e evitar adotar uma leitura excessivamente apaixonada do
gênero e de seu impacto sobre os temas. De fato, em nossos países europeus,
estamos lidando com fenômenos de grupo ou individuais. Uma das formas
possíveis de entender certos assassinatos cometidos fora do perímetro familiar
que têm feito manchetes desde o século XIX, como o caso Pranzini119 ou o
crime das irmãs Papin120, seria articular as dimensões sociais ligadas ao gênero
com as dimensões psíquicas e, portanto, impulsivas que levam ao crime. Isto
é especialmente verdadeiro no nível do grupo familiar onde o crime mais
importante é cometido. Então, é um crime de gênero ou um crime vilão, um
crime de amor machista ou de perversão, um crime de violência comum entre

118 Grihom Marie-José, “Por que o silêncio? Violence sexuelle et lien de couple”, Dialogue, 208, 2015, pp. 71-84;
Grihom Marie-José, “Être à soi-même sa propre fin ou être un maillon : femme victime en déroute subjective
dans ses liens”, Dialogue, 204, 2014, pp. 49-61.
119 Chauvaud Frédéric, O caso Pranzini: aventureiro, Don Juan... e assassino de mulheres? Paris, Georg Editeur,
2018, 232 pp.
120 Lacan Jacques, “Motifs du crime paranoïaque – Le crime des soeurs Papin”, in De la psychose paranoïaque
dans ses rapports avec la réalité suivi de Premiers écrits sur la paranoïa, Paris, Seuil, 1975, p. 25-37.
92

homens e mulheres ou de ciúmes delirantes? Como sair das únicas alternati-


vas? Desenvolveremos aqui algumas pistas de compreensão e esclareceremos
os aspectos teóricos que marcam esta problemática metapsicológica através
de uma vinheta clínica desenvolvida a partir da pesquisa121.

O gênero é um nó?
Algumas teses antropológicas nos permitem concordar com a idéia de
assassinato com base no gênero. Assim, na perspectiva antropológica de Fran-

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çoise Héritier122, a valência diferencial dos sexos resulta de um desejo dos
homens de controlar a reprodução das mulheres.

Para reproduzir de forma idêntica, o homem é obrigado a atravessar o


corpo de uma mulher. Ele não pode fazer isso sozinho. É esta incapacidade
que estabelece o destino da humanidade. Esta injustiça e este mistério
estão na origem de tudo o mais, o que aconteceu de forma semelhante
em grupos humanos desde a origem da humanidade e que chamamos de
dominação masculina. (p. 26)123

As pesquisas atuais confirmam isso124. O aparecimento de crises san-


grentas dentro de casais ocorre regularmente no momento em que a mulher
reivindica sua autonomia ou125a aproveita fugindo da lei estabelecida por seu
marido. Se as razões dadas pelo parceiro violento são culturais ou religiosas (a
mulher não trabalha fora de casa) ou emocionais (a mulher não deixa o marido,
os filhos não lhe pertencem), o que está em jogo é a apropriação do corpo da
mulher e sua liberdade social. Outra descoberta científica mostra como estas
representações de gênero com dominação masculina são internalizadas em
algumas mulheres, particularmente de origem estrangeira, a ponto de dificil-
mente se questionar a violência. A subjetivação no sentido de Michel Foucault

121 Co-diretor científico do projeto de pesquisa “Corpos da mulher e violência conjugal”. Abordagens psicológi-
cas, históricas, jurídicas e sociológicas”, financiado pela Maison Interuniversitaire des Sciences de l’Homme
Alsace, dirigida por Claire Metz. As mulheres vítimas de violência foram encontradas através de uma rede
associativa sobre violência de gênero. Foi-lhes oferecida uma entrevista semi-diretiva com um psicólogo
clínico. As entrevistas foram submetidas a uma análise textual e clínica.
122 Héritier Françoise, Masculin-Fémininin, tomo II : Dissoudre la hiérarchie, Paris, Odile Jacob, 2012, 443 p.
123 Héritier Françoise, op. cit., p. 26.
124 Metz Claire, Chevalerias Marie-Pierre e Thevenot Anne, “Les violences dans le couple au risque d’en
mourir, paroles de femmes”, Annales Médico-psychologiques, 2017, pp. 692-697; Atani Torasso Louise, “’’As
mulheres nascem para sofrer’’ no contexto da circuncisão feminina: um legado de humilhação e vergonha
a ser elaborado”, Dialogue, 208, 2, 2015/2, pp. 45-56.
125 Romito Palmira, “Les violences conjugales post-séparation et le devenir des femmes et des enfants”, La revue
internationale de l’éducation familiale, 2011, 1, n. 29, 87 a 105; Hamel Christelle, “Violences et rapports de
genre. Contexto e consequências da violência sofrida por mulheres e homens”, pesquisa VIRAGE, Documento
de trabalho 212, INED, 2014.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 93

está em jogo tanto para homens quanto para mulheres nestes casos126, que são
representativos da normalização sócio-religioso-política do assunto em um
contexto de fortes diferenças de gênero. Alguns dos testemunhos recolhidos no
estudo citado das mulheres de cultura europeia também são impressionantes:
“A violência doméstica e os conflitos conjugais são a mesma coisa” ou “No
início, achei normal porque era meu marido” ou, finalmente, em resposta à
pergunta da psicóloga: “Ah perigo? Ele não tinha uma faca, então não!”.
Além do conflito de gênero que temos delineado, estamos lidando com
questões sexuais. Devemos considerar que o “sexual”, como uma realidade
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psíquica, determina a sexualidade e suas práticas no casal. O assassinato cor-


responderia então à solução violenta de um conflito relacionado à diferença
entre os sexos. Há, em indivíduos de ambos os sexos, tendências masculi-
nas e femininas que podem ficar inconscientes através da repressão. O casal
masculino/feminino127, que realmente designa a diferença dos sexos, aparece
apenas no momento da genitalização, na puberdade. As etapas anteriores a
esta elaboração final da bissexualidade ocorrem, segundo Freud, em apoio
a dois outros casais com diferentes impulsos e polaridades fantasmáticas: o
ativo/passivo e o fálico/chastened. O primeiro corresponde ao período anal
e caracteriza a posição em relação ao acionamento. O sujeito adota às vezes
uma posição ativa, visando o objeto de sua unidade (a outra pessoa em par-
ticular), às vezes uma posição passiva, satisfazendo sua unidade através do
intermediário da outra. O segundo casal: fálico/chastened representa, por sua
vez, a oposição fantasmática ligada à fase fálica e sua ansiedade de castração.
É importante insistir em um ponto: o casal masculino/feminino como
organizador psíquico da sexuação não é confundido com a norma social ligada
ao gênero sob os auspícios da dominação masculina. Entretanto, os dois tipos
de conflito de que estamos falando: conflito de gênero e conflito por diferença
de sexo não parecem funcionar em paralelo ou limitar-se a uma simples opo-
sição. Na perspectiva psicanalítica, o gênero designa, para um determinado
assunto, um estado psíquico: sentir-se homem ou mulher. Pode ser em ade-
quação ou não com o que a identidade atributiva (e o sexo biológico) carrega.
Mas é também em relativa adequação com o que a sociedade transmite e
impõe como expectativas relacionadas ao homem ou à mulher, através das
categorias lingüísticas (homem, mulher) e das representações imaginárias
(sociais, históricas, míticas) que ela implanta e impõe.

126 Metz Claire e Razon Laure, “Les violences conjugales”. Bilan des dispositifs et propositions d’amélioration”,
Relatório para a Missão de Recherche Droit et Justice, 2016. Disponível no site da Missão.
127 Ver a este respeito Freud Sigmund, Three Essays on Sexual Theory, Paris, PUF, 2012, 3. ed; “L’organisation
génitale infantile”, 1923, La vie sexuelle, Paris, PUF, pp. 113-116; Pulsions et destins des impulsions, 1915,
em OCFP, vol. XIV, Paris, PUF, 2000; “Les théories sexuelles infantiles”, La vie sexuelle, 1908, Paris, PUF,
ed. 1977, p. 14-27; “La disparition du complexe d’eudipe”, 1923, La vie sexuelle, Paris, PUF, 1977, p. 117-122;
“Quelques conséquences psychiques de la différence anatomique entre les sexes” (Algumas consequências
psíquicas da diferença anatômica entre os sexos), 1925, La vie sexuelle, Paris, PUF, 1977, p. 123-132.
94

Uma forma de articular os níveis em questão seria assumir uma distinção


feita sobre a paternidade por Didier Houzel128, que está bastante próxima das
dimensões da filiação, como pensamos a partir de Jean Guyotat129 e Piera
Aulagnier130, uma vez que se trata aqui tanto de questões de identidade quanto
de questões subjetivas. Nesta perspectiva, as lógicas de gênero podem ser
de três tipos para um determinado assunto: a primeira estabelece as condi-
ções para o exercício de sua identidade de gênero (os direitos de homens e
mulheres); a segunda consiste na experiência da bissexualidade psíquica e,
em particular : a constituição ou não do casal masculino/feminino (gênero

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na psicanálise), a história infantil, a das identificações com o masculino e o
feminino e a do desejo; finalmente, a terceira diz respeito às práticas de gênero
baseadas em modelos sociais, por um lado, e modelos psíquicos, por outro:
papéis, atitudes ligadas aos costumes em uso em uma determinada cultura, a
função de família, social, transmissão esportiva, etc.. Por hipótese, estes três
níveis estão interligados e articulados de forma dinâmica para produzir com-
portamentos de gênero, antes de tudo discursos de gênero: o que os homens
dizem sobre as mulheres, o que as mulheres dizem sobre os homens, etc., cuja
função é criar uma lacuna (uma valência) entre os gêneros e entre os sexos.
As representações de gênero, como elas podem ser atualizadas para um
determinado sujeito através de seus comportamentos – dos mais banais aos
mais excepcionais – resultariam da tensão entre esses três planos. Podemos
pensar que a experiência de sentir-se homem ou mulher é decisiva131 – na
medida em que se baseia em fantasias – quanto a como adotar um papel
masculino ou feminino (Jacques Lacan sublinha isto de outra forma com seu
esquema de sexuação: cada um dos dois gêneros pode assim fazer “a” mulher
ou “o” homem). Os processos são necessários para permitir um senso de iden-
tidade de gênero no melhor dos casos: normalização no sentido de Foucault
e a subjetivação do impulso no sentido freudiano. Por enquanto, colocamos
a hipótese de que a violência feminicida está enraizada no nó formado pelas
lógicas mencionadas132 sob o duplo efeito destes processos de normalização
e subjetivação. Se a fantasia do assassinato for nosso destino comum, como
veremos, alguns desses nós e suas falhas devido às condições de exercício
ou à experiência psíquica do sexual em relação à história do sujeito seriam

128 Houzel Didier, “ Les dimensions de la parentalité “, Journal de la Psychanalyse de l’enfant, 21, 1997, p.
164-190.
129 Guyotat Jean, Filiation et puerpéralité. Logiques du lien, Paris, Masson, 1993, 159 p.
130 Aulagnier Piera, La violence de l’interprétation, Paris, PUF, 1975, ed. 1991, 363 p. ; Aulagnier Piera, L’apprenti
historien et le maître sorcier, Paris, PUF, 1984, 276 p.
131 Observemos que este sentimento se baseia em parte na repressão das identificações do Édipo negativo e,
portanto, em uma má compreensão da bissexualidade psíquica e da divisão psíquica.
132 O exercício no nível simbólico, a experiência no nível psíquico e inconsciente, a prática do gênero no nível
consciente-preconsciente.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 95

susceptíveis de levar à morte de um ou outro dos personagens da tragédia ou


drama, seja o casal heterossexual ou homossexual.

Retorno sobre a fantasia

De uma perspectiva psicanalítica, se existe uma formação psíquica que


nos permite pensar na lógica social do gênero em sua articulação com a lógica
subjetiva da diferença de gênero, é a fantasia. Desde Freud, tem sido o meio
pelo qual a sexualidade funciona. Portanto, será uma questão de questionar a
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possível existência e funções de uma fantasia que seria formulada da seguinte


forma: “Uma mulher é morta ou uma mulher é morta”. A questão teórica
subjacente é saber se no inconsciente dos homens assim como das mulheres,
e isto de forma trans-estrutural, certos cenários fantasmáticos, originais ou
não, estão subjacentes ao assassinato de mulheres como mulheres (represen-
tativas do feminino), mas também encontraram os comportamentos de colocar
as vítimas em perigo vital. De fato, se algumas dessas mulheres estão bem
conscientes do perigo que correm e têm um telefone de perigo, por exemplo,
outras estão numa espécie de negação do desejo de morte que é dirigido a elas.
Não há necessidade de nos lembrar que a maioria dos crimes são per-
petrados na família sobre adultos e crianças, nem que o Édipo forma uma
versão mitológica exemplar dos assassinatos familiares: parricídio, infanti-
cídio, incesto, fratricídio. O desejo está enraizado na fantasia destes crimes,
que os meios de comunicação hoje nos agradam. Neste contexto, não vamos
passar pelos mitos fundadores do assassinato de mulheres, mas simplesmente
observar que entre as mulheres que são mortas encontramos a esposa, a mãe, a
irmã, a amante, a rival, a menina, a criança recém-nascida, mas sublinharemos
o risco de uma diluição do complexo de Édipo com Jacques André.

“O complexo de Édipo é a noção mais perdida, a mais desviada da psi-


canálise freudiana”. É bem diferente se entendermos com Freud, ou com
Sófocles e Diderot, o dito complexo como um cadinho de violência, o
de desejos incestuosos e assassinos que nunca deixam de encontrar sua
realização. O desejo de dormir com a mãe e matar o pai nunca estrutu-
rou ninguém133.

O autor então insiste no trio infernal do complexo de Édipo antes que ele
se desfaça (um verdadeiro fim do mundo) sob a ameaça de castração e a neces-
sidade de repressão e leve à triangulação. De uma ausência de diferenças (dos
sexos e das gerações), o sujeito passará à obrigação de lidar com a diferença.

133 André Jacques, “La fin du monde”, Revue française de psychanalyse, 76, 5 2012, pp. 1523-1528.
96

O “fim do mundo” dos impulsos que ele experimentará “está além do que
precede, a tirania do superego traz o traço dele, tanto que a intransigência de
suas injunções vai muito além do que a possível severidade dos pais foi134”.
A partir de então, a violência dos desejos assassinos, visando o pai para o
menino, e a mãe para a menina, adotará o caminho da fantasia para retornar.
A fantasia evoca imediatamente uma visão interna, uma apresentação
pictórica e uma cena (falamos de um cenário imaginário) que permite a passa-
gem entre dois sistemas psíquicos (consciente, pré-consciente e inconsciente).
“A fantasia pode de fato ser vivida e verbalizada ao ar livre e em plena luz do

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dia, mesmo que suas fontes permaneçam escondidas, o que marca a cláusula
de sigilo que Freud expressa da maneira mais incisiva: confessar-se-ia mais
facilmente os crimes do que as fantasias (Freud, 1908)”, observa Paul-Laurent
Assoun135. É formulado como uma narrativa com um sujeito – uma ação – um
objeto (um ou mais personagens principais) com uma variedade de frases
(Uma criança é espancada, por exemplo) ou posições subjetivas dependendo
do caso (ativo/passivo em particular). Sua narratividade intrínseca faz dela o
motor de qualquer narrativa: literária, autobiográfica, enquanto a representa-
ção da ação136 que ela constitui faz dela o motor da atuação no campo sexual
entendida em um sentido muito amplo. Consequentemente, é por excelência
a produção específica do tema como suporte de um possível conhecimento
sobre si mesmo. Em qualquer caso, a fantasia representa uma transgressão,
mesmo que para o “sujeito da fantasia” ela permaneça velada, e proporciona
um verdadeiro bônus de prazer auto-erótico (hedonista ou masoquista) quer
o tema seja sexual ou não137.
É o prazer do corpo do ponto de vista econômico porque é essencial
lembrar com Paul-Laurent Assoun: “O que está por trás da fantasia é o corpo-
-sujeito em sua dimensão pulsional e, abaixo dele, em sua dimensão excitacio-
nal138. Sendo o impulso repetitivo por causa do retorno sempiternal à primeira
satisfação de acordo com o princípio do prazer, o estado de amor proporciona a
notável oportunidade de “ser um com o próprio corpo”, segundo o autor – em
outras palavras, fazer coincidir o objeto da fantasia e o objeto real até que se

134 André Jacques, op. cit.


135 Assoun Paul-Laurent, “O corpo inconsciente da fantasia”. La scénographie corporelle”, Revue française de
psychosomatique, 50, 2 2016, pp. 133-150.
136 Grihom Marie-José, “Clinique de l’acte”, in Senon J.-L. et al, Psychiatrie légale et criminologie clinique, Paris,
Masson, 2013, p. 229-237; Grihom Marie-José, Guillaud Aurélie, “Subjectivation et actualisation pulsionnelle
: clinique de l’acte”, in Trichet Y. e Hamon R. (eds.), Psicanálise e criminologia hoje. Repères conceptuels,
éthiques et cliniques, Rennes, PUR, p. 283-292.
137 “O sexual não é apenas o conteúdo da fantasia, mas a fonte da atividade fantasmática”. Esta polarização
está ligada ao fato de que o sexual é o próprio lugar de atração e do incognoscível, através do qual o sujeito
encena e age sua divisão em relação ao conteúdo do reprimido. “Assoun Paul-Laurent, op. cit.
138 Assoun Paul-Laurent, op. cit.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 97

fundam. Este não seria precisamente um dos desafios do assassinato da mulher


pelo outro do casal (homem ou mulher), especialmente porque a fantasia é o
“lugar de vetorização do masculino e do feminino139”? O que isso significa?
Que no amor ou na relação amorosa, inevitavelmente, a bissexualidade de
cada pessoa é mobilizada, o que esbate a “categoria” ou o gênero social dentro
do vínculo. A fantasia então culmina em sua função bissexual, feminizando o
masculino e masculinizando o feminino: “a fantasia só funciona para trazer
o masculino e o feminino para o jogo”. É um lugar de passagem adequado.
“Definitivamente, ele joga dos dois lados140”. É de fato neste ponto de passa-
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gem e de embaçamento do masculino e do feminino que nossa reflexão deve


se basear para conceber como a fantasia “mata-se uma mulher” pode ser
concretizada em um ato assassino. Vamos avançar considerando as fantasias
originais com sua própria violência sexual e depois a recusa do feminino.

Uma criança é espancada

Uma das fantasias mais audíveis e regulares na clínica das mulheres


vítimas de violência doméstica141 é a de serem espancadas (pelo pai). Além
disso, a violência vivida na infância, bem como o confronto com a violência
do casal parental, são frequentemente encontrados nas pesquisas sobre esta
questão, bem como em nossa prática clínica. Ser espancado ou ver alguém
sendo espancado tem sido uma realidade... A formulação “Uma mulher é
morta / uma mulher é morta” que estamos pensando apenas analogamente à
formulação freudiana da voz da fantasia: “Uma criança é espancada / uma
criança é espancada”? Recordemos o que está em jogo neste último a nível
psíquico. “A confissão desta fantasia surge apenas por hesitar com uma resis-
tência que emana da vergonha e da consciência de culpa” escreve Freud em seu
artigo142. A confissão da violência autoerótica contida na fantasia é delicada,
como insiste Paul-Laurent Assoun143. A datação desta fantasia é antecipada,
segundo Freud, antes do sexto ano, mas parece que ela está lá desde o início,
que é uma fantasia original nesta cena de flagelação.
Como a fantasia original é, em nossa opinião, sempre a representação
de um elo intersubjetivo no sentido de René Kaës, ou seja, entre dois sujeitos

139 Assoun Paul-Laurent, Leçons psychanalytiques sur Masculin et Fémininin, Paris, Poche Psychanalyse,
coleção Anthropos, 2010, p. 63.
140 Assoun Paul-Laurent, op. cit.
141 Grihom Marie-José, Grollier Michel, “Introduction” Femmes victimes de violences conjugales. Une approche
clinique, Rennes, PUR, 2013, p. 7-11.
142 Freud Sigmund, Uma Criança é Derrotada, 1919. Contribution à la connaissance de la genèse des perversions
sexuelles, in OCFP, vol. XV, Paris, PUF, 1995.
143 Assoun Paul-Laurent, op. cit., p. 59. Donard Véronique, “Sacrificando a Mãe”, Topique, 117(4) 2011, p.
131-142.
98

do inconsciente, tanto a fantasia de “uma criança é espancada” quanto a da


cena primitiva pode ser considerada como um dos principais agentes de vio-
lência entre os cônjuges, tanto para o perpetrador quanto para a vítima – pelo
menos esta é a hipótese que propomos. De fato, Piera Aulagnier sublinhou o
paradoxo que obriga o sujeito a se estruturar com base nos únicos dados de
uma cena de destruição. Sophie de Mijolla-Mellor144 mostra que a fantasia que
sustenta o ato criminoso é a da cena primitiva, que é então interpretada como
uma cena de assassinato que pode se tornar real, desde que os telescópios de
fantasia com uma realidade envolvente violenta. Sabemos que a constituição

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da cena primitiva é o cadinho de todas as identificações edipais e também o
meio de se libertar da mãe arcaica (aquilo que a Esfinge, nem homem nem
mulher, nem humano nem animal, apresenta). A versão de Melanie Klein dos
pais combinados diz muito sobre sua função na liberação da diferenciação de
seres e sexos. Afirmar isto é insistir na dimensão incestuosa do cenário com
o pai em “Uma Criança é Espancada”, mas também na relação incestuosa e
matricida na fantasia da cena primitiva.
Teríamos então que pensar que a constelação de fantasias originais que
determinará em parte o destino do masculino e do feminino para um sujeito,
notadamente sua possibilidade de acessá-las, responde às questões de origem
(cena primitiva), de sexuação (castração, sedução, penetração, fustiga etc.), de
vida e morte em primeiro lugar com base em associações inconscientes e de uma
indiferenciação de ímpeto entre Eros e Thanatos? Alguns crimes em psicose,
semelhantes aos das irmãs Papin, mostram isso. Véronique Donard145 nos dá
um exemplo notável de contaminação, em nosso sentido, dos aviões dos vivos
e dos mortos através do assassinato de uma mulher idosa. “A busca do assassino
está ligada à questão da origem, uma busca fundamental de toda criança, mas
que, para o criminoso, se concentra nos corpos de suas vítimas, como se suas
entranhas tivessem a resposta, e em sua passagem da vida para a morte.” Dois
pontos de vista podem então emergir: um privilegiaria a origem da fantasia.
Talvez devêssemos assim conceber que a fantasia original da cena primitiva
cumpre uma função importante na promulgação do crime no casal porque a
violência conhecida, a do real dos pais, congelaria então esta cena – geralmente
chamada a ser a organizadora da diferença dos sexos e das gerações e isto em
ambos os sexos. O gozo do corpo que estaria associado a ele, o da destruição
de uma mulher mãe jouissante, seria exatamente o que a proibição do incesto,
por um lado, e a recusa do feminino em ambos os sexos, por outro, responderia.
A outra perspectiva, que neste quadro só pode ser evocada, integraria a
intersubjetividade com a pulsação edipiana na “configuração edipiana146”, ou
144 De Mijolla-Mellor Sophie, ‘A fantasia da mãe cruel’, Cliniques méditerranéennes, 88, 2013, pp. 123-129.
145 Donard Véronique, “Sacrificando a mãe”, Topique, 117, 4, 2011, p. 131-142.
146 Faimberg Haydée, “Le mythe d’eudipe revisité”, em Kaës R. (dir.), Transmission de la vie psychique entre
les générations, Paris, Dunod, 1993, p. 150-169.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 99

seja, a forma como o pai recebe a pulsação de seu filho147, a interpretação que
ele dá do feminino e a que o sujeito produz a partir da resposta inconsciente
de seu pai. A vinheta clínica esclarecerá o peso da dimensão intersubjetiva na
relação com o feminino.

A recusa do feminino

Que os homens têm medo do feminino, atesta o trabalho de Freud. Dois


dos terrores que geram a recusa do feminino são magnificamente representados
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por Charybdis e Scylla na Odyssey. Dois seres aterradores: um é um monstro


feminino cuja boca é tão enorme e voraz que engole tudo ao seu redor, cau-
sando um gigantesco redemoinho o tempo todo. Pode-se ver a representação
de uma vagina gigante que se engolfou. O outro é aquele em que você cai se
conseguir evitar Charybdis. Esta antiga ninfa foi transformada em um monstro
hediondo cujo corpo é superado por seis cabeças de cachorro assustadoras
que devoram suas presas. A recusa do feminino ou da feminilidade não é uma
formação imaginária; é melhor falar de uma posição subjetiva diante do risco
de castração que o sexo feminino e suas representações engendram. Esta exclu-
são, esta rejeição do feminino, produz na menina um desejo por um pênis e no
menino uma rebelião contra a passividade assimilada à castração. Na opinião
de Paul-Laurent Assoun: “Seria errado ouvir que nem homens nem mulheres
gostam de feminilidade, mas que o que é designado como “feminilidade” é a
intimidade excluída que designa o inconsciente como este vaivém dialético
ou incessante entre “masculino” e “feminino148”.
Serge Lesourd introduz uma outra dimensão ao retornar aos ancestrais de
Édipo e ao destino de terem participado de um festival Dionisíaco reservado
às mulheres.

Foi por ter visto um deles que Pentheus, bisavô de Jocasta, foi devorado
por suas tias (Ino e Autonoia), sua mãe (Agave) e seu pai (Athamas)
levados à loucura por Hera. Polydoros, bisavô de Édipo, também deveria
ter morrido da mesma forma e pela mesma causa. A linhagem de Tebas
de ambos os lados é atingida por esta morte devido a um conhecimento
do prazer feminino, um ver-isso149.

Trata-se portanto de um incesto realizado e de ver o gozo de uma mulher


na mãe – algo do qual a cultura deve se defender, rejeitando essa mistura

147 Penot Bernard, La passion du sujet freudien, Toulouse, Érès, 2001, 184 p.
148 Assoun Paul-Laurent, Leçons psychanalytiques sur Masculin et Fémininin, Paris, Poche Psychanalyse,
coleção Anthropos, 2010, p. 91.
149 Lesourd Serge, “Le genre serait une névrose”, Cliniques méditerranéennes, 92, 2, 2015, p. 149-160.
100

e os símbolos de acampamento (como a Virgem Maria) que supostamente


reprimem ou clivamam o gozo feminino e a mãe.

Trata-se de separar radicalmente esta origem da sexualidade de qualquer


sujeito, os cuidados maternais e a excitação necessária que ela traz consigo,
do sexual da mulher como sujeito de um gozo, inclusive neste mesmo
cuidado do infante [...] A separação entre o gozo feminino e o gozo da
mãe está inscrita pela primeira vez na tradição judaico-cristã, construindo
a vergonha do sexual, especialmente do feminino.150

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Aqui encontramos a figura da sedução maternal – ou sedução genera-
lizada no sentido de Jean Laplanche151. Sophie de Mijolla Mellor152 apre-
senta a “fantasia da mãe cruel” entre os perpetradores de violência sexual e
assassinato, que ela caracteriza como a “fantasia de uma mãe vampira cruel
e sedutora ou arcaica mãe canibal153”. Qual figura, então, está envolvida na
fantasia do assassinato da mulher: a mãe e a arcaica materna ou a mulher
sedutora? Se a verdadeira mulher para Lacan é Medeia que pode sacrificar
seus filhos por ciúmes e amor rancoroso, então do ponto de vista da criança
é uma mãe que está envolvida, mas esta mãe também é uma mulher. Matar
a primeira sedutora é matar a mulher-mãe dos primeiros momentos da vida
psíquica154. Quando a criança não foi capaz de fazer um corte dentro do gozo
proporcionado pela mulher na mãe, seria para a própria divisão de seu gozo
que ele não teria sucesso de acordo com Serge Lesourd. Estudos sobre os
perpetradores de violência sexual – frequentemente associados a assassinatos
– apontam regularmente para uma forma de emaranhamento entre essas duas
representações da mãe e da mulher. Ao contrário dos desejos de morte relacio-
nados ao pai, é de fato o incesto materno e o matricídio que são encontrados
em vários crimes. E quanto ao lado da mulher para ir além da única leitura
intrapsíquica e dar sua parte à intersubjetividade, às alianças inconscientes e
às fantasias em jogo no casal155?

Dinâmica da ligação e questões inconscientes


Christelle, 37 anos de idade, foi encontrada em um lar adotivo na pre-
sença de seu filho jovem. Ela teve dois casamentos anteriores e deu à luz a

150 Lesourd Serge, op. cit.


151 Laplanche Jean, Entre séduction et inspiration : l’homme, Paris, PUF, 1999, 352 p.
152 De Mijolla-Mellor Sophie, “Le fantasme de la mère cruelle”, op. cit.
153 De Mijolla-Mellor Sophie, op. cit.
154 De Mijolla-Mellor Sophie, ‘Violência em Nome da Mãe’, Topique, 143, 2, 2018, pp. 7-16.
155 Grihom Marie-José, “Masculin et fémininin dans le couple, approche psychanalytique”, em Bodiou L.
Cacouault-Bitaud M. e Gaussot L. (eds.), Le Genre entre transmission et transgression, Rennes, PUR,
2013, p. 37-47.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 101

vários filhos, todos os quais, segundo ela, foram colocados sob os cuidados
de seu pai após a violência. Ela mesma fala com pouco entusiasmo das “coi-
sas” que experimentou na época. Ela então estabeleceu um relacionamento
com outro homem, o pai de seu filho, a quem ela eventualmente deixou por
causa dos golpes e ferimentos que ele recebeu. Quando criança, ela mesma
foi exposta à violência doméstica de seus pais: “Eu também vi a violência
de meu pai para com minha mãe”. Tendo sido privada de seu pai de 7 a 14
anos, aparentemente por causa dos obstáculos colocados pela mãe, ela não
quer que seus filhos passem pela mesma história...
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Em seu relacionamento, ela se queixa de ter sido tratada como um “nin-


guém” com insultos, decepção aberta e denigração. Parece que seus ciúmes
de um relacionamento anterior com seu ex-parceiro contribuíram para cenas
domésticas: “Tenho o direito de ter dúvidas e ele não entende que eu tenho
dúvidas...” e pelo menos para a violência verbal de sua parte. A violência
regular (tapas e outros golpes) também foi cometida pelo irmão do homem.
Eles parecem ter começado na época da gravidez e terem sido encorajados
pelo abuso de álcool e drogas do companheiro, assim como pela freqüência
dos momentos festivos, muitas vezes familiares: “Eu não tinha vida íntima”.
Em seguida, ela apresentou uma reclamação.
Nestes casais, onde a violência é desencadeada ao ponto de assassinato, a
questão das representações de gênero no trabalho é, naturalmente, levantada.
O domínio e o controle que ela experimenta são importantes, a mulher parece
ser um objeto à disposição dos homens. Pesquisas sobre os perpetradores de
violência assassina destacam fantasias narcisistas baseadas em uma grave falta
de autoestima, uma hemorragia narcisista, um ódio próprio que é projetado
sobre a vítima e que Sophie De Mijolla-Mellor identifica regularmente em
atos criminosos156. Assim, nos cenários da autora, a vítima feminina é obrigada
a assumir a face do objeto de ódio – da vergonha, da abjeção que ela recebe
através da identificação projetiva. Nesta hipótese, são as fantasias do perpe-
trador que a dominam e passivam para que ela seja destruída, despedaçada
etc. Christelle está no aperto deste id ao ponto de estrangular regularmente
associada às pancadas; “quando ele me bateu ele me estrangulou”, diz ela.
Entretanto, ela havia aceitado esta violência por muito tempo e ainda não
havia conseguido, vários meses após a separação, romper o vínculo com este
homem. Deve-se notar que a violência ocorre durante este período de transição
da mulher para a (futura) mãe, mas também quando ela tem reivindicações
amorosas. Se ao seu lado a destrutividade parece ser dirigida à mulher-mãe,
e para mobilizar uma fantasia de assassinato por recusa do feminino, de fato,

156 De Mijolla-Mellor Sophie, La mort donnée. Essai de psychanalyse sur le meurtre et la guerre, Paris, PUF,
2011, 336 p.
102

assim que ela tenta dizer ou afirmar sua autonomia a violência redobra como
se ele estivesse em perigo de ser severamente passivo, o que dizer dela? Como
podemos entender esta submissão a tal violência?

De uma criança sendo espancada a uma mulher sendo morta

Durante a entrevista, Christelle descreve principalmente as ações de


outros sobre ela e, em extensão e em detalhes, a violência física, tentativas
de estrangulamento, fraturas, mas os efeitos e as expressões de dor estão

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ausentes, como se dissesse que a factualidade dos atos seria responsável por
todas as suas experiências. O corpo de Christelle é entregue aos golpes, mas
também aos beijos sem que ela possa se defender ou dizer não, presa ao medo
e à impotência para se opor: “quando ele me bateu, então eu me coloquei
numa concha, eu deixei que ele me fizesse... Quando ele me esbofeteou, eu
fiquei ali como uma estátua, eu chorei, eu chorei, e quanto mais eu chorava,
mais ele me esbofeteava. É como se ela tivesse sido despojada de seu próprio
corpo, tão mal tratada na aparência, mas talvez possamos ver nisto a encenação
da fantasia masoquista “Uma pessoa bate numa criança”, seu choro, então
paradoxalmente evocando o prazer atualizado do corpo. O mais impressio-
nante é notar como ela é passiva e forçada a esta situação como se estivesse
envolvida tanto no peso do real que ela viveu e encontrou ativamente em sua
história como em sua própria dificuldade em elaborar sua experiência. A idéia
de ser forçado surge várias vezes: sexualmente dentro do casal ou por outros
homens (o irmão do parceiro, um namorado) sem que fique claro se os atos de
estupro foram bem sucedidos. Ela disse: “Eu era apenas um objeto, e qualquer
um poderia quase fazer qualquer coisa comigo”. É o “quase” que parece ser
importante aqui – isso significa que ela também é uma atriz nesta passividade?
A fantasia de ser espancada (forçada, assediada) seria suficiente em si
mesma para dar sentido à sua realidade de abuso, mas isso seria omitir levar
em conta sua posição como objeto na relação com o outro. Uma passagem da
entrevista é interessante deste ponto de vista quando ela mede que a relação
igualitária entre os sexos e no nível narcisista desapareceu neste casal: “no
início estávamos no mesmo pedestal, estávamos no mesmo nível e sem perce-
ber me encontrei completamente atrás dele, ou seja, como se ele estivesse me
puxando com uma corrente”. Este momento de subjetivação é acompanhado
pela retomada de um projeto de identificação (autonomia, trabalho, vida só),
mas também pelo reconhecimento de sua própria dificuldade em se proteger:
“Eu nunca fui até o fim”. Este lugar de objeto que ela ocupa ativamente é
como se já estivesse prefigurado na família, onde Christelle é uma criança
indesejada que sobreviveu a uma tentativa de aborto, e que depois é rejeitada:
“minha mãe nunca realmente me protegeu; minha irmã sim, meus irmãos sim,
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 103

mas eu sempre fui rejeitada porque eu, minha mãe e meu pai... eu não era
desejada, o aborto não funcionava comigo, era tarde demais”. A submissão
ao outro, o rejeitador e violento, parece ter sua origem ali.

Minha mãe me disse quando eu tinha seis anos: “Se ao menos o aborto
tivesse funcionado para você!” Isso sempre me marcou, sempre senti
que minha mãe era muito, muito, muito severa comigo, mas eu ainda a
amava apesar de tudo, ainda cuidava dela, fazia meu papel de filha mais
velha apesar de tudo e ela era muito, muito má. Minha mãe ela também
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costumava me bater.

Danièle Bastien propôs a seguinte hipótese: “A violência externa sofrida


repetidamente é o reflexo de uma violência interna devastadora que constan-
temente enfrenta uma ameaça imaginária de aniquilação, desaparecimento,
não-existência157. O problema colocado é o da própria existência subjetiva, de
sua estabilidade diante de um Outro constantemente ameaçador. No caso das
vítimas, é apresentado o papel das mesmas imagens arcaicas evocadas para
os perpetradores. Na ligação, tanto a vítima quanto a outra se protegem de
seus perseguidores íntimos: uma projetando-os violentamente sobre a outra; a
outra, de fato, se agarram a uma alteridade radical que os deixa sem palavras,
aceitando passivar-se até a morte.

Conclusão

A situação de Christelle não é incomum: a mãe não estava muito disponí-


vel para sua filha, abandonando-a ou mesmo rejeitando-a, como se sua própria
identificação com o feminino de seu filho fosse problemática158. Pensamos
que a falta de investimento da mãe no feminino de seu filho está trabalhando
e que se baseia numa recusa do feminino no sentido que desenvolvemos, o
que é confirmado por certos tratamentos. Se a fantasia “mata-se uma mulher”
é mais dirigida à mãe sedutora, nos desejos de assassinato edípico e mais
precocemente diante da indiferenciação da sedutora e da mãe dos primeiros
momentos da vida psíquica, o assassinato da mulher diria respeito a sujeitos
que não foram capazes de distinguir entre a mulher e a mãe e cuja fantasia
original da cena primitiva se baseia num emaranhado de sexo, vida e morte.

157 Bastien Danièle, “Fais de moi ce que tu veux à condition que j’existe pour toi, par toi”, in De Neuter P. et
Frogneux N. Violences et agressivités au sein du couple, vol. 2, Louvain-La-Neuve, Académia Bruylant,
2009, p. 43-49.
158 Grihom Marie-José e Reible Sylvain, “Un possible parcours de subjectivation chez les femmes sous emprise”,
em Grihom M.-J. e Grollier M. (dir.), Femmes victimes de violences conjugales. Une approche clinique,
Rennes, PUR, 2013, p. 109-121.
104

Levando em conta a dimensão intersubjetiva e o trabalho clínico com


as mulheres vítimas sugere que a interação entre o masculino e o feminino,
e portanto entre a bissexualidade psíquica, é particularmente bloqueada nos
casais onde a violência é o destino comum e onde o desejo de matar por
parte de um dos parceiros é quase completo. A interação entre o masculino e
o feminino e vice-versa, as mudanças permanentes induzidas pela conjugali-
dade reforçariam, em certos casos, a violência da fantasia. Vimos que a vítima
feminina também está envolvida nessa fantasia de “mulher é morta” por causa
de sua própria experiência psicológica do masculino e do feminino (rejeição

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de seu próprio feminino e a telescopagem do desejo de morte dos pais com a
violência sofrida (criança espancada) e vivida (violência conjugal dos pais).
Então “uma mulher é morta” não seria uma fantasia comum declinada
de acordo com o masculino/feminino específico do nó inconsciente nesses
casais onde o risco de feminicídio está presente? Este masculino/feminino
seria parcialmente alcançado e preferiria prevalecer uma lógica do fálico/
chastened ou do ativo/passivo na experiência psíquica do gênero. Assim, a
posição subjetiva de ser espancado pelo pai que a fantasia “uma criança é
espancada” coloca sobre a mulher seria apenas um véu colocado sobre uma
relação mortificante original onde é o próprio reconhecimento da subjetividade
da criança que está em jogo (tu-es) e a de seu feminino. Uma mulher é morta...
A violência de gênero dentro do casal (na prática do gênero) parece ser
proporcional às experiências psíquicas comuns dos parceiros nesta fantasia
original de “matar uma mulher”, que é tanto mais ativa quanto a recusa do
feminino está presente tanto para o perpetrador masculino quanto para a vítima
feminina. As experiências des-subjetivadoras na relação com o masculino e
o feminino que vislumbramos alterariam o acesso ao simbólico, à própria
lógica do exercício do gênero para estes sujeitos.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 105

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À PROPOS DU FANTASME
« ON TUE UNE FEMME »
Marie-José Grihom

L’on peut, sans être taxé d’idéologie, considérer qu’il a fallu des siècles
pour faire entendre qu’une violence spécifiquement genrée est exercée partout
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dans le monde et que les sociétés occidentales ne sont pas à l’abri des formes
de domination et de pouvoir d’un genre sur l’autre. Les mentalités ont été
ébranlées par les révélations des études internationales et plus particulièrement
par les données de l’enquête nationale Enveff en 2000, pourtant les résistances
sont nombreuses pour intégrer cette réalité, au niveau social comme individuel,
notamment chez les femmes victimes elles-mêmes159.
Au-delà de l’actualité patente de ces violences et de leur fréquence, il nous
est fait un devoir éthique de comprendre pourquoi elles s’exercent plutôt sur les
femmes. Le meurtre de femmes – qu’il soit organisé et planifié sous la forme
d’un génocide comme au Mexique – ou qu’il ait pour cadre les relations de
couple lève des interrogations spécifiques que le terme de féminicide condense
en partie. S’agit-il de considérer également l’ensemble de ces atteintes à la vie
pour des crimes genrés, en prenant appui sur les théories du genre notamment,
ou doit-on distinguer les conditions de cette criminalité selon le contexte poli-
tique, culturel, religieux, social, psychologique ? Sans doute qu’une articulation
des différents registres impliqués permettrait de rendre compte d’une réalité
qui, bien que sordide, n’en reste pas moins humaine et d’éviter d’adopter une
lecture par trop passionnelle du genre et de ses incidences sur les sujets. En
effet, dans nos contrées européennes nous avons affaire à des phénomènes
de groupes ou individuels. Une des perspectives de compréhension possible
alors de certains assassinats commis en dehors du périmètre familial qui ont
défrayé la chronique depuis le XIXe siècle comme l’affaire Pranzini160 ou le
crime des sœurs Papin161, serait d’articuler les dimensions sociales attachées
au genre aux dimensions psychiques et donc pulsionnelles qui conduisent au
crime. Cela vaut a fortiori à l’échelle du groupe familial lieu de la plus impor-
tante criminalité. Alors crime genré ou crapuleux, crime d’amour machiste

159 Grihom Marie-José, « Pourquoi le silence ? Violence sexuelle et lien de couple », Dialogue, 208, 2015, p.
71-84 ; Grihom Marie-José, « Être à soi-même sa propre fin ou être un maillon : femme victime en déroute
subjective dans ses liens », Dialogue, 204, 2014, p. 49-61.
160 Chauvaud Frédéric, L’affaire Pranzini : aventurier, Don Juan... et tueur de femmes ? Paris, Georg Editeur,
2018, 232 p.
161 Lacan Jacques, « Motifs du crime paranoïaque – Le crime des soeurs Papin », in De la psychose paranoïaque
dans ses rapports avec la réalité suivi de Premiers écrits sur la paranoïa, Paris, Seuil, 1975, p. 25-37.
110

ou de pervers, crime de la violence homme-femme ordinaire ou de la jalousie


délirante ? Comment sortir des seules alternatives ? Nous développerons ici
quelques pistes de compréhension et éclairerons les aspects théoriques qui
jalonnent cette problématique métapsychologique par une vignette clinique
développée issue de la recherche162.

Le genre un nouage ?

Certaines thèses anthropologiques permettent d’abonder dans le sens

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du meurtre genré. Ainsi, dans la perspective anthropologique de Françoise
Héritier163, la valence différentielle des sexes résulte d’une volonté de contrôle
par les hommes de la reproduction des femmes.

« Pour se reproduire à l’identique, l’homme est obligé d’en passer par


un corps de femme... Il ne peut pas le faire par lui-même. C’est cette
incapacité qui assoit le destin de l’humanité. Cette injustice et ce mystère
sont à l’origine de tout le reste, qui est advenu de façon semblable dans
les groupes humains depuis l’origine de l’humanité et que nous appelons
la domination masculine.164 »

Les recherches actuelles viennent confirmer ces propos165. L’apparition de


crises sanglantes au sein des couples se produit régulièrement au moment où la
femme réclame son autonomie ou s’en saisit166 en échappant à la loi posée par
son conjoint. Que les motifs invoqués par le partenaire violent soient d’ordre
culturel ou religieux (une femme ne travaille pas à l’extérieur) ou affectif (la
femme ne quitte pas son mari, les enfants ne lui appartiennent pas), l’enjeu est
l’appropriation du corps de la femme et de sa liberté sociale et la différence des
genres est alors convoquée avec son lot de représentations, de rationalisations
et de processus de contrôle. Un autre constat scientifique montre comment

162 Co-responsable scientifique de la recherche « Corps de femmes et violences conjugales. Approches


psychologique, historique, juridique et sociologique », financée par la Maison Interuniversitaire des Sciences
de l’Homme Alsace, porteur Claire Metz. Les femmes victimes de violences ont été rencontrées via un réseau
associatif sur les violences de genre. Il leur a été proposé un entretien semi-directif avec un(e) psychologue
clinicien(ne). Les entretiens ont fait l’objet d’une analyse textuelle et clinique.
163 Héritier Françoise, Masculin-Féminin, tome II : Dissoudre la hiérarchie, Paris, Odile Jacob, 2012, 443 p.
164 Héritier Françoise, op. cit., p. 26.
165 Metz Claire, Chevalerias Marie-Pierre et Thevenot Anne, « Les violences dans le couple au risque d’en mourir,
paroles de femmes », Annales Médico-psychologiques, 2017, p. 692-697 ; Atani Torasso Louise, «’’Les
femmes sont nées pour souffrir’’ en contexte d’excision : un héritage d’humiliation et de honte à élaborer »,
Dialogue, 208, 2, 2015/2, p. 45-56.
166 Romito Palmira, « Les violences conjugales post-séparation et le devenir des femmes et des enfants »,
La revue internationale de l’éducation familiale, 2011, 1– n° 29, 87 à 105 ; Hamel Christelle, « Violences
et rapports de genre. Contextes et conséquences des violences subies par les femmes et les hommes »,
Enquête VIRAGE, Document de travail 212, INED, 2014.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 111

ces représentations genrées avec domination masculine sont intériorisées


chez certaines femmes, en particulier d’origine étrangère, au point que la
violence puisse ne guère poser question. La subjectivation au sens de Michel
Foucault est en jeu autant pour l’homme que pour la femme en ces cas167
qui sont représentatifs de la normation socio-religio-politique du sujet dans
un contexte de forte valence différentielle des sexes. Certains témoignages
recueillis dans l’étude citée auprès de femmes de culture européenne sont
saisissants aussi : « Les violences conjugales et les conflits de couple, c’est
la même chose » ou encore « Au départ, je pensais que c’était normal parce
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que c’était mon mari » ou enfin en réponse à la question du psychologue :


« Ah danger ? Il n’avait pas de couteau donc non ! ».
En deçà du conflit de genres que nous avons brossé à larges traits, nous
avons affaire à des enjeux d’ordre sexuel. Il nous faut considérer que le «
sexuel », en tant que réalité psychique, détermine la sexualité et ses pratiques
dans le couple. Le meurtre correspondrait alors au règlement violent d’un
conflit lié à la différence des sexes. Il existe, chez les individus des deux
sexes, des tendances aussi bien masculines que féminines pouvant devenir
inconscientes par refoulement. Le couple masculin/féminin168 qui désigne
véritablement la différence des sexes, n’apparaît qu’au moment de la géni-
talisation, à la puberté. Les étapes antérieures à cette élaboration finale de
la bisexualité se produisent, selon Freud, en appui sur deux autres couples
aux polarités pulsionnelles et fantasmatiques distinctes : l’actif/passif et le
phallique/châtré. Le premier correspond à la période anale et caractérise la
position à l’égard de la pulsion. Le sujet adopte tantôt une position active, en
visant l’objet de sa pulsion (l’autre personne en particulier), tantôt une posi-
tion passive, en satisfaisant sa pulsion par l’entremise de l’autre. Le second
couple : phallique/châtré figure, pour sa part, l’opposition fantasmatique liée
à la phase phallique et à son angoisse de castration.
Il est important d’insister sur un point : le couple masculin/féminin en tant
qu’il est un organisateur psychique de la sexuation ne se confond pas avec la
normation sociale liée au genre sous les auspices d’une domination masculine.
Toutefois, les deux sortes de conflit que nous évoquons : conflit de genres et
conflit quant à la différence des sexes ne semblent ni fonctionner en parallèle
ni se limiter à une simple opposition. Dans la perspective psychanalytique, le

167 Metz Claire et Razon Laure, « Les violences conjugales. Bilan des dispositifs et propositions d’amélioration »,
Rapport pour la Mission de Recherche Droit et Justice, 2016. Consultable sur le site de la Mission.
168 Voir à cet égard Freud Sigmund, Trois essais sur la théorie sexuelle, Paris, PUF, 2012, 3e éd ; « L’organisation
génitale infantile », 1923, La vie sexuelle, Paris, PUF, p. 113-116 ; Pulsions et destins des pulsions, 1915, in
OCFP, vol. XIV, Paris, PUF, 2000 ; « Les théories sexuelles infantiles », La vie sexuelle, 1908, Paris, PUF,
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117-122 ; « Quelques conséquences psychiques de la différence anatomique entre les sexes », 1925, La
vie sexuelle, Paris, PUF, 1977, p. 123-132.
112

genre désigne, pour un sujet donné, un état psychique : se sentir homme ou


femme. Il peut être en adéquation ou non avec ce que porte l’identité attribu-
tive (et le sexe biologique). Mais il est aussi en adéquation relative avec ce que
la société véhicule et impose comme attentes liées à l’homme ou à la femme,
ce au travers des catégories langagières (homme, femme) et des figurations
imaginaires (sociales, historiques, mythiques) qu’elle déploie et impose.
Une façon d’articuler les niveaux concernés serait de reprendre ici une
distinction faite à propos de la parentalité par Didier Houzel169 et qui est
assez proche des dimensions de la filiation telles que nous les avons pensées

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à partir de Jean Guyotat170 et Piera Aulagnier171 car il est ici question d’enjeux
identitaires et subjectifs à la fois. Dans cette perspective, les logiques genrées
peuvent être de trois sortes pour un sujet donné : la première énonce les condi-
tions pour l’exercice de son identité de genre (les droits de l’homme et ceux
la femme) ; la deuxième consiste en l’expérience de la bisexualité psychique
et en particulier : la constitution ou non du couple masculin/féminin (le genre
en psychanalyse), l’histoire infantile, celle des identifications au masculin et
au féminin et celle du désir ; enfin la troisième concerne les pratiques genrées
en appui sur des modèles sociaux d’une part et psychiques d’autre part : rôles,
attitudes liées aux usages en cours dans une culture donnée, fonction de la
transmission familiale, sociale, sportive, etc.. Par hypothèse, ces trois plans
s’intriquent et s’articulent de façon dynamique pour produire des conduites
genrées, en premier lieu des discours genrés : ce que les hommes disent des/
aux femmes, ce que les femmes disent des/aux hommes, etc., dont la fonction
est de créer un écart (une valence) entre les genres et entre les sexes.
Les représentations de genre telles qu’elles peuvent s’actualiser pour un
sujet donné au travers de ses conduites – des plus banales aux plus excep-
tionnelles – résulteraient de la mise en tension de ces trois plans. On peut
penser que l’expérience de se sentir homme ou femme est déterminante172 – en
tant qu’elle repose sur des fantasmes – quant à la manière d’adopter un rôle
masculin ou féminin (Jacques Lacan le souligne autrement avec son schéma
de la sexuation : chacun des deux genres peut ainsi faire « La » femme ou
l’« homme »). Des processus sont requis pour permettre d’aboutir dans le
meilleur des cas à un sentiment d’identité genrée : la normation au sens de
Foucault et la subjectivation de la pulsion au sens freudien. Nous faisons pour
l’heure l’hypothèse que la violence féminicide prend sa source dans le nouage

169 Houzel Didier, « Les dimensions de la parentalité », Journal de la Psychanalyse de l’enfant, 21, 1997, p.
164-190.
170 Guyotat Jean, Filiation et puerpéralité. Logiques du lien, Paris, Masson, 1993, 159 p.
171 Aulagnier Piera, La violence de l’interprétation, Paris, PUF, 1975, éd. 1991, 363 p.  ; Aulagnier Piera, L’apprenti
historien et le maître sorcier, Paris, PUF, 1984, 276 p.
172 Remarquons que ce sentiment repose en partie sur le refoulement des identifications de l’Œdipe négatif et
donc sur une méconnaissance de la bisexualité psychique et de la division psychique.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 113

formé par les logiques évoquées173 sous le double effet de ces processus de
normation et de subjectivation. Si le fantasme de meurtre est notre lot com-
mun, nous allons y venir, certains de ces nouages et de leurs ratés du fait des
conditions d’exercice ou de l’expérience psychique du sexuel en prise avec
l’histoire du sujet seraient susceptibles d’entraîner la mort de l’un ou l’autre
des personnages de la tragédie ou du drame que le couple soit hétérosexuel
ou homosexuel.

Retour sur le fantasme


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Dans la perspective psychanalytique, s’il est une formation psychique qui


permet de penser les logiques sociales du genre dans leur articulation avec les
logiques subjectives de la différence des sexes, c’est le fantasme. Il est depuis
Freud ce par quoi travaille le sexuel. Aussi il va s’agir de questionner la possible
existence et les fonctions d’un fantasme qui se formulerait ainsi : « On tue une
femme ou une femme est tuée ». La question théorique sous-jacente est de
savoir si dans l’inconscient des hommes comme dans celui des femmes, et ce
de manière transstructurelle, certains scénarios fantasmatiques, originaires ou
non, sous-tendent la mise à mort de la femme en tant que femme (représen-
tante du féminin) mais aussi fondent les conduites de mise en danger vital des
victimes. En effet, si certaines de ces femmes ont bien conscience du danger
qu’elles encourent et disposent d’un Téléphone Grand Danger par exemple,
d’autres sont dans une sorte de déni du désir de mort qui leur est adressé.
Il n’est pas besoin de rappeler que la plupart des crimes sont perpétrés en
famille sur adultes et enfants ni que l’Œdipe forme une version mythologique
exemplaire des meurtres familiaux : parricide, infanticide, inceste, fratricide.
Le désir prend sa source dans le fantasme de ces crimes dont nous régalent les
médias de nos jours. Dans ce cadre nous ne ferons pas un parcours des mythes
fondateurs du meurtre de femmes relevons simplement que parmi les femmes
qui sont tuées nous trouvons l’épouse, la mère, la sœur, l’amante, la rivale,
la fillette, le nouveau-né mais nous soulignerons le risque d’une édulcoration
du complexe d’Œdipe avec Jacques André.

« Le complexe d’Œdipe est la notion la plus perdue, la plus détournée,


de la psychanalyse freudienne. Il n’est plus aujourd’hui question que de
« structuration, symbolisation, triangulation » […] Il en va tout autrement
si l’on entend avec Freud, ou avec Sophocle et Diderot, ledit complexe
comme un creuset de violence, celle de désirs incestueux et meurtriers qui

173 L’exercice au niveau symbolique, l’expérience au niveau psychique et inconscient, la pratique du genre au
niveau conscient-préconscient.
114

n’ont de cesse de trouver leur accomplissement. Désirer coucher avec sa


mère et tuer son père n’a jamais structuré personne174. »

L’auteur insiste alors sur le trio infernal du complexe d’Œdipe avant


que celui-ci ne vole en éclats (une véritable fin du monde) sous la menace
de la castration et sous la nécessité du refoulement et ne débouche sur la
triangulation. D’une absence de différences (des sexes et des générations) le
sujet va passer à l’obligation de faire avec la différence. La « fin du monde »
pulsionnel qu’il va connaître « est à la démesure de ce qui précède, la

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tyrannie du surmoi en porte la trace, tant l’intransigeance de ses injonctions
déborde largement ce qu’a été l’éventuelle sévérité des parents175 ». Dès lors
la violence des désirs meurtriers visant pour le garçon plutôt le père, pour
la fille plutôt la mère va adopter la voie du fantasme pour revenir.
Le fantasme évoque immédiatement une vision interne, une mise en
images et en scène (on parle de scénario imaginaire) qui permet le passage
entre deux systèmes psychiques (conscient– préconscient et inconscient).
« Le fantasme peut en effet se vivre et se verbaliser à ciel ouvert et en plein
jour, alors même que les ressorts en demeurent cachés, ce qui marque la
clause du secret que Freud exprime de la façon la plus incisive : on confes-
serait plus volontiers ses forfaits que ses fantasmes (Freud, 1908) » note
Paul-Laurent Assoun176. Il se formule comme un récit avec un sujet – une
action – un objet (un ou des personnages principaux) avec une variété de
phrasés (Un enfant est battu par exemple) ou de positions subjectives selon
les cas (actives/passives en particulier). Sa narrativité intrinsèque en fait
le moteur de toute mise en récit : littéraire, autobiographique tandis que la
représentation d’action177 qu’il constitue en fait le moteur de l’actance dans
le champ sexuel entendu en un sens très large. En conséquence il est par
excellence la production spécifique du sujet comme le support d’un possible
savoir sur lui-même. En toute occurrence, le fantasme figure une transgres-
sion, même si pour le « sujet du fantasme » elle reste voilée, et procure une
véritable prime de plaisir autoérotique (hédoniste ou masochiste) que la
thématique soit ou non sexuelle178.

174 André Jacques, « La fin du monde », Revue française de psychanalyse, 76, 5 2012, p. 1523 à 1528.
175 André Jacques, op. cit.
176 Assoun Paul-Laurent, « Le corps inconscient du fantasme. La scénographie corporelle », Revue française
de psychosomatique, 50, 2 2016, p. 133-150.
177 Grihom Marie-José, « Clinique de l’acte », in Senon J.-L. et al., Psychiatrie légale et criminologie clinique,
Paris, Masson, 2013, p.  229-237 ; Grihom Marie-José, Guillaud Aurélie, « Subjectivation et actualisation
pulsionnelle : clinique de l’acte », in Trichet Y. et Hamon R. (dir.), Psychanalyse et criminologie aujourd’hui.
Repères conceptuels, éthiques et cliniques, Rennes, PUR, p. 283-292.
178 « Le sexuel n’est pas seulement le contenu du fantasme, mais le ressort de l’activité fantasmatique. Cette
polarisation est liée au fait que le sexuel est le lieu même d’attraction et d’inavouable, par lequel le sujet met
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 115

Il est jouissance de corps du point de vue économique car il est essen-


tiel de le rappeler avec Paul-Laurent Assoun : « Ce qui est sous-jacent au
fantasme, c’est le corps-sujet en sa dimension pulsionnelle, et, en deçà, exci-
tationnelle179 ». La pulsion étant répétition de par le retour sempiternel vers
la satisfaction première selon le principe de plaisir, l’état amoureux fournit
l’occasion remarquable de « faire corps avec son propre corps « selon l’auteur
– autrement dit de faire coïncider jusqu’à les confondre l’objet du fantasme
et l’objet réel. Ne serait-ce pas précisément un des enjeux du meurtre de la
femme par l’autre du couple (homme ou femme) d’autant que le fantasme est
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le « lieu de vectorisation du masculin et du féminin180 » ? Qu’entendre par là ?


Que dans l’amour ou la relation amoureuse, inévitablement, la bisexualité de
chacun est mobilisée ce qui vient brouiller la « catégorie » ou le genre social au
sein du lien. Le fantasme culmine alors avec sa fonction bisexuelle, féminisant
le masculin et masculinisant le féminin : « le fantasme ne fonctionne qu’à faire
jouer le masculin et le féminin. C’est proprement un lieu de passage. Il joue
décidément sur les deux tableaux181 ». C’est bien sur ce point de passage et de
brouillage du masculin et du féminin que notre réflexion doit s’appuyer pour
concevoir comment le fantasme « On tue une femme » peut se concrétiser en
un acte meurtrier. Nous avancerons en envisageant les fantasmes originaires
avec leur violence sexuelle propre puis le refus du féminin.

Un enfant est battu

Un des fantasmes les plus audibles et régulier dans la clinique des femmes
victimes de violences conjugales182 est celui d’être battue (par le père). En
outre, les violences vécues dans l’enfance ainsi que la confrontation à la vio-
lence du couple parental sont retrouvées fréquemment dans les enquêtes sur la
question comme dans notre pratique clinique. Être battue ou voir quelqu’un(e)
se faire battre a été une réalité... La formulation « Une femme est tuée/on
tue une femme » à laquelle nous songeons est-elle seulement analogue à la
formulation freudienne de la voix du fantasme : « Un enfant est battu / on bat
un enfant » ? Rappelons l’enjeu de ce dernier au plan psychique. « L’aveu de
ce fantasme survient seulement en hésitant avec une résistance émanant de la

en scène et en acte sa division par rapport au contenu du refoulé. », Assoun Paul-Laurent, op. cit.
179 Assoun Paul-Laurent, op. cit.
180 Assoun Paul-Laurent, Leçons psychanalytiques sur Masculin et Féminin, Paris, Poche Psychanalyse, collection
Anthropos, 2010, p. 63.
181 Assoun Paul-Laurent, op. cit.
182 Grihom Marie-José, Grollier Michel, « Introduction » Femmes victimes de violences conjugales. Une approche
clinique, Rennes, PUR, 2013, p. 7-11.
116

honte et de la conscience de culpabilité » écrit Freud dans son article183. L’aveu


de la violence autoérotique contenue dans le fantasme est délicat comme y
insiste Paul-Laurent Assoun184. La datation de ce fantasme est précoce selon
Freud, avant la 6e année mais il semble qu’il ait été là de tout temps, qu’il
s’agisse dans cette scène de flagellation d’un fantasme originaire.
Le fantasme originaire étant à notre sens toujours la figuration d’un lien
intersubjectif au sens de René Kaës, soit entre deux sujets de l’inconscient, tant le
fantasme « un enfant est battu » que celui de la scène primitive peut être tenu pour
un des agents principaux des violences entre conjoints et ce tant pour l’auteur que

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la victime – c’est du moins l’hypothèse que nous avançons. En effet, Piera Aula-
gnier a souligné le paradoxe qui oblige le sujet à se structurer à partir des seules
données d’une scène de destruction. Sophie de Mijolla-Mellor185 montre quant
à elle que le fantasme qui soutient l’acte criminel est celui de la scène primitive
alors interprétée comme une scène de meurtre qui peut devenir réelle pour peu
que le fantasme se télescope avec une réalité environnante violente. On sait que
la constitution de la scène primitive est le creuset de toutes les identifications œdi-
piennes et aussi le moyen de se dégager de la mère archaïque (celle que présentifie
la Sphinge ni homme ni femme, ni humaine ni animale). La version des parents
combinés de Mélanie Klein en dit long de sa fonction dans le dégagement de la
différenciation des êtres et des sexes. Énoncer cela, c’est insister sur la dimension
incestueuse du scénario avec le père dans « Un enfant est battu » mais aussi sur
la relation incestueuse et matricide dans le fantasme de scène primitive.
Aurions-nous à penser alors que la constellation des fantasmes originaires
qui déterminera en partie le destin du masculin et du féminin pour un sujet,
notamment sa possibilité d’y accéder, répond aux questions de l’origine (scène
primitive), de la sexuation (castration, séduction, pénétration, fustigation, etc.),
de la vie et de la mort d’abord sur la base d’associations inconscientes et d’une
indifférenciation pulsionnelle entre Éros et Thanatos ? Certains crimes dans
la psychose semblables en cela à ceux des sœurs Papin mettent en scène cela.
Véronique Donard186 nous livre un exemple remarquable de contamination à
notre sens des plans du vivant et de la mort au travers du meurtre d’une vieille.
« La quête du meurtrier est liée à la question de l’origine, quête fondamentale
de tout enfant, mais qui, pour le criminel, se focalise dans le corps de ses vic-
times, comme si leurs entrailles en détenaient la réponse, et dans le passage de
celles-ci de la vie à la mort. » Deux points de vue peuvent alors se dégager :

183 Freud Sigmund, Un enfant est battu, 1919. Contribution à la connaissance de la genèse des perversions
sexuelles, in OCFP, vol. XV, Paris, PUF, 1995.
184 Assoun Paul-Laurent, op. cit. p. 59. Donard Véronique, « Sacrifier la mère », Topique, 117, 4 2011, p.
131-142.
185 De Mijolla-Mellor Sophie, « Le fantasme de la mère cruelle », Cliniques méditerranéennes, 88, 2013, p.
123-129.
186 Donard Véronique, « Sacrifier la mère », Topique, 117, 4, 2011, p. 131-142.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 117

l’un privilégierait l’originaire du fantasme. Peut-être nous faut-il ainsi conce-


voir que le fantasme originaire de scène primitive remplit une fonction majeure
dans la mise en acte du crime dans le couple car les violences connues, celles
du réel parental, figeraient alors cette scène – habituellement appelée à être
organisatrice de la différence des sexes et des générations et ce dans les deux
sexes. La jouissance de corps qui y serait associée, celle de la destruction d’une
femme mère jouissante, serait précisément ce à quoi vont répondre l’interdit
de l’inceste d’une part et le refus du féminin dans les deux sexes d’autre part.
L’autre perspective, qui dans ce cadre ne peut qu’être évoquée, intégrerait
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l’intersubjectivité à la pulsionnalité œdipienne dans la « configuration œdi-


pienne187 » c’est-à-dire la manière dont le parent reçoit la pulsionnalité de son
enfant188, l’interprétation qu’il donne du féminin et celle que le sujet produit
à partir de la réponse inconsciente de son parent. La vignette clinique viendra
éclairer le poids de la dimension intersubjective dans le rapport au féminin.

Le refus du féminin

Que les hommes aient peur du féminin, l’œuvre de Freud l’atteste. Deux
des terreurs qui engendrent le refus du féminin sont magnifiquement figurées
par Charybde et Scylla dans l’Odyssée. Deux êtres terrifiants : l’une est un
monstre féminin dont la bouche est si énorme et si vorace qu’elle engloutit tout
ce qui se trouve dans les parages, provoquant en permanence un gigantesque
tourbillon. L’on peut y voir la figuration d’un vagin géant qui engloutit. L’autre
est celle sur laquelle on tombe si on arrive à éviter Charybde. Cette ancienne
nymphe a été transformée en un monstre hideux dont le corps est surmonté
de six effroyables têtes de chien qui dévorent leur proie. Le refus du féminin
ou de la féminité n’est pas quant à lui une formation imaginaire, il vaut mieux
parler en ce qui le concerne de position subjective devant le risque de la castra-
tion que le sexe féminin et ses représentations engendrent. Cette exclusion,
ce rejet du féminin produit chez la fille l’envie de pénis et chez le garçon un
cabrement contre la passivité assimilée à une castration. De l’avis de Paul-
Laurent Assoun : « On aurait tort d’entendre que ni les hommes ni les femmes
n’aiment la féminité, mais bien plus exactement que ce que l’on désigne
comme « féminité » est l’intime exclu qui désigne l’inconscient comme cette
dialectique ou navette incessante entre « masculin » et « féminin189 ».

187 Faimberg Haydée, « Le mythe d’Œdipe revisité », in Kaës R. (dir.), Transmission de la vie psychique entre
les générations, Paris, Dunod, 1993, p. 150-169.
188 Penot Bernard, La passion du sujet freudien, Toulouse, Érès, 2001, 184 p.
189 Assoun Paul-Laurent, Leçons psychanalytiques sur Masculin et Féminin, Paris, Poche Psychanalyse, collection
Anthropos, 2010, p. 91.
118

Serge Lesourd introduit, quant à lui, une autre dimension en revenant


sur les ancêtres d’Œdipe et le destin qui leur est fait d’avoir assisté à une fête
dionysiaque réservée aux femmes.

« C’est d’ailleurs pour avoir vu l’une d’entre elles que Penthée, arrière-
grand-père de Jocaste, fut dévoré par ses tantes (Ino et Autonoé), sa mère
(Agavé) et son père (Athamas) rendus fous par Héra. Polydoros, arrière-
grand-père d’Œdipe, est aussi supposé être mort de la même façon et pour
la même cause. La lignée de Thèbes des deux côtés est frappée de cette

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mort du fait d’un savoir sur les jouissances féminines, d’un voir-ça190. »

Il est donc question d’un inceste réalisé et du fait de voir une jouissance
de la femme dans la mère – ce dont la culture doit se défendre en rejetant ce
mélange et en campant des symboles (telle la Vierge Marie) censés refouler
ou cliver la jouissance féminine et la mère.

« Il s’agit de séparer radicalement cette origine de la sexualité de tout sujet,


les soins maternels et l’excitation nécessaire qu’ils emportent avec eux,
du sexuel de la femme comme sujet d’une jouissance, y compris dans ces
mêmes soins à l’infans. […] La séparation entre la jouissance féminine et la
jouissance de la mère s’inscrit une première fois dans la tradition judéo-chré-
tienne en construisant la honte du sexuel, spécialement féminin191. »

Nous retrouvons là la figure de la séduction maternelle – ou de la séduc-


tion généralisée au sens de Jean Laplanche192. Sophie de Mijolla Mellor193 met
à l’avant chez les auteurs de violence sexuelle et de meurtre le « fantasme de
la mère cruelle » qu’elle caractérise comme le « fantasme d’une mère cruelle,
vamp séductrice ou mère archaïque cannibale194 ». Quelle figure est donc
concernée dans le fantasme de meurtre de la femme : la mère et l’archaïque
maternel ou la femme séductrice ? Si la vraie femme pour Lacan c’est Médée
qui peut sacrifier ses enfants par jalousie et dépit amoureux, alors du point
de vue de l’enfant c’est d’une mère qu’il s’agit mais cette mère est aussi une
femme. Tuer la séductrice première c’est bien tuer la femme mère des premiers
temps de la vie psychique195. Lorsque l’enfant n’a pu faire coupure au sein
de la jouissance procurée par la femme dans la mère, ce serait à la partition
même de sa jouissance qu’il ne parviendrait pas selon Serge Lesourd. Les
travaux sur les auteurs de violence sexuelle – souvent associées au meurtre
190 Lesourd Serge, « Le genre serait une névrose », Cliniques méditerranéennes, 92, 2, 2015, p. 149-160.
191 Lesourd Serge, op. cit.
192 Laplanche Jean, Entre séduction et inspiration : l’homme, Paris, PUF, 1999, 352 p.
193 De Mijolla-Mellor Sophie, « Le fantasme de la mère cruelle », op. cit.
194 De Mijolla-Mellor Sophie, op. cit.
195 De Mijolla-Mellor Sophie, « La violence au nom de la Mère », Topique, 143, 2, 2018, p. 7-16.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 119

– pointent régulièrement une forme d’intrication entre ces deux représentations


de la mère et de la femme. À la différence des vœux de mort en rapport avec
le père c’est bien l’inceste maternel et le matricide qui se retrouvent dans
divers crimes. Qu’en est-il du côté de la femme pour dépasser la seule lecture
intrapsychique et faire sa part à l’intersubjectivité, aux alliances inconscientes
et au fantasmes en jeu dans le couple196 ?

Dynamique du lien et enjeux inconscients


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Christelle âgée de 37 ans est rencontrée dans un foyer d’accueil en pré-


sence de son jeune fils. Elle a eu deux unions antérieures et mis au monde
plusieurs enfants qui ont tous été placés suite à des violences de leur père selon
elle. Elle-même évoque à demi-mot les « choses » qu’elle a alors vécues. Elle
a ensuite établi une relation avec un autre homme, père de son fils qu’elle
a fini par quitter du fait des coups et blessures reçus. Dans l’enfance, elle-
même a été exposée aux violences conjugales de ses parents : « j’ai aussi vu
la violence de mon père vis à vis de ma mère ». Ayant été privée de son père
de 7 à 14 ans, semble-t-il du fait des obstacles mis par la mère, elle ne veut
surtout pas que ses enfants vivent la même histoire...
Dans sa vie de couple, elle se plaint d’avoir été traitée comme une
« moins que rien » subissant injures, tromperies ouvertes et dénigrement aussi.
Il semble que sa jalousie à l’égard d’une relation antérieure que fréquentait
assidûment son ex-compagnon ait concouru à des scènes de ménage : « j’ai
le droit d’avoir des doutes et lui ne comprend pas que j’ai des doutes… » et à
des violences au moins verbales de sa part. Les violences régulières (gifles et
autres coups) étaient aussi le fait du frère de monsieur. Elles semblent avoir
commencé au moment de la grossesse et avoir été favorisées par l’alcoolisa-
tion et la pratique toxicomaniaque du compagnon ainsi que par la fréquence
des moments festifs souvent familiaux : « je n’avais pas de vie intime ». Elle
porte plainte alors.
Dans ces couples où la violence se déchaîne à la limite du meurtre, se
pose bien sûr la question des représentations de genre à l’œuvre. La domi-
nation, l’emprise qu’elle connaît sont majeures, la femme semble être un
objet à disposition des hommes. Les recherches sur les auteurs de violence
meurtrière mettent en avant des fantasmes narcissiques qui reposent sur une
grave mésestime de soi, une hémorragie narcissique, une haine de soi qui est
projetée sur la victime et que Sophie De Mijolla-Mellor repère régulièrement
dans les actes criminels197. Ainsi, dans les scénarios de l’auteur, la femme vic-

196 Grihom Marie-José, « Masculin et féminin dans le couple, approche psychanalytique », in Bodiou L., Cacouault-
Bitaud M. et Gaussot L. (dir.), Le Genre entre transmission et transgression, Rennes, PUR, 2013, p. 37-47.
197 De Mijolla-Mellor Sophie, La mort donnée. Essai de psychanalyse sur le meurtre et la guerre, Paris, PUF,
2011, 336 p.
120

time est contrainte d’endosser le visage de l’objet de haine – de la honte, de


l’abjection qu’elle reçoit par identification projective. Dans cette hypothèse,
ce sont les fantasmes de l’auteur qui dominent et la passivent pour qu’elle
se fasse détruire, déchirer, etc. Christelle est aux prises avec ce Ça jusqu’à
l’étranglement régulièrement associé aux coups ; « quand il me battait il
m’étranglait » dit-elle. Pourtant elle a longtemps accepté ces violences et
n’était toujours pas parvenue, plusieurs mois après la séparation, à rompre
le lien à cet homme. Notons que les violences surviennent dans ce temps de
passage de la femme à la (future) mère mais aussi lorsqu’elle a des revendi-

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cations amoureuses. Si de son côté à lui la destructivité semble s’adresser à
la femme-mère, et mobiliser un fantasme de meurtre par refus du féminin, en
effet dès qu’elle tente de dire ou d’affirmer son autonomie la violence redouble
comme s’il risquait d’être gravement passivé, qu’en est-il pour elle ? Comment
comprendre cette soumission à une telle violence ?

D’un enfant est battu à une femme est tuée

Au cours de l’entretien, Christelle décrit surtout les agissements des autres


sur elle et longuement et de manière détaillée les violences physiques, tenta-
tives d’étranglements, fracture mais les affects et expressions de douleur sont
absents, comme si dire la factualité des actes rendait compte de l’ensemble de
ses éprouvés. Le corps de Christelle est livré aux coups mais aussi aux baisers
sans qu’elle ne soit en mesure ni de se défendre ni de dire non, prise par la
peur et l’impuissance à s’opposer : « quand il me battait donc, du coup je me
mettais dans la coquille quoi, je me laissais faire… Quand il me mettait des
gifles, j’étais là comme une statue, je pleurais, je pleurais, et plus je pleurais
plus il me donnait des gifles ». Elle est comme dessaisie de son corps propre
si malmené en apparence mais peut-être peut-on y voir la mise en scène du
fantasme masochiste « On bat un enfant », ses pleurs évoquant alors parado-
xalement la jouissance actualisée du corps. Le plus saisissant c’est de constater
comment elle se fait passiver et forcer dans cette situation comme si elle était
engluée tant dans le poids du réel qu’elle a vécu et rencontré activement dans
son histoire que dans sa difficulté propre à élaborer son expérience. L’idée de
forçage revient à plusieurs reprises : au plan sexuel dans le couple ou de la part
d’autres hommes (frère du compagnon, copain) sans que l’on sache bien si
les actes de viol ont abouti. Elle dit ainsi : « j’étais qu’un objet tout le monde
pouvait presque me faire ce qu’il voulait «. C’est le « presque » qui paraît là
important – serait-ce à dire qu’elle est aussi actrice de cette passivation ?
Le fantasme de se faire battre (forcer, harceler) suffirait à lui seul à donner
sens à sa réalité de maltraitance mais ce serait omettre de prendre en compte
sa position d’objet dans le lien à l’autre. Un passage de l’entretien est de ce
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 121

point de vue intéressant lorsqu’elle mesure que la relation égalitaire entre les
genres et au plan narcissique a disparu dans ce couple : « au début on était sur
le même piédestal, on était au même niveau et sans me rendre compte je me
suis retrouvée tout à fait derrière lui, c’est-à-dire comme s’il me tirait avec
une chaîne «. Ce moment de subjectivation s’accompagne de la reprise d’un
projet identificatoire (autonomie, travail, vie seule) mais aussi de la prise en
compte de sa propre difficulté à se protéger : « je ne suis jamais vraiment allée
jusqu’au bout ». Cette place d’objet qu’elle occupe activement est comme déjà
préfigurée en famille, où Christelle est une enfant non voulue qui a survécu à
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une tentative pour avorter, et qui est ensuite rejetée : « ma maman elle ne m’a
jamais vraiment protégée moi ; ma sœur oui, mes frères oui, mais moi j’étais
toujours rejetée parce que moi, ma mère et mon père… j’étais pas voulue,
l’avortement n’a pas marché avec moi, c’était trop tard ». La soumission à
l’autre rejetant et violent semble trouver là son origine.

« Ma mère elle m’a dit à 6 ans : « Si seulement l’avortement avait marché


avec toi ! ». Ça m’a toujours marqué, j’ai toujours malgré que ma maman
elle était très, très, très, sévère avec moi, je l’ai quand même aimée mal-
gré tout, j’ai quand même pris soin d’elle, j’ai fait mon rôle de fille ainée
malgré tout et elle était très très méchante. Ma mère elle me battait aussi. »

Danièle Bastien a proposé l’hypothèse suivante : « La violence externe


subie répétitivement constitue le reflet d’une violence interne ravageante
confrontant sans relâche à une menace imaginaire d’anéantissement, de dispa-
rition, d’inexistence198 ». Le problème posé est celui de l’existence subjective
même, de la stabilité de celle-ci face à un Autre constamment menaçant. Dans
le cas des victimes, le rôle des mêmes imagos archaïques évoquées pour les
auteurs est mis en avant. L’un comme l’autre dans le lien se protégerait-t-il
de ses persécuteurs intimes : l’un en les projetant violemment dans l’autre ;
l’autre en se mettant réellement aux prises avec une figure d’altérité radicale
qui la laisse sans mots, en acceptant de se passiver ainsi au point d’en mourir.

Conclusion
La situation de Christelle n’est pas rare : la mère a été peu disponible à
l’égard de sa fille, abandonnante voire rejetante comme si sa propre identifi-
cation au féminin de son enfant était problématique199. Nous pensons qu’un
198 Bastien Danièle, « Fais de moi ce que tu veux à condition que j’existe pour toi, par toi », in De Neuter P. et Frogneux
N., Violences et agressivités au sein du couple, vol. 2, Louvain-La-Neuve, Académia Bruylant, 2009, p. 43-49.
199 Grihom Marie-José et Reible Sylvain, « Un possible parcours de subjectivation chez les femmes sous
emprise », in Grihom M.-J. et Grollier M. (dir.), Femmes victimes de violences conjugales. Une approche
clinique, Rennes, PUR, 2013, p. 109-121.
122

défaut d’investissement par la mère du féminin de son enfant est à l’œuvre


et qu’il repose sur un refus du féminin au sens où nous l’avons développé ce
que certaines cures confirment. Si le fantasme « On tue une femme » s’adresse
plutôt à la mère séductrice, dans les désirs de meurtre œdipien et plus préco-
cément face à l’indifférenciation de la séductrice et de la mère des premiers
temps de la vie psychique, le meurtre du féminin concernerait des sujets qui
n’ont pu distinguer la femme de la mère et dont le fantasme originaire de
scène primitive repose sur une intrication du sexe, de la vie, et de la mort.
La prise en compte de la dimension intersubjective et le travail clinique

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auprès de femmes victimes laissent penser que le jeu du masculin et du féminin,
donc celui de la bisexualité psychique, est particulièrement bloqué dans les
couples où la violence est le lot commun et où le vouloir tuer de l’un est quasi
réalisé. Le jeu du masculin au féminin et inversement, les glissements perma-
nents induits par la conjugalité renforceraient dans certains cas la violence du
fantasme. Nous avons vu que la femme victime est également impliquée dans ce
fantasme « On tue une femme » du fait de l’expérience psychique du masculin
et du féminin qui a été la sienne (rejet de son propre féminin et téléscopage
des désirs de mort du ou des parents avec la violence subie (enfant battu) et
éprouvée (violence conjugale des parents).
Alors « une femme est tuée » ne serait-ce pas un fantasme commun
décliné selon le masculin/féminin propre au nouage inconscient dans ces
couples où le risque de féminicide est présent ? Ce masculin/féminin serait
partiellement abouti et prévaudrait plutôt une logique du phallique/châtré ou
de l’actif/passif dans l’expérience psychique du genre. Ainsi, la position sub-
jective d’être battue par la père que met en scène chez la femme le fantasme
« un enfant est battu » ne serait qu’un voile mis sur une relation mortifère
originaire où c’est la reconnaissance même de la subjectivité de l’enfant qui
est en jeu (tu-es) et celle de son féminin. Une femme est tuée…
Les violences de genre au sein du couple (dans la pratique du genre)
semblent être à la mesure des expériences psychiques communes des parte-
naires dans ce fantasme originaire « On tue une femme » qui est d’autant plus
actif que le refus du féminin est présent tant pour l’homme auteur que pour
la femme victime. Les expériences désubjectivantes dans le rapport au mas-
culin et au féminin que nous avons entr’aperçues viendraient altérer l’accès
au symbolique, aux logiques mêmes de l’exercice du genre pour ces sujets.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 123

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O AMÓDIO AO FEMININO E A
VIOLÊNCIA NAS PARCERIAS
Heloisa Caldas
Gabriella Dupim

Introdução
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O processo de empoderamento feminista tem ampliado o acesso de


mulheres à cidadania principalmente através de medidas que visam à promo-
ção de equidade entre gêneros. A despeito disso, a violência contra a mulher
vem apresentando considerável recrudescimento, evidenciando a presença
resistente de um ódio misógino. Esse ódio ao feminino, entretanto, não é
praticado apenas por homens, expressando-se igualmente como uma questão
delicada mesmo entre e para as mulheres. Na violência reiterada nas parcerias
amorosas, cabe perguntar como pode a mulher sair da posição de vítima e
evitar a violência.
Para a psicanálise, o ódio violento traz a marca de um excesso de gozo
Outro, rebelde ao significante, deslocalizado no corpo e cuja falta de limites
causa um empuxo à infinitização. Tal gozo torna aqueles em posição feminina
mais vulneráveis às situações de violência. Posto isso, pretendemos refle-
tir aqui sobre o tratamento das vítimas de violência levando em conta suas
possibilidades de enfrentamento desse gozo. Gozo que escapa aos limites
simbólicos, aspecto correntemente presente nas parcerias violentas.
Como o esquecimento é uma das caraterísticas muito presente no nega-
cionismo opressor da contemporaneidade, cabe lembrar: “Quem ama não
mata!”, slogan criado por ativistas feministas que se mobilizaram no combate
à tese de legítima defesa da honra que serviu para garantir a impunidade de
quatro assassinos que mataram suas parceiras no final dos anos 70 e começo
dos 80; casos que que tiveram uma grande repercussão na imprensa da época.
Uma das vítimas, Ângela Diniz foi assassinada com quatro tiros numa casa na
Praia dos Ossos, localizada no município de Búzios, pelo namorado conhecido
como Doca Street, réu confesso. Entretanto, nos três anos que se passaram
entre o crime e o julgamento, Doca tornou-se a vítima. O caso foi discutido
em diversas esferas da sociedade, influenciado pela mídia e pelo poder do
qual o empresário e assassino se beneficiou.
Uma recente minissérie em formato de Podcast produzida pela Rádio
Novelo (Vianna, 2020) deu nova visibilidade ao crime ao veicular diver-
sas informações e propiciar discussões sobre o assassinato de Ângela Diniz.
128

Pudemos escutar entrevistas de várias pessoas que estiveram de alguma forma


ligadas à vítima. Dentre amigos, familiares e delegados, também pudemos
ouvir o próprio autor do crime falar sobre o caso após muitos anos de esqueci-
mento, revelando que amava muito sua namorada. Em muitos depoimentos e
até mesmo nos autos do julgamento ouvimos o incômodo que a personalidade
de Ângela causava tanto em homens quanto em mulheres.
Vivida e criada como parte da elite de Belo Horizonte e casada com um
grande empresário, Ângela se divorcia e vai viver uma vida intensa no Rio
de Janeiro. Era uma mulher lindíssima, sedutora, livre e libertina, conhecida

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como a Pantera Mineira, transitando nas festas da alta sociedade dos grandes
centros. Curtia bebidas e drogas, era considerada uma mulher de personalidade
neurótica, fazia uso de medicação e tinha ideias suicidas, segundo o advogado
de acusação, cuja interpretação foi sustentada pela existência de um testamento
que escrito por Ângela aos 26 anos. Além disso, era mãe de duas crianças que,
por sua vez, moravam com o pai em Belo Horizonte, o que naquela época
favorecia a configuração de uma imagem pública de que não seria boa mãe.
Todos esses argumentos serviram como subsídio à absolvição do autor do
crime, na qualidade de legítima defesa da honra, e condenação moral da vítima.
Uma das ativistas feministas responsáveis por redigir o manifesto abaixo
contra o machismo que sustentava a decisão judicial comenta que, nesse caso,
quem foi a julgamento foram as mulheres.

Nós queremos falar a respeito do Caso Doca Street como símbolo do


machismo na sociedade brasileira. Vemos no caso Doca Street um julga-
mento não só de Ângela de Diniz, mas de todas as mulheres que de algum
modo fogem ao comportamento prescrito para o sexo feminino. O julga-
mento de Doca expressa a maneira pela qual a sociedade brasileira resolve
as relações de poder entre os sexos. O sexo masculino, aqui representado
pelo Sr. Raul Fernando de Amaral Street, pôde impunemente punir uma
mulher que não corresponde ao seu papel tradicional. Queremos deixar
claro nossa revolta e indignação. (Vianna, 2020).

Tratava-se de uma advertência subliminar: “mulheres, comportem-se”.


Vocês não podem atravessar o limite e, se resolverem atravessar, morrem.
Um dado interessante para nossa discussão é que as duas únicas mulheres
membros do júri concordaram com o argumento da legítima defesa da honra,
indicando-nos, como veremos adiante, que o feminino, aqui encarnado em
uma mulher, mobiliza o ódio não tão somente dos homens.
Na atualidade, é possível verificar várias razões para o aumento nos índi-
ces de violência contra a mulher. Antes de serem nomeados como feminicídios,
tais crimes tendiam a ser silenciados ou naturalizados pela lógica patriarcal
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 129

machista, pois, além de as vítimas não serem devidamente protegidas pela


justiça, ainda eram expostos aspectos privados de suas relações amorosas,
causando-lhes vergonha e humilhação. Além disso, sem a tipificação espe-
cífica, esses crimes se dissolviam no amplo espectro das demais formas de
homicídios ou então, muitas vezes, eram justificados como legítima defesa da
honra do criminoso, ferido em sua hombridade pela traição de sua mulher200.
Todos esses aspectos atestam como, no sistema patriarcal, o corpo da
mulher não lhe pertence, mas sim ao Outro. Apesar de muitas mudanças, a
posse do próprio corpo ainda precisa ser afirmada pelas feministas que, hoje
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em dia, bradam “meu corpo, minhas regras” como modo de combate às inú-
meras formas de abuso sexual. Muitos feminicídios resultam da dificuldade
de homens em aceitar que suas parceiras os abandonem e que seus corpos não
sejam propriedade sexual deles. Tomados pela continência dos fatos, muitos
passam ao ato, violentam e matam suas parceiras.
É em casos como esses que melhor se evidencia o neologismo que Lacan
(1972-1973/1985) propõe – amódio – para se referir ao amor e ódio amalga-
mados que podem ser exagerados pela paixão, em especial, quando prevalece
uma demanda imperativa por um objeto fixamente idealizado. O lugar con-
cedido à pessoa amada torna-se, assim, apenas um lugar de objeto; não há
lugar para que uma mulher amada dessa forma seja também sujeito, às voltas
com as questões do seu próprio corpo. Nas parcerias de excessivo amódio,
portanto, o corpo da mulher não pertence a ela, mas ao amante, cujo amor se
revira rapidamente em ódio quando este percebe que o corpo dela lhe escapa.
Mas será que o corpo da mulher pertence completamente a ela? Se o gozo
feminino divide a mulher, é possível que esse corpo algumas vezes também
não lhe pertença, lhe escape, levando-a a situações que a empuxam a um mais
além dos limites do simbólico. Lacan (1972-1973/1985) nos ensina que, se a
mulher pode ser Outra para ela mesma, é possível que essa alteridade radical
também tome formas de um ódio a outra mulher, mas também a ela mesma,
essa Outra que a habita, deixando-a mais vulnerável a situações de violência.

Lógicas da vida amorosa

Com Freud entendemos que a anatomia é o destino, mas também seu


princípio, indicando-nos que a diferença não é algo que se possa apagar. Essa
alteridade radical pode ser expressa de diversos modos na sabedoria popular.
É possível, inclusive, rimarmos astronomia com mitologia, uma vez que se

200 Em outra oportunidade isso foi discutido no artigo “Féminin et feminicides dans le Brésil actuel”
(Caldas, H. [2020] Mental Revue international de psychanalyse, n. 41. Paris : EFP EuroFédération
de Psychanalyse, 47-51).
130

Marte simboliza a guerra, o feminino e as coisas do amor quiçá advenham


de Vênus, um planeta Unheimliche (Freud, 2019).
Compreendemos com Lacan que o ser homem e o ser mulher não passam
de semblantes. Assim, podemos tomar Marte e Vênus como representação
da não-relação sexual, uma vez que funcionam a partir de lógicas distintas e
não complementares de inscrição do falo, todo e não-todo. O feminino estaria
regido por uma lógica Outra, não-toda fálica, relacionado à impossível repre-
sentação simbólica da experiência do sujeito com seu corpo – que, por este
ser o mais íntimo e estranho, não pode ser compartilhada, independentemente

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de sua anatomia sexual, como homem ou mulher.
Para a psicanálise, a palavra feminino, presente no termo feminicídio,
serve como chave de leitura, pois não se trata de um simples adjetivo aplicável
apenas às mulheres. Feminino indica mais do que diz, remete a algo substancial,
porém intangível pela linguagem. Trata-se, aliás, do resto da operação signi-
ficante pela qual se define um saber-fazer com o gozo, recusando e tomando
como alteridade ameaçadora tudo o que difere desse saber. A rigor, o feminino
está presente na segregação de forma geral: sexismo, racismo, homofobia, ori-
gem social e/ou cultural etc. Jacques-Alain Miller (2016) assinala, inclusive,
que sexismo e racismo são da mesma ordem, uma vez que “homem e mulher
são duas raças”, não no sentido físico, mas como efeito de discursos que mudam
conforme a época e que estabelecem rígidas diferenças quanto ao acesso social
e aos direitos humanos daqueles que são discriminados.
Não surpreendem, portanto, os dados que apontam as mulheres negras
como as principais vítimas da violência intrafamiliar no Brasil (IPEA, 2019).
Tampouco gera sobressalto o fato de que os assassinatos de travestis e tran-
sexuais tenham disparado, colocando o Brasil em primeiro lugar no ran-
king mundial (TGEu, 2016). Segundo informações do Atlas da Violência
(IPEA, 2019), o feminicídio envolvendo vítimas negras quase duplicou na
última década, enquanto que o mesmo crime praticado contra mulheres bran-
cas teve apenas um leve aumento.
De acordo com uma perspectiva psicanalítica, esses dados corroboram
o ataque ao “feminino” que, como sempre é bom lembrar, não se restringe à
anatomia. Freud foi o primeiro a apontar a presença do feminino em homens e
mulheres, da sua força criativa e do repúdio que causa quando se manifesta. Em
Contribuições à psicologia do amor (1910/1980a; 1912/1980b; 1918/1980c),
o autor já havia destacado a hostilidade ao feminino, abordando as formas do
homem exercer sua superioridade, separando as mulheres proibidas das sexual-
mente acessíveis. O paradoxo reside no fato de que as mulheres da família são
proibidas ao sexo, mas não ao amor. Consequentemente, os homens podem
apenas amar as “mulheres de família”. Em oposição a isso, a “mulher da rua”,
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 131

que não tem as mesmas referências patriarcais ou as perdeu, são aquelas de


cujos corpos se pode gozar, mas como são depreciadas é mais difícil amá-las.
Assim, deduz-se dessa dicotomia que, para muitos homens, separar o
gozo infamiliar em meio ao amor familiar dificulta a confluência, numa mesma
mulher, do amor, desejo e gozo. Não por casualidade, quando a quarentena
promovida pela pandemia do novo corona vírus forçou as famílias a se iso-
larem em casa, os índices de violência contra as mulheres por parte de seus
parceiros aumentaram. O fato pode ser explicado devido ao maior tempo de
convivência das mulheres com os parceiros violentos (Senado Federal, 2020)
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e, atesta também, por parte dos homens, a dificuldade de se lidar com o gozo
feminino, tomando-o como ameaçador e produzindo reações brutais.
Hoje em dia, essas considerações freudianas também se reapresentam no
que tem sido chamado de masculinidade tóxica. A expressão é utilizada para
qualificar homens que se colocam em posição de superioridade, de ataque e
mesmo de desprezo diante do que as mulheres pensam, dizem ou fazem. Foi a
essa desqualificação recorrente que Lacan (1972-1973/1985) aludiu, pela equi-
vocidade em francês, o “falar de mulher” (dit femme) e “difamar” (diffame).
Há tantas formas sutis de difamar, como Laurent (2019) destaca, que
movimentos já se manifestam contra “as microagressões, [ações qualificadas
como] feridas sutis que afetam os indivíduos expostos a formas de desvalori-
zação por mediação da linguagem, reenviando as minorias à sua alteridade”
(p. 5, tradução nossa).201
Dentre as contribuições freudianas à psicologia do amor, O tabu da
virgindade (1918/1980c) é um trabalho considerado complexo. Nele, Freud
toma a hostilidade pelo lado da mulher ao mesmo tempo em que aponta que
sua divisão subjetiva difere da dos homens. Temos aí um plano mais radical
de divisão subjetiva – ceder ou recusar a ter o corpo tomado como objeto torna
a divisão para a mulher resultando entre a que ama ou a que odeia o que se
passa em seu corpo quando tomada pelo Outro como objeto de amor/ódio.
Sua questão divide-a, portanto, entre sujeito e Outra para si mesma.
Como Miller (1989-1990/2010) ressalta, o tabu diz respeito a um gozo e
a Mulher comparece aí como figura privilegiada de hétero. Contudo, isso não
é exclusividade das mulheres, uma vez que o gozo Outro sempre comparece
mais ou menos velado em qualquer parceria. A ilusão é julgar que se apresenta
apenas no corpo alheio. Ao contrário, o gozo Outro é o que há de mais alheio
no corpo próprio. Sua presença remonta à posição estrutural de advento do
sujeito a partir de uma posição de objeto de gozo.

201 La microagression qualifie les blessures subtiles qui affectent les individus exposés à une forme de
dévalorisation par l’intermédiaire du langage. Ces phénomènes atteignent particulièrement les minorités
en les renvoyant à leur altérité.
132

A questão da diferença em termos de objeto de gozo também evoca o


que Freud (1937/1980d) denominou como “repúdio ao feminino”, presente
nos homens devido ao horror de vir a ser tratado por outro como se fosse
uma mulher. Nessa direção, retomamos uma indicação de J.-A. Miller (1989-
1990/2010) na qual o autor assevera que se sentir traído e perder a mulher
para outro, feminiza o homem. Ferido pela perda da posse que ilusoriamente
lhe permitia se conceber sem falta ou furo, o homem passa de sujeito a objeto
descartável, podendo ser levado à loucura passional de vingança.
Vemos, assim, que a diferença para a psicanálise, antes de ser estrutural

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como é para a linguagem, surge no pano de fundo do sexual e pulsa nos laços
sociais desde a parceria sexual/amorosa até a formação de grupos, seja para
unir ou destruir. Como assinala Laurent (2014), “o racismo muda seus objetos
à medida que as formas sociais se modificam, mas conforme a perspectiva
de Lacan, sempre jaz, numa comunidade humana, a rejeição de um gozo
inassimilável, domínio de uma barbárie possível”.

Parceiro-devastação: a outra face do amor

Para Lacan (1962-1963/2005), amar é dar o que não se tem. As mulheres


nos ensinam sobre essa questão quando demandam retoricamente que seus
parceiros profiram seu amor em palavras. A literatura e a clínica nos enchem
de exemplos do modo de amar feminino. Para amar é preciso falar, é por meio
da fala que se pode dar: a falta-a-ser (Miller, 1998a). Falando de amor, o que
não é em absoluto necessário, uma mulher pode amar mesmo na ausência do
homem amado, sustentada por cartas ou juras de amor eterno, por exemplo.
Para suprir o que falta, imprime-se para um sujeito o sintoma. Para Miller
(1998b) “o sintoma inscreve-se no lugar do que se apresenta como falta, falta
do parceiro sexual natural. O sexo não designa um parceiro sexual natural, é
insuficiente para aparelhar” (p. 30). É nesse sentido que há algo nas parcerias
amorosas que aponta para uma satisfação no sofrimento. Miller (2002) cria
o sintagma parceiro-sintoma com o objetivo de esclarecer que o verdadeiro
parceiro do sujeito é sua forma de gozar. Isso implica que há endereçamento
do sintoma que faz laço com o Outro. Assim, toda parceria seria, portanto,
sintomática. Brodsky (2008) afirma que o sintoma é um parceiro do sujeito,
talvez o mais fiel, pois porta um gozo que supre a inexistência da relação
sexual. Esse modo de suplência apresenta soluções diversas para homens e
mulheres e dizem respeito à particularidade de cada um na lógica da sexuação.
O parceiro torna o sintoma suportável para o sujeito, atenuando o impos-
sível de suportar. Por essa razão, diz Lecoeur (1998), é indispensável que a
clínica do sintoma não ignore o mais-de-gozar que introduz o parceiro entre o
sintoma e o sujeito. O termo parceiro-sintoma, concebido por Miller (1998a),
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 133

está em consonância com a noção de falasser que comporta um corpo vivo,


que fala e goza ao falar, enquanto o sujeito é sempre mortificado, definido
como falta-a-ser. O autor define o falasser como “o sujeito mais o corpo, é
o sujeito mais a substância gozante” (Miller, 1998a, p. 101). Assim, Miller
(1998a) esclarece que introduziu a terminação parceiro-sintoma para eviden-
ciar o conceito de grande Outro para o sujeito barrado $ como simétrico ao
parceiro para o falasser. Esse Outro do qual se trata no parceiro-sintoma é um
corpo vivo, sexuado, permeado pelo gozo.
No parceiro-sintoma, “a relação do parceiro supõe que o Outro se torna
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o sintoma do falasser, isto é, torna-se um meio de gozo” (Miller, 1998a, p.


104). Quer dizer que é um modo de gozar, inconscientemente, do corpo do
Outro. O autor ainda propõe que o parceiro-sintoma seria uma nova acepção
do grande Outro que, por sua vez, inclui o gozo. Seguindo essa orientação,
interrogamos-nos, em que condições o falasser se serve do Outro para gozar?
Miller esclarece que, embora o gozo seja do Um, auto-erótico, produz-se
através do corpo do Outro, sendo ao mesmo tempo alo-erótico (1998a, p.
107) ou fora do corpo.
A partir da fórmula da sexuação proposta por Lacan no seminário 20
(1972-1973/1985), é possível dizer que o parceiro-sintoma do homem se
estrutura como Todo x, tomando o pequeno a, enquanto que do lado feminino
está sob o significante Não-Todo (Miller, 1998a., p. 109). O gozo do homem,
regido sob a forma de significante, pequeno a, torna possível contabilizá-lo.
Ao passo que, para a mulher, é necessário que o parceiro tome contorno
de Não-Todo. Desse modo, para amar é necessário que haja castração, que
algo falte. Por isso se pode deduzir que é natural amar uma mulher, pois ela
encarna o Outro barrado, mas, para amar um homem, é imprescindível cas-
trá-lo imaginariamente.
Para Lacan (1972-1973/1985), “aquilo que dá suplência à relação sexual
é precisamente o amor” (p. 44). Se não há o encontro entre os sexos, um saber
sobre a sexualidade do homem e da mulher, o que pode haver entre eles é
o amor como sintoma possível. O que quer dizer que não há uma condição
necessária para ambos os sexos que os faça complementares. A impossibili-
dade do encontro entre os dois sexos deve-se à inexistência do significante
que designa o que é uma mulher, torna-se uma questão tanto para o homem
quanto para a mulher. O significante sexual por excelência é o masculino,
sendo o feminino representado como ausência, ou menos phi (-Φ). Não se
trata mais do conceito freudiano clássico de castração, pois Lacan (1971,
pp. 120-134) avança ao proferir que a mulher não-existe e ao explicar essa
formulação a partir da lógica do contingente e do universal. Isso quer dizer
que não há um conjunto das mulheres, a mulher só pode ser tocada uma a
uma. Esse aforisma também diz respeito à falta de atributos significantes para
134

designar a mulher na partilha sexual. Ou seja, não se trata mais da pura lógica
significante que é marcada pela presença ou ausência de determinado traço.
Trata-se de que, de um lado, o fálico possua Um traço, mas, do Outro lado,
não há traço a verificar, há gozo.
A não-relação sexual pressupõe que há, portanto, um desencontro entre
os sexos. Não é possível dizer o feminino, uma vez que se trata de um furo
na linguagem, impossível de ser escrita em termos simbólicos, e o biológico,
a natureza sexual, não é suficiente e não serve para dizer o que é uma mulher.
Isso faz com que na partilha sexual, a posição adotada na escolha de um objeto

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de investimento libidinal seja diferente para cada um dos sexos.
Mas, se para Lacan (1972-1973/1985) o gozo da mulher é não-todo,
ilimitado, não totalmente referido à lógica fálica, o gozo do homem é fálico,
limitado e circunscrito, sendo, inclusive, até mesmo passível de ser contado.
Ao mesmo tempo, indica “que se a posição do sexo difere quanto ao objeto,
é por toda a distância que separa a forma fetichista da forma erotomaníaca do
amor” (p. 742). A erotomania, segundo Lacan (1972-1973/1985), aproxima
a mulher não-toda da loucura. As mulheres são, então, loucas de amor, mas
não completamente, o que diferencia esse modo de amar do delírio.
E quando um parceiro se torna o parceiro-devastação para uma mulher?
Miller (1998a) nos indica: quando a demanda de amor, em seu caráter infinito,
retorna ao falasser feminino. O sujeito no feminino, sob a lógica do não-todo,
dirige-se ao parceiro pela demanda de amor e isso retorna sob forma de
devastação. A palavra devastação, em francês ravage, tem a mesma raiz da
palavra ravissement, deslumbramento, que deriva de ravie, deslumbrar. Assim,
um homem pode ser tanto o deslumbramento para uma mulher como uma
devastação. E ser devastada significa “uma pilhagem que se estende a tudo,
que não termina, que não conhece limites, e é em função dessa estrutura que
um homem pode ser o parceiro-devastação de uma mulher, para o melhor e
para o pior” (Miller, 1998a, p. 115).
Para Lacan, a devastação na mulher leva a cabo essa insistência de amor,
aí “não há limites às concessões que cada uma faz para um homem: de seu
corpo, de sua alma, de seus bens” (p. 70). A respeito da posição feminina de
amar, pode dizer uma mulher: “que ele não me bata não é o que conta, o que
conta é que eu seja seu objeto, que eu seja seu parceiro-sintoma, se isto me
devasta, tanto melhor” (Miller, 1998b, p. 118).
Na devastação há uma demanda de amor infinita na qual o importante é
ser amada mesmo que como objeto-dejeto. Sobre isso, Lacan (1958/1998a)
esclarece que, na mulher há uma predominância do objeto de amor em relação
ao de desejo à medida que no homem há uma divergência entre o objeto de
amor e de desejo. Se não há uma condição única e universal para a escolha
de objeto, é possível que uma predileção se estabeleça condicionada por
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 135

pequenos detalhes ou por mera contingência. Como pode ser verificado, por
exemplo, na preferência de certas mulheres por homens degradados, bandidos
ou, até mesmo, assassinos.
Dados da clínica nos indicam que a contingência do encontro com um
homem pode levar à devastação para certas mulheres. Uma mulher, ao se
enlaçar com um parceiro-devastador, faz retornar para si uma demanda de
amor infinita na qual a iminência da perda do amor conduz a estragos arreba-
tadores. Em uma análise cada mulher tem a possibilidade de se responsabilizar
por essa modalidade de gozo e, em alguns casos, adotar outra posição frente
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à escolha de um objeto amoroso.


Para concluir, não apenas a clínica, mas também a arte nos ensina que as
soluções são sempre únicas para que cada um possa dar um tratamento Outro
a esse gozo opaco, excessivo e fora do simbólico, extraindo o melhor do pior
do sintoma. Na obra Insubmissas lágrimas de mulheres (2016), a escritora
Conceição Evaristo conta a história de treze mulheres que se superaram,
inventando saídas singulares de suas relações violentas.
Na clínica, a psicanalista espanhola Pepa Frería (2020) discute um caso
em que, frente a recorrentes encontros com parceiros-devastação, uma mulher
decide se casar com ela mesma. Outros testemunhos de sologamia202 apresen-
taram-se como uma barreira ao empuxo à devastação que alguns falasseres
femininos se auto impunham. Uma delas diz que a sologamia lhe permitiu
ser fiel a ela mesma, uma vez que quando se deprimia, não se respeitava e se
colocava em situações de perigo. Para algumas mulheres, essas tentativas,
avalizadas pelo ideal dominante do amor próprio, pôde lhes reassegurar da
fascinação ao se jogarem na posição de objeto-dejeto odiado por um homem.

202 Sologamia (ou autocasamento) é um termo empregado para designar o casamento de uma pessoa com
ela mesma. Defensores da prática acreditam que ela reafirma o amor próprio da pessoa e leva a uma vida
mais feliz, enquanto críticos afirmam que a prática é narcisista e sugere que a pessoa tem baixa autoestima.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sologamia. Conferir Serrano, M. (2018). Me caso conmigo misma. Recetario
para quererse siempre, Córdoba, Ed. Almuzara.
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LA HAINAMORATION AU
FÉMININ ET LA VIOLENCE
DANS LES PARTENARIATS
Heloisa Caldas
Gabriella Dupim
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Introduction

Le processus d’autonomisation féministe a amélioré l’accès des femmes


à la citoyenneté, principalement grâce à des mesures visant à promouvoir
l’équité entre les sexes. Malgré cela, la violence contre les femmes a consi-
dérablement augmenté, montrant la présence résiliente d’une haine misogyne.
Cette haine au féminin, cependant, n’est pas seulement pratiquée par les
hommes, elle s’exprime aussi comme une question délicate même parmi et
pour les femmes. Dans les violences réitérées dans les relations amoureuses, il
vaut la peine de se demander comment les femmes peuvent quitter la position
de victime et éviter la violence.
Pour la psychanalyse, la haine violente porte la marque d’un excès de
jouissance Autre, rebelle au signifiant, déplacé dans le corps et dont l’absence
de limites provoque une impulsion à l’infinitisation. Une telle jouissance rend
tous ceux qui sont en position féminine plus vulnérables aux situations de
violence. Cela dit, nous envisageons de réfléchir, dans ce travail, à propos du
traitement des victimes de violence en tenant compte de leurs possibilités de
faire face à cette jouissance, une jouissance qui échappe aux limites symbo-
liques, un aspect couramment présent dans les partenariats violents.
Vu que l’oubli est une caractéristique très présente dans le négationnisme
oppressif de la contemporanéité, il faut rappeler : « Quand on aime, on ne
tue pas ! », slogan crée par les activistes féministes qui se sont mobilisées
pour combattre la thèse de légitime défense de l’honneur qui a servi pour
garantir l’impunité de quatre assassins qui ont tué leurs partenaires à la fin
des années 70 et début des années 80 ; ces cas ont eu une grande répercussion
dans la presse de l’époque. L’une des victimes, Ângela Diniz, a été assassinée
à quatre coups de feu dans une maison de plage située à Praia dos Ossos, dans
la ville de Búzios, par son petit-ami connu sous le surnom de Doca Street,
défendeur qui a tout avoué. Pourtant, dans les trois années qui se sont passées
entre le crime et le jugement, Doca est devenu la victime. Le cas a été discuté
140

dans plusieurs sphères de la société, influencé par le média et par le pouvoir


duquel l’entrepreneur et assassin s’est bénéficié.
Une récente mini-série en format de Podcast produite par la Rádio
Novelo (Vianna, 2020) a donné une nouvelle visibilité au crime, en diffusant
diverses informations et en proposant des discussions sur l’assassinat d’Ân-
gela Diniz. Nous avons pu écouter les interviews de plusieurs personnes qui
étaient en quelque sorte liées à la victime. Parmi les amis, la famille et les
délégués, nous avons également pu entendre l’agresseur parler de l’affaire
après nombreuses années de négligence, révélant qu’il aimait beaucoup sa

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petite amie. Dans de nombreux témoignages et même dans les archives judi-
ciaires, nous entendons le malaise que la personnalité d’Ângela a causé chez
les hommes et les femmes.
Vécu et élevé au sein de l’élite de Belo Horizonte et marié à un grand
homme d’affaires, Ângela s’est divorcée et est allée vivre une vie intense à
Rio de Janeiro. Elle était une femme très belle, séduisante, libre et libertine,
connue sous le surnom de Pantera Mineira, et transitait dans les fêtes de la
haute société des grands centres. Elle aimait les boissons et les drogues, elle
était considérée une femme à la personnalité névrotique, consommait des
médicaments et avait des idées suicidaires, selon le procureur, dont l’interpré-
tation était soutenue par l’existence d’un testament rédigé par Ângela à l’âge
de 26 ans. De plus, elle était mère de deux enfants qui, à leur tour, vivaient
avec leur père à Belo Horizonte, ce qui favorisait, à l’époque, la configuration
d’une image publique selon laquelle elle ne serait pas une bonne mère. Tous
ces arguments ont servi de subvention à l’acquittement de l’auteur du crime,
de légitime défense de l’honneur et de condamnation morale de la victime.
L’une des activistes féministes responsables pour rédiger le manifeste
ci-dessous contre le machisme qui a soutenu la décision judiciaire commente
que, dans ce cas, ce sont les femmes qui ont été jugées.

Nous voulons parler à propos du Cas Doca Street en tant que symbole
du machisme dans la société brésilienne. Dans l’affaire Doca Street nous
assistons à un procès non seulement d’Angela de Diniz, mais de toutes les
femmes qui échappent, d’une manière ou d’une autre, au comportement
prescrit pour le sexe féminin. Le jugement de Doca exprime la manière
par laquelle la société brésilienne résolut les questions de pouvoir entre
les sexes. Le sexe masculin, représenté ici par le M. Raul Fernando de
Amaral Street, a pu impunément punir une femme qui ne correspondait
pas à son rôle traditionnel. Nous voulons exprimer clairement notre révolte
et notre indignation. (Vianna, 2020)203

203 Nós queremos falar a respeito do Caso Doca Street como símbolo do machismo na sociedade brasileira.
Vemos no caso Doca Street um julgamento não só de Ângela de Diniz, mas de todas as mulheres que de
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 141

C’était un avertissement subliminal : « les femmes, apprenez à bien vous


porter ». Vous ne pouvez pas traverser la limite et, si vous le faites, vous mour-
rez. Un fait intéressant pour notre discussion est que les deux seules femmes
membres du jury ont souscrit à l’argument en faveur de la légitime défense
de l’honneur, nous indiquant, comme nous verrons plus loin, que le féminin
incarné ici chez une femme, ne mobilise seulement pas la haine des hommes.
Actuellement, il est possible de vérifier plusieurs raisons de l’augmen-
tation des taux de violence à l’égard des femmes. Avant d’être qualifiés de
fémicides, ces crimes avaient tendance à être réduits au silence ou naturalisés
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par la logique du machisme patriarcal car, au-delà du fait que les victimes
n’étaient pas correctement protégées par la justice, des aspects privés de
leurs relations amoureuses étaient également exposés, leur causant honte et
humiliation. De plus, sans classification spécifique, ces crimes ont été dissous
dans le large spectre des autres formes d’homicide, ou bien ils étaient souvent
justifiés comme une légitime défense de l’honneur du criminel, blessé dans
sa virilité par la trahison de sa femme204.
Tous ces aspects attestent comment, dans le système patriarcal, le corps
de la femme ne lui appartient pas, mais appartient à l’Autre. Malgré de nom-
breux changements, la possession du corps lui-même doit être affirmée par
les féministes qui, aujourd’hui, crient « mon corps, mes règles », comme une
façon de combattre les innombrables formes d’abus sexuels. De nombreux
fémicides résultent de la difficulté des hommes à accepter que leurs partenaires
les quittent et que leurs corps ne soient pas leurs propriétés sexuelles. Pris
par la continence des faits, plusieurs hommes passent au acting out, violent
et tuent leurs partenaires.
C’est dans des cas comme ceux-ci que le néologisme proposé par Lacan
(1972-1973/1985) est mieux démontré – hainamoration – pour faire réfé-
rence à l’amour et à la haine amalgamés, et qui peuvent être exagérés par la
passion, surtout lorsqu’une demande impérative d’un objet fixement idéalisé
prévaut. La place accordée à l’être aimé devient alors une place d’objet ; il
n’y a pas de place pour qu’une femme aimée de cette façon devienne aussi
sujet, aux prises avec les questions qui tournent autour de son propre corps.
Dans les partenariats d’excessifs hainamorations, donc, le corps de la femme

algum modo fogem ao comportamento prescrito para o sexo feminino. O julgamento de Doca, expressa a
maneira pela qual a sociedade brasileira resolve as relações de poder entre os sexos. O sexo masculino,
aqui representado pelo Sr. Raul Fernando de Amaral Street, pôde impunimente punir uma mulher que não
corresponde ao seu papel tradicional. Queremos deixar claro nossa revolta e indignação. (Vianna, 2020)
204 Dans une autre opportunité, ce sujet a été discuté dans l’article “Féminin et feminicides dans le Brésil
actuel” (Caldas, H. [2020] Mental Revue international de psychanalyse, n. 41. Paris : EFP EuroFédération
de Psychanalyse, 47-51
142

ne l’appartient pas, mais appartient à son amant, dont l’amour se transforme


rapidement en haine lorsqu’il s’aperçoit que son corps lui échappe.
Mais le corps de la femme lui appartient-il entièrement ? Si la jouissance
féminine divise la femme, il est possible que ce corps parfois ne lui appartienne
pas, lui échappe, l’emmène dans des situations qui la poussent à un au-delà
des limites du symbolique. Lacan (1972-1973/1985) nous enseigne que, si
la femme peut être Autre pour elle-même, il est possible que cette altérité
radicale prenne aussi des formes d’une haine pour une autre femme, mais
aussi pour elle-même, cette Autre qui l’habite et qui la rend plus vulnérable

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aux situations de violence.

Les logiques de la vie amoureuse

C’est avec Freud que nous comprenons que l’anatomie est le destin, mais
aussi son principe, indiquant que la différence n’est pas quelque chose possible
d’effacer. Cette altérité radicale peut s’exprimer de différentes manières dans
la sagesse populaire. Il est même possible de rimer entre l’astronomie et la
mythologie, une fois que Mars symbolise la guerre, le féminin et les choses
de l’amour peuvent venir de Vénus, une planète Unheimliche (Freud, 2019).
Nous comprenons avec Lacan que l’être homme et l’être femme ne sont
que des semblants. Ainsi, nous pouvons prendre Mars et Vénus comme des
représentations du non-rapport sexuel, une fois qu’ils fonctionnent à partir des
logiques distinctes et non complémentaires de l’inscription du phallus, toute
et pas-toute. Le féminin serait régi par une logique Autre, pas-toute phallique,
liée à l’impossible représentation symbolique de l’expérience du sujet avec
son corps – qui, parce que c’est la plus intime et la plus étrange, ne peut être
partagée, quelle que soit son anatomie sexuelle, en tant qu’homme ou femme.
Pour la psychanalyse, le mot féminin, présent dans le terme féminicide,
sert de clé de lecture, car ce n’est pas un simple adjectif applicable uniquement
aux femmes. Le féminin indique plus de ce qu’il dit, il renvoie à quelque chose
de substantiel, mais d’intangible par le langage. C’est d’ailleurs le reste de
l’opération signifiante par laquelle se définit le savoir-faire avec la jouissance,
refusant et prenant pour altérité menaçante tout ce qui diffère de ce savoir.
À rigueur, le féminin est présent dans la ségrégation en général : sexisme,
racisme, homophobie, origine sociale et / ou culturelle, etc. Jacques-Alain
Miller (2016) souligne même que le sexisme et le racisme sont du même
ordre, puisque « l’homme et la femme sont deux races », non pas au sens
physique, mais comme un effet de discours qui changent selon le temps et qui
établissent des différences rigides quant à l’accès social et l’accès aux droits
humains de ceux qui sont victimes de discrimination.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 143

Il n’est donc pas surprenant que les données désignent les femmes
noires comme les principales victimes de la violence intrafamiliale au Brésil
(IPEA, 2019). Il n’est pas surprenant non plus le fait que les assassinats de
travestis et de transsexuels se soient explosés, plaçant le Brésil à la première
place du classement mondial (TGEu, 2016). Selon les informations de Atlas da
Violência (IPEA, 2019), le fémicide impliquant des victimes noires a presque
doublé au cours de la dernière décennie, tandis que le même crime commis
contre les femmes blanches n’a que légèrement augmenté.
Selon une perspective psychanalytique, ces données corroborent l’attaque
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du « féminin » qui, comme il est toujours bon de s’en souvenir, ne se limite


pas à l’anatomie. Freud a été le premier à signaler la présence du féminin
chez l’homme et chez la femme, sa force créatrice et le rejet qu’il provoque
lorsqu’il se manifeste. Dans Contribution à la psychologie de la vie amoureuse
(1910/1980a; 1912/1980b; 1918/1980c)205, l’auteur avait déjà mis en évidence
l’hostilité envers le féminin, abordant les différentes façons dont les hommes
exercent leur supériorité, séparant les femmes interdites de celles qui sont
sexuellement accessibles. Le paradoxe réside dans le fait que les femmes de
famille sont interdites au sexe, mais ne le sont pas à l’amour. Par conséquent,
les hommes ne peuvent aimer que les « femmes de famille ». À l’opposé,
la « femme de la rue », qui n’a pas les mêmes références patriarcales ou qui
les a perdues, sont celles dont on peut jouir du corps, mais comme elles sont
dépréciées, il est plus difficile de les aimer.
Ainsi, il est possible de déduire de cette dichotomie que, pour beaucoup
d’hommes, séparer la jouissance non-familiale au milieu de l’amour familial
rend difficile la confluence de l’amour, du désir et de la jouissance dans la
même femme. Ce n’est pas par hasard, lorsque la quarantaine promue par la
pandémie du nouveau coronavirus a obligé les familles à s’isoler chez elles,
les taux de violence contre les femmes de la part de leurs partenaires ont
augmenté. Le fait s’explique par la coexistence plus longue des femmes avec
des partenaires violents (Senado Federal, 2020) et, cela témoigne aussi, de
la part des hommes, de la difficulté à gérer la jouissance féminine, la prenant
comme menaçante et produisant des réactions brutales.
Aujourd’hui, ces considérations freudiennes sont également présentes
dans ce qu’on a appelé de masculinité toxique. Le terme est utilisé pour
qualifier les hommes qui se mettent en position de supériorité, d’attaque et
même de mépris pour ce que les femmes pensent, disent ou font. C’est à cette
disqualification récurrente que Lacan (1972-1973 / 1985) a fait allusion, pour
l’équivocité en français, au « dit femme » et « diffame ».

205 N.T. : La référence utilisée originalement a été la version brésilienne, comme il est possible de voir dans les
références bibliographiques. Néanmoins, nous mettons dans le corpus du travail la traduction disponible
en français.
144

Il existe plusieurs façons subtiles de diffamer, comme le souligne


Laurent (2019), que les mouvements se manifestent déjà contre « La
microagression, [ce qui] qualifie les blessures subtiles qui affectent les indi-
vidus exposés à une forme de dévalorisation par l’intermédiaire du langage.
Ces phénomènes atteignent particulièrement les minorités en les renvoyant
à leur altérité » (p. 5).
Parmi les contributions freudiennes à la psychologie de la vie amoureuse,
Le tabou de la virginité (1918/1980c) est un travail considéré complexe. En
cela, Freud prend l’hostilité du côté de la femme tout en soulignant que sa

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division subjective diffère de celle des hommes. Là, nous avons un plan plus
radical de division subjective – céder ou refuser d’avoir le corps pris comme
objet fait que la division pour la femme résulte entre celle qui aime ou celle
qui déteste ce qui se passe dans son corps quand elle est prise par l’Autre
en tant qu’objet d’amour / de haine. Sa question la divise donc entre sujet et
Autre pour elle-même.
Comme le souligne Miller (1989-1990 / 2010), le tabou concerne la
jouissance et la Femme y apparait comme une figure privilégiée de l’hé-
téro. Cependant, cela n’est pas exclusif aux femmes, puisque la jouissance
de l’Autre apparaît toujours plus ou moins voilée dans quelque partenariat.
L’illusion est de juger qu’elle n’apparaît que dans le corps des autres. Au
contraire, la jouissance Autre est ce qui a de plus étrangère dans le propre
corps. Sa présence remonte à la position structurelle de l’avènement du sujet
à partir d’une position d’objet de jouissance.
La question de la différence en termes d’objet de jouissance évoque
aussi ce que Freud (1937 / 1980d) appelait la « répudiation du féminin »,
présente chez l’homme par l’horreur d’être traité par un autre comme s’il
était une femme. Dans ce sens, nous revenons à une indication de J.-A.
Miller (1989 – 1990 / 2010) dans laquelle l’auteur assure que se sentir trahi
et perdre la femme pour un autre, féminise l’homme. Blessé par la perte
de possession qui lui permettait illusoirement de concevoir sans absence ni
trou, l’homme passe de sujet à objet jetable, pouvant être poussé à la folie
passionnée de la vengeance.
Nous pouvons observer, alors, que la différence pour la psychanalyse,
avant d’être structurelle comme pour le langage, apparaît à l’arrière-plan du
sexuel et pulsionne dès les liens sociaux du partenariat sexuel / amoureux
jusqu’à la formation de groupes, qu’il s’agisse d’unir ou de détruire. Comme le
souligne Laurent (2014), « le racisme change d’objet à mesure que les formes
sociales changent, mais selon la perspective de Lacan, il y a toujours, dans
une communauté humaine, le rejet d’une jouissance inassimilable, domaine
d’une barbarie possible ».
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 145

Partenaire-ravage : l’autre côté de l’amour

Pour Lacan (1962-1963 / 2005), aimer c’est donner ce qu’on n’a pas.
Les femmes nous enseignent sur cette question quand elles demandent rhé-
toriquement que ses partenaires disent son amour en mots. La littérature et la
clinique nous remplissent d’exemples de la façon de l’aimer féminin. Pour
aimer il faut parler, et c’est par le moyen de la parole qu’il devient possible :
le manque-à-être (Miller, 1998a). C’est en parlant d’amour, ce qui n’est abso-
lument pas nécessaire, qu’une femme peut aimer même dans l’absence de
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l’homme aimé, soutenue par lettres ou vœux d’amour éternel, par exemple.
Pour fournir ce qui manque, le symptôme est imprimé pour un sujet. Pour
Miller (1998b) « le symptôme s’inscrit à la place de ce qui apparaît comme
un manque, un manque de partenaire sexuel naturel. Le sexe ne désigne
pas un partenaire sexuel naturel, il est insuffisant pour s’équiper » (p. 30).
C’est en ce sens qu’il y a quelque chose dans les partenariats amoureux qui
indique la satisfaction dans la souffrance. Miller (2002) crée le syntagme parte-
naire-symptôme afin de clarifier que le véritable partenaire du sujet est sa façon
de jouir. Cela implique qu’il y a un adressage du symptôme qui fait lien avec
l’Autre. Ainsi, tout partenariat serait donc symptomatique. Brodsky (2008)
affirme que le symptôme est un partenaire du sujet, peut-être le plus fidèle,
car il porte une jouissance qui fournit l’inexistence des rapports sexuels. Cette
forme de souplesse présente des solutions différentes pour les hommes et les
femmes et concerne la particularité de chacun dans la logique de la sexuation.
Le partenaire rend le symptôme supportable pour le sujet, atténuant l’im-
possible à supporter. Pour cette raison, dit Lecoeur (1998), il est indispensable
que la clinique du symptôme n’ignore pas le plus-de-jouir qui introduit le
partenaire entre le symptôme et le sujet. Le terme partenaire-symptôme, conçu
par Miller (1998a), est en accord avec la notion de parlêtre qui comprend un
corps vivant, qui parle et qui jouit en parlant, alors que le sujet est toujours
mortifié, défini comme le manque-à-être. L’auteur définit le parlêtre en tant
que « le sujet plus le corps, c’est le sujet et la substance jouissante » (Mil-
ler, 1998a, p. 101). Ainsi, Miller (1998a) éclaircit qu’il a introduit le terme
partenaire-symptôme pour mettre en évidence le concept de grande Autre
pour le sujet barré $ en tant qu’asymétrique au partenaire pour le parlêtre.
Cet Autre duquel il s’agit le partenaire-symptôme est un corps vivant, sexué,
perméable par la jouissance.
Dans le partenaire-symptôme, « la relation du partenaire suppose que
l’Autre devienne le symptôme du parlêtre, c’est-à-dire, cela devient un
moyen de jouir » (Miller, 1998a, p. 104). Cela veut dire que c’est un moyen
de jouir, inconscient, du corps de l’Autre. L’auteur propose encore que le
146

partenaire-symptôme serait une nouvelle acception du grand Autre que, par la


suite, inclut la jouissance. Selon cette orientation, nous nous posons la ques-
tion : dans quelles conditions le parlêtre se sert-il de l’Autre pour jouir ? Miller
clarifie que, malgré le fait que la jouissance soit du Un, auto-érotique, elle se
produit à travers le corps de l’autre, et devient au même-temps allo-érotique
(1998a, p. 107) ou en dehors du corps.
À partir de la formule de la sexuation proposées par Lacan, dans le sémi-
naire 20 (1972 – 1973 / 1985), il est possible de dire que le partenaire-symp-
tôme de l’homme se structure comme Tout x, et prend le petit a, tandis que

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du côté féminin il est sous le signifiant Pas-Tout (Miller, 1998a., p. 109).
La jouissance de l’homme, régi sous la forme de signifiant, petit a, devient
possible de le comptabiliser. Alors que, pour la femme, il est nécessaire que
le partenaire prenne le contour de Pas-Tout. De ce fait, pour aimer il est
nécessaire qu’il y ait la castration, le manque de quelque chose. Pour cette
raison, il est possible de déduire que le naturel c’est d’aimer une femme, car
elle incarne l’Autre barré mais, pour aimer un homme, il est indispensable
de le castrer imaginairement.
Pour Lacan (1972 – 1973 / 1985), « ce qui se donne en souplesse au
rapport sexuel est précisément l’amour » (p. 44). S’il n’y a pas de rapport
sexuel entre les sexes, un savoir sur la sexualité de l’homme et de la femme,
ce qu’il est possible d’avoir entre eux c’est l’amour en tant que symptôme
possible. Ce qui signifie qu’il n’y a pas de condition nécessaire pour les deux
sexes qui les rend complémentaires. L’impossibilité de la rencontre entre les
deux sexes est due à l’inexistence du signifiant qui désigne ce qu’est une
femme, elle devient un enjeu tant pour les hommes que pour les femmes. Le
signifiant sexuel par excellence est le masculin, le féminin étant représenté
comme absence, ou moins phi (-Φ). Ce n’est plus le concept freudien clas-
sique de la castration, comme Lacan (1971, pp. 120-134) avance en disant que
la femme n’existe pas et en expliquant cette formulation à partir de la logique
du contingent et de l’universel. Cela veut dire qu’il n’y a pas un conjoint
des femmes, la femme ne peut être touchée que chaqu’une à son tour. Cet
aphorisme fait également référence au manque d’attributs signifiants pour
désigner les femmes dans le partage sexuel. En d’autres termes, il ne s’agit
plus de pure logique signifiante marquée par la présence ou l’absence d’un
certain trait. Il s’agit d’un côté que le phallique ait Un trait mais, de l’Autre
côté, il n’y a pas de trait à vérifier, il y a la jouissance.
Le non-rapport sexuel présuppose qu’il y a, en conséquence, un décalage
entre les sexes. Ce n’est pas possible de dire le féminin, une fois qu’il s’agit
d’un trou dans le langage, impossible d’être écrite en termes symboliques, et le
biologique, la nature sexuelle, n’est pas suffisant et ne sert pas à dire ce qu’est
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 147

une femme. Cela fait que le partage sexuel, la position adoptée dans le choix
d’un objet d’investissement libidinal soit différent pour chaqu’un des sexes.
Mais si pour Lacan (1972 – 1973 / 1985) la jouissance de la femme est
pas-toute, illimitée, non totalement référée à la logique phallique, la jouissance
de l’homme est phallique, limitée et circonscrite, pouvant même être contée.
Au même temps, cela indique « que si la position du sexe diffère quant à
l’objet, c’est pour toute la distance qui sépare la forme fétichiste de la forme
érotomane de l’amour » (p. 742). L’érotomanie, selon Lacan (1972 – 1973 /
1985), approche la femme pas-toute de la folie. Les femmes sont, alors, folles
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d’amour, mais pas complètement, ce qui différencie cette manière d’aimer du


délire.
Et quand un partenaire devient-il le partenaire-ravage d’une femme ?
Miller (1998a) nous indique : quand la demande d’amour, dans son caractère
infini, revient au parlêtre féminin. Le sujet dans le féminin, sous la logique
du pas-tout, s’adresse au partenaire par la demande d’amour et il revient sous
la forme de ravage. Le mot ravage, en français, a la même racine du mot
ravissement, et qui dérive aussi du mot ravi. Ainsi, un homme peut être à la
fois le ravissement pour une femme et aussi le ravage. Et être ravagé signifie
« un pillage qui s’étend à tout, qui ne finit pas, qui ne connaît pas de limites,
et c’est en fonction de cette structure qu’un homme peut être le partenaire-ra-
vage d’une femme, pour le meilleur et pour le pire » (Miller, 1998a, p. 115).
Pour Lacan, le ravage dans la femme passe par cette insistance d’amour,
il n’y a « pas de limites aux concessions que chacun fait à un homme : de son
corps, de son âme, de ses biens » (p. 70). Concernant la position féminine
d’aimer, une femme peut dire : « qu’il ne me frappe pas ce ne veut rien dire,
ce qui compte c’est que je sois son objet, que je sois son partenaire-symptôme,
si cela me ravage, tant mieux » (Miller, 1998b, p. 118).
Dans le ravage, il y a une demande d’amour infinie dans laquelle l’im-
portant est d’être aimée, même que cela signifie être aimée en tant qu’un
objet-déchet. À ce sujet, Lacan (1958 / 1998a) précise que, chez la femme, il
y a une prédominance de l’objet d’amour par rapport à celui du désir à mesure
que, chez l’homme, il y a une divergence entre l’objet d’amour et de désir.
S’il n’y a pas de condition unique et universelle pour le choix de l’objet, il est
possible qu’une prédilection s’établisse conditionnée par de petits détails ou
par une simple contingence. Comme il est possible d’observer, par exemple,
dans la préférence de certaines femmes pour les hommes dégradés, les bandits
ou même les assassins.
Les données de la clinique nous indiquent que la contingence de la ren-
contre avec un homme peut conduire au ravage pour certaines femmes. Une
femme, lorsqu’elle se lance avec un partenaire-ravage, fait retourner vers
148

soi-même une demande d’amour infini dans laquelle l’imminence de la perte


de l’amour entraîne des dommages ravissants. Dans une analyse, chaque
femme a la possibilité de se responsabiliser par cette modalité de jouissance et,
dans quelques cas, d’adopter une position face au choix d’un objet amoureux.
Pour conclure, non seulement la clinique, mais aussi l’art nous enseigne
que les solutions sont toujours uniques pour que chaqu’un puisse donner un
traitement Autre à cette jouissance opaque, excessive et en dehors du symbo-
lique, en extrayant le meilleur du pire du symptôme. Dans l’œuvre Insubmissas
lágrimas de mulheres (2016), de l’écrivaine brésilienne Conceição Evaristo,

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est racontée l’histoire de treize femmes qui se surmontent et qui inventant des
moyens singuliers pour sortir de leurs relations violentes.
Dans la clinique, la psychanalyste espagnole Pepa Frería (2020) évoque
un cas dans lequel, face à des rencontres récurrentes avec des partenaires-ra-
vage, une femme décide se marier avec elle-même. D’autres témoignages de
sologamie206 se présentent comme une barrière à la poussée vers le ravage
que quelques parlêtres féminins se sont imposées. L’une d’elles dit que la
sologamie lui a permis d’être fidèle à elle-même, car quand elle était déprimée,
il n’y avait pas de respect pour son état et elle se mettait dans des situations
dangereuses. Pour certaines femmes, ces tentatives, endossées pas l’idéal
dominant de l’amour propre, ont pu les rassurer de leur fascination en se jetant
dans la position d’objet-déchet détesté par un homme.

206 Sologamie \sɔ.lɔ.ɡa.mi\ féminin. 1. (Droit) État de celui ou de celle qui est marié avec soi-même. https://


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Tradução: Nyeberth Emanuel Pereira dos Santos


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A OBJETALIZAÇÃO DA
CATEGORIA MULHER NAS
CONSTRUÇÕES PSICANALÍTICAS:
um tipo de violência de gênero
Anderson Santos
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Aline Souza Martins


Bárbara Cristina Souza Barbosa
Cândida Cristine de Oliveira Lucas
Estanislau Alves da Silva Filho
Priscilla Santos de Souza
Tahamy Louise Duarte Pereira

Partindo da crítica à violência de gênero na academia e epistemolo-


gia, pretende-se problematizar o apagamento e a objetificação da mulher que
ocorre em decorrência de determinadas leituras psicanalíticas de conceitos,
como a categoria de mulher, o masoquismo feminino e o deslumbramento.
Nesse sentido, serão problematizadas a aproximação entre o feminino e a
mulher que, apesar de serem noções distintas, são muitas vezes tomados
desconsiderando a complexidade da sua conjugação e o uso mistificado de
elementos ligados às noções de masoquismo feminino e deslumbramento.
O uso dessas categorias, não raramente, cria uma fantasia masculina do que
seria a mulher, usada em determinadas construções teóricas psicanalíticas que
mantêm a mulher no lugar de objeto de conhecimento de um outro que detém
a produção do saber. O silenciamento de intelectuais mulheres nas referên-
cias canônicas psicanalíticas demonstra a perpetuação de uma epistemologia
localizada politicamente, e que contém limitações e cristalizações históricas.
Assim, nos interessa deslocar tais posições hegemônicas e objetificantes da
mulher, através da crítica a essa posição que se pretende universal e elencando
alternativas estratégicas de construções epistemológicas, políticas e de posi-
ções psicanalíticas contra-hegemônicas, trazendo-as para dentro do debate.

[...] Escrevo porque a vida não aplaca meus apetites e minha fome. Escrevo
para registrar o que os outros apagam quando falo, para reescrever as
histórias mal escritas sobre mim, sobre você. Para me tornar mais íntima
comigo mesma e consigo. Para me descobrir, preservar-me, construir-me,
alcançar autonomia. Para desfazer os mitos de que sou uma profetisa louca
ou uma pobre alma sofredora. Para me convencer de que tenho valor e
que o que tenho para dizer não é um monte de merda. Para mostrar que
154

eu posso e que eu escreverei, sem me importar com as advertências con-


trárias. Escreverei sobre o não dito, sem me importar com o suspiro de
ultraje do censor e da audiência. Finalmente, escrevo porque tenho medo
de escrever, mas tenho um medo maior de não escrever (Anzaldúa, 2000)

Incontestáveis são os muitos avanços que a Psicanálise possibilitou aos


estudos da época de seu surgimento e, certamente, seu enorme número de
pacientes ainda hoje demonstra que muito de sua teoria ainda segue atual. A
notoriedade das investigações de Freud mudaram concepções antes estabele-

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cidas. Mudaram o tratamento destinado ao sofrimento histérico, conferindo
a este um saber psicopatológico que possibilitou uma escuta atenta do que as
histéricas tinham a dizer sobre seus sintomas sem base orgânica; desvelou a
existência das fantasias sexuais infantis e dos sonhos empregando-lhe uma
linguagem e uma forma; mediante associação livre “liberou a palavra das
regras tácitas da conversação ordinária e ofereceu a ela um espaço em que
aquilo que não se pode dizer finalmente ganhava corpo e surpreendia inclusive
aquele que fala?” (Iannini & Tavares, 2019, p. 23 apud Freud, 2019).
Ainda assim, conflitos e contradições caminham juntos, haja vista que
alguns pontos cegos a Freud com relação à sexualidade feminina foram apon-
tados pelos críticos dentro e fora da comunidade psicanalítica. Pretendemos
passar pela categoria de mulher nos primeiros escritos de Freud, localizando
as consequências do estabelecimento de uma descrição do outro como uma
violência que objetifica. Nesse sentido lançaremos mão das críticas de mulhe-
res às teorizações sobre alguns conceitos, como o masoquismo feminino e
o deslumbramento, cujo uso produziu um processo de descrédito do sofri-
mento feminino diante da violência estrutural contra as mulheres. Contra
esse processo, vozes de mulheres brancas e negras têm sido resgatadas de um
apagamento histórico, apontando para uma epistemologia crítica que salienta
a relação entre quem detém a narrativa e a produção de conceitos e teorias
objetalizantes sobre grupos não-hegemônicos, inclusive na psicanálise.

A origem das ideias: breve entrada com Freud

Partindo do início, a pesquisa sobre sexualidade feminina esteve no encalço


de Freud, entre idas e vindas em sua obra, desde os “Três ensaios sobre a teoria
do sexual” (1905), sendo amplamente debatida pela(o)s psicanalistas, especial-
mente entre 1920-1930, rendendo importantes debates e publicações científicas.
Por um extenso período, Freud sustentou a hipótese de que a vida sexual
de meninos e meninas seguia de maneira similar até um determinado momento.
Em 1923, começam a aparecer sinais de mudança em seu posicionamento no
texto “Organização genital infantil”, ao afirmar que haveria embasamento
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 155

para descrever somente os processos correspondentes no menino e, mais


adiante em “A questão da análise leiga”, Freud descreve: “sabemos menos
sobre a vida sexual da menininha do que sobre o menininho. Não precisamos
ter vergonha dessa diferença, uma vez também que a vida sexual da mulher
adulta é um dark continente para a psicologia” (Freud, 1926/2019, p. 240).
Ao denominar a mulher enquanto um continente negro, Freud dá margem
para o entendimento de que a mulher é colocada num lugar a ser falada pelo
outro, numa espécie de “enigma” que anseia por decifração.
Tal posicionamento foi alvo de duras críticas também descritas em
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“Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos”


(1925/2019), onde Freud afirma que ‘a anatomia é o destino’ e diferencia o
Complexo de Édipo na menina e no menino. Deste modo, a menina estaria
diante de uma encruzilhada fálica, pois ao descobrir a castração materna
encontraria três caminhos: o complexo de masculinidade, a recusa da satis-
fação fálica ou a feminilidade. Assim, mesmo deixando claro que o conhe-
cimento sobre a sexualidade feminina é ainda obscuro e insuficiente, Freud
(1924/2011) defende que a percepção da menina é que ela “saiu perdendo”
(Freud, 1924/2011, p. 211) (em uma tradução do alemão que poderia ser
também “saiu curto demais”). Essa sensação seria vivida, então, como “des-
vantagem e razão para a inferioridade” (Freud, 1924/2011, p. 211) visto que,
depois dessa fase, a menina aceitaria mais facilmente a castração, mas não sem
antes uma tentativa de compensação substituindo o pênis por receber do pai
um filho. Ademais, é interessante notar que, para falar dessa hipótese, Freud
parafraseia Napoleão dizendo que a “anatomia é destino” (Freud, 1924/2011,
p. 211). Essa frase coloca a anatomia no lugar do que o ex-imperador apontava
como essencial para o destino que, não por acaso, era a política: “Le destin,
c’est la politique”. Apesar de essa frase ser apenas ilustrativa, ela demonstra
o que foi reprimido na explicação freudiana sobre a sexualidade feminina.
Por mais que Freud repetidamente recupere o caráter exploratório de sua
pesquisa, as histéricas, as mulheres e os povos originários foram descrições obje-
talizantes, que marcaram as teorias futuras e fixaram uma série de pressupostos
imaginários sobre o outro que tem função de exercer poder. Essas teorizações,
não são sem consequências políticas para as direções de tratamento lançadas.

Lacan: as mulheres e os homens

Lacan trabalha muito na implosão dos edifícios concretos suportes dos


ditos gêneros. Nitidamente não está preocupado em erigir uma teoria social
da identidade sexual (quem tenta extrair algo assim dele faz tão bem quanto
querer fazer uma biologia a partir da biblioteconomia ou uma geografia a
partir da crítica literária). Não se cansou de repetir que “O homem, a mulher,
156

isto é o que chamamos de valores sexuais. Que haja desde o início o homem
e a mulher é, para começar, uma questão de linguagem” (Lacan, 2012, p. 38).
Assinalando sua perspectiva de que se tratam de fatos discursivos, de
realidades pura e exclusivamente discursivas – “É o princípio do funcio-
namento do gênero, feminino ou masculino”, complementando: “Dito isto,
o homem e a mulher, não sabemos do que se trata. Durante algum tempo,
essa bipolaridade de valores foi tomada como algo que sustentava, suturava
suficientemente o que concerne ao sexo”, sendo “justamente daí que resultou
uma metáfora surda que durante séculos esteve subjacente à teoria do conhe-

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cimento” (Lacan, 2012, p. 38). Mais ainda:

Não há a mínima realidade pré-discursiva, pela simples razão de que o que


faz coletividade, e que chamei de os homens, as mulheres e as crianças,
isto não quer dizer nada como realidade pré-discursiva. Os homens, as
mulheres e as crianças não são mais do que significantes. Um homem, isto
não é outra coisa senão um significante (Lacan, 1985, p. 46).

É daí, do dizer enquanto encarnação distinta do sexo, que eles recebem


sua função. O Outro, na minha linguagem, só pode ser portanto o Outro sexo.”
(LACAN, 1985, p. 54). Sendo significantes, só existindo na linguagem, não
são dados por uma biologia ou uma concretude ou “fixão” outra. Lacan brinca
e ironiza sempre, aliás, lembrando constantemente do caráter semblante da
questão: “Quando ousamos, como se faz todo dia, rotular nossos parceiros
por seu sexo, é impressionante que tanto o homem quanto a mulher simulam
[fontsemblant], cada qual, nesse papel” (Lacan, 2009, p. 70). Lembrando
que, para Lacan (2003, p. 467), uma definição possível de heterossexualidade
seria se referir aquele sujeito que amas as mulheres, qualquer que seja o seu
próprio sexo, por se tratar de amar o Outro sexo, a diferença, questão cara
para o autor no que se refere a temática de gênero (amar a diferença).1 Homem
e mulher lhe serviriam para falar dos significantes e semblantes articulados,
incorrendo em performances do que vai chamar de gozo, ‘modos de gozo’ ou
‘jeitos distintos de falhar e fracassar’ (homem é aquilo que falha y e mulher
aquilo que falha x em suas posições discursivas). Brinca o autor (sempre que
possível, chamando de crianças os tais humanos nunca adultos).
Vejamos mais:

O importante é isto: a identidade de gênero não é outra coisa senão o que


acabo de expressar com estes termos, “homem” e “mulher”. [...] A iden-
tificação sexual não consiste em alguém se acreditar homem ou mulher,
mas em levar em conta que existem mulheres, para o menino, e existem
homens, para a menina. E o importante nem é tanto o que eles experi-
mentam, o que é uma situação real, permitam-me dizer. É que, para os
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 157

homens, a menina é o falo, e é isso que os castra. Para as mulheres, o


menino é a mesma coisa, o falo, e ele é também o que as castra, porque
elas só adquirem um pênis, e isso é falho. [...] Para o menino, na idade
adulta, trata-se de parecer-homem. É isso que constitui a relação com a
outra parte. É à luz disso, que constitui uma relação fundamental, que cabe
interrogar tudo o que, no comportamento infantil, pode ser interpretado
como orientando-se para esse parecer-homem. Desse parecer-homem,
um dos correlatos essenciais é dar sinal à menina de que se o é. Em
síntese, vemo-nos imediatamente colocados na dimensão do semblante.
(Lacan, 2009, p. 30-31).
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Sua linguagem sempre sendo desobjetalizante, desessencializante das


coisas, não permite uma reificação tão constante encontrada em lacanianos
seus seguidores. Lacan parte de críticas metafísicas heideggerianas ao fazer
o que faz. Sabe d’“A linguagem objetificante de Kant e a linguagem não-ob-
jetificante de Heidegger” (Loparic, 2004), e assombra sempre a vergonha da
ontologia (Lacan, 1985). Não deixará de subsequenciar o que fez nomear de
falhar mulher e falhar homem, justamente chamando de mulher a falha do
homem e de homem a falha da mulher, ou melhor:

Permito-me dizer que o sinthoma é, muito precisamente, o sexo ao qual


não pertenço, isto é, uma mulher. Se uma mulher é um sinthoma para todo
homem, fica absolutamente claro que há necessidade de encontrar um outro
nome para o que o homem é para uma mulher, posto que o sinthoma se
caracteriza justamente pela não-equivalência. Pode-se dizer que o homem
é para uma mulher tudo o que quiserem, a saber, uma aflição pior que um
sinthoma. Vocês podem inclusive articular isso como lhes for conveniente.
Trata-se mesmo de uma devastação. Se não há equivalência, vocês são
obrigados a especificar o que concerne ao sinthoma (Lacan, 2007, p. 98).

Homem e mulher são, para Lacan, nomes de sintomas. Se forem usados


como salvação, sinthomas, em algumas derivações. Mas, seja como for, é incan-
savelmente repetido que um ou outro se trata não de posse de pênis ou vagina,
mesmo tampouco de escolha de objeto erótico e, sim, de resto, de sobra, de como
faz sobrar algo, de fazer perder. Isto é, de como fala. Como usa a linguagem. Se
um portador de pênis fará ‘sinthoma’ ou ficará ‘devastado’, dependerá de como
perde e sofre, justamente, de como “ficça” algo que por excelência desfixa.
Feminino e mulher não poderão ser sinônimos ou meramente confundíveis, e
tampouco ficará simplificável como muito já podem ler: “Um homem e uma
mulher não terminam sua análise da mesma maneira” (Associação Mundial
de Psicanálise, 1995, p. 165) – algo que nem diferia do que antes já se leu em
Freud, nos pensamentos dos freudianos e de seus seguidores:
158

todo paciente masculino deve chegar a um sentimento de igualdade de


direitos em face do médico, indicando assim que superou a angústia de
castração; todo doente do sexo feminino, para que se possa considerar
que venceu a sua neurose, deve ter vencido o seu complexo de virilidade
e ter se abandonado sem o menor ressentimento às potencialidades de
pensamento do papel feminino (Ferenczi, 1992, p. 22).

Não, Lacan problematiza mais:

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O importante é que coloquemos em jogo, no caso, um par dito colorido, e
que a cor não tenha sentido algum. A aparência da cor diz respeito à visão,
no sentido em que a distingui, ou ao olhar? O que distingue a cor, o olhar
ou a visão? É uma questão que deixarei em suspenso hoje. A noção de
par colorido está aí para sugerir que, no sexo, não há nada além do que,
digamos, o ser da cor, o que por si sugere que pode haver mulher cor de
homem, ou homem cor de mulher (Lacan, 2007, p. 112).

Ou, enfim, como já o disse Barbara Cassin: “O pão cotidiano não é mais
feito de ‘algumas consequências psíquicas da diferença anatômica entre os
sexos’, mas de alguns efeitos da diferença dos discursos. Não mais: a anatomia é
o destino, mas: diga-me como você fala” (e te direi qual é teu sexo), sendo que,
enfim, em aparência sintomática, “o homem é menos bobo, o filósofo é menos
mestre, quando é moderado pela análise ou pela sofística” (Cassin, 2017, p. 210).

A violência da “permissão para narrar” em relação aos que são


narrados

A leitura contemporânea dos textos de fundação da Psicanálise nos con-


voca a refletir de maneira crítica sobre a produção de saber. A escrita geralmente
foca seus esforços na descrição acurada, que se diz bem embasada e rigorosa
da teoria que descreve determinado fenômeno, e não é incomum que nenhuma
palavra seja dita para problematizar a posição daquele que escreve diante do
que ele designou como seu objeto de pesquisa. No estudo clássico da escritora
indiana Gayatri Spivak, “Quem reivindica a alteridade?” (1989/2019), a autora
fala da necessidade humana de se construir uma história compreensível, orga-
nizada, narrada sem esperar grandes cortes, “eliminando oposições binárias e
continuidades que sempre emergem no suposto relato do real” (1989/2019, p.
268). As omissões e adaptações modificam a descrição a partir de um ponto
localizado para gerar o efeito desejado, esse é um trabalho de exercício de poder
daqueles que têm “permissão para narrar”, que constroem a história a partir
de seu lugar de privilégio. Nesse processo exercem, sem pudores, o poder do
saber e do descrever a alteridade, o exótico, o objeto, ou seja, todos aqueles que
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 159

consideram como subalternos (Spivak, 1989/2019) ficam no lugar de objetos


a serem descritos a partir da perspectiva dominante, como mulheres brancas
e negras, homens negros, provos originários e outros outros.
Ao narrar, sempre se faz a partir de uma perspectiva que violenta o que
está sendo descrito com as formas que aprendemos a observar, medir, avaliar,
interpretar e representar a partir das palavras e histórias que nos foram ensi-
nadas na cultura. O ponto cego dessa descrição é que o que tomamos como
verdade na cultura – os olhos com os quais aprendemos a ver – já incorporou
o ponto de vista hegemônico que reproduz a dominação estrutural. Donna
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Haraway (1995) alerta para a necessidade da identificação da violência ine-


rente na perspectiva207 com a qual aprendemos a ver (Haraway, 1995, p. 23),
para que seja possível deslocar as teorias da descrição absoluta e percebê-las
sempre parciais. Geralmente os objetos que são descritos não são tratados
como agentes em seu processo de autodefinição, são produtos do saber daque-
les que detém o lugar de poder do narrador.
Também na psicanálise é necessário questionar o processo de catego-
rização do outro. Juliet Mitchell (1974) é uma psicanalista e feminista que
já na década de setenta faz uma tese de doutorado que problematiza o papel
da ideologia nos processos inconscientes, principalmente a transmissão da
diferença sexual, e mostra como, para além dos fatores constitucionais biofí-
sicos, químicos e anatômicos, as mulheres aprendem os comportamentos que
evidenciam a diferença sexual e são socializadas para assumirem a posição
do segundo sexo. A autora destaca o papel da estrutura de poder na teoria
da diferenciação sexual freudiana, tornando visível como a clínica psicana-
lítica trataria também as consequências do patriarcado na constituição dos
sujeitos. Para Mitchell (1974/1990), portanto, a desvantagem descrita por
Freud (1924/2011) não viria da anatomia, mas da posição social da mulher
na sociedade, o que faz com que a diferença sexual seja interpretada como
falta, inclusive na própria psicanálise freudiana.
Essa leitura anatômica parte de uma análise da sexualidade feminina a
partir do corpo e dos desejos masculinos, ou seja, ela é um mito criado pela
masculinidade para exercer o papel de diferença, de outro. Para Monique Wit-
tig (1980/2019) a naturalização dessa relação é tomar as formações históricas/
políticas como fixas; para essa autora o que é descrito como a ‘mulher’ não
é algo que possa existir, pois é uma formação imaginária criada a partir do
Outro, da cultura com todas as suas marcas de poder. A própria divisão sexual
é criada a partir de uma ideologia que manipula nossa forma de ver as catego-
rias como naturais, “de tal forma distorcida, que no fim a opressão parece ser
uma consequência dessa ‘natureza’ dentro de nós (uma natureza que é apenas
207 Haraway (1995) “com o sangue de quem foram feitos os meus olhos?” (p. 23).
160

uma ideia)” (Wittig, 1980/2019, p. 83). Na leitura de Butler (1990, p. 164),


Monique Wittig em seu artigo intitulado “Ninguém nasce mulher” considera
que a categoria de sexo serve aos propósitos da sexualidade reprodutora,
viabilizando poder às necessidades econômicas da heterossexualidade. Por-
tanto, a tarefa política de Wittig em seus escritos é problematizar de maneira
radical o discurso sobre o sexo e o gênero como categorias estáveis, ou seja,
“subverter a própria gramática que institui o “gênero” – ou o “sexo fictício”
– como atributo essencial dos seres humanos e dos objetos (especialmente
quando pronunciado em francês)”, pois esta categoria “sexo” é imposta ao

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campo social, a qual a filósofa descreve como um “contrato forçado”. Assim,
“a pessoa não nasce mulher, ela se torna mulher; e mais, que a pessoa não é
do sexo feminino, torna-se feminina; ou até, mais radicalmente, que a pessoa
pode, se quiser, não se tornar nem mulher nem homem” (p. 165).
Ao dizer que é criado um mito imaginário do que seria a mulher Wittig
(1980/2019) concorda com Lacan, entretanto isso não diminui o fato de que
essas descrições têm consequências negativas na realidade de vida das mulhe-
res, e algumas vezes essas teorizações estão dentro da própria psicanálise.
Paula J. Caplan (1985), no seu livro “O mito do masoquismo feminino”208,
descreve as consequências negativas do uso desse conceito como justificativa
usada por especialistas terapeutas para colocar as mulheres que sofrem no
lugar de serem sempre seus próprios algozes, pois sua compulsão à repetição
traumática viria do lugar obscuro do masoquismo feminino. A ideia de Freud
(1924) de que a biologia é o destino é localizada como pedra fundante que
oferece sustentação às teorias que serão desenvolvidas posteriormente209 de
que as mulheres seriam naturalmente e inevitavelmente masoquistas. Mesmo
que essa posição não seja um consenso (pois o próprio Freud cita vários
exemplos de homens masoquistas e sustenta a hipótese do masoquismo ori-
ginário)210, a autora retoma falas de pacientes e casos clínicos publicados nos
quais o efeito foi uma identificação cada vez maior do masoquismo com as
mulheres, gerando um descrédito sobre a violência estrutural da sociedade
contra a mulher, uma patologização do seu sofrimento e das suas demandas
de ajuda211, “muitas vezes leva as pessoas a tomarem o que é mais admirável
e importante sobre as mulheres e a distorcer esses traços em evidências de
doença” (Caplan, 1985, p. 40 tradução nossa).212

208 “The myth of womens’s masochism”.


209 Como as de Helen Deutsh, Marie Bonaparte, Richard von Krafft-Ebing.
210 Autores como Harold Blum, Elizabeth Wait, Karen Horney, Clara Thompson e Nancy Chodorow escreveram
se opondo à tese do masoquismo feminino (Caplan, 1985).
211 Lívia Santiago.
212 “it often leads people to take what is most admirable and importante about women and to distort those traits
into evidence of sickness” (Caplan, 1985, p. 40).
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 161

De volta à mulher como objeto

Paul Preciado realizou em novembro de 2019 uma Intervenção na 49ª


Jornada da Escola da Causa Freudiana intitulada “Mulheres na psicanálise”,
declarando aos psicanalistas que em pleno século 21 estavam organizando
um evento para falar das “mulheres na psicanálise” como se estivéssemos
ainda em 1917, como se “mulher – ainda não tivesse um reconhecimento
pleno enquanto sujeito político; como se ela fosse um anexo ou uma noti-
nha de rodapé, uma criatura estranha e exótica entre as flores, sobre a qual
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é preciso refletir, de quando em quando, num colóquio em mesa-redonda”


(Preciado, 2019, s/p). Para ele, ao contrário, deveriam organizar um evento
sobre homens brancos heterossexuais e burgueses na psicanálise, e retoma seu
discurso através de elementos históricos para afirmar que antes do século XIX

o corpo e a subjetividade feminina não eram reconhecidos como sujei-


tos políticos. A mulher, as mulheres não existiam – nem anatômica,
nem politicamente – como subjetividade soberana antes do século XIX.
No regime patriarcal, anterior ao século XIX, só o corpo masculino e
a sexualidade masculina eram reconhecidos como soberanos. O corpo
feminino e a sexualidade eram subalternos, dependentes e minoritários
(Preciado, 2019, s/p).

Esse discurso causou enorme polêmica no movimento psicanalítico


conservador, e ressoa com a crítica feita por Butler em 1990 ao publicar
“Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade”. Utilizando-se
do termo “categoria” para “mulheres”, sendo esta, o sujeito, a identidade
presumida da teoria feminista, a qual para ela não deveria ser construída
como um apelo em nome de propósitos “estratégicos”, devido ao fato de
que quando o feminismo articula a ideia de um sujeito estável e plural como
“mulheres”, acontece de estarem expostas “a acusações de deturpação cabal da
representação” (Butler, 1990/2003, p. 11). Neste sentido, Butler (1990/2003)
aponta para a inexistência do sujeito “mulheres” como um representante de
um universo homogêneo dentro de um movimento político, mas que mesmo
dentro dessa categoria é necessário compreender que as mulheres brancas
heterossexuais são diferentes das mulheres lésbicas, das mulheres negras, das
mulheres trans e assim por diante. Para Butler (1990/2003), a universalização
da categoria “mulheres” produzirá facções ao invés de garantir solidariedade
e, neste ponto, se refere à problemática de tornar “identidade” como a base
sólida de um movimento político feminista, pois a “identidade” jamais se
sustentará desta forma, considerando que são sempre normativas e nunca
meramente descritivas.
162

Entretanto, afirma que não devemos excluir a categoria “mulheres” do


campo social, ao contrário, se o feminismo considerar “mulheres” como um
“campo de diferenças indesignável, que não pode ser totalizado ou resumido
por uma categoria de identidade descritiva, então o próprio termo se torna um
lugar de permanente abertura e re-significação” (Butler, 1998, p. 25).
Torna-se então necessário compreender que essa categoria é produzida
e, ao mesmo tempo, reprimida pelas estruturas de poder aàs quais buscam
se emancipar. Contudo, a filósofa não desconsidera que essa categoria tenha
sido necessária para ampliar “a visibilidade e legitimidade às mulheres como

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sujeitos políticos” (p. 18). Contudo, Butler (1990/2003) pensa que

Se alguém “é” uma mulher, isso certamente não é tudo o que esse alguém
é; o termo não logra ser exaustivo, não porque os traços predefinidos de
gênero da “pessoa” transcendam a parafernália específica de seu gênero,
mas porque o gênero nem sempre se constituiu de maneira coerente ou
consistente nos diferentes contextos históricos, e porque o gênero esta-
belece interseções com modalidades raciais, classistas, étnicas, sexuais
e regionais de identidades discursivamente constituídas. Resulta que se
tornou impossível separar a noção de “gênero” das interseções políticas
e culturais em que invariavelmente ela é produzida e mantida (p. 20).

Para a tarefa de repensar a categoria “mulher” buscou produzir uma crí-


tica da política feminista que considera o sexo natural e o gênero socialmente
construído, abrindo espaço para pensar que:

[...] o gênero não está para a cultura como o sexo para a natureza; ele
também é o meio discursivo/cultural pelo qual “a natureza sexuada” ou
“um sexo natural” é produzido e estabelecido como “pré-discursivo”,
anterior à cultura, uma superfície politicamente neutra sobre a qual age
a cultura” (p. 25).

A filósofa lembra que, devido à complexidade do conceito de gênero,


exige-se um conjunto interdisciplinar e levar o pensamento para além das
disciplinas discursivas, objetivando resistir à domesticação acadêmica sobre
essa temática e radicalizar a noção de crítica feminista que estava em vigor
nos anos 1990. A partir desse fato, consideramos que Butler possibilitou uma
dobra no movimento feminista, assim como o movimento negro também
vem produzindo imensas contribuições para se pensar além das problemá-
ticas de gênero.
Em seu exercício filosófico, Butler (1990/2003) coloca-se a desconstruir
o binarismo que atravessa a ideia de sexo e gênero. Mas cabe ressaltar que,
como tarefa política, esta desconstrução não significa destruição, mas visa
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 163

colocar em constante problematização a categoria da identidade “sob quais-


quer de suas formas” (p. 184). Portanto, considera que “A desconstrução
da identidade não é a desconstrução da política; ao invés disso, ela estabe-
lece como políticos os próprios termos pelos quais a identidade é articulada”
(Butler, 1990/2003, p. 213). De acordo com Butler, não há uma identidade
de gênero por trás das expressões de gênero, e que a identidade é performa-
ticamente constituída, assim como o gênero também é pensado por ela como
um gesto performativo.
Em outro momento, partindo da afirmação de Simone de Beauvoir “Nin-
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guém nasce mulher, torna-se mulher”, Butler (1990/2003) aponta para o fato
de que esse “tornar-se” é atravessado por uma compulsão cultural que não
advém do “sexo”, a filósofa aposta neste “tornar-se” como um termo “em
processo, um devir, um construir de que não se pode dizer com acerto que
tenha uma origem ou um fim. Como uma prática discursiva contínua, o termo
está aberto a intervenções e ressignificações” (p. 58). Deste modo a filósofa
introduz as seguintes questões ao debate da categoria “mulher”:

[...] como tornar-se mulher se não se é desde o começo? E quem se torna


mulher? Há algum ser humano que se torne de seu gênero em algum ponto
do tempo? É justo supor que esse ser humano não tenha sido de seu gênero
antes de “tornar-se” de seu gênero? Como é que alguém “se torna” de um
gênero? Qual é o momento ou o mecanismo da construção do gênero? E
talvez, mais pertinentemente, quando entra esse mecanismo no cenário
cultural e transforma o sujeito humano num sujeito com características
de gênero? Haverá humanos que não tenham um gênero desde sempre? A
marca do gênero parece “qualificar” os corpos como corpos humanos; o
bebê se humaniza no momento em que a pergunta “menino ou menina?”
é respondida. As imagens corporais que não se encaixam em nenhum
desses gêneros ficam fora do humano, constituem a rigor o domínio do
desumanizado e do abjeto, em contraposição ao qual o próprio humano
se estabelece. Se o gênero está sempre presente, delimitando previamente
o que se qualifica como humano, como podemos falar de um ser humano
que se torna de seu gênero, como se o gênero fosse um pós-escrito ou uma
consideração cultural posterior? (p. 162).

Anatomia e destino: a violência contra ‘alguns’ corpos

Obviamente, o problema da violência em ser descrito pelo outro não


ocorre apenas com as mulheres no geral, as mulheres negras e homens negros
têm alertado para essa questão. Grada Kilomba, em “Memórias da plantação:
episódios de racismo cotidiano” (2019), descreve o processo de objetificação
das mulheres e homens negros na academia, “esse lugar da ‘Outridade’ não
164

indica, comos se acredita, uma falta de resistência ou interesse, mas sim a falta
de acesso à representação, sofrida pela comunidade negra.” (Kilomba, 2019,
p. 51), e acrescenta “não é que nós não tenhamos falado, o fato é que nossas
vozes, graças a um sistema racista, têm sido sistematicamente desqualifica-
das, consideradas conhecimento inválido; ou então representadas por pessoas
brancas que, ironicamente, tornam-se especialistas em nossa cultura, em nós
mesmos” (Kilomba, 2019, p. 51).
Assim, a objetificação das mulheres é responsável pela patologização,
silenciamento, perpetuação de preconceitos, acusação das vítimas e diminuição

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de possibilidades de conquistas materiais e intelectuais,. Esse, certamente, é
um processo de violência usado para manutenção de posições de poder na
nossa sociedade.
Lélia Gonzalez (1984), intelectual, ativista e estudiosa do pensamento
psicanalítico, assume que é com a psicanálise que se abre a possibilidade de
pensar que aquilo que fica como resto na lógica dominante se expressa e fala
e é aí que encontramos o “tesouro da linguagem”. Toda linguagem pode ser
tomada como violência na medida que, para existir, culturas são apagadas e
sobrepostas a partir de uma lógica de dominação relacionada ao poder eco-
nômico e militar empregado a partir da violência em um processo de assimi-
lação, como nos aponta Fanon (1956): “Assiste-se à destruição dos valores
culturais, das modalidades de existência. A linguagem, o vestuário, as técnicas
são desvalorizados” (p. 80). A narrativa transmite o que é fundamentalmente
da ordem das posições sociais e privilegia a classe dominante, ou seja, não há
narrativa deslocada de uma posição de classe. Entretanto, Gonzalez (1984)
argumenta possibilidades de transgressões a partir da psicanálise em que
Freud e Lacan fornecem uma nova abordagem da linguagem, que alcança
características que não interessam à gramática, mas como se constituem a
fenomenologia dos nossos atos de fala, dos lugares de seu não-saber, de suas
dimensões de contradição e de como o sujeito se relaciona com o dito, ou
seja, o que está na “lata de lixo”.
Outro aspecto importante é como Gonzalez (1984) reposiciona as relações
estruturais de dominação. Retomando a frase freudiana “A anatomia é destino”
podemos subverter algum sentido e pensar que, também, é pela posição social
em que os sujeitos se encontram dispostos na sociedade que são tomados dis-
cursivamente. O que em um primeiro momento sabemos ser considerado para
uma avaliação geral do que é bom, perfeito e agradável e, portanto, deve ser
introduzido como um clássico na cultura, seja um cânone para as referências
literárias, acadêmicas, ou um comportamento ou outro ‘gosto’ qualquer, tem
que ver exatamente com o fato de ser ou não proposto por um homem, ser ou
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 165

não branco, ser ou não influente – leia-se, rico. Qual o ‘destino’ nomeado para
as mulheres expressado no pensamento da sociedade psicanalítica do período?
Gonzalez (1984) não se dá por vencida e problematiza esse ponto de
forma transformadora pela passagem da lógica social da linguagem para a
“lógica da dominação”. Na relação entre consciência e inconsciente, que
envolve a dinâmica entre ocultar e revelar, a defesa pela denegação aparece nos
processos inseridos na cultura, que por sua vez são atravessados por questões
relacionadas à dominação e ao poder, herança da colonização. Questões que
necessariamente vão aparecer nos restos, nos não-ditos, nos fragmentos insis-
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tentes no discurso. O sexismo e o racismo envolvem algo de um não querer


saber, e isso implica assumir que relações de poder incidem em processos
inconscientes, processos, portanto, que constroem cadeias de pensamentos
que não obedecem às regras da linguagem formal.
Para a psicanálise, quando um sujeito pensa no sentido convencional –
num sentido que envolve o uso ordinário da linguagem –, ele o faz em um
movimento que implica esconder de si mesmo outra coisa. E isso pode ser
indicado como o cerne do conceito de inconsciente. Aquilo que aparece, aquilo
que é percebido por uma consciência, já responderá a uma dinâmica pulsio-
nal de dissimulação, como Gonzalez (1984) diz, afirma esquecidamente. Na
esteira da psicanálise ela sustenta que a oposição entre, de um lado, consciên-
cia e saber e, como lugar do desconhecido, da alienação onde encontramos o
discurso ideológico e, de outro lado, memória, não-saber e conhecimento, da
história que foi escrita que se estrutura como verdade ficcional. A consciência
exclui o que a memória inclui. Daí, na medida em que é o lugar da rejeição, a
consciência se expressa como discurso dominante (ou efeitos desse discurso)
numa dada cultura, ocultando a memória, mediante a imposição do que ela,
consciência, afirma como a verdade (Gonzalez, 1984, p. 226).
Observações sobre consciência, memória e historicidade feitas por Gon-
zalez (1984) localiza o racismo e sexismo no Brasil como sintoma de neurose
cultural. É na figura da mulata, a doméstica e a mãe preta, uma trindade da
mulher preta brasileira, que a autora apresenta o corpo como destino da rejei-
ção, mas também do desejo. Nessa direção é a polarização entre o endeusa-
mento da mulata e a agressividade direcionada para a empregada doméstica
e assinala que “mulata e doméstica são atribuições de um mesmo sujeito” (p.
242). Essa nomeação depende apenas da situação a partir da qual esse sujeito
é visto, “a anatomia é destino” quando encontramos nos discursos e na mate-
rialização das posições reificadas de violências, apagamentos e segregações
cotidianas um número excessivo de mulheres negras.
Os lugares sociais e, portanto, subjetivos estão nessa tensão e nos deslo-
camentos que refletem na práxis a perpetuação da opressão. Gonzalez (1984)
166

subverte tal dominação apontando para como na linguagem existem brechas,


no pretuguês que permite encontrar o saber dos africanos transmitido pelo
kimbundo, ainda que esteja neutralizado, e o aspecto mais importante: na
aposta de uma nomeação transcultural, uma atualização do olhar para inserção
das diferenças, a aposta na amefricanidade como possibilidades de ocupar
lugares que sustentem a radicalidade da alteridade, sem apagamentos para
manutenções de poderes colonialistas.

Conclusão

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Há afirmações, dentro de um campo, que a partir de um determinado
momento histórico deixam de ser “opiniões” e passam a se tornar negacionis-
mos. A suposição por exemplo, de que psicanalizar é um ofício neutro, sem
qualquer atravessamento por posições ideológicas dos analistas e por conse-
quências advindas de suas raízes epistemológicas se trata de um negacionismo,
não mais uma mera opinião, ou discordância de “entendimento”. Foucault
(2001) foi um autor perspicaz ao nos alertar que o fato de um campo de saber
“Falar, falar” sobre alguma coisa não necessariamente produz emancipações
em torno do tema em questão, ele dizia: falam, falam sobre o sexo, afinal,
essa “Explosão discursiva” (p. 21) serve para quê? Qual o objetivo de uma
cultura dedicar tanto tempo falando que somos reprimidos sexualmente? Nos
liberar dessa repressão? Nos parece que não. Percebia o autor que esse “vício
em falar da repressão” não só produzia pelo cristianismo e pelas ciências um
policiamento dos enunciados em torno do tema, mas uma construção de um
dispositivo de poder que atingia diretamente os corpos da população.
Foucault era um filósofo desconfiado das narrativas em torno da emanci-
pação pois via poder em tudo, diria que Lacan também via poder em tudo, de
um outro jeito, por ver também furo no poder, inclusive, se utilizando disso
para pensar temas como a transferência e relação analítica. Dispomos desse
fragmento, como metáfora, para localizar o debate em torno da mulher e do
feminino, debate que se dá muitas vezes de modo hiperbólico, em que se fala
e fala a respeito da mulher, mas se fala para quê? E se fala como?
Há duas direções clássicas em torno da fantasia masculina no que diz
respeito à mulher. A primeira é elevando a mulher ao estatuto de imensa
idealização, endeusando-a no seu caráter “excêntrico” e incompreensível, o
senso comum traz isso a partir daquelas brincadeiras corriqueiras: “Mas você
acha que dá pra entender uma mulher?”, nessa toada, a mulher se torna um
objeto que estaria à margem de qualquer compreensão e a saída do mascu-
lino seria “se conformar com isso” e ficar um pouco mais tranquilo com esse
“incompreensível cativante”.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 167

A segunda direção clássica seria apreciá-la, lançar mão de uma natu-


ralização generalizante, onde todas as mulheres ou grande parte teria uma
tendência masoquista,213 depreciativa e insegura pelo simples fato de ser
mulher. Nessa, a mulher viveria uma experiência constante de inferioridade e
a saída seria fazê-la se questionar sobre o porquê de tamanha experiência de
depreciação, numa compreensão transindividual de inconsciente que lembra
as cartadas da psicologia do eu. São curiosas essas duas direções tomadas
(ambas iatrogênicas com a mulher) e ambas que, mesmo não aparecendo de
forma tão escancarada em determinados textos psicanalíticos, dão um jeito
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de aparecerem nas suas miudezas, principalmente no que toca as construções


clínicas feitas em torno da escuta de mulheres.
A primeira afirmação, que habitualmente chega primeiro, é a de que
mulher não é sinônimo de corpo de uma fêmea. Afirmação legítima, no que
toca as construções em torno da sexuação e da linguagem trabalhadas por
Lacan (1972/2010), contudo, motivadas por um paradoxo: muitos escritos214,
quando vão trabalhar com a expressão “mulher” e “feminino” trazem exemplos
clínicos de pessoas: do sexo feminino, que performam uma feminilidade. Aqui,
a anatomia seria coincidentemente o destino. Fêmea = Mulher = Feminino.
Em segundo plano, certa interpretação ganha relevo em torno do aforismo
lacaniano: “A mulher não existe” (Lacan, 1972/1985), interpretação essa
calcada na expectativa do enigma, do inefável, daquilo que é indecifrável. À
frente, uma breve retomada sobre isso.
Tudo que se alinha ao lado do não-todo pode ser chamado de mulher, não
todo fálico, no caso. Empiricamente: homens, mulheres, trans, intersexuais
e qualquer outra designação contemporânea de gênero poderia se localizar
nessa relação com a linguagem, nessa modalidade de gozo. Essa localização
se faz como uma escolha do sujeito falante, mas não uma escolha “delibe-
rada” e completamente livre, já que essa escolha é “vivamente aconselhada”
no campo da cultura, pois a partir do órgão do corpo, o sujeito é nomeado
como “menina” ou como “menino” e vive todas os efeitos dessa nomeação
advinda do Outro (Soler, 2005). Além do que: anatomia não é o destino, mas

213 No trabalho “Diretrizes para um Congresso sobre sexualidade feminina” (1953/1998), Lacan irá criticar a
hipótese de um masoquismo fundamentalmente da mulher e afirmar que os analistas tem seus preconceitos,
mas que é importante diferenciar o que é da ordem do preconceito e o que seria uma formação inconsciente
(Ribeiro, 2017), o autor questiona: “Será que podemos nos fiar no que a perversão deve à invenção mascu-
lina, para concluir que o masoquismo da mulher é uma fantasia do desejo do homem?” (Lacan, 1958/1998,
p. 740). Aqui Lacan tá se referindo ao modo de amar do homem que é pela via fetichista, sendo o objeto
rodeado de condições para assim ser amado, debate aqui se estende ao trabalho de Hélène Deutsch que
defendia que o feminino possui uma característica masoquista, ao qual Lacan discordaria.
214 Alguns títulos, que sugerimos a leitura para a observação desse fato: “Devastação, o que há de novo”
(Rangel, 2016); Sobre o gozo psicanalítico na clínica psicanalítica com mulheres devastadas (Segal, 2013)
e também “Devastação feminina: o que pode uma análise?” (Faria & Starling, 2019).
168

não passa neutralizada na experiência do sujeito. Freud se atentou a isso, ao


afirmar tantas vezes que a criança universalizava um certo pedaço de carne
– o pênis – e que quando olhava para a coleguinha que não o tinha, supunha
que alguém cortou, não se inscrevendo ali a diferença sexual.
O enigma, verdadeiro enquanto tal, se refere ao enigma em relação ao
desejo do Outro: “o que queres de mim?”, pergunta o falante, ansioso por
uma resposta. Esse enigma é democrático: homens e mulheres põem a questão
em cena, homens e mulheres fantasiam distintamente sobre o que outro quer
deles. Homens: aqueles, aquelas, aquelxs que se situam na primazia fálica;

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mulheres: aqueles, aquelas, aquelxs que se situam num oscilante entre falo
e não-falo, ambos angustiados pela falta da palavra que nomearia o objeto
de desejo e supostamente lançaria o mapa da direção de se atingir A relação
sexual. Por que então insistir tanto no enigma do feminino?
Uma das consequências possíveis de tamanha produção em torno da
pergunta (O que quer uma mulher?)215, pergunta freudiana por excelência,
continuada por pós-lacanianos, é a suposição rápida demais de que a posição
masculina de gozo, com seus efeitos na cultura, não precisaria ser submetida
ao viés do enigma216, lembrando que, é recomendável colocar em estatuto de
enigma mesmo aquilo que está no campo do existente.
O falo existe enquanto significante ímpar, uma vez que falte o significante
do Outro sexo. Outra consequência possível seria a terceirização da diferença
sexual, como se ela estivesse do lado de lá, ocorrendo que Outro não se refere
a algo externo que bagunçaria a vivência interna do sujeito, mas aquilo que
constitui o próprio sujeito, que age à revelia, ou seja, o Outro sexo é também
a “minha experiência” (assumindo ou não qualquer gênero (x) que a ficção
aguentar). Insistir numa enigmatização da mulher “anatomizando” essa enig-
matização nesse corpo feminino é produzir mais uma violência às mulheres,
que se dá como dito anteriormente: na produção teórica, na clínica, na trans-
missão e na política. Não dá pra escapar dessa “autocrítica” lançando mão
sempre da famigerada: “vocês não leram Freud e Lacan direito”. Isso é des-
considerar todas as questões colocadas pelos interlocutores de outros campos.

215 Pergunta contida por exemplo no livro de Serge André (O que quer uma mulher?) e em vários artigos publicados.
216 Essa crítica já foi primorosamente realizada por Paul B. Preciado na 49ª Jornada da Escola da Causa Freu-
diana, crítica essa rebatida por vários psicanalistas e veiculadas na rede social, precisaríamos, que talvez
o que menos importa na intervenção de Preciado seja o “entendimento ou não da construção lacaniana” a
respeito da sexuação por parte dele, mas sim o questionamento dos efeitos políticos que a clínica lacaniana
e a teoria em questão produzem nas direções de tratamento e na cultura. A intervenção em questão se
encontra no link: http://lacanempdf.blogspot.com/2019/12/paul-b-preciado-intervencao-na-49.html
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 169

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L’OBJECTIVATION DE
LA CATÉGORIE FEMME DANS
LES CONSTRUCTIONS
PSYCHANALYTIQUES :
un type de violence de genre
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Anderson Santos
Aline Souza Martins
Bárbara Cristina Souza Barbosa
Cândida Cristine de Oliveira Lucas
Estanislau Alves da Silva Filho
Priscilla Santos de Souza
Tahamy Louise Duarte Pereira

Introduction

Partant de la critique de la violence de genre dans le monde universitaire et


de l’épistémologie, cet article entend problématiser l’effacement et l’objectivation
des femmes qui se produisent à la suite de certaines lectures psychanalytiques de
concepts, tels que la catégorie de femme, le masochisme féminin et l’éblouisse-
ment. Dans ce sens, on problématisera le rapprochement entre le féminin et la
femme, qui, bien qu’étant des notions distinctes, sont souvent prises au mépris de
la complexité de leur conjugaison et de l’utilisation mystifiée d’éléments liés aux
notions de masochisme féminin et d’éblouissement. L’utilisation de ces catégo-
ries, pas rarement, crée un fantasme masculin de ce que serait la femme, utilisé
dans certaines constructions théoriques psychanalytiques, qui maintiennent la
femme à la place d’objet de savoir d’un autre qui détient la production de savoir.
La réduction au silence des femmes intellectuelles dans les références canoniques
psychanalytiques démontre la perpétuation d’une épistémologie politiquement
située, qui contient des limitations et des cristallisations historiques. Ainsi, nous
sommes intéressés à déplacer ces positions hégémoniques et objectivantes des
femmes,à travers la critique cette position qui prétend être universelle et en listant
des alternatives stratégiques de constructions épistémologiques, politiques et de
positions psychanalytiques contre-hégémoniques, en les amenant dans le débat.

[...] J’écris parce que la vie n’apaise pas mes appétits et ma faim. J’écris
pour enregistrer ce que les autres effacent quand je parle, pour réécrire
les histoires mal écrites sur moi, sur vous. Pour devenir plus intime avec
174

moi-même et avec vous. Pour me découvrir, me préserver, me construire,


atteindre l’autonomie. Pour dissiper les mythes selon lesquels je suis une
prophétesse folle ou une pauvre âme souffrante. Pour me convaincre que
j’ai de la valeur et que ce que j’ai à dire n’est pas un tas de conneries. Pour
montrer que je peux et que je vais écrire, peu importe les avertissements du
contraire. J’écrirai sur les non-dits, sans me soucier du soupir d’indignation
du censeur et du public. Enfin, j’écris parce que j’ai peur d’écrire, mais
j’ai une plus grande peur de ne pas écrire (Anzaldúa, 2000).

Les nombreuses avancées indéniable que la Psychanalyse a rendues possibles

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aux études de l’époque de son apparition sont incontestables et, certainement, son
nombre énorme de patients démontre encore qu’une grande partie de sa théorie est
encore d’actualité. La notoriété des enquêtes de Freud a changé les conceptions
établies précédemment. Ils ont changé le traitement de la souffrance hystérique,
en lui donnant une connaissance psychopathologique qui permettait une écoute
attentive de ce que les femmes hystériques avaient à dire sur leurs symptômes
sans fondement organique ; il a révélé l’existence de fantasmes et de rêves sexuels
infantiles en utilisant un langage et une forme ; par libre association “il a libéré
la parole des règles tacites de la conversation ordinaire et lui a offert un espace
dans lequel ce qui ne peut être dit a finalement pris corps et a surpris même celui
qui parle ? (Lannini & Tavares, 2019, p. 23 apud Freud, 2019).
Pourtant, conflits et contradictions vont de pair, étant donné que certains
angles morts de Freud concernant la sexualité féminine ont été soulignés par
des critiques à l’intérieur et à l’extérieur de la communauté psychanalytique.
Nous avons l’intention de parcourir la catégorie de la femme dans les pre-
miers écrits de Freud, en repérant les conséquences de l’établissement d’une
description de l’autre comme une violence qui objective. Dans ce sens, nous
utiliserons la critique des femmes pour théoriser certains concepts, tels que
le masochisme féminin et l’éblouissement, dont l’utilisation a produit un
processus de discrédit de la souffrance féminine face à la violence structu-
relle contre les femmes. Face à ce processus, les voix des femmes blanches
et noires ont été sauvées d’un effacement historique, ce qui renvoie à une
épistémologie critique qui met en évidence la relation entre qui détient le
récit et la production de concepts et de théories objectivants sur les groupes
non hégémoniques, y compris dans la psychanalyse.

L’origine des idées : brève entrée en matière avec Freud

Dès le début, la recherche sur la sexualité féminine s’est trouvée sur le


chemin de Freud, entre des allées et venues dans son œuvre, depuis “Trois
essais sur la théorie de la sexualité” (1905), étant largement débattue par les
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 175

psychanalystes, surtout entre 1920-1930, donnant lieu à d’importants débats


et publications scientifiques.
Pendant longtemps, Freud a soutenu l’hypothèse que la vie sexuelle
des garçons et des filles se déroulait de manière similaire jusqu’à un certain
moment. En 1923, des signes de changement dans sa position commencent à
apparaître dans le texte “L’Organisation génitale infantile”, lorsqu’il déclare
qu’il y aurait lieu de décrire uniquement les processus correspondants chez
le garçon et, plus loin dans “La question de l’analyse profane”, Freud décrit
: “nous en savons moins sur la vie sexuelle de la petite fille que sur celle du
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petit garçon. Nous n’avons pas à avoir honte de cette différence, car la vie
sexuelle de la femme adulte est aussi un continent sombre pour la psychologie”
(Freud 1926/2019, p. 240)217. En appelant la femme un continent noir, Freud
laisse la place à la compréhension que la femme est placée dans une place à
dire par l’autre, dans une sorte d’”énigme” qui aspire à être déchiffrée.
Cette position a été la cible de critiques sévères également décrites dans
“Quelques conséquences psychiques de la distinction anatomique entre les
sexes” (1925/2019), où Freud affirme que “l’anatomie est le destin” et diffé-
rencie le complexe d’Œdipe chez les filles et les garçons. Ainsi, la jeune fille
serait face à un carrefour phallique, car en découvrant la castration maternelle,
elle trouverait trois voies : le complexe de masculinité, le refus de la satis-
faction phallique ou la féminité. Ainsi, même en précisant que les connais-
sances sur la sexualité féminine sont encore obscures et insuffisantes, Freud
(1924/2011) défend que la perception de la jeune fille est qu’elle a “avait
perdu “ (Freud, 1924/2011, p. 211) (dans une traduction de l’allemand qui
pourrait aussi être “est sorti trop court “). Cette sensation serait alors vécue
comme “ désavantage et motif d’infériorité “ (Freud, 1924/2011, p. 211)
puisque, après cette phase, la fille accepterait plus facilement la castration,
mais pas avant une tentative de compensation remplaçant le pénis en recevant
un fils du père. Il est d’ailleurs intéressant de noter que, pour parler de cette
hypothèse, Freud paraphrase Napoléon en disant que “ l’anatomie est le destin
“ (Freud, 1924/2011, p. 211). Cette phrase met l’anatomie à la place de ce
que l’ancien empereur désignait comme essentiel au destin, qui, comme par
hasard, était la politique : “Le destin, c’est la politique”. Bien que cette phrase
ne soit qu’illustrative, elle démontre ce qui était réprimé dans l’explication
freudienne sur la sexualité féminine.
Autant Freud récupère à plusieurs reprises le caractère exploratoire de
ses recherches, les hystériques, les femmes et les autochtones sont des des-
criptions objectivantes, qui marquent les théories futures et fixent une série
d’hypothèses imaginaires sur l’autre qui a pour fonction d’exercer le pouvoir.

217 Les traductions faites des textes cités sont libres.


176

Ces théorisations, ne sont pas sans conséquences politiques sur les directions
de traitement lancées.

Lacan : les femmes et les hommes

Lacan travaille beaucoup sur l’implosion des bâtiments en béton qui


soutiennent les soi-disant genres. Il n’est clairement pas préoccupé par l’édi-
fication d’une théorie sociale de l’identité sexuelle (quiconque tente d’extraire
quelque chose de ce genre de lui, le fait tout aussi bien que vouloir faire de la

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bibliothéconomie une biologie ou de la critique littéraire une géographie). Il
ne se lassait pas de répéter que “Homme, femme, c’est ce que nous appelons
les valeurs sexuelles. Qu’il y ait dès l’origine homme et femme est, pour
commencer, une question de langage “ (Lacan, 2012, p. 38).
Soulignant son point de vue selon lequel il s’agit de faits discursifs, de
réalités purement et exclusivement discursives – “C’est le principe du fonc-
tionnement du genre, féminin ou masculin”, ajoutant : “Cela dit, lo homme
et femme, on ne sait pas de quoi il s’agit. Pendant un certain temps, cette
bipolarité des valeurs a été prise comme quelque chose qui soutenait, suturait
suffisamment ce qui concerne le genre “, et c’est “ précisément de cela qu’a
résulté une métaphore sourde qui, depuis des siècles, sous-tend la théorie de
la connaissance “ (Lacan, 2012, p. 38). Plus loin :

Il n’y a pas la moindre réalité pré-discursive, pour la simple raison que ce


qui fait la collectivité, et ce que j’ai appelé les hommes, les femmes et les
enfants, cela ne signifie rien comme réalité pré-discursive. Les hommes, les
femmes et les enfants ne sont rien de plus que des signifiants. Un homme,
ce n’est rien d’autre qu’un signifiant (Lacan, 1985, p. 46).

C’est de là, du dire en tant qu’incarnation distincte du sexe, qu’ils


reçoivent leur fonction. L’Autre, dans mon langage, ne peut donc être que
l’Autre sexe”. (Lacan, 1985, p. 54). Étant des signifiants, n’existant que dans
le langage, ils ne sont pas donnés par une biologie ou une concrétude ou une
“fixation” autre. Lacan plaisante et ironise toujours, d’ailleurs, en rappelant
constamment le caractère semblant de la question : “ Lorsque nous osons,
comme cela se fait tous les jours, étiqueter nos partenaires par leur sexe, il est
frappant que l’homme et la femme simulent [fontsemblant] chacun dans ce
rôle “ (Lacan, 2009, p. 70). Rappelons que, pour Lacan (2003, p. 467), une
définition possible de l’hétérosexualité serait de se référer à ce sujet qui aime
les femmes, quel que soit leur propre sexe, car il s’agit d’aimer l’Autre sexe,
la différence, une question importante pour l’auteur concernant le thème du
genre (aimer la différence). 1 L’homme et la femme lui serviraient à parler des
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 177

signifiants et des semblants articulés, encourus dans des performances de ce


qu’il appellera la jouissance, des “ modes de jouissance “ ou des “ manières
distinctes d’échouer et d’échouer “ (l’homme est ce qui échoue y et la femme
ce qui échoue x dans leurs positions discursives). L’auteur plaisante (dans la
mesure du possible, en appelant les enfants comme jamais les humains adultes).
Voyons-en plus :

L’important est le suivant : l’identité de genre n’est rien d’autre que ce que je
viens d’exprimer avec ces termes, “homme” et “femme”. [...] L’identification
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sexuelle ne consiste pas à se croire homme ou femme, mais à prendre en


compte qu’il y a des femmes, pour le garçon, et qu’il y a des hommes, pour la
fille. Et l’important n’est pas tant ce qu’ils vivent, qui est une situation réelle,
permettez-moi de le dire. C’est que, pour les hommes, la fille est le phallus,
et c’est ce qui les castre. Pour les femmes, le garçon est la même chose, le
phallus, et il est aussi ce qui les castre, car elles n’acquièrent qu’un pénis,
et c’est défectueux. [...] Pour le garçon, à l’âge adulte, il s’agit d’apparaître
comme un homme. C’est ce qui constitue la relation avec l’autre partie.
C’est à la lumière de cela, qui constitue une relation fondamentale, que nous
devons remettre en question tout ce qui, dans le comportement infantile,
peut être interprété comme s’orientant vers ce semblant d’homme. L’un des
corrélats essentiels de cette apparence d’homme est de donner un signe à
la fille que l’on est. Dans la synthèse, nous nous trouvons immédiatement
placés dans la dimension du semblant. (Lacan, 2009, p. 30-31).

Son langage étant toujours désobjectalisant, désessentialisant des choses,


ne permet pas une réification si constante que l’on retrouve chez les lacaniens et
ses disciples. Lacan part de la critique métaphysique heideggérienne pour faire
ce qu’il fait. Il connaît “le langage objectivant de Kant et le langage non-objec-
tivant de Heidegger” (Loparic, 2004), et hante toujours la honte de l’ontologie
(Lacan, 1985). Il ne manquera pas de subséquencer ce qui a fait le nom de
femme défaillante et d’homme défaillant, précisément en appelant la femme
la défaillance de l’homme et l’homme la défaillance de la femme, ou mieux :

Permettez-moi de dire que le sinthome est, très précisément, le sexe auquel


je n’appartiens pas, c’est-à-dire une femme. Si une femme est un sinthome
pour tout homme, il est absolument clair qu’il faut trouver un autre nom
pour ce qu’un homme est pour une femme, puisque le sinthome se carac-
térise précisément par la non-équivalence. On peut dire que l’homme est
pour la femme tout ce qu’on veut, à savoir une affliction pire qu’un péché.
Vous pouvez même l’articuler comme bon vous semble. C’est vraiment
une dévastation. S’il n’y a pas d’équivalence, vous êtes obligé de préciser
ce qui concerne le sinthome (Lacan, 2007, p. 98).
178

Homme et femme sont, pour Lacan, des noms de symptômes. S’ils sont
utilisés comme salut, sinthomas, dans certaines dérivations. Mais, quoi qu’il
en soit, on répète inlassablement que l’un ou l’autre ne concerne pas la pos-
session d’un pénis ou d’un vagin, ni même le choix de l’objet érotique, mais
le reste, le surplus, la façon dont il rend quelque chose en surplus, le fait de le
perdre. C’est-à-dire, de la façon dont il parle. Comment il utilise le langage. Si
un porteur de pénis fera “ sinthome “ ou sera “ dévasté “, cela dépendra de la
façon dont il perd et souffre, précisément, de la façon dont il “ fictionnalise “
quelque chose qui par excellence défixe. Féminin et femme ne seront pas des

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synonymes ou de simples confusions, et ne seront pas non plus simplifiables
comme beaucoup l’ont lu : “Un homme et une femme ne terminent pas leur
analyse de la même manière” (World Association of psychoanalyses, 1995,
p. 165) – ce qui n’est pas différent de ce que nous avons lu auparavant chez
Freud, dans les pensées des freudiens et de leurs suiveurs :

tout patient masculin doit atteindre un sentiment d’égalité de droits face


au médecin, indiquant ainsi qu’il a surmonté l’angoisse de castration ;
tout patient féminin, pour être considéré comme ayant vaincu sa névrose,
doit avoir surmonté son complexe de virilité et s’être abandonné sans
le moindre ressentiment aux potentialités pensantes du rôle féminin
(Ferenczi, 1992, p. 22).

Non, Lacan problématise davantage:

L’important est que nous mettons en jeu, dans ce cas, une paire dite colo-
rée, et que la couleur n’a aucune signification. L’apparition de la couleur
est-elle liée à la vision, dans le sens où je la distingue, ou au regard ?
Qu’est-ce qui distingue la couleur, le look ou la vision ? C’est une question
que je laisserai en suspens aujourd’hui. La notion de paire de couleur est
là pour suggérer que, dans le sexe, il n’y a rien de plus que, disons, l’être
de couleur, ce qui en soi suggère qu’il peut y avoir femme homme de
couleur, ou homme femme de couleur (Lacan, 2007, p. 112).

Ou, enfin, comme l’a déjà dit Barbara Cassin : “Le pain quotidien n’est
plus fait de “quelques conséquences psychiques de la différence anatomique
entre les sexes”, mais de quelques effets de la différence des discours. Non
plus : l’anatomie est le destin, mais : dis-moi comment tu parles “ (et je te
dirai quel est ton sexe), étant que, finalement, en apparence symptomatique,
“ l’homme est moins fou, le philosophe est moins maître, quand il est modéré
par l’analyse ou par le sophisme “ (Cassin, 2017, p. 210).
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 179

La violence de la “permission de narrer” par rapport à ceux qui


sont racontés

La lecture contemporaine des textes fondateurs de la psychanalyse nous


convoque à une réflexion critique sur la production du savoir. L’écriture
concentre généralement ses efforts sur la description précise, dite bien fondée
et rigoureuse de la théorie qui décrit un certain phénomène, et il n’est pas rare
que pas un mot ne soit dit pour problématiser la position du rédacteur devant
ce qu’il a désigné comme son objet de recherche. Dans l’étude classique de
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l’écrivain indien Gayatri Spivak, “Qui revendique l’altérité ?” (1989/2019),


l’auteur parle du besoin humain de construire une histoire compréhensible,
organisée, racontée sans s’attendre à des coupures majeures, “ éliminant les
oppositions binaires et les continuités qui émergent toujours dans le récit sup-
posé du réel “ (1989/2019, p. 268). Les omissions et les adaptations modifient
la description à partir d’un point localisé pour générer l’effet désiré, c’est un
travail d’exercice du pouvoir de ceux qui ont la “permission de raconter”, qui
construisent l’histoire à partir de leur place de privilège. Dans ce processus,
ils exercent sans honte le pouvoir de la connaissance et décrivent l’altérité,
l’exotique, l’objet, c’est-à-dire que tous ceux qui sont considérés comme
subalternes (Spivak, 1989/2019) sont à la place des objets à décrire du point
de vue dominant, comme les femmes blanches et noires, les hommes noirs,
les peuples originels et autres.
Lorsque l’on raconte, on le fait toujours d’un point de vue qui viole ce
qui est décrit avec les moyens que nous avons appris à observer, mesurer,
évaluer, interpréter et représenter à partir des mots et des histoires qui nous
ont été enseignés dans la culture. L’angle mort de cette description est que
ce que nous prenons pour la vérité dans la culture – les yeux avec lesquels
nous avons appris à voir – a déjà incorporé le point de vue hégémonique qui
reproduit la domination structurelle. Donna Haraway (1995) met en garde
contre la nécessité d’identifier la violence inhérente à la perspective218 avec
laquelle nous apprenons à voir (Haraway, 1995, p. 23), afin qu’il soit possible
de déplacer les théories de la description absolue et de les percevoir comme
toujours partielles. En général, les objets décrits ne sont pas traités comme
des agents dans leur processus d’auto-définition, ils sont les produits de la
connaissance de ceux qui détiennent la place de pouvoir du narrateur.
En psychanalyse aussi, il est nécessaire de remettre en question le pro-
cessus de catégorisation de l’autre. Juliet Mitchell (1974) est une psychana-
lyste et féministe qui, déjà dans les années 70, a rédigé une thèse de doctorat
qui problématise le rôle de l’idéologie dans les processus inconscients,

218 Haraway (1995) “Avec le sang de qui mes yeux ont-ils été faits ?” (p. 23).
180

principalement la transmission de la différence sexuelle, et montre comment,


en plus des facteurs constitutionnels biophysiques, chimiques et anatomiques,
les femmes apprennent les comportements qui montrent la différence sexuelle
et sont socialisées pour assumer la position du deuxième sexe. L’auteur met
en évidence le rôle de la structure de pouvoir dans la théorie freudienne de la
différenciation sexuelle, rendant visible la manière dont la clinique psychana-
lytique traiterait également les conséquences du patriarcat dans la constitution
des sujets. Pour Mitchell (1974/1990), donc, le désavantage décrit par Freud
(1924/2011) ne viendrait pas de l’anatomie, mais de la position sociale des

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femmes dans la société, qui fait que la différence sexuelle est interprétée
comme un manque, y compris dans la psychanalyse freudienne elle-même.
Cette lecture anatomique repose sur une analyse de la sexualité féminine
à partir du corps et des désirs masculins, c’est-à-dire qu’elle est un mythe créé
par la masculinité pour jouer le rôle de la différence, de l’autre. Pour Monique
Wittig (1980/2019), la naturalisation de cette relation consiste à prendre les
formations historiques/politiques comme fixes ; pour cette auteure, ce qui est
décrit comme la “ femme “ n’est pas quelque chose qui peut exister, car c’est
une formation imaginaire créée à partir de l’Autre, de la culture avec toutes ses
marques de pouvoir. La division sexuelle elle-même est créée à partir d’une
idéologie qui manipule notre façon de voir les catégories comme naturelles,
“ d’une manière tellement déformée qu’en fin de compte l’oppression semble
être une conséquence de cette “nature” en nous (une nature qui n’est qu’une
idée) “ (Wittig, 1980/2019, p. 83). Dans la lecture de Butler (1990, p. 164),
Monique Wittig dans son article intitulé “Personne ne naît femme” considère
que la catégorie de sexe sert les objectifs de la sexualité reproductive, permet-
tant le pouvoir aux besoins économiques de l’hétérosexualité. Par conséquent,
la tâche politique de Wittig dans ses écrits est de problématiser de manière
radicale le discours sur le sexe et le genre en tant que catégories stables, c’est-
à-dire de “subvertir la grammaire même qui institue le “genre” – ou le “sexe
fictif” – comme un attribut essentiel des êtres humains et des objets (surtout
lorsqu’il est prononcé en français)”, car cette catégorie “sexe” est imposée au
champ social, ce que la philosophe décrit comme un “contrat forcé”. Ainsi, “
on ne naît pas femme, on le devient ; et plus loin, on n’est pas femme, on le
devient ; ou encore, plus radicalement, on peut, si on le souhaite, devenir ni
femme ni homme “ (p. 165).
En disant qu’il est créé un mythe imaginaire de ce que serait la femme,
Wittig (1980/2019) est d’accord avec Lacan, cependant cela ne diminue pas
le fait que ces descriptions ont des conséquences négatives dans la réalité de
la vie des femmes, et parfois ces théories sont au sein même de la psycha-
nalyse. Paula J. Caplan (1985), dans son livre “Le mythe du masochisme
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 181

féminin”219, décrit les conséquences négatives de l’utilisation de ce concept


comme justification utilisée par les thérapeutes experts pour mettre les femmes
en souffrance à la place d’être toujours leurs propres bourreaux, parce que
leur compulsion à la répétition traumatique viendrait de l’endroit sombre du
masochisme féminin. L’idée de Freud (1924) selon laquelle la biologie est
le destin se situe comme une pierre angulaire qui offre un soutien aux théo-
ries qui seront développées plus tard220 selon lesquelles les femmes seraient
naturellement et inévitablement masochistes. Même si cette position ne fait
pas l’objet d’un consensus (comme Freud lui-même le fait en citant plusieurs
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exemples d’hommes masochistes et en soutenant l’hypothèse du masochisme


originel)221, l’auteur reprend des déclarations de patients et des cas cliniques
publiés dont l’effet a été une identification croissante du masochisme avec
les femmes, en générant un discrédit de la violence structurelle de la société
à l’égard des femmes, une pathologisation de leur souffrance et de leurs
demandes d’aide,222 “conduit souvent les gens à prendre ce qu’il y a de plus
admirable et de plus important chez les femmes et à déformer ces traits en
preuve de maladie” (Caplan, 1985, p. 40 traduction la nôtre)223.

Retour à le femme comme objet

Paul Preciado a tenu en novembre 2019 une Intervention à la 49ème


Journée de l’Ecole de la Cause Freudienne intitulée “Les femmes dans la
psychanalyse”, déclarant aux psychanalystes qu’au milieu du 21ème siècle
ils organisaient un événement pour parler des “femmes dans la psychana-
lyse” comme si nous étions encore en 1917, comme si “la femme – n’avait
pas encore une pleine reconnaissance comme sujet politique ; comme si elle
était un appendice ou une petite note de bas de page, une créature étrange et
exotique parmi les fleurs, sur laquelle il est nécessaire de réfléchir, de temps
en temps, dans un colloque de table ronde “ (Preciado, 2019, s/p). Pour lui,
au contraire, ils devraient organiser un événement sur les hommes blancs
hétérosexuels et bourgeois en psychanalyse, et reprend son discours à travers
des éléments historiques pour affirmer qu’avant le XIXe siècle (?).

219 “The myth of womens’s masochism”.


220 Comme celles de Helen Deutsh, Marie Bonaparte, Richard von Krafft-Ebing.
221 Des auteurs tels que Harold Blum, Elizabeth Wait, Karen Horney, Clara Thompson et Nancy Chodorow ont
écrit pour s’opposer à la thèse du masochisme féminin (Caplan, 1985).
222 Lívia Santiago.
223 “it often leads people to take what is most admirable and importante about women and to distort those traits
into evidence of sickness” (Caplan, 1985, p. 40).
182

le corps et la subjectivité des femmes n’étaient pas reconnus comme des


sujets politiques. La femme, les femmes n’existaient pas – ni anatomique-
ment, ni politiquement – en tant que subjectivité souveraine avant le XIXe
siècle. Dans le régime patriarcal, avant le XIXe siècle, seuls le corps mascu-
lin et la sexualité masculine étaient reconnus comme souverains. Le corps
et la sexualité des femmes étaient subordonnés, dépendants et minoritaires.

Ce discours a suscité une énorme controverse dans le mouvement psy-


chanalytique conservateur, et résonne avec la critique faite par Butler en 1990

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lorsqu’elle a publié “Gender Problems : Feminism and the Subversion of
Identity”. L’utilisation du terme “catégorie” pour “femmes”, le sujet étant
l’identité présumée de la théorie féministe, qui pour elle ne doit pas être
construite comme un appel au nom de buts “stratégiques”, en raison du fait
que lorsque le féminisme articule l’idée d’un sujet stable et pluriel comme
“femmes”, elles se trouvent exposées “à des accusations de fausse représenta-
tion pure et simple” (Butler, 1990/2003, p. 11). En ce sens, Butler (1990/2003)
souligne la non-existence du sujet “femmes” en tant que représentant d’un
univers homogène au sein d’un mouvement politique, mais que même au sein
de cette catégorie, il est nécessaire de comprendre que les femmes blanches
hétérosexuelles sont différentes des femmes lesbiennes, des femmes noires,
des femmes trans, etc. Pour Butler (1990/2003), l’universalisation de la caté-
gorie “femmes” produira des factions plutôt que de garantir la solidarité, et à
ce stade, elle fait référence à la problématique de faire de l’”identité” la base
solide d’un mouvement politique féministe, car les “identités” ne seront jamais
soutenues de cette manière, considérant qu’elles sont toujours normatives et
jamais simplement descriptives.
Cependant, elle affirme qu’il ne faut pas exclure la catégorie “ femmes “
du champ social, au contraire, si le féminisme considère les “ femmes “ comme
un “ champ indesignable de différences, qui ne peut être totalisé ou résumé
par une catégorie identitaire descriptive, alors le terme lui-même devient un
lieu d’ouverture et de re-signification permanente “ (Butler, 1998, p. 25).
Car la tâche de repenser la catégorie “femme” a cherché à produire une
critique de la politique féministe qui considère le sexe naturel et le genre
socialement construit, ouvrant un espace pour penser que :

[...] le genre n’est pas à la culture ce que le sexe est à la nature ; il est
aussi le moyen discursif/culturel par lequel la ‘nature sexuée’ ou ‘un sexe
naturel’ est produit et établi comme ‘pré-discursif’, avant la culture, une
surface politiquement neutre sur laquelle la culture agit” (p. 25).
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 183

La philosophe rappelle qu’en raison de la complexité du concept de


genre, il est nécessaire d’adopter un ensemble interdisciplinaire et de mener
la réflexion au-delà des disciplines discursives, afin de résister à la domestica-
tion académique de ce thème et de radicaliser la notion de critique féministe
en vigueur dans les années 1990. Butler a permis un changement dans le
mouvement féministe, tout comme le mouvement noir a également apporté
d’immenses contributions à la réflexion au-delà des questions de genre.
Dans son exercice philosophique, Butler (1990/2003) s’attache à décon-
struire le binarisme qui traverse l’idée de sexe et de genre. Mais il est à
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noter que, en tant que tâche politique, cette déconstruction ne signifie pas
destruction, mais vise à problématiser constamment la catégorie d’identité
“ sous toutes ses formes “ (p. 184). Par conséquent, elle considère que “la
déconstruction de l’identité n’est pas la déconstruction de la politique ; plu-
tôt, elle établit comme politiques les termes mêmes par lesquels l’identité est
articulée” (Butler, 1990/2003, p. 213). Selon Butler, il n’y a pas d’identité
de genre derrière les expressions de genre, et cette identité est constituée
de manière performative, tout comme le genre est également pensé par elle
comme un geste performatif.
Dans un autre moment, reprenant la phrase de Simone de Beauvoir “Per-
sonne ne naît femme, on le devient”, Butler (1990/2003) souligne que ce
“devenir” est traversé par une contrainte culturelle qui ne vient pas du “sexe”,
la philosophe parie sur ce “devenir” comme un terme “en cours, un devenir,
une construction dont on ne peut dire avec certitude qu’elle a une origine
ou une fin. En tant que pratique discursive continue, le terme est ouvert aux
interventions et aux re-significations” (p. 58). De cette manière, le philosophe
introduit les questions suivantes dans le débat sur la catégorie “femme”:

[...] comment devenir une femme si on ne l’est pas dès le départ ? Et qui
devient une femme ? Existe-t-il un être humain qui devient de son sexe
à un moment donné ? Est-il juste de supposer que cet être humain n’était
pas de son genre avant de “devenir” de son genre ? Comment “devient-on”
d’un seul sexe ? Quel est le moment ou le mécanisme de la construction
du genre ? Et peut-être plus pertinemment, à quel moment ce mécanisme
entre-t-il dans le paysage culturel et transforme-t-il le sujet humain en un
sujet présentant des caractéristiques sexuées ? Existe-t-il des humains qui
n’ont pas toujours eu un sexe ? La marque de genre semble “qualifier” les
corps en tant que corps humains ; le bébé devient humanisé au moment
où l’on répond à la question “garçon ou fille ?”. Les images corporelles
qui ne correspondent à aucun de ces genres restent en dehors de l’humain,
elles constituent à proprement parler le domaine du déshumanisé et de
l’abject, en opposition avec lequel l’humain lui-même s’établit. Si le genre
est toujours présent, délimitant préalablement ce qui est qualifié d’humain,
184

comment peut-on parler d’un humain devenant de son genre, comme si le


genre était une postface ou un après-coup culturel ? (p. 162).

Anatomie et destin : la violence contre “certains” corps

Il est évident que le problème de la violence de la description de l’autre


ne concerne pas seulement les femmes en général, les femmes noires et les
hommes noirs ont alerté sur cette question. Grada Kilomba, dans “Memories
of the plantation : episodes of everyday racism” (2019), décrit le processus

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d’objectivation des femmes et des hommes noirs dans l’académie, “ce lieu
d’”Altérité” n’indique pas, comme on le croit, un manque de résistance ou
d’intérêt, mais plutôt le manque d’accès à la représentation, dont souffre la
communauté noire.” (Kilomba, 2019, p. 51), et ajoute “ ce n’est pas que nous
n’avons pas parlé, le fait est que nos voix, grâce à un système raciste, ont été
systématiquement disqualifiées, considérées comme des connaissances invalides
; ou alors représentées par des personnes blanches qui, ironiquement, deviennent
des experts de notre culture, de nous-mêmes “ (Kilomba, 2019, p. 51).
Ainsi, l’objectivation des femmes est responsable de la pathologisation,
du silence, de la perpétuation des préjugés, de l’accusation des victimes et de
la diminution des possibilités de réalisations matérielles et intellectuelles. Il
s’agit certainement d’un processus de violence utilisé pour le maintien des
positions de pouvoir dans notre société.
Lélia Gonzalez (1984), intellectuelle, militante et spécialiste de la pen-
sée psychanalytique, suppose que c’est avec la psychanalyse que s’ouvre la
possibilité de penser que ce qui reste dans la logique dominante s’exprime et
parle et c’est là que l’on trouve le “trésor du langage”. Tout langage peut être
considéré comme une violence dans la mesure où, pour exister, les cultures
sont effacées et superposées à partir d’une logique de domination liée à la
puissance économique et militaire employée à partir de la violence dans un
processus d’assimilation, comme le souligne Fanon (1956) : “On assiste à la
destruction des valeurs culturelles, des modes d’existence. Le langage, l’ha-
billement, les techniques sont dévalorisés “ (p. 80). Le récit transmet ce qui
est fondamentalement de l’ordre des positions sociales et privilégie la classe
dominante, c’est-à-dire qu’il n’y a pas de récit disloqué d’une position de
classe. Cependant, Gonzalez (1984) avance des possibilités de transgressions
à partir de la psychanalyse dans laquelle Freud et Lacan fournissent une nou-
velle approche du langage, qui atteint des caractéristiques qui n’intéressent
pas la grammaire, mais comment se constitue la phénoménologie de nos actes
de parole, les lieux de leur non-savoir, leurs dimensions de contradiction et
comment le sujet se rapporte au dit, c’est-à-dire à ce qui est dans la “poubelle”.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 185

Un autre aspect important est la manière dont Gonzalez (1984) reposi-


tionne les relations structurelles de domination. En reprenant la phrase freu-
dienne “L’anatomie est le destin”, nous pouvons renverser un certain sens et
penser que, aussi, c’est par la position sociale dans laquelle sont disposés les
sujets dans la société qui sont pris discursivement. Ce que, dans un premier
temps, nous savons être considéré comme une évaluation générale de ce qui
est bon, parfait et agréable et qui, par conséquent, devrait être présenté comme
un classique de la culture, soit un canon de références littéraires, académiques,
soit un comportement ou tout autre “goût”, a exactement à voir avec le fait
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d’être ou non proposé par un homme, d’être ou non blanc, d’être ou non
influent – lu, riche. Quel est le “ destin “ nommé pour les femmes exprimé
dans la pensée de la société psychanalytique de l’époque?
Gonzalez (1984) ne renonce pas et problématise ce point de manière
transformatrice par le passage de la logique sociale du langage à la “logique de
la domination”. Dans la relation entre conscience et inconscient, qui implique
la dynamique entre cacher et révéler, la défense par le déni apparaît dans
les processus insérés dans la culture, qui à leur tour sont traversés par des
questions liées à la domination et au pouvoir, héritage de la colonisation. Des
questions qui apparaîtront nécessairement dans les restes, dans les non-dits,
dans les fragments insistants du discours. Le sexisme et le racisme impliquent
de ne pas vouloir savoir, ce qui implique de supposer que les relations de
pouvoir affectent des processus inconscients, des processus qui construisent
donc des chaînes de pensées qui n’obéissent pas aux règles du langage formel.
Pour la psychanalyse, lorsqu’un sujet pense au sens conventionnel – au
sens qui implique l’usage ordinaire du langage –, il le fait dans un mou-
vement qui implique de se cacher quelque chose d’autre. Et ceci peut être
indiqué comme le noyau du concept de l’inconscient. Ce qui apparaît, ce qui
est perçu par une conscience, répondra déjà à une dynamique pulsionnelle
de dissimulation, comme le dit Gonzalez (1984), des états oublieux. Dans le
sillage de la psychanalyse, elle soutient que l’opposition entre, d’une part,
la conscience et la connaissance et, en tant que lieu de l’inconnu, de l’alié-
nation où se trouve le discours idéologique et, d’autre part, la mémoire, le
non-savoir et la connaissance, de l’histoire écrite qui est structurée comme une
vérité fictive. La conscience exclut ce que la mémoire inclut. Ainsi, dans la
mesure où elle est le lieu du rejet, la conscience s’exprime comme le discours
dominant (ou les effets de ce discours) dans une culture donnée, en cachant
la mémoire, par l’imposition de ce qu’elle, la conscience, affirme comme la
vérité (Gonzalez, 1984, p. 226).
Les observations de Gonzalez (1984) sur la conscience, la mémoire et
l’historicité situent le racisme et le sexisme au Brésil comme un symptôme de
186

névrose culturelle. C’est dans la figure de la mulata, de la mère domestique


et de la mère noire, une trinité de la femme noire brésilienne, que l’auteur
présente le corps comme une destination de rejet, mais aussi de désir. C’est
dans cette direction que s’inscrit la polarisation entre la déification de la
mulatta et l’agressivité dirigée vers la domestique et souligne que “ mulatta
et domestique sont les attributs d’un même sujet “ (p. 242). Cette nomination
ne dépend que de la situation à partir de laquelle ce sujet est vu, “l’anatomie
est le destin” quand on trouve dans les discours et dans la matérialisation des
positions réifiées de violence, d’effacement et de ségrégation quotidienne un

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nombre excessif de femmes noires.
Les lieux sociaux, et donc subjectifs, sont dans cette tension et dans les
déplacements qui traduisent dans la praxis la perpétuation de l’oppression.
Gonzalez (1984) subvertit cette domination en montrant comment dans le
langage il y a des lacunes, dans le portugais qui nous permet de trouver le
savoir des Africains transmis par Kimbundo, même s’il est neutralisé, et l’as-
pect le plus important : dans le pari d’une dénomination transculturelle, une
actualisation du regard pour l’insertion des différences, le pari sur l’amphri-
canité comme possibilités d’occuper des lieux qui soutiennent la radicalité de
l’altérité, sans ratures pour le maintien des pouvoirs colonialistes.

Conclusion

Il y a des affirmations, à l’intérieur d’un champ, qui à partir d’un certain


moment historique cessent d’être des “opinions” et deviennent des négation-
nismes. L’hypothèse, par exemple, que la psychanalyse est un métier neutre,
sans aucune traversée par les positions idéologiques des analystes et par les
conséquences découlant de leurs racines épistémologiques est un négation-
nisme, qui n’est plus une simple opinion, ou un désaccord de “compréhen-
sion”. Foucault (2001) était un auteur perspicace lorsqu’il nous avertissait
que le fait qu’un champ de connaissances “parle, parle” de quelque chose ne
produit pas nécessairement des émancipations autour du thème en question,
disait-il : on parle, on parle de sexe, après tout, cette “explosion discursive”
(p. 21) sert à quelque chose ? Quel est le but d’une culture qui consacre tant
de temps à dire que nous sommes sexuellement réprimés ? Pour nous libérer
de cette répression ? Il nous semble que non. L’auteur a remarqué que ce “vice
à parler de la répression” ne produisait pas seulement par le christianisme et
les sciences une police des énoncés autour du thème, mais une construction
d’un dispositif de pouvoir qui touchait directement les corps de la population.
Foucault était un philosophe qui se méfiait des récits autour de l’éman-
cipation parce qu’il voyait le pouvoir dans tout, et je dirais que Lacan voyait
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 187

aussi le pouvoir dans tout, d’une autre manière, parce qu’il voyait aussi des
trous dans le pouvoir, utilisant même cela pour penser des thèmes comme
le transfert et la relation analytique. Nous utilisons ce fragment, comme une
métaphore, pour situer le débat autour des femmes et du féminin, un débat
qui se déroule souvent de manière hyperbolique, dans lequel on parle et on
parle des femmes, mais on parle dans quel but ? Et comment en parle-t-on ?
Il existe deux directions classiques autour du fantasme masculin par
rapport à la femme. La première consiste à élever la femme au rang d’une
immense idéalisation, à la déifier dans son caractère “excentrique” et incom-
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préhensible, ce que le bon sens fait ressortir de ces plaisanteries courantes :


“Mais pensez-vous pouvoir comprendre une femme ?
La deuxième direction classique serait de la déprécier, de s’emparer
d’une naturalisation généralisante, où toutes les femmes ou une grande
partie d’entre elles auraient une tendance masochiste224, dépréciative et
insécurisante par le simple fait d’être une femme. De cette façon, la femme
vivrait une expérience constante d’infériorité et l’issue serait de l’amener à
s’interroger sur la raison d’une telle expérience de dépréciation, dans une
compréhension transindividuelle de l’inconscient qui rappelle les cartes de
la psychologie du moi. Ces deux directions prises (toutes deux iatrogènes à
la femme) sont curieuses et toutes deux qui, même si elles n’apparaissent pas
de manière aussi flagrante dans certains textes psychanalytiques, donnent une
manière d’apparaître dans leurs abats, surtout lorsqu’il s’agit de construc-
tions cliniques faites autour de l’écoute des femmes.
La première affirmation, qui vient généralement en premier, est que la
femme n’est pas synonyme du corps d’une femme. Une affirmation légitime,
en ce qui concerne les constructions autour de la sexuation et du langage
travaillées par Lacan (1972/2010), cependant, motivée par un paradoxe:
beaucoup d’écrits225, quand ils vont travailler avec l’expression “femme”
et “féminin” apportent des exemples cliniques de personnes: féminines, qui
exécutent une féminité. Ici, l’anatomie serait par hasard le destin. Femelle =
Femme = Féminin.

224 Dans l’ouvrage “ Directives pour un congrès sur la sexualité féminine “ (1953/1998), Lacan critiquera
l’hypothèse d’un masochisme fondamentalement féminin et affirmera que les analystes ont leurs préjugés,
mais qu’il est important de différencier ce qui est de l’ordre du préjugé et ce qui serait une formation incons-
ciente (Ribeiro, 2017), l’auteur s’interroge : “ Peut-on s’appuyer sur ce que la perversion doit à l’invention
masculine, pour conclure que le masochisme des femmes est un fantasme du désir de l’homme ? “ (Lacan,
1958/1998, p. 740). Lacan se réfère ici à la manière d’aimer de l’homme qui passe par le fétichisme, être
l’objet entouré de conditions pour être aimé, le débat s’étend ici aux travaux d’Hélène Deutsch qui défendait
que le féminin a une caractéristique masochiste, ce à quoi Lacan ne serait pas d’accord.
225 Quelques titres, dont nous proposons la lecture pour le constat de ce fait : “ Dévastation, quoi de neuf ? “
(Rangel, 2016) ; Sur la jouissance psychanalytique dans la clinique psychanalytique avec des femmes dévas-
tées (Segal, 2013) et aussi “ Dévastation féminine : que peut faire une analyse ? “. (Faria & Starling, 2019).
188

Au second plan, une certaine interprétation prend du relief autour de


l’aphorisme lacanien : “ La femme n’existe pas “ (Lacan, 1972/1985), inter-
prétation fondée sur l’attente de l’énigme, de l’ineffable, de l’indéchiffrable.
Une brève reprise de celle-ci suivra.
Tout ce qui s’aligne sur le côté du pas-tout peut être appelé femme, pas
tout phallique, dans ce cas. Empiriquement : hommes, femmes, trans, inter-
sexes et toute autre désignation contemporaine du genre pourraient se situer
dans ce rapport au langage, dans ce mode de jouissance. Cette localisation
est faite comme un choix du sujet parlant, mais pas un choix “ délibéré “ et

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complètement libre, puisque ce choix est “ fortement conseillé “ dans le champ
de la culture, car à partir de l’organe corporel, le sujet est nommé comme “
fille “ ou comme “ garçon “ et vit tous les effets de cette nomination venant de
l’Autre (Soler, 2005). De plus : l’anatomie n’est pas un destin, mais ne passe
pas neutralisée dans l’expérience du sujet. Freud y a prêté attention, lorsqu’il
a déclaré à plusieurs reprises que l’enfant universalisait un certain morceau de
viande – le pénis – et que lorsqu’il regardait la fille qui n’en avait pas, il sup-
posait que quelqu’un l’avait coupé, n’inscrivant pas là la différence sexuelle.
L’énigme, vraie en tant que telle, renvoie à l’énigme par rapport au désir
de l’Autre : “ que veux-tu de moi ? “, demande le locuteur, avide de réponse.
Cette énigme est démocratique : des hommes et des femmes posent la ques-
tion sur la scène, des hommes et des femmes fantasment distinctement sur ce
qu’un autre attend d’eux. Les hommes : ceux qui se situent dans la primauté
phallique ; les femmes : celles qui se situent dans une oscillation entre phallus
et non-phallus, toutes deux angoissées par l’absence du mot qui nommerait
l’objet du désir et qui lancerait soi-disant la carte de la direction à atteindre
La relation sexuelle. Pourquoi alors insister autant sur l’énigme du féminin ?
Une des conséquences possibles d’une si grande production autour de
la question (Que veut une femme ?)226, question freudienne par excellence,
poursuivie par les post-lacaniens, est la supposition trop rapide que la position
masculine de la jouissance, avec ses effets dans la culture, n’aurait pas besoin
d’être soumise au biais de l’énigme227, en se rappelant qu’il convient de placer
en statut d’énigme même ce qui est dans le champ de l’existant.

226 Question contenue par exemple dans le livre de Serge André (Que veut une femme ?) et dans plusieurs
articles publiés.
227 Cette critique a déjà été faite de manière exquise par Paul B. Preciado à la 49ème Conférence de l’Ecole
de la Cause Freudienne, une critique qui a été réfutée par plusieurs psychanalystes et postée sur le réseau
social, nous aurions besoin, que peut-être ce qui importe moins dans l’intervention de Preciado est la
“compréhension ou non de la construction lacanienne” concernant la sexuation par lui, mais plutôt le ques-
tionnement des effets politiques que la clinique lacanienne et la théorie en question produisent dans les
directions du traitement et de la culture. L’intervention en question se trouve sur le lien: http://lacanempdf.
blogspot.com/2019/12/paul-b-preciado-intervencao-na-49.html
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 189

Le phallus existe comme un signifiant étrange, dès lors que le signifiant


de l’Autre sexe est absent. Une autre conséquence possible serait l’externalisa-
tion de la différence sexuelle, comme si elle était de l’autre côté, en survenant
que l’Autre ne se réfère pas à quelque chose d’extérieur qui viendrait perturber
l’expérience interne du sujet, mais à ce qui constitue le sujet lui-même, qui
agit en révélation, c’est-à-dire que l’Autre sexe est aussi “mon expérience”
(en assumant ou non le genre (x) de la fiction). Insister sur une énigmatisation
de la femme en “anatomisant” cette énigmatisation dans ce corps féminin,
c’est produire une violence de plus envers les femmes, qui se produit comme
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nous l’avons dit précédemment : dans la production théorique, dans la pra-


tique clinique, dans la transmission et dans la politique. On ne peut échapper
à cette “autocritique” en recourant toujours au fameux : “vous n’avez pas
bien lu Freud et Lacan”. C’est faire fi de toutes les questions soulevées par
des interlocuteurs d’autres domaines.
190

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VIOLÊNCIA DE GÊNERO
E ÓDIO AO FEMININO:
alteridade e desvelamento no
tratamento discursivo do feminino
Leonardo Danziato
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Gabriela Ferreira
Luciana Lira

“Na subida do morro me contaram que você bateu na minha nêga,


isso não é direito,
bater numa mulher que não é sua”.
(Moreira da Silva, 1955)

Introdução

Reafirmar a gravidade do fenômeno dramático, social, histórico, político


e íntimo que é a violência de gênero contra a mulher tem sido uma tarefa
recorrente, não apenas na mídia mundial, mas também no mundo acadêmico.
Trata-se de uma situação constante e repetida, que implica dimensões his-
tóricas, antropológicas, sociais, culturais, discursivas, mas que não deixa de
interrogar, a partir de um viés psicanalítico, a posição do sujeito na estrutura.
Os primeiros versos do samba de Moreira da Silva, lançado em 1955,
representam duas importantes questões sobre a violência contra a mulher e o
ódio ao feminino. A mulher aqui é colocada numa posição de “afânise”, de
ausência, no que tange a sua participação na cena e na sua escolha. Tomada
como uma propriedade do homem, a violência a ela dirigida é banalizada.
Afinal, o que se coloca na música é que não é direito bater em uma mulher,
contanto que seja a sua. O restante do samba segue com o homem matando
o outro por ter tido a sua “propriedade” violada. Compreender essa posição
de propriedade do corpo da mulher é fundamental para entendermos a lógica
do ódio direcionado ao feminino, que permanece fazendo inúmeras vítimas
em nossos tempos.
Uma breve análise histórica é capaz de situar o ódio dirigido às mulhe-
res nas mais diferentes culturas e em distintos períodos. Não nos cabe aqui
refazer esse percurso histórico, mas não podemos ignorar que, historicamente,
há um grande número de casos, em épocas e culturas distintas, nos quais
se observam as mais diferentes tentativas de disciplinar, controlar, educar e
194

violentar aquilo que é próprio do feminino. Seja através da religião, da escola,


da família e mesmo do saber médico, as instituições sociais, evidentemente
comandadas por homens, entronados no patriarcalismo, ditam como deve ser
o comportamento da mulher.
Uma série de interrogações e articulações se abrem em campos variados
e afins, que compõem um quadro tanto mais assustador como terrivelmente
comum, quando tratamos da violência dirigida a mulher, como encarnação do
feminino, a qual parece estar encravada na história da humanidade, que se con-
funde com o tempo do patriarcado e denuncia uma intrigante invisibilidade e

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tolerância com a brutalidade, o abuso e a depreciação que sofrem durante sécu-
los. Mais recentemente, os denominados crimes de ódio como os assassinatos
e agressões físicas e/ou verbais dirigidas à diversidade sexual, especialmente
à comunidade LGBTQIA+, indicam que devemos interrogar se não se trata de
um movimento discursivo de ódio dirigido não unicamente à mulher, mas que
mira a diferença e àqueles que supostamente habitam o campo do feminino.
Não vamos nos deter em números e estatísticas, mas eles nos servem
para apresentar o quadro alarmante. No relatório Visível e Invisível: a vitimi-
zação de mulheres no Brasil (2021), foi constatado que 1 em cada 4 mulheres
brasileiras, ou seja 24,4% (em torno de 17 milhões de mulheres), com mais
de 16 anos de idade, afirma ter sofrido algum tipo de violência ou agressão
durante a pandemia por COVID-19. A situação de confinamento doméstico
e de uma convivência forçada determinadas pelo quadro atual teve como um
dos efeitos mais deletérios o aumento na violência contra a mulher. Os dados
sociodemográficos indicam que houve um acréscimo da violência de gênero
entre 30% a 50% em vários países em todo o mundo (Mlambo-Ngcuka, 2020).
Na China, na Itália, na França e na Espanha, essa ampliação significativa foi
observada (Vieira et al., 2020).
O Brasil acompanha esse índice e os registros do Ministério Público de
São Paulo (MP-SP) denunciam um aumento de prisões em flagrante por violên-
cia contra a mulher no montante de 51% no mês de março de 2020 em compara-
ção com o mês anterior. A concessão de medidas protetivas aumentou 29% em
março de 2020 se comparada a fevereiro do mesmo ano. De acordo com dados
da Organização das Nações Unidas (ONU), a violência doméstica cresceu 50%
no Rio de Janeiro e 30% em São Paulo no período de confinamento. É preciso
ainda considerar a enorme subnotificação característica deste fenômeno, mesmo
antes da atual situação pandêmica (Bittencourt & Silva, 2020). O que pode
nos indicar que este número seja ainda maior. Quando se trata da comunidade
LGBT, de acordo com relatório divulgado no Observatório de Mortes Violentas
de LGBTI+ no Brasil (2021), só no ano de 2020 foram registradas 237 mortes
violentas por crime de homofobia no país.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 195

Por conta desse contexto, encaminhamos uma pesquisa intitulada “Vio-


lência de gênero no contexto da pandemia do COVID-19: uma proposta de
intervenção em urgência subjetiva com mulheres em situação de vulnerabi-
lidade e risco”, na qual oferecemos um espaço de escuta através do atendi-
mento em urgência subjetiva e, por outro viés metodológico, investigamos
as narrativas que giram em torno do fenômeno da violência de gênero e seus
efeitos durante o período da pandemia de COVID-19.
No presente texto, recortamos algumas questões com as quais nos depa-
ramos no desenvolvimento da pesquisa mencionada, para que possamos enca-
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minhar, então, uma discussão e algumas proposições teóricas e clínicas que


permitam um avanço nas práticas e saberes que operam com esse fenômeno.
O primeiro e certamente o mais complexo é o caráter sistêmico da vio-
lência de gênero. Sabemos que a tradição patriarcal e sua consequente des-
valorização da mulher produzem uma tolerância e uma invisibilidade dos
aspectos mais danosos dessa violência (Bodiou et al., 2019). A invisibilidade
e a tolerância com essas práticas de violência se apresentam não só com a
impunidade de seus autores, mas também discursivamente em vários campos,
como por exemplo no jurídico. A título de ilustração, foi apenas no dia 15 de
março de 2021 que o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o uso da tese
de defesa da honra em crimes de feminicídio no Brasil (STF, 2021).
A pergunta que pode ser feita é: o que sustenta essa invisibilidade e
tolerância com a violência contra a mulher? Obviamente que várias respos-
tas são possíveis, desde as antropológicas e sociológicas, às psicanalíticas.
Mas em todos os casos, a “cultura da inferioridade” à qual as mulheres estão
submetidas, operando por séculos nos processos de subjetivação, certamente
é um dos aspectos que precisam ser considerados.
A psicanálise, a partir de sua ética e da sua prática, pode e deve dizer algo
sobre a violência e o ódio dirigidos ao feminino e à mulher. Lidamos cons-
tantemente – seja na clínica, seja no campo da pesquisa em extensão – com
manifestações de violência e destruição dirigidas ao outro ou a si mesmo. Con-
tudo, pautamos a direção do tratamento e da pesquisa por uma posição ética
e política que prima pela singularidade do sujeito e não seu aniquilamento,
buscando dizer algo que amplie as possibilidades de lidar com a violência de
gênero, seja no campo das políticas públicas, seja no campo da clínica, já que
se trata de um fenômeno que atravessa ambos os campos.
Na busca dessa ampliação, consideramos neste trabalho a violência de
gênero como dirigida não exclusivamente à mulher, mas fundamentalmente
ancorada em um ódio ao feminino, sendo esse feminino concebido aqui
como um campo outro, um gozo outro, que implica uma alteridade, uma
“outridade”, tal como concebido pela lógica da sexuação proposta por Lacan
(1972-73/2010). Por conta dessa posição excêntrica, o feminino encampa um
196

desvelamento e uma denúncia dirigida à lógica fálica, masculina e patriarcal,


evidenciando sua insuficiência, a partir da modalidade do não-todo fálico.
Propomos que é, como efeito dessa posição de alteridade e desvelamento
da inconsistência do Outro (A) (Lacan, 1968-69/2008) e das insuficiências
da lógica fálica e patriarcal, que uma quota ambivalente de ódio ou de hai-
namoration228 se dirige ao feminino, assim como todo um discurso violento e
fálico-colérico que se apresenta nas falas e nos atos dos homens, mas também
como um discurso comum e dominante no laço social.
Podemos entendê-lo, inicialmente, como uma reação violenta a um declí-

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nio fálico do patriarcado e da imago paterna (Lacan, 1938/2003), como uma
tentativa última de recompor um fundamentalismo de uma posição tradicional e
conservadora, historicamente ultrapassada, para a qual não seria possível retornar.
Como vivemos em um momento histórico caracterizado pela queda dos
ideais fálicos e viris (Bonfim, 2020; Jurado, 2017), podemos supor, desde já,
que o fundamentalismo e a cólera fálica masculina almejam essa recomposi-
ção de uma condição discursiva paterna, que já declinou (Lacan, 1938/2003)
desde o século XIX. Obviamente que esse declínio da lógica patriarcal está
muito mais situado no campo discursivo do mundo ocidental, determinado
pelo processo histórico da modernidade, mas o processo de globalização tem
produzido seus efeitos em outras culturas. Não custa esclarecer que, mesmo
estando em declínio, essa lógica patriarcal continua a produzir seus efeitos
de um “mal dizer” o feminino.
Por entendermos que o ódio ao feminino não se dirige unicamente à
mulher, mas a todos os seres que ocupam uma posição sexuada no campo do
feminino (Lacan, 1972-73/2010), percebemos que os denominados “crimes
de ódio”, os assassinatos de homossexuais, transsexuais e toda a população
LGBTQIA+, são exemplos desse fenômeno. Trata-se de uma violência dirigida
ao feminino enquanto um gozo “estranho”, um gozo previamente objetal, que
impõe uma alteridade e uma diferença à lógica universalista do todo-fálico
(Lacan, 1972-73/2010).
Esse gozo não pode ser entendido como um gozo da mulher, mas um pon-
to-buraco (Lacan, 1974-75/2003) na estrutura que marca a condição arcaica
de objetalização do sujeito diante do seu troumatisme. Esse neologismo de
Lacan, que condensa trou (buraco) com traumatisme (traumatismo), indica
a gênese da estrutura em seu caráter de privação originária, ou de foraclusão
generalizada (Lacan, 1974-75/2003). Portanto, esse gozo estranho, objetal, não
é exclusividade das mulheres, mas se ancora num ponto-buraco que está sem-
pre lembrando a todo sujeito – seja homem, ou mulher – do seu traumatismo
228 Termo cunhado por Lacan (1972-73/2010) para dizer de uma mescla entre o ódio (haine em francês) e
o enamoramento (enamoration em francês) A condensação não pode ser traduzida sem perder seu jogo
fonológico. Por isso mantemos o termo em francês.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 197

originário. Cada um precisa tratar esse buraco através de um bem-dizer, um


bem-dizer a inconsistência do outro, ou como sugere Lacan, um bem dizer o
feminino (Lacan 1973/2003).
Vamos considerar, portanto, que a violência de gênero, seja contra a
mulher, seja dirigida à população LGBTQIA+, como uma violência encami-
nhada à diferença sexual e a alteridade que ela comporta, assim como a resistên-
cia que o gozo feminino apresenta diante da exigência moral de “Um-nificação”
das formas de gozo. O gozo não é único, mas pode ser fálico e do corpo. De
maneira que não se “um-niversaliza”. É isso que o feminino suporta.
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Mulher: vítima ou cúmplice

Em nossa pesquisa, aqui já mencionada, trabalhamos em parceria – atra-


vés de convênio – com a “Defensoria Pública do Estado do Ceará” (DPCe) e
o “Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher” (NUDEM), situa-
dos na Casa da Mulher Brasileira desde agosto de 2020, onde já funcionam
serviços de atendimentos psicossociais a mulheres em situação de risco e
vulnerabilidade. Oferecemos um espaço de escuta e intervenção em urgên-
cia subjetiva, através de atendimentos on-line, realizados por uma equipe de
nove (09) profissionais, psicólogos e psicanalistas, supervisionados pelos
coordenadores da pesquisa.
Nessas circunstâncias, atendemos mulheres que já estavam recebendo
algum tipo de assistência social e psicológica nessas instâncias jurídicas,
tendo sido contempladas com uma medida protetiva contra o agressor, o que
as colocava na condição discursiva, óbvia, de vítimas.
Chegamos, assim, a um paradoxo, pois sabemos que essa posição deli-
cada difere de uma outra que é oferecida ao sujeito num processo de escuta
fundamentado na lógica clínica psicanalítica. Como diria Lacan (1965-
66/2018), o sujeito é sempre responsável pela sua condição. Obviamente que
essa posição exclusivamente clínica e radical na transferência não deve ser
transposta para o laço social sem o risco de parecer nefasta e equivocada. Não
se trata, evidentemente, de sugerir que as mulheres violentadas, maltratadas
e assassinadas por seus parceiros, sejam responsabilizadas ou culpabilizadas
por isso. Juridicamente, socialmente e historicamente essas mulheres são
vítimas de uma dominação masculina (Bourdieu, 2012). O que nos interessa
é adentrar esse aparente impasse de forma que nos permita conclusões para
a prática da pesquisa. Julgamos importante para nosso trabalho de pesquisa
contrapor essas posições – a de vítima e a de sujeito – assim como esses dois
discursos, o discurso assistencial e o discurso psicanalítico, na intimidade de
um espaço clínico de escuta – a urgência subjetiva – já que é entre eles que
estamos operando em nossas investigações. Essa contraposição nos servirá
198

para interrogar até que ponto a posição discursiva de vítima permite que essas
mulheres possam perlaborar os efeitos devastadores do que com elas se passa,
ou se é possível deslocar-se de forma a tentar operar com o traumático da
violência de outra posição. Isto porque entendemos que a polarização vítima/
algoz não nos serve clinicamente para suportar uma intervenção.
Levantamos essas questões porque em nossa pesquisa constatamos
que algumas mulheres ficam presas num circuito da violência e da repetição
(Freud, 1920/2006; Lacan,1964/1988) desses padrões em seus relacionamentos,
e em determinados casos “retornam pros seus maridos como mulheres de Ate-

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nas…” Obviamente que interrogamos sobre os motivos dessa repetição, assim
como o que poderia fazer para operar um corte com essa condição. Ou seja,
estamos diante de uma questão delicada e paradoxal, que é ao mesmo tempo
clínica, política, discursiva e implica os modos de subjetivação (Foucault, 1984)
de uma época. Porque, por outro lado, clinicamente, não podemos deixar de
interrogar os compromissos pulsionais dessas mulheres com essa situação.
Essa constatação clínica e de pesquisa, poderia abrir o que consideramos
uma falsa interrogação: seria a mulher, vítima ou cúmplice da situação à qual
está submetida? Obviamente que uma questão tão complexa não pode receber
uma resposta dicotômica.
Devemos considerar que essas mulheres passam por “modos de sub-
jetivação” (Foucault, 1984), que lhes impõe uma “cultura da inferioridade”
e uma “dominação masculina” (Bourdieu, 2012) e uma “cultura da impu-
nidade” (Bodiou e Chavaud, 2019), acompanhando uma lógica discursiva,
secular, na qual a mulher é representada como uma “figura do mal” da fúria
da natureza, do diabo, da prostituta (Riguine e Marcos, 2018). Estamos aqui
diante de um processo de interiorização e identificação da mulher com esse
lugar depreciado – sexualmente depreciado – que os discursos patriarcais e
misóginos a colocam, de maneira que, em muitos casos, a violência sequer é
posta em questão (Grihom, 2019). Na prática cotidiana do NUDEM, as psi-
cólogas e assistentes sociais são muito claras quando afirmam que em vários
casos as mulheres assistidas sequer se dão conta de que estão numa situação
de violência doméstica. Tal é a tolerância e invisibilidade dessa violência
sistêmica (Zizek, 2014).
Não se trata, pois, de responsabilizar e culpabilizar as mulheres pelas suas
tragédias pessoais, ou mesmo justificar a partir de um “psicologismo”, ou um
“psicanalismo”, evocando a concepção freudiana do “masoquismo feminino”
(Freud, 1924/2011). Entendemos que o analista não pode aqui operar como
um agente ideológico e moral, confirmando e justificando a posição violentada
da mulher, através de proposituras clínicas que possam incorrer no erro de
um “psicanalismo”. O masoquismo feminino proposto por Freud (1924/2011)
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 199

é um dessas noções que precisam ser manejadas cuidadosamente, para não


justificar moralmente a violência, chancelando um discurso misógino que já
habita no laço social, absolvendo os autores da violência.
Lembramos que Freud (1925/2011, p. 188) no texto “O problema eco-
nômico do masoquismo” propõe três tipos de masoquismo: o masoquismo
erógeno, o masoquismo moral e o masoquismo feminino. Entretanto, nesse
mesmo texto, a partir da discussão do “sentimento de culpa inconsciente”, ele
nos leva a partilhar da ideia de um “masoquismo originário”, oriundo de uma
primeira posição objetal do sujeito, que marcaria a estrutura com essa condição
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passiva primária. Não vamos adentrar nessa importante discussão freudiana,


mas apenas demonstrar que o “problema econômico do masoquismo” não é
uma questão unicamente para uma mulher, mas para todo e qualquer sujeito,
já que o masoquismo é uma posição originária na estrutura, seja para a mulher,
seja para o homem. Não cabe, portanto, acompanhar ideologicamente os dis-
cursos misóginos e justificar a violência de gênero contra a mulher a partir de
uma categoria clínica como o masoquismo feminino.
Mas, como dissemos acima, não podemos desconsiderar os compromis-
sos pulsionais e fantasmáticos dessas mulheres com a cena de violência. A
abordagem clínica se tornaria estéril se não colocássemos em pauta, na fala
dessas mulheres, essas implicações inconscientes. A inflexão que estamos pro-
pondo é considerar que esses compromissos pulsionais originam-se na lógica
discursiva no laço social, fundando-se na forma como discursivamente se trata
o feminino e a mulher. O lugar discursivo que o feminino e a mulher ocupam,
determinam essa tolerância e invisibilidade dos ataques coléricos-fálicos por
parte de alguns homens, e até mesmo de várias mulheres.
Lembramos que Lacan (1969-70/1992) define os discursos como o que
faz laço social e o que permite um aparelhamento do gozo. Ou seja, os dis-
cursos dão uma direção ao gozo no laço social, produzindo uma economia
de gozo que interdita ou permite formas de gozo na cultura. Dessa forma,
gozar atacando e/ou depreciando uma mulher, parece ser uma forma de gozo
discursiva tolerada e até mesmo incentivada em nossa sociedade. Inevitavel-
mente isso afeta também a posição discursiva das mulheres.
Em uma das sessões relatadas em nossa pesquisa, a mãe de uma das
mulheres atendidas, que também suportou por dez anos uma relacionamento
abusivo e violento, a recriminava por ela ter se separado do marido que a
espancava, e proferia a seguinte sentença: “Eu aguentei por 10 anos, por-
que você não aguenta?!”. Vemos claramente que as narrativas íntimas dessas
mulheres estão atreladas ao discurso da dominação masculina e submetidas
a uma lógica da sujeição e depreciação do feminino. Perguntamos: em nome
de que uma mulher deveria suportar uma relação violenta e perigosa?
200

Ódio ao feminino

Por que o feminino é o alvo prioritário do ódio e da violência? Muitas são


as possibilidades de resposta, desde as antropológicas, históricas, sociológicas,
políticas, entre outras. Vamos tentar contribuir esclarecendo uma importante
concepção estrutural do feminino a partir da psicanálise e especificamente
da obra de Lacan.
Para dar seguimento às nossas proposições, estamos sugerindo sairmos
no modelo do masoquismo feminino, para a lógica do ódio ao feminino. Para

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tanto vamos adentrar na discussão sobre a lógica da sexuação proposta por
Lacan (1972-73/2010).
Sabemos que, apesar de Freud (1923/2011) ter trocado o uso dos termos
de “pênis” para “falo” em 1923, no texto de “A Organização Genital Infantil”,
ainda assim ele manteve uma certa pregnância da anatomia para abalizar a dife-
rença sexual (Freud, 1925/2011). Já com Lacan, mesmo acompanhando Freud
nos primeiros momentos de sua obra, ele ultrapassa um modelo da sexuação
que tem como balizamento unicamente o significante “falo” – ser ou ter o falo –,
em direção à uma sexuação abalizada pelas modalidades de gozo, oriundos do
gozo do corpo. A partir daí, o falo torna-se uma função que grafa apenas uma
parte desse gozo, sexualizando-o. Masculino e feminino tornam-se, assim,
campos de gozo completamente independentes da anatomia, ou da biologia, ou
da genética. De maneira que se perde a correlação entre masculino/homem e
feminino/mulher. Em psicanálise, lidamos com o sujeito sem substância e sem
sexo, e não propriamente com homens e mulheres. A diferença sexual torna-se
lógica e não anatômica. (Lacan, 1972-73/2010), de maneira que homens e
mulheres não só podem ocupar ambos os campos da sexuação – o masculino
e o feminino – como alternam essas modalidades de gozo.
A lógica fálica, masculina por excelência, constitui o conjunto lógico
universal dos homens, com a pretensão de uma totalidade, tal como se concebe
a “humanidade”. Temos um todo universal sustentado pela identificação com o
“Um” pai. O primeiro pai, definido por Freud como o “pai da horda primitiva”
(Freud, 1912-13/2012), abre a série do conjunto dos homens/humanidade.
A posição do pai como referência mítica indica também a genealogia
da tradição patriarcal e masculina na história da humanidade. A pretensão de
universalidade, supõe uma totalidade que pode se transformar em totalita-
rismo. O lugar do pai, equivalente ao lugar do líder na massa, sugere, assim,
o risco de um discurso totalitário, tal como observamos na “psicologia das
massas” (Freud,1921/2011b).
Retirando algumas consequências políticas para o nosso trabalho, pode-
mos observar a pretensão de uma totalidade do universal, somada à sustentação
de uma identificação primária com o pai, fazendo o campo fálico-masculino
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 201

mais propício ao totalitarismo. O que não quer dizer que todos os homens
sejam totalitários, já que vamos argumentar em favor da impossibilidade
dessa totalização. De todo modo, não custa considerar a posição e a susten-
tação fálico-masculina como sendo importante para a condição subjetiva dos
homens que cometem atos de violência contra mulheres, senão determinante.
Isso porque veremos, que o feminino é o campo que está sempre denunciado
a impossibilidade dessa totalidade e, por isso mesmo, torna-se alvo da cólera
reativa do campo fálico-masculino.
Sabemos que Freud se deparou com a insuficiência desse campo
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de sexuação fálico-masculino para dizer do feminino e da mulher


(Freud, 1924/2011, 1925/2011, 1931/1980, 1932-33/1996b). A identificação
primária com o pai, assim como a identificação fálica, produzem um sujeito,
cuja incorporação do vazio do pai, o coloca diante de uma posição fálico-
-ativa. Mas, todo esse processo edípico não explica “o que é uma mulher”
(Freud, 1932-33/1996b). Essa interrogação ficou em aberto na obra de Freud,
e Lacan seguiu essa trilha, não para definir enfim o que seria uma mulher,
mas para reformular a questão, retirá-la do balizamento fálico-significante
e situá-lo no campo do gozo (Danziato, 2016), que passa a ser o campo da
sexuação e o campo do humano (Lacan, 1972-73/2010).
Seguindo por essa via, Lacan define o gozo feminino como não-todo
fálico e hors-sexe (fora-sexo) (Lacan, 1972-73/2010). Considerando a insufi-
ciência do falo e do pai – ou, como vimos, a insuficiência da identificação ao
pai – para dizer do feminino, ele vai situar o feminino, não unicamente fora
do campo fálico, mas como um tipo de gozo do ser – como uma suposição
lógica – que não está submetido à lógica fálica.
Dessa insuficiência dos significantes fálicos, Lacan produz outro tipo de
sexuação não submetida a condição fálica, que vai operar como um “outro
sexo”. Não se trata propriamente de uma oposição binária – como se costuma
criticar essa definição nos estudos de gênero (Butler, 2014; 2017) – já que
o feminino não se situa no campo significante. De maneira que não há uma
oposição entre dois significantes, ou dois conjuntos, que seriam o masculino/
homem e o feminino/mulher. Se essa oposição binária se apresentou na obra
lacaniana, como o substrato lógico do campo de significação entre dois signi-
ficantes (S1-S2), com a invenção do objeto pequeno a, a partir do seminário
sobre a Angústia (Lacan, 1962-63/2005), essa lógica da significação torna-se
uma impossibilidade: S1 nunca chega à S2, pois sempre um resto se produz;
o objeto a. Dessa forma, a oposição deixa de ser simbólica e binária (S1-S2)
e passa configurar uma impossibilidade entre o Simbólico e o Real (S-a)
Mas, ao que essa explicação nos leva? A conclusão que a lógica da sexua-
ção não é oposicional, nem binária, mas modal, ou seja, depende das modali-
dades de gozo de cada campo e indica uma impossibilidade, a impossibilidade
202

da relação sexual (Lacan, 1972-73/2010). Não há complementaridade entre


os sexos, de maneira que o que se opõe ao masculino, não é o feminino ou
uma mulher, mas é a sua própria inconsistência, grafada pelo objeto a (S-a).
A recíproca, contudo, não é simétrica: o que falta ao feminino, não é o falo, já
que se mostrou insuficiente para significá-lo, ou seja: não falta um significante
para o feminino. Rigorosamente, ao feminino não falta nada, já que ele não
opera submetido à lógica freudiana da falta, cuja oposição se apresenta como
o fálico/castrado (Freud, 1925/2011).
O gozo feminino, portanto, implica uma alteridade e uma diferença em

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relação ao universal/todo fálico-masculino. Ele não se constitui como um
outro universal que se oporia ao masculino, já que se trata de um conjunto
aberto que não faz universal. Por conta disso, o feminino não complementa o
masculino – já que a relação sexual não existe – pelo contrário, está sempre
a denunciar a insuficiência do campo fálico. Como não há uma exceção que
foge à regra, como existe no campo masculino (Ǝx Φx), não há o “Um” que
funda e sustenta a série universal como ocorre no campo fálico. Exatamente
por isso que o feminino não gira em torno de uma identificação com o “Um
Pai” para a grafia do gozo do corpo, demonstrando assim a insuficiência do
falo e do pai, e pondo sob suspeita a totalidade desse campo. O campo e o gozo
feminino, então, apresentam o buraco, a inconsistência e a impossibilidade
de uma identificação toda a partir da incorporação do pai. Daí a afirmação de
Lacan (1972-73/2010) “A mulher não existe”.
Não vamos adentrar numa explicação minuciosa da lógica dos matemas da
sexuação em Lacan, pois existem vários livros, artigos, etc. que se propõem fazer
esse esclarecimento. O que nos interessa aqui é retirar as consequências dessa
importante conclusão lógica: a de que o feminino apresenta a impossibilidade do
todo, o buraco, a inconsistência da estrutura e, por isso mesmo, torna-se o alvo
preferencial do ódio ao feminino, sustentado pelo horror a esse real do buraco.
O ódio ao feminino, portanto, dirige-se a essa alteridade radical que
está sempre indicando a impossibilidade de uma complementaridade, já que
a lógica aqui é suplementar. O ataque proveniente da cólera fálico-masculina
busca impor a esse gozo insubmisso o delírio de totalidade fálica. Trata-se,
portanto, de um efeito de uma impotência diante dessa alteridade e insurgên-
cia. O ódio como uma “paixão do ser” (Lacan 1953-54/1996) apresenta-se
sustentado por outra dessas paixões, a ignorância, na forma de um não querer
saber. A violência opera como uma “passagem ao ato”, como uma tentativa
de suturar a angústia (Lacan, 1962-63/2005) causada por essa proximidade
do real da inconsistência e da impossibilidade da relação sexual.
Como afirmamos acima, vivemos num mundo, cujo efeito discursivo vem
determinando a queda dos ideais viris (Bonfim, 2020; Jurado, 2017), e o declínio
gradativo do patriarcado. A convulsão masculina diante dessa destituição discur-
siva, histórica e social, apela para uma tentativa de recomposição de uma posição
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 203

antiga da condição fálico masculina, quando os homens não tinham maiores


dificuldades em serem reconhecidos como os portadores do poder fálico.
Foi a modernidade com seus efeitos discursivos a partir da instalação do
discurso da ciência e seus movimentos genealógicos, que operou um desloca-
mento, determinando o fim de uma lógica de poder soberana, como nos ensina
Foucault (1975/2014). A partir daí, o lugar do pai, o patriarcado e seus totali-
tarismos foram, se não se dissolvendo – porque a lógica do poder não desapa-
rece – pelo menos modificaram-se, transmudando a lógica do poder para um
diagrama disciplinar e biopolítico (Foucault, 1975/2014; Foucault 1976/1988).
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Esses deslocamentos determinaram o fim do pátrio poder no século XVIII, a


“morte de Deus”, a inexistência e a inconsistência do Outro (A).
Seria ingênuo acreditar que esse processo tenha se concluído, já que o
patriarcalismo e o machismo continuam a produzir seus efeitos de violência
e assassinatos, ou mesmo supor que esse processo não produziria conse-
quências reativas. A violência de gênero, seja ela dirigida às mulheres ou à
população LBTQIA+, parece-nos ser também um desses “atos reativos” à
esse movimento de declínio do ideais viris e de destituição e perda de uma
reconhecimento da “naturalidade” da posição fálica dos homens.
Desde Freud e Lacan que o falo tornou-se um significante
(Freud, 1923/2011; Lacan, 1958/1998) separando-se definitivamente da
anatomia e da genética, demonstrando que a “significação fálica” é lógica,
topológica e estrutural, o que exige um trabalho do sujeito com seu desejo
para obter o reconhecimento do outro: esse reconhecimento não advém pela
“naturalidade anatômica” da posse do pênis.
Outra consequência reativa a esse movimento histórico-discursivo são os
fundamentalismos de todas as ordens. Esses fundamentalismos, sejam religio-
sos ou políticos, operam como uma tentativa de uma superidentificação com
o Pai, um tipo de ressurreição discursiva do Pai, buscando novamente situá-lo
como a referência “única” (o Um) para a identificação ou para a sexuação. Já
vimos que, depois de Lacan, essa reintegração e totalização do Pai, permanece
questionada, não por acaso, pela lógica não-toda fálica.
Exatamente por isso que os discursos totalitários tratam mal o feminino.
O totalitarismo, ou o “todalitarismo” busca uma recusa, ou uma sutura desse
buraco do Real. O ódio e a ignorância, permitem a ilusão de uma ontologia
do ser homem/macho potente e completo, que superaria as falhas e as impos-
sibilidades. A caracterologia masculina – já descrita por Freud (1916/2010)
– demonstra muito bem essa rigidez mórbida da estrutura, como uma “arma-
-dura” do corpo, reduzido à sua condição fálica. O sexo-todo parece enfurecer
e enrijecer o corpo e os corações masculinos. Certamente essa é uma das
motivações de muitos atos de violência de gênero.
204

Feminilizar o buraco

Vamos concluir apresentando uma proposta de tratamento discursivo do


feminino, que, apesar de ainda estarmos no início das suas discussões e elabo-
rações, consideramos importante expô-la, com o intuito de arrematar e articular
algumas ideias que nos servem tanto para a pesquisa como para a clínica.
Chegamos à conclusão de que a violência de gênero e o ódio ao feminino
giram em torno de um tratamento discursivo, histórico, cultural e linguageiro
que “mal-trata” a incompletude, a inconsistência do Outro (A), a impossibi-

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lidade da relação sexual, ou da interpenetração entre os corpos.
Lacan trabalhou todas essas inconsistências na topologia das cadeias
borromenas, situando-as no buraco nuclear do nó, bordado pelo trisquel
(Lacan, 1974-75/2003), esse ponto buraco mínimo definido por três bordas
que possibilita a consistência da estrutura. Nesse ponto-buraco Lacan situa o
objeto pequeno a. A “de-monstração” da ex-sistência desse buraco no núcleo
do nó borromeano, define uma posição originária do sujeito na estrutura,
que não é outra que não uma condição de objeto. Por outro lado, quando
manipula a figura topológica do Cross-cap no seminário sobre “A lógica do
fantasma” (Lacan, 1966-67/2008), estabelece que o sujeito ($) só emerge após
um segundo corte na estrutura, que faz cair o objeto a. Quer dizer: o sujeito
vem após o segundo corte, ou após o “Ato X” que opera uma foraclusão ori-
ginária na estrutura, como propõe no seminário RSI (Lacan, 1974-75/2003).
Numa certa tradição no campo da psicanálise, ficou estabelecido que
uma posição passiva-objetal seria característico do feminino e uma outra posi-
ção fálico-ativa corresponderia ao masculino. Apesar de Freud (1931/1980)
ter refutado essa primeira abordagem que infere essa correlação entre o
passivo/femino, e o ativo/masculino, ainda assim essa tendência se manteve
um tanto implícita, um tanto não declarada. Para o que nos interessa, inten-
tamos partir dessa constatação, de que uma posição e um gozo objetal não
é exclusividade do feminino, nem tampouco da mulher, mas uma posição
originária do sujeito na estrutura.
Essa posição originária não é propriamente homossexual como propõe
Butler (2014; 2017), mas mobiliza um gozo objetal, que nem podemos con-
siderar, ainda, como feminino. Trata-se de um gozo do corpo, que marca uma
posição do sujeito no fantasma ($<>a), que se situa como atacada pelo gozo
do Outro (A), ou seja, esse ataque que provém do corpo do real (Lacan, 1976-
77). É um gozo objetalizante diante do qual o sujeito vê-se convocado a fazer
algo, seja da ordem de um borda, seja tomando uma posição fálica qualquer.
Sabemos que uma primeira resposta do sujeito, já bastante desenvolvida
pela psicanálise, é a resposta fálica, diante dessa ameaça de apassivamento.
Mas, o que o fantasma nos ensina, é que existem pelo menos dois polos de
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 205

gozo na estrutura: um relativo ao gozo fálico, onde se situa o sujeito em sua


posição ativa; e um outro de gozo objetal, próprio do masoquismo originário,
que não é um problema unicamente para o feminino, mas para todo sujeito.
Esse polo fica marcado no corpo como uma fonte de gozo e se apresenta como
uma das posições no fantasma: $<>a.
O que nos interessa é exatamente problematizar como se trata esse polo
de gozo objetal, como o sujeito responderia diante desse acossamento do gozo
do Outro (Amigo, 1998/2007), o que seria possível fazer, seja do ponto de
vista clínico, seja na lógica discursiva no laço social.
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Lembramos que Freud (1937/2018) em “Análise terminável e intermi-


nável” afirma que o obstáculo à uma análise, o rochedo da castração, seria na
mulher a Inveja do pênis e no homem a “revolta contra sua atitude passiva
e feminina para com outro homem” (p. 322). Freud propõe que se considere
esse fenômeno no caso dos homens, como uma rejeição ao feminino, mas
podemos reconsiderar que se trata de uma rejeição ao feminino nos dois casos,
pois na inveja do pênis, temos uma questão fundamentalmente histérica, onde
a mulher mantém um “desejo de masculinidade” (p. 323). Na verdade, o que
estamos propondo é que isso, que Freud está denominando de uma rejeição
ao feminino, deva ser concebido como uma rejeição não propriamente ao
feminino, mas ao gozo com uma posição originária objetal do sujeito com o
apassivamento, mesmo que se manifeste como uma rejeição e um ataque ao
feminino posteriormente.
Diante desse gozo originário objetal com o apassivamento frente ao gozo
do Outro, o sujeito pode dar algumas respostas:
1. A sexualização do buraco: a primeira, que, como dissemos, já foi
extensamente tratada pela psicanálise, é a sexualização desse buraco,
através de uma posição fálica do sujeito. Nesse caso, o falo funciona
como uma baliza para a “significação fálica” (Lacan, 1958/1998),
para a grafia do gozo do corpo, um diafragma do gozo (Brauns-
tein, 2007), permitindo uma borda e um gozo com a penetração do
buraco. Essa certamente é uma das respostas das mais fundamentais,
já que permite o encaminhamento do desejo por uma via sexual. É
uma forma simbólica e imaginária de tratar esse desamparo origi-
nário, fazendo do buraco uma causa do desejo.
Entretanto, a sexualização do buraco opera também uma deprecia-
ção de uma posição feminina. Lembramos que Freud alude à essa
depreciação na esfera do amor (Freud, 1912/1996), já que o objeto
do desejo implica essa depreciação. Obviamente que na cena erótica
essa depreciação funciona apresentando as trocas reais dos obje-
tos/abjetos do corpo, excitando a própria cena com a possibilidade
206

incestuosa de gozar desses objetos interditados: seios, excrementos,


olhar e voz. Mas não podemos desconsiderar que a sexualização
também pode operar uma depreciação do feminino e da mulher,
dispondo-a numa condição de apassivamento e de espoliação do
corpo feminino.
Em várias situações e falas das mulheres que escutamos em nossa
pesquisa, essa exigência de serviços sexuais forçados, ou não, se
apresentam cotidianamente na vida dessas mulheres, e sempre vem
acompanhada de uma depreciação sádica da posição e do corpo da

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mulher. A pornografia demonstra essa posição da mulher sexual-
mente depreciada e sempre disposta ao sexo e ao apassivamento.
Obviamente que estamos diante do fantasma sexual masculino, pois
como disse Lacan “A mulher não existe. Há mulheres, mas A mulher
é um sonho do homem” (Lacan, 1975/1985, p. 14). Exatamente por
isso que, “... quando O homem quer A mulher, ele só a alcança ao
encalhar no campo da perversão?” (Lacan, 1973/2003, p. 535).
Como vimos acima, essa resposta fálico-sexual, contudo, não é
suficiente para extrair o gozo objetal do corpo, já que esse processo
nunca é completo. A impotência com essa constatação, pode produ-
zir a cólera masculina, como uma confissão dessa mesma impotên-
cia. Daí porque, essas respostas não são propriamente excludentes,
mesmo que se apresentem como dominantes.
2. O sacrifício masoquista: outra posição possível diante do acosso do
gozo do Outro é a escolha por uma posição masoquista, oferecendo-
-se em sacrifício e assentido com sua condição objetal depreciada.
Esse sacrifício pode se manifestar na forma de auto ataques, como
os suicídios, as autolesões, a exposição à situações de risco.
Consideramos, contudo, que mesmo nessas situações, ainda assim,
o sujeito busca atacar e/ou reduzir o gozo por essa condição de
apassivamento objetal, dirigindo essa ofensiva como uma tentativa
de “extração” do objeto que não fora recortado do próprio corpo. As
autolesões demonstram isso claramente: o sujeito “garimpa” o corpo,
na tentativa de extirpar essas lascas do objeto (Amigo, 1998/2007)
que não foram suficientemente extraídas do corpo.
Algumas mulheres condescendem com esse sacrifício em nome
de uma submissão aos ideais patriarcais e os discursos misóginos
na cultura, acreditando que com isso seriam menos fustigadas.
Ledo engano...
3. A segregação, o ódio e a ignorância: o sujeito pode buscar des-
truir ou extrair esse gozo objetal que parasita o seu corpo através
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 207

da destruição do outro. Trata-se de uma destruição do outro que


goza diferente, um racismo do gozo do outro, como define Lacan
(1973/2003). A tentativa aqui é de atacar o outro que goza desse
estranho gozo do corpo que o sujeito busca ignorar no seu próprio
corpo. Lembramos a equivalência sugerida por Freud (1919/1969)
entre o estranho e o familiar.
Os crimes de ódio, a violência de gênero dirigida às mulheres e à
população LGBTQIA+, pode encontrar aqui uma das suas possíveis
explicações. Trata-se de um ódio, permitido pela tentativa de igno-
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rar o gozo que habita parasitariamente no corpo de todo sujeito. O


reconhecimento dessa posição objetal no próprio corpo, determina
sua rejeição e o ataque, dentro de uma lógica paranóica da projeção,
ao gozo reconhecido no corpo do outro.
4. Feminilizar o buraco: Lacan no fim de seu ensino propôs uma
inflexão na ética da psicanálise que se encaminharia também por
estética, formulando uma ética do bem-dizer (Lacan,1973/2003;
1972-73/2010). Em “Televisão” Lacan propõe uma ética do bem-di-
zer, como uma forma de buscar dizer ou de bem tratar esse impossí-
vel da relação sexual (pp. 524-533), lançando mão de uma relação
com o saber que não da ordem do conhecimento, mas de um “gaio
issaber” (gay sçavoir) (p. 525), que suportaria e se divertiria com
o não saber advindo dessa impossibilidade. Diz ele:

A virtude que designo como gaio issaber é o exemplo disso, por manifestar
no que ela consiste: não em compreender, fisgar [piquer] no sentido, mas
em roça-lo tão de perto quanto se possa, sem que ele sirva de cola para
essa virtude, para isso gozar com o deciframento, o que implica que o gaio
issaber, no final faça dele apenas a queda, o retorno ao pecado” (p. 525).

O “dizer” mantém sua proximidade lógica com o real, sem suplantá-lo


com as beatitudes, os às ilusões dos ideais, ou ao sentido.
De uma outra forma, em suas duas conferências intituladas “Joyce, o
sintoma” (Lacan, 1975/2003), Lacan comenta a tentativa de Joyce em se
fazer escabeau (escabelo), buscando que seu nome sobrevivesse como nunca.
Apesar de dizer que Joyce só queria ter o escabelo do dizer magistral (p. 563),
Lacan não deixa de fazer disso uma proposta estética para o sujeito: que a
partir do fato de que se tem um corpo, o Parlêtre deve se fazer belo, deve se
crer belo (hissecroibeau). Faz aqui um jogo fonológico entre hessecabeau e
“Es qu’a beau” (o isso (Es) que tem beleza) (p. 561).
208

Fazer-se belo parece ser a forma que o Parlêtre poderia dar ao corpo
uma dignidade da coisa. É através do sintoma como um “evento corporal”
(p 565), que o Parlêtre constrói um escabelo. Trata-se de um momento da
obra de Lacan, onde o corpo não pode ser escamoteado, já que vai ocupar a
posição de um Ouro real na estrutura: um corpo que goza, o corpo do LOM
(homofônico de l’homme) que precisa se humanizar, fazer do obsceno do
corpo, um escabelo.
Para retornar à nossa proposta, poderíamos dizer que feminilizar o buraco
implica em convocar o sujeito a bem-dizer o feminino, ornando o corpo

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e seus buracos com a dignidade de um escabelo, bordando o obsceno do
gozo do corpo com os adereços e semblantes do belo e do feminino. Se a
mulher é um sintoma para o homem, um sintoma do outro corpo do homem
(Lacan, 1975/2003, p. 365), é através dela e do gozo feminino que a concerne,
que o homem pode amar o feminino, com se ama a diferença e a alteridade.
Feminilizar o buraco convida o sujeito a se deparar e feminilizar esse
gozo obsceno do corpo que o parasita, através do bem-dizer o feminino em
sí. Não se trata de, necessariamente, tornar-se um afeminado, mas um a-fe-
minino, fazendo do objeto a a causa do desejo e suportando a castração e a
insuficiência do fálico.
Lacan afirma que Joyce deu a fórmula geral do escabelo através do seu
trabalho com a arte-sintoma (Lacan, 1975/2003, p. 365). A partir daí, talvez
possamos operar não só através da clínica, mas também através da arte, esse
campo propício para fazer do sintoma um escabelo.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 209

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VIOLENCE DE GENRE
ET HAINE DU FÉMININ :
altérité et dévoilement dans le
traitement discursif du féminin
Leonardo Danziato
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Gabriela Ferreira
Luciana Lira

« En montant la colline, on m’a dit que tu as frappé ma nègre


Ce n’est pas juste,
frapper une femme qui n’est pas la vôtre ».
(Moreira da Silva, 1955)

Introduction

Réaffirmer la gravité du phénomène dramatique, social, historique, poli-


tique et intime qu’est la violence de genre contre les femmes est un travail
récurrent, non seulement dans les médias mondiaux, mais aussi dans le monde
académique. Il s’agit d’une situation constante et répétée, qui implique des
dimensions historiques, anthropologiques, sociales, culturelles et discursives,
mais qui ne cesse d’interroger, dans une perspective psychanalytique, la posi-
tion du sujet dans la structure.
Les premiers vers de la samba de Moreira da Silva, publiée en 1955,
représentent deux questions importantes sur la violence contre la femme et la
haine du féminin. La femme est ici placée dans une position « d’aphânise »,
d’absence, par rapport à sa participation à la scène et à son choix. Prise comme
une propriété des hommes, la violence qui lui est adressée est banalisée. Après
tout, ce que dit la chanson, c’est qu’il n’est pas bien de battre une femme, dans
la mesure où c’est la sienne. Le reste de la samba se poursuit avec l’homme qui
tue l’autre parce que sa « propriété » a été violée. La compréhension de cette
position de propriété du corps de la femme est fondamentale pour comprendre
la logique de la haine envers le féminin, qui continue à faire d’innombrables
victimes à notre époque.
Une brève analyse historique peut permettre de situer la haine envers les
femmes dans les cultures les plus diverses et à des époques différentes. Il ne
nous appartient pas ici de retracer ce parcours historique, mais nous ne pou-
vons ignorer qu’historiquement existe un grand nombre de cas, à différentes
216

époques et cultures, dans lesquels on observe les tentatives les plus diverses de
discipliner, contrôler, éduquer et violer ce qui est propre au féminin. Que ce soit
par le biais de la religion, de l’école, de la famille et même du savoir médical,
les institutions sociales, évidemment commandées par les hommes, ancrés
dans le patriarcat, dictent comment doit être le comportement de la femme.
Une série d’interrogations et d’articulations s’ouvrent dans des domaines
variés et corrélés, qui composent un tableau à la fois plus effrayant et terri-
blement commun, lorsqu’il s’agit de la violence dirigée contre les femmes,
en tant qu’incarnation du féminin, qui semble être enracinée dans l’histoire

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de l’humanité, qui se confond avec le temps du patriarcat et qui dénonce une
intrigante invisibilité et tolérance avec la brutalité, les abus et la dépréciation
qu’elles subissent depuis des siècles. Plus récemment, les crimes dits de haine
tels que les meurtres et les agressions physiques et/ou verbales dirigées contre
la diversité sexuelle, en particulier la communauté LGBTQIA+, indiquent
que nous devons nous demander s’il ne s’agit pas d’un mouvement discursif
de haine dirigé non seulement contre les femmes, mais qui vise la différence
et ceux qui sont censés habiter le champ du féminin.
Nous ne nous attarderons pas sur les chiffres et les statistiques, mais ils
nous servent à dresser un tableau alarmant. Dans le rapport Visível e Invisível:
a vitimização de mulheres no Brasil (2021) [Visible et invisible : la victimisa-
tion des femmes au Brésil], il a été constaté qu’une femme brésilienne sur 4,
soit 24,4% (environ 17 millions de femmes), âgée de plus de 16 ans, a déclaré
avoir subi un certain type de violence ou d’agression pendant la pandémie de
COVID-19. La situation de confinement domestique et de coexistence forcée
déterminée par le cadre actuel a eu comme l’un des effets les plus délétères
une augmentation de la violence contre les femmes. Les données sociodémo-
graphiques indiquent qu’il y a eu une augmentation de la violence de genre
de 30 à 50 % dans plusieurs pays du monde (Mlambo-Ngcuka, 2020). En
Chine, en Italie, en France et en Espagne, cette augmentation significative a
été aussi observée (Vieira et. al., 2020).
Le Brésil suit ce taux et les registres du Ministère Public de São Paulo
(MP-SP) annoncent une augmentation des arrestations flagrantes pour violence
à l’égard des femmes s’élevant à 51% au mois de mars 2020 par rapport au mois
précédent. L’octroi de mesures de protection a augmenté de 29% en mars 2020
par rapport à février de la même année. Selon les données des Nations Unies
(ONU), la violence domestique a augmenté de 50 % à Rio de Janeiro et de 30
% à São Paulo pendant la période de confinement. Nous devons également
tenir compte de l’énorme sous-déclaration caractéristique de ce phénomène,
même avant la situation actuelle de pandémie (Bittencourt & Silva, 2020). Ce
qui peut nous indiquer que ce chiffre est encore plus élevé. En ce qui concerne
la communauté LGBT, selon un rapport publié dans l’Observatório de Mortes
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 217

Violentas de LGBTI+ no Brasil [Observatoire des morts violentes des LGBTI+


au Brésil] (2021), 237 morts violentes dues à un crime d’homophobie ont été
enregistrées dans le pays pour la seule année 2020.
En raison de ce contexte, nous proposons une recherche intitulée «
Violência de gênero no contexto da pandemia do COVID-19: uma proposta
de intervenção em urgência subjetiva com mulheres em situação de vulnera-
bilidade e risco » [La violence de genre dans le contexte de la pandémie de
COVID-19 : une proposition d’intervention en urgence subjective avec des
femmes en situation de vulnérabilité et de risque], dans laquelle nous offrons
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un espace d’écoute à travers les soins en urgence subjective et, par un autre
biais méthodologique, nous enquêtons sur les récits qui tournent autour du
phénomène de la violence de genre et de ses effets pendant la période de la
pandémie de COVID-19.
Dans le présent texte, nous découpons certaines des questions que nous
avons rencontrées dans le développement de la recherche mentionnée ci-des-
sus, afin de pouvoir ensuite avancer une discussion et quelques propositions
théoriques et cliniques qui permettent une progression dans les pratiques et
les connaissances qui opèrent avec ce phénomène.
Le premier et certainement le plus complexe est le caractère systémique
de la violence de genre. Nous savons que la tradition patriarcale et la dévalori-
sation des femmes qui en découle produisent une tolérance et une invisibilité
des aspects les plus néfastes de cette violence (Bodiou et al., 2019). L’invi-
sibilité et la tolérance à l’égard de ces pratiques de violence se manifestent
non seulement par l’impunité de leurs auteurs, mais aussi de manière discur-
sive dans divers domaines, par exemple dans le domaine juridique. À titre
d’illustration, ce n’est que le 15 mars 2021 que le Supremo Tribunal Federal
(STF) [Tribunal Suprême Fédéral] a interdit l’utilisation de l’argument de la
défense de l’honneur dans les crimes de féminicide au Brésil (STF, 2021).
La question que l’on peut se poser est la suivante : qu’est-ce qui sou-
tient cette invisibilité et cette tolérance de la violence à l’égard des femmes
? Évidemment, plusieurs réponses sont possibles, de l’anthropologie et de la
sociologie à la psychanalyse. Mais dans tous les cas, la « culture d’infério-
rité » à laquelle les femmes sont soumises, opérant depuis des siècles dans
les processus de subjectivation, est certainement l’un des aspects à prendre
en considération.
La psychanalyse, à partir de son éthique et de sa pratique, peut et doit dire
quelque chose sur la violence et la haine dirigées vers le féminin et à l’égard
des femmes. Nous sommes constamment confrontés – soit dans la pratique
clinique ou dans le domine de la recherche en extension – à des manifesta-
tions de violence et de destruction dirigées contre l’autre ou contre soi-même.
Cependant, nous orientons la direction du traitement et de la recherche par
218

une position éthique et politique qui met l’accent sur la singularité du sujet et
non sur son annihilation, en cherchant à dire quelque chose qui élargisse les
possibilités d’aborder la violence de genre, que ce soit dans le domaine des
politiques publiques ou dans le domaine clinique, car il s’agit d’un phénomène
qui traverse les deux domaines.
À la recherche de cet élargissement, nous considérons dans cet article la
violence de genre comme n’étant pas exclusivement dirigée contre les femmes,
mais fondamentalement ancrée dans une haine du féminin, ce féminin étant
conçu ici comme un champ autre, une jouissance autre, impliquant une altérité,

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une « autrérité », telle comme conçue par la logique de la sexuation proposée
par Lacan (1972-73/2010). En raison de cette position excentrique, le féminin
incarne un dévoilement et une dénonciation dirigés vers la logique phallique,
masculine et patriarcale, mettant en évidence son insuffisance, à partir de la
modalité du pas-tout phallique.
Nous proposons que c’est, comme effet de cette position d’altérité et de
dévoilement de l’inconsistance de l’Autre (A) (Lacan, 1968-69/2008) et des
insuffisances de la logique phallique et patriarcale, qu’une part ambivalente
de haine ou d’hainamoration229 est dirigé vers le féminin, ainsi que tout un
discours violent et phallique-cholérique qui se présente dans les discours et
les actes des hommes, mais aussi comme un discours commun et dominant
dans le lien social.
Nous pouvons le comprendre, dans un premier temps, comme une
réaction violente au déclin phallique du patriarcat et de l’imago paternelle
(Lacan, 1938/2003), comme une dernière tentative de recomposer un fon-
damentalisme d’une position traditionnelle et conservatrice, historiquement
dépassée, à laquelle il ne serait pas possible de revenir.
Comme nous vivons dans un moment historique caractérisé par la chute
des idéaux phalliques et virils (Bonfim, 2020; Jurado, 2017), nous pouvons
supposer, dès à présent, que le fondamentalisme et la colère phallique mas-
culine visent cette recomposition d’une condition discursive paternelle, qui
a déjà décliné (Lacan, 1938/2003) depuis le XIXe siècle. Évidemment, ce
déclin de la logique patriarcale est beaucoup plus situé dans le champ discursif
du monde occidental, déterminé par le processus historique de la modernité,
mais le processus de globalisation a produit ses effets dans d’autres cultures. Il
convient de préciser que, même si elle est en déclin, cette logique patriarcale
continue à produire ses effets d’un « mal dire » le féminin.
Puisque nous comprenons que la haine du féminin ne s’adresse pas seu-
lement aux femmes, mais à tous les êtres qui occupent une position sexuée
dans le champ du féminin (Lacan, 1972-73/2010), nous percevons que les

229 Terme inventé par Lacan (1972-73/2010) pour dire à propos d’un mélange entre la haine et l’énamoration.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 219

soi-disant « crimes de haine », les meurtres d’homosexuels, de transsexuels


et de toute la population LGBTQIA+, sont des exemples de ce phénomène. Il
s’agit d’une violence dirigée vers le féminin en tant que jouissance « étrange »,
une jouissance préalablement objectale, qui impose une altérité et une dif-
férence à la logique universaliste du tout-phallique (Lacan, 1972-73/2010).
Cette jouissance ne peut être comprise comme une jouissance de la
femme, mais comme un point-trou (Lacan, 1974-75/2003) dans la struc-
ture qui marque la condition archaïque d’objectalisation du sujet devant son
troumatisme. Ce néologisme de Lacan, qui condense trou avec traumatisme,
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indique la genèse de la structure dans son caractère de privation originaire, ou


de foraclusion généralisée (Lacan, 1974-75/2003). Cette étrange jouissance,
objectale, n’est donc pas une exclusivité des femmes, mais s’ancre dans un
point-trou qui rappelle toujours à chaque sujet – hommes ou femmes – de son
traumatisme originel. Chacun doit traiter ce trou par un bien-dire, un bien-
dire de l’inconsistance de l’autre, ou comme le suggère Lacan, un bien-dire
du féminin (Lacan 1973/2003).
Nous allons donc considérer que la violence de genre, qu’elle soit contre
les femmes ou dirigée contre la population LGBTQIA+, comme une violence
dirigée contre la différence sexuelle et l’altérité qu’elle implique, ainsi que
la résistance que la jouissance féminine présente face à l’exigence morale de
« l’Un-nification » des formes de jouissance. La jouissance n’est pas unique,
mais peut être phallique et du corps. Pour qu’il ne soit pas « un-niversalisé».
C’est ce que le féminin supporte.

La femme: victime ou complice

Dans le cadre de nos recherches, mentionnées ci-dessus, nous travail-


lons en partenariat – par le biais d’un accord – avec la Defensoria Pública
do Estado do Ceará (DPCe) [Défense Publique de l’État du Ceará] et le
Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (NUDEM) [Centre
pour la lutte contre la violence à l’égard des femmes], situé dans la Casa da
Mulher Brasileira [Maison de la Femme brésilienne] depuis août 2020, où
nous fournissons des services psychosociaux aux femmes en situation de
risque et de vulnérabilité. Nous offrons un espace d’écoute et d’intervention
en urgence subjective, à travers des services en ligne, menés par une équipe
de neuf (09) professionnels, psychologues et psychanalystes, supervisés par
les coordinateurs de la recherche.
Dans ces circonstances, nous avons assisté à des femmes qui recevaient
déjà un certain type d’assistance sociale et psychologique dans ces instances
juridiques, ayant été envisagées avec une mesure de protection contre l’agres-
seur, ce qui les plaçait dans la condition discursive et évidemment de victimes.
220

Nous arrivons ainsi à un paradoxe, car nous savons que cette position
délicate diffère d’une autre qui est offerte au sujet dans un processus d’écoute
fondé sur la logique clinique psychanalytique. Comme le dirait Lacan (1965-
66/2018), le sujet est toujours responsable de sa condition. Il est évident que
cette position exclusivement clinique et radicale sur le transfert ne doit pas
être transposée au lien social sans risque d’apparaître comme néfaste et erro-
née. Il ne s’agit pas, bien sûr, de suggérer que les femmes qui sont violées,
abusées et assassinées par leur partenaire doivent être tenues pour respon-
sables ou blâmées pour cela. Juridiquement, socialement et historiquement,

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ces femmes sont victimes de la domination masculine (Bourdieu, 2012). Ce
qui nous intéresse, c’est d’entrer dans cette impasse apparente d’une manière
qui nous permette de tirer des conclusions pour la pratique de la recherche. Il
nous semble important pour notre travail de recherche confronter ces positions
– celle de victime et celle de sujet – ainsi que ces deux discours, le discours
de l’aide sociale et le discours psychanalytique, dans l’intimité d’un espace
d’écoute clinique – l’urgence subjective – puisque c’est entre eux que nous
opérons dans nos investigations. Cette contre-position nous servira à nous
demander dans quelle mesure la position discursive de victime permet à ces
femmes de perlaborer les effets dévastateurs de ce qui leur arrive, ou s’il est
possible de se disloquer pour essayer d’opérer avec le traumatique de la vio-
lence depuis une autre position. En effet, nous comprenons que la polarisation
victime/agresseur ne nous sert pas cliniquement à soutenir une intervention.
Nous soulevons ces questions parce que, dans le cadre de nos recherches,
nous avons constaté que certaines femmes se retrouvent emprisonnées dans un
circuit de violence et de répétition (Freud, 1920/2006; Lacan, 1964/1988) de
ces schémas dans leurs relations, et dans certains cas « retournent auprès de
leur mari comme des Athéniennes… ». Évidemment, nous nous interrogeons
sur les raisons de cette répétition, ainsi que sur ce qui pourrait être fait pour
opérer une coupure dans cet état. En d’autres termes, nous sommes face à une
question délicate et paradoxale, qui est à la fois clinique, politique, discur-
sive et implique les modes de subjectivation (Foucault, 1984) d’une époque.
Parce que, d’autre part, cliniquement, on ne peut éviter de s’interroger sur les
engagements pulsionnels de ces femmes face à cette situation.
Ce constat clinique et de recherche pourrait ouvrir ce que nous considé-
rons comme une fausse interrogation: la femme serait-elle victime ou complice
de la situation à laquelle elle est soumise? Il est évident qu’une question aussi
complexe ne peut pas recevoir une réponse dichotomique.
Il faut considérer que ces femmes passent par des « modes de subjectiva-
tion » (Foucault, 1984), qui leur imposent une « culture de l’infériorité » et une
« domination masculine » (Bourdieu, 2012) et une « culture de l’impunité »
(Bodiou et Chavaud, 2019), selon une logique discursive et laïque où la femme
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 221

est représentée comme une « figure maléfique » de la fureur de la nature, du


diable, de la prostituée (Riguine et Marcos, 2018). Nous sommes ici face à
un processus d’internalisation et d’identification de la femme à cette place
dépréciée – sexuellement dépréciée – dans laquelle les discours patriarcaux
et misogynes la placent, de sorte que, dans de nombreux cas, la violence n’est
même pas remise en question (Grihom, 2019). Dans la pratique quotidienne du
NUDEM, les psychologues et les travailleurs sociaux sont très clairs lorsqu’ils
affirment que dans plusieurs cas, les femmes assistées ne se rendent même
pas compte qu’elles sont dans une situation de violence domestique. Telle
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est la tolérance et l’invisibilité de cette violence systémique (Zizek, 2014).


Il ne s’agit donc pas de rendre les femmes responsables et de les culpa-
biliser pour leurs tragédies personnelles, voire de les justifier à partir d’un
« psychologisme », ou d’une « psychanalyse », évoquant la conception freu-
dienne du « masochisme féminin » (Freud, 1924/2011). Nous comprenons
que l’analyste ne peut pas ici opérer comme un agent idéologique et moral,
confirmant et justifiant la position violée de la femme, à travers des propo-
sitions cliniques qui peuvent encourir l’erreur d’un « psychanalisme ». Le
masochisme féminin proposé par Freud (1924/2011) fait partie de ces notions
à manier avec précaution, afin de ne pas justifier moralement la violence,
sanctionnant un discours misogyne qui habite déjà le lien social, absolvant
les auteurs de la violence.
Nous rappelons que Freud (1925/2011, p. 188) dans le texte « Le pro-
blème économique du masochisme » propose trois types de masochisme : le
masochisme érogène, le masochisme moral et le masochisme féminin. Cepen-
dant, dans ce même texte, à partir de la discussion du « sentiment inconscient
de culpabilité », il nous amène à partager l’idée d’un « masochisme originel »,
issu d’une première position objectale du sujet, qui marquerait la structure de
cette condition passive primaire. Nous n’allons pas entrer dans cette impor-
tante discussion freudienne, mais seulement démontrer que le « problème
économique du masochisme » n’est pas une question qui ne concerne que
les femmes, mais oui pour n’importe quel sujet, puisque le masochisme est
une position originale dans la structure, que ce soit pour la femme ou pour
l’homme. Il n’est donc pas possible d’accompagner idéologiquement les dis-
cours misogynes et de justifier la violence contre les femmes à partir d’une
catégorie clinique telle que le masochisme féminin.
Mais, comme nous l’avons dit plus haut, nous ne pouvons pas ignorer les
engagements pulsionnels et fantasmatiques de ces femmes avec la scène de
la violence. L’approche clinique deviendrait stérile si nous ne discutions pas,
dans le discours de ces femmes, de ces implications inconscientes. L’inflexion
que nous proposons consiste à considérer que ces engagements pulsionnels
trouvent leur origine dans la logique discursive du lien social, à partir de la
222

manière dont le féminin et la femme sont discursivement traités. La place


discursive que le féminin et la femme occupent, déterminent cette tolérance
et cette invisibilité des attaques cholériques-phalliques par certains hommes,
et même par plusieurs femmes.
Rappelons que Lacan (1969-70/1992) définit les discours comme ce
qui fait le lien social et ce qui permet un appareil de jouissance. C’est-à-dire
que les discours donnent une direction à la jouissance dans le lien social,
produisant une économie de la jouissance qui interdit ou permet des formes
de jouissance dans la culture. Ainsi, plaisanter en attaquant et/ou en rabais-

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sant une femme semble être une forme de jouissance discursive tolérée et
même encouragée dans notre société. Inévitablement, cela affecte également
la position discursive des femmes.
Lors d’une des séances rapportées dans notre recherche, la mère d’une
des femmes assistées, qui a également supporté une relation abusive et violente
pendant dix ans, lui a reproché de s’être séparée de son mari qui la battait, et
lui a dit la phrase suivante : « J’ai supporté ça pendant dix ans, pourquoi pas
toi ? ». Nous voyons clairement que les récits intimes de ces femmes sont liés
au discours de la domination masculine et soumis à une logique d’assujettis-
sement et de dépréciation du féminin. Nous demandons : au nom de quoi une
femme doit-elle endurer une relation violente et dangereuse ?

La haine du féminin

Pourquoi le sexe féminin est-il la cible prioritaire de la haine et de la


violence ? Les réponses possibles sont nombreuses, qu’elles soient anthropo-
logiques, historiques, sociologiques ou politiques, entre autres. Nous tenterons
d’y contribuer en clarifiant une importante conception structurale du féminin
issue de la psychanalyse et plus particulièrement de l’œuvre de Lacan.
Pour donner suite à nos propositions, nous suggérons de passer du modèle
du masochisme féminin à la logique de la haine du féminin. À cette fin, nous
entrerons dans la discussion sur la logique de la sexuation proposée par Lacan
(1972-73/2010).
Nous savons que, bien que Freud (1923/2011) ait changé l’utilisation
des termes « pénis » pour « phallus » en 1923, dans le texte « L’organisation
génitale infantile », il maintenait encore une certaine prégnance de l’anatomie
pour signaler la différence sexuelle (Freud, 1925/2011). Avec Lacan, cependant,
accompagnant même Freud dans les premiers moments de son travail, il dépasse
un modèle de sexuation qui a pour seul marqueur le signifiant « phallus » –
être ou avoir le phallus – vers une sexuation délimitée sur les modalités de la
jouissance, découlant de la jouissance du corps. Dès lors, le phallus devient une
fonction qui n’inscrit qu’une partie de cette jouissance, en la sexualisant. Le
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 223

masculin et le féminin deviennent ainsi des champs de jouissance totalement


indépendants de l’anatomie, de la biologie ou de la génétique. De sorte que la
corrélation entre masculin/homme et féminin/femme est perdue. En psycha-
nalyse, nous traitons du sujet sans substance et sans sexe, et pas vraiment des
hommes et des femmes. La différence sexuelle devient logique et non plus
anatomique. (Lacan, 1972-73/2010), de sorte que les hommes et les femmes
peuvent non seulement occuper les deux champs de la sexuation – le masculin
et le féminin – mais aussi alterner ces modalités de jouissance.
La logique phallique, masculine par excellence, constitue l’ensemble
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logique universel des hommes, avec la prétention d’une totalité, telle que
« l’humanité » est conçue. Nous avons un ensemble universel soutenu par
l’identification avec le père « Un ». Le premier père, défini par Freud comme
le « père de la horde primitive » (Freud, 1912-13/2012), ouvre la série de
l’ensemble des hommes/humanité.
La position du père comme référence mythique indique également la
généalogie de la tradition patriarcale et masculine dans l’histoire de l’huma-
nité. La prétention à l’universalité suppose une totalité qui peut se transformer
en totalitarisme. La place du père, équivalente à celle du chef dans la masse,
suggère ainsi le risque d’un discours totalitaire, comme nous l’avons observé
dans la « psychologie des masses et analyse du moi » (Freud, 1921/2011b).
En tirant quelques conséquences politiques pour notre travail, nous pou-
vons observer la prétention d’une totalité de l’universel, ajoutée au maintien
d’une identification primaire avec le père, rendant le champ phallique-mascu-
lin plus propice au totalitarisme. Ce qui ne veut pas dire que tous les hommes
sont totalitaires, puisque nous allons argumenter sur l’impossibilité de cette
totalisation. Quoi qu’il en soit, il n’y a pas de mal à considérer la position et
le soutien phallique-masculin comme importants pour la condition subjective
des hommes qui commettent des actes de violence contre les femmes, voire
déterminants. Car nous verrons que le féminin est le champ qui dénonce tou-
jours l’impossibilité de cette totalité et qui, pour cette raison même, devient
la cible de la colère réactive du champ phallique-masculin.
Nous savons que Freud s’est heurté à l’insuffisance de ce champ
de sexuation phallique-masculin pour parler du féminin et de la femme
(Freud, 1924/2011, 1925/2011, 1931/1980, 1932-33/1996b). L’identifica-
tion primaire avec le père, ainsi que l’identification phallique, produisent un
sujet dont l’incorporation du vide du père le place dans une position phal-
lique-active. Mais tout ce processus œdipien n’explique pas « ce qu’est une
femme » (Freud, 1932-33/1996b). Cette question est restée ouverte dans
l’œuvre de Freud, et Lacan a suivi cette voie, non pas pour définir défini-
tivement ce que serait une femme, mais pour reformuler la question, en la
sortant du cadre phallo-signifiant pour la placer dans le champ de la jouissance
224

(Danziato, 2016), qui devient le champ de la sexuation et le champ de l’humain


(Lacan, 1972-73/2010).
En suivant cette voie, Lacan définit la jouissance féminine comme pas-
tout phallique et hors-sexe (Lacan, 1972-73/2010). Considérant l’insuffisance
du phallus et du père – ou, comme nous l’avons vu, l’insuffisance de l’identifi-
cation avec le père – pour parler du féminin, il situera le féminin non seulement
hors du champ phallique, mais comme un type de jouissance de l’être – comme
une supposition logique – qui n’est pas soumis à la logique phallique.
À partir de cette insuffisance des signifiants phalliques, Lacan produit

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un autre type de sexuation non soumis à la condition phallique, qui va opé-
rer comme un « autre sexe ». Il ne s’agit pas exactement d’une opposition
binaire – définition qui est habituellement critiquée dans les études de genre
(Butler, 2014 ; 2017) – puisque le féminin n’est pas situé dans le champ du
signifiant. De sorte qu’il n’y a pas d’opposition entre deux signifiants, ou
deux ensembles, qui seraient le masculin/homme et le féminin/femme. Si
cette opposition binaire était présentée dans l’œuvre lacanienne comme le
substrat logique du champ de signification entre deux signifiants (S1-S2), avec
l’invention du petit objet a, à partir du séminaire sur l’Angoisse (Lacan, 1962-
63/2005), cette logique de signification devient une impossibilité : S1 n’atteint
jamais S2, car un reste est toujours produit; l’objet a. Ainsi, l’opposition cesse
d’être symbolique et binaire (S1-S2) pour configurer une impossibilité entre
le Symbolique et le Réel (S-a).
Mais, à quoi cette explication nous mène-t-elle? La conclusion que la
logique de la sexuation n’est pas oppositionnelle, ni binaire, mais modale,
c’est-à-dire qu’elle dépend des modalités de jouissance de chaque champ et
indique une impossibilité, l’impossibilité de la relation sexuelle (Lacan, 1972-
73/2010). Il n’y a pas de complémentarité entre les sexes, de sorte que ce
qui s’oppose au masculin n’est pas le féminin ou une femme, mais sa propre
inconsistance, désignée par l’objet a (S-a). La réciproque, cependant, n’est
pas symétrique : ce qui manque au féminin, ce n’est pas le phallus, puisqu’il
s’est avéré insuffisant pour le signifier, c’est-à-dire : le féminin ne manque pas
de signifiant. Rigoureusement, au féminin ne manque rien, puisqu’il n’opère
pas soumis à la logique freudienne du manque, dont l’opposition se présente
comme le phallique/castré (Freud, 1925/2011).
La jouissance féminine implique donc une altérité et une différence par
rapport à l’universel/tout phallique-masculin. Il ne se constitue pas comme
un autre universel qui s’opposerait au masculin, puisqu’il est un ensemble
ouvert qui ne fait pas universel. De ce fait, le féminin ne complète pas le
masculin – puisque la relation sexuelle n’existe pas – au contraire, il dénonce
toujours l’insuffisance du champ phallique. Comme il n’y a pas d’exception
qui échappe à la règle, comme c’est le cas dans le champ masculin (Ǝx Φx),
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 225

il n’y a pas de « Un » qui fonde et soutient la série universelle comme se


passe dans le champ phallique. C’est exactement pour cela que le féminin ne
tourne pas autour d’une identification au « Un père » pour l’orthographe de la
jouissance du corps, démontrant ainsi l’insuffisance du phallus et du père, et
mettant en doute la totalité de ce champ. Le champ et la jouissance féminins
présentent donc le trou, l’incohérence et l’impossibilité d’une identification à
partir de l’incorporation du père. D’où la déclaration de Lacan (1972-73/2010)
: « La femme n’existe pas ».
Nous n’entrerons pas dans une explication détaillée de la logique des
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mathèmes de la sexuation chez Lacan, car il existe plusieurs livres, articles,


etc. qui se proposent de faire cette clarification. Ce qui nous intéresse ici, c’est
de tirer les conséquences de cette importante conclusion logique : le féminin
présente l’impossibilité du tout, le trou, l’incohérence de la structure et, pour
cette raison même, devient la cible privilégiée de la haine du féminin, soutenue
par l’horreur à ce réel du trou.
La haine du féminin s’adresse donc à cette altérité radicale qui indique
toujours l’impossibilité de la complémentarité, puisque la logique est ici sup-
plémentaire. L’attaque venant de la colère phallo-masculine cherche à imposer
à cette jouissance insoumise le délire de la totalité phallique. Il s’agit donc
d’un effet d’impuissance devant cette altérité et cette insurrection. La haine
comme « passion de l’être » (Lacan 1953-54/1996) se présente soutenue par
une autre de ces passions, l’ignorance, sous la forme d’un ne pas vouloir
savoir. La violence opère comme un « passage à l’acte », comme une tentative
de suture de l’angoisse (Lacan, 1962-63/2005) provoquée par cette proximité
au réel de l’inconsistance et de l’impossibilité de la relation sexuelle.
Comme nous l’avons dit plus haut, nous vivons dans un monde, dont
l’effet discursif a déterminé la chute des idéaux virils (Bonfim, 2020 ;
Jurado, 2017), et le déclin progressif du patriarcat. La convulsion masculine
face à cette destitution discursive, historique et sociale, appelle une tentative
de recomposition d’une ancienne position de la condition masculine phallique,
lorsque les hommes n’avaient pas plus de difficulté à être reconnus comme
porteurs du pouvoir phallique.
C’est la modernité avec ses effets discursifs issus de l’installation du
discours de la science et de ses mouvements généalogiques, qui a opéré un
basculement, déterminant la fin d’une logique de pouvoir souverain, comme
nous l’enseigne Foucault (1975/2014). Dès lors, la place du père, le patriarcat
et ses totalitarismes ont été, sinon dissous – car la logique du pouvoir ne dispa-
raît pas – du moins modifiés, transmutant la logique du pouvoir en un schéma
disciplinaire et biopolitique (Foucault, 1975/2014 ; Foucault 1976/1988). Ces
déplacements ont déterminé la fin de la puissance paternelle au XVIIIe siècle,
la « mort de Dieu », l’inexistence et l’inconsistance de l’Autre (A).
226

Il serait naïf de croire que ce processus est terminé, puisque le patriarcat


et le machisme continuent à produire leurs effets de violence et de meurtres,
ou même de supposer que ce processus ne produirait pas de conséquences
réactives. La violence de genre, qu’elle soit dirigée vers les femmes ou vers
la population LBTQIA+, nous semble être aussi un de ces « actes réactifs » à
ce mouvement de déclin des idéaux virils, de destitution et de perte de recon-
naissance de la « naturalité » de la position phallique des hommes.
Depuis Freud et Lacan, le phallus est devenu un signifiant (Freud,
1923/2011 ; Lacan, 1958/1998) se séparant définitivement de l’anatomie et

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de la génétique, démontrant que la « signification phallique » est logique,
topologique et structurale, qui exige du sujet un travail sur son désir pour
obtenir la reconnaissance de l’autre : cette reconnaissance ne passe pas par
la « naturalité anatomique » de la possession du pénis.
Une autre conséquence réactive de ce mouvement historico-discursif
sont les fondamentalismes de tous ordres. Ces fondamentalismes, qu’ils soient
religieux ou politiques, fonctionnent comme une tentative de sur-identification
avec le Père, une sorte de résurrection discursive du Père, cherchant à le situer à
nouveau comme la « seule » référence (l’Un) pour l’identification ou la sexua-
tion. Nous avons déjà vu que, après Lacan, cette réintégration et totalisation du
Père reste remise en cause, non par hasard, par la logique pas-tout phallique.
C’est exactement pour cela que les discours totalitaires traitent mal le
féminin. Le totalitarisme, ou « l’toutalitarisme » cherche un refus, ou une
suture de ce trou du Réel. La haine et l’ignorance permettent l’illusion d’une
ontologie du mâle/mâle puissant et complet, qui surmonterait les échecs
et les impossibilités. La caractérologie masculine – déjà décrite par Freud
(1916/2010) – démontre très bien cette rigidité morbide de la structure, comme
un « arma-ture » du corps, réduit à sa condition phallique. Le tout-sexe semble
enrager et raidir le corps et le cœur des hommes. C’est certainement là l’une
des motivations de nombreux actes de violence sexiste.

Féminiser le trou

Nous conclurons en présentant une proposition de traitement discursif du


féminin, que, malgré le fait que nous soyons encore au début de ses discus-
sions et élaborations, nous considérons important d’exposer, dans le but de
finaliser et d’articuler quelques idées qui nous servent tant pour la recherche
que pour la pratique clinique.
Nous arrivons à la conclusion que la violence de genre et la haine du
féminin tournent autour d’un traitement discursif, historique, culturel et lin-
guistique qui « mal-traite » l’incomplétude, l’inconsistance de l’Autre (A),
l’impossibilité de la relation sexuelle, ou de l’interpénétration entre les corps.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 227

Lacan a travaillé toutes ces incohérences dans la topologie des chaînes


de borromenée, en les situant dans le trou nucléaire du nœud, brodé par le
trisquel (Lacan, 1974-75/2003), ce point trou minimal défini par trois bords
qui permet la cohérence de la structure. Dans ce point-trou (ponto-buraco),
Lacan situe le petit objet a. La « dé-monstration » de l’ex-sistence de ce trou
dans le noyau du nœud borroméen, définit une position originelle du sujet
dans la structure, qui n’est autre qu’une condition d’objet. En revanche, lors-
qu’il manipule la figure topologique du Cross-cap dans le séminaire sur « La
logique du phantasme » (Lacan, 1966-67/2008), il établit que le sujet ($)
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n’émerge qu’après une seconde coupure de la structure, qui fait tomber l’objet
a. C’est-à-dire: le sujet vient après la deuxième coupure, ou après « l’acte X »
qui opère une forclusion originale dans la structure, comme proposé dans le
séminaire RSI (Lacan, 1974-75/2003).
Dans une certaine tradition du domaine de la psychanalyse, il a été établi
qu’une position passive-objectale serait caractéristique du féminin et qu’une
autre position phallique-active correspondrait au masculin. Bien que Freud
(1931/1980) ait réfuté cette première approche qui infère cette corrélation
entre passif/féminin et actif/masculin, cette tendance est restée quelque peu
implicite, quelque peu non déclarée. Pour ce qui nous intéresse, nous enten-
dons partir de ce constat, qu’une position et une jouissance objectale n’est
pas exclusive du féminin, ni de la femme, mais une position originale du sujet
dans la structure.
Cette position originale n’est pas exactement homosexuelle comme le
propose Butler (2014 ; 2017), mais mobilise une jouissance objectale, que nous
ne pouvons pas considérer, encore, comme féminine. C’est une jouissance du
corps, qui marque une position du sujet dans le fantasme ($<>a), qui se situe
comme attaquée par la jouissance de l’Autre (A), c’est-à-dire cette attaque qui
vient du corps du réel (Lacan, 1976-77). C’est une jouissance objectalisante
devant laquelle le sujet se voit convoqué pour faire quelque chose, que ce
soit de l’ordre d’un bord, ou en prenant une position phallique quelconque.
Nous savons qu’une première réponse du sujet, déjà bien développée par
la psychanalyse, est la réponse phallique, face à cette menace de passivation.
Mais ce que le fantasme nous apprend, c’est qu’il y a au moins deux pôles de
jouissance dans la structure: un relatif à la jouissance phallique, où le sujet
se situe dans sa position active; et un autre de jouissance objectale, propre au
masochisme originel, qui n’est pas seulement un problème pour le féminin,
mais pour tout sujet. Ce pôle est marqué dans le corps comme source de
jouissance et se présente comme une des positions du fantasme: $<>a.
Ce qui nous intéresse, c’est justement de problématiser comment ce pôle
de la jouissance objectale est traité, comment le sujet répondrait devant ce
228

harcèlement de la jouissance de l’Autre (Amigo, 1998/2007), ce qu’il serait


possible de faire, que ce soit du point de vue clinique, ou dans la logique
discursive du lien social.
Rappelons que Freud (1937/2018) dans « Analyse avec fin et analyse
sans fin » affirme que l’obstacle à une analyse, le rocher de la castration,
serait chez la femme l’Envie du pénis et chez l’homme la « révolte contre
son attitude passive et féminine envers un autre homme » (p. 322). Freud
propose de considérer ce phénomène dans le cas des hommes, comme un
rejet du féminin, mais nous pouvons reconsidérer qu’il s’agit d’un rejet du

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féminin dans les deux cas, car dans l’envie du pénis, nous avons une question
fondamentalement hystérique, où la femme maintient un « désir de masculi-
nité » (p. 323). En fait, ce que nous proposons, c’est que ce que Freud appelle
un rejet du féminin, doit être conçu comme un rejet non pas proprement du
féminin, mais de la jouissance avec une position objectale originelle du sujet
avec la passivation, même si cela se manifeste comme un rejet et une attaque
du féminin par la suite.
Devant cette jouissance d’objet originel avec la passivation face à la
jouissance de l’Autre, le sujet peut donner quelques réponses :
1. La sexualisation du trou : la première, qui, comme nous l’avons
dit, a déjà été largement traitée par la psychanalyse, est la sexuali-
sation de ce trou, à travers une position phallique du sujet. Dans ce
cas, le phallus fonctionne comme une balise pour la « signification
phallique » (Lacan, 1958/1998), pour la graphie de la jouissance du
corps, un diaphragme de la jouissance (Braunstein, 2007), permet-
tant un bord et une jouissance avec la pénétration du trou. Il s’agit
certainement d’une des réponses les plus fondamentales, puisqu’elle
permet la transmission du désir par une voie sexuelle. C’est une
manière symbolique et imaginaire de traiter cette impuissance ori-
ginelle, en faisant du trou une cause de désir.
Cependant, la sexualisation du trou opère également une dépréciation d’une
position féminine. Rappelons que Freud fait allusion à cette dépréciation dans
la sphère de l’amour (Freud, 1912/1996), puisque l’objet du désir implique
cette dépréciation. Il est évident que dans la scène érotique cette dépréciation
fonctionne en présentant les échanges réels des objets/abjets du corps, excitant
la scène elle-même avec la possibilité incestueuse de jouir de ces objets inter-
dits: seins, excréments, regard et voix. Mais nous ne pouvons ignorer que la
sexualisation peut également opérer une dépréciation du féminin et de la femme,
la plaçant dans une condition de passivation et de spoliation du corps féminin.
Dans plusieurs situations et déclarations des femmes que nous avons
entendues au cours de notre recherche, cette demande de services sexuels
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 229

forcés, ou non, se présente quotidiennement dans la vie de ces femmes, et


s’accompagne toujours d’une dépréciation sadique de la position et du corps de
la femme. La pornographie démontre cette position de la femme sexuellement
dépréciée qui est toujours prête à avoir des rapports sexuels et à être passivée.
Il est évident que nous sommes face au fantasme sexuel masculin, car comme
le disait Lacan « La femme n’existe pas. Il y a des femmes, mais La femme
est un rêve d’homme » (Lacan, 1975/1985, p. 14). C’est exactement pour cela
que « … quand L’homme veut la femme, il n’y parvient qu’en s’échouant sur
le terrain de la perversion ? ». (Lacan, 1973/2003, p. 535).
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Comme nous l’avons vu plus haut, cette réponse phallo-sexuelle n’est


cependant pas suffisante pour extraire la jouissance de l’objet du corps,
puisque ce processus n’est jamais complet. L’impuissance face à cette prise
de conscience peut produire une colère masculine, comme une confession
de cette analogue impuissance. Ainsi, ces réponses ne sont pas exactement
excluantes, même si elles sont présentées comme dominantes.
2. Le sacrifice masochiste : une autre position possible devant le har-
cèlement de la jouissance de l’Autre est le choix d’une position
masochiste, s’offrir en sacrifice et consentir à sa condition objectale
dépréciée. Ce sacrifice peut se manifester sous la forme d’actes auto-
destructeurs, tels que des suicides, des automutilations, l’exposition
à des situations à risque.
Nous considérons cependant que même dans ces situations, le sujet
cherche toujours à attaquer et/ou à réduire la jouissance par cette condi-
tion de passivation objectale, dirigeant cette offensive comme une tentative
« d’extraire » l’objet qui n’avait pas été découpé du corps lui-même. Les
automutilations le démontrent clairement : le sujet « creuse » le corps pour
tenter d’extirper les fragments de l’objet (Amigo, 1998/2007) qui n’ont pas
été suffisamment extraits du corps.
Certaines femmes tolèrent ce sacrifice au nom de la soumission aux
idéaux patriarcaux et aux discours misogynes de la culture, pensant que cela
les rendrait moins maltraitées. Une grosse erreur…
3. La ségrégation, la haine et l’ignorance : le sujet peut chercher à
détruire ou à extraire cette jouissance objectale qui parasite son
corps par la destruction de l’autre. Il s’agit d’une destruction de
l’autre qui jouit autrement, d’un racisme de la jouissance de l’autre,
tel que défini par Lacan (1973/2003). Il s’agit ici d’attaquer l’autre
qui jouit de cette étrange jouissance du corps que le sujet cherche à
ignorer dans son propre corps. Nous rappelons l’équivalence sug-
gérée par Freud (1919/1969) entre l’étrange et le familier.
230

Les crimes de haine, la violence dirigée contre les femmes et la popu-


lation LGBTQIA+, peuvent trouver ici une de leurs explications possibles.
Il s’agit d’une haine, permise par la tentative d’ignorer la jouissance qui
habite de façon parasitaire le corps de tout sujet. La reconnaissance de cette
position objectale dans son propre corps détermine son rejet et l’attaque, dans
une logique paranoïaque de projection, contre la jouissance reconnue dans
le corps de l’autre.
4. Féminiser le trou: Lacan, à la fin de son enseignement, a proposé

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une inflexion de l’éthique de la psychanalyse qui serait également
dirigée vers l’esthétique, en formulant une éthique du bien-dire
(Lacan, 1973/2003 ; 1972-73/2010). Dans « Télévision », Lacan pro-
pose une éthique du bien-dire, comme une manière de chercher à dire
ou à bien traiter cet impossible de la relation sexuelle (pp. 524-533),
en recourant à un rapport au savoir qui n’est pas de l’ordre de la
connaissance, mais d’un «gay sçavoir.» (p. 525), qui supporterait et
se délecterait du non-savoir découlant de cette impossibilité. Il dit :
La vertu que je désigne comme gay sçavoir en est l’exemple, pour avoir
manifesté ce en quoi elle consiste: non pas à comprendre, à s’accrocher
[piquer] au sens, mais à le ronger au plus près, sans qu’il serve de colle à cette
vertu, à cette moquerie avec le déchiffrage, qui implique que le gay sçavoir,
n’en fait finalement que la chute, le retour au péché « (p. 525).
Le « dire » maintient sa proximité logique avec le réel, sans le supplanter
par des béatitudes, les illusions de l’idéal, ou le sens.
D’une autre manière, dans ses deux conférences intitulées « Joyce, le
symptôme » (Lacan, 1975/2003), Lacan commente la tentative de Joyce de se
faire escabeau, cherchant à ce que son nom survive comme jamais auparavant.
Bien qu’il dise que Joyce ne voulait avoir que l’escabeau du dire magistral
(p. 563), Lacan ne manque pas de faire une proposition esthétique pour le
sujet: qu’à partir du fait qu’on a un corps, le Parlêtre doit se faire beau, doit se
croire beau (hissecroibeau). Il fait ici un jeu phonologique entre hessecabeau
et « Es qu’a beau » (le c’est (Es) qui a beauté) (p. 561).
Se faire beau semble être le moyen pour Parlêtre de donner au corps
une dignité de la chose. C’est à travers le symptôme comme un « événement
corporel » (p 565), que le Parlêtre construit un escabeau. C’est un moment
dans l’œuvre de Lacan où le corps ne peut être esquivé, puisqu’il va occu-
per la position d’un Or réel dans la structure: un corps qui jouit, le corps du
LOM (homophonique de l’homme) qui a besoin de s’humaniser, de faire de
l’obscène du corps, un escabeau.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 231

Pour revenir à notre proposition, nous pourrions dire que féminiser le


trou implique de convoquer le sujet pour bien-dire le féminin, orner le corps
et ses trous avec la dignité d’un escabeau, broder l’obscène de la jouissance
du corps avec les ornements et les semblants du beau et du féminin. Si la
femme est un symptôme pour l’homme, un symptôme de l’autre corps de
l’homme (Lacan, 1975/2003, p. 365), c’est par elle et la jouissance féminine
qui la concerne que l’homme peut aimer le féminin, comme on aime la dif-
férence et l’altérité.
Féminiser le trou invite le sujet à affronter et féminiser cette jouissance
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obscène du corps qui le parasite, par le bien-dire du féminin lui-même. Il ne


s’agit pas nécessairement de devenir efféminé, mais un a-féminin, en faisant
de l’objet a la cause du désir et en supportant la castration et l’insuffisance
du phallique.
Lacan affirme que Joyce a donné la formule générale de l’escabeau à
travers son travail avec l’art-symptôme (Lacan, 1975/2003, p. 365). À partir
de là, peut-être pouvons-nous opérer non seulement par la clinique, mais aussi
par l’art, ce champ propice pour faire du symptôme un escabeau.
232

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MATAR MULHERES: que ódio é esse?
Roseane Freitas Nicolau
Paula Affonso de Oliveira

A violência contra as mulheres se expressa em números crescentes de


feminicídio, com uma mulher assassinada a cada minuto no Brasil. Embora
esse fenômeno acompanhe a história das civilizações, a agressividade
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dirigida às mulheres ganha novos contornos com a tentativa de destruir o


feminismo e suas conquistas de liberdade sexual, social e política. Cresce
a imagem da mulher virtuosa e submissa incentivada pelas “pessoas de
bem” identificadas como conservadoras no atual contexto sociopolítico,
mas que agridem liberdades e dão força a posições machistas e fundamen-
talistas, alimentando o ódio contra o feminino. Historicamente identificada
ao estranho, à castração, à sedução e ao mal, estaria esse ódio inscrito a
partir da alteridade que elas encarnam, em função do seu modo de gozo
enigmático e inapreensível, característica da modalidade de gozo não-todo
referido ao falo? Matar seria uma tentativa de eliminar a angústia que o
encontro com o feminino portaria? Essas são as interrogações norteiam
as discussões deste trabalho.
O título proposto para este capítulo representa um certo desconcerto
frente ao crescente número de mulheres vítimas de violência e feminicídio1.
Os dados apresentados pela Organização Mundial de Saúde alertam para a
explosão nos índices de violência em situações de emergências, como é o
caso da pandemia de Covid-19 (OPAS, 2020). No Brasil, os dados se des-
cortinam em um momento sociopolítico que traz à cena o ódio, a truculência
e o desprezo pelas questões do feminino, fazendo recrudescer a força bruta
como arma de dominação e a dimensão exacerbada e declarada do ódio que
culmina com a morte de mulheres.
Embora o fenômeno da agressividade e violência dirigida às mulheres
acompanhe a história das civilizações, ele vai se atualizando e se revestindo
de acordo com o contexto e a cada momento histórico surge um mote que o
dispara. Atualmente, parece que as conquistas de liberdade sexual, social e polí-
tica proporcionadas pelos movimentos feministas se tornam objeto de desprezo

1 No mundo, 1 em cada 3 mulheres já sofreu algum tipo de violência física ou sexual (OPAS, 2020) e o número
de crimes contra as mulheres teve em 2019 um aumento de 43% em relação aos últimos 4 anos (FSPB,
2020). No Brasil, esses dados são atribuídos ao maior número de denúncias, após a promulgação das leis
11.340, de 2006 (Lei Maria da Penha) e a Lei 13.104, de 2015, que qualificou como feminicídio o crime
contra mulheres.
238

e alvo a ser destruído. O conservadorismo ganha força na cena sociopolítica


brasileira e vem ameaçando liberdades e incentivando a agressividade e as
posições machistas e fundamentalistas que alimentam o ódio contra o feminino.
A cultura machista e patriarcal, que parecia eliminada, apenas adormeceu
e agora desperta com toda a sua fúria, espalhando-se nos diversos espaços
socioculturais. A relação de dominação e as desigualdades nunca deixaram
de existir e de fato, mesmo quando arrefece, sobrevive nas estruturas sub-
jetivas da sociedade e, em sua forma velada, sempre escapa do disfarce que
encobre a aparente relação de igualdade entre os sexos. Assim, as inegáveis

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conquistas dos movimentos feministas, ao longo de seu percurso histórico,
não são jamais conquistas definitivas. As mulheres se fortaleceram e saíram
do lugar de submissão, engajando-se na luta por autonomia, independência e
liberdade, mas a luta é permanente, inclusive pela própria vida.
Flávia Bonfim (2020) comenta análises que apontam o recrudescimento
da violência contra a mulher articulando-o ao declínio do ideal viril frente
aos avanços do feminismo e do consequente medo dos homens de perderem
seus privilégios. Eles agora têm que disputar o poder. Estaríamos diante de
uma guerra dos sexos que faz reacender o ódio contra as mulheres? Ou estão
em jogo questões estruturais das relações que se enlaçam à subjetividade de
nossa época, que vive uma onda conservadora?
Como vimos, o ódio que alimenta a violência contra as mulheres atra-
vessa os tempos e, de vez em quando, o lobo que ataca se camufla em pele de
cordeiro2 para circular livre nos diversos ambientes sociais. O que alimenta
esse ódio que sobrevive através da história? Seria uma pré-história? Sim, e
a pré-história tem origem na constituição do sujeito, no ódio designado por
Freud como uma das paixões do ser e que está na raiz da agressividade, na
operação de Austossung, expulsão, como o ponto de partida da configuração
do ser. O que causa desprazer não é identificado como fazendo parte do eu e
é lançado para fora. Em uma leitura apressada, podemos dizer que a mulher,
historicamente identificada ao pecado, ao mal e ao estranho deve ser elimi-
nada. Mas esse estranho, tomado no sentido freudiano, é também familiar,
faz parte do sujeito. Entretanto, isso não responde à pergunta sobre o ódio à
mulher que nos serve de guia, mas ajuda a articular outras questões.
Estaria o ódio dirigido à mulher inscrito a partir do encontro com a
diferença, com o Outro sexo, a alteridade que inquieta e causa estranheza? A
enigmática sedutora é também castrada e ligada à falta que suscita angústia.
Matar seria uma tentativa de eliminar a angústia que o encontro com o femi-
nino portaria? São questões que a psicanálise nos possibilita articular e que

2 Assim como na Fábula erroneamente atribuída a Esopo e reescrita por diversos autores, o lobo, para ter
comida fácil, se veste com a pele de um cordeiro e se junta ao rebanho, enganando o pastor.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 239

tentaremos responder a partir do ensino de Freud e Lacan, particularmente no


que consideramos ser o pano de fundo que sustenta o ódio ao feminino, que
é a recusa à feminilidade e o que ela suscita no outro da partilha dos sexos.
Perguntamos também se a angústia do encontro com o Outro sexo não seria
função de um modo de gozo avassalador, enigmático e inapreensível nomeado
como suplementar por Lacan (1972-1973/2010)?
Embora reconheçamos que qualquer análise que pretenda estabelecer
as causas da violência contra a mulher não possa escapar à dimensão ético-
-política e sociocultural, nossa discussão se aterá ao aspecto dessa questão
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diretamente relacionado ao objetivo desse artigo: seguir o fio da elaboração


psicanalítica para pensar o ódio ao feminino e suas ressonâncias nos laços
sociais, especialmente no ponto em que engendra as várias formas de agressão.

O Enigma da Diferença

A diferença entre os sexos produzida pelo atravessamento do Édipo, está


sempre em jogo para o falante. Tanto que Freud insistiu na dificuldade, para
a psicanálise, de explicar o que seria o masculino e o feminino. Entretanto,
nos deixou pistas importantes para analisar os desdobramentos que levam
aos impasses das posições do sujeito no sexo. É no encontro com a falta do
Outro materno, a castração da mãe, que surge a função do falo como falta
e é a partir daí que os caminhos divergem e cada um toma uma posição no
drama edipiano. Se este é o ponto de partida do sujeito, podemos dizer que
a castração da mãe é a encruzilhada nas desventuras que cada um enfrentará
para se tornar homem ou mulher.
Para Lacan (1972-1973/2010), o masculino e o feminino dizem respeito a
posições de gozo diante da lógica fálica. Ao introduzir sua escrita das fórmulas
da sexuação, ele dirá que o ser falante se inscreve do lado homem ou do lado
mulher na fórmula, independentemente de seu sexo biológico e da anatomia.
A sexualidade feminina foi colocada no centro do debate psicanalítico,
como um dos limites de sua teorização, mas também como o lugar apro-
priado para abordar a falta inerente ao ser falante. Tanto que mais tarde, no
texto Análise finita e a infinita, Freud (1937/2017) coloca o encontro com
o feminino como uma saída da análise, por considerar que isso implicaria o
reconhecimento da falta. É a formulação freudiana da recusa à feminilidade,
abordada inicialmente, que nos ajuda a demarcar o feminino como um ter-
ritório de alteridade com o qual o encontro não é sem angústia. Isso permite
analisar o ódio do homem ao feminino como sendo o encontro com o estranho
que o habita.
240

Do Feminino e da Feminilidade

O enigma do feminino está no início da psicanálise, quando Freud se


interroga sobre a mulher e recusa a concepção identitária e biologizante defi-
nida por um naturalismo ou essencialismo. As interrogações freudianas sobre
o feminino sustentam uma lógica na qual a posição feminina não seria dada
naturalmente, mas estaria ligada a um percurso tortuoso de vivências fanta-
sísticas. Estas demarcam imaginaria e simbolicamente a diferença sexual e
a posição de sujeito, que para a mulher seria a feminilidade. Assim, não há

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nenhuma essência para designar a mulher. Não se nasce mulher, mas torna-se
mulher, como enunciado pela célebre frase de Simone de Beauvoir no livro
O segundo sexo (1949/1980).
Nesse ponto queremos assinalar a distinção que a psicanálise faz entre
os termos mulher, feminino e feminilidade. Feminino é um termo diverso e
de difícil conceituação e surge na teoria psicanalítica como um enigma da
sexualidade a ser decifrado, enquanto o masculino aparece como a norma.
Apesar das dificuldades, Freud não recua em sua tentativa de definir o femi-
nino. A diferenciação inicial proposta nos primeiros escritos remete aos polos
opostos de atividade / masculino e passividade / feminino (Freud, 1905/1996).
Mas, como o próprio Freud dirá, não é possível enlaçar o ativo da pulsão à
atividade como sendo própria ao masculino. A menina também desempenha
função ativa no jogo da sedução.
A feminilidade aparece, posteriormente, como a saída “normal”
do complexo de Édipo na menina, ou o tornar-se mulher, que viria orga-
nizar uma sexualidade feminina marcada pelo deslizamento pênis-falo
(Freud, 1933/2018a). Tomado em sua dimensão simbólica, o falo é um sig-
nificante e não pode ser confundido com o pênis (Lacan, 1958/1998). Ele
passa a ser o suporte da falta com a qual o inconsciente articula seu saber e
também o lugar de representante do desejo.
A diferença anatômica não define o sexo de um sujeito e a anatomia é
articulada em um campo de linguagem. Freud (1933/2018a) concluiu que a
anatomia também não compreende o que constitui a masculinidade e a femi-
nilidade, pois aquilo que as constitui é um “caráter desconhecido”. Nesse
caminho interpretativo, não há uma linearidade entre mulher cis3, feminino
e feminilidade.
E como a menina se torna mulher? Com o retorno à Freud proposto por
Lacan, a feminilidade esbarra na inexistência de um significante que simbolize

3 Cis ou cisgênero é o adjetivo que caracteriza a pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao gênero
de nascimento.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 241

o sexo feminino. Não há universal do lado mulher, dirá Lacan, há um lugar


Outro, Outro sexo. Ao se identificar como mulher, isso implica um modo
de gozo não-todo referido ao falo, que escapa ao sexual. Freud ouviu, dos
ditos de seus pacientes, o modo como cada um se confrontava com a falta do
Outro sexo. Ele afirmou ainda que não há libido senão a masculina, ou seja,
no inconsciente, há Um sexo. Nessa concepção, que lugar resta ao feminino
a não ser o de tortuoso campo do Outro, da alteridade ou o objeto que precisa
buscar na própria experiência, uma a uma, seus referenciais identificatórios?
Talvez, justamente por isso, seja impossível fornecer uma definição unívoca
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de feminino em psicanálise, mantendo assim seu caráter enigmático.


Mas lembremos que o feminino em Freud corresponderia à posição da
mulher, campo do excesso pulsional e da passividade. É justamente este o
caminho da menina à feminilidade, que pode ser elucidado pelo laço materno,
como proposto em A análise finita e a infinita, no qual Freud (1937/2017)
introduz a ideia de um novo registro para além do fálico-edípico, o da femi-
nilidade originária, demarcando a proximidade entre feminilidade e pulsional.
Assim, a feminilidade deixa de ser apenas um dos destinos possíveis para
a menina ou seu encontro com a sexualidade feminina, para ser a posição
originária de todo falante. Mas o homem não quer saber dessa possibilidade,
diríamos mesmo que para alguns, a recusa é radical e pode alimentar um ódio
ao feminino capaz de explodir em violência. Examinemos o que implica a
recusa à feminilidade para analisar suas consequências na leitura possível do
ódio ao feminino.

Da Recusa à Feminilidade...

Esta recusa, tal como Freud identificou na experiência de análise de


mulheres, foi relacionada à saída do Édipo nas meninas, mas não é exclusiva
delas. É também uma recusa dos homens e analisar como ela ocorre entre as
mulheres nos ajuda a pensar sua ocorrência neles. Freud (1924/2018b) parte
das fantasias infantis de que existe apenas um órgão sexual, para descrever
como a menina, diferentemente do menino, já percebe tal diferença de saída.
E é como castrada que ela se reconhece, culpando a mãe por não ter lhe dado
o objeto que lhe falta. Daí nasce o ódio da menina à mãe, ocasião em que
ela desloca seu objeto de amor para o pai, em quem busca uma solução para
recuperar o falo que lhe foi negado.
Apesar dos textos finais de Freud dedicados à sexualidade feminina
ainda tratarem de uma feminilidade amparada na norma fálica, não pretende-
mos aprofundar a análise sobre a relação edipiana da menina neste texto. O
interesse aqui é de pontuar que a partir do artigo Sobre sexualidade feminina
242

(Freud, 1931/2018c), o componente pré-edipiano da experiência edípica ganha


novos contornos. A análise demonstrou o quão frequente uma intensa liga-
ção com o pai procede de uma também intensa ligação com a mãe, anterior
ao Édipo. Sobre isso Freud afirma, “...onde havia uma ligação particular-
mente intensa ao pai havia existido antes, segundo o testemunho da análise,
uma fase de ligação exclusiva com a mãe, igualmente intensa e apaixonada”
(Freud, 1931/2018c, p. 286).
Freud localiza então o núcleo das neuroses nessa ligação pré-edípica,
sem, contudo, negar a centralidade do Édipo na organização neurótica. Ele

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argumenta que a fase pré-edípica pode muito bem ser incluída como parte
integrante do Édipo, levando em consideração que, neste momento, o que está
em jogo é justamente o complexo em sua forma negativa, sendo o pai consi-
derado um rival – por mais que não mantenha com este a mesma rivalidade
que o menino (Freud, 1931/2018c). A partir destas elaborações, a relação
pré-edipiana ganha uma importância fundamental na análise das mulheres e
na direção do tratamento em geral.
A recusa a feminilidade também assume um papel de importância fun-
damental na experiência da análise, de seus limites e possibilidades. Freud
declara haver dois empecilhos ao trabalho do analista, sendo um caraterístico
dos homens e outro das mulheres, mas ambos tendo a recusa da feminilidade
como causa:

Os dois temas que se correspondem são, para a mulher, a inveja do pênis –


a aspiração positiva por possuir um genital masculino – e, para o homem,
a aversão contra a sua postura passiva ou feminina em relação a outro
homem. O que há em comum foi destacado bastante cedo pela nomencla-
tura psicanalítica, conhecido como comportamento diante do complexo
de castração; mais tarde, Alfred Adler colocou o uso do termo “protesto
masculino”, que seria absolutamente preciso no caso dos homens, mas
acredito que a descrição correta dessa parte tão curiosa da vida psíquica
humana teria sido: “recusa da feminidade” (Freud, 1937/2017, p. 358,
grifo do autor).

A inveja do pênis na mulher e a luta contra a passividade no homem


erigem-se na análise como defesas frente à feminilidade. Uma das leituras
de Freud (1937/2017) da recusa à feminilidade seria a da existência de um
substrato biológico um tanto quanto intransponível, frente ao qual a análise
só poderia oferecer a possibilidade de um (re)posicionamento.
Seguindo este esteio, alguns autores pós-freudianos buscaram rom-
per os limites organicistas dessa teorização ao propor um campo limítrofe
entre o psíquico e o biológico, tal qual o pulsional, da ordem do excesso, não
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 243

completamente recoberto pelo simbólico e, consequentemente pelo registro


fálico, que comporia o território da feminilidade e sua recusa. Segundo Arán
(2006, p. 12), Freud teria apontado ao mesmo tempo “...um limite da técnica
psicanalítica como também das subjetividades ancoradas em uma lógica fálica”.
Se a inveja do pênis e o protesto masculino erigem-se de maneira defen-
siva como recusa à feminilidade, esta poderia estar em um campo originário.
Apesar de empregar o termo feminilidade podemos conceber uma distancia-
ção da feminilidade tal qual uma saída edípica da menina, aproximando-se
muito mais de uma recusa ao feminino, esse campo de excesso pulsional e
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passividade que vemos descritos nos primeiros escritos. Com o masculino


erigindo-se como secundário, esse feminino originário teria dois destinos na
constituição do sujeito, conforme hipotetizam Paim Filho e Quadros (2008):
o primeiro seria sofrer a ação do recalcamento originário, fundando a divisão
inconsciente, o que formaria o resíduo sobre o qual representação e desejo
se organizam, e o segundo seria no momento do recalcamento propriamente
dito, no qual esse fundo originário teria poder de atração aos componentes
femininos da sexualidade, sofrendo a recusa do feminino.
Entretanto, o recalcamento como destino do feminino não representa
somente fechamento, pelo contrário, operar com o feminino, como ressaltam
Paim Filho e Quadros (2008, p. 102) “é uma dura conquista do desenvolvi-
mento representacional e simbólico”. Seria, portanto, reconhecer os limites
da identificação, da identidade e da completude, reconhecer a falta consti-
tutiva do sujeito e o excesso pulsional impossível de ser recoberto por um
simbólico fálico.

... À Posição Feminina nas Fórmulas da Sexuação

O excesso pulsional que caracteriza o campo do feminino será interpre-


tado por Lacan (1972-1973/2010) de outra forma. Não se trata de retomar
um tempo mítico de uma feminilidade originária, em oposição à concepção
de uma masculinidade originária, mas de pensar como essas duas posições
são assumidas frente ao Real do corpo.
O enigma do feminino e seu excesso pulsional interpretado como uma
herança originária mítica, é matematizado por Lacan (1972-1973/2010) nas
fórmulas da sexuação. De certo modo, as amarras anatômicas presentes em
Freud são desatadas e o sexo biológico não é mais central. A diferença sexual
passa a ser traduzida em diferentes modos de gozo. Diante do corpo e da
sexualidade, sobre o qual o simbólico não consegue dizer tudo, emerge um
Real, com o qual cada sujeito terá que lidar.
244

A constituição do sujeito é o processo de inserção do ser na linguagem


que recorta os corpos biológicos, inserindo-os no simbólico. O que o ser
falante vê e fala sobre o corpo não está mais apoiado em uma realidade e
é fruto de uma tentativa de simbolizar o Real. A sexuação é, portanto, um
roteiro simbólico constituído para recobrir os corpos. Masculino e feminino
definidos ora como construções sociais, ora como marcações biológicas, são,
na verdade, lugares vazios, sob os quais os sujeitos tecem intricadas teias
simbólicas para lidar com o non sense do sexo.
Um recurso à anatomia, tal qual formulado por Freud, parece não dar

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conta dos enigmas da sexuação, restando aos sujeitos ocuparem uma das duas
posições subjetivas possíveis em face a sexualidade: a posição masculina
(todo fálico) e a feminina (outro não-todo).
Para pensar como os sujeitos submetem-se à lógica fálica, Lacan (1972-
1973/2010) recorre a teoria dos conjuntos e sua noção de que a exceção
estabelece a regra. É necessário que um elemento do conjunto não esteja
sujeito à sua lei interna para que todos os outros elementos possam estar. A
posição masculina é organizada a partir da exceção à lei da castração, que
Freud (1913/2012) identifica ao pai tôtemico, implicando que todos os sujei-
tos identificados com o lado masculino irão estar submetidos à lógica fálica,
consequentemente sujeitos à castração.
Já a posição feminina é marcada pela ausência dessa exceção. Todas as
mulheres são castradas, por isso, não há universalidade nessa posição, pois não
existe um significante que a designe, como o falo para o homem. Por isso, a
relação com o significante fálico seria insuficiente para explicar as mulheres,
que precisam constituir-se no uma a uma. O feminino é não-todo, caracteri-
za-se por um dentro/fora da linguagem que lhe permite ter acesso a um outro
gozo suplementar, desorganizando assim a gramática fálico-normativa.
É esse gozo ilimitado que evoca o horror provocado pela cabeça da
medusa. A recusa da feminilidade freudiana traduz-se não somente na visão da
castração ou da presença da vagina, mas no que o feminino permite antever: o
vazio que é o Real do sexo. A posição masculina irá repudiar isso, organizan-
do-se a partir da fantasia de ter o falo e afastando-se desse campo de excesso
pulsional que caracteriza a perda dos referenciais simbólicos.
Na tábua da sexuação, há uma dissimetria fundante entre as posições,
com o sujeito localizando-se do lado masculino, enquanto o objeto causa de
desejo, o objeto a, está do lado feminino. Neste (des)encontro entre ambos, o
masculino busca, do outro lado da tábua, ou seja, na posição feminina, o objeto
que causa seu desejo, recortando-o no corpo da mulher (ou do sujeito posi-
cionado neste lado, para demarcar essa disjunção entre feminino e mulher),
como afirma Valdivia (1997, p. 24):
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 245

Lacan escreve do lado masculino (E), colocando o sujeito como atributo


masculino, fazendo partir dele uma seta em direção ao objeto a (do lado
feminino). Este objeto, do qual o sujeito é separado na sua constituição, está
para sempre perdido; não podendo ser articulado como um significante.

Este recorte do corpo feminino coloca a mulher em posição de objeto a


ser possuído pelo masculino. O homem o tem a partir do corpo da mulher e
assim “...denega a castração masculina e a inclui no lugar de dejeto, tão bem
explicitado na figura da prostituta, simultaneamente desejada e desprezada”
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(Valdivia, 1997, p. 24).

A Violência Como Expressão da Angústia do Feminino

É porque o objeto a está do lado feminino e pela posição feminina ser


caracterizada por um gozo suplementar, não-todo fálico, que podemos pensar
a relação entre esta e a angústia. Lacan (1962-1963/2005) define o surgimento
da angústia como o momento em que a falta falta, quando um outro objeto
aparece no lugar destinado à castração, no lugar do objeto a que deveria faltar.
Em suas palavras: “...o que nos ensina aqui a experiência sobre a angústia em
sua relação com o objeto do desejo senão que a proibição é uma tentação?
Não se trata de perda do objeto, mas da presença disto: de que os objetos não
faltam” (Lacan, 1962-1963/2005, p. 64).
Logo, a angústia não é sinal do perigo da perda do objeto, posto que o
objeto a está desde sempre perdido, mas da presença do furo, sinal do não
saber do sujeito diante da falta do Outro. O objeto a, o gozo e o real atestam,
portanto, o impossível da identidade, o inassimilável, mas também o contin-
gente do sujeito que não permite pensar uma ontologização do mesmo. Essas
três séries demonstram justamente aquilo que se faz de mais estrangeiro para
o sujeito, pois deles o sujeito desconhece.
Pode-se pensar, portanto, que qualquer encontro advindo da presença
daquele que evoca o objeto a ameace a constituição do Eu, sendo a angús-
tia um efeito deste esgarçamento do Eu diante deste objeto. Por uma via
ou outra, um objeto que se apresenta nessa série de objeto a, que tenha um
brilho, um atributo que remete a presença desse objeto que deveria faltar
retorna à cena, emerge desorganizando a gramática fálica bem estabelecida
da posição masculina.
Os fenômenos de estranhamento e de angústia estão constantemente
envolvidos com as manifestações do inconsciente que produzem uma hiân-
cia na autonomia imaginária do Eu, desafiando as pretensões totalitárias do
246

indivíduo e impondo uma experiência de questionamento de si, muitas vezes


insuportável ao sujeito (Lima & Vorcaro, 2017).
Apostamos aqui que o feminino, com seu gozo enigmático e inapreensível,
atestaria a presença desse objeto, o real do Outro que impele a visão da com-
pleta ausência de estrutura, imaginária ou simbólica que recubra todo o sujeito.
A angústia apareceria como fruto desse ponto paradoxal de inconsistência que
atesta a incompletude do simbólico e a ausência de autonomia do sujeito.
O feminino encarna algo de inassimilável em nosso próprio corpo e
aponta para um horror que não pode ser simplesmente apagado fantasmatica-

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mente. A alteridade em si. Pensar o momento possível desse contato sempre
disruptivo do Real pode produzir dois caminhos muito diversos: um criativo,
de abertura, no qual poderá se produzir um outro engajamento do sujeito em
uma demanda de reorganização do Simbólico, e um violento, no qual este
encontro ameaça a própria integridade do sujeito que recusa a quebra das
identidades (Lima & Vorcaro, 2017).
O ódio e violência poderiam emergir como como uma tentativa de exclu-
são do Real frente a angústia desse encontro com o que há de mais humano
em nós, a falência de qualquer referencial fálico que organize simbolicamente
o sujeito. Uma tentativa parca de eliminar a angústia que o encontro com o
feminino porta.
É essencial, contudo, fazer uma ressalva antes de encerrar o debate. Como
dito inicialmente, a análise da violência contra a mulher é multifacetada. O
sujeito é um conceito que atravessa diferentes referenciais teóricos, explicado
por recursos históricos, culturais, psicanalíticos, entre outro. Portanto, qual-
quer tentativa de explicar um fenômeno tão complexo é sempre parcial e não
cabe afirmar que toda maneira de violência de gênero pode ser resultado dos
processos aqui descritos como aposta. Pelo contrário, é justamente a abertura
de diversas hipóteses de trabalho, que nos permitiu articular os impasses que
esgarçam os laços sociais na sua origem.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 247

REFERÊNCIAS
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TUER LES FEMMES : c’est
quelle haine celle-là?
Roseane Freitas Nicolau
Paula Affonso de Oliveira

La violence contre le femmes s’expresse en nombres croyssants de fémi-


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nicide, avec une femme assassinée à chaque minute, au Brésil. Malgré ce


phénomène accompagne l’histoire des civilisations, l’agréssivité dirigée aux
femmes gagne de nouveaux contours avec la tentative de détruire le féminisme
et ses conquêtes de liberté sexuele, sociale et politique.
S’enlève l’image de la femme virtueuse et soumise, incentivé par
les “personnes de bien”, identifiées comme conservatrices dans l’actuel
contexte socio-politique, mais qui agressent des libertés et donnent de la
force aux positions machistes et fondamentalistes, en nourrant la haine
contre le féḿinin. Historiquement indentifiée à l’étrange, à la castration,
à la séduction et au mauvais, serait-il cette haine inscrite à partir de l’al-
térité qu’elles incarnent, en fonction de leur mode de plaisir énigmatique
et inapréhénsible, caractéristique de la modalité de plaisir non-tout référé
au phallus? Teur serait-il une tentative d’éliminer l’angoisse que le ren-
contre avec le féminin porterait? Celles-là sont les questions qui guident
les discussions de ce travail.
Le titre proposé par cet article répresente uncertain désordre, face
au croyssant nombre de femmes victimes de violence et de feminicide1.
Les données presentées par l´Organisation Mondiale de Santé alerte pour
l´explosion aux taux de violence en des situations d´urgences, comme c’est
le cas de la pandemie de Covid-19 (OPAS, 2020). Au Bréśil, les donnés se
révèlent dans un moment socio-poltique qui apporte à la scène la haine, la
truculence et le mépris pour les questions du féminin, en faisant augmenter la
force brute comme arme de domination, et la dimension agrandie et déclarée
de la haine qui se couronne avec la mort des femmes.
Malgré le phénomène de l´agressivité et violence dirigé aux femmes
qui accompagne l´histoire de civilizations, il s´actualise et se revêt selon le
contexte et, à chaque moment historique, surge un devise qui le déclenche.
Actuelement, il semble que les conquêtes de liberté sexuele, socilale et
politique, proporcionées pour les mouvements féministes, se rendent l´ob-
jet de mépris et le cible à être détruit. Le conservadorisme gagne force sur
la scène socio-politique brésilenne et vient en ménaçant des libertés et en
250

encourageant l´agressivité et les positions machistes et fondamentalistes qui


nourrent la haine contre le féminin.
La culture machiste e patriarcale qui semblait éliminée s’est, simplement,
endormie et maintenant se réveille avec toute sa furie, en s’éparpillant par des
plusieurs spaces socioculturels. La rélation de domination et les inégalités
jamais ont laissé d’exister, et, en fait, même quand elles retombes, survivent
dans les structures subjectives de la societé et, en sa forme occulte, toujours,
échapent du déguisement qui encouvre l’apparente rélation d’égalite entre les
sexes. Donc, les inégables conquêtes des mouvements féministes, au long de

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son parcours historique, ne sont jamais de conquêtes définitives. Les femmes
sont devenues fortes et ont sorties du lieu de soumission, en s’engageant
dans la lutte pour de l’autonomie, indépendance et liberté, mais la lutte est
permanente, y comprise sa vie personnelle.
Flávia Bonfim (2020) commente des analyses qui montrent l’augmen-
tation de la violence contre la femme, en l’articulant au déclin de l’idéal
viril, face aux avances du féminisme et du conséquente peur des hommes
de perdrent leurs privilèges. Ils, maintenant, n’ont que disputer le porvoir.
Nous serions devant une guerre des sexes qui fait reallumer la haine contre
les femmes? Ou sont-ils en jeu des questions structureles des rélations qui
se prennent à la subjectivité de notre époque qui vit une onde conservatrice?
Comme nous avons vu, la haine qui nourrit la violence contre les femmes
traverse les temps et, à chaque fois, le loup qui attaque se déguise en peau
d’agneau2 pour circuler libre par les diverses ambiences sociales. Qu’est ce
que nourrit cette haine qui survit atravers de l’histoire? Serait -il une préhis-
toire? Oui, et la préhistoire a son origine en la constituition du sujet, en la
haine désignée par Freud comme une des passions de l’être et qui est dans la
racine de l’agressivité, dans l’opération d’Austossung, expulsion, comme le
point de départ de la configuration de l’être. Ce qui cause le déplaisir n’est pas
identifié comme part du moi et est jeté dehors. Par une lecture pressée nous
pouvons dire que la femme, historiquement indentifiée au péché, au mauvais
et à l’étrange doit être éliminée. Mais cet étrange, pris au sense freudien,
c’est aussi familier, il fait partie du sujet. Et, pourtant, cela ne répond pas à
la question sur la haine à la femme, qui nous sert de guide, mais il nous aide
à articuler d’ autres questions
Serait-il que la haine dirigée à la femme, inscrite à partir du rencon-
tre avec la différence, avec l’Autre sexe, de l’alterité qui inquiète et cause
étrangeté? L’énigmatique séductrice est aussi castrée et liée à la manque qui
suscite de l’angoisse. Tuer serait-il une tentative d’éliminer l’angoisse que le
rencontre avec le féminin portrait? Ce sont des questions que la psychanalyse
nous possibilite articuler et que nous essayerons de répondre à partir de l’en-
seignement de Freud et Lacan, particulièrement sur ce que nous considérons
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 251

être la toile de fond qui soutient la haine au féminin, qui est la refuse à la
féminilité et ce qu’elle suscite en l’autre du partage des sexes. Nous deman-
dons, aussi, se l’angoise du rencontre avec l’Autre sexe ne serait-il pas de la
fonction d’un mode de plaisir suprême, énigmatique et inapréhénsible, nomé
comme suplementaire, par Lacan (1972-1973/2010)?
Bien que nous reconnaissons que, quelque analyse qui aie l’intention
d’établir les causes de la violence contre la femme, ne puisse pas échaper à
la dimesion éthique-politique et socio-culturele, notre discussion se pendra à
l’aspect de cette question, directement en relation avec l’objectif de cet article:
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suivre le fil de l’élaboration psychanalytique pur penser la haine au féminin


et leurs ressonances aux liens sociaux, spécialement au point où s’engendre
les plusières formes d’agression.

L’enigme de la différence

La différence entre les sexes produite, par la traversée de l’Édipo, est


toujours en jeu par le paleur, tant que Freud a insisté sur la difficulté, pour la
psychanalyse, d’expliquer ce qui serait le mascuslin et de féminin. Mais il nous
a laissé des pistes importantes pour analyser les dédoublements qui émmènent
aux impasses des positions du sujet au sexe. C’est au rencontre avec la manque
de l’Autre maternel, la castration de la mère, qui surge la fonction du Phallus
comme de la manque et, c’est à partir de cela, que les chemins divergent et
chaqu’un prend une position au drame édipien. Si celui-là est le point de départ
du sujet, nous pouvons dire que la castration de la mère est le croisement aux
malheurs que chaqu’un affrontera pour se rendre homme ou femme.
Pour Lacan (1972-1973/2010), le masculin et le féminin disent respect
aux positions de plaisir face à la logique phallique. En introduisant son
écrite des formules de la sexuation, il dira que l’être parleur s’inscrit du
côté homme ou du côté femme en la formule, indépendement de son sexe
biologique et de l’anatomie.
La sexualité féminine a été mise au centre du débat psychanatytique
comme un des limites de sa théorisation, mais aussi comme le lieu approprié
pour aborder la manque essentielle à l’être parleur. Bien que, plus tard, au
texte Analyse finite et l’infinte, Freud (1937/2017) met le recontre avec le
féminin comme une sortie de l’analyse, pour considérer que cela impliquerait
la reconnaissance de la manque. C’est la formulation freudienne de la refuse
à féminilité abordée, premièrement, que nous aide à définir le féminin comme
un territoire d’alterité avec lequel le rencontre n’est pas sans de l’angoisse.
Cela, perment analyser la haine de l’home au féminin comme un rencontre
avec l’étrange qu’en habite.
252

Du féminin et de la féminilité

L’énigme du féminin est au début de la psychanalyse, quand Freud s’in-


terroge sur la femme et refuse la conception d’identité et biologisante définie
par un naturalisme ou essentialisme. Les questionements freudiens sur le
féminin soutienent une logique en laquelle la position féminine ne serait pas
donnée naturalement, mais serait liée à un parcours tortueux d’exéperiences
fantastiques. Celles-lá définent, imaginarie et symboliquement, la différence
sexuelle et la position du sujet que, pour la femme, serait la féminilité. Donc,

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il n’ya aucune essence pour designer la femme, on ne nâit pas femme, mais
on se rend femme, comme est annoncé par la célèbre phrase de Simone de
Beauvoir, au livre Le deuxième sexe (1949/1980).
En ce point, nous voulons signaler la distinction que la phychanalyse
fait entre le termes femme, féminin et feminilité. Féminin est un terme divers
et de difficile conceptuation et surge en la théorie psychanalyste comme un
énigme de la sexualité à être déchiffré, pendant que le masculin apparaît
comme la norme. Malgré des difficultés, Freud ne recule pas en sa tentative
de définir le féminin. La différenciation initiale, proposée dans les prémiers
écrits, évoque aux pôles opposés de l’activité/masculin et passivite/féminin
(Freud, 1905/1996). Mais, comme dira Freud, lui même, ce n’est pas possible
lier l’active de la pulsion à l’activité comme s’il était le propre du masculin.
La jeune fille, aussi, accomplit de la fonction active au jeu de la séduction.
La féminilité paraît comme la sortie normale du complexe d’Édipo, en
la jeune fille, ou ce de rendre femme, qui viendrait organiser une sexualité
féminine signalée par le glissement pênis-phallus (Freud 1933/2018a). Pris
à sa dimension symbolique, le Phallus est un significant et ne peut pas être
confondu avec le pênis (Lacan, 1958/1998). Il devient à être le support de
la manque, avec laquelle l’inconscient articule son savior et aussi le lieu de
répresentant du désir.
La différence anatomique ne défine pas le sexe d’un sujet et l’anatomie
est articulée dans un champs de langage. Freud (1933/2018a) a conclu que
l’anatomie aussi ne comprend pas ce qui constitue est un “caractère inconnu”.
Dans ce chemin interpretatif, il n’y a pas de linéarité entre femme cis3, fémi-
nin et féminilité.
Et comment la jeune fille se rend femme? Avec le retour à Freud proposé
par Lacan, la féminilité se heurte à l’existence d’un significant qui symbolise
le sexe féminin. Il n’y a pas de l’unversel du côté femme, dira Lacan, il ya
une place Autre, Autre sexe. En s’idéntificant comme femme, cela implique
un mode de plaisir pas-tout référé au phallus, qui échape au sexuel.
Freud a entendu, par les dits de ses patients, le mode par lequel cha-
qu’un se confrontait avec la manque de l’Autre sexe. Il a affirmé encore
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 253

qu’ il n’y a pas de libido, sauf la masculine, c’est à dire, dans l’inconscient,
il y a Un sexe. En cette conception, quelle place reste-il au féminin, qui ne
soit pas ce du tortuex champs de l’Autre, de l’alterité ou l’object qu’il a
besoin de chercher dans l’expérience à soi même, une à une, ses références
identifiables? Peut-être, justement pour cela, il soit impossible de fournir
une définition univoque de féminin en psychanalyse, en mantiant, ainsi, son
caractère énigmatique.
Mais, rappelons-nous que le féminin, en Freud, correspoderait à la posi-
tion de la femme, champs d’éxces du pulsion et de la passivité. C’est juste-
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ment cela le chemin de la jeune fille à la féminilité, que peut être élucidé par
le lien maternel, comme proposé en L’Analyse finite et l’infinite, sur laquelle.
Freud (1937/2017) insère l’idée d’un nouveau inregistrement pour
au-delà du phallique-édipien, celui de la féminilité originaire, en définiant
la proximité entre féminilité et pulsion. Ainsi, la féminilité laisse d’être seu-
lement un des destins possibles pour la jeune fille, ou son recontre avec
la sexualité féminine, pour être la position originaire de tout parleur. Mais
l’homme ne veut pas savoir de cette possibilité, nous dirions même que,
pour quelques uns, la refuse est radicale et peut nourrir une haine au féminin,
capable d’ exploser en violence. Examinons-nous ce qu’implique la refuse
à la féminilité, pour analyser ses conséquences sur la lecture possible de la
haine au fémimin.

Dès la refuse à la féminilité

Cette refuse tel comme Freud a identifié à l’expérience d’analyse des


femmes, a eté mise au rapport à la sortie de l’Édipo chez les jeunes filles,
mais pas exclusive à elles. C’est aussi une refuse de hommes et, analyser
comment elle arrive entre les femmes, nous aide à penser son événement che-
z-eux. Freud (1924/2018b) part des fantasies infantiles, en lequelles il n’existe
qu’un seul organe sexuel pour décrire comme une jeune fille, différement
du petit garçon qui s’en apperçoit bientôt. Et c’est comme castrée qu’elle
se reconnaît, en culpabilisant la mére pour ne l’avoir pas donné l’objet qui
lui manque. D’où elle est née la haine de la jeune fille à la mére, moment en
lequel elle démet son objet d’amour pour le père, à qui cherche une solution
pour réccupérer le phallus qui lui a été refusé.
Malgré les textes finales de Freud dédié à la sexualité feminine traitèrent
encore d’une féminilité soutenue sur la norme phallaique, nous n’avons pas
l’intention d’appofondir l’analyse sur le rapport édipien de la jeune fille dans
ce texte là. L’intérêt ici est montrer qu’ à partir de l’article Sur sexualité fémi-
nine (Freud 1931/2018c), le composant pré-édipien de l’expérience edipique
254

gagne de nouveaux contours. L’analyse a montré le combien fréquente une


intense liaison avec le père s’origine d’une aussi intense liaision avec la
mère, avant à l’Édipo. Sur cela, Freud affirme, “… oì il y avait une liaison
particulièrement intense au père, il y avait existé avant, selon le témoignage
de l’analyse, une phase de liassion exclusive avec la mère, également intense
et amoureuse” (Freud, 1931/2018c, p. 286).
Freud, alors localise le noyau des névroses dans cette liaison pré-é-
dipienne, sans pourtant, refuser la centralité de l’Édipo dans l’oganisation
nevrotique. Il argumente que la phase pré-édipique peut très bien être inclue

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comme partie intégrante de l’Edipo, en prénant en considération qu’en ce
moment, ce qui est en jeu est justement le complexe en sa forme négative,
en considérant être le père comme un rival- même qu’elle ne mantienne pas
avec lui la même rivalité que le pettit garçon (Freud, 1931/2018c). Á partir
de ces élaborations, le rapport pré-edipien gagne une importance fondamen-
tale dans l’analyse des femme et dans la direction du traitement, en général.
La refuse à la fémilitte prend aussi un rôle d’importance fondamentale
en l’expérience de l’analyse, de ses limites et possibilités. Freud déclare avoir
deux obstacles au travail de l’analyste, en étant un, caractérisque des hom-
mes et l’autre, des femmes, mais le deux en ayant la refuse de la féminilité
comme la cause.

Les deux thèmes qui se correspondent sont, pour la femme, l’envie du


pênis-l’aspiration positive par posseder un génital masculin- et pour
l’homme, l’aversion contre sa position passive ou féminine par rapport
à l’autre homme. Ce qu’il ya en commun a été souligné bientôt par la
nomenclature psychanalyste, connue comme comportement devant le
complexe de castration; plus tard, Alfred Adler a mis l’usage du terme
“protestation masculin”, qui serait absolument précis chez les hommes,
mais je crois que la description correcte de cette partie se curieuse de la vie
psychique humaine aurait été: “refuse de la féminilité” (Freud, 1937/2017,
p. 358, griphe de l’aucteur).

L’envie du pênis en la femme et la lutte contre la passivité en l’homme


se lèvent dans l’analyse comme des defenses face à la feminilité. Une des
lectures de Freud (1937/2017) de la refuse à la feminilité serait celle de
l’existence d’un substrat biologique, autant que insurmontable, face à lequel,
l’analyse pourrait offrir, seulement, la possibilité d’un (re)positionnement.
En suivant cet était, quelques aucteurs post-freudiens ont cherché rom-
pre les limites organicistes de cette théorisation, en proposant un champs
limitrophe entre le psychique et le biologique, pareil à la pulsion, de l’ordre
d’éxces, pas complement recouvert par le symbolique et, en conséquence, par
l’enregistrement phallique qui pourait composer le territoire de la féminilité
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 255

et sa refuse. Selon Arán (2006, p. 12), Freud aurait montré au même temps
“… un limite de la technique psychanalytique comme aussi des subjectivités
soutenues sur une logique phallique”.
Si l’envie du pênis et le protêt masculin se lévent de manière défensive
como refuse à la féminilité, cela pourait être dans un champs originaire. Mal-
gré employer le terme féminilité, nous pouvons concevoir un éloignement de
la feminlité, pareil à une sortie édipique de la jeune fille, en se rapprochant au
plus d’une refuse du féminin, ce champs d’éxces de pulsion et passivité que
nous voyons décrits aux premiers écrits. Avec le masculin s’en lévant comme
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secondaire, ce féminin originaire aurait deux destins à la constituion du sujet,


selon l’hypothèse de Paim Filho et Quadros (2008); le premier serait souffrir
l’action de la répression originaire, en fondant la division inconsciente, ce
qui formerait le résidu sur lequel répresentation et désir s’organisent; et le
deuxième serait au moment de la répression proprement dite, sur laquelle ce
fond originaire aurait le pouvoir d’attraction aux composants féminins de la
sexualité, en souffrant la refuse du féminin.
Cependant, la répression comme destin du féminin ne répresente pas
seulement la fermeture, au contraire, opérer avec le féminin, comme le défi-
nent Paim Filho et Quadros (2008, p. 102) “c’est une dure conquête du
dévelopement répresentationel et symbolique”. Cela serait, alors, reconnaître
les limites de l’identification, de l’identité et de l’être complet, reconnaîte
la manque constitutive du sujet et l’exces de la pulsion impossible d’etrê
recouvert par un symbole phallique.

...à la position féminine aux formules de la sexuation

L’exces de la pulsion qui caracterise le champs du féminin sera interpreté


par Lacan (1972-1973/2010) d’une autre forme. Il n’est pas la question de
réprendre un temps mytique d’une féminilité originaire, en oposition à la
conception d’une masculinité originaire, mais de penser comment ces deux
positions sont prises faces au Réel du corps.
L’énigme du féminin et son exces de pulsion interpreté comme un héri-
tage originaire mytique, est mathématisé par Lacan (1972-1973/2010) aux
formules de sexuation. De certain mode, les amarres anatomiques présentes en
Freud, sont détachées et le sexe biologique n’est plus centrale. La différence
sexuelle passe à être traduisée en differents modes de plaisir. Devant le corps
et la sexualité, sur lequel le symbolique n’arrive pas à tout dire, émerge un
Réel, avec lequel chaque sujet aura qu’en avoir affaire.
La constituition du sujet est le processus d’insertion de l’être à la langage
qui recoupe les corps biologiques en les insérant au symbolique. Ce que l’être
parleur voit et parle sur le corps n’est plus supporté sur une realité et est le
256

fruit d’une essaie de symboliser le Réel. La sexuation est, alors, un circuit


symbolique constitué pour recouvrir les corps. Masculin et féminin définis,
pour l’instant, comme des constructions sociales, pour l’instant, comme des
traces biologiques, sont, à vrai dire, des places vides, sous lequelles les sujets
tissent emmêlées toiles symboliques pour côtoyer avec le non sense du sexe.
Un recours à l’anatomie, pareil le formulé par Freud, semble n’en pou-
voir plus avec les énigmes de la sexuation, en restant aux sujets occupèrent
une des deux positions subjectives possibles, face à la sexualité: la position
masculine (toute phallique) et la féminine (autre, pas tout).

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Pour penser comment les sujets se soumettent à la logique phallique,
Lacan (1972-1973/2010) évoque la théorie des ensembles et sa notion de
que l’exception établie règle. C’est nécessaire qu’un élement de l’ensemble
ne soit pas soumis à sa loi interne pour que tous les autres élements puis-
sent y être. La position masculine est organisée à partir de l’exception à
la loi de la castration, que Freud (1913/2012) identifie au père tôtemique,
ce qu’implique à que tous les sujets identifiés avec le côté masculin iront
être soumis à logique phallique, en conséquence, soumis à la castrtion.
La position Féminine est signalée par l’absence de cette exception.
Toutes le femmes sont castrées, pour cela, il y n’ y a pas universalité en
cette position, car il n’existe pas un significant qui la désigne, pareil au
phallus pour l’homme. Pour cela, le repport avec le significant phalli-
que serait insufisante pour expliquer les femmes, qui ont besoin de se
constituier dans le une à une. Le féminin est le pas-tout, se caractérise
par un dans/ deshors de la langage que lui permet avoir de l’acces à
un autre plaisir supplementaire, en désorganisant, aussi, la grammaire
phallitique-normative.
C’est ce plaisir ilimité qu’évoque l’horreur provoqué par la tête de
la méduse. La refuse de la féminilité freudienne se traduit pas seulement
dans de la vision de la castration ou de la présence de la vagine, mais
aussi, dans ce que le féminin permet antévoir: le vide qui est le Réel du
sexe. La position masculine ira repudier cela, en s’organisant, à partir de
la fantasie d’ avoir le phallus et en s’éloignant de ce champs d’excès de
la pulsion, qui caracterise la perte des références symboliques.
Sur la planche de la sexuation il y a une non métrie fondante entre
les positions, avec le sujet en se localisant du côté masculin, pendant
que l’objet cause de désir, l’objet a, est à côté du féminin. Dans ce (dé)
rencontre entre les deux, le masculin cherche de l’autre côté de la plan-
che, c’est à dire, à la position féminine, l’objet qui cause son désir, en le
récoupant au corps de la femme (ou du sujet positionné en ce côté, pour
définir cette non jonction entre féminine et femme), comme l’affirme
Valvidia (1997, p. 24):
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 257

Lacan écrit du masculin (E), en mettant le sujet comme attribut mascu-


lin, en faisant, à partir de lui, une fléche en la directtion de l’objet a (du
côté féminine). Cet objet, dont le sujet est separé à sa constituition, est
pour toujours perdu; sans pouvoir être articulé comme un significant.

Ce découpe du corps féminin met la femme en position d’objet à


être possedé par le masculin. L’homme lui possède à partir du corps de
la femme et, ainsi “[…] fait la dénégation de la castration masculine et
l’inclue au lieu d’éxcrement, si bien expliqué à la figure de la prostitué,
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simultanément desirée et méprisé” (Valdivia, 1997, p. 24).

La violence comme expression de l’angoisse du fémminin.

C’est porquoi l’objet a est du côté féminin et, par la position fémi-
nine être caracterérisé par un plaisir supplementaire, non-tout phallique, que
nous pouvons penser à la rélation entre celle-là et l’angoisse, Lacan (1962-
1963/2005) défine le surgissement de l’angoisse quand la manque manque,
quand un autre objet surge au lieu destiné à la castration, au lieu de l’objet a,
qui devrait manquer. En ses mots: “… ce que nous enseigne ici l’expérience
sur l’angoisse par rapport á l’objet du désir, sinon que les objets ne manquent
pas” (Lacan, 1962-1963/2005, p. 64).
Alors, l’angoisse n’est pas signe du danger de la perte de l’objet, car
l’objet a est dès toujours perdu, mais la présence du trou, signe du non savoir
du sujet face à la manque de l’Autre. L’objet a, le plaisir et le réel attestent,
alors, l’impossible de l’identité, l’inassimilable, mais aussi, le contingent
du sujet qui ne permet pas penser une ontologisation du même. Ces trois
séries montrent, justement, ce qu’on fait de plus étranger pour le sujet, car
le sujet méconnaît.
On peut penser, alors, que quelque recontre advenu de la présence de
celui qu’évoque l’objet a, ménace la constiuition du Moi, en étant l’angoisse
un effet de ce dépouillement du Moi face à l’objet. Par une voie ou une
autre, un objet qui se présente dans cette série d’objet a, qui aie un éclat, un
attribut qu’évoque la présence de cet objet que devrait manquer, révient à
la scène, surge en désorganisant la grammaire phallique, bien établiée, de la
position masculine.
Les phenomènes d’ étrangement et d’angoisse sont constament entrourés
avec les manifestations de l’inconscient, qui produisent une imense ouver-
ture à l’autonomie imaginaire du Moi, en défiant les souhaits totalitaires de
l’individu et en imposant une expérience de questionament de soi-même,
plusières fois, insuportable au sujet (Lima & Vorcaro, 2017).
258

Nous parions ici que le féminin, avec son plaisir énigmatique et ina-
préhénsible, attesterait la présence de cet objet, le réel de l’Autre, qui pousse
la vision de la complète absence de structure, imaginaire ou symbolique, qui
recouvre tout le sujet. L’angoisse surgirait comme fruit de ce point paradoxal
de l’inconsistance qui atteste le non complet du symbolique et l’absence d’
autonomie du sujet.
Le féminin incarne quelque chose d’inassimilable dans notre corps à
nous, et montre un horreur que ne peut pas être, simplesment, éffacé, comme
un fantôme. L’altérité en soit même. Penser le momen possible de ce contact

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toujours prêt à cesser la rupture du Réel, peut produire deux chemins très
divers: un créatif, d’ ouverture, en lequel se poura produire un autre enga-
gement du sujet dans une nécessité de réorganisation du Symbolique, et un
violent, en lequel ce rencontre ménace la propre intégrité du sujet qui refuse
la casse des identités (Lima & Vorcaro, 2017)
La haine et la violence pouraient surgir comme une tentative d’éxclusion
du Réel, face à l’angoisse de ce rencontre avec ce qu’il y a de plus humain en
nous, la faillité de quelque référence phallique que organise, symboliquement,
le sujet. Une tentative sobre d’éliminer l’ angoisse que le rencontre avec le
fémimin porte.
L’essentiel, cependant: faire une excession avant de clore de débat.
Comment est dit au début, l’analyse de la violence contre la femme est
multifacetté. Le sujet est un concept qui traverse de différents références
théoriques, expliqué par de recours historiques, culturels, psychanalytiques,
parmi d’autres. Mais, quelque soit la tentative d’expliquer un phénomène si
complexe, est toujours partial et il ne faut pas affirmer que toute la manière
de violence de genre peut être résulté des processus ici décrits, comme une
pari. Au contraire, c’est justement l’ouverture de divers hypothèses de travail
que nous a permis articuller les impasses qui dépouillent les liens sociaux
en son origine.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 259

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A ESCUTA DA VIOLÊNCIA
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DO LUGAR DE ASSISTIDA AO DE
SUJEITO DO DESEJO: escuta clínica
com mulheres em situação de violência
doméstica em tempos de COVID-19
Leônia Cavalcante Teixeira
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Jerzuí Mendes Tôrres Tomaz


Danielle Maia Cruz
Priscilla Faheina de Oliveira
Juçara Rocha Soares Mapurunga
Sabrina Serra Matos
Esther de Sena Ferreira

Introdução

A pandemia da COVID-19 colocou em cena no Brasil, em 2020, uma


situação de emergência sanitária que impôs estado de isolamento/distancia-
mento social, uso de máscaras, higienização permanente das mãos, bem como
outras situações que imprimiram contornos diversos à vida cotidiana. Diante
deste cenário, várias problemáticas se impuseram, chamando a atenção para
os índices alarmantes de violência doméstica ocorridos no país.
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam que nos
dois primeiros meses das medidas de confinamento (março e abril de 2020),
ocorreu um aumento de 22% dos casos de feminicídio no Brasil, sendo 27%
de denúncias recebidas pela linha nacional de atendimento à violência contra
mulher (The World Bank, 2020).
O Levantamento Mensal, realizado pelo Núcleo de Estudos da Violên-
cia da Universidade de São Paulo (USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, aponta que, nos seis primeiros meses de 2020, houve um aumento
expressivo de mortes de mulheres vítimas de violência doméstica no Bra-
sil, ao se comparar com o mesmo período do ano anterior, sendo mulheres
negras as principais vítimas. De acordo com este levantamento, quase duas
mil mulheres foram mortas de forma violenta, sendo boa parte em plena pan-
demia da COVID-19, ocorrendo um aumento de 2% em relação ao mesmo
período de 2019. Os dados indicam ainda que parte significativa dos crimes
foi motivada, fundamentalmente, pela condição de gênero.
Isto tudo revela que o contexto da pandemia apenas corroborou a pro-
blemática da violência que mulheres enfrentam diariamente em diferentes
264

localidades do mundo, o que evidencia modos de operacionalização, perfis


dos agressores e, ainda, os impactos severos na subjetividade de mulheres
agredidas. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em seu Atlas
da Violência 2020 (IPEA, 2020), aponta que, em 2018, 4.519 mulheres foram
assassinadas no Brasil. Essa taxa corresponde a 4,3 homicídios para cada 100
mil habitantes do sexo feminino, o que equivale a dizer que uma mulher é
assassinada no Brasil a cada duas horas. A pesquisa mostra, ainda, que o per-
centual de mulheres que sofrem violência dentro da própria residência é 2,7
vezes maior do que o de homens.

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No estado do Ceará, uma das localidades com maior índice de violência
do país, o Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (NUDEM),
equipamento vinculado à Casa da Mulher Brasileira, coletou dados entre
março e abril de 2020 que registraram 288 casos de violência doméstica,
sendo 90% dos casos de agressão cometidos dentro de casa por cônjuges,
companheiros, ex-companheiros, namorados ou ex-namorados.
De acordo o NUDEM, do início da quarentena no Ceará, iniciada em 20
de março até os últimos dados coletados em novembro de 2020, 2.986 mulhe-
res foram atendidas pelo Núcleo, contando tanto com a assistência jurídica
como psicossocial, uma vez que os atendimentos não cessaram durante o
período de isolamento social.
Várias pesquisas científicas realizadas no contexto da COVID-19, afir-
mam que o aumento significativo de violência contra mulheres, nesse período,
ocorreu sobretudo em países com maiores dificuldades de acesso a sistemas de
saúde e com fragilidades jurídicas na proteção dos direitos (Campos, Tchale-
kian & Paiva, 2020). É fato que o Brasil se insere nesse cenário. Embora con-
sideremos que o fenômeno da violência contra mulheres possui relação com
as heranças do patriarcado e do racismo, cujas lógicas não se deslocam dos
interesses do chamado capitalismo tardio, neste capítulo o foco de discussão
recai sobre a escuta clínica de mulheres em situação de violência doméstica,
no contexto da pandemia por COVID-19, atendidas pelo NUDEM.
É interessante observar que os números de violência contra a mulher
vêm aumentando no Brasil, a despeito de iniciativas como a Lei Maria da
Penha230 e a criação, em 2013, da Casa da Mulher Brasileira231. Sabe-se que
230 Sancionada em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006) possui 46 artigos distribuídos
em sete títulos, contendo mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher,
em conformidade com a Constituição.
231 A Casa da Mulher Brasileira constitui um equipamento do Governo Federal, a partir de iniciativa do Ministério
dos Direitos Humanos (MDH), que atua com rede de proteção e atendimento humanizado a mulheres vítimas
de violência. No Ceará, a entidade existe desde dezembro de 2018 com gestão do Governo do Estado, por meio
da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos. A Casa abriga a Delegacia
de Defesa da Mulher, Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Ministério Público e Defensoria
Pública, possibilitando, assim, o acolhimento da mulher por colaboradoras mulheres e o encaminhamento da
denúncia de forma ágil e especializada, objetivando evitar a vitimização, já que os serviços citados se situam
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 265

a violência de gênero se configura como um problema social, bem como de


saúde coletiva (Correa, 2011; Minayo, 2009; Rouquayrol, 2009) devido a
sua alta prevalência, mesmo que garantias jurídicas, sobretudo no ocidente,
venham sendo conquistadas desde o início do século XX, quando coletivos de
mulheres se reuniram em prol do direito ao voto, gerando, a partir de então,
uma organização mais sistemática do movimento feminista (Biroli, 2018),
marcado por diferentes nuanças na busca da prevenção e do enfrentamento
da violência contra mulheres.
Frente a demandas sociais tão urgentes, uma equipe de 9 psicanalistas e
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psicólogas vinculadas ao “Laboratório de Estudos sobre Psicanálise, Cultura


e Subjetividade (LAEpCUS), do Programa de Pós-Graduação em Psicologia
da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e implicadas com os modos de
sofrimentos sociais que pedem leituras que considerem a complexidade his-
tórico-cultural e política da violência de gênero, se disponibilizaram a escutar
mulheres em situação de violência, encaminhadas pelo NUDEM, em parceria
com a Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCe).232
Os atendimentos se deram de agosto a dezembro de 2020, de modo
remoto, consistindo em, no mínimo, quatro atendimentos norteados pela aposta
de que a mulher possa endereçar a sua fala a alguém não vinculado aos ser-
viços judiciais, psicossociais e de assistência social ofertados pela Casa da
Mulher Brasileira.
No contexto geral, foram encaminhadas pelo NUDEM ao projeto 71
mulheres. Dentre essas, apenas 27 entraram em contato e prosseguiram com o
atendimento233. Vale ressaltar a discrepância entre o número de encaminhadas

em um mesmo estabelecimento que, inclusive, arquitetonicamente tem o objetivo de possibilitar a circulação


das assistidas e o encaminhamento do caso de violência entre os serviços lá existentes.
232 Este capítulo é fruto do projeto de atendimento online a mulheres em situação de violência doméstica, sendo
o objetivo primeiro atender mulheres a partir do dispositivo da urgência subjetiva, o que ressalta o seu caráter
clínico-institucional. O atendimento online no Brasil, foi autorizado pelo Conselho Federal de Psicologia
através da Resolução Nº 4, de 26 de março de 2020, que regulamenta os serviços psicológicos prestados
por meios de tecnologia da informação e da comunicação durante o período de pandemia da COVID-19,
mediante registro do profissional no Cadastro Nacional de Profissionais de Psicologia para Atendimento
On-line (e-Psi). A partir dos atendimentos, aprovados pelo COÉTICA n. 4.306.052, as participantes eram
questionadas sobre a autorização do uso dos dados para pesquisa “Violência de Gênero no isolamento social
da pandemia da COVID-19” e 57,9% consentiram, sendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) apresentado em áudio ou vídeo. São preservados o sigilo e o anonimato, sendo os nomes fictícios.
233 De acordo com os dados sociodemográficos das participantes do projeto de atendimento, obtidos a partir de
um questionário aplicado aos profissionais, 52,6% das assistidas tinham a faixa etária de 31 a 40 anos de
idade e possuíam o Ensino Médio completo. Dentre os tipos de violência relatados pelas mulheres, aquela
que emergiu com mais frequência refere-se à violência psicológica. Diante disso, 78,9% das assistidas
possuíam medida protetiva legal para protegê-las do agressor. Em 89,5% dos casos, a violência direcionada
à assistida já ocorria antes do período de pandemia ocasionada pela disseminação da Covid-19 e em
57,9% deles, o episódio de violência, presente antes do período de pandemia, foi intensificado durante a
quarentena, quando era exigida a permanência no domicílio, sendo permitida, somente, a realização de
atividades essenciais, como idas ao supermercado, farmácia e instituições de saúde.
266

pela instituição e o número de mulheres que, de fato, se comprometeram com


o atendimento. É importante, também, contextualizar os critérios de encami-
nhamento para os atendimentos ofertados. Após serem atendidas pela equipe
do NUDEM da Defensoria Pública, essas mulheres já deveriam estar em locais
seguros para o atendimento online e separadas de seus agressores. Assim,
em sua maioria, elas iniciaram os atendimentos fora da cena de violência
doméstica, ao mesmo tempo em que se confrontavam com as inseguranças e
desafios de uma nova realidade sem a presença do agressor.
As intervenções que subsidiam este escrito foram realizadas a partir do

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dispositivo da urgência subjetiva com mulheres em situação de violência
doméstica, o que as situa em situação de vulnerabilidade e risco, de acordo
com o campo das políticas públicas brasileiras.
Como psicanalistas partimos da urgência subjetiva de cada mulher, o que
já nos instaura em um lugar diferenciado daquele que trata das violências de
gênero como homogêneas, como universais, destacando-as como um fenô-
meno fundamentalmente social.

Escuta em urgência subjetiva: uma aposta na implicação do


sujeito na situação de violência
A Urgência subjetiva é um dispositivo clínico-institucional, ancorado no
método psicanalítico, que convoca o sujeito a se reposicionar diante do que o
incomoda, do que o faz sofrer, como efeito da escuta ofertada pelo analista, que
termina por redimensionar o sujeito diante do que era insuportável (Rodrigues,
Dassoler & Cherer, 2012; Berta, 2015; Barros, 2012a, 2012b; Borsoi, 2012).
Calazanz & Bastos (2008) ressaltam o caráter de acolhimento direcionado
aos sujeitos em crise, levados a instituições a partir de demandas variadas
como o pedido de acolhimento emergencial do sofrimento psíquico. Atendi-
mentos em urgência subjetiva podem ser entendidos a partir do “tratamento
de ensaio” proposto por Freud (1913/1996) que já destacava a importância das
primeiras sessões para o processo de análise, e do que também é explicitado
por Lacan (1955-1956/1998) quando ressalta as entrevistas preliminares e seu
caráter orientador para o tratamento, já que consistem em um momento de
trabalho que antecede o início do dispositivo analítico, já fazendo parte dele
e sendo redimensionado no a posteriori.
Uma das funções deste primeiro momento consiste em, a partir do convite
para a associação livre, possibilitar que o sujeito passe do contar sobre o que
o faz sofrer para o endereçamento ao analista, quando este interroga sobre o
sintoma apresentado pelo analisando. A partir da queixa que é questionada, o
analista aposta na constituição de um sintoma analítico, no momento em que
há implicação do sujeito naquilo que atribui que é o que o faz sofrer.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 267

O dispositivo urgência subjetiva sustenta a aposta no compromisso do


sujeito com o seu padecimento, bem como na produção de questões e de enigmas
que suscitem um reposicionamento subjetivo que subverta a lógica explicativa
de que há algo que faz sofrer o sujeito (Machado, 2008; Miller, J-A., 2008;
Miller, J., 2011). O endereçamento ao analista, como aquele que sabe algo sobre
o sofrimento, é condição para a análise, mesmo que já se compreenda que este
lugar de suposto saber cairá, advindo o saber do sujeito do desejo. A implicação
do sujeito em seus modos de sofrer e de gozar diz de uma retificação subjetiva
(Freud, 1914/1996; Lacan, 1958/1998) que é a responsabilização do sujeito na
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escolha de sua neurose, o que exige que saia de uma posição de vítima, assu-
mindo uma posição de agente ativo naquilo que se queixa.
Barros (2012) situa a urgência subjetiva entre dois aspectos: a) a imi-
nência da passagem ao ato, onde se identifica o paradigma do suicídio como
exemplo; b) o afeto nas situações de angústia insuportável ou crise. Lacan
(1962-1963/2005), por sua vez, define a angústia como uma irrupção do Real
no Simbólico: “A angústia, dentre todos os sinais, é aquele que não engana”
(p. 178). Conforme afirma Berta (2015),

A urgência subjetiva é um estado de fuga disso que concerne o sujeito no


mais íntimo de seu desejo, que nada mais é do que reposta ao campo do
gozo. Razão pela qual se põe em perspectiva a junção do Unheimlich (o
estranho) com o Hilflosigkeit. Desse modo, o conceito de angústia ultra-
passa sua definição de espera (Erwartung), função do sinal do eu, para
apontar que no encontro com o Unheimlich, algo se torna o surgimento
do heimlich, do familiar, no quadro da vida. Esse familiar é o objeto da
angústia. (p. 4).

É nesse encontro com o Real que o sujeito se depara com o traumático,


emergindo uma urgência que precisa de uma resposta rápida. Embora se trate
de intervenções que, em termos temporais, são breves, não se confundem com
tratamentos adaptativos, tampouco com terapias focais, já que são balizadas
pela ética e pela política da psicanálise, o que exige um trabalho rigoroso com
a clínica. Ansermet e Borie (2007) ressaltam que não é proposta do analista
recobrir o traumatismo com sentido e sim apostar no Real revelado pelo
traumatismo, reconhecendo aí o lugar do impossível de se dizer. O analista
é, pois, aquele que convoca o sujeito, daí a retificação subjetiva ser a aposta
(Couto, 2005). Seguimos Berta (2015) quando escreve:

O problema está em querer catalogar a urgência quando, sabemos, trata-se


de dar a ela sua dignidade (das Ding), qual seja: o singular que em cada
urgência terá de ressoar, consoar, dis-oar, dit-soar. Fazer passar o singular
de cada urgência ao plano da fala é uma orientação para o que terá de fazer
operar o analista ao acolher alguém que está urgido por um dizer. (p. 9).
268

Nesta perspectiva, a vinheta clínica do atendimento de Caciana e o relato


do caso clínico de Pérola foram construídos borromeanamente a partir de
atendimentos, supervisões e discussão teórico-clínica.
O processo de escuta clínica de Caciana (26 anos, com nível médio
de escolaridade) teve início com a demanda de reconhecimento de direitos
da mulher como cidadã, passando, através do acolhimento propiciado pela
urgência subjetiva, para a demanda de uma escuta subjetiva. Como se pode
observar na fala do sujeito em atendimento que chega a sua primeira sessão,
relatando: “Doutora, eu quero reconstruir minha vida, eu não quero ser mais

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um número na estatística dos feminicídios.”
Caciana prossegue: “Eu tenho muito medo de ser morta por ele, pois este
diz que vai voltar para completar o serviço que começou [...], foram 8 anos
de casamento, de humilhações, de violência. Até que em julho deste ano ele
achou que eu estava morta de tanto me bater, mas consegui sair na rua e as
pessoas me ajudaram e me levaram para fazer o Boletim de Ocorrência. Lá
no NUDEM, disseram que eu estava traumatizada e deveria fazer um trata-
mento psicológico, e estou aqui porque tenho muita vergonha e culpa pelo
que me aconteceu”.
Em outro momento, Caciana se posiciona: “Agora eu me culpo é por ter
me deixado ficar tanto tempo nessa posição, por ter feito isso comigo. Só quero
justiça, que ele assine o divórcio, arrumar um emprego, fazer uma faculdade,
começar uma vida com uma outra pessoa.” A escuta de Caciana leva a se
pensar que houve um giro no posicionamento subjetivo frente ao sofrimento
associado à situação de violência da qual se sentia vítima, rompendo com o
lugar historicamente legitimado e ofertado às mulheres no campo das políti-
cas públicas brasileiras. Ainda que seja crucial a conquista de direitos para a
garantia da cidadania da mulher, vale ressaltar a relevância de se garantir o
que de singular marca a história de cada sujeito e seu pathos.
Para exemplificar como a urgência subjetiva é produzida e como a pre-
sença da psicanalista torna esta escuta um dispositivo psicanalítico, apresenta-
-se, a seguir, a construção do caso clínico (Figueiredo, 2004; Val e Lima, 2014;
Viganó, 1999, 2003) escolhido como princeps neste escrito, elaborado a partir
dos aportes teóricos e das supervisões do grupo de trabalho.

Pérola: a travessia entre o silenciamento da voz feminina e a


posição de sujeito do desejo
Pérola, nome fictício que remete à possibilidade de se transformar o
trauma psíquico em pulsão de vida, tem 21 anos, pertence à classe média
baixa, mora na periferia de Fortaleza, não tem filhos, possui grau de instrução
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 269

superior incompleto, trabalha numa fábrica de produtos de segurança eletrô-


nica e estagia no setor de radiologia de um hospital militar da capital do Ceará.
Pérola foi encaminhada para atendimento psicológico no projeto em
destaque por intermédio da Casa da Mulher Brasileira, após fazer denúncia
de violência doméstica na Delegacia de Defesa da Mulher e se submeter a
exame de corpo de delito. Esta aguarda a convocação da primeira audiência
há alguns meses. Manifesta a intenção de ligar para a defensoria para pedir
que se “faça justiça” e solicitar que o processo de denúncia tenha celeridade,
num claro apelo à força do dispositivo jurídico.
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Ao longo de seis sessões, com a regularidade de dia e hora no atendi-


mento e resposta ao primeiro toque da chamada do telefone celular (cha-
mada de áudio, por decisão consensual) e um bom repertório de fala, o que
aponta para um vínculo transferencial satisfatoriamente estabelecido, Pérola
inicia uma narrativa que entrelaça aspectos culturais, jurídicos, políticos, de
gênero e íntimos. Por uma questão metodológica, os aspectos antes citados
não serão apresentados separadamente, mas de acordo com o seu aparecimento
na “ordem arriscada do discurso” (Foucault, 2001, p. 7) da assistida, o que
revela que o sujeito não fala por si só, mas como um interlocutor intelectual
coletivo, um representante de sua situação familiar, de classe, relacional,
cultural, entre outros.
Na descrição da trama familiar do sujeito, se identifica um núcleo parental
várias vezes recomposto, com a seguinte invariância: uma mãe desatenta que
“trabalha a noite e dorme de dia”, um pai/padrasto raramente nomeado e um
irmão mais novo, muitas vezes bode expiatório da irmã agredida.
A fragilidade das relações parentais e o esboroamento da função paterna
e da função materna, destacados pela psicanálise, vinculam-se, neste caso,
ao espaço físico no qual a família em destaque viveu, desde o nascimento de
Pérola: eles habitaram várias casas de múltiplos cômodos, onde cada família
morava em um quarto e “usufruíam” da convivência, muitas vezes forçada,
de tios, tias, primos, primas, avôs e avós. Desta forma, as crianças de cada
núcleo familiar eram cuidadas por diferentes adultos, alternadamente, o que
muito favoreceu a fragilidade do exercício da maternidade/paternidade.
A vulnerabilidade e a violência doméstica vivenciadas por Pérola e que
atinge principalmente mulheres, crianças e adolescentes brasileiros, tem seu
apogeu no período que abrange os sete aos quinze anos desta, tempo em foi
abusada, reiterada e silenciosamente, pelo primo dez anos mais velho que
era “pago” pela mãe para “dormir com” e “proteger” o casal de irmãos. Vale
destacar a investidura e a chancela da mãe concedida ao sujeito que comete o
abuso sexual – o qual começa como brincadeiras e se estende a jogos sexuais
impostos, penetração forçada e repetidas ameaças de morte contra a agredida
e sua mãe, caso a violentada relatasse o que estava acontecendo –, uma vez
270

que a ele cabia “cuidar das crianças”. Deve-se mencionar que, mesmo com
as mudanças de residência, o agressor continuou a exercer, por muito tempo,
o papel de “cuidador” dos parentes menores de idade.
A relação que culturalmente se estabelece entre o papel masculino e o
papel feminino e que pode adquirir múltiplas facetas como a polarização entre
passivo/ativo, razão/sentimento, força/fragilidade, superioridade/inferioridade,
virilidade/impotência, revela-se particularmente potente neste relato clínico.
Não por acaso, Pérola conseguiu se desvencilhar do agressor após conhe-
cer, aos quinze anos de idade, “um jovem forte, decidido, macho o suficiente”,

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que tinha o dobro da altura do primo e que por ela se interessou. Pérola,
exposta a uma violência doméstica sistemática e vítima de muitas ameaças
verbais, colocou-se no lugar do violentador e trouxe à cena a identificação
com o agressor e a repetição dos padrões afetivos, largamente discutidos
pela psicanálise. Ela confrontou o agressor ao afirmar que contou tudo ao
namorado e que este se prontificou a matar quem dela se aproximasse. As
agressões físicas e visitas noturnas pararam por aí.
No entanto, a narrativa íntima apresenta muitos desdobramentos. O que
aparece como queixa, ao longo das sessões, aponta para uma jovem temerosa
da violência do agressor do passado, uma vez que este, ao cruzar com ela na
rua onde os dois hoje moram diz, em voz baixa, que ela nada vai conseguir
com a denúncia e que ele pode matá-la e agredir sua família, caso seja acusado
e preso. No que se refere ao silêncio e a omissão diante da agressão sofrida por
mulheres no contexto social do Brasil tem-se, inúmeras vezes, a condenação
familiar de quem denuncia e o incentivo para que tudo seja esquecido e cada
um siga sua vida, o que se observa, a nível público e privado, por meio da
edificação de uma “cultura do estupro” (Schwarcz, 2019, p. 188).
A demanda de atendimento de Pérola que se inicia com o desejo de ser
escutada, de falar para alguém, sem medo de julgamento, o que nunca nin-
guém quis ouvir, ou seja, a narrativa íntima da sua história/tragédia pessoal,
abre espaço para questionamentos inusitados. Talvez seja possível “melhorar
como pessoa”, romper o isolamento afetivo e vencer o medo de se aproxi-
mar de desconhecidos, uma vez que a figura masculina, que porta a marca
da ambiguidade, não precisa ser a figura central e definidora da vida de uma
mulher. “Talvez no mundo existam pessoas boas, capazes de não maltratarem
o outro”. Quem sabe não seja preciso delegar a um homem, atualmente o
namorado policial e ciumento, a segurança da sua vida.
Em uma aposta na possibilidade de enfrentar os fantasmas do passado,
por meio da elaboração psíquica, Pérola acredita que, um dia, seja capaz de
garantir a própria segurança e alargar seu horizonte afetivo. Declara, na última
sessão do atendimento, o desejo de dar continuidade ao processo terapêutico,
em um outro tempo e lugar.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 271

Pérola, que chega marcada pelo lugar de assistida a ela garantido pelo
discurso dos dispositivos jurídicos, produz uma retificação subjetiva a partir
do encontro com a escuta psicanalítica e seus efeitos singularizantes, o que
ratifica a potência da urgência subjetiva.

Considerações Finais
Na escuta de mulheres vítimas de violência doméstica, expostas à situa-
ção de vulnerabilidade e risco, como já foi dito, percebe-se a íntima relação
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entre o narrar e o viver. A deriva do discurso destas mulheres, bem como as


interdições ao ato narrativo, exibem o laço indissociável entre o desejo e o
poder, ou seja, entre aquilo que pode manifestar ou ocultar o desejo.
Observam-se também os sistemas de opressão/dominação no qual estes
sujeitos estão imersos, o que garante a invisibilidade de uma violência sistê-
mica, socialmente construída, mas que se revela, como o retorno do recal-
cado, na repetição de padrões relacionais/afetivos, ton sur ton, que portam o
gérmen da violência.
É fato que a história/narrativa do sujeito do desejo e da linguagem, de
acordo com o arcabouço teórico psicanalítico, nada mais é que a construção
psíquica da fantasia que este edifica a respeito de si próprio, o que envolve
mecanismos compensatórios e vias sublimatórias. A partir disto, inscreve-se
a possibilidade, ínfima que seja, deste se assenhorear do seu discurso e tornar
real a sua condição de sujeito, o que rompe com o papel, também socialmente
urdido, da vítima incapaz de caminhar em direção à sustentação do seu próprio
desejo e ao inevitável mal-estar que se vincula às escolhas.
É importante destacar a postura interdisciplinar adotada no que se refere
aos estudos de violência de gênero, especialmente no tocante à violência
doméstica. A condução da escuta clínica se situou, pois, nas fronteiras da
psicanálise, do campo jurídico, das políticas públicas de saúde mental e de
assistência social. Deste modo, ressalta-se o caráter inovador do dispositivo
da urgência subjetiva no judiciário.
A partir da escuta psicanalítica de cada mulher, verificou-se que o conhe-
cimento das leis e dos direitos, especialmente da Lei Maria da Penha (Bra-
sil, 2006) e dos tipos de violência de gênero que coíbe, compareceu nos
relatos, o que nos aponta para a relevância das políticas públicas no que tange
à garantia de direitos civis, à educação, à promoção de saúde e ao enfrenta-
mento da violência contra mulheres no Brasil.
272

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DU LIEU D’ASSISTÉE À CELUI DU
SUJET DU DÉSIR: l’écoute clinique
avec des femmes en situation de violence
domestique en temps de COVID-19
Leônia Cavalcante Teixeira
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Jerzuí Mendes Tôrres Tomaz


Danielle Maia Cruz
Priscilla Faheina de Oliveira
Juçara Rocha Soares Mapurunga
Sabrina Rocha Matos
Esther de Sena Ferreira

Introduction

La pandémie de COVID-19, en 2020, a mis en scène au Brésil une


situation d’urgence sanitaire qui a imposé un état d’isolation/d’éloignement
social, l’utilisation de masques, la désinfection constante des mains, ainsi que
d’autres situations qui ont imprimé des contours divers à la vie quotidienne.
Face à ce scénario, plusieurs problèmes se sont imposés, attirant l’attention sur
les taux alarmants de violence domestique qui s’étaient succédé dans le pays.
Les données de l’Organisation des Nations Unies (ONU) indiquent qu’au
cours des deux premiers mois des mesures de confinement (mars et avril 2020),
il y a eu une augmentation de 22% des cas de féminicide au Brésil, étant 27 %
des plaintes reçues par la ligne nationale d’assistance à la violence contre les
femmes (The World Bank, 2020).
L’enquête mensuelle, menée par le Núcleo de Estudos da Violência da
Universidade de São Paulo (Centre d’études sur la violence de l’Université
de São Paulo – USP) et le Fórum Brasileiro de Segurança Pública (Forum
Brésilien de la Sécurité Publique), montre qu’au cours des six premiers mois
de 2020, il y a eu une augmentation significative des décès de femmes vic-
times de violence domestique au Brésil, par rapport à la même période de
l’année précédente, les femmes noires étant les principales victimes. Selon
cette enquête, près de deux mille femmes ont été tuées de manière violente,
une bonne partie au milieu de la pandémie COVID-19, soit une augmentation
de 2 % par rapport à la même période en 2019. Les données indiquent éga-
lement qu’une part importante des crimes était fondamentalement motivée
par la condition de genre.
278

Tout ceci montre que le contexte de la pandémie n’a fait que corrobo-
rer le problème de la violence à laquelle les femmes sont quotidiennement
confrontées dans différentes parties du monde, ce qui met en évidence les
modes opératoires, les profils des agresseurs et aussi les graves répercussions
sur la subjectivité des femmes battues. Instituto de Pesquisa Econômica Apli-
cada – IPEA (Institut de recherche économique appliquée), dans son Atlas
de la violence 2020 (IPEA, 2020), souligne qu’en 2018, 4 519 femmes ont
été assassinées au Brésil. Ce taux correspond à 4,3 homicides pour 100 000
habitants féminins, l’équivalent à dire qu’une femme est assassinée au Brésil

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toutes les deux heures. La recherche montre également que le pourcentage
de femmes qui subissent des violences dans leur propre résidence est 2,7 fois
plus élevé que celui des hommes.
Dans l’État du Ceará, l’une des localités où le taux de violence est le
plus élevé du pays, le Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher
– NUDEM (Centre pour lutte contre la violence à l’égard des femmes), équi-
pement lié à la Casa da Mulher Brasileira (Maison de la Femme Brésilienne), a
recueilli des données entre mars et avril 2020 qui ont permis d’enregistrer 288
cas de violence domestique, soit 90 % des cas d’agression commis à l’intérieur
de la maison par des conjoints, des compagnons, des ex-partenaires, des petits
amis ou des ex-petits amis.
Selon le NUDEM, depuis le début de la quarantaine au Ceará, commencé
le 20 mars, jusqu’aux dernières données recueillies en novembre 2020, 2 986
femmes ont été les femmes ont été accueillies par le Centre, en bénéficiant
d’une assistance juridique et psychosociale, puisque les visites n’ont pas cessé
pendant la période d’isolement social.
Plusieurs recherches scientifiques menées dans le cadre de COVID-19,
affirment que l’augmentation significative de la violence à l’égard des femmes
au cours de cette période s’est produite principalement dans des pays où
l’accès aux systèmes de santé est plus difficile et où la protection des droits
présente des faiblesses juridiques (Campos, Tchalekian & Paiva, 2020). C’est
un fait que le Brésil s’inscrit dans ce scénario. Bien que nous considérions
que le phénomène de la violence contre les femmes est lié à l’héritage du
patriarcat et du racisme, dont les logiques ne s’écartent pas des intérêts du
capitalisme dit tardif, dans ce chapitre, la discussion porte sur l’écoute cli-
nique des femmes en situation de violence domestique, dans le contexte de
la pandémie par COVID-19, accueillies par le NUDEM.
Il est intéressant de noter que le nombre de cas de violence à l’égard des
femmes augmente au Brésil, malgré des initiatives telles que la loi Maria da
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 279

Penha234 et la création, en 2013, de la Casa da Mulher Brasileira235. On sait


que la violence de genre se configure comme un problème social, ainsi qu’un
problème de santé collective (Correa, 2011; Minayo, 2009; Rouquayrol, 2009)
en raison de sa forte prévalence, même si les garanties légales, surtout en Occi-
dent, ont été conquises depuis le début du XXe siècle, lorsque les collectifs
de femmes se sont réunis en faveur du droit de vote, générant, à partir de là,
une organisation plus systématique du mouvement féministe (Biroli, 2018),
marquée par différentes nuances dans la recherche de la prévention et de la
confrontation de la violence contre les femmes.
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Face à ces demandes sociales si urgentes, une équipe de 9 psychanalystes


et psychologues liés au Laboratório de Estudos sobre Psicanálise, Cultura
e Subjetividade – LAEpCUS (Laboratoire d’études sur la psychanalyse, la
culture et la subjectivité), du Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade de Fortaleza – UNIFOR (Programme d’études supérieures de
psychologie de l’Université de Fortaleza) et impliqués dans les modes de
souffrance sociale qui demandent des lectures qui tiennent compte de la com-
plexité historico-culturelle et politique de la violence de genre, se sont mis à
l’écoute des femmes en situation de violence, acheminées par le NUDEM, en
partenariat avec la Defensoria Pública do Estado do Ceará – DPCe (Défense
Publique de l’État du Ceará)236.

234 Sanctionnée le 7 août 2006, la loi Maria da Penha (BRÉSIL, 2006) compte 46 articles répartis en sept titres,
contenant des mécanismes pour prévenir et restreindre la violence domestique et familiale contre les femmes,
en conformité avec la Constitution.
235 La Casa da Mulher Brasileira est un équipement du Gouvernement Fédéral, issu de l’initiative du Ministério dos
Direitos Humanos – MDH (Ministère des Droits de l’Homme), qui fonctionne avec un réseau de protection et
d’assistance humanisée aux femmes victimes de violence. Au Ceará, l’entité existe depuis décembre 2018 avec
la direction du gouvernement de l’État, par l’intermédiaire du secrétaire de la protection sociale, de la justice,
de la citoyenneté, des femmes et des droits de l’homme. La Maison abrite le Commissariat de Défense de la
Femme, le Juge de la Violence Domestique et Familiale contre la Femme, le Ministère Public et la Défense
Publique, rendant ainsi possible l’accueil de la femme par des femmes collaboratrices et la transmission de la
dénonciation sous une forme rapide et spécialisée, visant à éviter la victimisation, puisque les services cités sont
situés dans le même établissement qui, aussi, architecturalement a l’objectif de rendre possible la circulation
de la femme assistée et la transmission du cas de violence entre les services qui y existent.
236 Ce chapitre est le produit du projet de service en ligne pour les femmes en situation de violence domestique,
dont le premier objectif est de servir des femmes à partir du dispositif de l’urgence subjective, ce qui met
en évidence son caractère clinico-institutionnel. Le service en ligne au Brésil a été autorisé par le Conseil
Fédéral de Psychologie par la résolution n° 4 du 26 mars 2020, qui régit les services psychologiques fournis
au moyen des technologies de l’information et de la communication pendant la période de la pandémie
COVID-19, sous la forme de l’inscription du professionnel au Registre national des professionnels de la
psychologie pour la consultation en ligne (e-Psi). À partir des consultations, approuvées par COÉTICA n.
4 306 052, les participants ont été interrogés sur l’autorisation de l’utilisation des données pour la recherche
« Violence de genre dans l’isolement social de la pandémie COVID-19 » et 57,9 % ont consenti, étant le
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (Formulaire de consentement éclairé) présentée en
audio ou vidéo. La confidentialité et l’anonymat sont préservés, étant les noms fictifs.
280

Les services se sont déroulés d’août à décembre 2020, à distance, consis-


tant en au moins quatre services guidés par le pari que la femme peut adresser
son discours à une personne non liée aux services d’assistance judiciaire,
psychosociale et d’assistance sociale offerts par la Casa da Mulher Brasileira.
Dans le contexte général, 71 femmes ont été orientées par le NUDEM
vers le projet. Parmi celles-ci, seules 27 femmes sont entrées en contact et ont
poursuivi les traitements. Il convient de mentionner l’écart entre le nombre de
femmes orientées par l’institution et le nombre de femmes qui, en fait, se sont
engagées dans les services de soins237. Il est également important de contextuali-

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ser les critères d’orientation vers les services offerts. Après avoir été accueillies
par l’équipe NUDEM de la Defensoria Pública, ces femmes devraient déjà être
dans des endroits protégés pour la consultation en ligne et séparées de leurs
agresseurs. Ainsi, la plupart d’entre elles ont commencé les services en dehors
de la scène de la violence domestique, tout en faisant face aux insécurités et
aux défis d’une nouvelle réalité sans la présence de l’agresseur.
Les interventions qui subventionnent cette publication ont été réalisées
à partir du dispositif de l’urgence subjective auprès des femmes en situation
de violence domestique, qui les place dans une situation de vulnérabilité et
de risque, selon le domaine des politiques publiques brésiliennes.
En tant que psychanalystes, nous partons de l’urgence subjective de
chaque femme, qui nous situe déjà dans un lieu différent de celui qui traite
la violence de genre comme homogène, comme universelle, en la mettant en
évidence comme un phénomène fondamentalement social.

L’écoute dans l’urgence subjective: un pari sur l’implication du


sujet dans la situation de violence

L’urgence subjective est un dispositif clinico-institutionnel, ancré dans la


méthode psychanalytique, qui convoque le sujet à se repositionner devant ce qui
le gêne, ce qui le fait souffrir, comme un effet de l’écoute offerte par l’analyste,
qui finit par redimensionner le sujet devant ce qui était insupportable (Rodrigues,
Dassoler & Cherer, 2012; Berta, 2015; Barros, 2012a, 2012b; Borsoi, 2012).

237 Selon les données sociodémographiques des participants au projet de soins, obtenues à partir d’un
questionnaire appliqué aux professionnels, 52,6% des personnes aidées avaient entre 31 et 40 ans et
avaient terminé leurs études secondaires. Parmi les types de violence signalés par les femmes, celui qui
est apparu le plus fréquemment fait référence à la violence psychologique. De ce fait, 78,9 % des personnes
aidées ont bénéficié de mesures de protection juridique pour les protéger de l’agresseur. Dans 89,5% des
cas, la violence dirigée vers les personnes assistées s’est produite avant la période de pandémie causée
par la diffusion de Covid-19 et dans 57,9% d’entre eux, l’épisode de violence, présent avant la période de
pandémie, a été intensifié pendant la quarantaine, quand il a été exigé la permanence dans la maison,
étant permis, seulement, l’accomplissement des activités essentielles, comme aller au supermarché, à la
pharmacie et aux institutions de santé.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 281

Calazanz & Bastos (2008) souligne le caractère d’accueillement adressé


aux sujets en crise, emmenés à des institutions à partir de diverses demandes
telles que la demande d’accueil d’urgence de la souffrance psychique. Le
traitement dans l’urgence subjective peut être compris à partir du « traitement
d’essai » proposé par Freud (1913/1996), qui a déjà souligné l’importance
des premières séances pour le processus d’analyse, et à partir de ce qui est
également rendu explicite par Lacan (1955-1956/1998) lorsqu’il souligne les
entretiens préliminaires et leur caractère directif pour le traitement, puisqu’ils
consistent en un moment de travail qui précède le début du dispositif analy-
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tique, en faisant déjà partie et en étant redimensionné à l’a posteriori.


Une des fonctions de ce premier moment est, à partir de l’invitation à
la libre association, de permettre au sujet de passer de parler de ce qui le fait
souffrir pour s’adresser à l’analyste, lorsque ce dernier lui interroge sur le
symptôme présenté par l’analysée. Partant de la plainte qui est interrogée,
l’analyste parie sur la constitution d’un symptôme analytique, au moment où
il y a implication du sujet dans ce qu’il attribue qui est ce qui le fait souffrir.
Le dispositif d’urgence subjectif soutient le pari sur l’engagement du sujet
envers sa souffrance, ainsi que sur la production de questions et d’énigmes
qui suscitent un repositionnement subjectif qui subvertit la logique explicative
selon laquelle il y a quelque chose qui fait souffrir le sujet (Machado, 2008;
Miller, J-A., 2008; Miller, J., 2011). S’adresser à l’analyste, comme celui qui
sait quelque chose sur la souffrance, est une condition d’analyse, même s’il
est déjà entendu que ce lieu de connaissance supposée va tomber, découlant
de la connaissance du désir par le sujet. L’implication du sujet dans ses façons
de souffrir et de jouir dit d’une rectification subjective (Freud, 1914/1996;
Lacan, 1958/1998) qui est la responsabilité du sujet dans le choix de sa
névrose, ce qui l’oblige à quitter une position de victime, en assumant une
position d’agent actif dans ce dont il se plaint.
Barros (2012) place l’urgence subjective entre deux aspects : a) l’im-
minence du passage à l’acte, où le paradigme du suicide est identifié comme
exemple ; b) l’affection dans des situations de détresse insupportable ou de
crise. Lacan (1962-1963/2005), à son tour, définit l’angoisse comme une
irruption du Réel dans le Symbolique : « L’angoisse, parmi tous les signes,
est celle qui ne trompe pas » (p. 178). Comme le dit Berta (2015),

L’urgence subjective est un état de fuite de ce qui concerne le sujet au plus


profond de son désir, qui n’est rien d’autre qu’une réponse au champ de
la jouissance. Raison par laquelle la jonction entre Unheimlich (l’étrange)
avec Hilflosigkeit est mise en perspective. Ainsi, le concept d’angoisse
dépasse sa définition de l’attente (Erwartung), fonction du signe de soi,
pour souligner que dans la rencontre avec le Unheimlich, quelque chose
282

devient l’émergence du heimlich, du familier, dans le cadre de la vie. Ce


familier est l’objet d’angoisse. (p. 4, traduction libre).

C’est dans cette rencontre avec le Réel que le sujet fait face au trauma-
tique, faisant émerger une urgence qui nécessite une réponse rapide. Bien que
ces interventions soient brèves dans le temps, elles ne se confondent pas avec
les traitements adaptatifs, ni avec les thérapies focales, car elles sont guidées
par l’éthique et la politique de la psychanalyse, ce qui exige un travail rigou-
reux avec la clinique. Ansermet et Borie (2007) soulignent que ce n’est pas la

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proposition de l’analyste de couvrir le traumatisme de sens, mais de parier sur
le Réel révélé par le traumatisme, en y reconnaissant la place de l’impossible à
dire. L’analyste est donc celui qui convoque le sujet, d’où le pari de la rectifi-
cation subjective (Couto, 2005). Nous suivons Berta (2015) lorsqu’elle écrit :

Le problème est de vouloir cataloguer l’urgence alors qu’il s’agit, on le


sait, de lui donner sa dignité (das Ding), c’est-à-dire : le singulier qui, dans
chaque urgence, devra réssoner, consonner, dis-oar, dit-soar. Passer le
singulier de chaque urgence au niveau de la parole est une ligne directrice
de ce que l’analyste devra faire lorsqu’il accueillera une personne dont la
parole est urgente. (p. 9, traduction libre).

Dans cette perspective, la vignette clinique des soins de Caciana et le


rapport du cas clinique de Pérola ont été construits de façon borroméenne à
partir des soins, de la supervision et de la discussion théorique-clinique.
Le processus d’écoute clinique à Caciana (26 ans, avec un niveau
d’éducation moyen) a commencé par la demande de reconnaissance des
droits des femmes en tant que citoyennes, en passant par l’accueil assuré par
l’urgence subjective, à la demande d’écoute subjective. Comme on peut le voir
dans le discours du sujet présent qui arrive à sa première session, rapportant :
« Docteur, je veux reconstruire ma vie, je ne veux pas être un numéro dans
les statistiques des féminicides ».
Caciana continue : « J’ai très peur d’être tué par lui, parce qu’il dit qu’il
reviendra pour terminer le service qu’il a commencé […], c’était 8 ans de
mariage, d’humiliations, de violence. Jusqu’en juillet de cette année, il pensait
que j’étais mort après m’avoir tellement frappé, mais j’ai réussi à sortir dans
la rue et les gens m’ont aidé et m’ont emmené faire le Boletim de Ocorrência
(Rapport de Police). Au NUDEM, ils ont dit que j’étais traumatisé et que je
devrais recevoir un traitement psychologique, et je suis ici parce que j’ai
tellement honte et que je suis responsable de ce qui m’est arrivé ».
À un autre moment, Caciana se positionne : « Maintenant, je me blâme
de m’être laissée dans cette position pendant si longtemps, de m’avoir fait
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 283

cela. Je veux que justice soit faite, qu’il signe le divorce, trouver un emploi,
aller à l’université, commencer une vie avec quelqu’un d’autre ». L’écoute de
Caciana fait réfléchir qu’il y a eu un revirement de la position subjective face
à la souffrance associée à la situation de violence dont elle se sentait victime,
rompant avec la place historiquement légitimée et offerte aux femmes dans
le domaine des politiques publiques brésiliennes. Bien que la conquête des
droits soit cruciale pour la garantie de la citoyenneté de la femme, il convient
de souligner la pertinence d’assurer ce qui marque singulièrement l’histoire
de chaque sujet et son pathos.
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Pour illustrer comment se produit l’urgence subjective et comment la


présence du psychanalyste fait de cette écoute un dispositif psychanalytique,
nous présentons ci-dessous la construction du cas clinique (Figueiredo, 2004 ;
Val & Lima, 2014 ; Viganó, 1999, 2003) choisi comme princeps dans cet écrit,
élaboré à partir des apports théoriques et de la supervision du groupe de travail.

Pérola : le croisement entre le réduire au silence la voix féminine


et la position du sujet de désir

Pérola, nom fictif qui fait référence à la possibilité de transformer un


traumatisme psychique en une pulsion de vie, a 21 ans, appartient à la classe
moyenne inférieure, vit dans la périphérie de Fortaleza, n’a pas d’enfants, a
une éducation supérieure incomplète, travaille dans une usine de produits de
sécurité électronique et fait un stage dans le secteur radiologique d’un hôpital
militaire dans la capitale du Ceará.
Pérola a été orientée vers une consultation psychologique dans le cadre du
projet mis en place par la Casa da Mulher Brasileira, après avoir dénoncé des
violences domestiques à la Delegacia de Defesa da Mulher et s’être soumise à
un examen de corpus delicti. Elle attend depuis quelques mois la convocation
de la première audience. Elle exprime son intention d’appeler la Defensoria
Pública pour demander « justice » et pour demander que le processus de
dénonciation soit accéléré, dans un appel clair à la force du dispositif juridique.
Tout au long de six séances, avec la régularité du jour et de l’heure de
consultation et réponse à la première sonnerie du téléphone portable (appel
audio, par décision consensuelle) et un bon répertoire parole, qui indique un
lien transférentiel établi de manière satisfaisante, Pérola initie un récit qui
mêle des aspects culturels, juridiques, politiques, de genre et intimes. Pour
des raisons méthodologiques, les aspects susmentionnés ne seront pas présen-
tés séparément, mais en fonction de leur apparition dans « l’ordre risqué du
discours » (Foucault, 2001, p. 7, traduction libre) de l’assistée, qui révèle que
le sujet ne parle pas par lui-même, mais en tant qu’interlocuteur intellectuel
284

collectif, représentant de sa famille, de sa classe, de sa situation relationnelle,


culturelle, entre d’autres.
Dans la description de l’intrigue familiale du sujet, un noyau parental
recomposé est identifié à plusieurs reprises, avec l’invariance suivante : une
mère inattentive qui « travaille la nuit et dort le jour », un père/beau-père rare-
ment désigné et un frère cadet, souvent le bouc émissaire de la sœur agressée.
La fragilité des relations parentales et la décroissance de la fonction pater-
nelle et maternelle, mis en évidence par la psychanalyse, sont liés, dans ce cas, à
l’espace physique dans lequel vivait la famille en question, depuis la naissance

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de Pérola: ils vivaient dans plusieurs maisons de plusieurs pièces, où chaque
famille vivait dans une pièce et « profitait » de la coexistence, souvent forcée,
des oncles, tantes, cousins, cousines, grands-pères et grands-parents. Ainsi, les
enfants de chaque noyau familial étaient pris en charge par des adultes alter-
nativement, ce qui favorisait la fragilité l’exercice de la maternité/paternité.
La vulnérabilité et la violence domestique vécues par Pérola, qui touche
principalement les femmes, les enfants et les adolescents brésiliens, ont atteint
leur apogée entre sept et quinze ans, lorsqu’elle a été maltraitée, de manière
répétée et silencieuse, par sa cousine de dix ans plus âgée qui était « payée »
par sa mère pour « coucher avec » et « protéger » ses frères et sœurs. Il
convient de souligner l’investiture de la mère et l’approbation au sujet qui
commet l’abus sexuel – qui commence par une blague et s’étend aux jeux
sexuels imposés, à la pénétration forcée et aux menaces de mort répétées
contre la femme agressée et sa mère, au cas où la femme agressée signalerait ce
qui se passait – puisque c’est à lui de « s’occuper des enfants ». Il convient de
mentionner que même avec les changements de résidence, l’auteur a continué
à jouer le rôle de « soignant » auprès de parents mineurs.
La relation qui est culturellement établie entre les rôles masculins et fémi-
nins et qui peut acquérir de multiples facettes telles que la polarisation entre
passif/actif, raison/sentiment, force/fragilité, supériorité/infériorité, virilité/
impuissance, est particulièrement puissante dans ce rapport clinique.
Ce n’est pas un hasard si Pérola a réussi à se débarrasser de l’agresseur
après avoir rencontré, à l’âge de quinze ans, « un homme assez fort, déter-
miné et mâle », qui faisait deux fois la taille de sa cousine et s’est intéressé
à elle. Pérola, exposée à la violence domestique systématique et victime de
nombreuses menaces verbales, s’est mise à la place de l’agresseur et a fait
émerger l’identification avec l’agresseur et la répétition de schémas affectifs,
largement discutés par la psychanalyse. Elle a confronté l’agresseur lorsqu’elle
a déclaré qu’elle avait tout dit à son petit ami et qu’il était prêt à tuer quiconque
l’approchait. Les agressions physiques et les visites nocturnes se sont arrêtées.
Cependant, le récit intime présente de nombreux déroulements. Ce qui
apparaît comme une plainte, tout au long des séances, désigne une jeune femme
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 285

craignant la violence de l’agresseur du passé, puisque celui-ci, en traversant avec


elle dans la rue où les deux vivent aujourd’hui, dit, à voix basse, qu’elle n’obtien-
dra rien avec la plainte et qu’il peut la tuer et agresser sa famille, s’il sera accusé
et arrêté. En ce qui concerne le silence et l’omission face aux agressions subies
par les femmes dans le contexte social du Brésil, il y a eu d’innombrables fois
la condamnation familiale du dénonciateur et l`indice pour que tout soit oublié
et que chacun suive sa vie, ce qui s’observe, au niveau public et privé, par la
construction d’une « culture du viol » (Schwarcz, 2019, p. 188, traduction libre).
La demande de traitement clinique de Pérola qui commence par le désir
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d’être entendu, de parler à quelqu’un, ce que personne n’a jamais voulu entendre
sans crainte de jugement, c’est-à-dire le récit intime de son histoire/tragédie
personnelle, fait place aux questions inhabituelles. Il est peut-être possible de
« s’améliorer en tant que personne », de rompre l’isolement affectif et de sur-
monter la peur d’approcher des étrangers, car la figure masculine, qui porte la
marque de l’ambiguïté, ne doit pas être la figure centrale et déterminante de la
vie d’une femme. « Peut-être y a-t-il dans le monde des gens bien, capables de
ne pas maltraiter l’autre ». Qui sait, peut-être il n’est pas nécessaire de déléguer
à un homme, actuellement policier et petit ami jaloux, la sécurité de sa vie.
Dans un pari sur la possibilité d’affronter les fantômes du passé, par le
biais de l’élaboration psychique, Pérola croit qu’un jour elle pourra garantir sa
propre sécurité et élargir son horizon affectif. Elle déclare, lors de la dernière
séance du programme, le désir de poursuivre le processus thérapeutique, en
un autre temps et dans un autre lieu.
Pérola, qui arrive marqué par la place d’assistée garantie par le discours
des dispositifs juridiques, produit une rectification subjective de la rencontre
avec l’écoute psychanalytique et ses effets singularisant, qui ratifie la puissance
de l’urgence subjective.

Considérations finales

En écoutant les femmes victimes de violence domestique, exposées à une


situation de vulnérabilité et de risque, comme cela a déjà été dit, on perçoit la
relation intime entre raconter et vivre. La dérive du dis-cours de ces femmes,
ainsi que les interdictions de l’acte narratif, montrent le lien indissociable entre
désir et pouvoir, c’est-à-dire entre ce qui peut manifester ou cacher le désir.
On observe également les systèmes d’oppression/domination dans les-
quels ces sujets sont immergés, ce qui garantit l’invisibilité d’une violence
systémique, socialement construite, mais qui se révèle, comme le retour du
refoulé, dans la répétition de schémas relationnels/affectifs, ton sur ton, qui
portent le germe de la violence.
286

Il est un fait que l’histoire/narration du sujet du désir et du langage, selon


le cadre théorique psychanalytique, n’est rien d’autre que la construction
psychique du fantasme qu’il construit sur lui-même, qui implique des méca-
nismes compensatoires et des voies sublimatoires. À partir de là, on y inscrit
la possibilité, aussi infime soit-elle, de prendre le contrôle de son discours et
de concrétiser sa condition de sujet, ce qui rompt avec le rôle, socialement
déformé lui aussi, de la victime incapable de marcher vers le soutien de son
propre désir et l’inévitable malaise qui la lie aux choix.
Il est important de souligner la position interdisciplinaire adoptée en ce

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qui concerne les études sur la violence de genre, notamment en ce qui concerne
la violence domestique. La conduite de l’écoute clinique se situait donc aux
frontières de la psychanalyse, du domaine juridique, des politiques publiques de
santé mentale et d’assistance sociale. Ainsi, le caractère innovant du mécanisme
d’urgence subjectif dans le système judiciaire est ainsi mis en évidence.
De l’écoute psychanalytique de chaque femme, il a été vérifié que la
connaissance des lois et des droits, en particulier de la Loi Maria da Penha
(Brésil, 2006) et des types de violence de genre qu’elle prévient, apparaissait
dans les rapports, ce qui nous indique la pertinence des politiques publiques
par rapport à la garantie des droits civils, l’éducation, la promotion de la santé
et la confrontation de la violence contre les femmes au Brésil.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 287

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A ESCUTA DA VIOLÊNCIA NO
PROGRAMA RAPARIGA BIZ:
enlaces entre psicanálise e política238
Sandra Djambolakdjian Torossian
Katia Regina Paim
Yanisa Yusuf
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Uma das vias de enfrentamento da violência de gênero é a intervenção


coletiva a qual supõe a realização de trabalhos interdisciplinares e de parce-
rias interinstitucionais. Neste texto apresenta-se o resultado de uma parceria
internacional que envolve um projeto realizado em Moçambique em diálogo
com o Brasil. Para registrar essa parceria que envolve diferenças culturais,
sotaques e cores, escolhemos manter a grafia e expressões idiomáticas de
ambos os países na busca de uma composição na diversidade.
Moçambique é um país com práticas elevadas de casamento prematuro:
uma em cada duas raparigas é forçada a casar antes dos 18 anos (Fundo de
População das Nações Unidas – FNUAP, 2020), e 42,6% das mulheres entre 15
e 19 anos já estiveram grávidas pelo menos uma vez na vida (Inquérito de
Indicadores de Imunização, Malária e HIV/SIDA [IMASIDA], 2015), o que
gera um alto nível de desigualdade de género e vulnerabilidades psicossociais
críticas para as raparigas. Com o objetivo de minimizar esse problema, o
Governo Moçambicano em parceria com as Nações Unidas (ONU), lançou
o Programa Rapariga Biz (PRB). O PRB visa a promoção da saúde sexual e
reprodutiva, direitos humanos e o empoderamento psicossocial e econômico
das raparigas e jovens das Províncias de Nampula e Zambézia. O Programa,
implementado desde 2016, apoia-se na estratégia de mentoria, em que, mulhe-
res jovens, capacitadas sobre essas temáticas, atuam como modelo de apoio
e orientação para as raparigas mais novas dos seus distritos.
O Apoio Psicossocial (APSS) foi implementado no PRB por psicólogas
consultoras para a Johns Hopkins University/Centro para a Comunicacao de
Programas/Mocambique. O objetivo deste texto é apresentar os resultados do
APSS à luz do entendimento psicanalítico. Neste capítulo sustenta-se essa

238 Agradecemos a todos que contribuiram para que essa escuta acontecesse, especialmente as jovens e
adolescentes do PRB; a nossa coordenadora especialista de genero pela Johns Hopkins Universitiy.CCP/
MZ, Maria Dirce Pinho; as nossas colegas psicologas provinciais, Carolina Cumbane (Nampula) e Chantel
Kanji (Zambezia) e as psicologas assistentes Atília Rajabo, Consolata Vamos Ver, Dulce Diamante, Fazila
Rebelo, Helena Mateus, Joceline Peru, Lenira Mahoque, Mariam Firoz, Marla Cabral, Nelsia Cumbane,
Rukeia Calu, Suraia Azinheira e Vanessa Cossa.
292

possibilidade lembrando que, como afirma Danto (2005), a Psicanálise desde


seu início preocupou-se com as causas sociais, tendo inclusive criado clínicas
e institutos com essa finalidade.
Destaca-se, ainda, que a Psicologia em Moçambique é recente, tendo
surgido a partir de uma demanda associada à Guerra Civil que cessou em 1992
(Yusuf, 2018). O curso de Psicologia Clínica começou em 1996, e em 2001,
foram graduados os primeiros profissionais do país com a titulação de Licen-
ciados em Psicologia Clínica e de Aconselhamento (Paim Vassoa, 2006).
Por outro lado, na cultura moçambicana há uma convivência da medicina

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tradicional com outras terapêuticas a qual, segundo a Organização Mundial
da Saúde (OMS, 1976), representa “o conjunto de práticas e medidas, ingre-
dientes e procedimentos de toda classe, sejam ou não materiais, que desde
tempo imemorial, tenham permitido aos africanos proteger-se contra a enfer-
midade, aliviar seus próprios sofrimentos e curar-se a si mesmos” (pp. 3-4).
A origem de determinados infortúnios ou doenças muitas vezes é atribuída à
intervenção de entidades espirituais, e o processo de cura envolve práticas de
advinhação dentre outros fatores externos ao sujeito. Adiciona-se a isto que
o hábito de falar de si proprio é raro e o sistema colectivo – característico da
cultura africana – propõe uma leitura do indivíduo muito agregada ao outro.
Isso requer o uso de técnicas e dispositivos que promovam a fala a partir de
referências da cultura como danças, leituras de histórias, entre outros.A
Em 2018, o Programa Rapariga Biz solicitou que fosse oferecido apoio
psicológico às mentoras que viviam, também, em um contexto de extrema
vulnerabilidade psicossocial e sofrimento psíquico, associado à vivência de
situações de violência, gravidez precoce ou casamento prematuro. O Apoio
Psicossocial (APSS) às mentoras, consiste em uma abordagem grupal, con-
forme proposta de Figueiredo (1997) com o intuito de desenvolver a cultura
de apoio mútuo e solidariedade e, desse modo, impulsionar o fortalecimento
das participantes para trabalharem com as outras jovens da sua comunidade.

Psicanálise e violência

Freud refere uma agressividade constitutiva dos seres humanos. No texto


Bate-se numa criança (1919/1974) destaca esse fato, analisando as fantasias
infantis quando a criança vê seu semelhante ser agredido. Esse texto além de
apontar para a agressividade constitutiva, ressalta a construção da transiti-
vidade da fantasia: essa agressividade, afirma o autor, vê-se impedida de ser
colocada em ato pelo pacto civilizatório. Assim, ela poderá ser recalcada e
apresentar-se, talvez, sublimada em outras roupagens.
Em Reflexões para os Tempos de Guerra e Morte (1915/1974), Freud
aborda a violência ressaltando que o ódio e as pulsões destrutivas fazem parte
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 293

do ser humano. Em Além do Princípio do Prazer (1920/1976), refere-se a


pulsão de morte a qual tem também um componente de agressividade. Em
Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921/1976) destaca a presença de
sentimentos de hostilidade e aversão conjuntamente aos sentimentos amoro-
sos. E no Mal Estar na Civilização (1929/1974), afirma ser necessária uma
interdição da passagem ao ato dessa agressividade, na limitação e regulação
dos relacionamentos humanos. Regulação essa, que foi lida por Lacan (2002)
no registro simbólico da Lei.
Derrida (2001) aposta na psicanálise como uma das vias capazes de tratar
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da violência e da crueldade. O autor investiga a ascendência do termo cruel-


dade, sublinhando na origem latina os termos cruor, crudus, crudelitas (sangue
derramado, cru, crueldade), destacando que Freud designa o desejo de fazer
ou de se fazer sofrer por sofrer. A crueldade então diz do fazer o mal, torturar,
matar para gozar do mal radical, um prazer psíquico do mal em todos os casos.
O desejo de causar o mal ao outro associa-se, de acordo com Costa
(1986), ao caráter específico da violência. Diferentemente da agressividade,
há na violência uma intenção de destruir. O ato violento porta a marca de um
desejo, o emprego deliberado da agressividade.
Para Hartmann (2005), o acto violento escapa à representação, mas pro-
duz representações diversas. Desse modo, o que se conhece sobre a violência
são manifestações que provém de discursos que não apreendem a violência
propriamente dita. “Quando a palavra falta é que a violência salta.”

Violência contra as mulheres em Moçambique

De acordo com a Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNI-


CEF, 2020), uma em cada três mulheres no mundo sofreu violência física
ou sexual em algum momento da sua vida. Em Moçambique, estima-se que
uma em cada quatro mulheres sofre esse tipo de violência, e que uma em
cada duas raparigas casa antes dos 18 anos. O país possui uma população
predominantemente jovem, existindo uma hierarquia alicerçada na idade em
que mulheres jovens vivem maior vulnerabilidade no exercício da sexualidade
(Cruz e Silva et al., 2007). As mesmas são tomadas como reprodutoras, res-
ponsáveis por todo o trabalho familiar, doméstico e também como provedoras
do prazer masculino (Arthur & Mejia, 2006; Cruz & Silva et al., 2007). Apesar
de Moçambique ter assinado tratados e instrumentos de direito internacional
como a Convenção sobre todos os actos de discriminação contra a mulher
de 1979, ratificada no pais em 1993 e o Protocolo à carta de Banjul sobre os
direitos humanos da mulher em África de 2004, ratificada em 2006 (Women
and Law in Southern Africa Research and Education Trust [WLSA], n.d.);
segundo dados obtidos no Inquérito demográfico e de saúde de 2011 (Instituto
294

Nacional de Estatística [INE], 2012), o país tem uma das taxas mais elevadas
de casamento prematuro do mundo, e a segunda maior taxa na sub-região da
África Oriental e Austral. Assim, em 28 de março de 2010, entrou em vigor,
no país, a Lei sobre a violência doméstica praticada contra a mulher (WLSAa,
n.d.), que tem como objecto “a violência praticada contra a mulher, no âmbito
das relações domésticas e familiares e de que não resulte a sua morte.” (Art.1
da Lei 29/2009 de 29 de Setembro).
Investigações do fórum psicológico têm procurado lançar luz sobre a
aparente passividade das mulheres perante a violência sofrida no âmbito

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doméstico conjugal. A mulher vítima de abuso sente-se isolada e impotente,
ela crê que seu cônjuge é poderoso e submete-se passivamente. Muitas vezes,
“o ficar calada” é uma atitude pensada para tentar interromper a escalada de
violência durante uma agressão (Arthur, 2005).
Pais (1996), citada por Lourenço e Lisboa (1997), mostrou que os valores
socioculturais ancorados numa identidade do feminino vinculam o casamento
para a vida e impedem que em certos contextos sociais as mulheres agredidas
denunciem o agressor, preferindo o sofrimento silencioso a uma solução que
passe pela separação do casal e pela perda da sua posição de mulher casada,
o que as colocariam em situação de grande vulnerabilidade e fragilidade
social. Arthur e Mejia (2006) apontam alguns dos motivos pelos quais o
homem agride a mulher: “ela desobedeceu-me”; “perguntou-me onde é que
eu estava”; “não aqueceu água para eu tomar banho”; “acho que ela tem um
amante” e “não quis fazer sexo comigo”. O homem sente-se no direito de a
“educar” (grifo da mesma fonte), e de lhe “ensinar” (idem) o modo como ela
deve viver em sociedade; desse modo ele tem direito a exercer a violência
contra a mulher (Arthur & Mejia, 2006).

A escuta psicanalítica em situações de vulnerabilidade e violência

Perante a realidade da violência contra a mulher acima referida, perce-


be-se a existência de uma política que fortalece a violência contra a mulher,
a qual começa a ser enfrentada com legislação específica. No entanto, a
legislação precisa ainda ser incorporada na cultura e na vida das mulheres.
Entendemos, aqui, que a psicanálise, ao propiciar a intervenção pela escuta,
pode ser um dos modos de contribuição com esse propósito. Para isso há que
enlaçar a escuta psicanalítica com a política. Embora essa posição não seja
consenso entre os psicanalistas, sustentamos essa direção juntamente com
autores como Stavrakakis (2007) e Danto (2005).
Rosa (2016) apresenta uma proposta metodológica em situações nas
quais o sofrimento é produzido pela posição sociopolítica, problematizando
o diagnóstico centrado unicamente no sujeito e propondo uma modalidade
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 295

diagnóstica que inclui a cena social. A autora (Rosa, 2002) analisa também, as
dificuldades de escuta em territórios das cidades marcados pela desigualdade
e sublinha a situação transferencial quando quem escuta e quem é escutado
ocupam lugares opostos na estrutura social. De um lado, estão os porta-vozes
dos emblemas que possibilitam posições fálicas, os que sabem e dominam as
ferramentas de pertinência social; do outro, as pessoas que frequentemente
possuem o peso imaginário de estar fora, excluídas da estrutura social.
Uma análise semelhante pode ser encontrada nas posições sociológicas
de Souza (2009), quando sinaliza que a produção de desigualdade social
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assenta-se na desigualdade de classe e na desigualdade racial. Essa, no entanto,


não se dá, segundo o autor, somente pela diferença econômica, mas também
pela diferença de capital cultural. Destaca, nesse ponto, o que denomina de
“aprendizagens invisíveis” que produzem violência simbólica. Fazem parte
das aprendizagens invisíveis os gestos e modos de viver aprendidos nas diver-
sas instituições formadoras e constitutivas de sujeito. Segundo Rosa (2002)
estas questões marcam a possibilidade de haver uma posição de resistência
à escuta por parte dos profissionais quando a escuta se torna insuportável.
Isso acontece não somente pela situação em si, mas porque tomar esse outro,
na sua alteridade, como um sujeito do desejo, atravessado pelo inconsciente
e confrontado com situações de extremo desamparo, marca a desigualdade
gerada pela ordem social da qual o psicanalista usufrui. Nessas situações,
escutar seria romper o pacto de silêncio do grupo social ao qual cada um
pertence e do qual usufrui.
As posições de Rosa podem ser complementadas com as reflexões na
perspectiva da clínica do testemunho, criada para situações de reparação psí-
quica em função de violências de Estado. Ribeiro e Nunes (2018) aproximam
o testemunho em grupo dos objetivos da clínica psicanalítica ressaltando que
a cada palavra e a cada significante há uma possibilidade de elaboração e
construção da experiência subjetiva. Essa aproximação marca uma posição
ética na articulação das questões do individual e do coletivo.

O Apoio Psicossocial para o Programa Rapariga Biz

O programa Rapariga Biz tem como estratégia principal o empodera-


mento de raparigas e mulheres jovens por meio da capacitação de mentoras,
da mesma comunidade, que adquirem o compromisso de apoiar e motivar
as raparigas mais vulneráveis, através de diálogos e sessões semanais. Cada
mentora é responsável por 30 raparigas durante um ciclo de 4 meses, no qual
trabalham questões voltadas à saúde sexual reprodutiva, género e direitos da
mulher e as incentivam a seguir estudando. Além disso, referem as raparigas
para a rede de apoio comunitária, de saúde, educação e justiça, consoante a
296

problemática que cada uma traz. O suporte das mentoras no PRB é propor-
cionado em encontros de supervisão com jovens mulheres – as pontos focais
e monitoras – também da mesma realidade que já foram mentoras e têm
experiência no programa.
Sustentadas na metodologia de escuta territorial em situações sociais
críticas (Broide & Broide, 2015), na proposta de escuta grupal de Figueiredo
(1997) e no modelo de testemunho e resgate de memórias de Rosa (2002)
desenhou-se para o Apoio Psicossocial do PRB uma metodologia de trabalho
participativa baseadas em três pilares: 1) escuta activa; 2) sessões de grupo

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com debates e troca de experiências a partir de relações de confiança entre as
participantes; e 3) desenvolvimento de pensamento crítico para reflexão na
busca de soluções para os problemas através de apoio mútuo, para o fortale-
cimento da rede de suporte psicossocial na sua comunidade.
A escuta do APSS às mentoras incluía dois momentos de intervenção:
(1) Oficinas de cuidado psicológico; (2) Atendimento psicológico individual
presencial, quando solicitado ou indicado e/ou aconselhamento psicológico
ao telefone quando solicitado.

As oficinas de cuidado psicológico

As oficinas de grupo reuniam 15 participantes por aproximadamente 6


horas, sendo que contando com a facilitação do encontro realizada porque
se utilizavam dinâmicas baseadas em formas locais de se estar em grupo
(sentar-se em roda no chão, numa esteira ou capulana), e recursos culturais
como danças típicas e músicas entoadas nas línguas maternas africanas de
cada província (Makua para Nampula e Chuabo para Zambézia) – muitas
delas sugeridas pelas próprias participantes. Essas actividades propiciavam
um ambiente mais acolhedor para se iniciar a circulação da palavra, no qual
cada uma delas podia compartilhar sua história, o contexto familiar, o tra-
balho de mentoria que exerceu e as maiores dificuldades que vivenciaram
nas suas comunidades. Outra dinâmica utilizada foi a leitura de um conto
africano que as levou a refletir sobre pessoas que lhes ajudaram ao longo
da vida; a identificar e a desconstruir papéis de género demarcadamente
opressores para as mulheres nas suas comunidades. As sessões de grupo
terminavam com uma atividade em que seu rosto aparecia refletido num
espelho, tendo como pressuposto encorajar as participantes a perspectivar
o seu futuro, expressando suas metas, sonhos e o que percebiam como
necessário para realizá-los, considerando que a principal protagonista de
sua história é ela própria.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 297

Aconselhamento psicológico individual presencial ou remoto

O aconselhamento individual permitia as participantes partilharem situa-


ções traumáticas das suas vidas e a obterem ajuda ou alguma orientação mais
específica para enfrentarem e superarem os seus problemas. Foram realizadas
sessões individuais em torno de 45 minutos, presenciais ou ao telefone, quando
solicitadas pela própria beneficiária ou por encaminhamento de alguma inter-
veniente do programa. Havia um guia para favorecer a abordagem inicial da
intervenção, no qual a psicóloga ia solicitando que a pessoa falasse, num em
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um diálogo, sobre aspectos mais simples de sua vida até chegar a assuntos
mais sensíveis, respeitando-se a abertura que a pessoa demonstrasse para
falar. Foram abordados os mesmos temas das sessões de grupo, ou seja, a sua
história, o contexto familiar em que vivia, o trabalho de mentoria que exercia
e as maiores dificuldades que vivenciou nas suas comunidades. Procurou-se
ressaltar as figuras de suporte que encontrou e a importância de se buscar
apoio junto às pessoas quando estão enfrentando dificuldades.
No segundo trimestre de 2020, o atendimento psicológico individual foi
adaptado para ser implementado à distância – ao telefone – considerando-se a
pandemia da COVID-19, em que Moçambique declarou estado de emergência.
Foi contratada uma equipa de 15 psicólogas que, depois de receberem uma
capacitação para realizar a modalidade de atendimento à distância, atendeu,
de maio a julho, mais de 1000 mentoras do PRB. Os atendimentos ao telefone
com cada pessoa aconteceram uma, duas ou três vezes ao todo, consoante o
que se fizesse necessário para cada uma das adolescentes ou jovens.

Supervisão presencial e à distância (contexto da COVID-19)

A supervisão foi realizada, semanalmente, em pequenos grupos, alguns


dias depois das sessões grupais ou dos atendimentos individuais. Com o con-
texto da COVID-19, todas as actividades do Apoio Psicossocial, realizadas
com as psicólogas, aconteceram à distância através de plataformas tecnoló-
gicas. Essas supervisões foram conduzidas por duas psicólogas superviso-
ras, cada uma responsável por uma Província. Foi desenhado um aplicativo
chamado CommCare especialmente para o Apoio Psicossocial, no qual as
psicólogas faziam o registro dos dados sociodemográficos de cada pessoa
atendida e a síntese clínica do atendimento. Esses dados eram possíveis de
serem visualizados em tempo real pelas supervisoras.
Desde o princípio se identificou a necessidade de um momento de super-
visão com um olhar “externo”; de quem não estivesse diretamente envolvida
com o projecto. Era necessário que a própria equipa de psicologia pudesse
298

ser escutada sobre a intervenção e o programa em geral. Assim, buscou-se


um espaço de supervisão numa parceria com o Brasil.
A supervisão, nos diferentes níveis, sustentou-se nas propostas de Figuei-
redo (2004) e Broide (2017), autoras que afirmam que a supervisão constitui-se
como um dos tempos da construção do caso clínico no trabalho em equipe,
em que a posição do supervisor é como a de um aprendiz da clínica. Ambas
autoras destacam que mais do que o saber sobre o caso, o trabalho de super-
visão parte do “não-saber”. É desde o “não-saber” compartilhado pela equipe
que o supervisor poderá iniciar a direção de um trabalho de construção do

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caso clínico no coletivo.
É importante ressaltar também, a análise da transferência no processo de
supervisão a qual toca nos pontos de resistência de quem escuta. A resistên-
cia tanto pode se relacionar a uma identificação com a realidade das jovens,
quanto a um bloqueio na escuta devido a dificuldade que o sofrimento rela-
tado pode produzir em quem escuta pela diferença de contexto e classe social
(Torossian, 2019).

“Luto por mim porque sem mim eu não iria existir.”

A fala de uma das participantes foi escolhida para apresentar o caso que
foi escutado na intervenção presencial em grupo. Maria (nome fictício), 22
anos, está há dois anos no PRB. Ela foi bastante participativa nos encontros.
Durante a dinâmica do espelho, ao ver o seu rosto, Maria se jogou em prantos
no chão e narrou sua história:
Aos 5 anos a sua mãe não tinha condições para ficar com ela e deixou-a
aos cuidados do seu pai e da madrasta com quem viveu até aquele ano. Aos 12
anos, enquanto o pai estava a trabalhar em outra cidade, Maria começou a
sofrer assédio sexual por parte do tio (irmão da madrasta). Após várias ten-
tativas o tio a violou sexualmente de forma violenta:

Eu fiquei quase uma semana sem falar e nem tinha para quem contar nem
para minha madrasta porque ela não era minha amiga, e eu tinha vergonha
de dizer para as pessoas. [...] Depois de uma semana minha madrasta
me manda comprar pão quando eram 19 horas. Encontrei 2 jovens pela
estrada e estes me levaram para uma casa abandonada. Eu estava sozinha
naquele sítio, não tinha ninguém para me ajudar, eles fizeram aquilo tudo
de novo. Foi a segunda vez. Quando eu fiquei grávida eu não sabia de
quem era a criança, era muito nova, não sabia se estava grávida ou não.

Maria relata que quando o enfermeiro que estava a cuidá-la lhe disse
que estava grávida e sugeriu que abortasse, ela pediu para não abortar pois
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 299

desejava ter o bebé, uma vez que não sabia se teria filhos ou não depois de
tudo que passou. “Eles deixaram uma lesão dentro de mim, uma coisa quase
incurável, eu ainda sinto dor dentro de mim.” Maria teve que deixar a escola
para poder cuidar do seu filho, que hoje tem 10 anos, e que por causa dele
encontrou forças para trabalhar, voltar a estudar e terminar a escola.
Enquanto Maria contava sobre o que havia lhe sucedido, as outras meni-
nas choravam junto com ela. Todas as participantes se identificaram com o
que Maria sofreu. Muitas delas já haviam experienciado alguma forma de
assédio ou abuso sexual em algum momento da sua vida e guardavam esse
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sofrimento em segredo. Ao questionar sobre isso, elas afirmaram sentir muito


medo e vergonha de serem “mal-vistas” ou por isso não conseguirem casar.
Maria seguiu com mais duas sessões de atendimento individual por tele-
fone, ocorridos com espaçamento de um mês cada um. No início ela queria
conversar sobre isso de forma particular com uma das psicólogas. Mas após
aquela intervenção no grupo, Maria afirma que ganhou coragem para enfrentar
e partilhar sobre a sua tristeza com as pessoas próximas, pois antes fingia estar
sempre alegre para mascarar a sua dor.
Após aqueles encontros de grupo, ela diz que ganhou amigas. Passaram
a encontrar-se e apoiar-se nas dificuldades e no cuidado das raparigas Biz.
Maria sonha em fazer o curso de Direito.

Melanie

Melanie (nome fictício), 18 anos, ligou a pedir, espontaneamente, aten-


dimento psicológico individual. Ela conta que se aproximou da monitora
dela porque precisava falar. Ela tem uma filha de 2 anos e é mentora no PRB
desde 2019. Melanie afirma sentir-se nervosa e gritar sem motivos. Acorda
sem vontade de falar com ninguém. Grita.
Aos 14 anos, a irmã mais velha pediu-lhe para que ela ajudasse nos cui-
dados domésticos na casa, uma vez que por razões de trabalho, ela iria viajar
muito. Tendo começado o ano letivo, Melanie teve a ajuda do cunhado para
a compra do material escolar. No regresso da viagem, uma amiga da irmã
acusa Melanie de estar a relacionar-se com o cunhado. A irmã toma isto como
verdade, destrói seus cadernos, grita com ela, insulta e bate-lhe. Os irmãos é
que lhe socorreram. Numa reunião familiar o cunhado esclareceu que nunca
se envolveu com ela, o que foi finalmente compreendido pela irmã.
Aos 15 anos ela engravidou, mas só descobriu 3 a 4 meses depois. Ao
contar para o namorado do sucedido, o mesmo sumiu. Os pais de Melanie
procuraram pelo rapaz, tentando fazer com que se apresentasse a família e
assumisse a criança, mas este acabou por fugir do distrito onde moravam.
300

A vontade de gritar, ficar com raiva surgiu quando descobriu que estava
grávida. A família a culpa por tudo o que acontece de “errado”. Ela afirma
pensar muitas vezes em tirar a vida quando as pessoas gritam com ela, mas
não tem coragem. Sente-se como se estivesse sempre cansada. Os pensamen-
tos de suicídio só aparecem quando ela está desocupada. Recentemente, sua
outra irmã acusou-a de usar saia curta para chamar a atenção do marido dela.
Ambas irmãs começaram a falar da vida sexual da Melanie, apontando que
com aqueles comportamentos ela iria acabar grávida de novo.

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A supervisão

Nos momentos de supervisão, as maiores dificuldades relatadas na escuta


referem-se à paralisação diante do horror da violência dos casos e das tentati-
vas de suicídio. As psicólogas repetiram a sensação de que o acto de escutar
simplesmente parecia não ser suficiente.
Na supervisão se desconstruiu a percepção de que a escuta pode não ter
sido suficiente e eficiente diante de realidades silenciadas por tantos anos,
uma vez que o sofrimento ao ser colocado em palavras, traz possibilidade
de gerar movimentos naquela que falou, mas também em todas as demais.
Destacou-se que a intervenção grupal produziu efeito simbólico no colectivo
quando a dor de Maria ficou diminuída porque foi repartida. Na intervenção
individual, ressaltou-se o movimento significativo de Melanie de transformar
seus gritos em palavras que pudessem ser escutadas e acolhidas.
Haveria ali, em ambos os casos, uma possibilidade de enlaçar-se à vida.
O sofrimento suscitado pelas marcas da violência permanece, mas já não da
mesma forma pois fora testemunhado, socializado e acolhido.
A violência contra uma é violência contra todas. O acolhimento de uma
é o acolhimento de todas.
Os casos de Maria e Melanie são tomados aqui a partir da singularização
de um discurso e das políticas presentes na cultura; a violência vivida por elas
é a violência vivida por grande parte das mulheres. O arranjo dos elementos
da violência na história de cada uma são particulares, mas apontam para as
políticas de silenciamento e de solidão em que vivem as mulheres.
Estudos e pesquisas sobre pessoas que viveram abuso sexual referem
que o silenciar do abusado é algo que ocorre com muita frequência (Thouve-
nin, 1997; Lamour, 1997; Hamon, 1997). Manter o abuso em segredo é algo
que ocorre, inclusive, em países nos quais há uma legislação que possibilita
a denúncia. Em Moçambique, como mencionado anteriormente, a inserção
da escuta clínica e da Psicanálise é muito recente não existindo ainda, uma
cultura de falar do sofrimento psíquico. Há uma marca cultural que propicia
o silêncio sobre esse assunto.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 301

Segundo o relatório do Ministério da Educação de 2008, citado por Osó-


rio (2011), são descritas situações em que a vítima não denuncia a violação
por medo de ser estigmatizada pela família e pela comunidade. Além disso,
a violação e os traumas daí advindos são agravados com a obrigação cultural
da vítima em partilhar a casa com o seu agressor, ocultando-se e despenali-
zando-se a prática do crime.
Ofertar escuta nesse cenário é um ato clínico-político que faz a escuta
do singular incidir em uma política do silêncio sobre a violência. Lembra-se
também, que escutar a quem escuta deriva em uma formação para a escuta
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de si e do outro.
Para os psicanalistas mais habituados com uma inscrição relativa da
Psicanálise no discurso cultural e social, a abertura de um espaço de fala e
acolhimento e a consequente produção de uma demanda pode parecer uma
intervenção singela. No entanto, trata-se de situações que em todas as culturas
são marcadas pelo trauma e a impossibilidade de transformar o sofrimento
silenciado em palavras. Isso amplia-se quando se inscreve em políticas que
promovem o silenciamento da mulher em aspectos mais gerais. Assim, como
aprendeu-se com Freud, aquilo que aparentemente é singelo, o detalhe no qual
ninguém repara, tem para a Psicanálise um valor precioso.
Esta intervenção, mesmo que pontual, se apresenta como uma importante
via de transformação na vida das mulheres e como uma alternativa eficaz de
enfrentamento à dor provocada pela violência. Promoveu-se uma ruptura com
o pacto do silêncio, seja em relação à violência sofrida ou à cultura da jovem
não falar sobre si mesma. Ruptura que, apostamos, tenha reverberação nas
políticas para e com as mulheres no país.
302

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L’ÉCOUTE DE LA VIOLENCE DANS LE
CADRE DU PROGRAMME RAPARIGA BIZ :
entrelacs entre psychanalyse et politique239
Sandra Djambolakdjian Torossian
Katia Regina Paim
Yanisa Yusuf
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L’une des voies pour lutter contre la violence de genre est celle de l’in-
tervention collective. Celle-ci implique la réalisation de travaux interdiscipli-
naires et de partenariats interinstitutionnels. Dans cet article, nous présenterons
le résultat d’un partenariat international autour d’un projet mené au Mozam-
bique, en dialogue avec le Brésil240.
Le Mozambique est un pays où le nombre de mariages précoces est très
élevé. Une jeune fille sur deux est forcée de se marier avant l’âge de 18 ans
(UNFPA, 2020), 42,6% des femmes entre 15 et 19 ans sont tombées enceintes
au moins une fois dans leur vie (IMASIDA, 2015) et ont subi une forme de
violence (IDS, 2011), ce qui se traduit par un niveau élevé d’inégalité entre
les sexes et des vulnérabilités psychosociales critiques pour ces filles. Afin de
mitiger ce problème, le gouvernement mozambicain, en partenariat avec les
Nations Unies (ONU), a lancé le programme Rapariga Biz241 (PRB). Le PRB
vise à promouvoir la santé sexuelle et reproductive, les droits humains et l’au-
tonomisation psychosociale et économique des jeunes filles dans les provinces
de Nampula et de Zambezia. Ce Programme, mis en œuvre depuis 2016, s’ap-
puie sur une stratégie de mentorat, dans laquelle des jeunes femmes, formées
sur ces thèmes, interviennent comme modèle de soutien et d’orientation pour
les jeunes filles de leurs quartiers.
Cet article a pour but de présenter les résultats de ce programme à la
lumière de la compréhension psychanalytique. Dans ce chapitre, nous soute-
nons cette possibilité non sans rappeler, comme l’affirme Danto (2005), que

239 Merci à tous ceux et celles qui ont contribué à rendre possible cette écoute, notamment les jeunes filles et
les adolescentes du PRB, notre coordinatrice, spécialiste de genres à la Johns Hopkins University, CCP/
MZ, Maria Dirce Pinho, nos collègues psychologues dans les provinces.
240 Note de traduction : Dans le texte original, afin de mettre en valeur ce partenariat qui implique des différences
culturelles et linguistiques – des accents et des couleurs variés – et à la recherche d’une composition dans la
diversité, nous avons choisi de garder les différences d’orthographe et les expressions idiomatiques propres
à chacun de deux pays.
241 Rapariga Biz est une extension du programme Geração Biz. Le nom signifie « la génération en mouvement »,
ayant été défini et adopté par les jeunes eux-mêmes, pour désigner une génération activement impliquée dans la
recherche de réponses à leurs propres problèmes et besoins dans le domaine de la santé sexuelle et reproductive.
308

la psychanalyse s’est intéressée depuis ses débuts aux causes sociales, ayant
même créé des cliniques et des instituts à cet effet.
Nous soulignons également que la psychologie au Mozambique est
récente, née d’une demande liée à la Guerre civile qui a cessé en 1992
(Yusuf, 2018). Le cours de psychologie clinique a débuté en 1996, et c’est
en 2001 que les premiers professionnels mozambicains ont obtenu leurs
diplômes en psychologie clinique et conseil (Paim Vassoa, 2006).
Par ailleurs, dans la culture mozambicaine, la médecine traditionnelle
coexiste avec d’autres thérapeutiques qui, selon l’Organisation mondiale de

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la santé (OMS, 1976), représentent « l’ensemble des pratiques et des mesures,
ingrédients et procédures de toutes sortes, qu’ils soient ou non matériels,
qui depuis des temps immémoriaux, ont permis aux Africains de se protéger
contre la maladie, de soulager leurs propres souffrances et de se guérir » (pp.
3-4). L’habitude de parler de soi est rare et comporte encore des aspects de la
culture africaine dont le système collectif propose une lecture de l’individu
très soudé à l’autre, ce qui nécessite l’utilisation de techniques et de dispositifs
favorisant la parole à partir de références culturelles, telles que les danses, les
lectures d’histoires, entre autres.
En 2018, le programme Rapariga Biz a prévu un soutien psychologique
aux femmes mentores qui vivaient également dans un contexte d’extrême
vulnérabilité psychosociale et de détresse psychique associée à des situations
de violence vécues, de grossesse précoce ou de mariage précoce. Le Soutien
psychosocial (APSS) aux mentores consiste en une approche de groupe, telle
que proposée par Figueiredo (1997), dans le but de développer une culture
d’entraide et de solidarité et d’encourager par là les participantes dans leur
travail avec les jeunes filles de leur communauté.

Psychanalyse et violence

Freud évoque une agressivité constitutive des êtres humains. Il le souligne


dans le texte Un enfant est battu (1919/1974), où il analyse les fantasmes
infantiles chez l’enfant qui voit son semblable se faire agresser. Ce texte, en
plus de souligner l’agressivité constitutive, met en évidence la construction
de la transitivité du fantasme : cette agressivité, dit l’auteur, se voit empêchée
de passage à l’acte par le pacte civilisateur. Elle peut ainsi être refoulée, et se
présenter peut-être sublimée sous un autre habit.
Dans Considérations actuelles sur la guerre et la mort (1915/1974), Freud
aborde la violence en soulignant que la haine et les pulsions de destruction sont
inhérentes à l’être humain. Dans Au-delà du principe de plaisir (1920/1976),
la pulsion de mort a également une composante agressive. Dans Psychologie
de masse et analyse du moi (1921/1976), il souligne l’existence concomitante
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 309

de sentiments d’hostilité et d’aversion d’une part et de sentiments d’amour


d’autre part. Enfin, dans Malaise dans la civilisation (1929/1974), il soutient
qu’il faut poser des limites et réguler les relations humaines afin d’interdire
le passage à l’acte de cette agressivité. Cette régulation a fait l’objet d’une
lecture par Lacan (2002) dans le registre symbolique de la Loi.
Derrida (2001) mise sur la psychanalyse comme l’un des moyens pour faire
face à la violence et à la cruauté. L’auteur remonte à l’origine du mot « cruauté »,
du latin cruor, crudus, crudelitas (sang versé, cru, cruauté), et il souligne que
Freud évoque le désir de faire souffrir ou de s’infliger de la souffrance pour la
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souffrance. La cruauté renvoie alors à faire du mal, à torturer, à tuer pour jouir
du mal radical, une jouissance psychique du mal dans tous les cas.
Le désir de faire du mal à autrui est associé, selon Costa (1986), au carac-
tère propre à la violence. Contrairement à l’agressivité, il y a une intention de
détruire dans la violence. L’acte violent porte la marque d’un désir, l’usage
délibéré de l’agressivité.
Pour Hartmann (2005), l’acte violent échappe à la représentation, mais
il n’en produit pas moins des représentations différentes. Ainsi, ce que l’on
sait de la violence, ce sont des manifestations qui relèvent de discours dans
lesquels la violence elle-même n’est pas saisie. Quand la parole est absente,
la violence saute aux yeux.

Violence contre les femmes au Mozambique

Selon l’UNICEF (2020), une femme sur trois dans le monde a subi des
violences physiques ou sexuelles à un moment de sa vie. Au Mozambique, on
estime qu’une femme sur quatre subit ce type de violence, et qu’une fille sur
deux se marie avant l’âge de 18 ans. La population mozambicaine est majo-
ritairement jeune, et la hiérarchie y est basée sur l’âge, ce qui rend les jeunes
filles sexuellement plus vulnérables (Cruz e Silva et al., 2007). Elles sont
considérées comme des reproductrices, responsables du foyer, de toutes les
tâches ménagères, et il leur revient de procurer du plaisir à l’homme (Arthur
et Mejia, 2006 ; Cruz e Silva et al., 2007). Bien que le Mozambique soit signa-
taire de traités et d’instruments de droit international tels que la Convention
de 1979 sur tous les actes de discrimination à l’égard des femmes, ratifiée
en 1993, et le Protocole à la Charte de Banjul de 2004 relatif aux droits des
femmes en Afrique, ratifié en 2006 (WLSA, s/d), selon les données obtenues
dans l’enquête démographique et sanitaire en 2011 (INE, 2012), ce pays a
l’un des taux de mariage précoce les plus élevés au monde et le deuxième
taux le plus élevé de l’Afrique orientale et australe. Ainsi, le 28 mars 2010,
la loi sur la violence domestique à l’égard des femmes (WLSAa, s/d) est
entrée en vigueur, visant à lutter contre la violence faite aux femmes dans
310

l’environnement domestique et familial et les morts qui en découle (article 1


de la loi 29/2009 du 29 septembre).
Les enquêtes menées par le forum psychologique cherchent à mettre en
lumière l’apparente passivité des femmes face aux violences subies dans la vie
conjugale et domestique. La femme maltraitée se sent isolée et impuissante.
Craignant la puissance de son conjoint, elle se soumet passivement. Se taire,
c’est souvent l’attitude adoptée pour essayer d’arrêter l’escalade de la violence
lors d’une agression (Arthur, 2005).
Pais (1996), citée par Lourenço et al (1997), a montré que les valeurs

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socioculturelles se fondent sur une identité du féminin fortement attachée au
mariage à vie. Cela empêche certaines femmes agressées de dénoncer l’agres-
seur dans certains contextes sociaux, préférant la souffrance silencieuse à une
solution qui implique la séparation du couple et la perte du statut de femme
mariée, ce qui les placerait dans une situation de grande vulnérabilité et de
fragilité sociale. Arthur et Mejia (2006) soulignent certaines raisons pour
lesquelles les hommes agressent les femmes : « elle m’a désobéi » ; « elle a
demandé où j’étais » ; « elle ne m’a pas chauffé d’eau pour me baigner » ;
« je pense qu’elle a un amant » et « elle ne voulait pas coucher avec moi ».
L’homme sent qu’il a le droit de « l’éduquer » (souligné par les auteurs) et
de « lui apprendre » (idem) comment elle doit vivre en société ; il a ainsi le
droit d’exercer la violence contre la femme (Arthur et Mejia, 2006).

L’écoute psychanalytique en situation de vulnérabilité et de violence

Compte tenu de la réalité de la violence à l’égard des femmes mention-


née ci-dessus, il est clair qu’il existe une politique qui renforce cette violence.
Celle-ci commence à faire l’objet d’une législation spécifique qui n’est pas
encore, cependant, intégrée à la culture et à la vie des femmes. On comprend
ici que la psychanalyse peut y contribuer en proposant une intervention par
l’écoute. Pour ce faire, il est nécessaire de lier l’écoute psychanalytique à la
politique. Bien que cette position ne soit pas unanime parmi les psychanalystes,
nous la soutenons, avec des auteurs tels que Stavrakakis (2007) et Danto (2005).
Dans sa proposition méthodologique pour les cas où la souffrance est
produite par la position sociopolitique, Rosa (2016) met en question le dia-
gnostic centré uniquement sur le sujet et propose une modalité de diagnostic
intégrant la scène sociale. L’auteur (Rosa, 2002) analyse également les dif-
ficultés d’écoute dans les territoires des villes marqués par les inégalités et
attire l’attention sur la situation du transfert lorsque celui qui écoute et celui
qui se fait écouter occupent des places opposées dans la structure sociale.
D’un côté, il y a les porte-parole des emblèmes qui renvoient aux positions
phalliques, ceux qui connaissent et maîtrisent les outils de l’appartenance
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 311

sociale ; de l’autre, ceux qui supportent souvent le poids imaginaire d’être


dehors, exclus de la structure sociale.
Cette analyse rejoint les positions sociologiques de Souza (2009), selon
qui la production de l’inégalité sociale s’appuie sur l’inégalité de classe et
l’inégalité raciale. Cela ne se produit cependant pas, d’après l’auteur, unique-
ment à cause de la différence économique, mais aussi à cause de la différence
de capital culturel. Sur ce point, il souligne ce qu’il appelle « les apprentissages
invisibles » qui produisent de la violence symbolique. Les gestes et les modes
de vie appris au sein des différentes institutions qui forment et constituent
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le sujet en font partie. Tout cela, selon Rosa (2002), risque d’engendrer une
résistance à l’écoute de la part des professionnels lorsque cette écoute devient
insupportable. Cela se produit non seulement à cause de la situation elle-même
mais parce que concevoir cet autre, dans son altérité, comme sujet du désir,
traversé par l’inconscient et confronté à des situations d’extrême détresse,
porte la marque de l’inégalité engendrée par l’ordre social dans lequel s’inscrit
le psychanalyste. Dans ces situations, écouter reviendrait à rompre le pacte
du silence du groupe social auquel chacun appartient et dont il jouit.
Les positions de Rosa peuvent être complétées par des réflexions dans la
perspective de la clinique du témoignage, créée pour des situations de répara-
tion psychique liée à la violence de l’État. Nunes et Ribeiro (2018) rapprochent
le témoignage de groupe des objectifs de la clinique psychanalytique ; ils sou-
lignent que chaque mot et chaque signifiant ouvrent à la possibilité d’élaborer
et de construire une expérience subjective. Ce rapprochement marque une
position éthique dans l’articulation des enjeux de l’individu et ceux du collectif.

Le Soutien psychosocial pour le Programme Rapariga Biz (APPRB)

Le programme Rapariga Biz a pour stratégie principale l’autonomisation


des jeunes filles et des jeunes femmes grâce à la formation de mentores, au
sein de la même communauté, qui s’engagent à soutenir et à encourager les
jeunes filles les plus vulnérables par le dialogue et des séances hebdomadaires.
Chaque mentore est responsable de 30 jeunes filles, pendant un cycle de 4
mois, au cours duquel celles-ci sont invitées à travailler sur des questions
liées à la santé sexuelle et reproductive, au genre, aux droits des femmes, et
elles sont également encouragées à poursuivre leurs études. De plus, elles sont
orientées vers un réseau communautaire de soutien, de santé, d’éducation et
de justice, en fonction des problématiques que chacune apporte. Le soutien
des mentores dans le PRB est fourni dans les réunions de supervision avec des
jeunes femmes – les points focaux et les monitrices – ayant partagé la même
réalité, elles aussi mentores auparavant et expérimentées dans le programme.
312

Sur la base de la méthodologie de l’écoute territoriale dans les situations


sociales critiques de Broide et Broide (2015), de la proposition de l’écoute de
groupe de Figueiredo (1997) et du modèle de témoignage et de récupération
des mémoires de Rosa (2002), une méthodologie de travail participatif a été
conçue sur trois piliers : 1) l’écoute active ; 2) des séances de groupe, avec
débats et échanges d’expériences basés sur des relations de confiance entre les
participantes ; et 3) le développement d’une pensée critique pour la réflexion,
dans la recherche de solutions aux problèmes par le soutien mutuel, afin de
renforcer le réseau de soutien psychosocial au sein de leur communauté.

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L’écoute de l’APSS avec les mentores comprenait deux moments d’in-
tervention : (1) ateliers de soins psychologiques ; (2) prise en charge psycho-
logique individuelle en présentiel, sur demande ou par recommandation et/
ou conseil psychologique au téléphone sur demande.

Ateliers de soins psychologiques

Les ateliers de groupe réunissaient 15 participantes pendant environ 6


heures. Ces rencontres comptaient sur une facilitation favorisée par des dyna-
miques basées sur des habitudes locales d’être en groupe (en cercle, assises par
terre, sur un tapis ou une capulana) et des ressources culturelles telles que des
danses typiques et des chants vocalisés dans les langues maternelles africaines
de chaque province (Makua pour Nampula et Chuabo pour Zambezia) – dont
beaucoup étaient suggérés par les participantes elles-mêmes. Ces activités
offraient un environnement plus accueillant pour démarrer l’échange ; chaque
participante pouvait en effet y partager son histoire, le contexte familial, le
travail de mentorat qu’elle avait accompli ainsi que les plus grandes difficultés
vécues dans sa communauté. Une autre dynamique proposée a été la lecture
d’un conte africain qui les amenait non seulement à réfléchir sur les personnes
qui les ont aidées tout au long de leur vie, mais aussi à identifier et à décon-
struire les rôles de genre qui sont nettement oppressifs pour les femmes dans
leurs communautés. Les séances de groupe se terminaient par une activité dans
laquelle le visage des participantes se reflétait dans un miroir, dans le but de
les encourager à envisager leur avenir, à exprimer leurs objectifs, leurs rêves
et ce qu’elles percevaient comme nécessaire pour y parvenir, et ce, dans la
mesure où le principal protagoniste de l’histoire de chacune devient elle-même.

Conseils psychologiques individuels en présentiel ou à distance

Le conseil individuel permettait aux participantes de partager des vécus


traumatiques et d’obtenir de l’aide ou des conseils plus précis pour faire face
à leurs difficultés et les surmonter.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 313

Les séances individuelles duraient environ 45 minutes, en présentiel


ou par téléphone, à la demande de la bénéficiaire elle-même ou sur recom-
mandation d’une participante au programme. Afin de favoriser l’approche
initiale de l’intervention, Il y avait un guide à consulter par la psychologue :
celle-ci commençait par demander à la personne d´échanger sur des aspects
les plus simples de sa vie jusqu’à toucher des questions plus sensibles, tout en
respectant l’ouverture dont la personne faisait preuve pour parler. Sont alors
abordés les mêmes thèmes que dans les séances de groupe, à savoir l’histoire
personnelle, le contexte familial, le travail de mentorat exercé par cette femme
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et les plus grandes difficultés vécues au sein de sa communauté. On cherchait


à mettre en évidence les personnes qui l’ont soutenue ainsi que l’importance
de faire appel à quelqu’un lorsqu’elle est confrontée à des difficultés.
Au deuxième trimestre de 2020, la prise en charge psychologique indi-
viduelle a été adaptée en raison de la pandémie du COVID-19, pour être mise
en œuvre à distance – par téléphone – lorsque le Mozambique a déclaré l’état
d’urgence. Une équipe de 15 psychologues a été embauchée, et après avoir
suivi une formation pour la prise en charge à distance, ces psychologues ont
assisté, de mai à juillet, plus de 1000 mentores du PRB. Les appels télépho-
niques avaient lieu une, deux ou trois fois en tout, selon le besoin de chaque
adolescente ou jeune fille.

Supervision en présentiel et à distance (contexte du COVID-19)

La supervision avait lieu chaque semaine en petits groupes, quelques


jours après les séances de groupe ou les consultations individuelles. Dans
le contexte du COVID-19, toutes les activités de soutien psychosocial réali-
sées avec des psychologues se sont déroulées à distance sur des plateformes
technologiques. Ces supervisions étaient menées par deux psychologues
superviseures, chacune étant responsable d’une province. Une application a
été conçue, la CommCare, spécialement pour le soutien psychosocial, dans
laquelle les psychologues enregistraient les données sociodémographiques
de chaque personne accueillie et rédigeaient un compte rendu clinique de
la consultation. Ces données pouvaient être consultées, en temps réel, par
les superviseures.
Dès le départ, on avait évoqué le besoin d’un moment de supervision,
avec un regard « extérieur » porté par des tiers qui n’étaient pas directement
impliqués dans le projet. Il fallait que l’équipe de psychologie elle-même
puisse être écoutée au sujet de l’intervention et du programme en général.
Un espace de supervision a donc été recherché dans le cadre d’un partenariat
avec le Brésil.
314

La supervision s’est fondée à différents niveaux sur les propositions de


Figueiredo (2004) et de Broide (2017). Selon ces auteures, la supervision
constitue l’un des temps de la construction du cas clinique dans le travail
d’équipe, dans lequel la position du superviseur est comparable à celle d’un
apprenti clinicien. Les deux auteures soulignent que plutôt que connaître le
cas, le travail de supervision part du non-savoir. C’est à partir du non-savoir
partagé par l’équipe que le superviseur peut orienter un travail de construction
du cas clinique dans le collectif.
Il est également important de souligner l’analyse du transfert dans le

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processus de supervision, qui touche les points de résistance de celle qui
écoute. La résistance peut être liée soit à une identification à la réalité des
jeunes filles, soit à un blocage de l’écoute en raison de la difficulté que la
souffrance rapportée peut produire chez celle qui écoute, de par la différence
de contexte et de classe sociale (Torossian, 2019).

« Je me bats pour moi-même car sans moi je n’existerais pas. »

Les propos de l’une des participantes ont été choisis pour présenter le
cas rapporté lors de l’intervention de groupe en présentiel. Maria (prénom
fictif), 22 ans, participe au PRB depuis deux ans. Elle a eu une participation
très active aux séances. Pendant la dynamique du miroir, elle a fondu en
larmes en racontant son histoire.
À l’âge de 5 ans, Maria, dont la mère n’avait pas les moyens de la gar-
der, est laissée aux soins de son père et de sa belle-mère avec qui elle a vécu
jusqu’à cette année. À 12 ans, alors que son père travaillait dans une autre
ville, Maria a commencé à se faire harceler sexuellement par son oncle (le frère
de sa belle-mère). Après plusieurs tentatives, celui-ci l’a violemment violée :

« J’ai passé presque une semaine sans parler et il n’y avait personne à qui
je puisse le raconter, surtout pas à ma belle-mère car elle n’était pas mon
amie, et j’avais honte de le dire aux gens. [...] Au bout d’une semaine, ma
belle-mère m’envoie acheter du pain à 19 heures. J’ai croisé deux jeunes
hommes sur la route qui m’ont emmenée dans une maison abandonnée.
J’étais seule à cet endroit, il n’y avait personne pour m’aider, ils ont
recommencé. C’était la deuxième fois. Quand je suis tombée enceinte,
je ne savais pas à qui était l’enfant, j’étais très jeune, je ne savais pas si
j’étais enceinte ou non. »

Maria raconte qu’elle a demandé à l’infirmier qui la soignait, lorsque


celui-ci lui a dit qu’elle était enceinte et lui a suggéré un avortement, de ne pas
se faire avorter, elle voulait avoir ce bébé, car elle ne savait pas si après tout ce
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 315

qu’elle avait vécu, elle aurait encore des enfants. « Ils ont laissé une blessure
en moi, une chose presque inguérissable, ça me fait encore très mal. » Maria
a dû quitter l’école pour pouvoir s’occuper de son fils, qui a maintenant 10
ans. Et grâce à lui, elle a trouvé la force de travailler, de retourner à l’école
et de finir ses études.
Pendant que Maria racontait ce qui lui était arrivé, les autres filles pleu-
raient avec elle. Toutes les participantes s’identifiaient à Maria dans ce qu’elle
avait souffert. Beaucoup d’entre elles avaient déjà subi une forme de harcèle-
ment ou d’abus sexuels à un moment de leur vie et gardé le secret d’une telle
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souffrance. Interrogées à ce sujet, elles ont avoué la peur et la honte d’être «


désapprouvées » ou d’être empêchées de se marier à cause de cela.
Maria a suivi avec deux autres séances individuelles par téléphone, cha-
cune à un mois d’intervalle. Au début, elle a voulu en parler en privé avec
l’une des psychologues. Mais après cette intervention dans le groupe, Maria
affirme qu’elle a pris le courage d’affronter et de partager sa tristesse avec
ses proches, car avant, elle faisait semblant d’être toujours heureuse pour
masquer sa douleur.
Après ces séances de groupe, elle dit avoir fait des amies, et elles vont
désormais se retrouver et se soutenir dans les difficultés et les soins des rapa-
rigas Biz. Maria rêve de suivre un cours de droit.

Mélanie

Mélanie (prénom fictif), 18 ans, a appelé spontanément pour demander


une consultation psychologique individuelle. Elle dit qu’elle a approché sa
monitrice parce qu’elle avait besoin de parler. Elle a une fille de 2 ans et est
mentore au PRB depuis 2019. Mélanie dit qu’elle se sent nerveuse et crie sans
raison. Au réveil, elle n’a envie de parler à personne. Elle crie.
À l’âge de 14 ans, sa sœur aînée lui a demandé de l’aider aux tâches
ménagères, car, pour des raisons professionnelles, elle voyagerait beaucoup. Au
début de l’année scolaire, Mélanie a eu l’aide de son beau-frère pour l’achat des
fournitures scolaires. Au retour de sa sœur, une amie de celle-ci accuse Méla-
nie d’avoir une liaison avec son beau-frère. Sa sœur prend cela pour acquis,
détruit ses cahiers, lui crie dessus, l’insulte et la frappe. Ce sont les frères qui
l’ont aidée. Lors d’une réunion de famille, le beau-frère a expliqué que rien
ne s’était jamais passé entre eux, ce qui a finalement été compris par sa sœur.
À 15 ans, elle est tombée enceinte, mais ne l’a appris que 3 à 4 mois
plus tard. Quand elle a annoncé la grossesse à son petit ami, il a disparu. Les
parents de Mélanie sont allés voir le garçon pour exiger qu’il se présente à la
famille et prenne la responsabilité de l’enfant, mais il a fini par fuir le quartier
où ils vivaient.
316

L’envie de crier, de se mettre en colère est venue quand elle a appris


qu’elle était enceinte. La famille l’accuse d’être responsable de tout « ce
qui ne va pas ». Elle dit qu’elle pense souvent à se suicider quand les gens
lui crient dessus, mais elle n’en a pas le courage. Elle se sent toujours fati-
guée. Les pensées suicidaires n’apparaissent que lorsqu’elle est inoccupée.
Récemment, son autre sœur l’a accusée de porter une jupe trop courte pour
attirer l’attention de son mari. Les deux sœurs ont commencé à parler de la
vie sexuelle de Mélanie, soulignant qu’avec ces comportements, elle finirait
à nouveau par tomber enceinte.

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La supervision

Dans les supervisions, les plus grandes difficultés rapportées à l’écoute


concernent la stupéfaction face à l’horreur suscitée par la violence des cas et
les tentatives de suicide. Les psychologues ont répété le sentiment qu’écouter
ne semblait tout simplement pas suffisant.
En supervision, la perception que l’écoute n’a peut-être pas été suffisante
et efficace face à des réalités tues pendant tant d’années a été déconstruite. En
effet, la souffrance mise en mots déclenche des mouvements chez celle qui
parle, mais aussi chez toutes les autres. Il a été souligné que l’intervention de
groupe produisait un effet symbolique sur le collectif lorsque la douleur de
Maria a été soulagée parce qu’elle était partagée. Dans l’intervention indi-
viduelle, le mouvement significatif de Mélanie pour transformer ses cris en
mots pouvant être entendus et accueillis a été mis en évidence.
Il y aurait, dans les deux cas, une possibilité de connexion avec la vie.
La souffrance causée par les marques de violence demeure, mais ce n’est
plus de la même manière puisqu’elle a été témoignée, socialisée et accueillie.

La violence contre l’une est la violence contre toutes. L’accueil


de l’une est l’accueil de toutes

Les cas de Maria et de Mélanie sont envisagés ici sous l’angle de la


singularisation d’un discours et des politiques présentes dans la culture ;
la violence qu’elles subissent est la violence subie par un grand nombre de
femmes. L’agencement des éléments de violence dans l’histoire de chacune
est particulier, mais ces éléments témoignent des politiques qui soumettent
les femmes au cours de leur vie au silence et à la solitude.
Des études et des recherches qui portent sur les victimes d’abus sexuels
indiquent que le silence leur est très souvent imposé (Thouvenin, 1997 ;
Lamour, 1997 ; Hamon, 1997). Garder les abus secrets est quelque chose
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 317

qui se produit même dans les pays où il existe une législation qui permet le
signalement. Au Mozambique, comme mentionné précédemment, l’écoute
clinique et la psychanalyse sont très récentes, et la culture dans ce pays ne
permet pas de parler de souffrance psychique. Il y a une marque culturelle
qui favorise le silence à ce sujet.
Selon le rapport du ministère de l’Éducation de 2008, cité par Osório
(2011), des situations sont décrites dans lesquelles la victime ne dénonce pas
le viol de peur d’être stigmatisée par la famille et la communauté. En outre,
le viol et les traumatismes qui en découlent sont aggravés par l’obligation
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culturelle pour la victime de partager la maison avec son agresseur, ce qui


contribue à cacher et à dépénaliser la pratique du crime.
Offrir une écoute dans ce contexte est un acte clinico-politique dans la
mesure où l’écoute du singulier a un impact sur cette politique du silence sur
la violence subie. Souvenons-nous aussi qu’écouter celui ou celle qui écoute
se traduit par une formation à l’écoute de soi et de l’autre.
Pour les psychanalystes plus habitués à une inscription relative de la
psychanalyse dans le discours culturel et social, l’ouverture d’un espace
de parole et d’accueil ainsi que la production conséquente d’une demande
peuvent apparaître comme une intervention modeste. Cependant, ce sont des
situations qui, dans toutes les cultures, sont marquées par le traumatisme et
l’impossibilité de mettre en mots la souffrance réduite au silence. Cela est
amplifié lorsqu’il est inscrit dans des politiques qui favorisent plus largement
la réduction au silence des femmes. Ainsi, comme nous l’avons appris de
Freud, ce qui est modeste en apparence, le détail que personne ne remarque,
a une valeur précieuse pour la psychanalyse.
Cette intervention, bien que ponctuelle, s’avère un moyen important de
transformer la vie des femmes et c’est une alternative efficace pour faire face
à la douleur causée par la violence. Une rupture avec le pacte de silence a été
promue, soit par rapport aux violences subies, soit par rapport à la culture où
il n’est pas permis aux jeunes filles de parler d’elles-mêmes. Nous espérons
qu’une telle rupture trouvera un écho dans les politiques pour et avec les
femmes dans ce pays.
318

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A FORÇA POLÍTICA DA ESCUTA
CLÍNICA DE MULHERES EM SITUAÇÃO
DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Luciana Ferreira Chagas
Jacqueline de Oliveira Moreira
Maria Lívia Tourinho Moretto
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Introdução

Temos trabalhado com mulheres que viveram a situação da violência em


algum momento da sua vida e, sobretudo, pesquisado sobre a subjetividade
dessas mulheres. Em nossa clínica, tanto no consultório particular como nos
serviços de atenção à saúde, bem como nos equipamentos de assistência
pública à violência contra a mulher, testemunhamos a dificuldade das mulheres
na busca pelos serviços. Muitas dessas mulheres que nos procuram, revelam
um longo silêncio em relação a situação vivida, apesar da alta frequência com
que a violência doméstica se apresenta.
Tanto as pesquisas acadêmicas sobre a violência, como as Políticas Públi-
cas Nacionais, apontam o chamado ciclo da violência, evidenciando que as
mulheres com esse histórico, frequentemente permanecem em uma relação
onde a violência se faz presente, repetidamente.
O ciclo da violência é caracterizado por três momentos: o primeiro, a
construção da tensão no relacionamento, momento em que a mulher tenta
acalmar seu parceiro, acreditando que pode fazer algo para impedir uma
agressão futura maior, muitas vezes assumindo a culpa; o segundo, a explosão
da violência: descontrole e destruição, com agressões agudas, fase intensa
e de curta duração; o terceiro, a lua-de-mel: arrependimento do agressor, é
um período sem manifestação violenta, marcada pelo arrependimento, com
pedidos de desculpa, promessas de mudança, presentes e comportamentos
afetivos, relembrando o momento do início da paixão. Após esse terceiro
momento de reconciliação, ocorre novamente o momento de tensão, marcando
o início do ciclo repetitivo da violência (Brasil, 2011).
Apesar da evidência do problema do ciclo da violência, da dificuldade
apresentada por essas mulheres em mudarem o seu padrão de comportamento
e saírem dessa situação violenta, as Políticas Públicas para mulheres vêm pro-
pondo, com frequência, o tratamento focado nos serviços de ordem jurídica,
indicando encaminhamentos para as Delegacias de Polícia Gerais e Delega-
cias da Mulher (Waiselfisz, 2015). Sobretudo, quando encaminhadas para os
324

serviços especializados providos de atendimento psicológico, este é baseado na


conscientização e empoderamento, acreditando na resolução do problema por
meio da promoção da autoestima, fortalecimento da mulher e o resgate de sua
cidadania, sem contar com intervenções da psicologia clínica (Brasil, 2011).
Hoje, quase 15 anos após a Lei Maria da Penha, muitas coisas mudaram,
muitos trabalhos são realizados e novas propostas surgem a todo instante. Entre-
tanto, parece que o fantasma do ciclo da violência não cessa em nos ocupar. Algo
que retorna, um funcionamento próprio do conceito de repetição em psicanálise.
Ao refletirmos a respeito dos serviços públicos e analisando as estatísticas

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que indicam que esse ciclo de repetição ainda é um impasse ficando sem res-
postas, percebemos que o atendimento psicológico ofertado apresenta questões
que precisam ser discutidas. Como pensar o serviço de psicologia nos equi-
pamentos de assistência à violência de modo a tratar desse ciclo repetitivo?
Nossa hipótese é a de que essa repetição, conceito fundamental da teoria
psicanalítica, precisa ser escutada como dado clínico em sua singularidade,
a partir de uma escuta especializada, acreditando que o ciclo da violência
evidencia um funcionamento psíquico próprio de cada mulher e talvez possa
revelar o modo de uma mulher estabelecer seus vínculos afetivos, seus
laços sociais.
Acreditamos e defendemos a extrema necessidade e importância da
psicoeducação baseada na conscientização e empoderamento. Entretanto,
confiamos que, muitas vezes há necessidade de uma intervenção psicológica
mais específica, onde a mulher possa, acolhida pela clínica, questionar-se a
respeito disso que traz como queixa e/ou sintoma; da sua permanência nessa
posição de vítima e repetição.
Justificando nossa inquietação e preocupação a respeito do tema, elege-
mos um caminho, onde traremos as políticas públicas existentes no Brasil,
apontando limites e alcances dos serviços de assistência psicológica na rede.
Apresentaremos também noções do conceito de ética em psicanálise, deli-
neando um estudo que nos permita pensar o questionamento e implicação de
um sujeito em sua queixa e seu sintoma.
Considerando o risco da culpabilização da mulher como um campo pro-
blemático, traremos uma forma de pensar a responsabilização de cada um de
nós pelas escolhas em nossas vidas e suas consequências, implicando assim
cada mulher em seu próprio ciclo da violência, sem culpabilizá-las.

Sobre as políticas públicas de proteção à mulher no Brasil


Atentas às mulheres em sua condição sócio-histórica, podemos afirmar
que se encontram sozinhas e desprotegidas em uma situação de violência.
Acreditamos, pois, que um ponto crucial no enfrentamento à violência contra
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 325

a mulher é assumir o caráter público e coletivo deste problema. Assim, a


criação, no Brasil, de Políticas Públicas, apresenta e consagra este problema
como um tema de todos.
As Políticas Públicas para as mulheres vêm sendo bastante discutida no
Brasil, especialmente nos últimos 20 anos, apresentando empenho na tentativa
da resolução do problema, com o objetivo de combater ou diminuir esse tipo
de violência. Sobretudo, uma dificuldade percebida, como muito bem aponta
as Políticas Públicas Nacionais, é o ciclo da violência (Brasil, 2006).
Têm-se pensado em modos de interromper esse ciclo, um problema de
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difícil resolução, talvez um dos mais graves atualmente, por dificultar de


modo extremo a resolubilidade da proposta da rede: a interrupção do ciclo
da violência.
Em 2003, surge a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
(SPM) como estratégia para o enfrentamento à essa problemática. A partir da
criação dessa Secretaria, também com o objetivo de pensar o enfrentamento à
violência como um serviço em rede, abre-se uma nova perspectiva de trabalho
com o objetivo de acolher as mulheres em situação de violência, oferecendo
atendimento multidisciplinar (assistência social, saúde, educação, segurança,
trabalho, justiça e habitação), com o objetivo de prevenção, empoderamento
e esclarecimento dos direitos humanos, responsabilização dos agressores e
oferta de serviços especializados às mulheres, garantindo “o atendimento
humanizado e qualificado às mulheres em situação de violência, promovendo
os quatro eixos previstos na Política Nacional – combate, prevenção, assis-
tência e garantia de direitos”. (Brasil, 2011).
No momento de intenso desenvolvimento das Políticas Públicas e coinci-
dindo com o ano da criação da Lei Maria da Penha, surge também os Centros
de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) para compor os serviços
especializados, destacando-se como um equipamento fundamental de acolhi-
mento, oficializando a inserção do atendimento psicológico.
Os Centros de Referência de Atendimento à Mulher, buscam a “manuten-
ção e reformulação das políticas públicas de atendimento à mulher (p. 14), com
o objetivo de cessar a situação de violência vivenciada pela mulher atendida
sem ferir o seu direito à autodeterminação, mas promovendo meios para que
ela fortaleça sua autoestima e tome decisões relativas à situação de violência
por ela vivenciada” (p. 16), prevenindo atos agressivos futuros e facilitando
o rompimento do ciclo. No que diz respeito ao atendimento psicológico,
as diretrizes apontam para um acolhimento psicoeducativo, favorecendo a
recuperação da autoestima, empoderamento e conscientização a respeito da
inaceitabilidade da violência em quaisquer circunstâncias, com encaminha-
mento à arte-terapia caso necessário. (Brasil, 2006).
326

A mulher como um sujeito da e na cena

Parece-nos fundamental ressaltar os avanços das políticas públicas no


enfrentamento à violência, entretanto é crucial manter a posição de avanço no
campo da intervenção, salientando a proposta de construção de uma política
humanizada. Considerando a problemática da violência como uma questão
de saúde pública, acreditamos que é preciso um esforço constante para o con-
tínuo desenvolvimento nas Políticas Publicas e, consequentemente, análise
constante por parte dos profissionais de diferentes saberes, para que possamos

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juntos reconhecermos as melhorias já existentes e desenvolvermos avanços
continuados nos serviços oferecidos.
A Política Nacional de Enfrentamento afirma a importância em garantir o
atendimento humanizado e qualificado às mulheres em situação de violência
por meio da formação continuada de agentes públicos e comunitários. Todavia,
é preciso se interrogar sobre qual conceito de humanismo que fundamenta
esta proposta.
Concordamos com a proposta de humanização e a crítica a tecnociência,
mas acreditamos que uma política pautada nos ideais de humanização devem
ultrapassar as críticas ao saber cientifico e alcançar o sujeito, ou seja, uma
política humanizada deve escutar também o sujeito na sua diferença.
Neste caso, sustentamos que é possível definir o humanismo a partir da
proposta de Lévinas (1972) em “humanismo do outro homem”, revelando que
no mistério da relação “eu-outro” é preciso colocar o horizonte da alteridade
de maneira radical, ou seja, escutando o outro na sua diferença. Assim, uma
política de atenção à mulher em situação de violência precisa abrir espaço
para escuta clínica qualificada.
Entendemos que, por vezes, “se pensa que as teorias psicológicas não
seriam adequadas ao contexto da violência contra as mulheres, por psicolo-
gizarem questões que são sociais e culturais” (Porto, 2013, p. ix). Sabemos
que o problema se situa no campo político e social e que é preciso pensar em
estratégias de intervenções através de políticas públicas. Mas, não podemos
reduzir a vida desta mulher a um elemento de cuidado; a política de cuidado
é imprescindível, mas a prática da escuta pode favorecer a um reposiciona-
mento subjetivo.
Outro ponto que nos parece crucial na construção de um espaço de escuta
seria pensar as equipes a partir da lógica transdisciplinar. A proposta de compor
uma equipe multidisciplinar para enfrentar o problema revela a sensibilidade
sobre a complexidade do tema. Todavia, o campo do enfretamento da violên-
cia contra a mulher precisa ser um espaço em que profissionais de diferentes
profissões e saberes devam interagir com propósito de sustentar um lugar de
acolhida e intervenção.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 327

Nesse sentido, é fundamental que os profissionais das ciências humanas


e sociais compreendam que a necessidade da interdisciplinaridade constitui-se
no caráter dialético da realidade social, ou seja, a realidade social e a experiên-
cia de cada sujeito é sobredeterminada, multifacetada e, portanto, complexa,
e não seria possível apreender essa complexidade reduzindo a mesma a um
único olhar. (Frigotto, 2008).
A interdisciplinaridade vai além de uma sobreposição dos diferentes
saberes em relação ao sofrimento desta mulher. Apesar destes profissionais
terem um objetivo único que se encontra embasado na proposta legal da
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garantia de direitos, acreditamos ser necessário um passo além da escuta de


diferentes disciplinas, faz-se necessário escutar a mulher, sua comunidade e
outras pessoas próximas implicadas.
Assim, acreditamos que o trabalho de intervenção junto à mulher não
pode ser pensado só como interdisciplinar, mas como transdisciplinar, ou
seja, deve considerar o saber de todos os atores envolvidos, os profissionais
que oferecem os saberes disciplinares, mas, também, as mulheres, as famílias
e outros atores importantes para cada caso. O trabalho transdisciplinar deve
considerar os conhecimentos disciplinares instituídos como no caso: o direito,
a psicologia, o serviço social, a enfermagem, a medicina, mas é preciso escutar
o saber dos familiares e da mulher.
Na busca da unidade do fazer para um olhar que visa a produção do
bem na vida da mulher é preciso defender a inter ou transdisciplinaridade.
Mas, não podemos esquecer que a rede de acolhida e apoio tem como sujeito
a mulher e, assim, é fundamental criar um espaço de escuta, um lugar onde
a mesma se localiza como um sujeito da sua história. Por vezes, as políticas
podem, na ética intenção de produzir o bem, considerar a mulher como um
ser para o cuidado. Não se pode negar a necessidade do cuidado e de acolhida
da mulher, mas em um segundo momento é preciso convocar essa mulher
para a posição de sujeito, sendo que esta posição só pode ser alcançada se a
mulher tiver um espaço de fala.
Neste sentido, perguntamos: Por quê apenas a presença da psicologia
psicossocial e arte-terapia, deixando de fora a psicologia clínica como pos-
sibilidade de tratamento do sofrimento psíquico para além do fenômeno da
violência? Por quê privar essas mulheres do acesso à escuta clínica e à possível
promoção de um espaço onde possa emergir a subjetividade, um espaço de fala
onde a mulher seja convocada em posição de sujeito – sujeito da sua história?
Como já dito, devemos mantermos a posição de avanço no campo do
atendimento e, em nosso caso, da intervenção clínica. Assim, para promover-
mos espaços da escuta subjetiva nos atendimentos às mulheres, e considerando
a Clínica Ampliada, é fundamental que possamos entender a diferença entre
328

intervenção psicoeducativa (uma posição que é mais de fala do que de escuta,


de onde recomenda um estilo de vida saudável) e intervenção clínica (experiên-
cia subjetiva que se objetiva na relação com o paciente) (Moretto, 2018, p. 38).
Alguns estudos evidenciam o descaso às questões relacionais envolvidas
no conflito onde a violência vivida pela mulher é tomada frequentemente ape-
nas como fenômeno, de modo bastante isolado. Essa crítica é mencionada por
Oliveira e Souza (2006) ao enfatizarem a necessidade da investigação do con-
texto relacional que essas mulheres vivenciam, apontando a violência conjugal
como uma construção histórica e defendendo que o trabalho realizado apenas

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na direção do empoderamento e conscientização talvez não sejam suficientes.
Porto (2013) sustenta que “haveria um lugar para a intervenção em psi-
cologia clínica, com foco na subjetividade e no sofrimento psíquico nas ações
das políticas públicas para as mulheres em situação de violência” (p. 192) e
que a psicanálise pode ser uma abordagem possível de intervenção no pro-
blema do ciclo da violência.
Outra indicação relevante é o fato de muitos psicólogos atuantes na rede
trabalharem visando apoiar o sistema jurídico, ao invés de escutar o sofrimento
psíquico, apagando a subjetividade dessas mulheres e afastando assim a pos-
sibilidade em acolher a dor. Importante lembrar que muitas vezes o centro de
atenção é focado no ato violento propriamente dito, desvalorizando o tipo de
relação estabelecida por um casal, onde um é o agressor enquanto o outro é
o agredido. (Cerruti & Rosa, 2008).
Retornamos assim à possibilidade de construção de uma política huma-
nizada, perguntando-nos: Que tipo de política humanizada o serviço em psi-
cologia está criando a partir dos atendimentos nos equipamentos público
de assistência à violência contra a mulher? Estamos de fato favorecendo a
humanização ou apenas cuidando dessas mulheres sem possibilitar um espaço
de fala onde elas possam posicionar-se subjetivamente, emergindo como
sujeitos de sua própria história?

A escuta clínica como ação política: a mulher e a apropriação de


sua história

A partir da psicanálise, sabemos que somos seres de afeto, não no sentido


de carinho e afetividade, mas daquilo que nos afeta, positiva ou negativamente,
o que nos move, ou talvez nos paralise; o que entendemos como subjetividade,
algo da ordem do singular. Cada pessoa se afeta de um modo muito particular
e, sendo assim, só o próprio sujeito pode saber e falar de seus afetos.
Freud, desde cedo nos apresentava a projeção como um mecanismo
de defesa, um modo de atribuirmos ao outro características próprias, sem
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 329

que precisássemos entrar em contato com nossos afetos. Contudo, uma boa
maneira para que possamos acessá-los é abrindo-nos à possibilidade do ques-
tionamento. Quem sou “eu”? Será que sei de mim? O que é isso que me
queixo? Esse pode ser um ponto de partida.
A temática da culpa aparece com frequência em diferentes situações na
escuta clínica psicanalítica, entretanto, podemos facilmente observar o quanto
o ser humano, de um modo geral, atribui ao outro e ao acaso a culpa por suas
faltas, frequentemente nomeadas como problemas ou defeitos. Questionar-se,
definitivamente não é uma atividade comum entre a maioria das pessoas que che-
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gam à nossa clínica, tampouco das pessoas que convivemos no nosso dia-a-dia.
Percebemos que em algum momento, a partir da manobra do psicana-
lista, os pacientes começam a questionar-se, não mais atribuindo necessa-
riamente a culpa ao outro, mas muitas vezes sentindo-se culpados. Inicia-se
aí a abertura para uma possível implicação em relação a queixa trazida e ao
sofrimento apresentado.
Notamos que essa lógica aparece insistentemente na escuta clínica com
mulheres que apresentam episódios de violência doméstica. Esse significante
“culpa” com significados diversos para diferentes pessoas, algo que diz da
sua subjetividade, de seus afetos.
Acreditamos não ser questão de culpa. Culpa e responsabilização pos-
suem características bastante distintas – enquanto a responsabilização nos
mobiliza, a culpa nos paralisa. A culpa nos remete ao moralismo, a ideia de
que algo foi errado e por isso há de se pagar pelo erro, sofrer punição.
Temos notado que a ética da psicanálise, que preza pela implicação de
cada sujeito em sua queixa e em seu sintoma, muitas vezes acaba por ser
equivocadamente confundida com a ideia da culpabilização da vítima.
A psicanálise, ao sustentar a importância da responsabilização do sujeito
pelo seu sintoma, não o culpabiliza, mas afirma que fazemos a todo tempo as
nossas escolhas, mesmo que escolhas inconscientes. Sendo assim, deveríamos
nos implicar em nossas escolhas e, consequentemente, no acontecimentos
decorrentes dessas, responsabilizando-nos.
Freud nos faz a importante pergunta já no início de seu ensino, ao
questionar: Qual a sua responsabilidade na desordem em que se queixa?
Ao nos inferirmos essa questão, nos questionamos em relação a nossa
responsabilidade nisso do qual nos queixamos e temos a chance de nos
apropriarmos de nossa vida e nossas escolhas.
A culpa é a “responsabilidade por algo, condenável ou danoso, causado
a outrem; transgressão à lei, crime, delito”, nos ratificando de imediato, sua
íntima relação com a moral e a díade certo/errado. A responsabilização diz de
outra coisa e pode ser definida como a “qualidade de quem é responsável e a
330

obrigatoriedade de responder pelos próprios atos ou por aqueles praticados


por algum subordinado”. Sobretudo, a definição filosófica de responsabilidade
acena para “a noção de que o indivíduo deve reconhecer os danos por ele
causados, aceitando suas consequências”. (Michaelis Online)
Percebemos nessas definições que, a responsabilidade, quando atribuída
à lei e às questões jurídicas, ganha uma conotação moral, sustentando a díade
certo/errado. Entretanto, afirmamos nossa posição, relacionando a responsa-
bilidade à ética da psicanálise e não à lei jurídica e à ética da moral; defen-
demos a definição filosófica de responsabilidade ao afirmar que cada sujeito

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é responsável por suas escolhas.
Se conseguirmos diferenciar culpabilização e responsabilização, talvez
possamos desenvolver uma experiência saudável em relação à responsabilidade
sem que precisemos nos culpar. Ao vivenciarmos de modo sadio a experiência
da responsabilização, temos a chance de decidir sobre determinada situação.
Um sujeito, ao reconhecer-se responsável por suas escolhas, tem a chance
de mudar seu destino. Se, em algum momento passado fizemos nossas escolhas
que nos trouxeram aos problemas atuais dos quais nos queixamos, podemos
hoje fazer escolhas diferentes, novas escolhas que poderão nos levar a novos
destinos, novas experiências. Sendo assim, uma pessoa responsável tem a
chance de compreender um problema, implicando-se na queixa e decidindo
por uma nova escolha, responsabilizando-se pela mudança. Responsabilização
inclusive por nosso inconsciente; escolhas inconscientes. É disso que nos fala
a ética da psicanálise.
Ao falar desse tema, Dunker (2019) nos acena para o ato clínico em psi-
canálise, que caminha na direção da responsabilização – enquanto implicação
– como a nossa grande chance de reparação e construção de um futuro dife-
rente; no momento em que um sujeito rompe o ciclo de culpabilizar o outro,
deixa de vitimizar-se, podendo assim construir um novo lugar no laço social.
Elia (2016) segue na mesma direção discutindo os possíveis equívocos
em relação aos saberes pré-estabelecidos e ao discurso totalitário, onde a
ordem moralista contribui para o não reconhecimento e implicação do sujeito
em seus atos, potencializando o risco da submissão do sujeito e sua fixação na
posição da não-responsabilização. Percebemos que muitas vezes, em nome
do bem e da defesa dos excluídos e vitimizados, frequentemente colaboramos
para a desresponsabilização do sujeito.
Ao questionarmos o ciclo de violência, suscitamos várias indagações.
Seria essa experiência violenta na relação amorosa, repetida ou inédita? E
qual seria a implicação de cada uma dessas mulheres nisso, nessa experiência
da relação violenta repetitiva que se queixam nos serviços?
Essas e outras são questões que nos levam a refletir sobre a impor-
tância em escutar cada mulher em sua experiência singular, escuta clínica,
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 331

promovendo a emergência da subjetividade. Mais que isso, a relevância em


considerar a repetição como um dado clínico e a importância do atendimento
transdisciplinar, considerando todos os atores envolvidos, incluindo a mulher
e outras pessoas envolvidas.
Isso nos remete à violência doméstica e o tipo de relação que cada mulher
estabelece não apenas com a situação violenta como acontecimento, mas com
o ciclo da repetição. Seria então necessário investigarmos que tipo de expe-
riência cada mulher estabelece com a violência e a repetição do ciclo, uma
oportunidade da construção da passagem do acontecimento à experiência.
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Certamente, como psicanalistas, trabalhamos a partir dos acontecimentos e


de suas consequências, no entanto, é a experiência na relação de cada sujeito
com o acontecimento em que vivencia que nos possibilita abordar o sofrimento
psíquico de cada pessoa já que o “modo pelo qual cada um vai lidar com o
acontecimento não está apenas associado à natureza do acontecimento em si,
mas às condições subjetivas dessa pessoa, na relação com o acontecimento.”
(Moretto, 2018, p. 48).
Nessa direção, o psicólogo clínico na instituição, deve atuar também no
campo das decisões como membro de qualquer equipe, promovendo questio-
namentos e discussões, apontando os pontos onde a desvalorização da singu-
laridade e apagamento da subjetividade dos sujeitos aparecem na dinâmica
dos serviços, facilitando a interlocução construtiva entre os diferentes saberes
presentes na equipe (Moretto, 2018).
Talvez assim a psicanálise possa oferecer recursos para pensarmos em
estratégias de uma escuta clínica diferenciada, ainda pouco presente nos ser-
viços públicos sistematizados, onde cada mulher possa reconhecer-se nos
acontecimentos da sua vida, implicando-se inclusive nesse ciclo de violência
que por algum motivo permanece.

Considerações finais

Entendemos a necessidade de uma reflexão profunda, livre de julgamen-


tos e sustentada pela possibilidade de diálogo entre diferentes saberes, respei-
tando a especificidade de cada especialidade, acreditando que a assistência
à mulher em situação de violência, especialmente a assistência psicológica
oferecida para tratar o sofrimento psíquico dessas mulheres, deva promover a
escuta em sua singularidade e possibilitar uma mudança subjetiva que favoreça
o rompimento do ciclo da violência.
Para isso, cada uma dessas mulheres talvez deva passar, de modo par-
ticular, pelo processo de reconhecer-se nesse lugar de alguém que repete o
ciclo, e implicar-se com isso.
332

Acreditamos poder pensar que o ciclo da violência se apresenta não


apenas como um problema para os serviços, mas como direção; como um
possível sintoma que indica o modo como cada uma dessas mulheres estabe-
lece vínculo com suas relações afetivas atuais.
Talvez, onde vemos hoje um problema, a psicanálise possa oferecer
uma tentativa diferente, um novo caminho a partir do seu conceito próprio
de repetição, indicando os fundamentos pelos quais interessa ao psicanalista
aquilo que se repete, apontando uma possível direção para um tratamento: a
repetição como dado clínico. Sobretudo a implicação do sujeito em sua vida

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para que possa responsabilizar-se e posicionar-se como sujeito de sua história,
construindo um futuro diferente.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 333

REFERÊNCIAS
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de atendimento à mulher em situação de violência. Secretaria Especial de
Políticas para Mulheres. Brasília: 2006.

Brasil. (2011). Rede de Enfrentando à Violência contra as Mulheres. Secreta-


ria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. BrasíliaCer-
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ruti, M., Rosa, M. D. (2008). Em busca de novas abordagens para a violência


de gênero: a desconstrução da vítima. Revista mal-estar e subjetividade. 8(4),
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Chagas, L. F. (2019). (Re)pensando a assistência: contribuições da psicanálise


para as políticas públicas no enfrentamento do ciclo da repetição na violência
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Dunker, C. I. L. (2019). Culpa, responsabilidade e implicação. Blog da UBU


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Elia, L. (2016). Responsabilidade do Sujeito e Responsabilidade do Cuidado


no Campo da Saúde Mental. Academus Revista Científica da Saúde, 3(4).

Frigotto, G. A. (2008). Interdisciplinaridade como necessidade e como pro-


blema nas ciências sociais. Rev. Centro Educação e Letras Unioeste, 10(1),
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Lévinas, E. (1972). Humanismo do outro Homem. Petrópolis, Vozes, p. 131.

Moretto, M. L. T. (2018). Psicanálise, saúde e instituição: contribuições


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Porto, M. (2013). Mulheres em situação de violência e políticas públicas


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(Doutorado). Brasília.

Waiselfisz, J. J. (2015). Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres


no Brasil. Flacso. Brasília.
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LA FORCE POLITIQUE DE L’ÉCOUTE
CLINIQUE DE FEMMES VICTIMES
DE VIOLENCE CONJUGALE
Luciana Ferreira Chagas
Jacqueline de Oliveira Moreira
Maria Lívia Tourinho Moretto
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Introduction

En plus de travailler avec des femmes qui ont été victimes de violence
à un moment de leur vie, nous menons des recherches sur leur subjectivité.
Que ce soient dans notre cabinet, dans les services de santé publics et dans
les services d’assistance aux femmes victimes de violence, nous constatons
combien il est difficile pour elles de demander de l’aide. La plupart font état
d’un long silence avant de faire la démarche, et ce, en dépit d’une violence
très fréquente au sein du foyer.
Les recherches universitaires sur la violence et les politiques publiques bré-
siliennes mettent toutes en évidence ledit cycle de la violence, qui montre que les
victimes restent souvent avec leur partenaire même en cas de violence répétée.
Le cycle de la violence se compose de trois temps : premièrement, l’ins-
tallation d’un climat de tension dans la relation. En réponse, la femme tente de
calmer son partenaire, elle croit qu’elle peut faire quelque chose pour empê-
cher une future agression plus importante ; en plus, elle pense généralement
que c’est de sa faute. Deuxièmement, l’explosion de la violence : perte de
contrôle et destruction. À cette étape intense et de courte durée, la violence
augmente. Troisièmement, la lune de miel : les regrets de l’agresseur. Il s’agit
d’une période sans manifestation de violence, caractérisée par le regret, les
excuses, les promesses de changements, les cadeaux et les comportements
affectueux, un peu comme au début de la relation amoureuse. Après ce troi-
sième temps de réconciliation réapparaît le climat de tension, et de là s’instaure
le cycle répétitif de la violence (Brasil, 2011).
Malgré le problème du cycle de la violence et la difficulté pour ces femmes
de modifier leur comportement et sortir de cette situation violente, les politiques
publiques pour les droits des femmes proposent la plupart du temps un ache-
minement vers les services d’ordre juridique, les commissariats de police et les
commissariats de police réservés aux femmes (Waiselfisz, 2015). Quand elles
sont adressées à des services spécialisés avec prise en charge psychologique,
l’accent est mis sur l’importance de la prise de conscience et de l’autonomisation ;
336

l’objectif est d’aider la femme à renforcer son estime de soi et à récupérer sa


citoyenneté, sans interventions de la psychologie clinique (Brasil, 2011).
Aujourd’hui, près de quinze ans après la promulgation de la Loi Maria
da Penha242, beaucoup de choses ont changé. Un grand nombre de travaux
sont réalisés et de nouvelles propositions surgissent régulièrement. Toutefois,
le fantôme du cycle de la violence continue de nous hanter. Quelque chose
qui revient, un fonctionnement caractéristique du concept psychanalytique de
répétition. L’analyse des statistiques indique que les services publics offrant
une assistance psychologique n’ont pas encore trouvé de réponses pour mettre

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fin à ce cycle de répétition. Comment penser le suivi psychologique proposé
dans ces services pour enrayer le cycle répétitif de la violence ?
Nous formulons l’hypothèse que cette répétition – un concept fondamental
de la théorie psychanalytique – doit être entendue comme une donnée clinique
dans sa singularité, à partir d’une écoute spécialisée. Le cycle de la violence
met à jour un fonctionnement psychique caractéristique de chaque femme, il
est susceptible de montrer comment elle établit ses liens affectifs et sociaux.
Nous croyons en la nécessité et en l’importance de la psychoéducation
fondée sur la prise de conscience et l’autonomisation. Ce nonobstant, nous
pensons qu’il faut également mettre à disposition une intervention psycholo-
gique plus spécifique : un lieu où la femme, accueillie par la clinique, puisse
se questionner sur sa plainte/son symptôme. Sur sa permanence dans cette
position de victime et de répétition.
Pour développer ce thème, nous allons évoquer les politiques publiques
du Brésil et, plus particulièrement, les limites et la portée des services de prise
en charge psychologique. Nous nous pencherons aussi sur le concept d’éthique
en psychanalyse pour délimiter une étude permettant de réfléchir au question-
nement et à l’implication d’un sujet par rapport à sa plainte et à son symptôme.
Envisager le risque de culpabilisation de la femme comme un champ
problématique permet de repenser la responsabilisation de tout un cha-
cun en matière de choix et de conséquences de ses choix dans la vie. En
somme, de considérer chaque femme dans son propre cycle de la violence
sans la culpabiliser.

Les politiques publiques pour la protection des femmes au Brésil


D’un point de vue sociohistorique, les femmes se retrouvent seules et
sans protection dans une situation de violence. C’est pour cette raison qu’il
est essentiel d’assumer le caractère public et collectif de ce problème, comme
l’a fait le Brésil avec la création de politiques publiques.
242 Traduction de Pascal Reuillard.
Note de trad. : Loi Maria da Penha : loi du Code pénal brésilien pour lutter contre les violences faites femmes.
Promulguée le 7 août 2006.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 337

Les politiques publiques brésiliennes pour la protection des femmes


sont l’objet de nombreuses discussions depuis une vingtaine d’années. Elles
témoignent de l’effort entrepris pour tenter de combattre ou de diminuer ce
type de violence. En outre, elles mettent très justement en évidence le pro-
blème du cycle de la violence (Brasil, 2006), peut-être l’un des plus graves
actuellement parce que très difficile à interrompre.
Pour faire face à cette problématique et penser la lutte contre la vio-
lence comme un service en réseau, le Secrétariat réservé aux politiques pour
la protection des femmes [Secretaria Especial de Políticas para as Mul-
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heres, SPM] est né en 2003. Avec cette nouvelle perspective de travail, le


but est d’accueillir les femmes en situations de violence, d’offrir une prise
en charge multidisciplinaire (assistance sociale, santé, éducation, sécurité,
travail, justice et logement) en vue de la prévention, de l’autonomisation,
du respect des droits humains et de la responsabilisation des agresseurs. La
mise à disposition de services spécialisés est destinée à garantir une prise en
charge humanisée et qualifiée aux femmes victimes de violence, à travers les
quatre axes prévus par la politique nationale : lutte, prévention, assistance
et garantie des droits (Brasil, 2011).
La même année que la création de la Loi Maria da Penha, et alors que les
politiques publiques sont en plein développement, sont ouverts les Centres de
référence pour la prise en charge des femmes victimes de violence [Centros de
Referência de Atendimento à Mulher, CRAM]. Il s’agit d’un outil fondamen-
tal d’accueil, qui officialise l’insertion de la prise en charge psychologique.
Ces centres (CRAM) visent le maintien et la reformulation des politiques
publiques de prise en charge de la femme victime de violence (p. 14) dans le
but d’interrompre la situation de violence sans porter atteinte à son droit à
l’autodétermination, de l’aider à renforcer son estime de soi et à prendre des
décisions par rapport à la situation vécue (p. 16). Par voie de conséquence,
d’empêcher des agressions futures et de faciliter la rupture du cycle de la
violence. En ce qui concerne la prise en charge psychologique, les directives
soulignent un accueil psychoéducatif pour aider la femme à récupérer son
estime de soi et son autonomisation, à prendre conscience de l’inacceptabi-
lité de la violence quelle que soit la situation et, si nécessaire, à lui proposer
l’art-thérapie (Brasil, 2006).

La femme en tant que sujet de et dans la scène

Il est fondamental de souligner les avancées des politiques publiques en


matière de lutte contre la violence, néanmoins il est tout aussi important de
continuer à l’aller de l’avant au niveau de l’intervention, avec la construction
338

d’une politique humanisée. Si l’on considère que la problématique de la vio-


lence est une question de santé publique, il faut que les politiques publiques se
développent en permanence et que les professionnels de différents domaines
procèdent à une analyse constante pour, ensembles, reconnaître les améliorations
déjà existantes et en découvrir de nouvelles pour les services de prise en charge.
La politique nationale de lutte contre la violence à l’égard des femmes
préconise une prise en charge humanisée et qualifiée par l’intermédiaire de
la formation continue des agents publics et communautaires. Mais de quel
concept d’humanisme parle-t-on ici ?

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Nous sommes d’accord avec la proposition d’humanisation et la critique
de la technoscience, cependant une politique étayée sur les idées d’huma-
nisation doit aller au-delà des critiques du savoir scientifique et atteindre le
sujet. Autrement dit, une politique humanisée doit aussi écouter le sujet dans
sa différence. C’est pourquoi nous rejoignons Levinas (1972) et la définition
qu’il donne de l’humanisme dans Humanisme de l’autre homme : dans le
mystère de la relation « moi-autre », il faut placer l’horizon de l’altérité de
manière radicale, écouter l’autre dans sa différence. Partant de là, une poli-
tique de lutte contre la violence faite aux femmes doit offrir un espace pour
une écoute clinique qualifiée.
Certains pensent parfois que les théories psychologiques ne sont pas
adaptées pour le contexte de la violence conjugale parce qu’elles tendent à
psychologiser des questions sociales et culturelles (Porto, 2013, p. IX). Certes,
le problème se situe sur le terrain du social et de la politique, et il faut penser à
des stratégies d’interventions par le biais de politiques publiques. Pourtant, la
vie de ces femmes ne peut pas être réduite à un élément de prise en charge ; la
politique de la prise en charge est indispensable, mais la pratique de l’écoute
peut favoriser un repositionnement subjectif.
Dans la construction d’un espace d’écoute, il faut impérativement penser
les équipes à partir de la logique transdisciplinaire. Composer une équipe
multidisciplinaire pour faire face au problème révèle la sensibilité de l’ap-
proche. Mais l’espace de lutte contre la violence a besoin d’être un espace
où des professionnels de différents domaines et professions doivent interagir
pour soutenir un lieu d’accueil et d’intervention.
Les professionnels des sciences humaines et sociales doivent comprendre
que le besoin d’interdisciplinarité se constitue dans le caractère dialectique
de la réalité sociale. La réalité sociale et l’expérience de chaque sujet sont
surdéterminées et aux multiples facettes, donc complexes. Mais il est impos-
sible d’appréhender cette complexité en la réduisant à un seul regard (Fri-
gotto, 2008). L’interdisciplinarité est plus qu’une simple superposition des
différents savoirs par rapport à la souffrance de la femme. Même si les pro-
fessionnels poursuivent le même objectif – fondé sur la proposition légale de
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 339

la garantie de droits –, l’écoute de différentes disciplines ne suffit pas. Il est


nécessaire d’écouter la femme, sa communauté et ses proches.
C’est ce qui explique pourquoi le travail d’intervention a besoin d’être
transdisciplinaire, et pas seulement interdisciplinaire : il doit tenir compte des
savoirs de tous les professionnels impliqués ainsi que de celui des femmes, des
familles et d’autres acteurs importants selon le cas. Le travail transdisciplinaire
considère les connaissances disciplinaires instituées (le droit, la psychologie,
le service social, les soins infirmiers, la médecine) et il écoute le savoir de la
femme et de ses proches.
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Dans la quête d’une action unie pour le bien-être de la femme, il faut


donc défendre l’inter– ou la transdisciplinarité. Sans oublier pour autant que
le sujet du réseau d’accueil et d’appui est la femme. Elle doit pouvoir disposer
d’un espace d’écoute, d’un lieu où elle puisse se situer comme un sujet de
son histoire. Dans l’intention éthique de produire le bien, il arrive parfois que
les politiques envisagent la femme comme un être qu’il faut soigner. Il ne
fait aucun doute que la femme victime de violence a besoin d’être accueillie
et prise en charge, mais dans un deuxième temps il faut l’amener à occuper
la position de sujet – et cette position ne peut être atteinte que si elle dispose
d’un espace de parole.
En définitive, pourquoi ne sont présentes que la psychologie sociale et
l’art-thérapie ? Qu’est-ce qui justifie la mise à l’écart de la psychologie cli-
nique pour le traitement de la souffrance psychique au-delà du phénomène de
la violence ? Pourquoi priver ces femmes de l’accès à l’écoute clinique et à un
espace où elles pourront trouver leur place de sujet – sujet de leur histoire ?
Comme on l’a dit, il faut continuer d’évoluer au niveau de la prise en
charge et, en ce qui nous concerne plus particulièrement, de l’intervention
clinique. Pour offrir des espaces d’écoute subjective à ces femmes tout en
tenant compte de la « clinique élargie » [Clínica Ampliada243], il est essentiel
de comprendre la différence entre intervention psycho-éducative (une position
qui privilégie plus la parole que l’écoute, qui recommande un style de vie
sain) et intervention clinique (une expérience subjective qui s’objective dans
le rapport au patient) (Moretto, 2008, p. 38).
Certaines études montrent que la violence subie par la femme est souvent
envisagée comme un phénomène isolé, sans se soucier des questions relation-
nelles. Oliveira et Souza (2006) estiment au contraire qu’il faut considérer le
contexte relationnel de ces femmes et penser la violence conjugale comme une
construction historique. De l’avis des auteurs, le seul travail d’autonomisation
et de prise de conscience n’est peut-être pas suffisant.
243 Note de trad. Clinica Ampliada : littéralement, « clinique élargie ». Pour comprendre le sens de la maladie,
l’objectif est de la traiter dans le contexte où elle est insérée. Donc, de traiter le sujet de manière intégrale, à
partir d’un regard transdisciplinaire, avec une construction partagée des diagnostics et des thérapeutiques.
340

Porto (2013) affirme qu’il y aurait un lieu dans l’intervention en psy-


chologie clinique qui met l’accent sur la subjectivité et sur la souffrance psy-
chique dans les actions des politiques publiques pour les femmes en situation
de violence (p. 192), et que la psychanalyse peut constituer une approche
d’intervention pour le problème du cycle de la violence.
De surcroît, beaucoup de psychologues du réseau de santé public ont
tendance à appuyer le système juridique plutôt que d’écouter la souffrance
psychique. Or, ils effacent ainsi la subjectivité de ces femmes et s’éloignent
de la possibilité d’accueillir la douleur. Très souvent, le centre d’accueil met

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en avant l’acte proprement dit au détriment du type de relation établie par un
couple, où l’un est l’agresseur et l’autre la victime (Cerruti et Rosa, 2008).
Pour en revenir à la possibilité de construction d’une politique huma-
nisée, nous nous interrogeons : Quel type de politique humanisée le service
de psychologie met-il en place à partir des prises en charge dans les services
publics d’aide à la violence contre les femmes ? L’humanisation est-elle réel-
lement favorisée ou les femmes sont prises en charge sans disposer d’un lieu
de parole pour se positionner subjectivement et pouvoir émerger comme sujets
de leur propre histoire ?

L’écoute clinique comme action politique : la femme et l’appropriation


de son histoire

La psychanalyse nous enseigne que nous sommes des êtres d’affect – pas
au sens d’affection et affectivité, mais de ce qui nous affecte, positivement ou
négativement. De ce qui nous fait avancer ou qui peut nous paralyser. Nous
faisons ici référence à la subjectivité, quelque chose de l’ordre du singulier.
Étant donné que chacun se voit affecté d’une manière très particulière, seul
le sujet lui-même peut connaître et parler de ses affects.
Envisagée très tôt par Freud comme un mécanisme de défense, la pro-
jection sert à attribuer à l’autre des caractéristiques qui nous sont propres et,
par conséquent, à éviter d’entrer en contact avec nos affects. Y accéder n’est
possible qu’en s’ouvrant à la possibilité du questionnement. Qui « je » suis ?
Est-ce que je me connais ? De quoi est-ce que je me plains ? Autant d’inter-
rogations qui peuvent constituer un point de départ.
Dans le cadre de l’écoute clinique psychanalytique, la thématique de la
culpabilité apparaît fréquemment. D’une manière générale, il est facile d’ob-
server combien l’être humain culpabilise l’autre et le hasard pour ses fautes,
souvent qualifiées de problèmes ou de défauts. Se remettre en question est
loin d’être une activité commune pour la plupart des personnes qui consultent,
pas plus que pour les personnes qui partagent notre quotidien.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 341

Le travail du psychanalyste permet qu’à un moment donné les patients


commencent à s’interroger, à ne plus renvoyer nécessairement la faute sur les
autres mais à se sentir eux-mêmes coupables. S’ouvre alors la possibilité de
mettre à jour l’implication du sujet dans la plainte et la souffrance présentée.
Notons que cette logique apparaît avec insistance dans l’écoute clinique
de femmes victimes de violence conjugale. Ce signifiant « culpabilité » aux
signifiés différents selon les personnes est quelque chose qui dit de sa sub-
jectivité, de ses affects.
Toutefois, nous pensons qu’il ne s’agit pas d’une question de culpa-
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bilité. La culpabilité et la responsabilisation possèdent des caractéristiques


distinctes : la responsabilisation nous mobilise, tandis que la culpabilité nous
paralyse. Cette dernière nous renvoie au moralisme, à l’idée que comme il y
a quelque chose d’erroné, il faut payer pour son erreur, être puni.
Si l’éthique de la psychanalyse prône l’engagement de chaque sujet
vis-à-vis de sa plainte et de son symptôme, elle est régulièrement confondue
avec la notion de culpabilisation de la victime. En soutenant l’importance
de la responsabilisation du sujet pour son symptôme, la psychanalyse ne le
culpabilise pas. Elle affirme au contraire que nous faisons tout le temps nos
propres choix, y compris inconsciemment. Dès lors, nous devons assumer nos
choix et les événements qui en découlent, nous responsabiliser.
Freud formule cette importante question dès le début de son ensei-
gnement : Quelle est votre responsabilité dans le désordre dont vous vous
plaignez ? Poser cette question, c’est réfléchir à notre responsabilité dans la
situation et pouvoir ainsi nous approprier de notre vie et de nos choix.
La culpabilité est la responsabilité pour quelque chose, condamnable
ou préjudiciable, causée à autrui ; transgression de la loi, crime, délit. La
relation avec la morale et la dyade bien/mal est d’emblée perceptible. La
responsabilisation, par contre, peut être définie comme la qualité de celui
qui est responsable et l’obligation de répondre de ses propres actes ou de
ceux d’un subordonné. Et d’un point de vue philosophique, la responsabilité
signifie que l’individu doit reconnaître les dommages qu’il a provoqués et en
accepter les conséquences (Dictionnaire en ligne Michaelis).
Quand la responsabilité est attribuée à la loi et à des questions juridiques,
la responsabilité est donc empreinte d’une connotation morale et en lien avec
la dyade bien/mal. Nous sommes d’avis qu’il faut relier la responsabilité à
l’éthique de la psychanalyse et non pas à la loi juridique et à l’éthique de la
morale. De plus, nous défendons la définition philosophique de la responsa-
bilité au sens où chaque sujet est responsable de ses choix.
Si nous arrivons à différencier culpabilisation et responsabilisation,
peut-être serons-nous en mesure de développer une bonne expérience sur la
responsabilité sans culpabilité. Vivre l’expérience de responsabilisation de
342

manière saine peut nous donner la chance de prendre une décision sur une
situation donnée. Et reconnaître sa responsabilité vis-à-vis des choix, c’est
être en mesure de changer sa destinée. Si le sujet a fait dans le passé des choix
à l’origine des difficultés dont il se plaint aujourd’hui, rien ne l’empêche de
faire de nouveaux choix pour un nouveau destin, de nouvelles expériences.
Un sujet responsable a la possibilité de comprendre un problème en assumant
la plainte pour décider d’un nouveau choix. Autrement dit, se responsabili-
ser pour le changement. Cette responsabilisation fonctionne aussi pour son
inconscient, pour les choix inconscients. C’est cela dont nous parle l’éthique

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de la psychanalyse.
Pour Dunker (2019), l’acte clinique en psychanalyse va dans le sens de
la responsabilisation – en tant qu’implication. La chance de réparation et de
construction d’un futur différent est grande quand le sujet cesse de culpabiliser
l’autre et de se poser en victime, parce qu’il peut ainsi construire une nouvelle
place dans le lien social.
Dans le même sens, Elia (2006) souligne les équivoques que peuvent
engendrer les savoirs préétablis et le discours totalitaire : l’ordre moraliste
contribue à la non-reconnaissance et à l’implication du sujet dans ses actes,
avec un risque de soumission et une fixation dans la position de la non-res-
ponsabilisation. Au nom du bien et de la défense des exclus et des victimes,
il n’est pas rare que soit privilégiée la déresponsabilisation du sujet.
Concernant le cycle de la violence dans la relation amoureuse, cette
expérience violente est-elle répétée ou inédite ? Quelle est l’implication de
chacune de ces femmes qui se plaignent dans les services de prise en charge ?
Ces questions et d’autres nous amènent à réfléchir sur l’importance
d’écouter toutes ces femmes dans leur expérience singulière, une écoute cli-
nique permettant l’émergence de la subjectivité. Plus précisément, d’envisager
la répétition comme une donnée clinique et offrir une prise en charge trans-
disciplinaire en tenant compte de tous les acteurs impliqués.
Cela nous renvoie à la violence conjugale et au type de relation que
chaque femme établit avec la situation violente en tant qu’événement, mais
aussi avec le cycle de la répétition. C’est la raison pour laquelle il est utile de
découvrir quel type d’expérience chaque femme établit avec la violence et
avec la répétition du cycle, afin de faciliter le passage de la situation à l’ex-
périence. Il est vrai qu’en tant que psychanalystes, nous travaillons à partir
des événements et de leurs conséquences. Cependant, c’est l’expérience de
la relation entre le sujet et la situation vécue qui nous permet d’aborder sa
souffrance psychique : la manière dont chacun compose avec la situation
n’est pas seulement associée à la nature de la situation en soi, elle est aussi
associée aux conditions subjectives de cette personne dans le rapport à la
situation (Moretto, 2018, p. 48).
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 343

En conséquence, le psychologue clinicien en institution doit aussi agir


au niveau des décisions comme membre de n’importe quelle équipe. Il doit
soulever des questions et déclencher des discussions, signaler la dévalorisation
de la singularité et l’effacement de la subjectivité des sujets quand elles appa-
raissent dans la dynamique des services, et faciliter l’interlocution constructive
entre les différents savoirs présents dans l’équipe (Moretto, 2018).
La psychanalyse peut contribuer en offrant des stratégies d’écoute cli-
nique différenciée, encore peu présente dans les services publics de prise en
charge. Cela permettrait à chaque femme de se reconnaître dans les événe-
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ments de sa vie, de s’impliquer dans ce cycle de violence qui, pour une raison
ou pour une autre, demeure.

Considérations finales

On le voit, une réflexion profonde, libre de jugements et fondée sur la


possibilité de dialogue entre différents savoirs est nécessaire. Ce dialogue a
besoin de respecter la spécificité de chaque spécialité et partir du principe
que l’assistance de la femme en situation de violence, et plus particulière-
ment l’assistance psychologique offerte pour prendre en charge la souffrance
psychique, doit promouvoir l’écoute dans sa singularité et permettre un chan-
gement subjectif pour briser le cycle de la violence.
Pour cela, peut-être faut-il que chaque femme victime se reconnaisse
dans ce lieu de quelqu’un qui répète le cycle, et l’assume.
Nous pensons que le cycle de la violence n’est pas seulement un pro-
blème pour les services, il se présente aussi comme une conduite pour le
traitement ; un symptôme qui montre comment chacune de ces femmes établit
un lien avec ses relations affectives actuelles.
Pour faire face à ce problème, la psychanalyse peut constituer une tenta-
tive différente, offrir un nouveau chemin à partir de son concept de répétition.
En s’intéressant à ce qui se répète, le psychanalyste est susceptible de donner
une direction au traitement : la répétition comme donnée clinique. Il peut aider
le sujet à s’impliquer dans sa vie pour se responsabiliser et se situer comme
sujet de son histoire, et ainsi construire un futur différent.
344

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ERRÂNCIA E ENIGMA:
a indeterminação feminina e seus destinos
Aparecida Rosângela Silveira
Carolina Saggioro Sobrinho
Cristina Andrade Sampaio
Flávia da Silva Tereza
Lêda Antunes Rocha
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Márcia Cristina Maesso


Maria Clerismar Pereira dos Santos
Nayara Teixeira Gomes
Samuel Rocha Freitas

Errância e Enigma: a indeterminação feminina e seus destinos

Tratar do ódio endereçado às mulheres parece ser questão urgente na


atualidade, ainda que não seja exclusividade de nossa época marcada pela
escalada de intolerâncias rumo à formas de dominação e segregação presentes
na história da humanidade. Nesse contexto, o feminino encarnado na figura
da mulher parece revelar o que põe em questão os limites da lógica fálica, da
universalidade da violência contra a mulher e o que do real da contingência
“não cessa de não se escrever” (Lacan, 1985/1995, p. 27).
Este capítulo apresenta fragmentos da narrativa de um sujeito feminino
cuja história pode desvelar os possíveis e impossíveis do (sem) sentido, além
de denunciar as diversas formas de violência legitimadas por uma lógica de
segregação banalizada em contextos culturais em que a ordem feminina é
inaugurada pelo declínio do pai e dos ideais. Para tanto, utilizamos do relato
de uma mulher em situação de rua a partir da metodologia de pesquisa da nar-
rativa memorialística para elucidar os (des)caminhos de sujeitos submetidos
à errância. Aproxima estudos em curso em grupos de pesquisa associados a
programas de pós-graduação, pesquisa e extensão da Universidade de Brasília
e Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil.
A adoção da entrevista memorialística permite tecer algo da escrita da
história do sujeito, e se transforma em uma ferramenta de trabalho capaz de
aproximar a experiência de linguagem presente na narrativa e o método psi-
canalítico de investigação. Na medida em que se trata, para a psicanálise, de
considerar não a probabilidade dos fatos, mas sim o modo como o sujeito os
articula, ela desvela na experiência de linguagem a presença da verdade que
“se revela numa estrutura de ficção” (Lacan, 1958/1998, p. 752). Dessa forma,
considerar a verdade em sua estrutura de ficção não significa desconsiderar os
346

fatos históricos, mas sim localizar na experiência de linguagem de um sujeito


os fenômenos inconscientes que suportam os fatos históricos, ainda que fora
de uma linearidade racional e obsedante. É no plano do impossível de se
dizer que a dimensão inconsciente se faz presente: os hiatos do discurso, os
rearranjos da memória produzem novas histórias (Guerra et al, 2017).
Interessa a essa investigação desvendar as saídas do sofrimento levando
em conta os impasses do feminino, de uma mulher exilada de si mesma que
faz da rua a marca da sua errância.

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Contos de estrada, a costura impossível de um lugar

Trata-se da história de Madalena, nome fictício, 58 anos, acolhida pela


equipe de saúde do serviço de Consultório na Rua, dispositivo da Rede de
Atenção Psicossocial que acolhe pessoas em situação de rua. Convidada a
narrar sua história de vida, Madalena se entrega às suas memórias, fala com
desenvoltura, encadeia pontos de sua história e se apraz em falar de sua vida.
Os elementos de sua história são reunidos sob a forma de um encadea-
mento ao sabor de deslizamentos significantes que não obedecem a uma
linearidade. A rememoração presente no interior de seu texto simbólico é por
hiatos, lapsos, rupturas e até mesmo francas contradições. Diferentes versões
de sua história se conjugam, sem se eliminarem, demonstrando no plano dis-
cursivo a presença de processos inconscientes inseparáveis da perspectiva do
narrador (Rosa, 2019, p. 151).
Em psicanálise, procura-se, no que um sujeito diz, aspectos que se des-
taquem dos ditos conscientes, como o dizer presente nos sintomas. A escuta
do inconsciente, desde Freud, associa investigação indiciária e tratamento.
Contudo, a investigação psicanalítica visa recolher na fala de um sujeito sua
experiência singular com a linguagem, o ponto em que sua ficção funda uma
exceção em relação às demais, não sem considerar o Outro a quem ela se
dirige. Nesse caso, a exceção por si só porta um valor de verdade que a opõe
ao universal, o que permite, na experiência do singular, situar uma história a
partir de seus impasses, daquilo que rateia, que faz furo.
Miller (2003) destaca que na experiência psicanalítica há um particular
disjunto do universal e um real desatado do racional e mesmo de qualquer
possibilidade de regularidade e de qualquer estabelecimento de uma lei. Nessa
perspectiva, localizam-se dois pontos para pensar o caso de Madalena, o
primeiro deles nos direciona a procurar uma singularidade disjunta de todo
universal; o segundo nos convoca a atestar a presença de um real que irrompe,
colocando em suspensão essa mesma história, mas permitindo, por outro lado,
demarcar o ponto de real em que o caso se escreve.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 347

Madalena duas vezes arrependida


Madalena foi adotada aos seis anos de idade, “através da separação
dos meus pais biológicos”, ela diz. Esse momento parece inaugurar para ela
seu lugar no mundo. É como efeito dessa separação que Madalena se funda
enquanto sujeito. Ela, posteriormente, irá retornar à sua família de origem,
no entanto, em uma nova configuração: mãe (biológica), padrasto e suas
duas irmãs (biológicas). Nada mais se sabe de seu pai biológico, o que não
significa que a função paterna não se faz presente através de seu pai adotivo.
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Aos familiares mencionados resta acrescentar sua mãe adotiva e seus quatro
irmãos, também adotivos. E num momento posterior, são apresentados os
seus filhos, sem ser possível localizar um número determinado.
Em sua narrativa os elementos se misturam, imiscuem-se, dificultando
a tarefa de discernir em seu próprio enredo informações que podem ser con-
sideradas caras para compreender sua história. Assim, servimo-nos da psica-
nálise para situar esse movimento como próprio da forma como esse sujeito
toma a palavra para si e dela faz uso: se não é linearmente que sua história se
encadeia, também não gira em círculos; há encadeamento e alguns pontos se
destacam, como se verá, em acontecimentos marcantes que irão moldar de
uma vez por todas seu destino.
É por um desses acontecimentos que é possível inscrever na sua narrativa
uma trajetória de vida. Na família adotiva de Madalena ela era a única filha
mulher, tendo por outro lado quatro irmãos homens. Seu pai e sua mãe ado-
tivos não podiam ter filhos – o que não foi para eles um impedimento, pois,
o desejo de constituir família foi realizado com a adoção de cinco filhos. Em
que se pese a rivalidade edípica entre mãe e filha, amplamente comentada
por Madalena, um elemento importante deve ser destacado: as joias de sua
avó paterna, herança das mulheres da família paterna, vieram para ela, ainda
que seu pai adotivo tivesse duas irmãs: “A mãe dele já tinha morrido. Então
todas as joias vieram pra mim, todo carinho”. Aqui é colocada como herdeira
única do tesouro das mulheres de sua família, indicando um lugar de desejo
prontamente ocupado por ela.
Segue-se ao relato anterior a seguinte fala de Madalena: “[...] Então eu
não tinha um bom relacionamento, uma boa convivência com a minha mãe
adotiva, porque ela me maltratava muito, me tratava com indiferença, desi-
gualdade”. Logo em seguida, ela conta do momento em que se fez para ela
necessário escolher sobre sua vida profissional: queria cursar artes dramáticas,
química ou bioquímica, mas “Aí minha mãe adotiva falou assim, não, você
tem que fazer magistério, aí eu fui obrigada a fazer magistério, entendeu? Para
satisfazer a vontade dela”. Nessas passagens destaca-se a rivalidade presente
na ligação entre mãe e filha. Freud (1931/1996, p. 247), ao comentar sobre
um dos caminhos possíveis para a sexualidade feminina, extrai daí algumas
348

consequências psíquicas, entre elas a “catástrofe” ou devastação em termos


lacanianos que situa a mãe como responsável pela falta da filha. Drummond
(2011), afirma que a devastação pode se originar “no ponto em que a filha
espera uma identificação feminina que sempre se revela impossível” (p. 12).
Assim, se por um lado a mãe adotiva é tomada por Madalena como res-
ponsável pela sua “devastação”, por outro lado, é no campo da identificação
feminina impossível que a trama de sua vida será escrita. Para Laurent (2018),
na leitura que Lacan faz da identificação em Freud, é possível concluir que
“há identificação porque não há identidade que se sustente. A identidade está

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em crise de maneira fundamental porque é um vazio” (p. 1). Vazio em torno
do qual a identificação relança a marcha estática da errância de Madalena,
de uma identificação à outra, seguidamente, como se verá. Viver o mesmo de
novo, se não da mesma maneira, ainda no mesmo lugar: a rua.
Se foi possível para Lacan articular trauma e furo, criando o termo trou-
matismo, para dele fazer uso, é preciso situar o momento em que a construção
ficcional feita pelo sujeito falha, fixando a libido num acontecimento sem vín-
culo com a realidade objetiva, marca da passagem da fala à escrita, do sentido à
letra, da realidade psíquica ao real. Ir de uma identificação à outra é a marca da
realidade subjetiva de Madalena, o que permite interrogar se esse movimento
não revelaria o caráter de troumatismo que tem para esse sujeito a repetição trau-
mática do que nunca chega a se realizar, a identificação que para ela permitiria
uma estabilização. Desse modo, a substituição sucessiva de uma identificação
por outra poderia apontar para algo do traumático que deriva do modo singular
como Madalena atualiza o encontro falhado com uma posição impossível de
ocupar, a saber, outra que a de exilada para si mesma (Berta, 2015).
Lacan (1972/2003) em “O aturdito” afirma que a menina espera da mãe
os elementos que possam auxiliar na construção da feminilidade, o que muitas
vezes pode levar a devastação, já que o ser mulher é irrepresentável. Madalena
em muitos momentos expressa os impasses na relação com a mãe adotiva,
conferindo-lhe ódio e ressentimento. Por outra via, não aparece em sua nar-
rativa uma posição em relação à mãe biológica.
Um segundo momento antecede ao acontecimento que marcará para
sempre a vida desse sujeito: nesta cena, Madalena é surpreendida pela mãe
adotiva tirando com o dedo a nata do leite que fervia na leiteira. Refere que
a mãe enfiou a mão dela dentro da leiteira de leite fervendo e que a sua mão
despelou toda. E comenta: “toda criança sempre faz arte”, frase repetida por
várias vezes na sua narrativa.
Esse episódio é narrado como um momento de requintada crueldade e foi,
segundo a narradora, seguido por ameaças concretas de castigos físicos, caso
fosse revelado para o pai. Contudo, ao ser submetida a essa violência, agressão
e ameaça, o sujeito ativamente se silencia. E pode ter servido de gatilho para
uma resposta do sujeito que pode ser lida, logo em seguida, como um acting out.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 349

Para a psicanálise o acting out situa-se na interseção entre repetição e ver-


dade: do lado da verdade, é lido como uma mensagem endereçada ao Outro e
destinada a ser interpretada; e, do lado da repetição, situa o real da presença do
objeto a. Madalena conta que, na escola, “ao invés de eu responder o questioná-
rio da prova de Biologia, eu escrevi... eu fiz uma redação de tudo que acontecia
comigo na casa dessa família adotiva. Tudo que essa mulher fazia comigo”
– e prossegue: “aí o supervisor, a professora leu e pegou a prova e levou para
o juiz. Quer dizer que não fui eu que a denunciei na justiça. Foi o colégio”.
A consequência desse acting out será a anulação, feita pelo juiz, do termo de
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tutela que regulamentava a sua adoção. A determinação judicial incluía ainda,


após a anulação do termo de tutela, que ela retornasse aos cuidados da mãe
biológica. Os elementos presentes nesse acting out de Madalena nos convidam
à decifração: é precisamente numa prova de “biologia” que ela denuncia sua
família adotiva por maus-tratos, revelando o real em jogo, a sua não filiação.

Contos de estrada: na minha novela não há papel para mim


Madalena, aos 18 anos, retorna, ainda que por pouco tempo, à casa de
sua mãe biológica. Nesse ambiente, a violência é reinante: ameaçada pelas
irmãs que não a queriam em casa e assediada pelo padrasto, dá início à sua
errância, marcada pelo exílio. Alberti (2020) refere que só há exilio para os
seres falantes, significa ser expulso para fora do Outro e para fora de si, e se
revela como dor de existir.
Nesse sentido, Madalena, tendo perdido seu lugar no Outro do desejo,
sua família adotiva, se entrega ao exílio forçado, para fora do lugar do Outro, e
para fora de si. Para fugir da violência que a ameaçava em sua nova realidade
familiar, segue em direção às incertezas, à violência e aos riscos de uma vida
errante – em suas próprias palavras: “na estrada”. Relata que foi ao conhecer
um casal de hippies que passou a viajar o Brasil e também alguns países da
América do Sul.
Alvarenga (2015), a respeito da feminização do mundo e da escalada da
violência na América Latina, resume em uma frase preciosa que parece res-
soar uma das facetas da história de Madalena: “Para nós [psicanalistas], não
se trata somente de proteger as mulheres de seus algozes, mas de protegê-las
de seu próprio modo de gozo” (p. 1). É justamente de seu próprio modo de
gozo que Madalena nos parece não conseguir se proteger.
Nos caminhos percorridos por Madalena, nem a maternidade, tampouco
as parcerias amorosas funcionaram para ela como uma possibilidade de anco-
ragem, de estabilização em uma identificação que lhe permitisse uma regulação
para seu gozo. Madalena experimentou, em suas andanças, diversos modos de
identificação: hippie, mulher de traficante, cigana, presidiária, cartomante, crente,
católica, prostituta, professora e mãe – sem se ancorar em quaisquer deles.
350

Laia e Caldas (2016), ao destacarem que “... subjacente a toda identifi-


cação há, portanto, uma vacilação subjetiva que é incômoda... que balança
o cômodo lugar das identificações” (pp. 986-7), apontam que a cada identi-
ficação há um correlato de segregação e destruição que tendem a legitimar
modalidades de gozo que colocam o sujeito em risco.
O apagamento de seus próprios rastros parece ser, portanto, o nome de
gozo que o encontro com o real impõe ao sujeito Madalena: perdida no mar
das identificações, ela não encontrou ancoragem em nenhuma delas, deixan-
do-a exposta a riscos em sua errância.

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Madalena tantas vezes perdida

Vilanova (2020) destaca que o território não é o espaço onde se nasce,


mas sim o lugar de ocupação, onde relações são possíveis, afetos podem cir-
cular, que comporta um sujeito inconformado, que orienta pulsões e sintomas,
estabelecendo um certo trânsito dos laços sociais. Nessa perspectiva, o sujeito
em questão não pode ser tomado como sujeito passivo diante do desamparo.
Em suas palavras: “Ai eu conheci um casal de hippie. Ai contei minha história
pra eles. Aí eles falaram: ‘Você quer conhecer o Brasil?’. Eu falei assim: ‘Eu
quero.’ Aí eles falaram assim: ‘Você quer viajar conosco?’ ‘Eu quero, só não
quero ficar dentro daquela casa lá.’”. Há aqui uma recusa à família biológica
e suas formas de violência. Há, também, uma abertura ao infinito que existe
em “conhecer o Brasil”, remetendo-nos não por acaso à proposição de Lacan
(1956-57/1995) sobre o gozo infinito feminino, onde a castração não significa
uma impossibilidade, mas uma condição ao gozo não– todo fálico. Madalena
parece, então, fazer-se existir mulher na rua, na medida em que, nesses espaços,
ela exercita sua posição subjetiva de não se fixar em nenhuma identificação.
Um exílio que a coloca de encontro a formas de violência e sofrimento, vio-
lência impulsionada muitas vezes pelas relações de gênero e ódio ao feminino.
Madalena, em outro ponto da narrativa, de algum modo revela seus
impasses em relação à maternidade. Em suas palavras: “A mãe, pra ser mãe
tem que ter o lugar. Eu errei muito, sabe? Só de pensar bem sei da minha
conta. A mãe pra ser mãe, ela tem que tá preparada, ainda que o pai não
assuma uma criança, toda criança precisa de carinho, proteção e cuidado”. A
maternidade se apresenta para esse sujeito como mais um não lugar de fazer
laço, fazendo da experiência da maternidade uma repetição de sua própria
história de errância e desligamentos.
Em meio à uma trajetória de degradação subjetiva e ranhuras sociais indizí-
veis, é na perda da tutela de seus filhos que Madalena encontra seu maior sofri-
mento, posto que rompe – ou ameaça romper – com o laço social que a ancorava
no mundo. Seu relato nos revela que a distância e o pouco conhecimento do
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 351

destino dos filhos não foram suficientes para romper o contato, por via do amor,
que estabelece um certo distanciamento, pela via da errância.
Assim, o pertencimento e a vivência do afeto parecem se mostrar por vias
singulares: seja pela permanência distante dos filhos, seja, paradoxalmente,
no encontro com o cuidado no hospital quando da ocorrência de uma doença
ou no amparo recebido na prisão quando gestante. Enquanto mulher de rua,
estabeleceu laços sociais em lugares poucos comuns ao nosso imaginário.
Tem-se aqui pistas de um feminino que, frente ao impossível de simbo-
lizar e de um gozo não-todo fálico, constrói suas diversas soluções, modos de
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existir. Na rua Madalena tenta tecer seu corpo e na errância revela sua dificul-
dade de instituir um lugar no feminino que enlaça e desenlaça na tentativa de
poder ser mulher e que estabelece um modo de gozo errático – exílio – que
marca sua vida na precariedade do laço social.

As tantas madalenas: o que pode uma mulher na rua?

A degradação subjetiva e a ranhura social marcam a trajetória de um sujeito


em situação de rua especialmente quanto à possibilidade de reconhecimento
por parte da sociedade, posto que ocupa a posição de dejeto e desse lugar está
exposto à violência, ao anonimato, ao rompimento de laços e à indiferença.
Sobre a situação de um sujeito feminino nessas condições, quais seriam os
impasses que ele atravessaria? No que diz respeito à transmissão familiar e
cultural do lugar da mulher na sociedade, os impasses que uma mulher encon-
tra vivendo em situação de rua incide, sobretudo, na sua relação com o corpo.
Na ficção singular desse sujeito, a rua é, a um só tempo, o ponto de
partida de sua trajetória e um lugar para inventar sua morada, um lugar que
também é de ninguém. Madalena, introduzida numa extensão cultural que
evidencia sua ausência de lugar no mundo, pela ausência de endereço fixo,
transmite sua história e rememora suas experiências transitando pela cidade.
É no domínio do real, em sua crueza e crueldade, que a pergunta “o que
pode uma mulher na rua” se mostra complexa e obscura. Obscura como o terreno
da feminilidade, cercado de enigmas e do quase indizível, tal como o discurso
freudiano sempre evocou (Freud, 1931/1996). O silenciamento e o anonimato
de uma mulher na rua revalidam, diariamente, a posição de um sujeito que, à
medida que percorre seu nomadismo, tem seus rastros apagados e esquecidos.
Elaborar tal questionamento desde uma perspectiva ampliada do sujeito,
seja homem ou mulher, seria deixar de reconhecer que a realidade feminina
possui peculiaridades e, mais ainda, deixar de ler as ficções particulares de
Madalenas como singulares e mergulhadas em vulnerabilidades específicas.
A existência de uma pré-história que antecede o sujeito, adquirida por
meio das relações parentais e da transmissão cultural que, ao mesmo tempo
352

viabiliza sua constituição e cria impasses, coloca em questão a capacidade


do sujeito de transformar os conteúdos herdados em uma história singular.
A frase, encontrada em “Totem e tabu”, diz de algo que se transmite e que o
sujeito assimila: “Aquilo que herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo
teu” (Goethe, citado por Freud, 1913/2006, p. 160).
No entanto, as marcas deixadas pelas heranças das gerações anteriores
obtidas pelo sujeito, não podem ser apagadas nem mesmo por um recalque
bem-sucedido, tornando inevitável que a conservação de restos encontre um
lugar para revelar impulsos e reações. “Uma tal compreensão inconsciente de

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todos os costumes, cerimônias e dogmas que restaram da relação original com
o pai pode ter possibilitado às gerações posteriores receberem sua herança de
emoção”. (Freud, 1913/2006, p. 160).
Madalena segue as trilhas da maternidade, ao mesmo tempo em que
se encontra nos limites que outrora sua mãe biológica se esbarrou quando a
deixou para adoção, construindo sua narrativa.
Os fragmentos da narrativa de Madalena nos revelam uma pobreza de
oportunidades de se colocar ativamente no que diz respeito às suas famílias, aos
homens com os quais se envolveu, aos filhos que (não) decidiu ter, aos filhos
que lhe foram arrancados, aos espaços em que se instalou, à disponibilidade
do seu corpo. A assimetria de forças entre os atores envolvidos nas histórias de
Madalena, evidenciada pelos constrangimentos e submetimentos à ela impostos,
marcam a sua busca por um estabelecimento de um laço social, marcando em
seu corpo e em sua errância os traços de suas vulnerabilidades. As repetições ins-
critas na trajetória de Madalena também perpassam uma posição de gozo muito
próprio, posição mortífera relacionada ao seu exílio e ao seu movimento errante.
Dado que pulsão de morte indica o mundo das intensidades que permeiam
a subjetividade humana, seriam essas mesmas intensidades que destinariam
o sujeito à sua errância no mundo (Birman, 2016), errância apresentada por
Madalena em seu trilhar nômade pelo mundo, numa posição de gozo que a
exilou na rua, desafiando paradigmas do que é ser mulher, lançando luz ao
fora de sentido do feminino.
Da vida hippie à maternidade, da busca por laços sociais ao mergulho
nas drogas, a narrativa de Madalena subverte a ideia do lar como único espaço
possível para ser mulher. O confronto à lógica do espaço feminino não impede,
no entanto, a inscrição da maternidade no corpo da mulher em situação de
rua, um corpo que expressa a dor de existir.
A história de Madalena nos convida a pensar o lugar de inscrição da rua
no singular de cada sujeito feminino e as saídas construídas para lidar com o
insuportável das insígnias de um gozo que marca em tantas Madalenas o exílio.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 353

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Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização


Vilanova, A. (2020). Exílio-Sinthoma, corpo e território. XXVII Jornadas da
Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Rio e Instituto de Clínica Psicana-
lítica. Recuperado em: 07/01/2020. In https://ebp. org.br/rj/eventos/eventos/
xxvii-jornadas-exilios-programa/estacao-territorio-e-sintoma/.
ERRANCE ET ÉNIGME :
l’indétermination féminine et ses destinations
Aparecida Rosângela Silveira
Carolina Saggioro Sobrinho
Cristina Andrade Sampaio
Flávia da Silva Tereza
Lêda Antunes Rocha
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Márcia Cristina Maesso


Maria Clerismar Pereira dos Santos
Nayara Teixeira Gomes
Samuel Rocha Freitas

Errance et énigme : L’indétermination féminine est ses avenirs

Traiter de la haine adressée aux femmes semble être une question d’ur-
gence dans l’actualité, bien qu’elle ne soit pas une exclusivité de nos jours,
elle est marquée par l’escalade d’intolérance envers les formes de domination
et de ségrégation présentes dans l’histoire de l’humanité. Dans ce contexte, le
féminin incarné dans la figure de la femme semble révéler ce qui met en cause
les limites de la logique phallique, de l’universalité de la violence contre la
femme et ce qui du réel de la contingence «ne cesse pas de ne pas s’écrire »
(Lacan, 1985/1995, p. 27).
Ce chapitre présente des fragments du récit d’un sujet féminin dont l’his-
toire peut révéler le possible et l’impossible du (in)sensé, mais aussi dénonce
les différentes types de violence légitimées par une logique de ségrégation
banalisée dans des contextes culturels où l’ordre féminin est inauguré par le
déclin du père et des idéaux. Pour cela, le discours d’une femme habitant dans
la rue a été utilisé avec la méthodologie de recherche du récit mémorialiste
pour élucider les (dé)chemins de sujets soumis à l’errance. On rassemble
également des études en cours dans des groupes de recherche associés à des
programmes d’études supérieures, de recherche et de cours libres à l’Univer-
sité de Brasilia et à l’Université d’État de Montes Claros, au Brésil.
L’utilisation de l’entretien mémoire permet de tisser quelque chose de
l’écriture de l’histoire du sujet, et devient un outil de travail capable de
rapprocher l’expérience du langage présent au récit et la méthode psycha-
nalytique d’investigation. Une fois que, pour la psychanalyse, il s’agit de
considérer plutôt la façon dont le sujet articule les faits et que sa probabilité
et de dévoiler la vérité à partir de l’expérience du langage, laquelle « se révèle
dans une structure de fiction » (Lacan 1958/1998, 0.752). De cette manière,
356

considérer la vérité dans sa structure de fiction n’est pas mettre de côté les
faits historiques, mais repérer dans l’expérience de langage d’un sujet les
phénomènes inconscients qui soutiennent les faits historiques, bien qu’elle
soit hors d’une linéarité rationnelle et obsédante. C’est sur le domaine de
l’impossible à dire que la dimension inconsciente se fait présente : les lacunes
du discours, les réarrangements de la mémoire produisent de nouvelles his-
toires (Guerra et al, 2017).
Cette enquête s’intéresse à démêler les voies de sortie de la souffrance
en tenant compte des impasses du féminin, d’une femme exilée d’elle-même

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et qui fait de la rue la marque de son errance.

Contes de route, la couture impossible d’un lieu

Il s’agit de l’histoire de Madalena, nom fictif, 58 ans, accueillie par


l’équipe de santé du service du Consultório na rua (Cabinet dans la rue),
dispositif du rede de Atenção Psicossicial (réseau de l’attention psychosocial)
qui accueille les sans domicile fixe. Invitée à raconter l’histoire de sa vie,
Madalena s’abandonne à ses souvenirs, parle avec aisance, relie des points
de son histoire et est heureuse de parler de sa vie.
Les éléments de son histoire sont rassemblés sous la forme d’une chaîne
parfumée de glissades importantes qui n’obéissent pas à la linéarité. Le sou-
venir présent dans son texte symbolique est composé de lacunes, lapsus,
ruptures et même de franches contradictions. Différentes versions de son
histoire se rejoignent, sans s’éliminer, démontrant dans le plan discursif la
présence de processus inconscients inséparables du point de vue du narrateur
(Rosa, 2019, p. 151).
En psychanalyse, on cherche, dans ce que dit un sujet, des aspects qui
se détachent des paroles conscientes, comme celui de message présent dans
les symptômes. L’écoute de l’inconscient, depuis Freud, associe l’enquête
indicative et le traitement. Pourtant, l’enquête psychanalytique vise à recueillir
dans le discours d’un sujet son expérience singulière du langage, le point où sa
fiction fonde une exception par rapport aux autres, pas sans considérer l’Autre
à qui elle s’adresse. Dans ce cas, l’exception porte en elle-même une valeur de
vérité qui l’oppose à l’universel, qui permet, dans l’expérience du singulier, de
situer une histoire à partir de ses impasses, de ce qui divise et qui fait du trou.
Miller (2003) souligne que dans l’expérience psychanalytique il y a une
disjonction particulière de l’universel et un réel détaché du rationnel et même
de toute possibilité de régularité et de tout établissement d’une loi. Dans cette
perspective, deux points se retrouvent pour penser le cas de Madalena, dont le
premier nous conduit à rechercher une singularité disjointe de tout universel
; et le second nous appelle à attester la présence d’un réel qui éclate, mettant
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 357

la même histoire en suspension, mais permettant, en revanche, de délimiter


le point de réel dans lequel le cas est écrit.

Madalena deux fois repentante

Madalena a été adoptée à l’âge de six ans, “avec la séparation de mes


parents biologiques”, dit-elle. Ce moment semble lui inaugurer sa place dans
le monde. C’est sous l’effet de cette séparation que Madalena se fonde comme
sujet. Elle retournera plus tard dans sa famille d’origine, cependant, dans une
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nouvelle configuration : mère (biologique), beau-père et ses deux sœurs (bio-


logiques). On ne sait plus rien de son père biologique, ce qui ne veut pas dire
que la fonction paternelle n’est pas présente à travers son père adoptif. Il faut
encore ajouter aux membres de la famille susmentionnés la mère adoptive et
ses quatre frères, également adoptés. Et plus tard, ses enfants sont présentés,
sans pouvoir préciser la quantité.
Dans son récit les éléments se mélangent, s’immiscent, rendent plus
difficile la tâche de discerner dans sa propre intrigue les informations qui
peuvent être considérées chères pour comprendre son histoire. Ainsi, nous
nous sommes servis de la psychanalyse, afin de situer ce mouvement propre
au sujet avec lequel il prend et utilise la parole pour soi : si son histoire ne
s’enchaîne pas linéairement, elle ne tourne non plus en cercles ; il y a des
cohésions et quelques points se font évidents, comme on verra dans des évè-
nements remarquables qui façonneront son destin une fois pour toutes.
C’est justement avec un de ces évènements qu’on peut inscrire dans
son récit une trajectoire de vie. Chez la famille adoptive de Madalena était la
seule femme, ayant par l’autre côté quatre frères. Son père est sa mère adop-
tifs ne pouvaient pas avoir d’enfants – ce qui ne les a pas empêchés d’avoir
une famille avec cinq enfants. En dépit de la rivalité œdipienne entre mère et
fille, largement mentionnée par Madalena, un élément considérable doit être
souligné : les bijoux de sa grand-mère paternelle, héritage des femmes de
la famille, lui ont été destinés, alors que son père adoptif avait deux sœurs :
« sa mère était déjà décédée. Alors, tous les bijoux sont venus pour moi, toute
l’affection ». Ici, Madalena est mise comme l’unique héritière du trésor des
femmes de sa famille, indiquant un lieu de plaisir tout de suite occupé par elle.
Voici le récit antérieur de Madalena : « [...] je n’avais donc pas une bonne
relation, une bonne convivialité avec ma mère adoptive, parce qu’elle me
maltraitait beaucoup, elle me traitait avec indifférence et inégalité ». Tout de
suite après elle raconte le moment où il a été nécessaire de faire le choix de
sa vie professionnelle : elle voudrait les arts dramatiques, la chimique ou la
biochimie, mais « du coup ma mère adoptive a dit comme ça – Non, tu dois
faire le magistère, alors j’étais obligée à le faire, tu comprends ? Pour satisfaire
358

sa volonté ». Ces passages font ressortir la rivalité présente dans le lien entre
mère et fille. En parlant d’une des voies possibles pour la sexualité féminine,
Sigmund Freud (1931/1996, p. 247), extrait des conséquences psychiques,
parmi lesquelles la « catastrophe » ou la dévastation en termes lacaniens, qui
place la mère comme la responsable du manque de la fille. Drummond (2011),
affirme que la dévastation peut se produire « sur le point où la fille espère une
identification féminine qui se révèle toujours impossible » (p. 12).
Ainsi, si d’un côté la mère adoptive est prise par Madalena comme la
responsable de sa « dévastation », d’autre part, c’est sur-le-champ de l’identi-

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fication féminine impossible que l’intrigue de sa vie sera écrite. Selon Laurent
(2018), dans la lecture qui Lacan fait sur l’identification chez Freud, c’est
possible de conclure qu’« il y ait une identification, car il n’y a pas d’identité
qui se soutienne. L’identité est en crise de manière fondamentale, car elle est
un vide » (p. 1). Un vide autour duquel l’identification redémarre la marche
statique de l’errance de Madalena, d’une continuelle identification à un autre,
comme on le verra. Vivre le même de nouveau, encore que ça ne soit pas de
la même manière, ce sera toujours dans la même place : la rue.
Si pour Lacan a été possible d’articuler le trauma et le trou en créant le
terme troumatisme, pour s’en servir il faut situer le moment où la construction
fictionnelle faite par le sujet échoue, fixant ainsi la libido dans un événement
sans une proximité avec la réalité objective, marquant le passage de la parole
à l’écriture, du sens à la lettre, de la réalité psychique au réel. Aller d’une
identification vers une autre est la marque de la réalité subjective de Madalena,
ce qui permet de se demander si ce mouvement ne révèle pas le caractère de
troumatisme que la répétition traumatique a pour ce sujet de ne jamais pou-
voir réaliser l’identification et qui lui permettrait une stabilisation. De cette
manière, le remplacement successif d’une identification par autre pourrait
signaler quelque chose de traumatique dérivant du mode singulier avec lequel
Madalena met à jour la rencontre échouée avec une position impossible à
occuper, à savoir, une autre que celle d’exilée pour soi-même (Berta, 2015).
Lacan (1972/2003) dans « L’étourdi » affirme que la fille attend de la
mère les éléments qui puissent contribuer à la construction de sa féminité,
ce qui conduit fréquemment à la dévastation, une fois que l’être femme n’est
pas représentable. Madalena exprime souvent les impasses dans la relation
avec la mère adoptive, l’accordant de la haine et du ressentiment. Toutefois,
sa position par rapport la Mère biologique n’apparaît pas dans son récit.
Un deuxième moment précède l’événement qui marquera pour toujours
la vie de ce sujet : Madalena est surprise par sa mère adoptive prenant avec
son doigt la crème du lait qui bouillait dans la laiterie, puis sa mère trempe
toute la main de Madalena dans la laitière avec le lait bouillant, sa main a été
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 359

donc toute pelée. Elle ajoute : « tous les enfants font de bêtise », la phrase est
répétée plusieurs fois dans son récit.
Cet épisode est raconté tel un moment de cruauté exquise, selon le
narrateur il a été suivi de menaces concrètes de punitions physiques dans le
cas où elle racontait au père. Cependant, lorsque le sujet est soumis à cette
violence, agression et menace, il se tait diligemment. Et cela peut avoir
servi de déclencheur à une réponse d’un sujet qui peut être lue, juste après,
comme un acting-out.
Pour la psychanalyse le acting-out se situe dans l’intersection entre la
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répétition et la vérité : du côté de la vérité, il est lu comme un message adressé


à l’Autre et destiné à l’interprétation ; du côté de la répétition, il situe le réel
de la présence de l’objet a. Madalena raconte qu’à l’école « à la place de
répondre au questionnaire de l’examen de Biologie, elle a écrit… j’ai fait
une rédaction de tout ce qui se passait avec moi chez la famille adoptive.
Tout ce que cette femme faisait avec moi » – elle poursuit : « alors le super-
viseur, le professeur a lu et ont pris l’examen et l’apporté au juge. C’est-à-dire
que ce n’a pas été moi qui l’ai dénoncée à la justice, il a été le Lycée ». La
conséquence de cet acting out sera l’annulation, faite par le juge du terme
de tutelle qui réglementait son adoption. La détermination judiciaire ajoutait
qu’après l’annulation du terme de tutelle, Madalena revenait aux soins de
la mère biologique. Les éléments présents dans cet acting out de Madalena
nous invitent au décryptage : c’est justement dans un examen de « biologie »
qu’elle dénonce sa famille adoptive pour les maltraitances, en révélant le réel
en question, sa non-filiation.

Contes de la route : dans mon histoire je n’ai pas de rôle

Quoique pour peu de temps, à l’âge de 18 ans Madalena revient chez sa


mère biologique. Dans cette ambiance, la violence reine : menacée par ses
sœurs qui ne la voulaient pas à la maison et harcelée par son beau-père, le
débout de son errance est marquée par l’exile. Alberti (2020) dit que l’exile
n’existe que pour les êtres parlants, il signifie être banni hors de l’Autre et
hors de soi-même et se révèle comme la douleur d’exister.
Dans ce sens, Madalena ayant perdu sa place chez l’Autre du désir, sa
famille adoptive, se rend à l’exil forcé, en dehors de la place de l’autre, et
en dehors de soi-même. Pour échapper à la violence qui la menaçait dans
sa nouvelle réalité familiale, elle se dirige vers l’incertitude, la violence et
les risques d’une vie errante – selon ses propres mots « sur la route ». Elle
raconte qu’elle a commencé à voyager au Brésil et aussi dans certains pays
d’Amérique du Sud lorsqu’elle a rencontré un couple de hippies.
360

Alvarenga (2015), à propos de la féminisation du monde et de l’esca-


lade de la violence en Amérique latine, résume en une phrase précieuse qui
semble résonner l’une des facettes de l’histoire de Madalena: « Pour nous
[psychanalystes], ce n’est pas qu’une question de protéger les femmes de
leurs bourreaux, mais de les protéger de leur propre jouissance » (p. 1).
C’est précisément à sa manière de jouir que Madalena semble incapable
de se protéger.
Dans les chemins empruntés par Madalena, ni la maternité ni les par-
tenariats amoureux n’ont fonctionné pour elle comme une possibilité d’an-

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crage, de stabilisation d’une identification qui lui permettrait de réguler sa
jouissance. Au cours de ses voyages, Madalena a expérimenté différentes
méthodes d’identification : hippie, femme de trafiquant de drogue, gitane,
prisonnière, diseuse de bonne aventure, protestante, catholique, prostituée,
enseignante et mère – sans s’ancrer dans aucune d’elles.
Laia et Caldas (2016), soulignant que «...sous-jacent à toute identifica-
tion, il y a donc une hésitation subjective qui est inconfortable... qui bascule
le lieu confortable des identifications » (pp. 986-7), soulignent qu’à chaque
identification il y a un corrélât de ségrégation et de destruction qui tendent à
légitimer des modalités de jouissance mettant le sujet en danger.
L’effacement de ses propres traces semble donc être le nom de la jouis-
sance que la rencontre avec le réel impose au sujet Madalena : perdue dans
la mer des identifications, elle n’a pas trouvé d’ancrage dans aucune parmi
elles, la laissant exposée à des risques dans son errance.

Madalena un tas de fois perdue

Vilanova (2020) souligne que le territoire n’est pas l’espace où on naît,


mais l’endroit d’occupation, où sont possibles les relations et où les affections
circulent ; il comporte un sujet non-conformé ; il oriente les pulsions et les
symptômes tout en établissant une sorte de déplacement des liens sociaux.
Dans cette perspective, le sujet en question ne peut pas être pris comme un
sujet passif en face de l’abandon. Lorsque Madalena dit : « alors, j’ai connu
un couple de hippie, du coup je leur ai raconté mon histoire. Alors ils m’ont
demandé : ‘Tu veux connaître le Brésil ?’. Je dis comme ça : ‘je veux’. Alors,
ils ont dit comme ça : ‘tu veux voyager avec nous ?’ ‘Je veux, la seule chose
que je ne veux pas est rester dans cette maison-là’ ». On y voit le refus à la
famille biologique et ses formes de violence. Il y a aussi une ouverture à l’in-
fini qui existe en « connaître le Brésil », faisant référence, pas par hasard, à la
proposition de Lacan (1956-57/1995) sur la jouissance féminine infinie, où la
castration ne signifie pas une impossibilité, mais une condition à la jouissance
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 361

phallique pas-tout. Madalena semble, alors, se faire exister femme dans la


rue, à la mesure que, dans cet espace, elle pratique sa position subjective de
ne s’attacher à aucune identification. Un exile qui la met face à des types de
violences et de souffrances, des violences souvent motivées par les relations
de genre et par la haine des femmes.
En quelque sorte, à un autre moment de son récit, Madalena révèle ses
impasses par rapport la maternité. Selon ses mots : « La mère, pour être mère
doit avoir sa place. J’ai fait beaucoup d’erreurs, vous savez ? En réfléchissant,
je connais bien mon compte. La mère, pour être mère il faut être préparée,
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encore que le père n’assume pas l’enfant, tout enfant a besoin d’affection,
de protection et de soin ». La maternité se présente pour ce sujet comme un
non-lieu de plus pour faire des liens, faisant l’expérience de la maternité une
répétition de sa propre histoire d’errance et de déconnexion.
Parmi une trajectoire de dégradation subjective et des dégâts sociaux
impossibles à dire, c’est à la perte de la tutelle de ses enfants que Madalena
rencontre sa plus grande souffrance, car elle rompe – ou risque de rompre –
avec le lien social qui l’ancrait dans le monde. Son récit nous montre que la
distance et la méconnaissance du destin de ses enfants n’ont pas suffi pour
rompre avec le contacte, voie l’amour, lequel établit une sorte d’éloignement,
voie de l’errance.
Ainsi, l’appartenance et l’expérience de l’affection semble se montrer
par des voies singulières : soit par la distance permanente des enfants, soit,
paradoxalement, dans la rencontre avec le soin à l’hôpital à l’occurrence
d’une maladie ou dans le soutien reçu à la prison pendant sa grossesse. Tandis
femme de rue, elle a établi des liens sociaux dans des lieux qui ne sont pas
communs à notre imagination.
Il y a ici des indices d’un féminin qui, face à l’impossible de symboliser
et d’une jouissance pas-tout phallique, construit ses plusieurs solutions, façons
d’exister. Dans la rue Madalena essaye de tisser son corps et dans l’errance
elle révèle sa difficulté en établir un lieu dans le féminin qui entrelace et délace
dans la tentative de pouvoir être femme et qui établit un mode de jouissance
erratique – l’exile – qui marque sa vie dans la précarité du lien social.

Les plusieurs Madalenas : ce qui peut une femme dans la rue ?

La dégradation subjective et le dégât social marquent la trajectoire d’un


sujet qui habite dans la rue, spécialement quant à la possibilité d’être reconnu
par la société, poste qui occupe la position de déchets et de ce lieu exposé à la
violence, à l’anonymat, à la rupture des liens et à l’indifférence. Concernant la
situation d’un sujet féminin sur ces conditions, quelles seraient les impasses
362

qu’il traverserait ? À propos de la transmission familiale et culturelle de la


place de la femme dans la société, les impasses qu’une femme rencontre
habitant dans la rue retombent principalement sur la relation avec le corps.
Dans la fiction singulière de ce sujet, la rue est à la fois le point de départ
de son parcours et un lieu pour inventer son foyer, un lieu qui n’appartient éga-
lement à personne. Insérée dans une extension culturelle qui met en évidence
son absence de place dans le monde, par l’absence d’une adresse, Madalena
transmet son histoire et se rappelle ses expériences traînassant dans la ville.
C’est sur le domaine du réel, dans sa cruauté crue que la question « que

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peut une femme dans la rue » se montre complexe et obscure. Obscure comme
le terrain de la féminité, entourré par des énigmes et du presque impossible
à dire, tel quel le discours freudien a toujours évoqué (Freud, 1931/1996).
La mise en silence et l’anonymat d’une femme dans la rue revalident quoti-
diennement la position d’un sujet qui, en parcourant son nomadisme, voit ses
traces effacées et oubliées.
Élaborer un questionnement depuis une perspective amplifiée du sujet,
soit-il homme ou femme, serait ne pas reconnaitre que la réalité féminine a des
péculiarités et, encore plus que cela, il serait ne pas lire les fictions particulières
à Madalena comme singulières et plongées dans des vulnérabilités spécifiques.
L’existence d’une histoire précédant le sujet, acquise par les relations
parentales et par la transmission culturelle rend, à la fois, viable sa constitution
et la création de ses impasses, met en question la capacité du sujet de trans-
former les contenus hérités d’une histoire singulière. La phrase rencontrée
dans « Totem et Tabou » parle sur quelque chose qui se transmet et que le
sujet assimile : « ce que vous avez hérité de vos ancêtres, il faut le mériter
par vous-même » (Goethe, cité par Freud, 1913/2006, p. 160)
Pourtant, les marques laissés par les héritages des générations précédentes
obtenues par le sujet, ne peuvent pas être effacées, même pas par un refoulement
réussi, rendant inévitable que le maintien de restes rencontre une place pour révé-
ler les pulsions et réactions. « C’est grâce à cette compréhension inconsciente des
mœurs, cérémonies et préceptes qui ont survécu à l’attitude primitive à l’égard
du père, que les générations ultérieures ont pu réussir à s’assimiler le legs affectif
de celles qui les ont précédées ». (Freud 1913/2006, p. 160).
Madalena suit les chemins de la maternité tandis qu’elle se trouve face
aux limites où sa mère biologique s’est heurtée, lorsqu’elle l’a laissée pour
l’adoption, toute en construisant son histoire.
Les fragments du récit de Madalena nous révèlent une pauvreté d’oppor-
tunités de se mettre active face à ses familles, aux hommes avec lesquelles elle
a eu des rapports, aux enfants qu’elle (n’a pas) a décidé d’avoir, aux enfants
qui lui ont été enlevés, aux espaces où elle s’est installée, à la disponibilité de
son corps. L’asymétrie de forces entre les acteurs impliqués dans les histoires
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 363

de Madalena, mises en évidence par les embarras qu’elle a subi, marquent sa


quête pour établir un lien social, imprimant ainsi dans son corps et dans son
errance les traits de ses vulnérabilités, les répétitions inscrites dans le parcours
de Madalena traversent aussi une position de jouir très particulière, position
mortelle liée à son exile et à son mouvent errant.
Etant donnée que la pulsion de mort indique le monde des intensités qui
imprègnent la subjectivité humaine, serait ces mêmes intensités qui destine-
raient le sujet à son errance dans le monde (Birman, 2016), errance présentée
par Madalena dans son cheminement nomade par le monde, dans une position
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de jouissance qui l’a exilée dans la rue, position qui défie les paradigmes de
ce qui est la femme et qui jette la lumière en dehors du sens féminin.
De la vie hippie à la maternité, de la quête pour les liens sociaux aux
plongées au monde des drogues, le récit de Madalena subvertit l’idée du
foyer comme le seul lieu possible pour être femme. Pourtant, la confron-
tation à la logique de l’espace féminin n’empêche pas l’inscription de la
maternité sur le corps de la femme habitant dans la rue, un corps exprimant
la douleur d’exister.
L’histoire de Madalena nous invite à penser la place d’inscription de la
rue au singulier de chaque sujet féminin et les sorties construites pour faire
face à l’insupportable des insignes d’une jouissance qui marque l’exile sur
plusieurs Madalenas.
364

RÉFÉRENCES
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Birman, J. (2016). Gramáticas do erotismo: A feminilidade e as suas formas


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VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 365

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E INTERVENÇÕES
POLÍTICAS DE GÊNERO
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MULHER SUBMISSA, MUNDO EM
ORDEM: leituras psicanalíticas sobre a
submissão da mulher e de seu corpo na
discursividade evangélica e na política
Gabriel Inticher Binkowski
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Gisele Laranjeira

Introduzindo a mulher enquanto “objeto de problema”

Introduzir o tema da “mulher” a partir da psicanálise nos leva de pronto


a assumir que o projeto freudiano é inaugurado a partir da dor das mulheres
(Molina, 2015). Com efeito, nos referimos às dores, sofrimentos, dissabores e
desamparo das mulheres histéricas da Viena burguesa do final do século XIX,
sumo inaugural da clínica freudiana cujo método e orientação pela psicopa-
tologia levou a estruturar modalidades de pensar a vida psíquica de maneira
a compreender sintomas e cisões subjetivas como uma resposta legítima a
conflitos entre o sujeito e os discursos de seu universo social e cultural.
No campo discursivo psicanalítico, a mulher inicialmente transitou como
objeto de intervenção (a histérica), objeto de desejo (a mãe edipiana), objeto de
horror (a evidência visual da castração), objeto de investigação (o complexo
de Édipo da menina) e objeto de enigma (o desejo da mulher). Mesmo assim,
é importante marcarmos que as construções de autores como Freud e Lacan
sobre sexualidade, castração, falo e operações de sexuação não se traduzem
necessariamente em falocentrismo e normatização (Rivera, 2020). A propósito
disso, a teorização sobre a sexualidade em Freud já surge, particularmente com
Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905/2016), com a proposta de um
descolamento radical entre pulsão e objeto. Ora, o objeto com o qual se obtém
prazer é arbitrário, marcado pela erotização, cujo estofo é o da ampliação de
uma tensão desconfortável, a excitação. Esse ponto de ancoragem teórica
já serve para problematizar qualquer empuxo à normatização vigente nos
discursos que perpassam o social e a cultura, ou seja, no discurso do Outro.
Dito isso, portanto, o que a psicanálise prefigura, independentemente
do estilo discursivo e técnico através do qual ela opera, é que a posição
sexuada do sujeito, isso quer dizer, sua relação de erotismo com alteridade,
é uma conjugação de encontros identificatórios que circulam entre a extrema
singularidade do percurso do sujeito e a fixidez de certos significantes (La
370

Tessa, 2019) cuja orientação aparece decalcada em um determinado bojo


simbólico-imaginário, ou seja, num universo social, cultural e político. Essa é
uma conclusão e, especialmente, um vetor ético fundamental para a psicaná-
lise, o que implica que seja possível, através de suas ferramentas conceituais
e metodológicas, indagar os discursos do Outro, ou seja, as formações sociais,
culturais e políticas, que coloquem a mulher como um significante que marca
seres com um corpo dotado de uma determinada anatomia. Esse risco, essa
fixidez, é o que subordina o que seria uma mulher a ser tomada como um
produto deformado de seu oposto, o homem.

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Os debates sobre psicanálise, sexualidade e gênero vêm sendo um campo
de batalha e, também, de contribuição, dos mais profícuos dos últimos anos,
para uma psicanálise mais aguda com o seu tempo, assim como o dos estu-
dos sobre a violência de Estado e o racismo. Isso tudo evidencia um esforço
bastante considerável de psicanalistas, pesquisadores em psicanálise e cam-
pos conexos que dela fazem uso, instituições, grupos e coletivos que tanto
problematizam a naturalização de certos discursos, estruturas e configurações
sociais como também proponham intervenções sobre a sociedade a partir de
leituras que visam desvendar esses funcionamentos que, no final das contas,
reduzem as possibilidades de experiência e sufocam seres humanos por conta
de suas características, escolhas ou estilos de existência e de relação.
Na atualidade dos discursos, configurações e tensões que marcam a socie-
dade brasileira, é inegável o lugar que vem assumindo não apenas as organi-
zações e representantes políticos e culturais que partilham uma discursividade
que aqui chamaremos simplesmente de evangélica. Evidencia-se nisso que
o conjunto composto por organizações, discursos e derivas do evangelica-
lismo, no caso brasileiro, em suas vertentes pentecostais e neopentecostais, é
bastante variado e cheio de contradições. Contudo, para fins de investigação
e para avançarmos nessa discussão específica sobre o lugar da mulher nessa
discursividade, operamos através de uma salvaguarda de simplificação. O que
nos interessa, desta feita, é mirar algumas linhas fundamentais que organi-
zam um certo campo discursivo evangélico de modo a depreender os efeitos
dessa discursividade sobre a política, os atores sociais, a subjetividade em
geral e algumas das configurações e estruturas que fomentam e organizam
algumas das principais modalidades de ser, existir, sentir e pensar no Brasil,
ou seja, linhas existenciais e discursivas que transparecem através de nossas
modalidades de laço social.
Para a psicanálise, particularmente pela via da psicanálise a partir dos
aportes de Jacques Lacan, assume-se uma equivalência entre discurso e laço
social (Lacan, 1975). Logo, nossa aposta metodológica passa pelo pinçamento
de algumas amarrações que se destacam na discursividade evangélica, no
caso, no que tange a mulher, seu corpo, a mãe-esposa, etc., seja através de
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 371

falas, figuras e do que se contrapõe a esses significantes, qual seja, todo o


arranjo discursivo que as contrapõe com uma certa figuração do homem, do
masculino e de um imaginário sobre o mesmo, em especial, o que se imanta
como figuração de Pai e dos novelos que apontam para o que se tece em
dispositivos, como os jurídicos e legais, que amparam certas modalidades
de configuração familiar, de gestão dos corpos, vidas, prazeres e relações.
Fica posto então, como sustenta Rosa (2016), que dimensões sincrônicas e
diacrônicas do discurso arregimentam as tensões entre desejo e as ficções
discursivas que o modulam.
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Diante desse panorama, ao falarmos sobre religião, práticas religiosas


e discurso religioso, pouco importam certas noções como crença ou práticas
rituais individuais e coletivas, uma vez que é pela via do discurso que se con-
figuram os laços sociais que forjam a subjetividade. No caso dessa modalidade
de monoteísmo que é o cristianismo de verve protestante evangélica, o que se
sobressai, em vistas de nossa análise, é como a mulher é pensada, figurada,
com que significantes, imaginário e composições simbólicas ela é referida
a partir de uma Lei que, literalmente, instaura o laço social entre humanos.
Como aponta Pommier (1998), nunca se chega a um verdadeiro monoteísmo,
uma vez que nenhuma das religiosidades estruturadas em torno de uma só
figura divina foi capaz de dispensar seus intercessores, como as entidades
intermediárias, espíritos que negociam, anjos, santos, etc., essas figuras que
estão aí para garantir que a Lei seja aplicada a partir dos contextos existenciais
locais de uma determinada cultura. Por sua vez, é através da análise desses
intercessores, que, no fim das contas, encontra-se uma complexidade discur-
siva com efeitos concretos em que, segue Pommier, a religião monoteísta
assegura seu poder fundacional diante da coletividade e da massa, ou seja,
que ela faz funcionar uma psicologia das massas e grupos.
Quer se creia, quer não se creia, tanto os rituais praticados como o uso
de significantes e compostos simbólico-imaginários que apontam para a dis-
cursividade religiosa fazem as vezes de reguladores do gozo e, portanto, de
fiação entre sujeito e coletivo, indivíduo e cultura, e, por fim, asseguram uma
Lei que é aquela do Nome-do-Pai. Por isso, nas próximas páginas, destrin-
chamos alguns desses compostos que hoje decantam na sociedade brasileira
e que fazem composições e, pensamos, anunciam desastres.

O Pai Primevo e o lugar do homem e da mulher no mundo


pentecostal

Em sua obra Psicologia das Massas e Análise do Eu, Freud (1921/2011)


propôs a famosa hipótese do mito do Pai Primevo, líder da horda primitiva
372

cujo assassinado que estaria na fundação do pacto fraterno que limita em gozo
em prol do bem comum, gerando assim a sociedade. O mito é focado na figura
de um líder masculino, que, rodeado por seus filhos, também homens, oscila
entre uma personalização de uma potência divina e o narcisismo humano. Esse
mito, para a psicanálise, se equipara a um mito fundante da compreensão do
estabelecimento das massas e, por conseguinte, dá suporte à análise psicoló-
gica da relação entre líder-grupo, Estado-sociedade, Igreja-fiel.
É intrigante notar que, neste mito fundador da organização das massas,
a presença da mulher se dá como objeto de suporte a um status social: o Pai

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Primevo, e somente ele, tem acesso às mulheres; caberá ao filho sucessor (se
houver) esse privilégio e a exceção à regra de conter seus impulsos sexuais.

O pai primordial da horda não era ainda imortal, como veio a se tornar
pela divinização. Ao morrer, tinha que ser substituído; seu lugar era pro-
vavelmente ocupado por um filho jovem, que até então fora indivíduo da
massa como os outros. [...] Podemos imaginar apenas o seguinte. O pai
primordial havia impedido os seus filhos de satisfazerem seus impulsos
sexuais diretos; obrigou-os à abstinência e, por conseguinte, ao estabe-
lecimento de laços afetivos com ele e entre si, que podiam resultar dos
impulsos de meta sexual inibida. Ele os compeliu, por assim dizer, à
psicologia da massa. Seus ciúmes sexuais e sua intolerância vieram a ser,
em última análise, as causas da psicologia da massa.
Para o seu sucessor também se abriu a possibilidade da satisfação sexual,
e desse modo a saída das condições da psicologia da massa. A fixação da
libido na mulher, a possibilidade da satisfação sem adiamento e acumu-
lação, pôs fim à importância dos impulsos sexuais de meta inibida e fez
o narcisismo crescer em igual medida. (Freud, 1921/2011, pp. 67-68).

O lugar que a mulher ocupa no mito é de total sujeição ao poder exer-


cido pelo Pai Primevo e seu eventual sucessor. O mito patriarcal sugerido
por Freud como edificador do pensamento primitivo apresenta uma formação
social que se estabelece na hierarquia regularizada por um homem-líder, os
homens-filhos (que desejam seu poder) e as mulheres, que são o objeto que
dá sentido a esse poder. A submissão da mulher enquanto objeto de status de
poder e a qualidade da relação do homem com essa figura feminina submissa
confere ao sujeito masculino um determinado patamar social que detém algum
poder e prestígio no grupo, seja o grupo social, o grupo familiar ou um grupo
institucional, como no caso das religiões. Consequentemente, essa mesma
imagem se enraíza no molde que a massa irá definir para si do papel e do
lugar do homem e da mulher.
Neste capítulo, damos foco em um grupo social em específico, os evan-
gélicos brasileiros, para analisarmos as extensões do papel da mulher – e a
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 373

consequente violência naturalizada por esse lugar social. A escolha desse


grupo não é aleatória: além de uma rápida ascendência numérica de fiéis, os
evangélicos estão tomando espaços cada vez mais significativos na mídia, na
cultura e, principalmente, na política brasileira. Desse recorte, ainda que 58%
dos fiéis pentecostais sejam mulheres (em sua maioria negras), é incomum
encontrar mulheres nas lideranças.

De Edir Macedo a Silas Malafaia, os rostos mais conhecidos do movi-


mento evangélico podem até ser masculinos, e o mais comum é encontrar
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um pregador homem nos cultos. Já nas filas para pedir bênção e entregar
o dízimo são as mulheres que prevalecem, neste que é o segundo maior
bloco religioso do Brasil, com 31% da população. (Balloussier, 2020).

Outro fator importante é destacar a intensidade das influências pente-


costais no cenário brasileiro a partir de duas novas teologias, a Teologia da
Prosperidade e a Teologia do Domínio, que promovem forte impacto no com-
portamento religioso, social e político dos fiéis. A Teologia da Prosperidade
altera profundamente a expectativa do modo de vida do fiel, que antes seria
somente próspera e feliz após a morte; agora, a saúde, a felicidade e inclusive
a riqueza passam a fazer parte da Nova Aliança entre Deus e os cristãos, uma
espécie de novo acordo fundamentado a partir da preparação para a segunda
vinda de Jesus. Ser próspero não é só um direito, mas resultado direto da har-
monia e da fé do fiel com a divindade. Em consequência, a pobreza, a doença
e a tristeza são alertas do distanciamento do povo de seu Deus, e da ação do
Diabo (o Inimigo). Nesse aspecto, a Teologia do Domínio implica que, como
herdeiros dessa nova aliança, os fiéis devem, literalmente, dominar os mais
diversos espaços da sociedade para que a Palavra de Deus, assim como Sua
Vontade, possa alcançar a todos e promover um mundo de paz e prosperidade.
Sem esse domínio (religioso), o mundo estaria à mercê da ação do Diabo e
distante da Graça Divina.
É a partir dessa nova interpretação teológica que os religiosos cristãos,
principalmente os pentecostais, que antes atuavam nas estruturas de amparo
social aonde o Estado não chegava, passam a se colocar como representantes
da vontade de Deus e, portanto, missionários tanto religiosos como políti-
cos, buscando transformar o Estado incompetente em um governo regido
firmemente sob as leis de Deus (Boechat & Py, 2018; Guadalupe, 2018;
Guadalupe, 2019). É importante notar que essa transformação comportamen-
tal não se limita à inserção e ao redimensionamento das atuações políticas
dos grupos religiosos; antes de alterar ou promover novas leis, se sabe que é
preciso condicionar e reeducar a cultura, a sociedade, sob as leis divinas. Por
isso, a presença constante do pentecostalismo na mídia brasileira tem sido
374

fundamental para o crescimento da religião, através de programas de rádio,


TV, internet, e até no fortalecimento da música gospel. Mais ainda, se há uma
instância social que determina fundamentalmente a emancipação de uma ou
outra cultura, é o núcleo social primário de todo indivíduo, ou seja, o núcleo
familiar. E é através da inserção dos costumes pentecostais no seio familiar
que a religião se fundamenta de forma mais contundente, principalmente ao
estabelecer posições e papéis bastante definidos para homens e mulheres.

O lugar da mulher e de seu corpo: filha e mulher do Pai

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Dentro da estrutura mítico-religiosa cristã, e principalmente na visão pen-
tecostal e nos aportes que caracterizam um neopentecostalismo, a mulher, assim
como no mito do Pai Primevo, não é detentora de poder (no âmbito social)
por si só, mas encontra na condição de esposa um status de elevada estima no
grupo (religioso) enquanto mantenedora da família, do bem-estar do marido
e da educação dos filhos. No campo pentecostal, o casamento heterossexual é
a pedra fundamental para a edificação do seio familiar; é também uma porta
para a ascensão no meio pastoral, seja somente para o marido ou mesmo para
ambos, dependendo da denominação religiosa. O que se pode observar é que,
na maioria das igrejas pentecostais, a mulher solteira, ainda que disponha de
algum status no grupo através da devoção à igreja, da exposição de dons espi-
rituais, ou de atos de caridade, não receberá em troca o reconhecimento em
forma de posição na hierarquia institucional. É somente através do casamento
que ela pode se tornar parte do corpo sacerdotal, e nem sempre como pastora,
mas ainda que na figura de esposa do pastor.

Esposas, cada uma de vós respeitai ao vosso marido, porquanto sois sub-
missas ao Senhor; porque o marido é o cabeça da esposa, assim como
Cristo é o cabeça da Igreja, que é o seu Corpo, do qual Ele é o Salvador.
Assim como a igreja está sujeita a Cristo, de igual modo as esposas este-
jam em tudo sujeitas a seus próprios maridos. (Bíblia, Efésios 5: 22-24).

O trecho acima é comumente usado pelos grupos evangélicos para expli-


car a submissão da esposa ao marido, da mulher ao homem, e a separação dos
papéis de acordo com o gênero. Essa separação é condição essencial para a
conversão do fiel, que aprende na igreja as determinações de Deus para os
seus filhos, a partir da construção de um seio familiar cristão.
A pesquisadora brasileira Jacqueline Moraes Teixeira se debruçou sobre
os programas que visavam exatamente o alinhamento de um escopo com-
portamental com a premissa religiosa de papéis de gênero, ocorridos dentro
da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que tinham como objetivo o
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 375

condicionamento comportamental de gênero para mulheres e homens, ensi-


nando os fiéis como se comportar e até mesmo como se vestir, para estarem
de acordo com o ideal da igreja, que representaria, em si, o modo primeira-
mente idealizado por Deus. Seguir esse modelo seria, portanto, agir conforme
a vontade de Deus. Porém, diversos autores em seus estudos de campo, que
abordam o mesmo viés comportamental em outras denominações, apontam,
ainda que não sob apresentação tão bem estruturada, as mesmas instruções
sendo consagradas nos sermões e no discurso informal dos fiéis. Para as
mulheres, especificamente, Teixeira (2014) enfatiza o programa chamado
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Godllywood, formulado por Cristiane Cardoso, filha do bispo Edir Macedo,


fundador da IURD, em 2010. No site oficial, o programa não é apresentado
como um movimento ideológico, mas sim como um movimento que levanta
a bandeira da “Santidade ao Senhor”, e isso não é ideológico, e sim bíblico.
O programa se realiza através de tarefas, que a menina ou mulher deve
realizar (e postar em suas redes sociais), como ações de caridade, demons-
trações de carinho com os pais, tarefas domésticas, maneiras de se vestir e
de se comportar. Por exemplo, deixar de vestir decotes ou saias curtas, é uma
demonstração de fé e de alinhamento com o programa (Teixeira, 2014). Esse
conjunto de instruções reproduz um ideal de gênero que se projeta no corpo e
no psiquismo, elaborando um corpo feminino que é projetado para ser o ideal
de um feminino dócil e servil ao (futuro) marido, à família e à própria igreja.

Nesse aprendizado, o corpo é o principal instrumento a ser educado; logo,


é essencial compor um conjunto de aulas com técnicas para modificar a
postura, controlar o peso, as roupas e o cuidado de si. A docilidade do
corpo é o caminho para se apreender a ser mulher e, assim, garantir que
a família prospere. (Teixeira, 2014, p. 239).

Como já mencionado acima, o conceito de prosperidade é fundamental


para os pentecostais; a Teologia da Prosperidade basicamente remanejou uma
qualidade de vida que só seria possível no pós-vida para o hoje, o agora.
Sendo base teológica de uma nova concepção da religiosidade cristã, a polí-
tica da prosperidade se dá enquanto “conjunto de estratégias pedagógicas
performatizadas como linguagem teológica voltada para a gestão da vida de
uma população” (Teixeira, 2018, p. 47), que visa deter em si o controle das
condutas de seus fiéis. Enquanto o corpo feminino se coloca à disposição de
um papel de objeto-de-status para o poder, e não de objeto de poder em si,
naturaliza-se a posição de um objeto superior que detém ou controla esse
objeto-de-status. Dessa forma, a violência (em todas as suas formas – física,
psicológica ou emocional) se estabelece entre relações que não distinguem
poder de afeto, tampouco posse e dominância com cuidado e zelo.
376

Tais formatações discursivas e, portanto, culturais, grupais e políticas,


acabam por atualizar estratégias bastante assentadas naquilo que a historiadora
e antropóloga Lilia Schwarcz (2019) define como característico do autorita-
rismo brasileiro. São estratégias e configurações de formação de grupo e de
unidades de pensamento que comumente são encontradas em organizações
políticas com inclinação a um populismo autoritário. Há aí um incentivo
a polarizações que destacam um “nós” contra “eles”, contrastando realiza-
dores e usurpadores, manipulando Estado, leis, instituições e outras faces
dos poderes públicos, institucionais e mesmo da opinião pública de modo

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a defender um retorno a um passado glorioso, ordeiro e arraigada a valores
que apontam a vetores específicos quanto a família e tradições. Isso termina
por sustentar e cristalizar uma certa visão de sociedade que nada mais é do
que o do patriarcalismo.

As filhas do Pai: o corpo feminino representando o poder patriarcal

Ao observarmos o cenário político brasileiro da última década, podemos


facilmente considerar que a figura do Pai Primevo se repartiu em duas repre-
sentações personificadas em figuras de extremos opostos: Lula e Bolsonaro.
Esses líderes construíram não apenas movimentos políticos, mas movimentos
de massa na população, o lulismo e o bolsonarismo. Esses movimentos não
se destinam unicamente a validar conceitos políticos de gestão pública, mas
carregam diretrizes de formação de comportamento e crença que se destinam a
uma dessas forças extremistas, de direita com o Pai-arquetípico personificado
em Bolsonaro, ou de esquerda, com o Pai-arquetípico personificado em Lula.
Notamos que a cada um coube uma “filha do Pai”, figura que se destaca
como as detentoras do poder de suas figuras patriarcais. À esquerda, tivemos
a Dilma Roussef, que herdou a presidência em dois mandatos, não graças à
sua própria reputação, mas em grande parte pelo apoio e apelo de Lula pela
manutenção do poder por seu partido. À direita, temos Damares Alves, que
galgou seu lugar como ministra por sua influência religiosa e proximidade
ideológica a um dos alicerces do governo Bolsonaro: a proteção aos bons
costumes e da família “de bem”.
Como uma estratégia de fuga do papel de objeto-de-poder do líder ou
mesmo da submissão imposta socialmente, a mulher pode se refugiar na figura
de “Filha do Pai”, aspecto simbólico que descreve a filha que se espelha no
pai e representa o poder patriarcal em si mesma. Ao se espelhar no Pai Pri-
mevo, no Pai-líder-da-massa, essa filha não se concretiza enquanto objeto de
status de poder, mas sim, como objeto de detenção de poder – ainda que seja
um poder que não é genuinamente seu, mas lhe é dado como herança, pois a
princípio pertence ao seu Pai.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 377

O mito mais ilustrativo dessa imagem é o da deusa grega Atenas, que


nasceu da cabeça de Zeus já adulta e vestindo uma armadura dourada. Apesar
de ser também filha da deusa Métis (que fora engolida por Zeus), “Atenas
considerava-se portadora de um só genitor, Zeus, com quem esteve associada
para sempre. Foi o braço direito de seu pai, a única deusa olímpica a quem ele
confiou seu raio e égide, símbolos de seu poder” (Bolen, 1990, p. 117). Não
somente seus símbolos, mas Atena também carregava a ideologia do poder
patriarcal acima de qualquer outro. Dois contos traduzem melhor esse com-
portamento: o primeiro, é de Aracne, hábil artesã que, em uma disputa com
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a deusa, ousou expor as traições de Zeus à própria esposa e foi severamente


punida pela deusa Atenas, se transformando em aranha e fiando por toda
eternidade; o segundo conto, conhecido até hoje como “o voto de Minerva”,
dá a deusa o voto crucial sobre o caso de Orestes, herói grego que matou a
própria mãe Clitemnestra para vingar o assassinato de seu pai, Agamêmnon.
Em seu voto, a deusa Atena decretou que Orestes era inocente por defender
a honra do Pai, uma vez que a mãe deveria ter sido submissa ao esposo e
ao filho, e jamais, sob nenhuma circunstância, ter atentado contra o próprio
marido. Como os mitos relatam, para a Filha do Pai, o poder patriarcal está
acima de todas as leis e da integridade física e emocional de qualquer um.
Ambos os mitos apresentam como o discurso machista, que empodera o
masculino mesmo que em detrimento do feminino, como no caso de Atena;
da mesma forma, as mulheres que buscam de alguma forma se estabelecer no
status representativo do poder do Pai carregam em suas falas, gestos e ações o
empoderamento patriarcal e a posição da exceção concedida ao Pai Primevo.
Porém, quando esse papel não é executado adequadamente, ou seja, quando a
Filha do Pai não exerce sua função de modo a protagonizar o poder patriarcal,
ela tende a ser destituída de seu lugar no jogo de poderes.
Dilma Roussef tinha um discurso harmônico com pautas feministas,
como a igualdade de direitos, principalmente no trabalho, e mantinha uma
postura de “tolerância zero” à violência contra a mulher. Seus avanços, além da
nomeação de 18 ministras em 5 anos e meio de governo, resultou, em 2013, na
instalação do programa “Mulher: Viver sem Violência”, que abrigava mulhe-
res vítimas de violência doméstica, e em 2015, na sanção da lei que tornou
o feminicídio um crime hediondo no país (Chagas, 2015; Fagundez & Men-
donça, 2016; Matoso, 2015). Seu posicionamento feminista e de busca pelos
direitos da mulher, assim como de outras minorias, se mostrou uma faca de
dois gumes, ainda mais afiada que seu apadrinhamento pelo petista Lula.
Durante todo seu governo, a presidente foi alvo de chacotas, piadas
misóginas, fake news e memes (Carniel et al, 2018), num verdadeiro desfile
de mensagens de ódio que enfatizavam não sua posição de líder do Estado,
mas a figura da mulher. No aspecto simbólico, Dilma Rousseff passou a ser a
378

representação de uma filha desobediente do poder patriarcal primordial que,


ainda que fosse leal ao Pai humanizado, o ex-presidente Lula, se deslocava da
influência do símbolo em si. Nesse ínterim, as rixas polarizadas entre direita e
esquerda cresciam na população disparadamente, até que em 2016, a primeira
presidente mulher do Brasil enfrentou um processo de impeachment, tendo
como acusação um crime administrativo, apelidado de “pedaladas fiscais’’.
Apesar do motivo estritamente ligado ao cargo estatal, no ato da votação
da dissolução de seu mandato os discursos de integridade fiscal ou mesmo de
eficácia administrativa caíram por terra, cedendo lugar, nas diversas defesas de

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voto verbalizadas pelos deputados, a obstinada manutenção de um viés cultural
conservador, um apelo de salvo-resguardo dos valores dito como tradicionais.
A palavra “família” foi proferida mais de 110 vezes entre essas menções,
enquanto 72 deputados justificaram seus votos por causa “dos filhos”. Além
da família, outra numerosa justificativa foi “Deus”, utilizada por 50 deputados
federais, o que significa quase 10% dos integrantes da Casa (Reis, 2016).
Logo após a queda de Dilma, assume seu vice-presidente, Michel Temer,
e a primeira-dama, Marcela Temer é agraciada por representar novamente a
mulher ideal, na célebre manchete de uma revista de alta circulação no país:
“Marcela Temer: bela, recatada e do lar”. No subtítulo, vemos a mesma men-
ção do ideal pentecostal: “A quase primeira-dama, 43 anos mais jovem que
o marido, aparece pouco, gosta de vestidos na altura dos joelhos e sonha em
ter mais um filho com o vice” (Linhares, 2016). Dois anos depois, veremos
a próxima primeira-dama também preencher o mesmo modelo designado ao
papel de esposa-do-Pai, como mencionado acima, personificados na figura
de Michele Bolsonaro, mulher jovem, bonita aos padrões sociais, religiosa e
ativista pelos deficientes auditivos e visuais.
No governo Bolsonaro, Atena encontra seu lugar como a filha que não se
liga emocionalmente ao pai humano, mas tão somente ao poder representado
pelo Pai Primevo. Ministra da recém-criada pasta da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos, Damares Alves é advogada e pastora evangélica. Segundo
Datafolha, a avaliação de ótimo ou bom da ministra ficou em 39% para os que
ganham mais que dez salários mínimos, 43% para rendas de dois a dez salários
e 42% para os que recebem menos do que dois salários mínimos, consolidan-
do-a como a ministra mais bem avaliada pela população mais pobre no país
(Caram, 2019). Seu discurso prioriza as lutas contra a agenda conservadora,
e mesmo entre falas polêmicas como “menino veste azul, menina veste rosa”
à lembrança de ter se encontrado com Jesus em uma goiabeira, a ministra tem
se mostrado uma excelente estrategista na manutenção de sua função e status,
se mantendo popular. É de se considerar que essa popularidade “blindada” se
dá pela estabilidade e, até mesmo, pela ferocidade de seu discurso em prol do
que fora defendido ainda no impeachment de Dilma, os valores conservadores:
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 379

Em seu discurso de posse, a ministra tocou em pontos importantes como


o infanticídio, o abuso sexual, a pedofilia e a pluralidade que haveria em
sua pasta para defender os direitos da “família e da alegria”. Contudo, a
declaração de que o “Estado é laico, mas essa ministra é terrivelmente
evangélica” não foi reprovada por públicos de religiões distintas. No
mesmo discurso ela disse que os meninos seriam tratados como príncipes,
e as meninas, como princesas. (Redação Notícias, 2019).

Como detentora do saber sobre a família e as relações do grupo nuclear


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(primordial) quanto à formação do indivíduo, Damares se apresenta como


também mantenedora da posição da mulher como objeto-de-status de poder
e de submissão, validando o poder patriarcal político e religioso, ao contrário
de Dilma, que contrastava com o poder masculino e a condição do femi-
nino submisso.
É interessante notar que, embora o discurso oral seja distinto, os discursos
não-verbais, apresentados tanto pelos gestos contidos, pela composição de
figurinos e até mesmo a postura de ombros fortemente “encouraçada”, são
bastante próximos. Como filhas do pai e representantes desse poder patriar-
cal, o delinear do corpo se torna menos circular e mais quadricular, tal qual
comumente é o corpo masculino; também as roupas pouco ou nada acentuam
seios e quadris, no lugar de rendas ou florais há ternos robustos e camisas,
compondo um figurino muito próximo do que Bolen (1990, p. 128) considerou
como “vestimentas apropriadas a muitas mulheres tipo Atenas que cultivam
uma assexualidade imutável”. Em contrapartida, como vimos acima, o ideal
da mulher pentecostal se veste com saias, vestidos, rendas e saltos, que dife-
rem de uma vestimenta prática ou usual para o dia a dia profissional. Cabelos
curtos chegam a ser considerados uma ofensa à divindade, em determinadas
denominações da religião. Em entrevistas informais, algumas mulheres pen-
tecostais disseram usar calças “apenas para o trabalho”, e que na igreja usar
saia é um sinal de respeito a Deus (Laranjeira, 2020).
Tais evidentes contraposições nos apresentam o seguinte: que o corpo
feminino, enquanto Mulher-do-Pai (objeto de status-de-poder) busca evi-
denciar ao máximo o ideal feminino de fragilidade, delicadeza e beleza (no
senso comum), o que torna esse corpo-fragilizado também um corpo sub-
misso ao poder patriarcal. Por outro lado, a exceção (feminina) possível é
a consolidação desse papel de a Filha-do-Pai (objeto de representação do
poder do Pai), que reflete um corpo encouraçado, fechado, com roupas que
lhe escondem os atributos biológicos mais notórios (como seios e quadris),
e que representam um ar de autoridade, seriedade e, principalmente, eficácia
profissional. Esses corpos, amarrados em papéis que circundam a figura do
Masculino (o Pai), fortalecem a imagem do feminino atrelado e submisso ao
380

Masculino enquanto provedor de seu próprio significado, ou seja, sem que


haja um norteador masculino (patriarcal), o feminino não retém em si valor
próprio. Essa dependência de valor, consequentemente, abre portas para o
enfraquecimento (e desaparecimento) do valor da mulher enquanto indivíduo
independente e com poder sobre si mesma; ao contrário, reforça o valor da
mulher enquanto objeto-filha ou objeto-esposa, que é propriedade do detentor
do poder patriarcal.

De objeto de discurso a sujeitos com fala

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Sabemos que a política não se faz apenas por unidade, uma vez que as
contradições acompanham todo e qualquer fenômeno humano. Mesmo que
o socius tal como desenhado pelo mainstream evangélico pentecostal ainda
aponte para esse arcabouço patriarcal, machista e misógino que descrevemos,
através de certas figuras e configurações existenciais específicas, há bastante
divergência entre pesquisadores a respeito das relações entre homens e mulhe-
res no mundo evangélico (Spyer, 2020). Parece haver uma tomada de posição
não apenas entre lideranças evangélicas mais progressivas (que não devem ser
deixadas de lado quando falamos na população de confissão e pertencimento
evangélico), mas também porque o empoderamento que vem acompanhando a
ampliação do lugar e da visibilidade do segmento evangélico termina por criar
brechas para uma transmutação de certos valores e lugares pré-estabelecidos.
Há evidências que apontam para um silenciamento da violência contra
a mulher na comunidade evangélica, haja vista que tais casos são na maior
parte das vezes geridos dentro das próprias congregações, deixando o poder
de Estado e, portanto, justiça e polícia, bem longe. Entretanto, enquanto pes-
quisadores vinculados à psicanálise, psicologia clínica, psicologia social,
saúde coletiva e a sociologia e antropologia dos fenômenos religiosos, o que
sustentamos é que há espaço para certas reversões importantes no segmento
evangélico. Aí, em especial, devemos também entender que o pentecostalismo
é uma reação cultural a uma urbanização explosiva e traumática (Dip, 2018) e
a séculos de violência contra populações marginais, particularmente mulheres
e negros.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 381

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FEMME SOUMISE, MONDE EN ORDRE:
lectures psychanalytiques à propos de la
soumission de la femme et de son corps dans
la discursivité évangélique et dans la politique
Gabriel Inticher Binkowski
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Gisele Laranjeira

Introduction à la femme comme « objet-problème »

Introduire le sujet de la « femme » à partir de la psychanalyse nous


mène à assumer que le projet freudien s’inaugure dans la douleur des femmes
(Molina, 2015). En effet, nous nous référons aux douleurs, souffrances, ennuis
et détresse des femmes hystériques de la Vienne bourgeoise de la fin du
XIXème, point de départ primordial de la clinique freudienne, dont la méthode
et l’orientation vers le psychopathologique a structuré des modalités de penser
la vie psychique de façon à comprendre des symptômes et clivages subjec-
tifs comme réponse légitime aux conflits entre le sujet et les discours de son
univers social et culturel.
Dans le champ discursif psychanalytique, la femme fut d’abord objet
d’intervention (l’hystérique), de désir (la mère œdipienne), d’horreur (l’évi-
dence visuelle de la castration), d’investigation (le complexe d’Œdipe de
la fille) et d’énigme (le désir de la femme). Il est cependant nécessaire de
signaler que les constructions d’auteurs comme Freud et Lacan sur la sexua-
lité, la castration, le phallus et les opérations de sexuation n’impliquent pas
forcément des pensées phallocentriques et normatives (Rivera, 2020). À ce
propos, l’approche de Freud sur la sexualité dès les Trois essais sur la théo-
rie de la sexualité (1905/2016) se présente comme une proposition de déta-
chement radical entre pulsion et objet. Or l’objet avec lequel le plaisir est
cherché est arbitraire, marqué par l’érotisation, laquelle fonctionne par le
biais d’une ampliation d’une tension inconfortable, l’excitation. Un tel point
d’ancrage théorique rend problématique toute possibilité de normalisation
présente dans les discours qui animent le social et la culture, c’est-à-dire le
discours de l’Autre.
Ceci dit, ce que la psychanalyse préfigure, indépendamment du style
discursif et technique par lequel elle opère, est que la position sexuée du
sujet, c’est-à-dire sa relation érotique avec l’altérité, est une combinaison de
rencontres identificatoires qui transitent entre l’extrême singularité du parcours
386

du sujet et la fixité de certains signifiants (La Tessa, 2019) qui sont calqués sur
une configuration symbolique-imaginaire, c’est-à-dire sur un univers social,
culturel et politique. Il s’agit là d’une conclusion et d’un vecteur éthique
fondamental pour la psychanalyse, qui implique la possibilité, à l’aide de ses
outils conceptuels et méthodologiques, d’interroger le discours de l’Autre,
c’est-à-dire les formations sociales, culturelles et politiques où la femme
apparaît comme un signifiant qui marque des êtres dont le corps se caractérise
par une certaine anatomie. Ce risque, cette rigidité c’est ce qui fait qu’une
femme soit prise comme un produit déformé de son opposé, l’homme.

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Les débats sur la psychanalyse, la sexualité et le genre sont le cadre
d’un champ de bataille, tout en contribuant, ces dernières années, à faire une
psychanalyse plus en résonnance avec le temps présent, à l’instar des études
sur la violence d’État et le racisme au Brésil. Ces discussions mettent en
évidence l’effort de la part de psychanalystes, chercheurs en psychanalyse et
dans des domaines connexes, ainsi que de la part d’institutions, de groupes
et de collectifs qui mettent en évidence la naturalisation de certains discours,
structures et configurations sociétales tout en proposant des interventions sur
la société à partir de lectures qui visent à dévoiler ses fonctionnements. En
fin de compte, il s’agit là de configurations qui réduisent les possibilités de
l’expérience et étouffent des êtres humains en raison de leurs caractéristiques,
choix, appartenances ou styles de vie et de relations.
Dans l’actualité de la société brésilienne, dans les discours, configura-
tions et tensions qui la caractérisent, la place conquise par des organisations,
représentants politiques et culturels qui font partie de ce qu’on appellera sim-
plement « discursivité évangélique » est indéniable. Il est vrai que l’ensemble
des organisations, discours et dérivés de l’évangélisme brésilien, dans ses
versants pentecôtistes comme neopentecôtistes, est assez varié et replet de
contradictions. Toutefois, nous avons choisi d’opérer une certaine simplifi-
cation en vue d’enquêter sur la place de la femme dans cette discursivité. Ce
qui nous intéresse est donc d’envisager certaines lignes fondamentales qui
organisent ce champ discursif dit évangélique de façon à saisir les effets de
cette discursivité sur la politique, les acteurs sociaux, la subjectivité en général
et les configurations et structures qui développent et organisent quelques-unes
des principales modalités d’être, d’exister, de sentir et de penser au Brésil.
Or ce sont les lignes existentielles et discursives qui se montrent au travers
de nos modalités de lien social.
Pour la psychanalyse, notamment à partir des apports de Jacques Lacan,
lien social et discours sont pensés comme équivalents (Lacan, 1975). Ceci dit,
notre pari méthodologique est de saisir certains points qui se détachent dans
la discursivité évangélique, notamment ce qui apparaît dans les énoncés sur
la femme, son corps, la mère-épouse, etc. Cela peut être fait soit par ce qui
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 387

est dit, les figures et d’autres phénomènes qui accompagnent ou qui sont en
relation d’opposition à ces signifiants, ou partout l’arrangement discursif qui
les met en opposition à une certaine figuration de l’homme, du masculin et
d’un imaginaire qui pointe vers les figures du Père et des fils qui tissent des
dispositifs. Tels dispositifs peuvent être de nature juridiques et légaux, car
soutiennent des modalités de configuration familiale, de gestion des corps,
des vies, des plaisir et rapports. Suivant Rosa (2016), les dimensions synchro-
niques et diachroniques du discours sont impliquées dans les tensions entre
le désir et les fictions discursives qui le modulent.
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Face à ce panorama, lorsqu’on parle de religion, de pratiques religieuses


et de discours religieux, des notions telles que celles de croyance ou de pra-
tiques rituelles individuelles et collectives importent peu, étant donné que
c’est par le biais du discours que se tissent des liens sociaux qui forgent la
subjectivité. Dans le cas de cette modalité de monothéisme dit protestantisme
évangélique, ce qui ressort en vue de notre analyse est la façon dont la femme
est pensée, figurée, au moyen de quels signifiants, imaginaire et compositions
symboliques elle est désignée à partir de la Loi qui instaure le lien social
entre les humains. Comme le souligne Pommier (1998), on n’atteint jamais
un vrai monothéisme puisqu’aucune des religiosités structurées autour d’une
seule figure divine n’a jamais pu se passer d’intercesseurs, tels que les entités
intermédiaires, les esprits qui négocient, les anges, démons, saints, etc. Ce
sont des figures présentes pour garantir que la Loi soit appliquée à partir des
contextes existentiels locaux d’une culture donnée. C’est à travers l’analyse
de ces intercesseurs qu’au bout du compte, l’on retrouve une complexité dis-
cursive avec des effets concrets où, comme le suggère Pommier, la religion
monothéiste assure son pouvoir fondateur face à la collectivité et à la foule,
c’est-à-dire qu’elle fait fonctionner une psychologie des foules et des groupes.
Que l’on soit croyant ou pas, les rituels pratiqués tels que l’utilisation de
signifiants et de composés symbolico-imaginaires qui visent la subjectivité
religieuse opèrent au travers de la régulation de la jouissance, donc dans le
tissage entre sujet et collectif, individu et culture, assurant finalement une
Loi qui est celle du Nom-du-Père. Dans les pages suivantes, nous démêlons
certains de ces composés qui aujourd’hui décantent dans la société brésilienne
et qui font des compositions et, nous croyons, annoncent des catastrophes.

Le Père primordial et la place de l’homme et de la femme dans


le monde pentecôtiste

Dans son ouvrage Psychologie des Foules et Analyse du Moi, Freud


(1921/2002) a proposé la célèbre hypothèse du mythe du Père primordial,
chef de la horde primitive dont l’assassinat serait à la base du pacte fraternel
388

qui limite la jouissance pour le bien commun, générant ainsi la société. Le


mythe se concentre sur la figure d’un leader masculin, qui, entouré de ses fils,
oscille entre la personnalisation d’un pouvoir divin et le narcissisme humain.
Pour la psychanalyse, ce mythe équivaut à un mythe fondateur de la compré-
hension de l’établissement des masses et, par conséquent, soutient l’analyse
psychologique de la relation entre leader-groupe, État-société, Église-fidèle.
Il est étonnant que, dans ce mythe fondateur de l’organisation des masses,
la femme se présente comme objet permettant d’acquérir un statut social : seul
le Père primordial a accès aux femmes, laissant au fils qui lui succède (s’il y en

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a un) ce privilège et l’exception à la règle de maîtriser des pulsions sexuelles.

Le père de la horde primitive n’était pas encore immortel, comme il l’est


devenu plus tard, par suite de sa divinisation. Lorsqu’il mourait, il fallait
le remplacer, et sa succession était probablement assumée par le plus jeune
de ses fils qui était jusqu’alors un simple individu de la foule, comme tous
les autres. Il doit être possible de transformer la psychologie collective en
psychologie individuelle, de trouver les conditions dans lesquelles cette
transformation est susceptible de s’effectuer, de même qu’il est possible,
chez les abeilles, de faire produire d’une larve, en cas de besoin, une reine
à la place d’une ouvrière. On ne peut ici imaginer la situation suivante :
le père primitif empêchait ses fils de satisfaire leurs tendances sexuelles
directes ; il leur imposait l’abstinence, ce qui eut pour conséquence, à
titre de dérivation, l’établissement de liens affectifs qui les rattachaient
à lui-même et les uns aux autres. Il les a, pour ainsi dire, introduits de
force dans la psychologie collective. Ce sont sa jalousie sexuelle et son
intolérance qui ont, en dernière analyse, créé la psychologie collective.
Devant celui qui devenait son successeur s’ouvrait la possibilité de la satis-
faction sexuelle, ce qui avait pour effet l’affirmation de sa psychologie indi-
viduelle en face de la psychologie collective. La fixation de sa libido sur une
femme, la possibilité de satisfaire immédiatement et sans délai ses besoins
sexuels diminuaient l’importance des tendances déviées du but sexuel et
augmentaient d’autant le degré du narcissisme” (Freud, 1921/2002, p. 55).

La place que la femme occupe dans ce mythe est celle d’une sujétion
totale au pouvoir exercé par le Père primordial et son éventuel successeur.
Le mythe patriarcal suggéré par Freud comme étant l’édificateur de la pensée
primitive présente une formation sociale établie dans la hiérarchie promue par
un homme-leader, les hommes-fils (qui désirent le pouvoir) et les femmes,
celles-ci étant l’objet qui donne du sens à ce pouvoir. La soumission de la
femme en tant qu’objet de statuts de pouvoir et la qualité de la relation de
l’homme avec cette figure féminine soumise confère au sujet masculin un
certain rang social qui lui procure pouvoir et prestige dans le groupe, que ce
soit le groupe social, le groupe familial ou le groupe institutionnel, comme
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 389

dans le cas des religions. Par conséquent, cette image de la femme s’enracine
dans le moule que la foule va s’approprier du rôle et de la place de l’homme
et de la femme.
Dans ce chapitre nous mettons en relief un groupe social en particulier,
celui des évangéliques brésiliens, en vue d’analyser l’extension du rôle de la
femme et donc la violence naturalisée par ce lieu social. Le choix de ce groupe
n’est pas aléatoire : au-delà d’une grande expansion du nombre de fidèles, les
évangéliques occupent des espaces toujours plus importants dans les médias,
dans la culture et principalement dans la politique brésilienne. Ceci dit, bien
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que 58% des pentecôtistes soient des femmes (surtout des femmes noires), il
est très rare de les retrouver parmi les leaders.

« De Edir Macedo à Silas Malafaia, les visages les plus connus du mou-
vement évangélique sont masculins, et le plus courant est de rencontrer
des prêcheurs hommes. Cependant, dans les files pour demander le salut
et pour rendre la dîme les femmes sont la majorité, dans ce qui est le
deuxième groupe religieux du Brésil, représentant 31% de la population »
(Balloussier, 2020, traduction nôtre).

Un autre facteur important est de mettre en évidence l’importance des


influences pentecôtistes dans le panorama brésilien à partir de deux nouvelles
inspirations théologiques, la Théologie de la Prospérité et la Théologie de la
Maîtrise, qui provoquent un fort impact dans le comportement religieux, social
et politique des fidèles. La Théologie de la Prospérité transforme profondément
les attentes du mode de vie du fidèle : avant, il s’attendait à une vie prospère
et heureuse seulement après sa mort, mais désormais c’est dans la santé, la
joie et notamment dans la richesse qu’il peut faire partie d’une Nouvelle
Alliance entre Dieu et les chrétiens, dans une sorte de nouveau pacte en vue
de la préparation pour la deuxième venue de Jésus. Être prospère n’est pas
seulement un droit, mais aussi le résultat de l’harmonie et de la foi du fidèle
à l’égard de la divinité. En conséquence, la pauvreté, la maladie et la tristesse
sont des signaux qui indiquent la distance du fidèle par rapport au peuple de
Dieu et l’action du Diable (l’Ennemi). Dans cet aspect, la Théologie de la
Maîtrise implique que les fidèles, tout en étant les héritiers de cette nouvelle
alliance, doivent maîtriser et dominer les espaces les plus divers de la société,
faisant que la Parole de Dieu, ainsi comme Sa Volonté, puisse atteindre tous et
promouvoir un monde de paix et prospérité. Sans cette maîtrise (religieuse),
le monde serait soumis à l’action du Diable et éloigné de la Grâce Divine.
C’est à partir de cette nouvelle interprétation théologique que les religieux
chrétiens, notamment les pentecôtistes, ceux qui avant opéraient par le biais
des structures de soutien social là où l’État se faisait absent, commencent à se
390

penser comme des représentants de la volonté de Dieu et donc des mission-


naires tant religieux que politiques, en quête de transformer un État incompé-
tent en gouvernement régi durement par les lois de Dieu (Boechat & Py, 2018;
Guadalupe, 2018; Guadalupe, 2019). Cette transformation comportementale
ne se limite pas seulement à l’insertion sociale et au redimensionnement de
l’actuation politique des groupes religieux ; avant d’altérer ou de promouvoir
des lois, l’on sait qu’il faut conditionner et rééduquer la culture, la société à
partir des lois divines. Cela étant, la présence constante du pentecôtisme dans
les médias brésiliens est fondamentale pour la croissance de la religion, par

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les émissions de radio, de télé, internet et aussi par le développement de la
musique gospel. De plus, s’il y a une instance qui détermine l’émancipation
d’une ou d’autre culturel, il s’agit du noyau social primaire de chaque indi-
vidu, c’est-à-dire sa famille. C’est par le biais de l’introduction des coutumes
pentecôtistes au sein de la famille que la religion gagne du terrain de façon la
plus conséquente, principalement lorsqu’elle établit quels sont les rôles pour
hommes et femmes.

La place de la femme et son corps : fille et femme du Père

Dans la structure mythique-religieuse chrétienne, notamment sous la con-


ception pentecôtiste et dans les apports qui caractérisent le néopentecôtisme, la
femme, telle que dans le mythe du Père primordial, ne détient pas de pouvoir
(d’une portée sociale) par elle-même, mais elle le trouve dans la condition
d’épouse, un statut hautement estimé dans le groupe (religieux) en tant que
garant de la famille, du bien-être du mari et de l’éducation des enfants. Du
point de vue pentecôtiste, le mariage hétérosexuel est la pierre fondamentale
pour l’édification de la vie familiale, c’est aussi une porte d’ascension pour
le milieu pastoral, tant pour le mari comme pour le couple – cela dépend du
groupe religieux. Ce que l’on peut observer c’est que la femme célibataire,
dans la plupart des églises pentecôtistes, ne reçoit que rarement de la recon-
naissance sous la forme d’une ascension dans la hiérarchie institutionnelle,
malgré le temps dévoué à la communauté, les dons spirituels ou ses actes
de charité. C’est exclusivement par le mariage qu’elle pourra intégrer le
corps sacerdotal, et pas toujours comme épouse, mais souvent dans la figure
d’épouse du pasteur.

« Femmes, soyez soumises à vos maris, comme au Seigneur ; car le mari


est le chef de la femme, comme Christ est le chef de l’Église, qui est son
corps, et dont il est le Sauveur. Or, de même que l’Église est soumise au
Christ, les femmes aussi doivent l’être à leurs maris en toutes choses »
(Bible, Éphésiens 5, v. 22-24).
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 391

Cet extrait est souvent utilisé par les groupes évangéliques pour expliquer
la soumission de l’épouse au mari, de la femme à l’homme, ainsi que la divi-
sion des rôles selon le genre. Cette division est la condition essentielle pour la
conversion du fidèle, qui apprend dans l’église les déterminations du Dieu à
l’égard de ses enfants, à partir de la construction d’un foyer familial chrétien.
La chercheuse brésilienne Jacqueline Moraes Teixeira s’est penchée
sur les programmes visant précisément l’alignement d’une portée comporte-
mentale avec la prémisse religieuse des rôles de genre, tel qu’elle a lieu dans
l’Église Universelle du Royaume de Dieu (IURD). Ces programmes ont pour
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but le conditionnement comportemental de genre pour femmes et hommes,


les fidèles apprenant la manière dont ils doivent se comporter, s’habiller, afin
d’être en accord avec les idéaux de l’Église, qui représenteraient ce qui a
été conçu par Dieu. Suivre ce modèle correspond donc agir selon la volonté
divine. Plusieurs auteurs qui se dédient à cette question dans d’autres églises
évangéliques signalent que même quand ces représentations ne sont pas très
clairement structurées, les mêmes instructions sont transmises et consacrées
dans les sermons et dans le discours informel des fidèles. Pour les femmes
notamment, Teixeira (2014) cible le programme Godllywood, créé en 2010
par Cristiane Cardoso, fille de l’évêque Edir Macedo, fondateur de l’IURD.
Dans le site internet officiel, le programme n’est pas présenté comme un
mouvement idéologique, mais comme un mouvement qui hisse le drapeau de
la « Sainteté pour le Seigneur », ce qui serait biblique et non pas idéologique
selon les conceptions du groupe.
Le programme suit des tâches que la jeune fille, ou femme, doit réaliser
(et afficher sur ses réseaux sociaux), comme des actes de charité, montrer de
la tendresse envers ses parents, accomplir les tâches domestiques de son foyer,
s’habiller et se comporter selon ce qui est attendu. Par exemple, éviter les
décolletés ou des jupes courtes est une démonstration de foi et d’alignement
avec le programme (Teixeira, 2014). Cet ensemble d’instructions reproduit
un idéal de genre qui se projette sur le corps et sur le psychisme, élaborant
un corps féminin projeté comme un idéal féminin de docilité et servitude au
(futur) époux, à la famille et à l’église.

Dans cet apprentissage, le corps est le principal instrument à être éduqué,


donc l’essentiel est de suivre un ensemble de cours avec des techniques
pour modifier la posture, contrôler le poids, les vêtements et le souci de
soi. La docilité du corps est la route pour apprendre à être femme et ainsi
garantir que la famille prospère » (Teixeira, 2014, p. 239, traduction nôtre).

Comme mentionné plus haut, le concept de prospérité est fondamental


pour les pentecôtistes. La Théologie de la Prospérité a simplement réalisé la
392

transition de l’idée d’une qualité de vie auparavant pensée comme propre à


l’au-delà, à l’après-vie, vers l’idée qu’elle serait atteignable dans l’aujourd’hui,
dans la vie actuelle du fidèle. En tant que base théologique d’une conception
nouvelle de la religiosité chrétienne, la politique de la prospérité se montre
en tant qu’« ensemble de stratégies pédagogiques performées comme langage
théologique tourné vers la gestion de la vie d’une population » (Teixeira, 2018,
p. 47), visant à détenir en soi le contrôle des conduites des fidèles. Tant que
le corps féminin se place à disposition d’un rôle d’objet-de-statuts pour le
gain de pouvoir, et non pas de pouvoir en soi, l’on naturalise la position d’un

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objet supérieur qui détient ou contrôle cet objet-de-statuts. De cette façon, la
violence (dans toutes ses formes – physique, psychologique ou émotionnelle)
s’établit dans les relations qui ne peuvent séparer ni pouvoir et affection, ni
possession et domination, ni soin et zèle.
L’ensemble de ces formations discursives, et donc culturelles, groupales
et politiques rendent comptent de stratégies basées sur ce que l’historienne et
anthropologue Lilia Schwarcz (2019) définit comme la caractéristique la plus
forte de l’autoritarisme brésilien. Il s’agit de stratégies et de configurations de
formation de groupe et d’unité de pensée qui se retrouvent souvent dans des
organisations politiques qui tendent vers un populisme autoritaire. Il y a là
une incitation à des polarisations qui mettent en opposition un « nous » contre
un « eux », opposant ceux qui seraient des réalisateurs de ceux qui seraient
des usurpateurs, ainsi qu’une manipulation de l’État, des lois, institutions et
d’autres instances des pouvoirs publics, institutionnels et même de l’opinion
publique, avec l’intention de défendre un retour à un passé glorieux, d’ordre
et attaché aux valeurs liées à des vecteurs spécifiques concernant la famille
et les traditions. Cela finit par soutenir et cristalliser une certaine vision de la
société qui n’est rien d’autre que celle du patriarcat.

Les filles du Père : le corps féminin comme représentation du


pouvoir patriarcal

Lorsqu’on observe le scénario brésilien des dernières décennies, appa-


rait de façon assez évidente la figure d’un Père Primordial clivée en deux
représentations plutôt antagoniques : Lula et Bolsonaro. Ces leaders ont bâti
non seulement des mouvements politiques, mais de vrais mouvements de
foule dans la population, le « lullisme » et le « bolsonarisme ». Ce sont des
mouvements qui n’ont pas seulement tenté de mettre en œuvre certaines
conceptions de la gestion publique, mais qui sont aussi porteurs de lignes
directrices de formation, de comportement et de croyance soutenues par les
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 393

forces extrémistes, celle du Père-archétype personnifié par Bolsonaro pour la


droite, et celle du Père-archétype rapporté à Lula pour la gauche.
Pour chacun, l’on remarque une « Fille du Père », une autre figure qui
se détache comme détenant le pouvoir de la figure parentale. À gauche, il y a
eu Dilma Roussef, héritière de la présidence en deux mandats, pas vraiment
grâce à sa réputation, mais surtout en raison du soutien et du support de Lula
en vue du maintien du pouvoir par son parti. À droite, il y a Damares Alves,
qui a obtenu sa place de ministre d’État en raison de son influence religieuse
et de la proximité idéologique vis-à-vis d’un des fondements du gouverne-
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ment Bolsonaro : il s’agit de la protection des « bonnes coutumes » et de la


famille « de bien ».
Suivant une stratégie pour échapper au rôle d’objet-de-pouvoir du leader
ou encore à la soumission socialement imposée, la femme peut se réfugier dans
la figure de « Fille du Père », un caractère symbolique qui correspond à la fille
qui se reflète dans le père et représente le pouvoir patriarcal en elle-même.
Sous l’égide de ce reflet du Père Primordial, le Père-leader-de-la-foule, cette
fille n’existe pas en tant qu’objet de statuts de pouvoir, mais en tant qu’objet
de détention de pouvoir – quoique cela ne soit pas un pouvoir véritablement
à elle, mais plutôt un héritage de ce qui auparavant était détenu par le Père.
Le mythe le plus illustratif de cette image est celui de la déesse Athéna,
née de la tête de Zeus à l’âge adulte et portant une armure dorée. Bien qu’elle
soit aussi fille de la déesse Métis (qui avait été avalée par Zeus), « Athéna se
considérait comme la porteuse d’un seul géniteur, Zeus, avec qui elle était
associée pour toujours. Elle était le bras droit de son père, la seule déesse
olympique à qui il a confié son tonnerre et son égide, symboles de son pou-
voir » (Bolen, 1990, p. 117, traduction nôtre). Au-delà des symboles, Athéna
portait aussi l’idéologie du pouvoir patriarcal au-dessus de tout autre. Deux
contes traduisent bien cet aspect : le premier est l’histoire d’Arachné, habile
artisane qui, en se disputant avec la déesse Athéna, avait osé révéler les tra-
hisons de Zeus envers sa propre femme et fut punie sévèrement par Athéna,
qui la transforma en araignée filant pour toute l’éternité ; le deuxième conte,
connu jusqu’à nos jours par l’expression « le vote de Minerve », donne à
la déesse le vote crucial sur le cas d’Oreste, un héros grec qui tua sa propre
mère, Clytemnestre, afin de venger l’assassinat de son père, Agamemnon. La
déesse Athéna décréta par son vote qu’Oreste était innocent vu qu’il défendait
l’honneur du Père, étant donné que la mère devait être soumise à l’époux et
au fils, et n’aurait par conséquent jamais du commettre cet attentat contre
son mari. Tel qu’il apparait dans les mythes, pour la fille du Père, le pouvoir
patriarcal est au-dessus de toutes les lois et de l’intégrité physique et émo-
tionnelle de chacun.
394

Les deux mythes présentent un discours qui peut être considéré comme
machiste, où le pouvoir de l’homme est en correspondance avec la faiblesse
de la femme, comme dans le cas d’Athéna ; de la même façon, les femmes
cherchant à acquérir un statut représentatif à partir du pouvoir du Père portent
dans leurs paroles, gestes et actions le statut de pouvoir patriarcal et la position
d’exception accordée au Père primordial. Toutefois, lorsque ce rôle n’est pas
exécuté convenablement, c’est-à-dire quand la Fille du Père n’exerce pas sa
fonction en vue d’un protagonisme patriarcal, elle finit par se faire destituer
de sa place dans le jeu du pouvoir.

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Dilma Roussef soutenait un discours en harmonie avec les lignes direc-
trices féministes, telle que l’égalité des droits, notamment dans le marché du
travail, et tenait aussi une posture de tolérance zéro vis-à-vis de la violence
contre la femme. Ayant nommé 18 femmes ministres en cinq ans et demi de
gouvernement, les avancées conquises ont passé surtout par l’installation du
programme « Femme : Vivre sans Violence » en 2013, qui visait l’héberge-
ment de femmes victimes de violence domestique, et de la loi qui a fait du
féminicide un crime odieux (Chagas, 2015 ; Fagundez & Mendonça, 2016 ;
Matoso, 2015). Son positionnement aligné avec le féminisme et la quête de
droits des femmes, ainsi que pour d’autres minorités, s’est montré une épée
à double tranchant, plus pointue que son affiliation avec ex-président Lula.
Tout au long de son mandat, la présidente a été la cible de taquineries,
blagues misogynes, fake news et memes (Carniel et al, 2018), dans un véritable
défilé de messages haineux qui ne s’adressent pas à sa position de chef d’État,
mais au fait qu’elle est une femme. Sur le plan symbolique, Dilma Roussef
est devenue la représentation d’une fille désobéissante vis-à-vis du pouvoir
patriarcal primordial qui, bien qu’attachée à un Père humanisé comme Lula,
s’est éloignée de l’influence du symbole lui-même. Entretemps, les querelles
polarisées entre la droite et la gauche augmentaient dans la population, de
sorte qu’en 2016 la première femme élue à la présidence de la République
au Brésil s’est faite destituer, avec l’accusation d’un crime administratif,
surnommé « pédalage fiscal ».
Malgré un processus strictement lié à sa gestion administrative, pen-
dant la votation pour la destitution dans la chambre des députés les discours
évoquant l’intégrité fiscale et l’efficacité administrative s’effondrèrent : dans
leurs manifestations de justification de vote, les députés citaient la défense
des valeurs dite traditionnelles et le maintien d’un biais conservateur. Le mot
« famille » a été évoqué 110 fois dans les discours, tandis que 72 députés ont
justifié leurs votes « en raison de leurs enfants ». Au-delà de la famille, 50
députés ont parlé de « Dieu », environ 10% des membre de la Chambre
(Reis, 2016).
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 395

Suite à la destitution de Dilma, le vice-président Michel Temer reprend


le poste, ayant à ses côtés la première dame Marcela Temer. À l’époque, le
portrait de Marcela Temer est apparu en couverture d’un magazine de grande
circulation du pays, avec comme titre : « Marcela Temer : belle, sage et au
foyer ». La légende affichait une proximité d’avec l’idéal pentecôtiste : « La
première dame, 43 ans plus jeune que son mari, se montre peu, aime les robes
à la hauteur du genou et rêve d’avoir un autre enfant avec le vice-président »
(Linhares, 2016, traduction libre). Deux ans plus tard, la nouvelle première
dame rempli ce même rôle modèle d’épouse du Père : il s’agit de Michele
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Bolsonaro, jeune femme, dont la beauté est celle des standards sociaux, reli-
gieuse et activiste pour le droit des malentendants et des malvoyants.
Dans le gouvernement Bolsonaro, Athéna retrouve sa place comme la
fille qui ne s’attache pas émotionnellement au père humain, mais plutôt au
pouvoir représenté par le Père Primordial. Ministre d’État dans le minis-
tère de la Femme, de la Famille et des Droits de l’Homme récemment créé,
Damares Alves est avocate et prêcheuse évangélique. Selon Datafolha, institut
de sondages renommé, l’évaluation de son mandat comme excellent ou bon
est de 39% pour ceux qui gagnent plus de dix fois le salaire minimum, 43%
pour les rentes de deux à dix fois le salaire minimum et 42% pour ceux qui
reçoivent moins de deux fois le salaire minimum, ce qui fait d’elle la ministre
la mieux évaluée par la population plus pauvre (Caram, 2019). Son discours
priorise les combats d’un agenda conservateur, et bien qu’ayant suscité des
polémiques suite à sa déclaration « Les garçon s’habillent en bleu, les filles
en rose » à la révélation du souvenir d’avoir eu une vision de Jésus monté sur
un goyavier [lorsqu’elle était enfant et victime d’abus sexuels], la ministre
s’est montrée un excellent stratège dans le but de conserver son poste et son
statut, ainsi que sa popularité. Il faut aussi considérer que cette popularité
« blindée » se construit grâce à la stabilité et à la férocité de son discours qui
touche des points centraux de ce qui a été soutenu lors de la destitution de
Dilma, les valeurs conservatrices :

« Dans son discours d’investiture, la ministre a abordé des points impor-


tants tels que l’infanticide, les abus sexuels, la pédophilie et la pluralité
qui font partie de son projet visant à soutenir les droits de « la famille et
de la joie ». Cependant, l’affirmation selon laquelle « l’État est laïc, mais
cette ministre est terriblement évangélique » n’a pas été désapprouvée
par les fidèles d’autres confessions. Dans le même discours elle a dit que
les garçons seraient traités comme des princes et les filles comme des
princesses » (Redação Notícias, 2019).
396

Comme si elle détenait le savoir sur la famille et les relations du groupe


nucléaire (primordial) à propos de la formation de l’individu, Damares se
présente en tant que garante de la position de femme comme objet-de-statut
de pouvoir et de soumission, ce qui valide le pouvoir politique et religieux,
à l’inverse de Dilma, laquelle s’opposait au pouvoir masculin et la condition
du féminin soumis.
Il est intéressant de remarquer que, malgré leurs discours oraux assez
distincts, la partie non-verbale des discours présentés est assez proche, fait de
gestes durs, des vêtements sobres et d’une posture de bataille. Toutes les deux

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filles du Père et représentants du pouvoir patriarcal, elles affichent posture
carrée, ce qui est souvent associé avec le corps masculin ; par ailleurs, toutes
les deux ont l’habitude de porter des vêtements qui ne marquent pas les seins
ni les hanches ; au lieu de vêtements en dentelle ou fleurs l’on trouve sur les
vestes et des chemises, composant un visuel plus proche de ce que Bolen
considère comme « des vêtements plus appropriés aux femmes Athéna, qui
cultivent une asexualité immuable » (Bolen, 1990, p. 128, traduction libre).
En revanche, comme l’on a vu plus haut, l’idéal de la femme pentecôtiste est
celui d’une femme habillée avec des jupes, des robes en dentelle et des talons,
ce qui contraste avec des vêtements plus pratiques et adaptés à un quotidien
professionnel. Des cheveux courts sont même considérés comme une offense
à Dieu parmi certains groupes confessionnels. Interrogées informellement,
certaines femmes pentecôtistes ont avoué ne porter des pantalons « que pour
le travail », puisque dans l’église porter une jupe serait un signe de respect
envers Dieu (Laranjeira, 2020).
De telles oppositions nous révèlent que : d’une part, le corps féminin,
en tant que Femme-du-Père (objet de statut-de-pouvoir), met en évidence de
façon marquée l’idéal de féminité fragile, délicate et belle (au sens ordinaire
du terme), ce qui fait de ce corps fragile un corps aussi soumis au pouvoir
patriarcal. D’autre part, l’exception (féminine) rend visible la consolidation
d’un rôle de Fille-du-Père (objet de représentation du pouvoir du Père), ce
qui reflète un corps dur, fermé, masquant les indices des attributs biologiques
féminines (tels que les seins et les hanches), afin de gagner un certain élan
d’autorité, de sérieux et principalement d’efficacité professionnelle. Ces corps
attachés à des rôles qui entourent la figure du Masculin (Père) renforcent
l’image d’un féminin dépendant et soumis au Masculin en tant que porteur
de signification, c’est à dire que le féminin ne trouve pas de valeur sans la
présence d’un masculin (patriarcal) comme vecteur d’orientation. Par consé-
quent, cette dépendance de valeur ouvre les portes pour l’affaiblissement
(et la disparition) de la femme en tant qu’individu indépendant et doté de
pouvoir sur soi-même ; bien au contraire, elle renforce la valeur de la femme
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 397

en tant qu’objet-fille ou encore objet-épouse, propriété de celui qui détient


le pouvoir patriarcal.

D’objet de discours à sujets dotés de parole

Nous savons que la politique n’est pas faite que d’’unité, étant donné que
les contradictions font partie de tout phénomène humain. Quoique le socius tel
qu’il est conçu par le mainstream évangélique pentecôtiste pointe encore vers
le paradigme patriarcal, machiste et misogyne que l’on a décrit, il est néan-
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moins possible de signaler certaines différences répertoriées par des chercheurs


à propos d’autres configurations existentielles des rapports entre hommes et
femmes dans le monde évangélique (Spyer, 2020). Il nous semble qu’il existe
une prise de position non seulement parmi certains leaders évangéliques plus
progressifs (qui ne peuvent pas être ignorés lorsqu’on parle de la population de
confession et appartenance évangélique), mais aussi lié à la prise de pouvoir
qui accompagne la montée en puissance des mouvements évangéliques, provo-
quant des brèches permettant la transmutation de quelques valeurs préétablies.
Il y a des preuves qui indiquent que les cas de violence contre la femme
au sein des communautés évangéliques sont souvent mis sous silence, étant
gérés dans les congrégations elles-mêmes, échappant ainsi au pouvoir de
l’État, de la justice et la police. Pourtant, en tant que chercheurs liés à la
psychanalyse, à la psychologie clinique, à la psychologie sociale, à la santé
collective et à la sociologie et à l’anthropologie des faits religieux, ce que nous
soutenons est qu’il y a de l’espace pour opérer des reversions importantes
dans le segment évangélique de la population. Plus spécifiquement, il faut
comprendre que le pentecôtisme est une réaction culturelle à une urbanisation
explosive et traumatique, notamment en Amérique Latine (Dip, 2018), sans
oublier les siècles de violence contre les populations marginales, en particulier
les femmes et les Noirs.
398

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A CONDIÇÃO DAS MULHERES E A
LUTA ESTRUTURAL:
uma leitura a partir do filme A Vida
Invisível de Eurídice Gusmão (2019)
Andrea Hortelio Fernandes
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Victoria Ayelén Gómez


Daniela Scheinkman Chatelard

A começar pelo título do filme A vida invisível, é um título que convoca


mais informações. A gente se pergunta a vida invisível de quem? É diferente
se eu anunciasse “O homem invisível”. O livro no qual se baseia o filme tem
um título que é explicito “A vida invisível de Eurídice Gusmão”. O título do
filme me parece ter em si uma dimensão política do que é retratado, trata-se
da vida invisível das mulheres, historicamente situadas na década de 50 no
Rio de Janeiro, mas extrapola este dado histórico para pensar o patriarcalismo
e a condição das mulheres, também, nos dias atuais.
A estatísticas retratam de como a violência doméstica tem aumentado
durante a pandemia e também o número de divórcios, separações conjugais.
Assim como, a ideia propaganda da mulher jovem como uma esposa “recatada
e do lar” reascende o foco em ideias do século passado que insistem em per-
durar. Em vários debates com o elenco, é marcado que os anos 50 representam
“o último momento de um conservadorismo extremo”. Com o debate do filme
hoje eu gostaria de convidar à reflexão do que há de estrutural nas relações que
impulsionam entre homens e as mulheres a luta pelo comando, uma luta fálica.
O início do livro é emblemático. A autora escreve “Cara leitora, prezado
leitor. Muitas das histórias descritas neste livro de fato aconteceram. Já houve
no Rio de Janeiro corpos empilhados nas ruas, por causa da gripe espanhola”, tal
qual o Brasil atinge mais de 100 mil mortos pela COVID-19, sendo que houve
vários deles que morreram em casa, sem assistência. Não há uma vacina ainda.
O controle das nossas vidas está cerceado, não temos liberdade de ir e
vir, a máxima é o isolamento social, essa é uma orientação internacional que
restringe nossa liberdade e pode chegar até o lockdown, onde os governantes
podem fazer uso de forças armadas, multas e detenções para quem desrespeitar
essa medida sanitária.
O livro e o filme falam do discurso patriarcal que historicamente limitou
a vida das mulheres a servir aos homens, aos filhos e ao lar. Elas estavam
402

fadadas a terem uma vida invisível. Martha Batalha cita Olavo Bilac poeta
que publicou seus poemas enquanto Maria Rita, “poeta incompreendida se
matou com formicida” quando seu filho Antenor tinha 6 anos. Martha Bathalha
diz que somente após sua morte a poetiza vem a público com a nota fúnebre
de sua morte num Jornal. Antes, Martha Batalha traz uma fala de Maria Rita
numa discussão com o marido: “Você não entende, eu sou uma poeta, uma
artista! Um espírito livre que algemaram a esta vida!”244
Em contrapartida, o Olavo Bilac (7/2/1888) foi poeta com muitas publi-
cações e que reproduziu o discurso machista e patriarcal, isto fica patente, por

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exemplo numa carta que endereça à sua noiva:

Minha Amélia. Não me agradou ver um soneto teu [...] desagradou-me


a sua publicação. “O primeiro dever de uma mulher honesta é não ser
conhecida” – Não é uma grande verdade? [...] há em Portugal e Brasil cem
ou mais mulheres que escrevem. Não há nenhuma delas que não se falem
mal, com ou sem razão. [...] Não quer isto dizer que não faças versos, pelo
contrário. Quero que os faças, muitos, para os teus irmãos, para as tuas
amigas, e principalmente para mim, – mas nunca para o público [...]”.

Exatos cem anos após a carta de Olavo Bilac à sua noiva Amélia de Oli-
veira245, a igualdade de direitos entre homens e mulheres foi alçada a garantia
constitucional, fundamental, no Brasil (art. 5º, I, da Constituição Federal: “ I
– homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição” 1988). Uma igualdade formal, de aplicação imediata, mas cuja
efetividade e construção material ainda é pleito necessário de ser defendido
e desafia séculos de cultura patriarcal.
No ano passado tivemos oportunidade de discutir dois filmes “Colette”
(sobre a vida da escritora francesa e que fez sucesso com o livro Claudine) e
o “Mary Shelley” (que também se tornou escritora, mas somente muitos anos
depois teve o direito de assinar o seu livro de maior sucesso Frankenstein.
Em ambos os casos os maridos assinaram os livros por elas.
Sobre as mulheres e a literatura, Virgínia Woolf declarou, no periódico
The Forum (1929/ 2012), que “o excepcional surto literário no começo do
século XIX na Inglaterra foi procedido por inúmeras pequenas mudanças na
lei e nos costumes”. Além disso, as mulheres oitocentistas tinham alguma

244 Batalha, M. A vida invisível de Eurídice Gusmão, p. 77.


245 Amélia de Oliveira, poetisa, nascida em 1868, era irmã de Antônio Mariano Alberto de Oliveira, que
formava com Raimundo Correia e Olavo Bilac, a tríade dos consagrados parnasianos da República Velha,
a República das Letras. Amélia era poetisa muito culta, mas publicou alguns poucos versos, em revistas,
e em sua maioria postumamente.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 403

instrução e dispunham de algum tempo livre. Já não era exceção que as mulhe-
res de classe média e alta escolhessem seus maridos.
A interlocução entre Freud com a literatura se desdobra sobre, em certa
medida, no tema das mulheres e a literatura. Do romance “A mulher de trinta
anos” (1834) de Balzac é possível extrair “uma mensagem de progresso, que
antecipa à evolução da condição feminina” (Soler, 2005). A personagem prin-
cipal, Julie, é descrita como aos 30 anos tendo a vida diante de si. Blazac faz
“uma precoce análise das mazelas do matrimônio enquanto cerceamento da
mulher” (Wolf, 1929, p. 106). “Casada, ela deixa de se pertencer, é a rainha
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e a escrava do lar.” Balzac retrata o casamento como pilar da sociedade bur-


guesa na França.
Freud (1932/ 1972) ao enfocar a feminilidade faz um balanço da sua
experiência analítica com mulheres (Soler, 2005). Assim, Soler (2005) con-
sidera que Freud é bem mais pessimista do que Balzac. Vejam uma citação
extraída do texto de Freud (1932/1972):

Um homem, aos trinta anos, parece-nos um adolescente, um indivíduo não


formado, que esperamos faça pleno uso das suas possibilidades de desen-
volvimento que a análise lhe abre. Uma mulher da mesma idade, porém,
muitas vezes, nos assusta por sua rigidez psíquica e sua imutabilidade.
Sua libido assumiu posições definitivas e parece incapaz de abandoná-las
por outras. (p. 165).

Desta citação gostariamos de destacar a afirmação de Freud de que,


em 1932, ele percebeu que a libido das mulheres assumia posições definitivas
frentes as quais elas pareciam incapazes de abandoná-las. Ele declara também
que as mulheres teriam uma menor aptidão para um dos destinos da pulsão
que seria a sublimação.
Freud (1932/1972) discute a “qualidade dissocial que indiscutivelmente
caracteriza todos os relacionamentos sexuais. O casal basta-se a si mesmo, e
também as famílias resistem à inclusão em associais mais amplas” (p. 164).
Com Lacan isto, que Freud argumenta, estaria diretamente relacionado aos
modos do gozo fálico e não-todo fálico (Gozo Outro) de gerenciar a economia
libidinal das mulheres, e, em certa, medida isso colabora para a manutenção
de sujeitos apalavrados ao discurso patriarcal e machista, mesmo entre as
mulheres, mas também entre os homens.
Seria um sintoma que tenta fazer existir a relação sexual.
No livro uma passagem ilustra o que propomos, no sentido de Eurídice
estar apalavrada ao discurso patriarcal. “Nos anos após a fuga de Guida ela
sabia ainda menos”. Eurídice tinha abafado os desejos, deixando na superfície
404

apenas a menina exemplar. Aquela que não levantava a voz ou o comprimento


da saia. Aquela que não tinha sonhos que não fossem os sonhos dos pais. Ela
estava nesse estado quando conheceu Antenor. E teria continuado assim para
todo o sempre, se a parte de Eurídice que “não queria que Eurídice fosse
Eurídice, junto com a promessa de boa moça que fez aos pais, junto com a
imensa opressão daqueles anos 40, fossem capazes de fazer com que Eurídice
deixasse de ser Eurídice” (Batalha, 2016, p. 82-83).
Ao longo do casamento, Eurídice “inventou projetos estapafúrdios”
(Batalha, 2016, p. 83) aos olhos de Antenor e de tantos outros. Aprender flauta

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e ir para o conservatório, livro de receitas criadas por ela, atelier de costura, e
por fim um livro sobre a vida invisível. Martha Batalha enfatiza que “muitas
vezes, Antenor teve que gritar para Eurídice as regras do casamento, dizendo
que ela tinha que parar. Eurídice parou ficou meio sonsa, meio monga, meio
morta”. Completamente devastada, o que muitas vezes, penso ser possível
aproximar das mulheres que hoje aos 80 anos desenvolvem estados demenciais
como metáforas vivas de vidas invisíveis, ou viúvas, desta mesma geração,
que não conseguem fazer o trabalho de luto dos maridos falecidos.
Numa entrevista o ator Gregório Duvivier relatou como foi difícil inter-
pretar Antenor, marido de Eurídice. Gregório teve crises de choro, vômitos,
relata que “fantasias ancestrais” vieram à tona. E de fato Antenor dá corpo a
uma personagem na qual Eurídice entra para revelar a verdade do seu incons-
ciente, sendo um objeto que se cola a fantasia de Antenor. Nisto o livro é muito
mais claro, muito mais elucidativo do que o filme, mais profundo.
Martha Batalha escreve: “Para Antenor nada mais inútil que a poesia”,
que Lacan apontou ter efeito de sentido e de furo. A vida que Antenor “teria
seria o oposto da de Maria Rita. Um dia Antenor ia se casar, e sua mulher
teria que ser tão boa como Dalva, tia que substitui sua mãe, já tinha passado
dos 30 anos e não tinha casado foi se dedicar aos filhos órfãos do irmão. Dalva
era o protótipo da mãe na medida em que “a casa e os filhos teriam que ser
a prioridade”.
Enquanto o filme foi realizado, os atores eram chamados pelos nomes
das personagens, não usavam celular no setting de filmagem, não podiam
conversar com a equipe, eles ficavam imersos no mundo das personagens.
No filme Eurídice permanece na busca de sua irmã. Sucumbe à devas-
tação ao ser-lhe revelado que a irmã estava morta, uma verdade-mentirosa.
A perda desse duplo faz com que ela sucumba como objeto da fantasia do
Outro. Não consegue seguir no caminho de uma identidade de separação
que se constrói sem dever nada ao Outro, já que é construída na lógica do
não-todo, e pela forma como, cada um, lida com o que há de mais singular
na sua história.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 405

Tanto do filme como no livro a vida de Guida também é desdita. No


filme para herdar a casa de Filómena, assume sua identidade, no livro ao Zélia
contar sua história para Antônio ela declara ser tudo mentira, não passou de
mais uma vida invisível, até quando vai perdurar?
O filme tem o papel importante de lançar luz naquilo que é intolerável
em cada um de nós, o real da não relação sexual, e que convoca que cada um
possa se fazer responsável pelas suas escolhas na vida, no amor e no sexo.
Freud definiu a sublimação como a capacidade da pulsão de trocar seu
objetivo sexual original por outro, que deixaria de ser sexual. Com Lacan, a
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sublimação passa a ser definida “como uma produção que evidencia o vazio,
cerne de toda criação” (Metzger, 2017, p. 33).
Ao relacionar o conceito de sublimação com “os destinos pulsionais”
(Freud, 1915/1974) podemos examinar o processo criativo como qualquer
formação relativa ao campo pulsional. Na escrita literária, podemos encon-
trar dois polos: o polo da vida e o polo da obra; o polo do transbordamento
pulsional e o polo da simbolização, o polo do excesso e o da contenção, o
funcional e o disfuncional (Carvalho, 2006).
Ao depararmos com esse conceito, o da sublimação, podemos analisar a
questão partindo da condição de Eurídice. A ideia de uma via de transformação
ou apaziguamento do sofrimento, não é possível na personagem. No filme, o
processo que transforma o mundo daquele que cria, que permite de alguma
forma uma inscrição subjetiva, um ponto de amarração parece impedido, uma
vez que Eurídice não pode tocar piano ou desejar outras coisas que não “ser
mãe”, esposa’, “obediente”. Ela enlouquece e atira fogo ao próprio piano,
para logo depois ser diagnosticada com psicose maníaco-depressiva por um
médico que também declara a sua gravidez.
Por outro lado, Guida sucumbe aos desejos sexuais, e em consequência
disso, perde o direito de ser “alguém”. O pai e a mãe fazem desaparecer essa
filha que não seguiu as normas sociais da época.
Assim como o filme A Vida Invisível (2019), de Karim Aïnouz, trata da
condição das mulheres e do feminino a partir das limitações impostas social-
mente, diversas leituras a partir da psicanálise se prestam para poder revelar
a “luta pela libertação dessas limitações”. Se por um lado a escrita tende a
servir como uma produção que demonstra o vazio, por outro lado, a literatura
aponta a desvendar a lógica construtiva das categorias sociais.
O conteúdo, a obra literária, neste caso, não trata tão somente da esté-
tica, mas também da construção fantasmática do sofrimento atrelado ao “ser
mulher” nos anos 50. Uma textualidade a partir da qual podemos dizer algo
sobre o real, algo do qual sem o texto, não poderia se expressar. É isso que
fica invisível, mas faz sofrer. Ao menos, invisível nos anos que se situa a
406

trama das duas irmãs, Guida e Eurídice, perdidas uma da outra e sufocadas
pela opressão do Rio de Janeiro dos anos 1950.
Dizer aquilo que não era possível, ou ainda não é, trazer à tona o sofri-
mento das mulheres, a partir do filme. Cenas de sexo que borra os limites
entre o que é consensual ou não, parecendo uma espécie de abuso “normal e
aceitável”. A obrigação da maternidade, sem poder de escolha e a impossibi-
lidade da paixão de Eurídice pelo piano.
Aqui entra a psicanálise, para posicionar o sujeito, enquanto leitor e
espectador, para o conhecimento daquilo que se fala nas entrelinhas. Busca-

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-se poder evidenciar a mulher e sua posição na sociedade, colocando-a em
um lugar de subjugação e, assim, poder reconhecer os diversos lugares de
cerceamento da liberdade, que ainda perduram no tempo.
Na produção freudiana, a mulher assume lugar destacado. Dois pontos
interessantes são as formulações a respeito da sexualidade infantil e a sexua-
lidade feminina (Da Silva, 2016). Um dos avanços do Freud foi pensar a
mulher como um ser sensual tal como o homem. Os estudos sobre sexualidade
feminina são o ponto de partida para se pensar gênero nos tempos atuais,
assim como das remodelações teóricas e conceituais, bem como clínicas e de
pesquisas (Da Silva, 2016). Em Três Ensaios (Freud, 1996), falar de autoero-
tismo e masturbação de meninas aponta para uma revolução no pensamento da
época. Isso revela o senso comum da época, na qual meninos são agressivos
e meninas, submissas (Da Silva, 2016). Isso sugere a construção de certas
normas que devem ser seguidas, como um dever da época que foi e, ainda,
é seguido à risca.
Freud inicia os seus estudos com as mulheres, e com as histéricas especi-
ficamente, concede um lugar de escuta num contexto em que havia uma asso-
ciação da mulher com a loucura. O papel emancipatório nas suas formulações
pode ser percebido na importancia do desejo e no trabalho no inconsciente.
Mountian e Lorte Gianesi (2020) enfatizam a importância da contribui-
ção da psicanalise na desconstrução e subversão dos discursos hegemônicos
a partir de uma análise crítica. Essa posição indica a ideia de situar a política
no seu sentido amplo, incorporando as relações de poder no cotidiano e os
efeitos discursivos e subjetivos disso.
O termo o “pessoal é político” trouxe a ideia de repensarmos o espaço
público e o privado. O caráter privado do “dentro de casa” se revela e desvela.
O trabalho doméstico imposto às mulheres foi transformado num atributo
natural da psique da mulher. Porém, os questionamentos começam a aparecer
e insistem em subverter uma ordem imposta.
Na linguagem da representação, temos que considerar dois aspectos,
como aponta Butler (2008): a– o sujeito mulheres não é mais um termo estável
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 407

ou permanente; b– os domínios da representação política e linguística estabe-


leceram a priori o critério que define o próprio sujeito, com o resultado de que
a representação só se entende ao que pode ser reconhecido como tal. A autora
indica que o sujeito feminista se revela discursivamente construído. Assim,
os desafios que se apresentam são os da representação categoria mulher e os
da desconstrução da própria categoria naturalizada em discurso (Mountian
& Lorte Gianesi, 2020).
No filme, o diretor cria uma narrativa em que os momentos felizes estão
sempre fora da vida das duas irmãs. O filme entrega uma história triste, de
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duas mulheres amarradas, que parecem representar uma categoria da época.


Assim mesmo, pensamos que essas duas mulheres representam algo mais
que uma época e chegam par anos questionar algo do que pode acontecer
nos dias atuais.
A psicanalise tem sido um ponto importante de debate, uma vez que
pode absorver teorias feministas que apontam para o contexto patriarcal e os
perigos da reprodução de desigualdades sociais, ou mesmo na patologização
de certos tipos de pensamentos, ações, sexualidades e prazeres. A psicanálise
pode denunciar relações coloniais e desenvolver leituras que proporcionem
uma ampliação do campo discursivo analítico, com potencial contestador
(Mountian & Lorte Gianesi, 2020).
Inseridos em um contexto social e político específico, afirmamos a impor-
tância da constante reflexão das práticas e concepções teóricas. A psicanálise
concebe a possibilidade de pensar sobre as teorias e práticas nas relações
sociais, tanto na importância do desejo do sujeito, quanto das possibilidades
de escuta do outro/Outro e suas possibilidades emancipatórias.
A dominação masculina e da autoridade paterna é bem conhecido. A partir
dos anos 60, essa estrutura vem sofrendo crises. O movimento de 1968 foi
uma revolta antiautoritária, que contribuiu concretamente para a modificação
das relações entre os sexos e do lugar do pai da dinâmica familiar. Um reflexo
desse movimento é uma modificação da lei francesa, em 1970, que substituiu
o termo autoridade paterna por autoridade parental, exercida em conjunto pela
mãe e o pai, rompendo com a referência patriarcal da família (Pombo, 2018).
Um avanço relacionado a esses movimentos foi a separação entre sexua-
lidade e reprodução, e entre erotismo e maternidade (Pombo, 2018). Assim,
podemos encontrar a invenção da pílula anticoncepcional permitiu um novo
controle da mulher sobre sua atividade sexual e seu papel materno.
Patriarcado pressupõe poderes desiguais e relações hierarquizadas entre o
pai e os outros membros da família. Pressupõe, assim, a dominação masculina
e a subordinação da mulher, como representado no livro e no filme analisado.
Podemos perceber, a partir de debates atuais, que o patriarcado vem sendo
408

desmontado pelas lutas e conquistas feministas quando conseguiu-se colocar


no centro dos debates as relações entre pais e filhos, as liberdades de cada
gênero, as formas de violência sexual e simbólica contra as mulheres.
A escritora Virginia Woolf (1929/2014) disse que uma mulher precisa
de 500 libras por ano e um quarto só para si, de preferência com tranca na
porta, para conseguir escrever. Anos depois e, em consonância com a posição
da escritora, reforçamos que as mulheres precisam muito mais que um teto
todo seu, é preciso que as mulheres tenham as mesmas oportunidades de traba-
lho que os homens, é preciso que as mulheres sejam devidamente respeitadas

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no seu desejo de parir ou não, de ir e vir, de encontrar a liberdade sexual em
todas suas manifestações, de ensinarem, cantarem, viajarem, conversarem,
serem desobedientes e tudo aquilo que seja da ordem do desejo.
A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, que adapta o romance de estreia
da brasileira Martha Batalha, é “uma denúncia do patriarcado” com que o
realizador procura homenagear a “vida invisível” das mulheres do seu país,
segundo a apresentação da obra.
Neste capítulo fizemos uma análise do filme A Vida Invisível das
Mulheres a partir da interlocução entre psicanalise, sublimação, literatura
e a denuncia do patriarcado e suas interseções com as lutas feministas.
Retomamos a importância de, a partir de uma postura crítica, colocar em
tensão os discursos históricos que configuram as formas de ser mulher e
as diversas formas de submissão. Ressaltamos, também, a relevância de
tomar a política na psicanálise, considerando os limites e não-limites entre
o espaço publico e privado. Reformamos a posição ética da prática clínica
e sugerimos estudos que aprofundem as leituras entre psicanálise, literatura,
feminismo e patriarcado.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 409

REFERÊNCIAS
Batalha, M. (2016). A vida invisível de Eurídice Gusmão. Editora Companhia
das Letras.

Butler, J. (2008). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade.


Rio de Janeiro: Civilização Brasileira
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Carvalho, A. C. (2006). Limites da sublimação na criação literária. Estudos


de Psicanálise, 29, 15-24.

Da Silva, C. R. (2016). Gênero e Psicanálise. Revista Relicário, 3(6).

Freud, S. (1932/ 1972). Conferência: A feminilidade. In: ESB. Rio de Janeiro:


Imago, 1972, vol. XXII, p. 165.

Freud, S. (1915/1974). Os instintos e suas vicissitudes. Rio de Janeiro: Imago.

Freud, S. (1989/1908). La moral sexual “cultural” y la nerviosidad moderna.


In S. Freud, Obras completas. (Vol. 9, pp. 159-181). Buenos Aires: Amorrortu.

Freud, S. (1996). Um caso de histeria, Três ensaios sobre a teoria da sexua-


lidade e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud, Volume VII. Rio de Janeiro: Imago.

Metzger, C. (2017). A sublimação no ensino de Jacques Lacan – um trata-


mento possível do gozo. São Paulo: EDUSP, 2017, p. 33.

Mountian, I., & Lacorte Gianesi, A. P. (2020). Psicanálise e feminismo: algu-


mas reflexões sobre a mulher enquanto Outro. Descentrada. Revista interdis-
ciplinaria de feminismos y género, 4(2).

Pombo, M. (2018). Crise do patriarcado e função paterna: um debate atual na


psicanálise. Psicologia Clínica, 30(3), 447-470.

Soler, C. (2005). O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Zahar, p. 127.

Woolf, V. (1929). As mulheres e a literatura. In: A arte do romance. Porto


Alegre: L&P Pocket, 2018, p. 106.

Woolf, V. (1929/2014). Um teto todo seu. São Paulo: Tordesilhas.


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LA CONDITION DES FEMMES ET LA
LUTTE STRUCTURELLE:
une lecture du film La Vie Invisible
d’Eurídice Gusmão (2019)
Andrea Hortelio Fernandes
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Victoria Ayelén Gómez


Daniela Scheinkman Chatelard

À commencer par le titre du film La Vie Invisible d’Eurídice Gusmão


(2019), c’est un titre qui convoque plus d’informations. À qui est la question
de la vie invisible? C’est différent si on annonce «L’homme invisible». Le
livre écrit par Martha Batalha, sur lequel le film est basé, a un titre explicite
«La vie invisible d’Eurídice Gusmão». Le titre du film nous semble avoir en
lui-même une dimension politique de ce qui est dépeint, c’est la vie invisible
des femmes, historiquement située dans les années 50 à Rio de Janeiro, au
Brésil, mais il va au-delà de ces données historiques pour penser au patriarcat
et à la condition des femmes aussi de nos jours.
Les statistiques montrent comment la violence domestique a augmenté
pendant la pandémie de 2020 et de 2021, mais elles révèlent aussi le nombre
de divorces, de séparations conjugales. Au même temps, c´est possible voir
l’idée de propagande de la jeune femme en tant qu’épouse «modeste et au
foyer» ravive l’attention sur des idées du siècle dernier qui insistent pour
durer. Dans plusieurs débats avec la distribution, on constate que les années 50
représentent le dernier moment de l’extrême conservatisme. Avec le débat
sur le film aujourd’hui, nous voudrions vous inviter à réfléchir à ce qui est
structurel dans les relations qui animent la lutte pour le commandement entre
les hommes et les femmes, une lutte phallique.
Le début du livre est emblématique. L’auteur Martha Batalha (2016,
p. 7) écrit «Chers lecteurs, hommes et femmes. Bon nombre des histoires
décrites dans ce livre se sont produites. Il y a déjà eu des corps entassés dans
les rues de Rio de Janeiro, à cause de la grippe espagnole », tout comme
le Brésil compte déjà près de 300.000 morts par COVID-19, et plusieurs
d’entre eux sont morts chez eux, sans assistance. Nous attendons toujours
les résultats du vaccin.
Le contrôle de nos vies est restreint, nous n’avons aucune liberté d’aller et
venir, la maxime est l’isolement social, c’est une orientation internationale qui
restreint notre liberté et peut même atteindre le verrouillage (lockdown), où les
412

représentants du gouvernement peuvent utiliser les forces armées, des amendes


et des arrestations pour ceux qui ne respectent pas cette mesure sanitaire.
Au même temps, le livre et le film parlent du discours patriarcal qui a
historiquement limité la vie des femmes au service des hommes, des enfants et
du foyer. Donc, elles devaient nécessairement avoir une vie invisible. Martha
Batalha cite Olavo Bilac, un poète brésilien qui a publié ses poèmes tandis que
Maria Rita, «une poète incomprise s’est suicidée avec un tueur de fourmis»
quand son fils Antenor avait 6 ans. Martha Batalha dit que ce n’est qu’après
sa mort que la poésie est rendue publique avec la note funéraire de sa mort

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dans un journal. Avant cela, Martha Batalha (2016, p. 77) présente un dialogue
de Maria Rita lors d’une discussion avec son mari: «Tu ne comprends pas, je
suis poète, artiste! Un esprit libre qui vous avez menotté à cette vie!».
En revanche, Olavo Bilac (7/2/1888) était un poète avec de nombreuses
publications et qui a reproduit le discours sexiste et patriarcal, cela est évident,
par exemple, dans une lettre adressée à sa fiancée:

«Mon Amélia. Je n’ai pas aimé voir ton sonnet [...] Je n’ai pas aimé sa
publication. “Le premier devoir d’une femme honnête est de ne pas être
connue” – N’est-ce pas une grande vérité? [...] Au Portugal et au Brésil,
il y a une centaine de femmes ou plus qui écrivent. Il n’y en a aucun qui
ne parle pas mal, avec ou sans raison. [...] Cela ne veut pas dire que tu
n’écris pas de vers, bien au contraire. Je veux que tu les fais, beaucoup,
pour tes frères, pour tes amis, et surtout pour moi, – mais jamais pour le
public [...] ».

Cent ans seulement après la lettre d’Olavo Bilac à sa fiancée Amélia


de Oliveira246, l’égalité des droits entre hommes et femmes a été érigée en
garantie constitutionnelle, fondamentale, au Brésil (art. 5, I, de la Constitution
Fédérale: «I – les hommes et les femmes sont égaux en droits et en obligations,
aux termes de cette Constitution» 1988). Une égalité formelle, d’application
immédiate, mais dont l’efficacité et la construction matérielle sont encore une
revendication nécessaire à défendre et défie des siècles de culture patriarcale.
Après avoir analysé deux films «Colette» (sur la vie de l’écrivaine fran-
çaise qui a réussi avec le livre Claudine) et «Mary Shelley» (qui est également
devenue écrivaine, mais seulement de nombreuses années plus tard, elle a eu
le droit de signer son livre le plus réussi Frankenstein. Dans les deux cas, les
maris ont signé les livres pour eux.
246 Amélia de Oliveira, poète, née en 1868, était la sœur d’Antônio Mariano Alberto de Oliveira, qui forma avec
Raimundo Correia et Olavo Bilac, la triade des Parnassiens consacrés de l’Ancienne République Brésilienne,
la République des Lettres. Amelia était une poète très instruite, mais elle a publié quelques vers dans des
magazines, et la plupart d’entre eux à titre posthume.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 413

Concernant les femmes et la littérature, Virginia Woolf a déclaré dans le


périodique The Forum (1929/2018. p. 106) que «l’essor littéraire exceptionnel
du début du XIXe. siècle en Angleterre a été provoqué par de nombreux petits
changements dans les lois et les coutumes». De plus, les femmes du XIXe. siècle
avaient une certaine éducation et avaient du temps libre. Le choix de leur mari
n’était plus une exception pour les femmes des classes moyennes et supérieures.
Le dialogue entre Freud et la littérature se déroule, dans une certaine
mesure, sur le thème des femmes et de la littérature. Du roman de Balzac
«La femme de trente ans» (1834), il est possible d’extraire «un message de
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progrès, qui anticipe l’évolution de la condition féminine» (Soler, 2003, p.


155). Le personnage principal, Julie, est décrit comme ayant 30 ans de vie
devant elle. Balzac fait alors une analyse des maux du mariage dû aux res-
trictions inputés aux femmes mariés. Après se marier, la femme n’a plus une
vie, elle devient la reine et l’esclave du foyer. Dans son livre, Balzac montre
le mariage comme un pilier de la société bourgeoise en France (Soler, 2003).
Freud a toujours eu d’intérêt sur les thèmes liés aux femmes a à la fémi-
nité. Ainsi, Soler (2005) considère que Freud (1932/ 1972) fait le point sur
son expérience analytique avec les femmes et il est beaucoup plus pessimiste
que Balzac. On peut voir cela dans la citation suivante:

«Un homme, à trente ans, nous semble être un adolescent, un individu non
formé, qui, nous l’espérons, utilisera pleinement ses possibilités de déve-
loppement que l’analyse lui ouvre. Une femme du même âge, cependant,
nous fait souvent peur pour sa rigidité psychique et son immuabilité. Sa
libido a pris des positions définitives et semble incapable de les abandonner
pour les autres » (Freud, 1932/ 1972, p. 165).

À partir de cette citation, nous voudrions souligner l’affirmation de Freud


selon laquelle, en 1932, il s’est rendu compte que la libido des femmes prenait
des positions définitives sur des fronts qu’elles semblaient incapables d’aban-
donner. Il déclare également que les femmes seraient moins aptes à l’un des
destins de la pulsion: la sublimation.
Freud (1932/1972) discute de la «qualité dissociale qui caractérise indis-
cutablement toutes les relations sexuelles. Le couple se suffit à lui-même, et
les familles résistent également à l’inclusion dans des associations plus larges
» (p. 164). Pour Lacan, ce que Freud soutient serait directement lié aux modes
de Jouissance Phallique et non-tout-phallique (Jouissance de l’Autre) de gérer
l’économie libidinale des femmes, et, dans une certaine mesure, cela contribue
au maintien de sujets qui sont sans voix face au discours patriarcal et sexiste,
même chez les femmes, mais aussi chez les hommes. Ce serait un symptôme
qui essaie de faire exister les rapports sexuels.
414

Dans le livre, il y a un passage qui illustre notre réflexion, en ce sens


qu’Eurídice n’a pas le droit de s’exprimer dans le discours patriarcal:
«Dans les années qui ont suivi la fuite de Guida, elle en savait encore
moins». Eurídice avait étouffé ses désirs, ne laissant à la surface que la fille
exemplaire. Celle qui n’a pas élevé la voix ni la longueur de sa jupe. Celle qui
n’avait d’autre rêve que les rêves de ses parents. Elle était dans cet état lors-
qu’elle a rencontré Antenor. Et cela aurait continué comme ça pour toujours,
si la partie d’Eurídice qui «ne voulait pas qu’Eurídice soit Eurídice, avec la
promesse d’une bonne fille qu’elle a faite à ses parents, ainsi que l’immense

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oppression de ces 40 ans, étaient capable de faire d’Eurídice cessé d’être
Eurídice» (Batalha, 2016, p. 82-83).
Dans le mariage, Eurídice a «inventé des projets fous» (Batalha, 2016,
p. 83) aux point de vue d’Antenor et bien d’autres. Apprendre la flûte et aller
au conservatoire, livre de cuisine créé par elle, atelier de couture, et enfin un
livre sur la vie invisible. Martha Batalha souligne que «de nombreuses fois,
Antenor a dû crier les règles du mariage à Eurídice, en disant qu’elle devait
s’arrêter. Eurídice s’est arrêtée devenue mi-sonnante, mi-moine, mi-morte».
Complètement dévastée, ce qui nous semble souvent possible d’approcher les
femmes qui aujourd’hui à 80 ans développent la démence comme des méta-
phores vivantes de vies invisibles, ou les veuves de cette même génération,
incapables de réaliser le travail de deuil pour les maris décédés.
Dans une interview, l’acteur Gregório Duvivier a rapporté à quel point il
était difficile de jouer le mari d’Eurídice, Antenor. Gregório a eu des pleurs,
des vomissements, des rapports que des «fantasmes ancestraux» ont fait sur-
face. Et, en fait, Antenor incarne un personnage dans lequel Eurídice entre
pour révéler la vérité de son inconscient, étant un objet qui colle au fantasme
d’Antenor. En cela, le livre est beaucoup plus clair, beaucoup plus éclairant
que le film, plus profond.
Martha Batalha (2016, p. 80) écrit:
«Pour Antenor, rien n’est plus inutile que la poésie», dont Lacan a souli-
gné qu’elle avait un effet de sens et de trou. La vie qu’aurait «Antenor serait
le contraire de celle de Maria Rita. Un jour, Antenor allait se marier, et sa
femme devrait être aussi bonne que Dalva, la tante qui remplace sa mère, qui
avait déjà plus de 30 ans et ne s’était pas mariée et se consacrait aux enfants
orphelins de son frère. Dalva était le prototype de la mère en ce sens que “la
maison et les enfants devaient être la priorité».
Pendant le tournage du film, les acteurs étaient appelés par les noms
des personnages, ils n’utilisaient pas de téléphone portable dans le décor du
tournage, ils ne pouvaient pas parler à l’équipe, ils étaient plongés dans le
monde des personnages.
Dans le film, Eurídice reste à la recherche de sa sœur. Elle succombe à la
dévastation quand il lui est révélé que sa sœur était morte, une menteuse-vérité.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 415

La perte de ce double le fait succomber en tant qu’objet du fantasme de l’Autre.


Elle ne peut pas suivre le chemin d’une identité de séparation qui se construit
sans rien devoir à l’Autre, puisqu’elle est bâtie sur la logique du non-tout, et la
manière dont chacun traite les aspects les plus uniques de son histoire.
Dans le film et dans le livre, la vie de Guida est aussi une malchance.
Dans le film, pour hériter de la maison de Filómena, elle assume son identité.
Dans le livre, au moment de Zélia raconter son histoire à Antônio, elle déclare
que tout cela est un mensonge, ce n’était qu’une autre vie invisible. Combien
de temps ça va durer?
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Le film a un rôle important à jouer pour éclairer ce qui est intolérable


en chacun de nous, le réel du non-rapport sexuel qui appelle chacun à être
responsable de ses choix dans la vie, dans l’amour et dans le sexe.
À cet égard, le concept de la sublimation mérite d’être exploiter car
il pourra aider a penser la rigité psychique et de la libido chez les femmes.
Freud a défini la sublimation comme la capacité de la pulsion à échanger
son objectif sexuel originel contre un autre, qui cesserait d’être sexuel. Pour
Lacan, la sublimation se définit «comme une production qui met en évidence
le vide, le cœur de toute création» (Metzger, 2017, p. 33).
En reliant le concept de sublimation aux «destins des pulsions»
(Freud, 1915/1974), nous pouvons examiner le processus créatif comme toute
formation liée au champ pulsionnel. Dans l’écriture littéraire, on peut trouver
deux pôles: le pôle de la vie et le pôle du travail; le pôle du débordement
pulsionnel et le pôle de la symbolisation, le pôle de l’excès et le pôle du
confinement, le fonctionnel et le dysfonctionnel (Carvalho, 2006).
En référence à ce concept de sublimation, nous pouvons analyser le
problème à partir de la condition d’Eurídice. L’idée d’um chemin de trans-
former ou d’alléger la souffrance n’est pas possible dans la construction de
ce personnage. Dans le film, le processus qui transforme le monde du créa-
teur, qui permet une inscription subjective d’une certaine manière, un point
d’amarrage semble être entravé, puisqu’Eurídice ne peut pas jouer du piano ou
souhaiter autre chose que «être mère», «épouse», «obéissante». Elle devient
folle et met le feu à son propre piano, pour être diagnostiquée plus tard avec
une maniaco-dépression par un médecin qui déclare également sa grossesse.
Cepandant, Guida succombe aux désirs sexuels et, par conséquent, perd
le droit d’être «quelqu’un», Le père et la mère font disparaître cette fille qui
ne suivait pas les normes sociales de l’époque. Elle n’est une jeune fille de
famille et devient une femme de la vie247.
Le film La Vie Invisible d´Eurídice Gusmão (2019), de Karim Aïnouz,
évoque la condition de la femme et du féminin à partir des limitations imposées
socialement, d’autres lectures diverses de la psychanalyse peuvent également

247 Em portugais l’expression “femme de la vie” a le sens de prostitute.


416

révéler la «lutte pour la libération de ces limitations». Si, d’une part, l’écriture
tend à servir de production qui démontre le vide, d’autre part, la littérature
entend dévoiler la logique constructive des catégories sociales.
Le contenu, l’œuvre littéraire, dans cette étude, ne concerne pas seule-
ment l’esthétique, mais aussi la construction fantasmatique de la souffrance
liée à «être une femme» dans les années 50. Une textualité à partir de laquelle
on peut dire quelque chose sur le réel, quelque chose qui, sans le texte, ne
pouvait pas s’exprimer. C’est cela qui est invisible, mais cela que les fait
souffrir. Du moins, l’invisible dans les années de l’intrigue des deux sœurs,

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Guida et Eurídice, perdues l’une de l’autre et étouffées par l’oppression de
Rio de Janeiro dans les années 1950.
Dire ce qui n’était pas possible, ou ne l’est pas encore, mettre en lumière
la souffrance des femmes, comme le film montre. Des scènes de sexe qui
brouillent les frontières entre ce qui est consensuel et ce qui ne l’est pas, res-
semblant à une sorte d’abus «normal et acceptable». Il y a l’obligation de la
maternité, sans choix, et l’impossibilité de la passion d’Eurídice pour le piano.
La psychanalyse travaille à positionner le sujet, en tant que lecteur et
spectateur, pour la connaissance de ce qui se dit entre les lignes. La recherche
est de pouvoir présenter la femme et sa position dans la société, la placer dans
un lieu d’assujettissement et, ainsi, pouvoir reconnaître les différents lieux
qui restreignent la liberté, qui persistent encore dans le temps.
Dans les écrits freudiens, les femmes occupent une place prépondérante,
car les formulations sur la sexualité infantile et la sexualité féminine sont des
aspects pertinents (Da Silva, 2016). L’une des avancées de Freud a été de
penser les femmes comme des êtres sensuels comme les hommes. Les études
sur la sexualité féminine sont le point de départ de la réflexion sur le genre à
l’époque actuelle, ainsi que sur les changements théoriques et conceptuels,
ainsi que sur la clinique et la recherche (Da Silva, 2016).
Dans «Trois essais sur la théorie sexuelle», Freud (1996) parle de l’au-
to-érotisme et de la masturbation des filles et il exprime une révolution dans
la pensée de l’époque. Cela révèle le bon sens de l’époque, dans lequel les
garçons sont agressifs et les filles, soumises (Da Silva, 2016). Cela indique
la construction de certaines règles qui doivent être suivies, comme un devoir
de l’époque qui était et, encore, est suivi à la lettre.
Freud commence ses études avec les femmes et avec les hystériques en
particulier. Il offre un lieu d’écoute dans un contexte où il y avait une asso-
ciation de femmes avec la folie. Le rôle émancipateur de ses formulations se
voit dans l’importance du désir et dans le travail dans l’inconscient.
Mountian et Lorte Gianesi (2020) soulignent l’importance de la contri-
bution de la psychanalyse à la déconstruction et à la subversion des discours
hégémoniques fondés sur une analyse critique. Cette position exprime l’idée
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 417

de placer la politique dans son sens large, en incorporant les relations de


pouvoir dans la vie quotidienne et les effets discursifs et subjectifs de celle-ci.
Le terme le «personnel est politique» a amené l’idée de repenser l’espace
public et privé. Le caractère privé de «l’intérieur de la maison» est révélé et
dévoilé. Les tâches ménagères imposées aux femmes sont devenues un attribut
naturel de la psyché de la femme. Cependant, les questions commencent à
apparaître et insistent pour renverser un ordre imposé.
Dans le langage de la représentation, il faut considérer deux aspects, selon
Butler (2008): a– le sujet femmes n’est plus un terme stable ou permanent; b–
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les domaines de la représentation politique et linguistique établissent a priori


le critère qui définit le sujet lui-même, de sorte que la représentation n’est
comprise que par ce qui peut être reconnu comme tel. L’auteure indique que
le sujet féministe se révèle être construit discursivement. Ainsi, les défis qui
se posent sont ceux de la représentation de la catégorie des femmes et ceux
de la déconstruction de la catégorie elle-même naturalisée dans le discours
(Mountian & Lorte Gianesi, 2020).
Dans le film La vie invisible d’Eurídice Gusmão, le metteur en scène a
crée un récit dans lequel les moments heureux sont toujours en dehors de la
vie des deux sœurs. Le film montre une triste histoire de deux femmes atta-
chées qui semblent représenter une catégorie de l’époque. Même ainsi, nous
pensons que ces deux femmes représentent plus qu’une époque et en viennent
à nous interroger sur ce qui peut arriver aujourd’hui.
La psychanalyse a été un point de débat important, car il peut absorber les
théories féministes qui mettent en valeur le contexte patriarcal et les dangers
de la reproduction des inégalités sociales, ou même dans la pathologisation de
certains types de pensées, actions, sexualités et plaisirs. La psychanalyse peut
dénoncer les relations coloniales et développer des lectures qui fournissent
une expansion du champ discursif analytique, avec un potentiel protestataire
(Mountian & Lorte Gianesi, 2020).
Car nous sommes insérés dans un contexte social et politique spécifique,
nous pouvons affirmer qu’il y a une importance de réflexion constante sur les
pratiques et concepts théoriques. Donc, la psychanalyse conçoit la possibilité
de penser les théories et les pratiques dans les relations sociales, à la fois en
fonction de l’importance du désir du sujet, ainsi que des possibilités d’écoute
de l’autre et de leurs possibilités d’émancipation.
La domination masculine et la domination de l’autorité parentale sont
connues de nous tous. Depuis les années 1960, cette structure est en crise. Le
mouvement de 1968 est une révolte anti-autoritaire, qui contribue concrète-
ment à changer les relations entre les sexes et la place du père dans la dyna-
mique familiale. Le reflet de ce mouvement est une modification de la loi
française en 1970 qui a remplacé le terme d’autorité paternelle par l’autorité
418

parentale, exercée conjointement par la mère et le père, en rupture avec la


référence patriarcale de la famille (Pombo, 2018).
La séparation entre sexualité et reproduction, et entre érotisme et mater-
nité sont des points forts des ces mouvements mentionnés précédemment
(Pombo, 2018). Ainsi, on peut trouver que l’invention de la pilule contracep-
tive a permis un nouveau contrôle des femmes sur leur activité sexuelle et
leur rôle maternel.
Le concept de patriarcat présuppose des pouvoirs inégaux et des relations
hiérarchiques entre le père et les autres membres de la famille. Tel patriarcat

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présuppose donc aussi la domination par les hommes et la subordination des
femmes, comme représentées dans le livre et le film analysés. On voit que, à
partir des débats actuels, le patriarcat est remis en cause et désarticulé par les
luttes et les conquêtes féministes en plaçant au centre des débats les relations
entre les parents et les enfants, les libertés de chaque sexe, les formes de
violences sexuelles et symboliques contre les femmes.
L’écrivaine Virginia Woolf (1929/2014) a déclaré qu’une femme a besoin
de 500 livres par an et d’une chambre pour elle-même, de préférence avec une
serrure sur la porte, pour pouvoir écrire. Des années plus tard, conformément
à la position de l’écrivaine, nous soulignons que les femmes ont besoin de
beaucoup plus que leur propre chambre, les femmes doivent avoir les mêmes
opportunités d’emploi que les hommes.
Les femmes doivent être correctement respectées dans leur désir d’ac-
coucher ou non, de venir et aller, de trouver la liberté sexuelle dans toutes ses
manifestations, d’enseigner, de chanter, de voyager, de parler, d’être déso-
béissantes et tout ce qui est dans l’ordre du désir.
Le fim La vie invisible d’Eurídice Gusmão, adapté du premier roman de
l’écrivaine brésilienne Martha Batalha, est «une dénonciation du patriarcat».
Alors, le réalisateur cherche à honorer la «vie invisible» des femmes au Brésil,
selon la présentation de l’oeuvre.
Dans ce chapitre, nous avons mené une analyse du film La vie invi-
sible d’Eurícide Gusmão en mesurant le dialogue parmi la psychanalyse, la
sublimation, la littérature et la dénonciation du patriarcat et ses intersections
avec les luttes féministes. Nous revenons sur l’importance, d’un point de
vue critique, de mettre en tension les discours historiques qui configurent
les manières d’être une femme et les différentes formes de soumission. Nous
soulignons également la pertinence de prendre la politique en psychanalyse,
en considérant les limites et les non-limites entre l’espace public et privé.
Nous présentons la position éthique de la pratique clinique et proposons des
études pour approfondir les lectures parmi la psychanalyse, la littérature, le
féminisme et le patriarcat.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 419

RÉFÉRENCES
Batalha, M. (2016). A vida invisível de Eurídice Gusmão. Editora Companhia
das Letras.

Butler, J. (2008). Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade.


Rio de Janeiro: Civilização Brasileira
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Carvalho, A. C. (2006). Limites da sublimação na criação literária. Estudos


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In S. Freud, Obras completas. (Vol. 9, pp. 159-181). Buenos Aires: Amorrortu.

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lidade e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud, Volume VII. Rio de Janeiro: Imago.

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mento possível do gozo. São Paulo: EDUSP, 2017, p. 33.

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mas reflexões sobre a mulher enquanto Outro. Descentrada. Revista interdis-
ciplinaria de feminismos y género, 4(2).

Pombo, M. (2018). Crise do patriarcado e função paterna: um debate atual na


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Alegre: L&P Pocket, 2018, p. 106.

Woolf, V. (1929/2014). Um teto todo seu. São Paulo: Tordesilhas.


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O TRAUMA E OS DISCURSOS
COLONIAIS: o despertar de uma
reflexão sobre a violência racista
contra a mulher negra no Brasil
Samira Andrade Paiva
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Débora Passos
Maria Celina Peixoto Lima
Ana Catarina Nogueira Farias
Juliane dos Santos Moraes
Francisca Renata de Araújo Pessoa

Introdução

O Sistema Escravocrata Colonial no Brasil, em sua longa duração de


mais de três séculos, internalizou-se cruelmente na história brasileira. O país
não só traficou, em grande escala, africanos a partir dos tão conhecidos navios
negreiros, como também, foi o último a abolir a escravidão (Schwarcz &
Gomes, 2018). A abolição pode ter dado aos escravos o direito à liberdade,
todavia, as condições dignas de vida e de serem reconhecidos como cidadãos
tal qual as pessoas brancas, lhes foi negado. Isto porque a sociedade continuou
repetindo lógicas presentes na escravidão por meio do racismo cotidiano.
A filósofa e ativista do movimento negro, Sueli Carneiro (2005), sobre
o funcionamento e manutenção do racismo, afirma que a essência deste,
enquanto uma pseudo-ciência, está em buscar legitimar, em planos de ideias,
práticas e políticas a produção de privilégios não só simbólicos, como tam-
bém materiais, que beneficiem a supremacia branca que o engendra. Ainda
segundo a autora, são estes mesmos privilégios que têm o poder de deter-
minar a ‘’permanência e reprodução do racismo enquanto instrumento de
dominação, exploração e mais contemporaneamente, de exclusão social’’.
(Carneiro, 2005, p. 29). Com isso compreende-se que o racismo funciona a
partir de uma hierarquia onde as pessoas brancas são estabelecidas como o
centro das normas sociais, enquanto as pessoas não brancas sofrem com um
processo de dominação.
Apesar deste cenário, desenvolveu-se no país, um movimento cultural
fortemente enraizado, onde existe a total e completa negação da existência do
racismo. Foram criados inúmeros discursos para tamponar a culpa histórica
422

branca, sendo um dos mais conhecidos e utilizados, o da miscigenação que


sustenta, no imaginário popular, a ideia de uma pluralidade étnica e cultural
resultante de uma não delimitação entre raças. A esse respeito, a antropóloga
Lilia Schwarcz afirma que “no Brasil convivem sim duas realidades diversas:
de um lado, a descoberta de um país profundamente mestiçado em suas cren-
ças e costumes; de outro, o local de um racismo invisível e de uma hierarquia
arraigada na intimidade” (Schwarcz, 1998, p. 241).
Assim, é evidente que a consciência social e racial do povo brasileiro pre-
cisa ser despertada para uma profunda reflexão, capaz de promover mudanças

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em sua estrutura social. Um dos meios para que isto ocorra, senão o principal,
seria uma reforma na educação formal e cultural vigente. As histórias da escra-
vidão e a sua posterior abolição, ainda são disseminadas de forma equivocada.
Nelas, apesar de terem sido os precursores do tráfico e da mercantilização
dos corpos negros, os brancos europeus são relatados como os libertadores e
abolicionistas. Tal posição, de natureza francamente ideológica, se expressa,
até hoje, na forma como é apresentada e contextualizada a Lei Áurea248 na
educação brasileira, como um ato de benevolência.
Neste cenário, a população negra atua como coadjuvante de sua própria
história. Assim, compreende-se que uma educação que não leva a uma respon-
sabilização e reconhecimento dos privilégios brancos, é a mesma que censura
a construção de um espaço reflexivo garantindo assim que as pessoas pretas
não reconheçam o seu passado doloroso e, por consequência, não entrem em
contato com suas raízes ancestrais, impedindo a construção de um discurso
sobre si mesmas.
Diante destas questões, é possível compreender que os discursos que
são apresentados para a população negra a coloca em um aprisionamento psí-
quico. Tal população é colocada em um lugar de outridade249, já que o centro
das normas sociais é ocupado pela população branca, logo, aqueles que não
satisfazem as exigências da norma, são descritos e reconhecidos como o outro.
Por isso, o processo de reconhecimento e construção social do que significa

248 A Lei Imperial n. 3.353 de 13 de maio de 1888 ficou conhecida no Brasil como Lei Áurea e extinguiu de
maneira imediata a escravidão no país. Foi promulgada pela Princesa regente Isabel em uma breve frase,
aproveitando-se de uma ausência do Imperador D. Pedro II. Entretanto, a abolição tornou-se mera figura
jurídica, uma vez que não previa inserção social ou reconhecimento de direitos da população de escravos
recém-libertos, deixando-os à própria sorte. (Monteiro, 2012.)
249 No pensamento ocidental a identidade do “outro” é entendida como algo a se conquistar, para isso é preciso
moldar o diferente de acordo com o que é conhecido para evitar que expresse suas características, suas
qualidades particulares e sua forma genuína de existência. Nesse movimento, espera-se que o “outro” se
encaixe naquilo que já é aceito, condicionando sua singularidade ao apagamento. Ser colocado no lugar de
“outridade” é estar na posição de apagamento por não ser reconhecido como semelhante em uma sociedade
onde o problema está na justaposição ou no nivelamento das identidades, que suprime as diferenças dos
sujeitos que se relacionam e dá prioridade ao que se considera norma. (Treanor, 2006.)
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 423

um corpo negro é, como afirma Frantz Fanon (1952/2008), ‘’uma atividade


de negação. É um conhecimento em terceira pessoa” (Fanon, 2008, p. 104).
Um dos resultados deste quadro complexo, é o fenômeno denominado de
epistemicídio do conhecimento.
Carneiro (2005), resgata a ideia de epistemicídio, fazendo uma releitura
do termo utilizado anteriormente por Boaventura Sousa Santos (1997). A
autora afirma que tal processo funciona como um instrumento que se mostra
eficaz e duradouro na dominação étnica/racial, uma vez que empreende a
negação, de forma legítima, das formas de conhecimento produzidas pelos
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grupos dominados e, por consequência, de seus membros enquanto sujeitos de


seu próprio conhecimento (Carneiro, 2005, p. 96). Assim, o epistemicídio do
conhecimento seria a negação de todo e qualquer saber que não é produzido
pelo grupo étnico de supremacia hegemônica.
O período de colonização no Brasil, foi, e apresenta-se ainda na atuali-
dade, como violentamente traumático para a construção da significação do
corpo negro, uma vez que o colonialismo torturou seus corpos, privou-os
de sua liberdade e suprimiu suas vozes. A ordem colonial, não significou
somente um aprisionamento do corpo, mas um aprisionamento simbólico.
Isto porque, dentro de uma lógica de posse sobre o corpo negro, criou-se uma
hierarquia entre dominador e dominado, gerando o simbolismo do corpo negro
no imaginário popular a partir de um lugar de inferioridade. A problemática
se torna ainda mais complexa, quando há um corte epistemológico social,
sendo pensadas questões que envolvem os corpos negros femininos já que
estes foram massacrados, não somente pelo racismo, mas também pelas leis
do patriarcado.
Gomes (2018) argumenta que a demarcação das diferenças de gênero,
baseadas em conceitos biológicos, é um dos principais construtos utilizados na
organização e articulação das relações de poder nas sociedades que conservam
a colonialidade, por conseguinte o patriarcado. Simultâneo e indissociável à
raça e classe, a autora observa que gênero é também uma categoria ociden-
tal e eurocentrada que, analisada historicamente, não era recrudescente nas
culturas nativas da América Latina. Imposta através da violência coloniza-
dora, apresenta-se como uma categoria deliberadamente fabricada. O “gênero
feminino” construiu-se, assim, a partir de uma lógica pautada em estereótipos
cruéis, onde as mulheres brancas são providas de feminilidade e as mulheres
negras ou indígenas são colocadas em um lugar de selvageria. Gomes (2018)
complementa que a colonialidade de gênero, referente ao poder imposto pela
diferenciação de gênero, é, para além de um estereótipo, uma negação a estes
corpos, em termos culturais, de racionalidade e de relações sociais.
424

Além disso, é possível pensar que o sistema colonial, a partir de seu


longo processo de escravização, impôs não só um trabalho braçal, mas tam-
bém cultural com o qual os negros não estavam familiarizados e nem queriam
estar. Segundo Fanon (1952/2008) “de um dia para o outro, os pretos tiveram
de se situar diante de dois sistemas de referência. Sua metafísica ou, menos
pretensiosamente, seus costumes e instâncias de referência foram abolidos
porque estavam em contradição com uma civilização que não conheciam e
que lhes foi imposta” (p. 104).
A partir disso, faz-se necessário pensar que o colonialismo rouba, de

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forma simbólica, a identidade cultural daqueles que são oprimidos por sua
lógica. Desta forma, é possível expandir a noção de violência praticada pelo
colonialismo, já que este sistema violentou os colonizados não só de forma
física, mas de forma psicológica e emocional. Assim, se faz fundamental
adentrar-se sobre a construção e funcionamento do maior legado, melhor
falando, maldição, deixada pelo período colonial: o racismo.

O trauma colonial e a ferida aberta racial

A filósofa e psicóloga Grada Kilomba (2019) traz a seguinte fala: “o


colonialismo é uma ferida que nunca foi tratada. Uma ferida que dói sempre,
por vezes infecta, e outras vezes sangra”. Assim, pensando no colonialismo
como uma construção traumática e, analisaremos duas vertentes: como se
constitui o trauma colonial e quais são as suas consequências para o psiquismo
da população negra.
Em “Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano”, Kilomba
(2019), citada acima, apresenta a temática do trauma que, em sua derivação
original, da palavra grega significa “ferida” ou “lesão”. O trauma diz da
atemporalidade de um acontecimento que não encontra equivalente simbólico
e sem palavra adequada para ser simbolizado não se pode esquecer e não
se pode evitar lembrar, de tal forma que passado e presente estão em cons-
tante entrelaçamento como “[...] memórias vivas enterradas em nossa psique”
(Kilomba, 2019, p. 33). A dinâmica das relações sociais são assim marcadas
por um não esquecimento da opressão colonial, o trauma colonial é memo-
rizado e está constantemente sendo reatualizado nos episódios de racismo
cotidiano onde o sujeito negro é colocado como o oposto do universal, logo,
o Outro, o exótico, o subordinado; o que é justificado por um discurso de
dominação forjado e moldado na experiência da colonização (Kilomba, 2019).
Assim, o racismo é fortemente constituído e capaz de colocar as pessoas
negras, em um lugar simbólico de exotismo, de serem vistos como diferentes,
diferentes do que é a norma: a branquitude.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 425

A partir da representação do retrato de Anastácia250 – mulher escravizada


submetida ao castigo da máscara – Kilomba (2019) apresenta a questão do
silenciamento como principal mecanismo de opressão de pessoas negras por
colonos. A “máscara” era um dos principais instrumentos usados pelos euro-
peus para castigar os escravos no período colonial. Consistia em um pedaço
de metal que era colocado no interior da boca do escravo, usado pelos senho-
res brancos para impedir que os escravos comessem das plantações e para
impor mudez e medo. Neste sentido, a máscara representaria o colonialismo
de uma forma geral, simbolizando “políticas sádicas de conquista e domi-
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nação e seus regimes brutais de silenciamento das/os chamadas/os ‘Outras/


os’” (Kilomba, 2019, p. 33). Assim, é possível perceber que o colonialismo
se sustenta em relações de poder onde os dominadores ditam quem pode
falar e quem deve permanecer em silêncio. No âmbito do racismo, “[...] a
boca se torna o órgão da opressão por excelência, representando, o que as/os
brancas/os querem – e precisam controlar e, consequentemente o órgão que,
historicamente, tem sido severamente censurado” (Kilomba, 2019, p. 33-34).
A boca, nesse contexto, pode ser compreendida, também, como metá-
fora para a posse. Ocorre uma construção fantasística de que o sujeito negro
quer possuir algo que pertence ao senhor branco. A interpretação perversa
de que o colonizado rouba, configura um processo de negação onde “[...]
o sujeito afirma algo sobre a/o “Outra/o” que se recusa a reconhecer em si
próprio – que caracteriza o mecanismo de defesa do ego” (Kilomba, 2019,
p. 34). A negação é uma forma de manter e de tornar legítimas estruturas
violentas de exclusão social. Assim, o fruto da negação é a construção de
uma dualidade no psiquismo do sujeito branco que consiste em ver o sujeito
negro como o Outro, tornando-se aquele que o sujeito branco não quer ser
associado. “Enquanto o sujeito negro se transforma em inimigo intrusivo, o
branco torna-se vítima compassiva, ou seja, o opressor torna-se oprimido e o
oprimido, o tirano” (Kilomba, 2019, p. 34). Diante dessa inversão de papéis,
o Outro está sempre antagonizado por aquele que é reconhecido como “eu”.

250 O retrato de Anastácia foi feito por um francês de 27 anos chamado Jacques Arago entre dezembro de 1817
e 1818. No século XX a figura de Anastácia se tornou símbolo da brutalidade da escravidão e seu contínuo
legado do racismo. Sem história oficial, alguns dizem que Anastácia era filha de uma família real Kimbundo,
nascida em Angola, sequestrada e levada para a Bahia e escravizada por uma família portuguesa. Outros
alegam que ela teria sido uma princesa Nagô/Yorubá antes de ter sido capturada por traficantes europeus.
Outros contam, ainda, que a Bahia foi seu local de nascimento. Segundo todos os relatos, ela foi forçada a
usar um colar de ferro muito pesado, além da máscara facial que a impedia de falar. As razões do castigo
variam de ativismo político e ajuda na fuga de outros escravizados a resistência às investidas sexuais do
“senhor” branco. Após um longo período de castigo vem a falecer de tétano causado pelo colar de ferro. Sua
figura está relacionada a poderes de cura e milagres. É comumente vista como Santa dos Pretos Velhos,
diretamente relacionada ao Orixá Oxalá ou Obatalá – Orixá da paz, serenidade e sabedoria – e é objeto de
devoção no Candomblé e na Umbanda. (Handler e Hayes, 2009 apud Kilomba,2019, pág.35/36)
426

Deste modo, o psiquismo branco está dividido dentro de si, entre uma parte
benevolente e outra má, onde a parte boa é reconhecida como estruturante do
“eu” e a parte má é projetada no Outro. Então, todos os estereótipos negativos,
como, por exemplo, “ladrão” e “violento” são características direcionadas a
pessoas que estão à margem da sociedade. De forma conclusiva, o sujeito
negro, não apenas é visto como o Outro, mas também, é “associado a aspectos
repressores do ‘eu’ do sujeito branco”’ (Kilomba, 2019, p. 38).
Nessa relação de poder onde se impõe o silêncio e se projeta todos os
aspectos negativos nos escravizados, se constrói uma identidade pautada na

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“dessemelhança” onde a branquitude se caracteriza por uma exploração do
Outro sobre uma ideia egóica de possessão de si, baseada em uma falta de
semelhança com o Outro (Morrison, 1992 apud Kilomba, 2019, p. 38). Ou
seja, o Outro não se intitula assim, ele se constrói a partir de uma identidade
relacional branca. Sobre essa questão, Fanon (1952) afirma que “o que é fre-
quentemente chamado de alma negra, é uma construção do homem branco”
(p. 30). A afirmação de Fanon remete a uma reflexão de que, diante desse
lugar de Outridade, não se lida puramente com o sujeito negro, mas sim com
fantasias brancas sobre o que a negritude deveria ser. (Kilomba, 2019). Diante
das fantasias brancas, a autora afirma, ao se basear em Stuart Hall (1996), que
“o mundo conceitual branco é como se o inconsciente coletivo das pessoas
negras fosse pré-programado para a alienação, decepção e trauma psíquico,
uma vez que as imagens da negritude às quais somos confrontadas/os não são
nada realistas, tampouco gratificantes” (Kilomba, 2019, p. 39).
Dessa forma, ser negro significa ser violentamente separado de qualquer
identidade que este possa vir a ter. Segundo a autora, é este cenário que se ins-
taura o, chamado por ela, “trauma clássico’’, uma vez que o sujeito é privado
de construir seu próprio contato com a sociedade que é, inconscientemente,
programada para ter a branquitude como referencial. Ou seja, as pessoas
negras estão reféns de fantasias brancas, instauradas no inconsciente coletivo
social (Kilomba, 2019) diante de uma separação psíquica racista, em que a
única forma do negro se constituir como sujeito é tentando encaixar-se em
um discurso que não é autônomo, mas que é criado para ele por um outro.
É necessário perceber os mecanismos que as pessoas negras criaram para
sobreviverem nesta lógica e que estruturas sociais, em sua praticidade, têm
contribuído para a manutenção deste sistema opressor.
Segundo Souza (1983) é de extrema importância para que o negro alcance
autonomia, que ele construa um saber sobre si mesmo. No entanto, a autora
adverte que é um processo muito difícil, pois com o surgimento do sistema
escravocrata, o negro foi colocado em um lugar de inferioridade, tendo seu
lugar social demarcado a partir da ideia de raça, o que instituiu um paralelo
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 427

entre cor negra e posição social inferior. Portanto, a única saída encontrada
pelo negro para fugir de uma definição inferiorizante foi tomar o branco como
modelo de identidade.
Para Souza (1983), a ideia de raça constitui-se como “noção ideológica,
engendrada como critério social para distribuição de posição na estrutura de
classes” (Souza, 1983, p. 20). Apesar da raça ser baseada em aspectos bioló-
gicos, ela sempre foi definida no Brasil em termos de aptidão para fazer parte
de um determinado grupo social, no qual seus integrantes têm em comum o
mesmo nível escolar/acadêmico e aparato cultural.
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Contudo, percebe-se uma lógica cruel, que consiste em uma adaptação


forçada da população negra para se encaixar em uma ordem social que é dis-
tante de suas vivências e, de forma mais complexa, que impede que esta se
reconheça em sua própria cultura. Assim, existe um silenciamento das vozes
das pessoas negras como sujeitos independentes, que impedem a emancipação
de uma construção egóica que não esteja associada a um padrão embranque-
cido (Fanon, 1952/2008).
Para Lugones (2008) através da classificação social, a colonialidade per-
meia todos os aspectos da vida social, o que torna mais efetiva a dominação
social. O que significa que a “colonialidade” não se limita somente à raça,
pois ela é um fenômeno mais amplo e atravessa o controle do sexo, a autori-
dade coletiva e subjetividade/intersubjetividade, além de atravessar também
a produção de conhecimento, a partir das relações intersubjetivas.
No quadro das profundas desigualdades raciais existentes, inscreve-se,
de modo bem articulado, a desigualdade sexual. O duplo caráter da condição
biológica – racial e sexual – de mulheres não brancas faz com que elas sejam
as mais oprimidas e exploradas. Em razão desse sistema que transforma dife-
renças em desigualdades, a discriminação sofrida pela mulher negra assume
um caráter triplo quando se considera sua posição de classe (Gonzalez, 2020).

Os discursos coloniais de gênero: três Mitos identitários

As mulheres negras brasileiras possuem uma representação no imagi-


nário popular repleta de estereótipos advindos do período colonial, já que as
opressões sofridas perpassam a inserção da raça e do gênero. A sua formação
identitária, a construção da forma como lidam com suas emoções e constroem
as suas relações afetivas são atravessadas pelas mais diversas influências
negativas de um período que as tratou e as colocou em um lugar de animali-
zação e de servidão. Servidão esta que tomou conta de seus corpos e ações,
privando-as de sua liberdade. Como afirma a filósofa e escritora, bell hooks
(1995), “o sexismo e o racismo, atuando juntos, perpetuam uma iconografia
428

de representação da negra que imprime na consciência cultural coletiva a idéia


que ela está neste planeta principalmente para servir aos outros” (p. 468).
A antropóloga Lélia González (1979), sobre estas questões, afirma que
as imagens das mulheres negras estão associadas, na maioria das vezes, a
estereótipos de cunho profissional e sexual. Segundo a autora, “a mulher
negra é vista pelo restante da sociedade a partir de dois tipos de qualificação
‘profissional’: doméstica e mulata” (González, 1979a, p. 13).
A socióloga Ana Cláudia Pacheco (2013) em sua obra “Mulher negra:
afetividade e solidão”, traz questões relevantes sobre a construção da sexua-

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lidade e da afetividade da mulher negra. Para a autora, torna-se um trabalho
árduo se reconhecer nos discursos e ideologias pautadas na raça e no gênero,
já que estes são estruturantes e que ordenam um conjunto de práticas cor-
porais que são racializadas quando vivenciadas pelo gênero, pela constru-
ção da sexualidade, pela afetividade, pelo trabalho e outros lugares que são
socialmente “destinados” às mulheres negras no Brasil. A autora cita uma
pesquisa realizada pelo antropólogo Osmundo de Araújo Pinho (2004), na qual
o pesquisador identificou a existência de estereótipos negativos associados à
sexualidade, sendo dois destes, a “mulata sexual” e a figura da mulher que é
reconhecida puramente como empregada doméstica. Em suas palavras, este
último estereótipo é pautado em uma ideia da mulher negra como “a empre-
gada doméstica, a criada e a ama-de-leite. Também nesse caso, o motivo é
colonial e escravista” (Pinho, 2004, p. 115 apud Pacheco, 2013, p. 25). Esse
estereótipo, lê-se mito, pode ser denominado de “Mãe-preta’’.
A figura da “Mãe-preta”’ foi utilizada amplamente pelo sociólogo Gil-
berto Freyre (1933) em sua obra “Casa-Grande & Senzala”, de uma forma um
tanto romantizada. O autor defendia a ideia de que a miscigenação seria uma
resultante do contato entre negros, índios e brancos e que isto teria colaborado
para uma maior reciprocidade sexual, racial e afetiva. Desta forma, segundo a
teoria freyreana, as desigualdades raciais entre senhores e escravos no período
colonial teriam sido amenizadas. Em suas palavras, “havia uma doçura nas
relações entre senhores e escravos domésticos, na qual a casa-grande fazia
subir da senzala para o serviço mais íntimo e delicado dos senhores, vários
indivíduos como amas de criar, mucamas...” (Freyre, 1933, p. 406).
Associada ao Mito da Mãe-preta, se encontra a figura das escravas amas
de leite.. Segundo Telles (2018), eram as escravas que trabalhavam nas Casas-
-Grandes e amamentavam os filhos das famílias senhoriais, conhecidas como
“escravas de portas adentro”. Na maioria das vezes, estas mulheres eram
impedidas de cuidarem dos próprios filhos, uma vez que todo o seu tempo era
direcionado aos cuidados dos filhos das famílias brancas, além disso, sofriam
práticas específicas de violência e dominação, como ataques sexuais e formas
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 429

restritas de vigilância. (Telles, 2018, p. 101). Dessa maneira a maternidade


das mulheres negras era atrelada à servidão e a um lugar de passividade.
A existência de uma ama de leite, uma mãe preta, teria sido, para Freyre
(1993), uma figura quase que benéfica dentro desta estrutura. Inclusive, ainda
em sua obra, Freyretraz um dito popular, extremamente racista, que reflete até
os dias atuais sobre a imagem criada para as mulheres negras: “branca para
casar, mulata para f...., preta para trabalhar” (Freyre, 1933, p. 84).
Entretanto, González (1979 apud Pacheco, 2013, p. 58) se opõe a esta
noção de que a estrutura do sistema escravista e patriarcal do Brasil consti-
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tuiu-se de forma harmônica. Na verdade, seria o completo oposto, o racismo


e o sexismo teriam sido as bases nas quais estes sistemas de opressão foram
gerados e persistiram após a abolição escravocrata. O papel das mulheres
negras era muito importante nas lutas organizadas, como fugas e motins. Este
era um sinal da não existência de uma cordialidade e de uma submissão por
parte destas mulheres.
Além disso, ainda segundo González, a figura da Mãe-preta seria uma
das muitas formas de resistência da mulher negra na casa grande. Pois, já que
estas mulheres cuidavam dos filhos dos brancos, ao ensinar-lhes a falar e ao
contar histórias para eles, na verdade, esta era uma forma de repassar o seu
saber africano. Ou seja, era uma forma de unir a sua cultura a uma cultura
embranquecida. Assim, era uma estratégia capaz de protegê-las das violências
praticadas pelos filhos dos senhores, como estupros e outros tipos de agressões
físicas. Em suas palavras, González (1979), defende que “não podemos deixar
de levar em consideração que existem diferentes formas de resistência. E uma
delas, é a resistência passiva” (González, 1979b, p. 7).
Diante desta resistência, é possível desconstruir e ressignificar o estereó-
tipo da Mãe-preta, reconhecendo que a mulher negra neste cenário possuiu
um “papel revolucionário e silencioso [...] no sentido de passar os valores da
sua ancestralidade para o branco, que ela amamentava” (González, 1979b,
p. 8). Apesar disso, este estereótipo segue negativamente vivo na cultura
brasileira, “já que a mulher em geral e a negra, em particular, desempenha-
rem papéis sociais desvalorizados em termos de população economicamente
ativa” (González, 1979a, p. 19). Desta forma, buscando uma ressignificação
na atualidade, faz-se urgente complexar as facetas de uma mulher negra e
seus ofícios, não limitando-a a espaços de submissão e cargos pré-definidos.
Já a figura da mulata, aqui lê-se Mito da Mulata Sexual, para González
(1984), nasceu a partir das mucamas, que eram as escravizadas jovens respon-
sáveis por serviços domésticos, que poderiam ser, inclusive, de amas-de-leite.
A autora faz um paralelo com a cultura carnavalesca do Brasil, onde, por
430

alguns momentos, a mulher negra é retirada do local de servilismo com seu


trabalho, para ser colocada em um local de servilismo de seu próprio corpo.
Sobre a própria dominação da palavra Mulata, a autora afirma que o
termo refere-se a mulher como um “‘produto de exportação’, ou seja, objeto
a ser consumido pelos turistas nacionais e pelos nacionais burgueses” (Gonzá-
lez, 1979a, p. 21). A mulata, então, se destacaria por sua importância, dentro
de um contexto do carnaval brasileiro, em reatualizar o mito. Durante o car-
naval, a mulher negra, antes anônima, torna-se o centro da atenção de todos
os olhares. E, é neste momento, que o mito é reatualizado. Esse mito tem um

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grande peso sobre a vida das mulheres afro-brasileiras, já que exerce uma
violência simbólica que tem como principal consequência “[...] a culpabilidade
engendrada pelo seu endeusamento” (González, 1984, p. 228). Diante disso, é
possível refletir sobre como o corpo da mulher negra não é respeitado. Existem
momentos em que ele é visto como mais uma peça da estrutura do capitalismo,
já em outros momentos, é percebido como entretenimento, sendo visto a partir
de um conceito de “beleza” deturpado por um olhar sexista e racista.
Além destes dois estereótipos mencionados, é possível pensar em um
terceiro que funciona quase como uma resposta diante de todo o sofrimento
vivenciado no período colonial e pós colonial. Trata-se do “Mito da Mulher
Negra Superforte”. Sobre essa questão, hooks (1994/2000), afirma que “a
escravidão criou no povo negro uma noção de intimidade ligada ao sentido
prático de sua realidade. Um escravo que não fosse capaz de reprimir ou conter
suas emoções, talvez não conseguisse sobreviver” (hooks, 2000, p. 190). Além
disso, a autora traz a ideia de que o racismo e a supremacia branca não foram
eliminados com a abolição da escravatura, então as pessoas pretas aprenderam
a internalizar e a reprimir emoções. Por grande parte da população negra,
isto foi visto de uma forma positiva. Sendo assim, a habilidade de mascarar
sentimentos passou a ser considerada como sinal de personalidade forte.
Kilomba (2019) critica a formação desta fortaleza emocional, afirmando
que a criação deste estereótipo pode ser lida como uma estratégia política
para superar as más representações das mulheres negras no mundo branco.
Entretanto, acaba por aprisionar as mulheres negras em uma imagem, muitas
vezes idealizada, que não permite a reflexão profunda das feridas deixadas
pelo racismo. Ainda segundo a autora, as imagens criadas para a mulher negra
são investidas intensamente nas ideias de “força, autossacrifício, dedicação e
amor incondicional – atributos já associados ao arquétipo da maternidade, mas
que desavisadamente negam o reconhecimento de verdadeiras experiências
femininas negras’’ (Kilomba, 2019, p. 192).
De acordo com a autora, existe uma supervalorização desta fortaleza que
pode causar um adoecimento psíquico. A autora critica a fala muito comum de
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 431

mulheres negras que afirmam não precisarem de terapia, já que, segundo elas,
isso seria para mulheres brancas que não possuem maiores responsabilidades.
Além disso, o retrato da mulher negra forte tem sido usado pelas pessoas
brancas para reafirmar velhos estereótipos. Kilomba (2019) argumenta que as
mulheres negras apresentam uma ausência dupla, uma Outridade duplicada,
já que representam a antítese do ser branco e da masculinidade.
Finalmente, hooks (1994/2000) traz a ideia de que a forma mais efetiva
de vencer a repressão de emoções, seria através do amor. Refletindo sobre
essa questão, é possível perceber a ideia de que o amor simboliza a construção
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e resgate da afetividade, anteriormente roubada pelo colonialismo. A autora,


inspirando-se em M. Scott Peck, afirma que o amor é “a vontade de se expandir
para possibilitar o nosso próprio crescimento e o crescimento de outra pessoa”,
assim o amor seria uma intenção e uma ação. É preciso pensar na dificuldade
do ato de amar para as mulheres negras com sensibilidade, já que seu passado
cruel não deixou espaço para que elas se nutrissem espiritualmente. Entretanto,
a autora deixa uma palavra de esperança ao afirmar que quando “conhecemos
o amor, quando amamos, é possível enxergar o passado com outros olhos; é
possível transformar o presente e sonhar o futuro. Esse é o poder do amor.
O amor cura” (hooks, 2000, p. 198). Com isso, compreende-se que a única
forma de poder desconstruir a imagem da mulher negra forte e inabalável,
seria através de um olhar de cuidado, capaz de trazer curar suas dores.
O ato de amar resgata a nossa dimensão de alteridade frente ao outro e,
consequentemente, ao outro negro. Se a descolonização retirou essa dimensão,
cabe aos laços presentes e futuros reencontrá-la.
432

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LES TRAUMAS ET LES DISCOURS
COLONIAUX : l’éveil d’une réflexion
sur la violence raciste à l’égard
des femmes noires au Brésil
Samira Andrade Paiva
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Débora Passos
Maria Celina Peixoto Lima
Ana Catarina Nogueira Farias
Juliane dos Santos Moraes
Francisca Renata de Araújo Pessoa

Introduction

Le Système Esclavagiste Colonial au Brésil, dans sa longue durée de plus


de trois siècles, s’est cruellement intériorisé dans l’histoire brésilienne. Le pays
a non seulement fait le trafic d’Africains à grande échelle à partir des célèbres
navires négriers, mais il a également été le dernier à abolir l’esclavage (Schwarcz
& Gomes, 2018). L’abolition a peut-être donné aux esclaves le droit à la liberté,
mais on leur a refusé des conditions de vie décentes et la reconnaissance en tant
que citoyens tout comme les blancs. En effet, la société a continué à répéter les
logiques présentes dans l’esclavage par un racisme quotidien.
La philosophe et activiste du mouvement noir, Sueli Carneiro (2005), sur
le fonctionnement et le maintien du racisme, affirme que l’essence du racisme,
en tant que pseudo-science, est de chercher à légitimer, dans des plans d’idées,
de pratiques et de politiques, la production de privilèges non seulement symbo-
liques, mais aussi matériels, qui profitent à la suprématie blanche qui l’engendre.
Toujours selon l’auteure, ce sont ces mêmes privilèges qui ont le pouvoir de
déterminer la « permanence et la reproduction du racisme comme instrument de
domination, d’exploitation et, plus contemporainement, d’exclusion sociale ».
(Carneiro, 2005, p. 29, traduction libre). Cela signifie que le racisme opère à
partir d’une hiérarchie où les blancs sont établis comme le centre des normes
sociales, tandis que les non-blancs souffrent d’un processus de domination.
Malgré ce scénario, un mouvement culturel fortement enraciné s’est
développé dans le pays, où l’existence du racisme est totalement niée. De nom-
breux discours ont été créés pour amortir la culpabilité historique des blancs,
l’un de plus connu et de plus utilisé, celle du métissage, qui soutient dans
l’imaginaire populaire l’idée d’une pluralité ethnique et culturelle résultant
436

d’une absence de démarcation entre les races. À cet égard, l’anthropologue


Lilia Schwarcz affirme que « au Brésil, deux réalités différentes coexistent :
d’une part, la découverte d’un pays profondément métissé dans ses croyances
et ses coutumes; d’autre part, la place d’un racisme invisible et d’une hié-
rarchie enracinée dans l’intimité » (Schwarcz, 1998, p. 241, traduction libre).
Ainsi, il est clair que la conscience sociale et raciale du peuple brésilien
doit être éveillée à une réflexion profonde, capable de promouvoir des chan-
gements dans sa structure sociale. L’un des moyens pour y parvenir, sinon le
principal, serait une réforme de l’éducation formelle et culturelle en vigueur.

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Les histoires de l’esclavage et de son abolition ultérieure sont encore diffu-
sées de manière erronée. Dans celles-ci, bien qu’ils aient été les précurseurs
du trafic et de la marchandisation des corps noirs, les blancs européens sont
signalés comme les libérateurs et les abolitionnistes. Cette position, de nature
franchement idéologique, s’exprime, jusqu’à aujourd’hui, dans la manière dont
la Lei Áurea251 est présentée et contextualisée dans l’éducation brésilienne,
comme un acte de bienveillance.
Dans ce scénario, la population noire agit dans un rôle de soutien à sa
propre histoire. Ainsi, il est entendu qu’une éducation qui ne conduit pas à
une responsabilisation et à une reconnaissance des privilèges des blancs, est
la même qui censure la construction d’un espace de réflexion assurant ainsi
que les noirs ne reconnaissent pas leur passé douloureux et, par conséquent,
n’entrent pas en contact avec leurs racines ancestrales, empêchant la construc-
tion d’un discours sur eux-mêmes.
Face à ces questions, il est possible de comprendre que les discours qui
sont présentés à la population noire la placent dans un emprisonnement psy-
chique. Une telle population est placée dans un lieu d’Outridade,252 puisque
le centre des normes sociales est occupé par la population blanche, de sorte
que ceux qui ne répondent pas aux exigences de la norme sont décrits et
reconnus comme l’Autre. Par conséquent, le processus de reconnaissance et de
construction sociale de ce que signifie un corps noir est, comme le dit Frantz

251 La loi impériale n° 3353 du 13 mai 1888 est connue au Brésil sous le nom de Lei Áurea et a immédiatement
aboli l’esclavage dans le pays. Elle a été promulguée par la princesse régente Isabelle en une courte phrase,
profitant de l’absence de l’empereur Pedro II. Cependant, l’abolition est devenue une simple figure juridique,
car elle ne prévoyait pas l’insertion sociale ni la reconnaissance des droits de la population des esclaves
récemment libérée, la laissant à son sort. (Monteiro, 2012).
252 Dans la pensée occidentale, l’identité de ‘l’autre’ est comprise comme quelque chose qui doit être modelé
en fonction de ce qui est connu, empêchant ainsi l’expression de caractéristiques particulières et leur forme
d’existence authentique. Dans ce mouvement, ‘l’autre’ est supposé de s’insérer dans ce qui est déjà accepté,
conditionnant sa singularité à l’effacement. Être placé à la place de ‘l’Outridade’, c’est être en position
d’effacement pour ne pas être reconnu comme semblable dans une société où le problème réside dans la
juxtaposition ou le nivellement des identités, qui supprime les différences des sujets qui se rapportent et
donne la priorité à ce qui est considéré comme la norme.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 437

Fanon (1952/2008), « une activité de négation. Il s’agit de la connaissance


d’une troisième personne » (p. 104, traduction libre). L’un des résultats de ce
tableau complexe est le phénomène appelé épistémicide de la connaissance.
Carneiro (2005), reprend l’idée d’épistémicide, en relisant le terme uti-
lisé précédemment par Boaventura Sousa Santos (1997). L’auteure affirme
qu’un tel processus fonctionne comme un instrument qui s’avère efficace et
durable dans la domination ethnique/raciale, puisqu’il s’engage à nier légi-
timement les formes de connaissance produites par les groupes dominés et,
par conséquent, leurs membres en tant que sujets de leur propre connaissance
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(Carneiro, 2005, p. 96). Ainsi, l’épistémicide de la connaissance serait la


négation de toute connaissance qui n’est pas produite par le groupe ethnique
de la suprématie hégémonique.
La période de colonisation au Brésil a été, et est encore, présentée comme
brutalement traumatisante pour la construction du sens du corps noir, puisque
le colonialisme a torturé leur corps, les a privés de leur liberté et a supprimé
leur voix. L’ordre colonial ne signifiait pas seulement un emprisonnement du
corps, mais un emprisonnement symbolique. Tout cela parce que, dans une
logique de possession du corps noir, une hiérarchie s’est créée entre dominant
et dominé, générant la symbolique du corps noir dans l’imaginaire populaire à
partir d’un lieu d’infériorité. Le problème devient encore plus complexe lors-
qu’il y a une coupure épistémologique sociale, en réfléchissant aux questions
concernant les corps des femmes noires depuis qu’elles ont été massacrées,
non seulement par le racisme, mais aussi par les lois du patriarcat.
Gomes (2018) affirme que la démarcation des différences entre les genres,
basée sur des concepts biologiques, est l’une des principales constructions utili-
sées dans l’organisation et l’articulation des relations de pouvoir dans les sociétés
qui préservent le colonialisme, et par conséquent le patriarcat. Simultané et insé-
parable de la race et de la classe, l’auteure observe que le genre est également
une catégorie occidentale et eurocentrique qui, historiquement analysée, n’était
pas recrudescente dans les cultures indigènes d’Amérique latine. Imposée par
la violence colonisatrice, elle se présente comme une catégorie délibérément
fabriquée. Le ‘genre féminin’ est donc construit à partir d’une logique basée
sur des stéréotypes cruels, où les femmes blanches sont dotées de féminité et
les femmes noires ou indigènes sont placées dans un lieu de sauvagerie. Gomes
(2018) ajoute que le colonialisme de genre, en référence au pouvoir imposé par
la différenciation de genre, est, au-delà d’un stéréotype, une négation de ces
corps, en termes culturels, de la rationalité et des relations sociales.
De plus, il est possible de penser que le système colonial, à partir de son
long processus d’asservissement, a imposé un travail non seulement manuel
mais aussi culturel avec lequel les noirs n’étaient pas familiers et ne voulaient
pas l’être. Selon Fanon (1952/2008), « d’un jour à l’autre, les Noirs devaient
438

faire face à deux systèmes de référence. Leur métaphysique ou, moins préten-
tieusement, leurs coutumes et leurs instances de référence ont été abolies parce
qu’elles étaient en contradiction avec une civilisation qu’ils ne connaissaient
pas et qui leur a été imposée » (Fanon, 2008, p. 104, traduction libre).
Sur cette base, il est nécessaire de penser que le colonialisme vole sym-
boliquement l’identité culturelle de ceux qui sont opprimés par sa logique. De
cette façon, il est possible d’élargir la notion de violence pratiquée par le colo-
nialisme, puisque ce système a violé les colonisés non seulement physiquement,
mais aussi psychologiquement et émotionnellement. Il est donc fondamental

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d’entrer dans la construction et le fonctionnement du plus grand héritage, pour
mieux dire, d’une malédiction, laissé par la période coloniale : le racisme.

Le trauma colonial et la blessure raciale ouverte

La philosophe et psychologue Grada Kilomba (2019) fait la déclaration


suivante: « Le colonialisme est une blessure qui n’a jamais été traitée. Une
blessure qui fait toujours mal, parfois infecte, parfois saigne ». Ainsi, en
pensant au colonialisme comme une construction traumatique, nous analy-
serons deux aspects: comment se constitue le trauma colonial et quelles sont
ses conséquences sur le psychisme de la population noire.
Dans ‘Memórias da Plantação : epsódios de racismo cotidiano’ [Mémoires
de la plantation : épisodes de racisme quotidien], Kilomba (2019), cité ci-dessus,
présente le thème du traumatisme qui, dans sa dérivation originale, du mot grec
signifie ‘blessure’ ou ‘lésion’. Le trauma dit de l’intemporalité d’un événement
qui ne trouve pas d’équivalent symbolique et sans un mot adéquat pour le sym-
boliser, on ne peut pas oublier et on ne peut pas éviter de se souvenir, de telle
sorte que passé et présent sont en constante entrelacement comme « [...] des
souvenirs vivants enterrés dans notre psyché » (Kilomba, 2019, p. 33, traduction
libre). La dynamique des relations sociales est ainsi marquée par un non-oubli
de l’oppression coloniale, le traumatisme colonial est mémorisé et constamment
actualisé dans des épisodes de racisme quotidien où le sujet noir est placé à
l’opposé de l’universel, donc de l’Autre, de l’exotique, du subordonné ; ce qui
est justifié par un discours de domination forgé et modelé dans l’expérience
de la colonisation (Kilomba, 2019). Ainsi, le racisme est fortement constitué
et capable de placer les Noirs, dans un lieu symbolique d’exotisme, d’être
considérés comme différents, différents de ce qui est la norme : la blanchitude.
À partir de la représentation du portrait d’Anastácia253 – une femme esclave
soumise à la punition du masque – Kilomba (2019) présente la question du

253 Le portrait d’Anastasia a été peint par un Français de 27 ans nommé Jacques Arago entre décembre
1817 et 1818. Au XXe siècle, la figure d’Anastasia est devenue un symbole de la brutalité de l’esclavage
et de son héritage permanent de racisme. Sans histoire officielle, certains disent qu’Anastasia était la fille
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 439

silence comme le principal mécanisme d’oppression des Noirs par les colons.
Le ‘masque’ était l’un des principaux instruments utilisés par les Européens
pour punir les esclaves pendant la période coloniale. Il s’agissait d’un morceau
de métal placé dans la bouche de l’esclave, utilisé par les seigneurs blancs pour
empêcher les esclaves de manger les plantations et pour leur imposer le silence
et la peur. En ce sens, le masque représenterait le colonialisme d’une manière
générale, symbolisant « les politiques sadiques de conquête et de domination
et leurs régimes brutaux de réduction au silence des soi-disant(es) ‘Autres’ »
(Kilomba, 2019, p. 33, traduction libre). Ainsi, il est possible de voir que
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le colonialisme est soutenu par des relations de pouvoir où les dominateurs


dictent qui peut parler et qui doit se taire. Dans le domaine du racisme, « [...]
la bouche devient l’organe d’oppression par excellence, représentant ce que les
blancs veulent – et doivent contrôler, et donc l’organe qui a été historiquement
sévèrement censuré » (Kilomba, 2019, pp. 33-34, traduction libre).
La bouche, dans ce contexte, peut également être comprise comme une
métaphore de la possession. Il y a une construction fantastique selon laquelle
le sujet noir veut posséder quelque chose qui appartient au monsieur blanc.
L’interprétation perverse que le colonisé vole, configure un processus de
négation où « [...] le sujet affirme quelque chose sur ‘l’Autre’ qu’il refuse
de reconnaître en lui-même – ce qui caractérise le mécanisme de défense de
l’ego ». (Kilomba, 2019, p. 34, traduction libre). Le refus est un moyen de
maintenir et de rendre légitimes les structures violentes d’exclusion sociale.
Ainsi, le résultat du déni est la construction d’une dualité dans le psychisme
du sujet blanc qui consiste à voir le sujet noir comme l’Autre, devenant celui
auquel le sujet blanc ne veut pas être associé. « Alors que le sujet noir devient
un ennemi envahissant, le blanc devient une victime compassionnelle, c’est-à-
dire que l’oppresseur devient opprimé et l’opprimé, le tyran » (Kilomba, 2019,
p. 34, traduction libre). Face à ce renversement des rôles, l’Autre est toujours
l’antagoniste de celui qui est reconnu comme ‘Je’. Ainsi, le psychisme blanc
est divisé en lui-même, entre une partie bienveillante et une partie mauvaise,
où la bonne partie est reconnue comme structurant le ‘je’ et la mauvaise partie
est projetée sur l’Autre. Ainsi, tous les stéréotypes négatifs, tels que ‘voleur’

d’une famille royale du Kimbundo, née en Angola, enlevée et emmenée à Bahia et asservie par une famille
portugaise. D’autres prétendent qu’elle était une princesse Nagô/Yoruba avant d’être capturée par des
trafiquants européens. D’autres disent que Bahia était son lieu de naissance. Selon tous les rapports, elle a
été forcée de porter un collier de fer très lourd en plus du masque facial qui l’empêchait de parler. Les raisons
de la punition varient de l’activisme politique et aident à la fuite d’autres personnes asservies pour résister
aux attaques sexuelles du ‘seigneur’ blanc. Après une longue période de punition, elle meurt du tétanos
causé par le collier de fer. Sa figure est liée aux pouvoirs de guérison et aux miracles. Il est communément
considéré comme le Santa dos Pretos Velhos (Saint du Vieux-Noir), directement lié à l’Orixá Oxalá ou
Obatalá – Orixá de la paix, de la sérénité et de la sagesse – et fait l’objet de dévotion dans le Candomblé et
l’Umbanda. (Handler et Hayes, 2009 apud Kilomba,2019, p. 35/36, traduction libre)
440

et ‘violent’ sont des caractéristiques dirigées vers ceux qui sont à la marge de
la société. En conclusion, le sujet noir n’est pas seulement considéré comme
l’Autre, mais il est aussi « associé aux aspects répressifs du ‘je’ du sujet blanc »
(Kilomba, 2019, p. 38, traduction libre).
Dans cette relation de pouvoir où le silence s’impose et où tous les
aspects négatifs sont projetés sur l’esclave, une identité se construit sur la
base de la ‘dissimilarité’ où la blanchitude se caractérise par une exploration
de l’Autre sur une idée égoïque de possession de soi, basée sur une absence
de ressemblance avec l’Autre (Morrison, 1992 apud Kilomba, 2019, p. 38).

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En d’autres termes, l’Autre ne se désigne pas ainsi, il se construit à partir
d’une identité relationnelle blanche. Sur cette question, Fanon (1952) affirme
que « ce qu’on appelle souvent l’âme noire, est une construction de l’homme
blanc » (p. 30, traduction libre). La déclaration de Fanon fait référence à une
réflexion selon laquelle, devant ce lieu d’Outridade, on ne traite pas unique-
ment du sujet noir, mais des fantaisies blanches sur ce que devrait être le
noir. (Kilomba, 2019). Face aux fantaisies des Blancs, l’auteure affirme, en
s’appuyant sur Stuart Hall (1996), que « le monde conceptuel blanc est comme
si l’inconscient collectif des Noirs était préprogrammé pour l’aliénation, la
tromperie et le trauma psychique, puisque les images de négritude auxquelles
nous sommes confronté(e)s ne sont pas du tout réalistes, ni gratifiantes »
(Kilomba, 2019, p. 39, traduction libre).
De ce fait, être noir signifie être violemment séparé de toute identité qu’il
peut avoir. Selon l’auteure, c’est ce scénario qui établit le soi-disant ‘trauma
classique’, puisque le sujet est privé de construire son propre contact avec la
société qui est inconsciemment programmée pour avoir la blanchitude comme
référence. En d’autres termes, les Noirs sont les otages des fantaisies des Blancs,
établis dans l’inconscient collectif social (Kilomba, 2019) face à une séparation
psychique raciste, où la seule façon pour un Noir de se constituer en sujet est de
tenter de s’insérer dans un discours qui n’est pas autonome, mais qui est créé
pour lui par un autre. Il est nécessaire de comprendre les mécanismes que les
Noirs ont créés pour survivre dans cette logique et quelles structures sociales,
dans leur commodité, ont contribué au maintien de ce système oppressif.
Selon Souza (1983), il est extrêmement important pour l’homme noir
d’atteindre l’autonomie, qu’il se construise une connaissance de lui-même.
Cependant, l’auteure avertit que c’est un processus très difficile, car avec
l’apparition du système esclavagiste, l’homme noir a été placé dans un lieu
d’infériorité, ayant sa place sociale délimitée par l’idée de race, ce qui a
institué un parallèle entre la couleur noire et la position sociale inférieure.
Par conséquent, la seule façon pour les Noirs d’échapper à une définition
infériorisant était de prendre le blanc comme modèle d’identité.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 441

Pour Souza (1983), l’idée de race est constituée comme « une notion
idéologique, engendrée comme un critère social pour la distribution de la
position dans la structure de classe » (p. 20, traduction libre). Bien que la
race soit basée sur des aspects biologiques, elle a toujours été définie au
Brésil en termes de capacité à faire partie d’un groupe social donné, dont les
membres ont en commun le même niveau scolaire/académique et le même
appareil culturel.
Cependant, on perçoit une logique cruelle, qui consiste en une adaptation
forcée de la population noire à un ordre social différent de ses expériences et,
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de manière plus complexe, qui l’empêche de se reconnaître dans sa propre


culture. Ainsi, on réduit au silence les voix des Noirs en tant que sujets indé-
pendants, ce qui empêche l’émancipation d’une construction égoïque qui n’est
pas associée à un modèle blanchi (Fanon, 1952/2008).
Pour Lugones (2008), par le biais de la classification sociale, la colo-
nisation imprègne tous les aspects de la vie sociale, ce qui rend la domina-
tion sociale plus efficace. Cela signifie que la ‘colonialité’ ne se limite pas
seulement à la race, puisqu’elle est un phénomène plus large et passe par le
contrôle du sexe, l’autorité collective et la subjectivité/intersubjectivité, ainsi
que par la production de connaissances, à partir de relations intersubjectives.
Dans le cadre des profondes inégalités raciales qui existent, l’inégalité
sexuelle est bien articulée. Le double caractère de la condition biologique –
raciale et sexuelle – des femmes non blanches fait d’elles les plus opprimées
et les plus exploitées. En raison de ce système qui transforme les différences
en inégalités, la discrimination subie par les femmes noires revêt un triple
caractère lorsqu’on considère leur position de classe (Gonzalez, 2020).

Les discours coloniaux sur le genre : trois mythes identitaires

Les femmes noires brésiliennes ont une représentation dans l’imaginaire


populaire pleine de stéréotypes issus de la période coloniale, puisque les
oppressions subies passent par l’insertion de la race et du genre. La formation
de leur identité, la construction de leur façon de gérer leurs émotions et de
construire leurs relations affectives sont traversées par les influences négatives
les plus diverses d’une période qui les a traités et qui les a mis dans un lieu
d’animalisation et de servitude. Cette servitude s’est emparée de leur corps
et de leurs actions, les privant de leur liberté. Comme le dit la philosophe et
écrivaine bell hooks (1995), « le sexisme et le racisme, agissant ensemble, per-
pétuent une iconographie de la représentation de la femme noire qui imprime
dans la conscience culturelle collective l’idée qu’elle est sur cette planète
principalement pour servir les autres » (p. 468, traduction libre).
442

L’anthropologue Lélia González (1979), sur ces questions, affirme que


les images des femmes noires sont le plus souvent associées à des stéréotypes
professionnels et sexuels. Selon l’auteure, « la femme noire est perçue par le
reste de la société à partir de deux types de qualification ‘professionnelle’ :
domestique et mulâtre » (González, 1979a, p. 13, traduction libre).
La sociologue Ana Cláudia Pacheco (2013), dans son ouvrage ‘Mulher
negra: afetividade e solidão’ [Femme noire: Affectivité et solitude], apporte des
questions pertinentes sur la construction de la sexualité et de l’affectivité des
femmes noires. Pour l’auteure, il devient difficile de se reconnaître dans les

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discours et les idéologies fondés sur la race et le sexe, car ceux-ci structurent et
ordonnent un ensemble de pratiques corporelles qui sont racialisées lorsqu’elles
sont vécues par le genre, la construction de la sexualité, l’affectivité, le travail
et d’autres lieux qui sont socialement ‘destinés’ aux femmes noires du Brésil.
L’auteure cite une recherche menée par l’anthropologue Osmundo de Araújo
Pinho (2004), dans laquelle le chercheur a identifié l’existence de stéréotypes
négatifs associés à la sexualité, deux d’entre eux étant la ‘mulâtresse sexuelle’ et
la figure de la femme qui est reconnue uniquement comme employée de maison.
Selon lui, ce dernier stéréotype repose sur l’idée que la femme noire est « la
domestique, la bonne et la nourrice. Dans ce cas également, le motif est colonial
et esclavagiste » (Pinho, 2004, p. 115 apud Pacheco, 2013, p. 25, traduction
libre). Ce stéréotype, on lit le mythe, peut être appelé ‘Mãe-preta’ [Mère-noire].
La figure de la ‘Mãe-preta’ a été largement utilisée par le sociologue Gil-
berto Freyre (1933) dans son ouvrage ‘Casa-Grande & Senzala’ [Maîtres et
esclaves], d’une manière quelque peu romantique. L’auteur a défendu l’idée que
le métissage était le résultat du contact entre les noirs, les Indiens et les blancs
et que cela aurait contribué à une plus grande réciprocité sexuelle, raciale et
affective. De cette façon, selon la théorie freyrienne, les inégalités raciales entre
seigneurs et esclaves de la période coloniale auraient été atténuées. Selon ses
mots, « il y avait une douceur dans les relations entre les maîtres et les esclaves
domestiques, dans laquelle la grande maison s’élevait de la senzala au service le
plus intime et le plus délicat des maîtres, plusieurs individus comme des nour-
rices de la création, des mucamas... ». (Freyre, 1933, p. 406, traduction libre).
Le ‘Mito da Mãe-preta’ [Mythe de la Mère-Noire] est associé à la figure
des nounous esclaves. D’après Telles (2018), ce sont les esclaves qui travail-
laient dans les grandes maisons et qui s’occupaient des enfants des familles
seigneuriales, appelés ‘escravas de portas adentro’ [esclaves de maison]. La
plupart du temps, ces femmes n’ont pas pu s’occuper de leurs propres enfants,
car tout leur temps était consacré aux enfants de familles blanches, et elles
ont également subi des pratiques spécifiques de violence et de domination,
telles que des attaques sexuelles et des formes restreintes de surveillance.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 443

(Telles, 2018, p. 101). Ainsi, la maternité des femmes noires était liée à la
servitude et à un lieu de passivité.
L’existence d’une nourrice, une mère noire, aurait été, pour Freyre (1993),
une figure presque bénéfique au sein de cette structure. Même dans son travail,
Freyre trace un dicton populaire, extrêmement raciste, qui se reflète encore
aujourd’hui dans l’image créée pour les femmes noires : « blanche pour se
marier, mulâtresse pour f..., noire pour travailler » (p. 84, traduction libre).
Cependant, González (1979 apud Pacheco, 2013, p. 58, traduction libre)
s’oppose à cette notion selon laquelle la structure du système esclavagiste et
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patriarcal brésilien a été harmonieusement constituée. En fait, ce serait tout


le contraire, le racisme et le sexisme auraient été les bases sur lesquelles ces
systèmes d’oppression ont été générés et ont persisté après l’abolition de l’es-
clavage. Le rôle des femmes noires était très important dans les luttes organi-
sées, telles que les évasions et les rébellions. C’était un signe de l’inexistence
de cordialité et de soumission de la part de ces femmes.
De plus, selon González, la figure de la Mãe-preta serait l’une des nom-
breuses formes de résistance de la femme noire dans la grande maison. Car
puisque ces femmes s’occupaient des enfants des Blancs, leur apprenant à parler
et à leur raconter des histoires, c’était en fait une façon de leur transmettre leur
savoir africain. C’est-à-dire que c’était une façon d’unir leur culture à une culture
blanchie. Il s’agissait donc d’une stratégie capable de les protéger contre la vio-
lence pratiquée par leurs enfants, comme le viol et d’autres types d’agression
physique. Selon González (1979), « nous ne pouvons pas ne pas tenir compte
du fait qu’il existe différentes formes de résistance. Et l’une d’entre elles, c’est
la résistance passive » (González, 1979b, p. 7, traduction libre).
Face à cette résistance, il est possible de déconstruire et d’abandonner
le stéréotype de la Mãe-preta, en reconnaissant que la femme noire dans ce
scénario possédait un « rôle révolutionnaire et silencieux […] dans le sens
de la transmission des valeurs de son ascendance aux blancs qu’elle allaite »
(González, 1979b, p. 8, traduction libre). Malgré cela, ce stéréotype reste
négativement vivant dans la culture brésilienne, « puisque les femmes en
général et les femmes noires en particulier jouent des rôles sociaux dévalo-
risés par rapport à la population active » (González, 1979a, p. 19, traduction
libre). Ainsi, en cherchant une démission dans le temps présent, il est urgent
de complexifier les facettes d’une femme noire et de ses métiers, en ne les
limitant pas à des espaces de soumission et à des positions prédéfinies.
La figure de la mulâtresse, que nous lisons ici Mito da Mulata Sexual
[Mythe de la Mulâtresse Sexuelle], pour González (1984), est née des muca-
mas, qui étaient les jeunes femmes esclaves chargées des services domestiques,
qui pouvaient même être des nourrices. L’auteure fait un parallèle avec la
culture du carnaval au Brésil, où, pendant quelques instants, la femme noire
444

est sortie du lieu de servitude avec son travail, pour être placée dans un lieu
de servitude de son propre corps.
Sur la domination même du mot Mulâtresse, l’auteure déclare que le
terme désigne les femmes comme un « ‘produit d’exportation’, c’est-à-dire
un objet destiné à être consommé par les touristes nationaux et les ressortis-
sants bourgeois » (González, 1979a, p. 21, traduction libre). La mulâtresse se
distinguerait donc par son importance, dans le contexte du carnaval brésilien,
dans l’actualisation du mythe. Pendant le carnaval, la femme noire, aupara-
vant anonyme, devient le centre d’attention de tous les regards. Et c’est à ce

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moment que le mythe est mis à jour. Ce mythe a une grande influence sur
la vie des femmes afro-brésiliennes, car il exerce une violence symbolique
qui a pour principale conséquence « [...] la culpabilité engendrée par leur
divinisation » (González, 1984, p. 228, traduction libre). Face à cela, il est
possible de réfléchir sur la manière dont le corps des femmes noires n’est pas
respecté. Il y a des moments où il est considéré comme un morceau de plus
dans la structure du capitalisme, déjà à d’autres moments, il est perçu comme
un divertissement, étant vu à partir d’un concept de ‘beauté’ déformé par un
regard sexiste et raciste.
En plus de ces deux stéréotypes mentionnés, il est possible d’en ima-
giner un troisième qui fonctionne presque comme une réponse à toutes les
souffrances vécues pendant et après la période coloniale. C’est le « Mito da
Mulher Negra Superforte » [Mythe de la Femme Noire Super forte]. Sur
cette question, hooks (1994/2000) affirme que « l’esclavage a créé chez les
Noirs une notion d’intimité liée au sens pratique de leur réalité. Un esclave
incapable de réprimer ou de contenir ses émotions risque de ne pas survivre »
(hooks, 2000, p. 190, traduction libre). De plus, l’auteure apporte l’idée que
le racisme et la suprématie blanche n’ont pas été éliminés avec l’abolition de
l’esclavage, de sorte que les Noirs ont appris à intérioriser et à réprimer leurs
émotions. Une grande partie de la population noire a vu cela d’un bon œil.
Ainsi, la capacité à masquer ses sentiments a été considérée comme le signe
d’une forte personnalité.
Kilomba (2019) critique la formation de cette forteresse émotionnelle,
affirmant que la création de ce stéréotype peut être lue comme une stra-
tégie politique pour surmonter les mauvaises représentations des femmes
noires dans le monde blanc. Cependant, elle finit par emprisonner les femmes
noires dans une image, souvent idéalisée, qui ne permet pas une réflexion
profonde sur les blessures infligées par le racisme. Encore selon l’auteure,
les images créées pour les femmes noires sont intensément investies dans
les idées de « force, d’abnégation, de dévouement et d’amour incondition-
nel – des attributs déjà associés à l’archétype de la maternité, mais qui nient
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 445

involontairement la reconnaissance des véritables expériences des femmes


noires » (Kilomba, 2019, p. 192, traduction libre).
Selon l’auteure, il y a une surévaluation de cette forteresse qui peut pro-
voquer une maladie psychique. L’auteure critique le discours très courant des
femmes noires qui disent ne pas avoir besoin de thérapie, car, selon elles, cela
serait pour les femmes blanches qui n’ont pas de plus grandes responsabilités.
En outre, le portrait de la femme noire forte a été utilisé par les Blancs pour
réaffirmer de vieux stéréotypes. Kilomba (2019) soutient que les femmes
noires ont une double absence, une double Outridade, puisqu’elles représentent
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l’antithèse de l’être blanc et de la masculinité.


Enfin, hooks (1994/2000) apporte l’idée que la manière la plus efficace
de surmonter la répression des émotions, serait par l’amour. En réfléchissant
à cette question, il est possible de percevoir l’idée que l’amour symbolise la
construction et le sauvetage de l’affectivité, autrefois volée par le colonialisme.
L’auteur, inspiré par M. Scott Peck, affirme que l’amour est « la volonté de
s’étendre afin de rendre possible notre propre croissance et celle d’une autre
personne », donc l’amour serait une intention et une action. Il est nécessaire
de réfléchir avec sensibilité à la difficulté de l’acte d’amour pour les femmes
noires, car leur passé cruel ne leur a laissé aucune place pour se nourrir spi-
rituellement. Cependant, l’auteure laisse un mot d’espoir lorsqu’elle dit que
« quand on connaît l’amour, quand on aime, il est possible de voir le passé avec
d’autres yeux ; il est possible de transformer le présent et de rêver l’avenir.
C’est le pouvoir de l’amour. L’amour guérit » (hooks, 2000, p. 198, traduction
libre). Avec cela, il est entendu que la seule façon de pouvoir déconstruire
l’image de la femme noire forte et inébranlable, serait par un regard attentif,
capable d’apporter la guérison de ses douleurs.
L’acte d’aimer récupère notre dimension d’altérité devant l’autre et, par
conséquent, l’autre noir. Si la décolonisation a supprimé cette dimension,
c’est aux liens présents et futurs de la retrouver.
446

RÉFÉRENCES
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RACISMO, SEXISMO E DENEGAÇÃO
NO BRASIL: contribuições
psicanalíticas de Lélia Gonzalez
Miriam Debieux Rosa
Priscilla Santos de Souza
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Discursos e a naturalização das violências: considerações


da Psicanálise
Articular estratégias subjetivas e políticas é fundamental para a denúncia
e a desmontagem dos mecanismos de controles sociais abusivos e para pos-
sibilitar o enfrentamento da dimensão política do sofrimento produzido nas e
pelas relações sociais. Neste texto visamos à compreensão dos processos de
aceitação de atos, discursos e ideologias que apontam para a naturalização de
relações sociais marcadas pelo racismo na sociedade brasileira, que promovem
a segregação e o sofrimento sociopolítico da população negra. Vale destacar
que a reprodução discursiva do racismo, entre outros métodos, mantém o
regime de exploração de classes e permite a manutenção da escravização
por outros meios.
A ênfase de nossa argumentação está ancorada nas contribuições de
Lélia Gonzalez (Belo Horizonte, 1935-1994), filósofa, antropóloga, mili-
tante do movimento negro e feminista que, ancorada na psicanálise, con-
sidera a manutenção acrítica do racismo e do sexismo nas relações sociais
como um sintoma da cultura brasileira baseado num processo de denegação
(Verneinung) do desejo. Tal denegação, como veremos, promove um duplo
apagamento – o da escravidão e o do desejo pela mulher negra e o da sua
importância na transmissão dos afetos, da língua e da cultura africana. Tais
aspectos da denegação permitem que o racismo se concretize e seja pereni-
zado através de um discurso carregado de marca-dores sociais que reiteram
as relações históricas de espoliação de bens materiais, culturais e simbólicos
de parte da população.
Ao situar a cena social brasileira como circunscrita em uma rede discur-
siva de poder e de saber, que naturaliza uma sociedade marcadamente desigual,
tanto do ponto de vista econômico, como racial e de gênero, Gonzalez faz
valer a formulação lacaniana de que o inconsciente é a política (Lacan, 1966-
67/2008). Desta feita, demonstraremos o uso estratégico do poder produzindo
sofrimento sociopolítico com as seguidas violações de direitos e violências
de sujeitos das classes sociais invisibilizados, com destaque para a população
450

negra, majoritária no Brasil. “O sofrimento, assim como seus efeitos, é admi-


nistrado politicamente com incidência sobre o narcisismo, as identificações, o
luto e os afetos tais como o amor, o ódio, a ignorância e a culpa” (Rosa, 2016,
p. 16). Gonzalez assim iniciava a “Carta Convocatória ao ato de Fundação
do Movimento Negro Unificado (MNU) contra a discriminação racial”, de 7
de julho de 1978, articulada por entidade negras de São Paulo, em meio à
ditadura civil e militar: “Não podemos mais calar. A discriminação racial é
um fato marcante na sociedade brasileira, que barra o desenvolvimento da
Comunidade Afro-Brasileira, destrói a alma do homem negro e sua capacidade

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de realização como ser humano” (Gonzalez, 1982, p. 43).
O racismo está presente no discurso social e entranhado subjetivamente
de vários modos, inclusive nas expressões orais e escritas que justificam e
naturalizam a hierarquização entre as distintas comunidades, expressas mate-
rial e ideologicamente enquanto raça ou povo. A direção político-ideológica
de manutenção de um sistema de exploração, dominação e opressão que se
atualiza no Brasil tem um histórico caracterizado pelo patriarcado e pela
escravidão. Ainda que tenha havido inúmeras mudanças históricas, o mito da
democracia racial, com a suposta harmonia na mistura das raças, ainda cumpre
a função de silenciar, impondo-se como uma ficção social que culmina nas
incessantes violências sobre as pessoas de pele negra, como nos apontam pes-
quisas sobre racismo institucional na saúde pública (Kalckmann et al., 2017),
como também entre outras áreas, tais como a educação, moradia, trabalho etc.
Para elucidar aspectos da manutenção do racismo nos valemos das aná-
lises de Gonzalez, (2018d) para quem o mito da democracia racial como
discurso é o sintoma que oculta um problema mais profundo, da ordem da
cultura (p. 191). Acrescenta, em Lugar de negro (Gonzalez, 2019), que “o
racismo se constitui como a sintomática que caracteriza a neurose cultural
brasileira” (p. 191).

Racismo como denegação do desejo e sintoma na cultura brasileira

A partir do racismo tomado como sintoma na cultura brasileira e arti-


culado com o sexismo, tal como apresentado por Lélia Gonzalez, podemos
trazer contribuições para elucidar aspectos históricos e culturais do laço social
no Brasil, pautado pelo autoritarismo e desejo de dominação, produzindo
violência especialmente sobre a mulher negra.
Sob essa concepção, o racismo é um componente que abrange a todos
os brasileiros (e não apenas os “pretos” e os “pardos” do IBGE), pois são
“ladinoamefricanos” (Gonzalez, 2018d, p. 321).
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 451

Trata-se de um olhar novo e criativo no enfoque da formação histórico-


-cultural do Brasil que, por razões de ordem geográfica e, sobretudo, da
ordem do inconsciente, não vem a ser o que geralmente se afirma: um
país cujas formações do inconsciente são exclusivamente europeias e
brancas (p. 321).

A autora trabalhou com duas noções centrais: consciência e memória.


A primeira relacionada à ideologia: “Como consciência, a gente entende o
lugar do desconhecimento, do encobrimento, da alienação, do esquecimento
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e até do saber. É por aí que o discurso ideológico se faz presente” (p. 194). A
memória seria “o lugar do não-saber que conhece, esse lugar de inscrições que
restituem uma história que não foi escrita, o lugar da emergência da verdade,
dessa verdade que se estrutura como ficção” (2018d, p. 194).
A antropóloga ainda explica que:

Na medida em que é o lugar da rejeição, consciência se expressa como


discurso dominante (ou efeitos desse discurso) numa dada cultura, ocul-
tando memória, mediante imposição do que ela, consciência, afirma como
a verdade. Mas a memória tem suas astúcias, seu jogo de cintura: por
isso, ela fala através das mancadas do discurso da consciência (Gonza-
lez, 2018a, p. 194).

Essas “mancadas” da linguagem revelam ideologias racistas ocultadas


através da reprodução do discurso do mito da democracia racial e, conse-
quentemente, da reprodução sistemática e estrutural dos laços sociais, que
se apresenta como racismo por denegação, como nos apresenta a autora, um
racismo disfarçado sob a afirmação ideológica da igualdade perante a lei, da
democracia racial, da miscigenação.
Os seus efeitos estão na historiografia e nos discursos sobre a formação
do povo brasileiro, da “cordialidade”, da docilidade que quis se inscrever na
história dos povos nativos e da diáspora africana na América Latina. Essa
falácia, que apresenta uma inexistente harmonia entre os povos e classes, como
a gozarem dos mesmos direitos e da mesma possibilidade de participação polí-
tico-social, esconde a ideologia dominante de profunda hierarquia sociorracial
e permite a manutenção de uma lógica colonial de exploração e violência que
se perpetua e, a todo custo, defende manter as estruturas como estão:

Racismo? No Brasil? Quem foi que disse? Isso é coisa de americano. Aqui
não tem diferença porque todo mundo é brasileiro acima de tudo, graças a
Deus. Preto aqui é bem tratado, tem o mesmo direito que a gente tem. Tanto
é que, quando se esforça, ele sobe na vida como qualquer um. Conheço
452

um que é médico. Educadíssimo, culto, elegante e com umas feições tão


finas... nem parece que é preto (Gonzalez, 2018b, p. 194).

Gonzalez (1984) se vale do pensamento lacaniano para a mudança da


perspectiva que aborda o racismo como sintoma na cultura brasileira a tese
de que o racismo no Brasil tem a forma da denegação, ou seja, para a ideia de
que a cultura brasileira é negra e ao mesmo tempo se esforça para recusar essa
sua característica. A denegação do desejo promove um duplo apagamento: o
da história da escravidão e o do desejo pela mulher, incluído nesse aspecto

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o apagamento da importância da mãe negra na transmissão dos afetos, da
língua e da cultura africana. Situa o racismo e o sexismo como efeitos da
denegação, por parte da cultura brasileira, do desejo pelo negro – desejo em
especial pela mulher preta.
A alienação e a identificação da classe dominante com os países coloni-
zadores estão presentes na fantasia ideológica dos países colonizados, o que
contribui para a grande aceitação do discurso do mito da democracia racial, a
“crença” fortemente disseminada no Brasil de que não há discriminação racial
no país. A classe dominante dos países colonizados desconsidera e renega as
próprias raízes e história, repetindo automaticamente modalidades violentas
e discriminatórias de relações sociais advindas da colonização e alimentadas
pelos benefícios econômicos, pela manutenção da expropriação e pelo gozo
de poder, autorizando-se a espoliar e humilhar, sem qualquer limite, parte
dos cidadãos.
Trabalhos importantíssimos254 articulados com os textos de Gonzalez
vêm sendo discutidos, ressaltando o lugar de resto no processo de colonização
e de escravização, material para a psicanálise debruçar-se sobre a fantasia
inconsciente que opera nas estruturas racistas na realidade brasileira, levando
em conta os efeitos da colonização ibérica.
Se tal processo ocorre com vários países colonizados, Gonzalez afirma
que “É na chamada América Latina [...] que essa denegação se torna ampla-
mente verificável. Como sistema de dominação muito bem estruturado, o
racismo na região demonstra sua eficácia ao veicular noções como as de ‘inte-
gração, ‘democracia racial’, ‘mestiçagem’ etc.” (Gonzalez, 2018c, p. 336).
Ao expor o modo em que a classificação racial foi a estrutura de sustenta-
ção do colonialismo clássico e das sociedades que vieram a formar a chamada
América Latina, retoma a história e o modelo rigidamente hierarquizado das
sociedades ibéricas, “onde tudo e todos tinham seu lugar determinado”, para
descrever como as sociedades americanas se pensaram a partir “das ideologias
de classificação social racial e sexual”, dizendo:

254 Léa Silveira, Jéssica Rodrigues, Pedro Ambra, Flávia Rios, Raquel Barreto, dentre outras(os).
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 453

O racismo estabelece uma hierarquia racial e cultural que opõe a ‘supe-


rioridade’ branca ocidental à ‘inferioridade’ negro-africana. A África é
o continente ‘obscuro’, sem uma história própria (Hegel); por isso, a
Razão é branca, enquanto a Emoção é negra. Assim, dada a sua ‘natureza
sub-humana’, a exploração socioeconômica dos amefricanos por todo o
continente, é considerada ‘natural’ (Gonzalez, 2018d, p. 77).

A antropóloga assinala que existe um apagamento da africanidade na


escolha de uma primazia da América, como significante escolhido em rela-
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ção aos outros grupos étnicos submetidos à lógica colonizadora. Assim, para
além de evidenciar o racismo, a autora criou um conceito – amefricanidade –,
salientando o caráter multi e pluricultural da América Latina.
Com a criação desse termo, Gonzalez (2018d) abre novas perspectivas
para pensar essa parte do mundo, para além do caráter geográfico, reposicio-
nando os processos históricos de intensa dinâmica sociocultural de resistência
e reinterpretação, que não permite o apagamento pela alienação identificada da
pretensa universalidade do homem branco europeu. Trata-se de uma posição
importante e de efeitos profundos que merece maior atenção, e esse pequeno
texto é um convite para pensarmos em uma universalidade estratégica, como
ato insurgente e não abstrato, aplicada mecanicamente, mas que possibilite
a radicalidade da alteridade, uma “universalidade que diz que ninguém será
escravizado” (Haider, 2019, p. 148).
Ainda, com o conceito de amefricanidade Gonzalez situa uma América
Africana cuja latinidade é negada, assim como a experiência de mulheres
e homens negros na diáspora e a de mulheres e homens indígenas contra a
dominação colonial. O racismo se volta justamente contra aqueles que, do
ponto de vista étnico, são o testemunho vivo da história, tentando tirá-los de
cena e apagá-los do mapa. No contraponto, a autora ressalta a importância
do conhecimento das raízes africanas e do papel da mulher preta no processo
de formação cultural do país, integrando a religiosidade, especialmente o
candomblé, no mundo da cultura e da política.

Feminismo afrolatinoamericano: uma aposta de subversão


Eu me sinto estranha quando sinto que estou sendo escolhida para repre-
sentar o feminismo negro. E por que aqui no Brasil vocês precisam buscar
uma referência nos Estados Unidos? Eu acho que aprendo mais com Lélia
Gonzalez do que vocês poderiam aprender comigo (Davis, 2019).

Assim se expressou Angela Davis (2019), ativista do feminismo negro


norte-americano, no seminário A liberdade é um luta constante, em São Paulo,
454

realçando que “os brasileiros precisam reconhecer mais a sua própria pensa-
dora, uma das pioneiras nas discussões sobre a relação entre gênero, classe e
raça no mundo (Mercier, 2020).
As contribuições de Gonzalez (1984) destacam que o racismo e o sexismo
compõem um ‘duplo fenômeno’ e situam que a mulher negra comparece no
discurso da democracia racial pela denegação do desejo pela mulher preta, o
que torna as figuras da mulata, da doméstica e da mãe preta alvos preferen-
ciais de violências, ancorados na manutenção do patriarcado e autoritarismo
na cultura brasileira.

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Essa será a temática desenvolvida também pela psicanalista Ana Paula
Musatti-Braga em Os muitos nomes de Silvana: contribuições clínico-políticas
da psicanálise sobre mulheres negras (2016), na qual a questão do desejo nas
relações interraciais nos soa estranhamente familiar, pois desvenda a trama
social que traz imiscuídas a servidão e a exploração do trabalho com servidão
(forçada) sexual, sexo e poder, prazer e dominação, erotismo e violência.
Ao descortinar o passado nas figuras atuais da mulher preta na cena social,
ela acrescenta:

O que se transmitiria, no meu entender, seria essa suposta permissividade


sobre o corpo destas mulheres, um corpo que seria depositário dos desejos
mais incontroláveis, uma tela sobre a qual se projetaria um gozo pleno
e infinito, mas a custa de ser, este corpo, domínio e propriedade de um
outro” (p. 260).

E continua:

As figuras da santa mãezinha e as atuais patroas, as escravas amas de leite


e as babás, as mucamas e empregadas domésticas e mulatas, desvendam
a trama social, a servidão e exploração do trabalho somadas à exploração
sexual, ao aspecto do racismo que considera ao corpo da mulher negra
disponível e exige sua servidão sexual (p. 268).

O racismo inclui essa forma de segregar, de rejeitar esse gozo que apa-
rece como absoluto – o gozo do Outro – e escapar dele (Musatti-Braga &
Souza, 2018). A violência que recai sobre a mulher preta está ancorada justa-
mente nessa representação – a violência seria justificada como uma dominação
necessária para cercear tal gozo completamente sem amarras e sem limites,
atribuído à mulher – dominação impossível, dado que se trata da projeção do
racista de seu próprio desejo.
Nessa esteira seguem contribuições originais de Musatti-Braga (2016)
autora a respeito do racismo, amparada nos conceitos de estranho e de extimo,
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 455

vindos da psicanálise. Diz ela que “o insuportável para o branco e para o negro
estava articulado e implicado como duas faces de uma mesma questão, da
mesma forma que as articulações entre o negro como não eu do branco e o
branco como não eu do negro” (p. 262). Desta feita, a análise acrescenta à
hipótese de um suposto ideal de beleza e de valor na figura da mulher branca
o seu avesso, ou seja, de que o que é insuportável ao branco/a é ver no corpo
da menina e da mulher negra o seu próprio gozo, desconhecido e desmedido
– ela encarna o assustador do Outro sexo.
Gonzalez (2018e) tem fortes críticas a movimentos sociais em que o
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racismo segue invisibilizado, denegado, o que favorece preservar a estrutura de


dominação, violência e de exploração sexual e laboral deslocada para a mulher
negra. Foi nessa direção que incluiu de modo inédito o racismo no sexismo.
Desse modo, segundo Mercier (2020), nas décadas de setenta e oitenta Gon-
zalez ressituou o movimento feminista, considerando o caráter multirracial
e pluricultural da América Latina, em contraposição à visão eurocêntrica e
à necessidade da posição de classe, indispensável para pensar a opressão de
gênero, aproximando-se dos “conceitos de feminismo interseccional (que
incorpora as desigualdades de raça e classe) e decolonial (que questiona a
ordem econômica e de pensamento de grupos dominadores)”(n.p.).
Em Por um feminismo Afro-latino-americano, Gonzalez (2020) escreve
sem meias-palavras, “Tratar, por exemplo, com a divisão sexual do trabalho
sem articulá-la com seu correspondente ao nível racial é cair em uma espécie
de racionalismo universal abstrato, típico de um discurso masculinizante e
branco” (p. 14).
E ainda destacou em Lugar de Negro (1982) que:

tem dado para sacar, por exemplo, que pelo fato de não ser educada para se
casar com um “príncipe encantado”, mas para o trabalho, a mulher negra
não faz o gênero da submissa. Sua prática cotidiana faz dela alguém que
tem consciência de que lhe cabe batalhar pelo “leite das crianças” (como
ouvimos de uma mulata Sargentelli), sem contar muito com o companheiro
(desemprego, violência policial e outros efeitos do racismo e também do
sexismo) (p. 36).

Assim posto, não só a preta representa a mulher desejante, como


aquela que pode ter uma dependência econômica ameaçando os princípios
do patriarcado.
456

A denegação do desejo e do amor pela mulher preta

Gonzalez utiliza uma expressão esclarecedora sobre a disseminação do


racismo: “afirmar esquecidamente”. Ou seja, não é pela consciência que o
racismo se dissemina, mas por processos de esquecimento, ou podemos dizer,
denegação. “Como consciência a gente entende o lugar do desconhecimento,
do encobrimento, da alienação, do esquecimento e até do saber. É por aí que
o discurso ideológico se faz presente” (Gonzalez, 1984, p. 226). À luz dessas
observações sobre consciência e memória, é importante notar que o argumento

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do artigo “Racismo e sexismo na cultura brasileira” passa o tempo todo pelas
tensões e deslocamentos entre o desejo e sua rejeição.
Retomemos esse ângulo do racismo como sintoma da neurose cultural
brasileira, explorado nesse texto a partir de três figuras: a mulata, a doméstica
e a mãe preta. A primeira observação nessa direção é a polarização entre o
endeusamento da mulata e a agressividade direcionada para a empregada
doméstica, assinalando que “mulata e doméstica são atribuições de um mesmo
sujeito” (p. 196), sendo que essa nomeação depende apenas da situação a
partir da qual esse sujeito é visto. Para Gonzalez, essa duplicidade mulata/
doméstica encontra sua gênese no significado da palavra mucama. Mucama
é palavra da língua quimbunda e à época da escravidão significava “amásia
escrava (p. 197)”. Gonzalez propõe que se buscava neutralizar um saber que
“os africanos sabiam, mas que precisava ser esquecido, ocultado” (p. 205),
ao destacar os parênteses na definição do Aurélio, como se estes escondessem
essa função ‘perturbadora’:

Mucama (Do quimbumdo mu’kama ‘amásia escrava’) no dicionário


Aurélio, como se escondesse essa função ‘perturbadora’. A escrava negra
moça de estimação que era escolhida para auxiliar nos serviços caseiros
ou acompanhar pessoas da família e que, por vezes era ama-de-leite. (Os
grifos são nossos)” (p. 197).

As figuras da doméstica/mucama e da mulata atualizam a relação com as


mulheres escravizadas. Recai sobre as mulheres negras, ainda hoje, a represen-
tação de que o seu gozo está a serviço de um outro — como herança das suas
antepassadas escravizadas. Como nos lembra Ângela Davis (2016): “O padrão
do abuso sexual institucionalizado de mulheres negras se tornou tão forte que
conseguiu sobreviver à abolição da escravatura” (p. 180). O imaginário social
que recobre, contorna e nomeia o corpo das mulheres negras inclui essa dupli-
cidade em que elas estariam disponíveis para os serviços domésticos e sexuais.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 457

Gonzalez avançou na questão quando sinalizou para a necessidade de


reconhecermos que esse problema não se explicita apenas com abordagens
históricas e sociais – embora elas sejam imprescindíveis –, pois como ela diz,
fica um resto. Ela afirma: “Mas ficava (e ficará) sempre um resto que desafiava
as explicações.” (1984, p. 192). E insistiu: “Cabe de novo perguntar: como é
que a gente chegou a este estado de coisas, com abolição e tudo em cima?”
Acrescenta ironicamente: “Quem responde é um branco muito importante
(pois é cientista social, uai) chamado Caio Prado Jr num livro chamado For-
mação do Brasil contemporâneo (1976), ele diz uma porção de coisas inte-
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ressantes sobre o tema da escravidão” (p. 199). Destaca esse trecho do autor:

Realmente a escravidão, nas duas funções que exercerá na sociedade


colonial, fator trabalho e fator sexual, não determinará senão relações
elementares a muito simples. […] A outra função do escravo, ou antes da
mulher escrava, instrumento de satisfação das necessidades sexuais de seus
senhores e dominadores, não tem um efeito menos elementar. Não ultra-
passará também o nível primário e puramente animal do contato sexual,
não se aproximando senão muito remotamente da esfera propriamente
humana do amor, em que o ato sexual se envolve de todo um complexo
de emoções e sentimentos tão amplos que chegam até a fazer passar para
o segundo plano aquele ato que afinal lhe deu origem.

Gonzalez (1988e) tomou esse trecho como uma amostra da “neurose


cultural brasileira”, que oculta conflitos e compõe soluções de compromisso
sintomáticas. “Depois que a gente lê um barato assim nem dá vontade de
dizer nada porque é um prato feito” (p. 200). A denegação e o racismo são
evidentes quando entende que, com a preta, o “branco não trepa, mas comete
ato sexual”, expressão de um “tesão de necessidade” (p. 200). O nó sintomá-
tico se revelou na pena de Gonzalez quando apontou que, ao afirmar e negar
o que disse em uma única manobra – negar o desejo pela mulher escrava
negra e afirmá-lo enquanto uma necessidade de um “instrumento de satisfa-
ção sexual” – Caio Prado Júnior, negando-a, “revela o desconhecimento de si
mesmo”. Ignora e expõe sua brutalidade em palavras que rejeitam o estatuto
de sujeito humano à mulher negra, seu homem, seus irmãos e seus filhos. Tais
sujeitos tornam-se objetos em suas mãos, até mesmo objetos de saber. Insistir
na prioridade da luta de classes, renegando-se a incorporar as categorias de
raça e gênero, convém a privilégios até mesmo de certos doutos senhores da
esquerda (Gonzalez, 1988e, p. 200).
Não satisfeita com o prato feito para demonstrar a sua tese, Lélia Gon-
zalez foi mais longe na construção da denegação do desejo pela preta. Tomou
458

um fragmento de relatos não ditos das relações raciais para, como psicanalista,
descortinar um novo aspecto. O fragmento diz de:

[…] uma história muito reveladora, que complementa o que a gente já


sabe sobre a vida sexual da rapaziada branca até não faz muito: iniciação
e prática com as crioulas. É aí que entra a história que foi contada prá
gente (brigada, Ione). Quando chegava na hora do casamento com a pura,
frágil e inocente virgem branca, na hora da tal noite de núpcias, a rapaziada
simplesmente brochava. Já imaginaram o vexame? E onde é que estava

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o remédio providencial que permitia a consumação das bodas? Bastava o
nubente cheirar uma roupa de crioula que tivesse sido usada, para “logo
apresentar os documentos” (Gonzalez, 1988, p. 203).

Passou então a alinhavar mais um ponto de sua tese sobre a denegação


do desejo pela preta. Comentou como as práticas que “aconteciam intramu-
ros na casa grande” com o cheiro das mulheres negras, “CC” provocavam
profundo ódio e deslocavam para os xingamentos como “sua negra suja”!
(Gonzalez, 1988b, p. 204). Em uma citação de André Malrois por Prado Júnior,
em que ele diz que “o milagre do amor humano é que, sobre um instinto tão
simples, o desejo, ele constrói os edifícios de sentimentos os mais comple-
xos e delicados”. Ela acrescenta: “É este milagre que o amor da senzala não
realizou e não podia realizar no Brasil-colônia”.
Gonzalez (1988b) destacou que nem Freud conseguiria melhor defi-
nir neurose.

Quanto à negativa do “seu” Caio Prado Júnior, infelizmente, a gente sabe


o que ele está afirmando esquecidamente: o amor da senzala só realizou
o milagre da neurose brasileira, graças a essa coisa simplérrima que é o
desejo. Tão simples que Freud passou a vida toda escrevendo sobre ela
(talvez porque não tivesse o que fazer, né Lacan?). Definitivamente, Caio
Prado Júnior “detesta” nossa gente (p. 235).

E mais adiante continuou construindo esse enredo que desvela a lógica


racional do racismo à brasileira: “O texto de Caio Jr aponta para além do que
pretende analisar. No momento em que fala de alguma coisa, negando-a, ele
se revela como desconhecimento de si mesmo.” (Gonzalez, 1988, p. 204).
Desse modo, o discurso supostamente neutro de Caio Prado Júnior evi-
dencia ambos: o ódio à mulher preta e a evocação de que deve a ela a sua
constituição egóica e erotização. Aline Martins (2020) destaca que tais amores
são negados e vilipendiados por rememorarem as fraquezas, as dívidas, a
dependência e a vulnerabilidade dos senhores.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 459

É interessante destacar que o fundamento da violência está no amor


renegado. O deslocamento do desejo e do amor pela mulher negra dá-se a
ver na exaltação fugaz da mulata e transborda de maneira voraz em épocas
de carnaval. Toda a cultura negra aparece como uma alegre e grande festa
em uma libertação momentânea. Convém ao poder dominante deixar essa e a
outra parte da história da população negra adormecida no resto do ano. Para
isso, nenhuma opressão e violência será evitada.

Conclusão: a denegação no poder X o lixo vai falar


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Por fim, retomando a proposta de denúncia e desmontagem dos mecanis-


mos racistas de controle social, assim como as formas de sofrimento socio-
político daí decorrentes, enfatizamos que,
na transformação social, é fundamental a reconfiguração do campo dis-
cursivo e o atravessamento dos marcadores sociais situados em uma zona entre
o público e subjetivo, entre a cena psíquica e social, o êxtimo, formulado por
Lacan (1959-1960/1988) como interior excluído, o que de fora revela o que
de mais íntimo há no interior.
Os impactos das relações raciais abalam a posição do sujeito, pois “Saber-
-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade,
confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expec-
tativas alienadas”, nos diz Souza (1983, p. 17). Desse modo, aos sujeitos
marcados pelo racismo será necessária uma volta a mais, para executar um
trabalho psíquico a mais na constituição subjetiva. Como se expressa a autora:
“Mas também, e, sobretudo, a experiência de comprometer-se a resgatar sua
história e recriar-se em suas potencialidades”, (Souza, 1983, p. 18). Nesse
ponto de inflexão estão as vicissitudes de tornar-se uma mulher negra, termo
de Neusa Souza. Ela descortina como se dá o processo de tornar-se uma
mulher para além dos marca-dores sociais da cor e gênero, para tomá-los como
marcas, inscrições que remetem a uma origem, a uma história, a uma etnia,
subvertendo-as e singularizando seu processo apontando para de que modo
e sob que aspecto de seu desejo dará destino a essas marcas (Rosa, 2021).
A psicanálise implicada inclui a cena social e os atravessamentos dis-
cursivos dos marcadores sociais, assim como tematiza a tramutação dos
marcadores sociais para marca do caso – trata-se, não de ignorar ou expli-
car, mas de subverter as estratégias de oprimir ou explorar que fazem das
diferenças marca-dores.
O fato é que temos hoje uma sociedade dividida e em pura tensão em
vários planos: político, social, epistêmico e epidêmico. Na política brasileira o
460

autoritarismo, o racismo e o sexismo retornam sem máscaras das entranhas da


história. Por outro lado, parafraseando Gonzalez, “o lixo insiste e vai falar!”
Respondendo ao trecho do livro de Caio Prado Jr., acima citado, no qual
ela afirmou que os negros estariam “na lata de lixo da sociedade brasileira,
pois assim o determina a lógica da dominação”, Gonzalez (2020) questiona
com conceitos da psicanálise o fato de mulheres não brancas serem o objeto
de análise de outros sujeitos, sendo faladas, definidas e classificadas por um
sistema ideológico de dominação que nos infantiliza, usando a primeira pessoa
do plural, estilo intelectual que inaugura na academia. E diz: “o lixo vai falar,

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e numa boa”, diz (1984, p. 225), usando a primeira pessoa do plural, estilo
intelectual que inaugura na academia.
Na guerra social, tematizar o racismo enquanto sintoma social brasileiro
permite movimentar fronteiras que, como diz Boaventura de Sousa Santos
(2010), descolonizam o olhar. Trata-se de subverter as estratégias de oprimir
ou explorar que fazem das diferenças marca-dores e desmistificar a eficácia
desses discursos. Desse modo, racismo, sexismo e autoritarismo não são lutas
em separado. Aprendemos com Lélia Gonzalez que o regime político de liber-
dades e igualdades se atrela à justiça racial e a de gênero.
Finalizamos, portanto, com o seu discurso nas ruas do Rio de Janeiro, no
ano do centenário da abolição da escravatura no Brasil, dia 20 de novembro
de 1983, Dia da Consciência Negra: “Vamos à luta, companheiros, para que a
exploração e a opressão terminem nesse país. Para ser uma democracia racial,
este país precisa ser efetivamente uma democracia” (Mercier, 2020, n.p.).
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 461

REFERÊNCIAS
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colapso?, 15-19 de outubro, Editora Boitempo / Sesc São Paulo. https://www.
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Paulo: Boitempo, 2016.
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RACISME, SEXISME ET
DÉNÉGATION AU BRÉSIL: les apports
psychanalytiques de Lélia Gonzalez
Miriam Debieux Rosa
Priscilla Santos de Souza
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Discours et naturalisation de la violence : considérations de


la psychanalyse

Articuler des stratégies subjectives et politiques est essentiel pour dénon-


cer et démanteler les mécanismes de contrôles sociaux abusifs et pour per-
mettre l’affrontement de la dimension politique de la souffrance produite dans
et par les relations sociales. Dans ce texte, nous cherchons à comprendre les
processus d’acceptation des actes, des discours et des idéologies qui indiquent
la naturalisation des relations sociales marquées par le racisme dans la société
brésilienne, qui favorisent la ségrégation et la souffrance socio-politique de
la population noire. Il convient de noter que la reproduction discursive du
racisme, parmi d’autres méthodes, maintient le régime d’exploitation de classe
et permet le maintien de l’asservissement par d’autres moyens.
L’accent de notre argumentation est ancré dans les contributions de Lélia
Gonzalez (Belo Horizonte, 1935-1994), philosophe, anthropologue, militante
du mouvement noir et féministe qui, ancrée dans la psychanalyse, considère
le maintien sans critique du racisme et du sexisme dans les relations sociales
comme un symptôme de la culture brésilienne fondée sur un processus de
dénégation du désir (Verneinung). Cette dénégation, comme nous le verrons,
favorise un double effacement – de l’esclavage et du désir pour la femme
noire et de son importance dans la transmission des affects, de la langue et
de la culture africaine. Ces aspects de dénégation permettent au racisme de se
matérialiser et de se perpétuer à travers un discours chargé de marqueurs-dou-
leurs sociaux qui réitèrent les relations historiques de spoliation des biens
matériels, culturels et symboliques d’une partie de la population.
En plaçant la scène sociale brésilienne circonscrite dans un réseau dis-
cursif de pouvoir et de savoir, qui naturalise une société nettement inégale,
tant du point de vue économique que racial et de genre, Gonzalez renforce
la formulation lacanienne selon laquelle l’inconscient est de la politique
(Lacan, 1966-67/2008). De cette façon, nous démontrons l’utilisation stra-
tégique du pouvoir dans la production de la souffrance socio-politique avec
466

les violations des droits et la violence qui s’ensuivent pour les sujets des
classes sociales en situation d’invisibilité, en particulier la population noire,
majoritaire au Brésil. « La souffrance, ainsi que ses effets, est administrée
politiquement avec une incidence sur le narcissisme, les identifications, le
deuil et les affects tels que l’amour, la haine, l’ignorance et la culpabilité »
(Rosa, 2015, p. 16, traduction libre). Gonzalez a ainsi commencé la « Carta
Convocatória ao ato de Fundação do Movimento Negro Unificado (MNU)
[Lettre d’appel à l’acte de fondation du Mouvement Noir Unifié] contre la
discrimination raciale », du 7 juillet 1978, articulée par les organisations noires

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de São Paulo, en pleine dictature civile et militaire : « Nous ne pouvons plus
nous taire. La discrimination raciale est un fait marquant de la société brési-
lienne, qui empêche le développement de la communauté afro-brésilienne,
détruit l’âme de l’homme noir et sa capacité de se réaliser en tant qu’être
humain.» (Gonzalez, 1982, p. 43, traduction libre).
Le racisme est présent dans le discours social et subjectivement ancré
de diverses manières, notamment dans les expressions orales et écrites qui
justifient et naturalisent la hiérarchisation entre des communautés distinctes,
matériellement et idéologiquement exprimées en tant que race ou peuple. La
direction politico-idéologique du maintien d’un système d’exploitation, de
domination et d’oppression qui est actualisée au Brésil a une histoire carac-
térisée par le patriarcat et l’esclavage. Malgré les nombreux changements
historiques, le mythe de la démocratie raciale, avec l’harmonie supposée dans
le mélange des races, remplit toujours la fonction de museler, en s’imposant
comme une fiction sociale qui culmine dans la violence incessante sur les
personnes à la peau noire, comme le soulignent les recherches sur le racisme
institutionnel dans la santé publique (Kalckmann et al., 2017), ainsi qu’entre
d’autres domaines, tels que l’éducation, le logement, le travail, etc.
Pour élucider les aspects du maintien du racisme, nous nous appuyons
sur l’analyse de Gonzalez (2018d) pour qui le mythe de la démocratie raciale
comme discours est le symptôme qui cache un problème plus profond, de
l’ordre de la culture (p. 191). Elle ajoute dans Lugar de Negro [La place du
nègre] (Gonzalez, 2019) que « le racisme est constitué comme le symptôme
qui caractérise la névrose culturelle brésilienne » (p. 191, traduction libre).

Le racisme comme dénégation du désir et symptôme dans la


culture brésilienne

À partir du racisme pris comme symptôme dans la culture brésilienne et


articulé avec le sexisme tel que présenté par Lélia Gonzalez, nous pouvons
apporter des contributions pour élucider les aspects historiques et culturels
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 467

du lien social au Brésil, guidé par l’autoritarisme et le désir de domination,


produisant de la violence surtout envers la femme noire.
Dans cette conception, le racisme est une composante qui couvre tous
les Brésiliens (et pas seulement les « noirs » et les « bruns » de l’IBGE) parce
qu’ils sont « ladinoamefricains » (Gonzalez, 2018d, p. 321).

Il s’agit d’un regard nouveau et créatif sur l’approche de la formation


historico-culturelle du Brésil qui, pour des raisons d’ordre géographique
et, surtout, d’ordre de l’inconscient, ne parvient pas à être ce qui est géné-
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ralement énoncé: un pays dont les formations de l’inconscient sont exclu-


sivement européennes et blanches (p. 321).

L’auteure a travaillé avec deux notions centrales : la conscience et la


mémoire. La première est liée à l’idéologie : « En tant que conscience, nous
comprenons le lieu de la méconnaissance, de la dissimulation, de l’aliénation,
de l’oubli et même du savoir. C’est par ce biais que le discours idéologique
se rend présent » (p. 194, traduction libre). La mémoire serait « le lieu du
non-savoir qui connaît, ce lieu des inscriptions qui restituent une histoire qui
n’a pas été écrite, le lieu de l’émergence de la vérité, de cette vérité qui se
structure en fiction » (p. 194, traduction libre). L’anthropologue explique que :

Dans la mesure où elle est le lieu du rejet, la conscience s’exprime comme


le discours dominant (ou les effets de ce discours) dans une culture don-
née, cachant la mémoire, par l’imposition de ce qu’elle, la conscience,
affirme comme la vérité. Mais la mémoire a ses ruses, son jeu rusé: c’est
pour cela qu’elle parle à travers les erreurs du discours de la conscience
(Gonzalez, 2018a, p. 194, traduction libre).

Ces ‘erreurs’ de langage révèlent des idéologies racistes masquées par la


reproduction du discours du mythe de la démocratie raciale et, par conséquent,
la reproduction systématique et structurelle des liens sociaux qui se présente
comme un racisme par dénégation, comme nous le présente l’auteure, un
racisme déguisé sous l’affirmation idéologique de l’égalité devant la loi, de
la démocratie raciale, du métissage.
Ses effets sont dans l’historiographie et dans les discours sur la formation
du peuple brésilien, de la « cordialité », de la docilité qui a voulu s’inscrire
dans l’histoire des peuples natifs et de la diaspora africaine en Amérique latine.
Ce sophisme, qui présente une harmonie inexistante entre les peuples et les
classes, comme s’ils jouissaient des mêmes droits et de la même possibilité
de participation politique-sociale, cache l’idéologie dominante d’une pro-
fonde hiérarchie socio-raciale et permet le maintien d’une logique coloniale
468

d’exploitation et de violence qui se perpétue et défend à tout prix le maintien


des structures telles qu’elles sont :

Racisme? Au Brésil? Qui l’a dit? C’est un truc américain. Ici, il n’y a pas
de différence car tout le monde est brésilien avant tout, Dieu soit loué. Les
Noirs ici sont bien traités, ils ont les mêmes droits que nous. À tel point
que, lorsqu’il travaille dur, il monte dans la vie comme tout le monde.
J’en connais un qui est médecin. Très instruit, cultivé, élégant et avec
des traits si fins... on ne dirait même pas qu’il est noir (Gonzalez, 2018b,

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p. 194, traduction libre).

Gonzalez (1984) s’inspire de la pensée lacanienne pour le changement de


perspective qui aborde le racisme en tant que symptôme de la culture brési-
lienne – la thèse selon laquelle le racisme au Brésil a la forme de dénégation,
c’est-à-dire de l’idée que la culture brésilienne est noire et s’efforce en même
temps de refuser cette caractéristique. La dénégation du désir favorise un
double effacement : de l’histoire de l’esclavage et du désir pour la femme et
de l’importance de la mère noire dans la transmission des affects, de la langue
et de la culture africaine. Elle situe le racisme et le sexisme comme un effet
de la dénégation, de la part de la culture brésilienne, du désir envers l’homme
noir – désir en particulier envers la femme noire.
L’aliénation et l’identification de la classe dirigeante avec les pays colo-
nisateurs sont présentes dans la fantaisie idéologique des pays colonisés qui
contribue à la large acceptation du discours du mythe de la démocratie raciale,
une « croyance » fortement diffusée au Brésil selon laquelle il n’y a pas de
discrimination raciale dans le pays. La classe dominante des pays colonisés
ignore et nie ses propres racines et sa propre histoire, répétant automatique-
ment les modalités violentes et discriminatoires des relations sociales issues
de la colonisation, nourries par les bénéfices économiques, par le maintien
de l’expropriation et par la jouissance du pouvoir, s’autorisant à piller et à
humilier, sans aucune limite, une partie des citoyens.
Des travaux très importants255 articulés avec les textes de Gonzalez ont
été discutés, mettant en évidence la place du reste dans le processus de coloni-
sation et d’asservissement, matériau pour que la psychanalyse puisse aborder
la fantaisie inconsciente qui opère dans les structures racistes de la réalité
brésilienne en tenant compte des effets de la colonisation ibérique.
Si ce processus se produit dans plusieurs pays colonisés, Gonzalez affirme
que « c’est dans ce qu’on appelle l’Amérique latine [...] que cette dénégation
devient largement vérifiable. En tant que système de domination très bien

255 Léa Silveira, Jéssica Rodrigues, Pedro Ambra, Flávia Rios, Raquel Barreto, entre autres.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 469

structuré, le racisme dans la région démontre son efficacité en véhiculant des


notions telles que celles d’ ‘intégration’, de ‘démocratie raciale’, de ‘métis-
sage’, etc. ». (Gonzalez, 2018c, p. 336, traduction libre).
En exposant comment la classification raciale a été la structure de sou-
tien du colonialisme classique et des sociétés qui ont formé ce qu’on appelle
l’Amérique latine, Gonzalez reprend l’histoire et le modèle rigidement hiérar-
chique des sociétés ibériques, « où tout et tout le monde avait sa place détermi-
née », pour décrire comment les sociétés américaines se sont pensées à partir
des « idéologies de la classification sociale raciale et sexuelle », en disant:
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Le racisme établit une hiérarchie raciale et culturelle qui oppose la


‘supériorité’ des Blancs occidentaux à ‘l’infériorité’ des Noirs africains.
L’Afrique est le continent ‘obscur’, sans histoire propre (Hegel); de ce
fait, la Raison est blanche, tandis que l’Émotion est noire. Ainsi, étant
donné leur ‘nature sous-humaine’, l’exploitation socio-économique des
amefricains à travers le continent, est considérée comme ‘naturelle’ (Gon-
zalez, 2018d, p. 77, traduction libre).

L’anthropologue souligne qu’il y a un effacement de l’africanité dans le


choix d’une primauté de l’Amérique, comme signifiant choisi par rapport aux
autres groupes ethniques soumis à la logique colonisatrice. Ainsi, en plus de
mettre en évidence le racisme, l’auteure a créé un concept – l’amefricanité –
soulignant le caractère multiracial et multiculturel de l’Amérique latine.
Avec la création de ce terme, Gonzalez (2018d) ouvre de nouvelles pers-
pectives pour penser cette partie du monde, au-delà du caractère géographique,
mais en repositionnant les processus historiques d’intense dynamique socio-
culturelle de résistance et de réinterprétation, qui ne permettent pas l’efface-
ment par l’aliénation identifiée de la supposée universalité de l’homme blanc
européen. Il s’agit d’une position importante avec de profondes répercussions
qui mérite une plus grande attention, et ce court texte est une invitation à
penser une universalité stratégique, comme un acte insurrectionnel et non pas
abstrait, appliqué mécaniquement, mais qui permet la radicalité de l’altérité,
une « universalité qui dit que personne ne sera asservi » (Haider, 2019, p.
148, traduction libre).
Pourtant, avec ce concept, Gonzalez situe une Amérique africaine dont la
latinité est niée, ainsi comme l’expérience des femmes et des hommes noirs
dans la diaspora et l’expérience des femmes et des hommes indigènes contre
la domination coloniale. Le racisme se retourne précisément contre ceux qui,
d’un point de vue ethnique, sont le témoignage vivant de l’histoire, en essayant
de les faire disparaître de la scène et de les rayer de la carte. En contrepoint,
l’auteure souligne l’importance de la connaissance des racines africaines et
470

du rôle des femmes noires dans le processus de formation culturelle du pays,


intégrant la religiosité, notamment le candomblé, dans le monde de la culture
et de la politique.

Le féminisme afrolatinoaméricain : un pari de subversion


Je me sens bizarre quand j’ai l’impression d’avoir été choisie pour repré-
senter le féminisme noir. Et pourquoi, ici au Brésil, faut-il se tourner vers
les États-Unis pour avoir une référence? Je pense que j’apprends plus avec

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Lélia Gonzalez que vous ne pourriez apprendre avec moi (Davis, 2019).

C’est ainsi qu’Angela Davis (2019), militante du féminisme noir


nord-américain, s’est exprimée lors du séminaire A liberdade é um luta
constante [La liberté est une lutte constante], à São Paulo, en soulignant que
« les Brésiliens doivent reconnaître davantage leur propre penseur, l’un des
pionniers des discussions sur la relation entre le genre, la classe et la race
dans le monde » (Mercier, 2020).
Les contributions de Gonzalez (1984) soulignent que le racisme et le
sexisme composent un ‘double phénomène’ et situent que la femme noire
figure dans le discours de la démocratie raciale par la dénégation du désir
pour la femme noire, qui fait des figures de la mulâtresse, de la domestique
et de la mère noire, des cibles préférentielles de la violence, ancrées dans le
maintien du patriarcat et de l’autoritarisme dans la culture brésilienne.
Ce thème est également développé par la psychanalyste Ana Paula Musa-
tti-Braga dans Os muitos nomes de Silvana : contribuições clínico-politíticas
da psicanálise sobre mulheres negras [Les nombreux noms de Silvana: apports
clinico-politiques de la psychanalyse sur les femmes noires] (2016), où la pro-
blématique du désir dans les relations interraciales sonne étrangement familière
car elle dévoile l’intrigue sociale qui fait cohabiter la servitude imbriquée et
l’exploitation du travail avec la servitude sexuelle (forcée), le sexe et le pou-
voir, le plaisir et la domination, l’érotisme et la violence. En dévoilant le passé
dans les figures actuelles de la femme noire sur la scène sociale, elle ajoute

Ce qui serait transmis, dans ma compréhension, serait cette supposée


permissivité sur le corps de ces femmes, un corps qui serait dépositaire
des désirs les plus incontrôlables, une toile sur laquelle se projetterait une
jouissance pleine et infinie, mais au prix d’être, ce corps, le domaine et la
propriété d’un autre (p. 260, traduction libre).

Et poursuis:
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 471

Les figures de la sainte maman et des maîtresses actuelles, des servantes et


des nounous, des mucamas et des domestiques et des mulâtres, dévoilent
l’intrigue sociale, la servitude et l’exploitation du travail ajoutée à l’exploi-
tation sexuelle, l’aspect du racisme qui considère le corps de la femme noire
comme disponible et exige sa servitude sexuelle (p. 268, traduction libre).

Le racisme inclut cette manière de ségréguer, de rejeter cette jouissance


qui apparaît comme absolue – la jouissance de l’Autre – et de s’en échapper
(Mussatti-Braga & Souza, 2018). La violence qui s’abat sur les femmes noires
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s’ancre précisément dans cette représentation – la violence serait justifiée


comme une domination nécessaire pour endiguer cette jouissance totalement
déliée et débridée, attribuée à la femme – domination impossible puisqu’il
s’agit de la projection par le raciste de son propre désir.
Dans cette veine suivent des contributions originales de l’auteure Mussat-
ti-Braga (2016) sur le racisme, soutenu par les concepts d’étrange et d’extime,
provenant de la psychanalyse. Elle affirme que « l’insupportable pour le Blanc
et pour le Noir a été articulé et impliqué comme les deux faces d’une même
question, de la même manière que les articulations entre le Noir comme le
non-soi du Blanc et le Blanc comme le non-soi du Noir » (p. 262, traduction
libre). Ainsi, l’analyse ajoute à l’hypothèse d’un supposé idéal de beauté et
de valeur dans la figure de la femme blanche, son contraire, à savoir que ce
qui est insupportable à l’homme/femme blanc(e) est de voir dans le corps de
la fille et de la femme noire sa propre jouissance, inconnue et non mesurée –
elle incarne l’effrayant de l’Autre sexe.
Gonzalez (2018e) critique fortement les mouvements sociaux dans les-
quels le racisme reste invisible, dénégué, ce qui favorise la préservation de
la structure de domination, de violence et d’exploitation sexuelle et de travail
déplacée vers les femmes noires. C’est dans ce sens qu’elle inclut le racisme
dans le sexisme de manière inédite. De cette façon, selon Mercier (2020), dans
les années soixante-dix et quatre-vingt, resitue le mouvement féministe, en
considérant le caractère multiracial et multiculturel de l’Amérique latine, en
opposition à la vision eurocentrique et à la nécessité de la position de classe,
essentielle pour penser l’oppression de genre et se rapproche « des concepts
de féminisme intersectionnel (qui incorpore les inégalités de race et de classe)
et décolonial (qui remet en question l’ordre économique et de pensée des
groupes dominants) » (s. p.).
Dans Por um feminismo Afro-latino-americano Gonzalez [Pour un fémi-
nisme afro-latino-américain], Gonzalez (2020) écrit sans ambages: « Traiter,
par exemple, de la division sexuelle du travail sans l’articuler avec celle corres-
pondante au niveau racial, c’est tomber dans une sorte de rationalisme universel
abstrait, typique d’un discours masculinisant et blanc » (p. 310, traduction libre).
472

Et elle souligne encore en Lugar de Negro (1982) que :

il a été possible de remarquer, par exemple, que parce qu’elle n’a pas
été éduquée pour épouser un ‘prince charmant’, mais pour travailler, la
femme noire n’est pas du type soumis. Sa pratique quotidienne fait d’elle
quelqu’un qui est conscient que c’est à elle de se battre pour ‘le lait des
enfants’ (comme nous l’a dit une belle Sargenteli), sans trop compter sur
son compagnon (chômage, violences policières et autres effets du racisme
et aussi du sexisme) (p. 36, traduction libre).

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Ainsi, la noire représente non seulement la femme désirante mais aussi
celle qui peut avoir une dépendance économique, menaçant ainsi les principes
du patriarcat.

La dénégation du désir et de l’amour pour la femme noire


Gonzalez utilise une expression éclairante sur la diffusion du racisme :
« affirmer avec oubli ». C’est-à-dire que ce n’est pas par la conscience que
le racisme se diffuse, mais par des processus d’oubli ou, pourrions-nous
dire, de dénégation. « En tant que conscience, nous comprenons le lieu de
la méconnaissance, de la dissimulation, de l’aliénation, de l’oubli et même
du savoir. C’est par ce biais que le discours idéologique se rend présent »
(Gonzalez, 1984, p. 226, traduction libre). À la lumière de ces observations
sur la conscience et la mémoire, il est important de noter que l’argument de
l’article ‘Racisme et sexisme dans la culture brésilienne’ passe tout le temps
par les tensions et les déplacements entre le désir et le rejet du désir.
Revenons sur cet angle du racisme comme symptôme de la névrose cultu-
relle brésilienne explorée dans ce texte à partir de trois figures: le mulâtre, le
domestique et la mère noire. La première observation dans cette direction est
la polarisation entre la déification de la mulâtre et l’agressivité dirigée vers la
domestique et souligne que « mulâtre et domestique sont des attributs du même
sujet » (p. 196, traduction libre), étant que cette nomination ne dépend que
de la situation depuis laquelle ce sujet est vu. Pour Gonzalez, cette duplicité
mulâtre/domestique trouve sa genèse dans le sens du mot mucama. Mucama
est un mot de la langue quimbunda qui, à l’époque de l’esclavage, signifiait
«amasie esclave» (p. 197). Gonzalez propose qu’ils cherchaient à neutraliser
un savoir que « les Africains connaissaient mais qui devrait être oublié, caché »
(p. 205, traduction libre), en soulignant entre parenthèses la définition dans le
dictionnaire Aurélio, comme pour cacher cette fonction ‘dérangeante’.

Mucama (du quimbumdo mu’kama ‘amasie esclave’) dans le dictionnaire


Aurélio, comme pour cacher cette fonction ‘dérangeante’. La fille esclave
noire de compagnie qui était choisie pour aider aux tâches ménagères
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 473

ou pour accompagner les membres de la famille, et qui était parfois une


nourrice. (p. 197, c’est nous qui soulignons, traduction libre).

Les figures de la domestique/mucama et de la mulâtre actualise la rela-


tion avec les femmes asservies. Aujourd’hui encore, les femmes noires sont
représentées comme ayant leur jouissance au service d’un autre – comme un
héritage de leurs ancêtres asservis. Comme le rappelle Angela Davis (2016) :
« Le schéma des abus sexuels institutionnalisés des femmes noires est devenu
si fort qu’il a réussi à survivre à l’abolition de l’esclavage » (p. 180, traduction
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libre). L’imaginaire social qui recouvre, contourne et nomme le corps des


femmes noires inclut cette duplicité dans laquelle elles seraient disponibles
pour des services domestiques et sexuels.
Gonzalez avance la question lorsqu’elle signale la nécessité de recon-
naître que ce problème n’est pas explicité uniquement par les approches his-
toriques et sociales – bien qu’elles soient essentielles – car, comme elle le dit,
il y a un reste. Elle déclare : « Mais il est toujours resté (et restera) un reste
qui défie toute explication. » (Gonzales, 1984, p. 192, traduction libre). Et
insiste : « Il convient à nouveau de se demander: comment en est-on arrivé à
cet état de choses, avec l’abolition et tout ça ? ». Elle ajoute avec ironie: « Qui
répond est un homme blanc très important (parce qu’il est un scientifique
social, bah) appelé Caio Prado Jr (1976), dans un livre appelé Formação do
Brasil contemporâneo [Formation du Brésil contemporain], où il dit beaucoup
de choses intéressantes sur le sujet de l’esclavage », (p. 199, traduction libre).
Souligne cet extrait de l’auteur :

En réalité, l’esclavage, dans les deux fonctions qu’elle exercera dans la


société coloniale, le facteur travail et le facteur sexe, ne déterminera que
des relations élémentaires et très simples [...] L’autre fonction de l’es-
clave, ou plutôt de la femme esclave, comme instrument pour satisfaire
les besoins sexuels de ses maîtres et dominateurs, n’a pas un effet moins
élémentaire. Elle ne dépassera pas non plus le niveau primaire et purement
animal du contact sexuel, ne s’approchant que de très loin de la sphère
proprement humaine de l’amour, dans laquelle l’acte sexuel est entouré
de tout un complexe d’émotions et de sentiments si vaste qu’il relègue au
second plan l’acte qui l’a finalement engendré (traduction libre).

Gonzalez (1988e) considère ce passage comme un échantillon de la


‘névrose culturelle brésilienne’, qui cache les conflits et compose des solutions
de compromis symptomatiques. « Après avoir lu un truc comme ça, on n’a
même pas envie de dire quoi que ce soit parce que c’est une affaire réglée »
(p. 200, traduction libre). La dénégation et le racisme sont évidents lors-
qu’il comprend qu’avec la femme noire, « l’homme blanc ne baise pas, mais
474

commet des actes sexuels », expression d’un « corné de besoin » (p. 200). Le
nœud symptomatique est révélé par la plume de Gonzalez qui souligne qu’en
affirmant et en niant ce qu’il a dit en une seule manœuvre – nier le désir pour
la femme esclave noire et l’affirmer comme un besoin d’un « instrument de
satisfaction sexuelle » – Caio Prado Junior, en la niant, « révèle comme une
ignorance de lui-même ». Il ignore et expose sa brutalité dans des mots qui
rejettent le statut de sujet humain à la femme noire, à son homme, à ses frères
et à ses enfants. Ces sujets deviennent des objets entre ses mains, voire des
objets de savoir. Insister sur la priorité de la lutte des classes, en renonçant

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à l’incorporation des catégories de race et de genre, convient aux privilèges,
même de certains messieurs érudits de la gauche. (Gonzalez, 1988e, p. 200).
Non satisfaite de l’affaire réglée pour démontrer sa thèse, Lélia Gonzalez
va plus loin dans la construction de la négation du désir pour la femme noire.
Elle prend un fragment de non-dit sur les relations raciales pour, en tant que
psychanalyste, en dévoiler un nouvel aspect. Le fragment concerne d’:

[...] une histoire très révélatrice, qui complète ce que nous savons déjà sur la
vie sexuelle des gars blancs jusqu’à il n’y a pas longtemps : l’initiation et la
pratique avec les femmes créoles. C’est là qu’intervient l’histoire qui nous a
été racontée (merci, Ione). Quand il s’agissait d’épouser la vierge blanche,
pure, fragile et innocente, lors de la nuit de noces, les garçons n’arrivaient
pas à faire bander leurs copains. Vous imaginez l’embarras? Et où était le
remède providentiel qui a permis la consommation du mariage? Il suffisait
aux mariés de sentir les vêtements d’une créole qui avait été utilisé, pour
‘ensuite présenter les documents’ (Gonzalez, 1988, p. 203, traduction libre).

Elle poursuit en exposant un autre point de sa thèse sur le déni du désir


par la femme noire. Elle commente comment les pratiques qui « se dérou-
laient à l’intérieur de la grande maison » avec l’odeur des femmes noires ‘CC’
provoquent une haine profonde et passent à des malédictions telles que « sale
nègre » ! (Gonzalez, 1988b, p. 204, traduction libre). Dans une citation de
André Malrois faite par Prado Junior, dans laquelle il dit que le «le miracle de
l’amour humain est que sur un instinct aussi simple, le désir, il construit les
édifices les plus complexes et délicats des sentiments ». Elle ajoute : « C’est
ce miracle que l’amour de la senzala n’a pas et ne pouvait pas accomplir dans
le Brésil colonial.».
Gonzalez (2018b) souligne que même Freud ne pouvait pas mieux définir
la névrose.

Quant à l’affirmation négative de ‘sieur’ Caio Prado Júnior, malheureuse-


ment, nous savons ce qu’il est en train d’affirmer de manière oublieuse:
l’amour du senzala n’a accompli le miracle de la névrose brésilienne que
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 475

grâce à cette simple chose qu’est le désir. Si simple que Freud a passé
toute sa vie à écrire à ce sujet (peut-être parce qu’il n’avait rien d’autre à
faire, n’est-ce pas Lacan?). Définitivement, Caio Prado Júnior ‘déteste’
notre peuple. (p. 235, traduction libre).

Et plus loin, elle continue à construire cette intrigue qui dévoile la logique
rationnelle du racisme au Brésil : « Le texte de Caio Jr va au-delà de ce qu’il
entend analyser. Dès qu’il parle de quelque chose, en la niant, il se révèle comme
méconnaissance de lui-même. » (Gonzalez, 1988, p. 204, traduction libre).
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Ainsi, le discours supposé neutre de Caio Prado Júnior met en évi-


dence les deux: la haine envers la femme noire et l’évocation qu’il lui doit
sa constitution égoïque et son érotisation. Aline Martins (2020) souligne que
ces amours sont niés et vilipendés car ils rappellent les faiblesses, les dettes,
la dépendance et la vulnérabilité des maîtres.
Il est intéressant de constater que le fondement de la violence se trouve
dans l’amour renégat. Le déplacement du désir et de l’amour pour la femme
noire s’observe dans l’exaltation fugace de la mulâtre et déborde avec voracité
en période de carnaval. Toute la culture noire apparaît comme une grande et
joyeuse fête dans une libération momentanée. Il est commode pour la puis-
sance dominante de laisser cette partie et l’autre de l’histoire de la popula-
tion noire en sommeil pendant le reste de l’année. Pour cela, on n’évitera ni
l’oppression ni la violence.

Conclusion: la dénégation au pouvoir X l’ordure va parler

Enfin, reprenant la proposition de dénonciation et de démantèlement des


mécanismes racistes de contrôle social, ainsi que des formes de souffrance
socio-politique qui en découlent, nous soulignons que dans la transformation
sociale, il est fondamental la reconfiguration du champ discursif et le fran-
chissement des marqueurs sociaux situés dans une zone entre le public et le
subjectif, entre la scène psychique et la scène sociale, l’extime, formulée par
Lacan [1959-1960/1988] comme l’intérieur exclu, ce qui est à l’extérieur
révèle ce qui est plus intime à l’intérieur.
Les impacts des relations raciales ébranlent la position du sujet, puisque
« Savoir que l’on est noire, c’est vivre l’expérience d’avoir été massacré dans
son identité, confondu dans ses perspectives, soumis à des exigences, contraint
à des attentes aliénées», comme nous dit Souza (1983, p. 17, traduction libre).
De cette façon, pour les individus marqués par le racisme, il faudra faire un
tour supplémentaire, effectuer un travail psychique de plus dans la constitution
subjective. Comme l’exprime l’auteure: « Mais aussi, et surtout, l’expérience
de s’engager pour sauver son histoire et se recréer dans ses potentialités »,
476

(Souza, 1983, p. 18, traduction libre). De ce tournant découlent les vicissi-


tudes du devenir d’une femme noire, terme de Neusa Souza. Elle dévoile
le processus de devenir femme au-delà des marqueurs-douleurs sociaux de
couleur et de genre, pour les prendre comme des marques, des inscriptions
qui renvoient à une origine, une histoire, une ethnicité, en les subvertissant
et en singularisant son processus en indiquant comment et sous quel aspect
de son désir donnera destination à ces marques (Rosa, 2021).
La psychanalyse impliquée inclut la scène sociale et les croisements
discursifs des marqueurs sociaux, et thématise la tramutation des marqueurs

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sociaux pour la marque du cas – il ne s’agit pas d’ignorer ou d’expliquer,
mais de subvertir les stratégies d’oppression ou d’exploitation qui font des
différences des marqueurs-douleurs.
Le fait est que nous avons aujourd’hui une société divisée et en pure
tension sur plusieurs plans: politique, social, épistémique et épidémique. Dans
la politique brésilienne, l’autoritarisme, le racisme et le sexisme reviennent
démasqués des entrailles de l’histoire. D’un autre côté, en paraphrasant Gon-
zalez, « l’ordure insiste et va parler ! »
En réponse à l’extrait du livre de Caio Prado Jr, cité plus haut, dans
lequel il affirme que les noirs seraient « dans la poubelle de la société bré-
silienne, parce que c’est ainsi que la logique de domination la détermine »,
(Gonzalez, 1984, p. 225, traduction libre), Gonzalez questionne avec les
concepts de la psychanalyse le fait que les femmes non blanches sont l’objet
d’analyse d’autres sujets, étant parlées, définies et classées par un système
idéologique de domination qui nous infantilise, en utilisant la première per-
sonne du pluriel, style intellectuel qui inaugure. Et il dit : « L’ordure va parler,
et d’une bonne manière » (p. 225).
Dans la guerre sociale, thématiser le racisme en tant que symptôme
social brésilien nous permet de déplacer des frontières qui, comme le dit
Boaventura de Sousa Santos (2010), décolonisent le regard. Il s’agit de sub-
vertir les stratégies d’oppression ou d’exploitation qui font des différences
des marqueurs-douleurs et de démystifier l’efficacité de ces discours. Ainsi,
le racisme, le sexisme et l’autoritarisme ne sont pas des luttes séparées. Nous
avons appris de Lélia Gonzalez que le régime politique des libertés et des
égalités est lié à la justice raciale et de genre.
Nous concluons donc par son discours dans les rues de Rio de Janeiro, l’an-
née du centenaire de l’abolition de l’esclavage au Brésil, le 20 novembre 1983,
Journée de la Conscience Noire: « Allons au combat, camarades, pour que
l’exploitation et l’oppression cessent dans ce pays. Pour être une démocratie
raciale, ce pays doit être effectivement une démocratie» (Mercier, 2021, s/p).
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 477

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“QUASE DA FAMÍLIA”:
violências às trabalhadoras domésticas
(in)visibilizadas por nossas branquitudes
Jaquelina Maria Imbrizi
Adriana Rodrigues Domingues
Ana Lucia Gondim Bastos
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Introdução

Algumas produções cinematográficas argentinas, brasileiras e mexica-


nas, lançadas principalmente a partir do ano 2000, têm dado visibilidade ao
cotidiano de exploração vivenciado por empregadas domésticas. Consideradas
“quase da família”, as trabalhadoras sofrem séries de humilhações e cons-
trangimentos que são naturalizados no cotidiano de trabalho, no qual lugares
sociais autorizam a ambivalência de afetos. Do lugar das patroas há uma
cadeia de opressão, amor e ódio que é transmitida intergeracionalmente. Do
lado dos patrões há resquícios do passado escravocrata, no qual o quartinho
da área de serviço é um caminho curto para o abuso sexual. Trata-se de um
tipo específico de violência de gênero e ambivalência de afetos direcionadas
ao feminino. O objetivo deste capítulo é o de discutir as violências físicas e
simbólicas direcionadas às trabalhadoras domésticas por meio da análise de
filmes críticos à desigualdade social e econômica. Foram escolhidas obras que
visam desconstruir o destino social naturalizado e predeterminado à categoria
e, assim, oferecem roteiros que as colocam como protagonistas de suas pró-
prias histórias. Abordam histórias que produzem um dilaceramento na cadeia
de humilhação na qual avós, mães e filhas têm como única oportunidade e
possibilidade de sobrevivência a de se submeterem às condições de trabalho
típicas das empregadas domésticas. A análise fílmica será realizada por meio
da abordagem psicanalítica em interface com as discussões interseccionais
do feminismo negro, relevando as questões de etnia, gênero e classe social.
Rosa (1990) denomina de psicanálise implicada aquela que coloca em
questão o lugar de escuta, fala e escrita das psicanalistas enredadas nas rela-
ções de poder no capitalismo contemporâneo. No caso, trata-se de problemati-
zar o lugar do qual as três autoras escrevem: elas são brancas, de classe média,
apaixonadas pela sétima arte e atuam como professoras em universidades
públicas e espaços de formação de psicanalistas. Acresce-se o fato de que para
482

desenvolverem os seus trabalhos, elas dependem das chamadas trabalhadoras


domésticas para fazerem a organização e a limpeza das suas residências. Ou
seja, trata-se de colocar em questão os privilégios da branquitude que perpas-
sam a trajetória de cada uma das autoras deste capítulo, buscando questionar
as violências contra essas trabalhadoras, em sua maioria negras, e resgatar a
provocação de Grada Kilomba: “Como eu posso desmantelar o meu próprio
racismo?” (2019, p. 46). A artista enxerga o racismo não como uma questão
moral, mas como um processo psicológico que exige trabalho psíquico e social
e se refere à responsabilidade de todas nós diante das diferentes opressões a

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que são submetidas as mulheres negras. Trata-se de um processo que: “[...]
envolve uma revisão crítica profunda de nossa percepção de si e do mundo.
Implica perceber que mesmo quem busca ativamente a consciência racial já
compactuou com violências contra grupos oprimidos” (Ribeiro, 2019, pp.
8-9). Assim, nós, autoras deste capítulo, estamos aqui utilizando o nosso lugar
de escrita privilegiada para compor alianças com a luta antirracista e para
quebrar com o epistemicídio que vigora no ambiente acadêmico ao silenciar
a produção de conhecimento vinculada ao movimento feminista negro.
A construção de agendas antirracistas deve ser prioridade no movimento
de responsabilização mútua, assim como a ênfase na problematização das
opressões (in)visíveis (Kilomba, 2019). Um aspecto importante da agenda
antirracista é questionar a forma como as produções audiovisuais têm apre-
sentado as pessoas negras e as personagens pobres. O documentário de Joel
Zito (Araújo, 2000), intitulado “A Negação do Brasil”, aponta o papel de
subalternidade relegado aos atores e atrizes negros nas telenovelas brasileiras:
as mulheres são as empregadas domésticas ou a negra de corpo escultural
tratada como objeto na trama. O diretor questiona os estereótipos vinculados
à cor de pele. Não se trata somente de representatividade na tela, mas do tipo
de personagem reservado aos atores e atrizes negras; trata-se, também, da luta
por proporcionalidade da presença de atores negros (Ribeiro, 2019).

As mulheres negras que estilhaçam as máscaras do silenciamento


Nossa fala estilhaça a máscara do silêncio. Penso nos feminismos negros
como sendo esse estilhaçar, romper, desestabilizar, falar pelos orifícios
da máscara.
Conceição Evaristo (13 de maio de 2017, Carta Capital)

Grada Kilomba (2019), feminista negra que tem denunciado os episódios


de racismo contemporâneo, faz uma analogia entre a máscara da Escrava
Anastácia, que trabalhava nas plantações durante o período escravocrata, e os
silenciamentos impostos e auto-impostos pelo processo de socialização para
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 483

a população negra. Era uma máscara que obstava a fala, ao mesmo tempo em
que impedia que os/as escravizados/as se apropriassem e se alimentassem do
que era produzido e colhido pelas suas próprias mãos, nos grandes latifúndios.
No Brasil, o espectro da máscara da Escrava Anastácia pode estar vincu-
lado ao uniforme da empregada; ao lugar reservado no espaço da família para
a trabalhadora doméstica. Entre as mulheres, encontramos feministas negras
que quebraram a máscara do silenciamento (Ribeiro, 2018) e se libertaram do
destino social reservado às gerações que insistem que o emprego doméstico
é a única opção de sobrevivência, são elas: Lélia Gonzales, Sueli Carneiro,
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Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro e Preta Rara. Elas são mulheres negras
que quebraram com a transmissão intergeracional do trabalho precário como
única forma de sobrevivência e utilizam seus lugares de fala para desnatu-
ralizar a opressão e a violência direcionada às mulheres. Portanto, estamos
localizando aqui o lugar de fala, não aquele que define quem pode falar ou
quem representa determinado tipo de sofrimento, mas, sim, aquele marcado
pelo lugar social e que impõe modos de enxergar o mundo e de construir
juízos de valor. Outrossim, são intelectuais negras que lutam para abalar
naturalizações e estruturas, pois: “Quando a mulher negra se movimenta, toda
a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, como afirma Angela Davis
(como citado em Alves, 2017).
Preta Rara (2019), em seu livro, testemunha situações vivenciadas por
aquelas que são “quase da família”: o desigual acesso ao alimento quando
se compara o patrão e as empregadas, os cuidados com os filhos dos patrões
enquanto seus próprios filhos ficam em creches, o desrespeito às horas pré-
-estabelecidas para uma jornada de trabalho e a indistinção entre os espaços
público e privado. Cabe assinalar o que nos alerta Sueli Carneiro (como citado
em Ribeiro, 2019) ao defender um feminismo negro: se uma das pautas da
luta feminista é o direito de trabalhar e de ocupar o espaço público, para a
mulher negra, a imposição do trabalho esteve presente desde a sua infância e
adolescência, como é o caso de muitas empregadas domésticas que têm, muitas
vezes, que adentrar o mundo do trabalho em troca apenas de pouso e comida.

De que mulher estamos falando e como ela aparece nas produções


audiovisuais?
Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir
em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que mere-
cem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a
subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofere-
ceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher?
Sojouner Truth (8 de janeiro de 2014, Geledes.org).
484

Sojouner Truth, ex escravizada estadunidense, que se tornou abolicio-


nista, feminista e pregadora pentecostal, levanta uma questão que até hoje
notamos dificuldade de articular às discussões de gênero, a partir das quais,
paridade de direitos entre homens e mulheres são exigidos. A mulher pobre e
geralmente preta, que cuida dos filhos e da casa da patroa e cuida dos próprios
filhos e da própria casa, para seu marido descansar da jornada de trabalho,
sofre do elitismo e do racismo estrutural durante o dia e do machismo estru-
tural à noite (Akotirene, 2019). A patroa, idealizada como a mulher bonita e
inteligente que merece ser bem tratada, via de regra, não consegue reconhecer

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seu lugar de privilégio, invertendo as posições, num processo de negação
legitimado socialmente, através do qual se sente a benfeitora por oferecer
condições básicas de sobrevivência.
Países com histórias sangrentas e apagamentos culturais dos povos
subjugados em seus processos de colonização, têm sua matriz escravocrata
explicitada em relações de poder entre patroas (as antigas sinhazinhas) e
suas empregadas, ainda tratadas como as mucamas de outrora. O quartinho
de empregada e os elevadores de serviço são aberrações arquitetônicas nas
atualizações das Casas Grandes e suas senzalas.
No documentário Doméstica, de Gabriel Mascaro (2012), assistimos
com desconforto as cenas das queridas empregadas, com relações maternais
com as crianças e adolescentes donos da Casa Grande, se recolhendo aos seus
aposentos, geralmente misturados aos elementos do seu trabalho, como tábuas
de passar e aspiradores de pó. O sonho de ter sua própria casa, os próprios
filhos ou outra profissão, muitas vezes é adiado, por vezes abandonado, afinal,
da empregada doméstica é esperado que ela se volte para as necessidades
cotidianas dos patrões.
No curta-metragem Como se fosse da família (Riff & Onça, 2014), Van-
derleia dos Santos, empregada doméstica e babá da mesma família desde os 14
anos, fala das ambiguidades dos sentimentos de proteção e de submissão,
renúncia e negação que precisou realizar em relação à própria vida, à família
de origem e a que não pôde formar. Sua trajetória é a de milhares de crianças
e adolescentes do Norte e Nordeste do Brasil que migraram para trabalhar
em lares ricos do Sudeste, sendo forçados a esquecer sua família de origem e
a assimilar a família do patrão. Sem se dar conta, pelo menos visto a tranqui-
lidade com que se expõe, a patroa mostra todo assujeitamento que propõe à
Vanderleia, num pacto perverso considerado muito razoável socialmente. Falas
reveladoras da relação de poder e subjugo da patroa em relação à empregada,
como a do contrato inicial: “Eu vou te pagar tanto, mas vou te pedir uma coisa:
eu quero que você fique comigo pra sempre”. Ou outras, como: “a Vander era
meu controle remoto que eu pedia tudo o que precisava”, “eu ia nas reuniões
da escola dela para explicar que ela não tinha o mesmo tempo para estudar
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 485

como os outros alunos, porque ela tinha que trabalhar lá em casa, cuidar das
crianças”. Frases que chegam a chocar o espectador. O amor dedicado às
crianças que cuidam desde muito pequenas, e para as quais acabam virando
uma referência de proteção e afeto de grande importância, também aparece
na fala de Aurea, que, aos 64 anos e já aposentada, mostra fotos e relata com
tristeza a saudade dos adultos que ajudou a criar desde bebês, dizendo: “rom-
peu o vínculo de trabalho, rompeu o de família, também”.
Outro filme brasileiro que trata com delicadeza a relação da empregada
doméstica, herdeiras do posto de “mães pretas” do Brasil colonial, no cuidado
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de seus próprios filhos, mas, também, dos filhos da patroa, é o Que Horas
ela Volta?, de Anna Muylaert (2015). O roteiro, desta vez retratando a alta
burguesia paulistana, gira em torno do momento em que a filha da empregada
Val chega à cidade para fazer vestibular. Criada por parentes em sua cidade
natal, longe da mãe que precisou sair de casa para encontrar emprego que
favorecesse melhores condições de vida à filha, Jéssica chega questionando o
lugar atribuído aos serviçais. Tece críticas ao sistema e à estratificação social,
tem consciência da segregação que vive e que sua mãe não consegue enxergar.
“De bico calado” é a advertência feita à forma como a filha tinha que aceitar
essa condição. Ao ser questionada sobre quando aprendeu que, em casa de
patrão, não se pode sentar aqui e nem comer aquilo, Val responde: “A gente
não aprende, a gente nasce sabendo”. O filho da patroa, quase da idade de
Jessica, recebeu de Val o amor materno e os cuidados cotidianos que ela não
pôde oferecer à sua própria filha. Diante das provocações da filha, Val rompe
com seu destino social predeterminado e escolhe a possibilidade de sair da
posição subserviente, protagonizar sua vida, ter sua casa, morar com a filha
e ver o neto crescer. Jessica não migrou para ocupar subempregos ou repetir
a história da mãe, mas, para ocupar o quarto de hóspedes e fazer faculdade
de arquitetura na USP. São histórias da vida e da ficção que trazem narrativas
“escovando” a história a contra-pêlo, usando a expressão do filósofo Walter
Benjamin (1994) quando se refere à narrativa, em primeira pessoa do plural,
das vencidas da história oficial.
Já a película argentina Crimes de Família (Schindel, 2020), baseada
numa história real, traz em seu roteiro encobrimentos em relação a diversas
violências infligidas às mulheres. O filme apresenta muitas mulheres: a mulher
branca de classe média que sofre violência doméstica e denuncia o marido
branco, mais rico que ela; a mulher que é mãe desse marido, branca, de classe
social mais alta; e, finalmente, a mulher que é empregada doméstica, branca,
que cria seu filho no quartinho junto à cozinha da casa da patroa, e sobre a qual
recai a suspeita de um infanticídio. Assim, para além dessas questões espinho-
sas que relacionam dominação violenta com possíveis narrativas de materni-
dade, o filme também engloba outras relações de opressão que dizem respeito
486

às desigualdades sociais espelhadas no microcosmo de patroa e empregada


e dos abusos sexuais em relação às serviçais. A questão da branquitude aqui
se coloca de modo especial, já que posiciona a questão da raça em relação
à origem. “Ser branco e ocupar o lugar simbólico da branquitude não é algo
estabelecido apenas por questões genéticas, mas, sobretudo, por posições e
lugares sociais que o sujeito ocupa” (Shucman, 2012, p. 23); é ser beneficiário
de um sistema de privilégios que tem a ver, também, com as relações de poder
local. Portanto, a empregada, de pele de cor clara, proveniente de lugares
pobres do país em busca de um lugar de maior desenvolvimento econômico,

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fora recebida pela “benevolente e educada” patroa, esta sim, branquíssima.
No curta-metragem Babás (2010), de Consuelo Lins, a história é contada
por uma imagem do séc. XIX que retrata uma “mãe negra” e uma criança
branca apoiada nela, e se inicia com a expressão: “Quase todo o Brasil cabe
nessa foto”. A diretora, criada por uma babá e patroa de babás, revela as
contradições explícitas entre a sua história e a das babás com quem con-
viveu, dando visibilidade às anomalias de um contexto social que possui
raízes históricas que se repetem até a contemporaneidade, com atualizações
e transformações. Com imagens retiradas de arquivos pessoais e nacionais,
como fotografias de crianças e suas amas de leite e anúncios de empregos
para babás, retrata a histórica invisibilidade dessas trabalhadoras no contexto
brasileiro e as desigualdades que permanecem sempre presentes. Procura-se
“moças sem compromisso”, para serem transformadas em “babás uniformi-
zadas (não apenas no vestuário), que têm funções e responsabilidades quando
ingressam nas casas dos patrões” (Souto, 2020). Trata-se de um processo de
“branqueamento” das roupas e “asseptização” das funcionárias, acompanhado
de um apagamento das singularidades e, para quem “dorme no emprego”, de
um distanciamento das relações que ocorrem fora do ambiente de trabalho,
como as relações amorosas. Para Souto, a expressão “quase da família” é
uma forma de amaciar ordens, impor uma proximidade afetiva que disfarce as
hierarquias e abusos de autoridade, embace as fronteiras entre espaço público
e privado, entre a vida profissional e a pessoal, embaralhe as expectativas
quanto aos direitos e deveres de cada um.
O filme Roma, do diretor mexicano Alfonso Cuarón (2018), retrata o
cotidiano de uma família média alta na década de 1970. A protagonista é
Cléo, um misto de babá e empregada doméstica, que ocupa todo o seu tempo
com a lida dos afazeres na enorme casa de dois andares de seus patrões. A
imagem de uma garagem que está constantemente suja por conta das fezes do
cachorro da casa, reflete o trabalho invisível e incansável das trabalhadoras
domésticas. Quanto mais ela lava, mais o espaço fica sujo. O diretor não nos
poupa uma das broncas da patroa que reclama em voz alterada por conta das
fezes na garagem que emporcalham o pneu do carro do patrão. Acompanhamos
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 487

a nossa protagonista cujo roteiro não indica a quebra do seu destino social,
mas a câmera é posta tão próxima ao seu rosto que somos capazes de sentir
sua respiração e seu sofrimento.
A cena na praia, que é também a da foto de divulgação do filme, é emble-
mática dos afetos ambivalentes direcionados às empregadas. Nela, há um
abraço coletivo após duas crianças escaparem de afogamentos. Cleo evita uma
tragédia com os filhos da patroa, mas perde sua própria filha em parto prema-
turo. Trata-se de outra situação emblemática, pois, assim como as escravizadas
do Brasil Colônia que não tinham tempo para cuidar dos seus próprios filhos,
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ela tinha que dispor de toda a energia para cuidar e educar os filhos dos patrões.
O filme de Cuarón apresenta outro elemento que se refere ao fato de Cléo
ter ascendência indígena e não negra, e representar uma população pobre do
México que luta pelo direito à terra. Há referências à saudade que ela sente da
mãe que mora em um vilarejo distante e tinha perdido a posse de um pedaço de
terra. A questão racial pungente aqui é a dos povos originários frequentemente
sendo expulsos de sua terra e tendo que exercer uma resistência estrutural. A
resistência política está no roteiro da película que coloca como protagonista
a empregada doméstica e suas agruras. O que resta aos telespectadores é vas-
culhar um pouco de sensibilidade e não repetir em sua vida real as violências
vivenciadas na tela grande. Só assim a vida não imitará a arte.

Quando a vida imita a arte

As cenas cotidianas descritas nos filmes acima retratam o drama e a tra-


gédia reais que muitas trabalhadoras domésticas vivem. No Brasil, o trabalho
doméstico é tão antigo quanto o período escravocrata e continua a ser perpe-
tuado pela desigualdade social. Hoje se atualiza no enorme contingente de
trabalhadores realizando limpeza nos lares brasileiros, são, aproximadamente,
três trabalhadoras domésticas para cada grupo de cem habitantes (Rara, 2019).
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),
quase 70% das trabalhadoras domésticas são negras, sendo que 80% não
têm contrato formalizado de trabalho, portanto, encontram-se sem proteção
social e sem direitos trabalhistas assegurados. Isto também se reflete no caso
de meninas que, antes dos 18 anos, saem de seus lares para trabalhar e morar
em outras casas, configurando uma das piores formas de trabalho infantil:
em 2015, 88,7% das trabalhadoras domésticas, entre 10 e 17 anos, eram
meninas, e dessas, 71% eram negras (IBGE, 2019). Em cidades como Rio de
Janeiro e São Paulo, são pessoas que migraram do Norte e Nordeste – lugar
do qual boa parte da população escravizada foi trazida para ocupar os postos
de trabalho mais aviltados na saída da escravidão e na entrada da liberdade no
488

pós-abolição, constituindo a dinâmica social que marca, até hoje, as relações


do trabalho doméstico (Ariza, 2012).
Uma situação emblemática aconteceu durante as exigências sanitárias
de isolamento social por conta da pandemia do Covid-19 no Brasil. Muitos
trabalhadores foram liberados da frequência ao trabalho, apenas as ativida-
des consideradas essenciais foram mantidas. Neste contexto, houve quem
defendesse o trabalho doméstico como essencial, a ponto de termos que nos
defrontar com uma tragédia envolvendo uma criança de 5 anos, Miguel.
A mãe de Miguel, Mirtes Renata Santana de Souza, continuou a trabalhar

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para a patroa e, com as atividades escolares suspensas, precisou levar seu filho
ao trabalho. Na ocasião, a patroa pediu para que Mirtes levasse o cachorro da
família para passear enquanto o menino ficaria aos seus cuidados. Ao chamar
pela mãe, Miguel foi deixado sozinho no elevador pela patroa, que apertou um
botão qualquer antes de voltar a fazer as unhas com sua manicure. A tragédia
anunciada aconteceu: Miguel caiu do 9. andar de um prédio de luxo em Recife.
A patroa, após pagar fiança de 20 mil, responde em liberdade pela acusação de
abandono de incapaz com resultado de morte. Em entrevista, Mirtes explicita
a consciência da desigualdade que vive, pois sabe que, se fosse ela a deixar
o filho da patroa no elevador, já estaria presa (Bianconi, 2020).
O “Caso Miguel” é um analisador importante dos lugares racializados
e ideologicamente determinados pelas relações que caracterizam o trabalho
doméstico. O processo ocorre em 3 esferas penais: (1) Trabalhista – ação do
Ministério Público do Trabalho contra uma série de ilícitos que explicitam a
discriminação, a segregação e o preconceito estrutural que envolvem as rela-
ções de trabalho. (2) Cível – processo que diz respeito aos danos materiais
e danos morais sofridos pelos pais e avó de Miguel, após denúncia de crime
de racismo, em nota assinada por mais de 100 organizações. (3) Criminal –
denúncia do Ministério Público de Pernambuco contra a patroa, com acusação
de abandono de incapaz com resultado de morte, incluindo agravantes de
crime contra criança durante calamidade pública, levando em consideração
a pandemia do novo coronavírus.
“Miguel é filho do Brasil”, como diz Mirtes, assim como muitos filhos
que são criados sozinhos por mulheres que trabalham como domésticas. Seu
caso é o retrato da desumanização que marca a história das infâncias negras
brasileiras, as quais, deixadas à sua própria sorte, repetem o ciclo de exclusão
e subalternidade. Assim foi com Mirtes, que seguiu os passos de sua mãe e
juntas trabalhavam na mesma Casa Grande. Por causa da pandemia, fora obri-
gada a levar Miguel para o trabalho – uma proximidade suficiente para que
ele, desde criança, aprenda a respeitar a fronteira do permitido/proibido dentro
da casa do patrão, mas insuficiente para que a patroa se sinta responsável por
assegurar sua proteção, responsabilidade que é de todos nós.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 489

O cenário do crime, que lembra o dos filmes aqui analisados, retrata o


período colonial, quando as sinhás se utilizavam de mucamas para cuidar de
seus caprichos, como pentear os cabelos, arrumar as roupas, servir as refeições,
fazer as unhas e levar os cachorros para passear. Naturaliza-se o servilismo,
sem assumir o fato de que ter alguém, socialmente menos favorecido, tra-
balhando para si, se assemelha às relações de poder entre senhores e servos,
presentes desde o período escravocrata e atualizadas sob a forma de trabalho
doméstico e outros empregos mal remunerados.
Mirtes exercita também, após a tragédia que acometeu a sua vida, o
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ciclo de resistências estruturais em contraposição ao racismo estrutural. Em


entrevista ao jornal, conta de sua escolha pela carreira de direito: “Acabei
escolhendo o direito porque senti na pele as injustiças e a morosidade do
sistema” (Meireles, 2020).

Considerações finais

Neste capítulo colocamos na nossa agenda de luta antirracista a violência


(simbólica e física) de gênero direcionada para uma categoria específica: as
trabalhadoras domésticas. Violência que se traveste em ambivalência afetiva,
em conflitos entre o espaço privado e o espaço público. Escolhemos para
tanto, filmes críticos à desigualdade social e econômica e que explicitam a
nossa tradição escravocrata.
Como afirma Ribeiro: “Não dá para lutar contra o que não se pode dar
nome” (2019, p. 19), assim, dar nome a um tipo de opressão e violência dire-
cionadas às trabalhadoras domésticas é um modo de desconstruir as estruturas
das sociedades escravocratas no sentido de engendrar um projeto de sociedade
abolicionista.
O que problematizamos neste capítulo são as relações de poder implícitas
ou explícitas que se perpetuam entre gerações de mulheres que dependem do
trabalho uma das outras. Em síntese, nós, três autoras brancas, exercitamos
a nossa responsabilidade em uma escrita antirracista permeada pelo espectro
dos (as) opressores (as) que internalizamos e que insiste em permanecer nas
nossas entranhas.
490

REFERÊNCIAS
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-o-dever-de-ajudar-o-proximo.ghtml?utm_source=twitter&utm_medium=so-
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« PRESQUE DE LA FAMILLE »:
les violences à l’égard des
travailleuses domestiques rendues
(in)visibles par nos blanchités
Jaquelina Maria Imbrizi
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Adriana Rodrigues Domingues


Ana Lucia Gondim Bastos

Introduction

Certaines productions cinématographiques argentines, brésiliennes et


mexicaines, apparues principalement depuis l’an 2000, ont donné visibilité à
l’exploration quotidienne des travailleuses domestiques. Considérées comme
« presque de la famille », ces femmes subissent une série d’humiliations et de
contraintes dans leur travail quotidien, où l’ambivalence d’affects est autorisée
par le social. Du côté des maitresses de maison, une chaine d’oppression,
d’amour et de haine transmise d’une génération à l’autre. Du côté des maitres,
des traces d’un passé esclavagiste où la chambre de bonne est un raccourci
vers les violences sexuelles. Il s’agit de l’ambivalence des affects et d’une
forme spécifique de violence de genre à l’égard des femmes.
Dans ce chapitre nous allons analyser des films qui dénoncent l’inégalité
sociale et économique avec l’objectif de penser les violences physiques et
symboliques à l’égard des travailleuses domestiques. Les films choisis mettent
en scène une déconstruction du destin social naturalisé et prédéterminé de
cette catégorie. Ils représentent les domestiques comme protagonistes de leur
propre histoire. Ils abordent la déchirure dans la chaine de l’humiliation où la
seule possibilité de survie des grands-mères, mères et filles est de se soumettre
aux conditions de travail infligées aux domestiques. L’analyse filmique sera
réalisée avec les outils de la psychanalyse en interface avec les questions de
race, de genre et de classe sociale telles qu’elles sont soulevées par l’inter-
sectionnalité du féminisme noir.
Pour Rosa (1990) la psychanalyse impliquée met en question la place de
l’écoute, de la parole et de l’écriture des psychanalystes femmes empêtrées
dans les rapports de pouvoir dans le capitalisme contemporain. Alors, dans ce
texte, il s’agit ainsi de questionner le lieu de parole des auteures : trois femmes
blanches, de classe moyenne, enseignantes-chercheuses, passionnées par le
septième art et formatrices dans les espaces de formation psychanalytique.
494

Aussi, pour accomplir leur recherche, elles font appels à des travailleuses
domestiques pour nettoyer et organiser leur maison. Il s’agit alors de ques-
tionner les privilèges de la blanchité qui irriguent la trajectoire de chaque
auteure de ce chapitre en s’interrogeant sur les violences dont sont victimes
les travailleuses domestiques majoritairement noires. Il s’agit également de
remettre en lumière la question posée par Grada Kilomba : « Comment puis-je
déconstruire mon propre racisme ? » (2019, p. 46) [Notre traduction]. L’artiste
considère le racisme non comme une question morale mais comme un proces-
sus psychologique qui demande un travail psychique et social, et est lié à la

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responsabilité de chaque femme face aux différentes oppressions auxquelles
sont soumises les femmes noires. « Ce processus implique une révision cri-
tique profonde de notre perception de nous-mêmes et du monde. Il implique
de percevoir que même ceux qui cherchent activement à avoir une conscience
raciale ont déjà probablement fait subir des violences à des groupes opprimés »
(Ribeiro, 2020, p. 12). Ainsi, nous, les auteures de ce chapitre, utilisons ici
notre lieu d’écriture privilégiée pour faire alliance avec la lutte antiraciste et
pour rompre avec l’épistémicide qui prévaut dans le milieu académique et
fait taire la production de savoir liée au féminisme noir.
L’élaboration de plans d’actions antiracistes, tout comme l’accent sur la
problématisation des oppressions (in)visibles (Kilomba, 2019), devraient être
une priorité dans le mouvement de responsabilisation mutuelle. Une action
importante de l’agenda antiraciste est de questionner sur la manière dont les
productions audiovisuelles présentent les personnages pauvres et les personnages
noires. Dans son documentaire A Negação do Brasil (La Négation du Brésil),
Joel Zito Araujo (2000) souligne le rôle de subordination relégué aux acteurs
et actrices noires dans les feuilletons télévisés : les femmes noires apparaissent
souvent dans le rôle d’une domestique ou d’une femme noire au corps sculptural,
traitée comme objet dans la trame. Le réalisateur dénonce les stéréotypes et la
façon dont les acteurs et actrices noires sont représentés à l’écran. Il est question
non seulement de dénoncer les rôles réservés aux acteurs noirs, mais il est ques-
tion également de la lutte pour une meilleure représentativité (Ribeiro, 2020).

Les femmes noires qui font éclater le masque du silence


Notre parole fait éclater le masque du silence. Je pense les féminismes
noirs comme étant cet éclatement, cette fracture, cette déstabilisation, cette
parole qui passe à travers les orifices du masque. (Conceição Evaristo, 13
mai 2017, Carta Capital).

Grada Kilombola (2019) féministe noire qui dénonce les épisodes de


racisme contemporain, fait une analogie entre le masque de fer d’Anastasia,
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 495

une esclave travaillait dans les plantations, et les silences imposés et auto-im-
posés par le mouvement de socialisation de la population noire. Anastasia
portait un masque qui l’empêchait à la fois de parler et de se nourrir.
Au Brésil, la chambre de bonne, seul endroit réservé aux domestiques
et l’obligation de porter un uniforme sont le spectre du masque d’Anasta-
sia. Cependant, l’on trouve des féministes noires qui brisèrent le masque du
silence (Ribeiro, 2018) et se libérèrent du destin social réservé aux généra-
tions qui voient dans le travail domestique leur seul moyen de survie : Lélia
Gonzales, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro et Preta Rara.
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Ces femmes noires rompirent avec la transmission intergénérationnelle du


travail précaire comme seul moyen de survie et utilisèrent leur lieu de parole
pour dénaturer l’oppression et la violence à l’égard des femmes. Le lieu de
parole n’étant pas ce qui définit qui peut parler ou qui représente un certain
type de souffrance mais, selon la place sociale, il impose des manières de voir
le monde et de construire des jugements de valeur. De plus, elles sont des
intellectuelles noires qui luttent pour bousculer le naturel et les structures car
« Quand la femme noire bouge, toute la structure de la société bouge avec
elle » affirma Angela Davis (cité dans Alves, 2017).
Preta Rara (2019) dévoile dans son livre des situations vécues par celles
qui sont « presque de la famille » : l’interdiction de manger la même nour-
riture que leurs maîtres, les moments passés avec leurs enfants alors que ses
propres enfants sont à la crèche, le non-respect du nombre d’heures prévues
pour une journée de travail et l’indistinction entre les espaces publics et privés.
Il convient de souligner ce sur quoi Sueli Carneiro (cité dans Ribeiro, 2019)
nous met en garde lorsqu’elle défend un féminisme noir : si l’une des lignes
directrices relatives à la lutte féministe est le droit de travailler et d’occuper
l’espace public, n’oublions pas que le travail fut imposé à la femme noire dès
son enfance et adolescence, comme c’est le cas de nombreuses travailleuses
domestiques qui rentrèrent dans le monde du travail en échange uniquement
d’un lieu pour dormir et manger.

De quelle femme parlons-nous et comment est-elle représentée


dans les productions audiovisuelles
Cet homme là-bas dit que les femmes ont besoin d’être aidées pour
monter en voiture, et qu’on doit les porter pour passer les fossés, et
qu’elles doivent avoir les meilleures places partout. Personne ne m’aide
jamais à monter en voiture, ou à passer les fossés, ou ne me donne
une meilleure place. Et ne suis-je pas une femme ? (Sejourner Truth, 3
mai 2015, Infokiosqus.net)
496

Sojourner Truth, ex-esclave américaine, devenue abolitionniste, féministe


et prêcheuse pentecôtiste, soulève une question encore aujourd’hui difficile à
articuler aux discussions de genre qui exigent une parité de droits entre hommes
et femmes. La femme pauvre et généralement noire qui s’occupe des enfants
et de la maison de ses maitres et qui doit également s’occuper de ses propres
enfants et de sa maison afin que son mari puisse se reposer de sa journée de
travail est victime d’élitisme et de racisme structurel la journée et de machisme
structurel la nuit (Akotirene, 2019). La maitresse de maison, idéalisée comme
une femme belle et intelligente qui mérite d’être bien traitée, en règle générale,

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a du mal à reconnaitre sa situation privilégiée. Par conséquent, elle entre dans
un processus de déni socialement légitimé, par lequel elle se sent la bienfaitrice
puis qu’elle offre les conditions de base pour assurer la survie de quelqu’un.
Les pays dont l’histoire est sanglante et où les cultures des peuples subju-
gués par les colonies sont effacées ont leur matrice esclavagiste explicitée dans
les relations de pouvoir entre les maitresses de maison (les descendants des
anciens seigneurs d’esclaves) et ses employées domestiques, traitées encore
comme les mucamas esclaves d’autrefois. La chambre de bonne et les ascen-
seurs de service sont des aberrations architectoniques de la Casa Grande et
ses senzalas modernes.
Tout au long du documentaire Doméstica réalisé par Gabriel Mascaro
(2012), nous suivons avec émotion les travailleuses domestiques et leur
relation maternelle avec les enfants propriétaires de la Casa Grande. Nous
voyons ces femmes rejoindre leur chambre où se trouvent également des
outils de travail comme la table à repasser et l’aspirateur. Le rêve d’avoir sa
propre maison, ses propres enfants ou un autre métier, est souvent remis à
plus tard, voire abandonné, car en définitive, une bonne ne doit que répondre
aux besoins de ses maîtres.
Dans le court-métrage Como se fosse da familia (Riff & Onça, 2014), le
personnage Vanderleia dos Santos, femme de ménage et nourrice depuis ses 14
ans dans une même famille, parle des ambiguïtés du sentiment de protection et
de soumission, du renoncement et de la négation de sa propre vie, de sa famille
et du désir d’avoir son propre noyau familial. Comme Vanderleia, des milliers
d’enfants et adolescents issus du Nord et du Nord-Est du Brésil émigrèrent dans
le Sud-Est brésilien pour travailler dans les maisons des riches, et beaucoup
d’entre eux furent contraints d’oublier leur famille d’origine et d’assimiler la
famille de ses maîtres. Il est possible d’entendre, dans les mots prononcés naï-
vement par la patronne, combien Vanderleia est assujettie, dans une relation
perverse acceptée socialement. Un témoignage qui révèle le pouvoir des patrons
dès le moment de l’embauche : « Tu seras très bien payée à condition d’y rester
pour toujours » et l’asservissement de l’employée : « Vander était ma télécom-
mande, je lui demandais tout ce dont j’avais besoin » ou encore « Je me rendais
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 497

aux réunions de son Lycée pour expliquer qu’elle ne disposait pas du même
temps que les autres élèves pour faire ses devoirs, car elle devait s’occuper de
la maison et des enfants ». Des phrases qui choquent le spectateur. Aurea, 64
ans, parle de l’amour qu’elle portait aux enfants de son employeur depuis leur
plus jeune âge. Aujourd’hui à la retraite, elle montre des photos de cette époque
et exprime la nostalgie des enfants qui ont grandi : « Le lien professionnel étant
rompu, il en fut de même pour le lien familial ».
Le film brésilien Une seconde mère réalisé par Anna Muylaert (2015),
retrace avec délicatesse la relation des domestiques, héritières de la place de la
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« Mère Noire » du Brésil colonial, avec ses propres enfants et avec les enfants de
la maitresse de maison. L’histoire se passe, cette fois-ci, dans la haute bourgeoisie
de São Paulo et tourne autour du moment où Jessica, la fille de la domestique,
arrive à São Paulo pour continuer ses études. Jessica fut élevée par sa famille dans
sa ville natale, loin de sa mère, qui dut quitter la maison pour trouver un travail et
lui offrir des meilleures conditions de vie. Dès son arrivé Jéssica met en question
la place attribuée aux domestiques. Elle critique le système et la stratification
sociale, est consciente de la ségrégation qu’elle subit, dont sa mère ne peut pas
s’en rendre compte. « Pas de vague », c’est l’injonction de Val à sa fille pour lui
dire d’accepter la situation tel qu’elle est. Et lorsque Jéssica lui demande quand
avait-elle appris que dans la maison du patron on ne peut pas s’assoir ici ou
manger ça, Val répond : « On n’apprend pas, on naît en sachant ». Le fils de la
patronne, qui a presque le même âge que Jéssica, reçut de Val l’amour maternel
et les soins quotidiens qu’elle ne put pas offrir à sa fille. Face aux provocations
de Jéssica, Val rompt avec son destin social prédéterminé et choisit de quitter la
position d’assujettissement. Elle devient la protagoniste de sa vie. Elle décide
d’avoir son foyer, de vivre avec sa fille et de voir grandir son petit-fils. Jéssica
n’émigra point pour occuper un sous-emploi ou répéter l’histoire de sa mère,
mais pour occuper la chambre d’amis et suivre des cours d’architecture à l’uni-
versité. Ce sont des histoires de vie et de fiction qui présentent des narrations qui
« brossent à rebrousse-poil » l’histoire, en analogie à l’aphorisme du philosophe
Walter Benjamin (1994) lorsqu’il se réfère au récit, à la première personne du
pluriel, des perdants de l’histoire officielle.
Le film argentin Les crimes qui nous lient (Schindel, 2020), basé sur
une histoire vraie, apporte dans son scénario des dissimulations par rapport
à diverses violences infligées aux femmes. Le film montre trois femmes : la
femme blanche de classe moyenne qui subit des violences domestiques et
dénonce son mari blanc plus riche qu’elle ; la femme qui est la mère de ce mari,
blanche, de classe sociale supérieur, et enfin, la domestique, blanche, qui habite
avec son fils dans la chambre de bonne, et qui est soupçonnée d’infanticide.
Ainsi, en plus de ces questions épineuses qui relient la domination violente à
des récits de maternité possible, le film aborde également d’autres situations
498

d’oppression qui ont trait aux inégalités sociales reflétées dans le microcosme
de l’employeur et l’employée et aux violences sexuelles envers les domestiques.
La question de la blanchité se pose ici de manière particulière, puisqu’elle
place la question de la race par rapport à l’origine. « Être blanc et occuper la
place symbolique de la blanchité, ce n’est pas quelque chose établie seule-
ment par des questions génétiques, mais surtout par les positions et les places
sociales qu’occupe le sujet » (Shucman, 2012, p. 23) ; c’est aussi être béné-
ficiaire d’un système de privilèges qui a à voir avec les rapports de pouvoir
local. Ainsi, la domestique à la peau claire, venant des endroits pauvres du

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pays à la recherche d’un lieu plus développé économiquement, est reçue par
son employeur « bienveillant et éduqué », encore plus blanc qu’elle.
Le court-métrage Babás (2010) de Consuelo Lins, commence par une
photo du XIX siècle d’une « Mère Noire » assise et, débout, accroché à son
bras, un enfant blanc, la tête appuyée sur son épaule droite. Et cette phrase :
« Presque tout le Brésil tient dans cette photo ». La réalisatrice, élevée par
une nourrice, confie, à son tour, ses enfants à une nounou. Dans son film elle
révèle les contradictions explicites entre son histoire et celle des nourrices qui
l’élevèrent, donnant ainsi une visibilité aux anomalies d’un contexte social
qui a des racines historiques qui se répètent jusqu’à nos jours, transformées et
actualisées. Avec des images tirées d’archives personnelles et nationales, telles
que des photographies d’enfants et leurs nourrices et des offres d’emploi pour
les nourrices, Lins dépeint l’invisibilité historique de ces domestiques dans
le contexte brésilien et les inégalités toujours présentes. Cherche « jeune fille
célibataire » souhaitant devenir « nourrice uniformisée (pas uniquement l’aspect
vestimentaire), avec des fonctions et des responsabilités dès son arrivée chez
l’employeur » (Souto, 2020). Il s’agit d’un processus de « blanchiment » des
vêtements et d’« aseptisation » des employées, accompagné d’un effacement
des singularités. Et pour celles qui habitent chez l’employeur, il s’agit également
de les empêcher d’avoir des relations en dehors de son environnement profes-
sionnel, notamment des relations amoureuses. Pour Souto (2020), l’expression
« presque de la famille » est une façon d’adoucir les ordres, d’imposer une
proximité affective qui masque les hiérarchies et les abus d’autorité, brouille les
frontières entre l’espace public et l’espace privé, entre la vie professionnelle et
personnelle et confond les attentes concernant les droits et les devoirs de chacun.
Le film Roma du réalisateur mexicain Alfonso Cuarón (2018), dépeint
le quotidien d’une famille de classe moyenne supérieur dans les années 1970.
La protagoniste est Cléo, un mélange de nounou et de femme de ménage qui
passe son temps à s’occuper des tâches ménagères dans l’énorme maison de
deux étages de ses employeurs. L’image du parking de maison, constamment
sale de crottes du chien, reflète le travail invisible et infatigable des travail-
leuses domestiques. Plus elle nettoie, plus le parking se salit. Le réalisateur
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 499

ne nous épargne guère d’assister à la scène où la maîtresse de maison, d’une


voix altérée, se plaint des excréments qui salissent les roues de la voiture de
son mari. Nous suivons du regard notre protagoniste dont le scénario ne dit
pas qu’elle rompt avec son destin social, cependant la caméra est placée si
près de son visage que nous pouvons sentir sa respiration et sa souffrance.
La scène de la plage, qui est aussi la photo publicitaire du film, est
emblématique de l’ambivalence des affects envers les domestiques. On y
voit une étreinte collective après que deux enfants ont échappés à la noyade.
Cléo évite une tragédie avec les enfants de son employeur mais pleure sa
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propre fille mort-née. Il s’agit d’une autre situation emblématique, car, tout
comme les femmes esclaves du Brésil colonial qui n’avaient pas le temps de
s’occuper de leurs propres enfants, Cléo devait disposer de toute son énergie
pour garder et éduquer les enfants de ses maîtres.
Le film de Cuarón présente un autre élément : Cléo n’est pas d’origine
noire mais indigène. Elle représente une population pauvre du Mexique qui se
bat pour le droit à la terre. Quelques scènes nous font voir la nostalgie qu’elle
ressent pour sa mère qui vit dans un village éloigné et qui a perdu la posses-
sion d’un morceau de terre. Le problème racial poignant est celui des peuples
autochtones, souvent expulsés de leurs terres, obligés d’exercer une résistance
structurale. Le film, qui a comme protagoniste une femme de ménage et ses
tourments, parle de résistance politique. Il reste aux spectateurs de chercher
un peu de sensibilité et de ne pas reproduire dans la vie réelle les violences
exposées sur grand écran. Ce n’est qu’alors que la vie n’imitera pas l’art.

Quand la vie imite l’art

Les scènes de la vie quotidienne décrites dans les films ci-dessus repré-
sentent le véritable drame et la vraie tragédie de nombreuses travailleuses
domestique. Au Brésil, le travail domestique est aussi vieux que l’esclavage
et continue à être perpétué par l’inégalité sociale. Il s’actualise dans l’énorme
contingent de femmes qui travaillent dans les foyers brésiliens. Aujourd’hui,
on compte environ trois travailleuses domestiques pour chaque groupe de
cent habitants (Rara, 2019).
Selon les données de l’enquête annuelle auprès des ménages, la PDNA
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios), au Brésil, près de 70% d’entre
elles sont noires, dont 80% n’ont pas signé un contrat de travail, ce que les
prive de la protection sociale liée à l’exercice d’une activité professionnelle,
et du respect par l’employer du droit du travail. Un grand nombre de jeunes
filles de moins de 18 ans quittent leur foyer pour travailler et vivre dans
d’autres maisons. Cela constitue l’une des pires formes de travail des mineurs :
en 2015, 88,7% des employées de maison âgées de 10 à 17 ans étaient des filles,
500

dont 71% noires (IBGE 2019). Dans les grandes villes comme São Paulo et
Rio de Janeiro, celles-ci migrent des régions Nord et Nord-Est, où une grande
partie de la population ex-esclave arriva lors de la sortie de l’esclavage et de
l’acquisition de la liberté, dans la période post-abolition, pour réaliser les tâches
de travail les plus dégradantes. Cela constitue la dynamique sociale qui marque,
jusqu’à aujourd’hui, les relations de travail des domestique (Ariza, 2012).
Une situation emblématique se produisit en cette période de confinement
en tant que mesure sanitaire de lutte contre la Covid 19 au Brésil. Des nom-
breux travailleurs furent libérés de leur obligation de se rendre sur leur lieu de

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travail, seules les activités considérées comme essentielles furent maintenues.
Dans ce contexte, il y eut ceux qui défendaient le travail domestique comme
étant essentiel jusqu’au moment où nous fûmes confrontés à une tragédie
impliquant Miguel, un enfant de 5 ans.
La mère de Miguel, Mirtes Renata Santana de Souza, continua à travailler
pour son employeur et, les activités scolaires étant suspendues, elle emmena
son fil avec elle. Le jour de l’accident, la maitresse de maison demanda à
Mirtes de promener le chien de la famille pendant que le garçon serait sous sa
surveillance. Lorsque Miguel supplia sa mère, elle mit l’enfant dans l’ascen-
seur et appuya sur un bouton au hasard avant de retourner faire ses ongles avec
son esthéticienne. La tragédie annoncée se produisit : Miguel tomba du 9ème
étage d’un immeuble de luxe à Recife. L’employeur, accusée de délaissement
de mineur suivi de mort, versa une caution d’un montant de 20.000 réal brési-
lien et bénéficia d’une remise en liberté jusqu’au procès. Dans une interview,
Mirtes parle de l’inégalité à laquelle elle a été confrontée. Elle est consciente
que si c’était l’inverse, si c’était elle qui avait laissé l’enfant de sa patronne
seul dans l’ascenseur, elle serait indubitablement détenue (Bianconi, 2020).
A partir du « cas Miguel » il nous est possible d’analyser les places
racialisées et idéologiquement déterminées par les relations qui caractérisent
le travail domestique. Les poursuites sont menées à la fois au civil et au
pénal : 1) Droit Civil – engagement des poursuites concernant les préjudices
moraux et matériels subis par les parents et la grand-mère de Miguel, après
leur dénonciation d’un crime de racisme dans un document signé par plus
de 100 associations. 2) Droit pénal du travail – le ministère public engage des
poursuites contre l’employer pour des nombreuses infractions explicitant la
discrimination, la ségrégation et le préjugé structurel qui affectent les rela-
tions de travail. 3) Droit pénal – Une action menée par le ministère public
du Pernambuco contre l’employeur, accusé de délaissement de mineur suivi
de mort, avec un fait aggravant : crime contre mineur lors d’une situation de
calamité publique, en prenant en compte la pandémie du nouveau coronavirus.
« Miguel est fils du Brésil » dit sa mère, en faisant allusion aux nombreux
enfants qui grandissent seuls car enfants des femmes qui travaillent comme
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 501

domestiques. Ce drame est le portrait de la déshumanisation qui marque l’histoire


des enfants noirs brésiliens qui, livrés à eux-mêmes, répètent le cycle d’exclusion
et d’asservissement. Cela fut le cas de Mirtes, qui suivit les traces de sa mère.
Elles travaillaient ensemble dans la même Casa-grande. A cause de la pandémie,
Mirtes fut obligée d’emmener Miguel à son travail – un voisinage assez proche
pour que lui, dès son jeune âge, apprenne à respecter la limite du permis/interdit
chez l’employeur, mais pas assez pour que l’employeur se sente responsable pour
assurer sa protection, une responsabilité qui nous incombe à tous.
La scène du crime nous rappelle celles des films analysés dans ce texte.
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Elle dépeint la période coloniale, lorsque les sinhas utilisaient les mucamas
pour s’occuper de leurs caprices, comme se peigner, préparer les vêtements,
servir le repas, faire les ongles et promener le chien. La servilité devient
naturelle, empêchant ainsi de reconnaitre la similitude entre avoir quelqu’un
socialement moins favorisé à son service et les relations de pouvoir entre
maitres et esclaves, présentes depuis l’esclavage et encore en œuvre sous la
forme du travail domestique et d’autres emplois mal rémunérés.
Après le drame, Mirtes s’engagea dans un mouvement de résistances struc-
turelles en opposition au racisme structurel. Dans un interview pour la presse
écrite, elle raconte son choix d’entamer des études en droit : « Je finis par choisir
le droit car j’éprouvai les injustices et la lenteur du système » (Meireles, 2020).

Considérations finales

Ecrire ce chapitre fait partie de notre lutte antiraciste contre la violence


de genre, qu’elle soit symbolique ou physique, à l’égard d’une catégorie
spécifique : les travailleuses domestiques. Une violence camouflée à travers
l’ambivalence d’affects et les conflits entre l’espace public et l’espace privé.
Nous choisîmes pour cela d’analyser des films qui soulèvent une critique
des inégalités sociales et économiques et qui ne masquent pas ce que nous
héritâmes de l’esclavage, car « Il est impossible de lutter contre ce qui ne
peut pas être nommé », comme l’affirme Ribeiro (2020, p. 23). Ainsi, nommer
l’oppression et la violence à l’encontre des travailleuses domestiques est une
façon de déconstruire les bases des sociétés esclavagistes afin de construire
un projet pour une société abolitionniste.
La question soulevée dans ce chapitre, ce sont les relations de pouvoir
implicites ou explicites qui se perpétuent entre les générations de femmes qui
dépendent du travail des unes et des autres. En résumé, nous, trois auteures
blanches, exerçons notre responsabilité dans une écrite antiraciste hantée par
le spectre des oppresseurs hommes et femmes qui nous intériorisâmes et qui
s’obstine à demeurer dans nos entrailles.
502

RÉFÉRENCES
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-o-dever-de-ajudar-o-proximo.ghtml?utm_source=twitter&utm_medium=so-
cial&utm_campaign=g1&fbclid=IwAR0gsmj75xmfw9yQ1cnfmJimiQ9tni-
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Version française établie par Christiane Cardoso.


ÍNDICE REMISSIVO

A
Abuso sexual 130, 246, 276, 277, 280, 281, 282, 296, 297, 298, 356, 433, 458
Alteridade 10, 16, 17, 21, 35, 36, 69, 103, 130, 131, 132, 159, 167, 172, 193,
194, 196, 197, 198, 203, 209, 272, 303, 346, 408, 430
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C
Caso clínico 18, 245, 250, 252, 265, 267, 275, 279, 295
Ciclo da violência 19, 300, 301, 302, 305, 308, 309, 501
Complexo de Édipo 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 95, 156, 346
Consciência 97, 166, 399, 405, 428, 432, 433, 437, 459, 462, 465
Corpos 16, 34, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 68, 69, 92, 98, 130, 132, 164, 167, 205,
348, 356, 378, 399, 400, 404
COVID-19 7, 11, 15, 18, 23, 26, 195, 196, 210, 217, 218, 233, 240, 241,
242, 249, 254, 255, 256, 257, 264, 274, 290, 378, 388, 465, 487
Crianças 95, 129, 157, 246, 247, 280, 281, 296, 297, 432, 461, 462, 463,
464, 495, 503, 515
Cultura 15, 16, 20, 33, 34, 40, 54, 69, 93, 94, 100, 139, 152, 160, 163, 165,
166, 167, 168, 169, 170, 171, 191, 192, 196, 199, 200, 207, 242, 247, 256,
269, 271, 277, 278, 346, 348, 350, 351, 379, 404, 406, 409, 423, 426, 427,
428, 429, 430, 431, 433, 436, 438, 439, 454, 455, 467, 468, 479, 493, 494,
495, 496, 497, 498, 499, 500, 501, 503, 504, 505, 509, 510, 511, 512, 513,
515, 516

D
Denegação 13, 16, 20, 166, 426, 427, 428, 429, 431, 433, 434, 435, 436
Devastação 62, 133, 135, 136, 158, 168, 170, 172, 191, 193, 325, 330, 341, 381
Domésticas 13, 20, 101, 271, 352, 431, 458, 459, 460, 463, 464, 465, 466
Dominação 20, 91, 92, 93, 160, 165, 166, 198, 199, 200, 210, 233, 248, 322,
384, 398, 400, 401, 402, 404, 405, 407, 427, 429, 430, 431, 432, 437, 462

E
Empregada 166, 405, 433, 460, 461, 462, 463, 464, 468, 480
506

Enfrentamento 16, 19, 128, 198, 220, 241, 242, 248, 250, 252, 255, 265,
267, 268, 278, 301, 302, 303, 310, 321, 426, 500
Escravidão 20, 398, 399, 402, 407, 410, 424, 426, 427, 429, 433, 434, 464

F
Fantasia 9, 16, 17, 61, 62, 64, 65, 68, 91, 94, 95, 96, 97, 98, 100, 102, 103,
104, 105, 124, 154, 167, 168, 172, 193, 210, 233, 248, 269, 381, 429
Feminilidade 54, 55, 56, 59, 61, 62, 65, 69, 99, 156, 168, 170, 171, 191, 192,

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325, 328, 330, 341, 380, 386, 396, 400
Feminino 3, 4, 9, 10, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 31, 34, 38, 53, 54, 55, 56, 57,
58, 59, 61, 62, 64, 65, 67, 69, 93, 94, 95, 97, 98, 99, 100, 102, 103, 104, 128,
129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 142, 154, 155, 157, 158, 159, 161, 162,
167, 168, 169, 172, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 203,
204, 205, 206, 207, 209, 210, 233, 241, 247, 271, 322, 323, 327, 328, 329,
352, 353, 354, 356, 357, 382, 400, 458
Feminismo 4, 20, 21, 42, 52, 58, 162, 163, 170, 171, 191, 192, 210, 233,
385, 386, 396, 409, 423, 430, 432, 439, 448, 455, 458, 460, 468, 480

G
Gênero 3, 4, 7, 9, 10, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 41, 42, 52, 55, 69, 71, 91, 92,
93, 94, 95, 97, 101, 104, 154, 157, 161, 162, 163, 164, 168, 169, 170, 191,
194, 195, 196, 198, 200, 202, 204, 205, 208, 210, 214, 218, 233, 237, 240,
242, 243, 246, 248, 249, 250, 264, 265, 268, 310, 321, 327, 344, 347, 351,
352, 358, 359, 360, 375, 376, 377, 383, 385, 386, 396, 400, 404, 405, 409,
423, 426, 431, 432, 434, 436, 437, 458, 461, 466, 499, 500, 502
Gozo 17, 18, 19, 56, 58, 59, 62, 63, 65, 68, 98, 100, 128, 130, 131, 132, 133,
134, 135, 136, 157, 168, 169, 172, 193, 196, 197, 198, 200, 201, 202, 203,
205, 206, 207, 208, 209, 210, 233, 244, 326, 327, 328, 329, 348, 349, 380,
386, 396, 429, 431, 432, 433

I
Identidade 37, 58, 93, 94, 156, 157, 162, 163, 164, 170, 191, 210, 233, 271,
325, 360, 377, 381, 382, 386, 396, 399, 401, 403, 404, 410, 424, 436, 439,
440, 455, 456
Inconsciente 34, 38, 42, 52, 53, 54, 58, 59, 94, 95, 96, 98, 99, 104, 105, 118,
124, 166, 168, 188, 200, 211, 234, 272, 307, 323, 329, 333, 339, 381, 383,
403, 426, 428, 429, 445
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 507

L
Linguagem 40, 42, 52, 58, 59, 131, 132, 133, 135, 155, 157, 158, 165, 166,
168, 171, 192, 248, 250, 265, 322, 323, 330, 341, 352, 383, 428, 440, 456

M
Masoquismo 18, 154, 155, 161, 168, 172, 193, 199, 200, 201, 206, 212, 235
Mulata 20, 166, 187, 405, 406, 407, 420, 431, 432, 433, 436
Mulher 9, 10, 12, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 33, 37, 38, 39, 42, 52, 54, 55, 56,
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58, 59, 60, 62, 63, 65, 68, 69, 91, 92, 93, 94, 95, 97, 98, 100, 101, 102, 103,
104, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 142, 154, 155, 156, 157,
158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 166, 167, 168, 169, 172, 193, 194, 195,
196, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 203, 205, 206, 207, 209, 210, 220, 233,
240, 241, 242, 243, 245, 246, 247, 248, 249, 250, 251, 252, 255, 256, 257,
260, 264, 265, 266, 267, 270, 271, 272, 278, 282, 298, 300, 301, 302, 303,
304, 305, 307, 308, 310, 314, 321, 322, 323, 324, 325, 326, 327, 328, 329,
346, 347, 348, 349, 351, 352, 353, 354, 355, 356, 357, 358, 375, 378, 379,
380, 381, 382, 383, 384, 385, 386, 396, 398, 402, 404, 405, 406, 407, 408,
409, 410, 419, 421, 423, 424, 426, 427, 429, 430, 431, 432, 433, 434, 435,
436, 438, 454, 460, 461, 462, 467, 468, 479, 497, 499, 512
Mulheres negras 20, 38, 39, 40, 42, 52, 131, 162, 164, 166, 240, 400, 404,
405, 406, 407, 408, 409, 423, 431, 433, 435, 439, 447, 455, 459, 460

O
Ódio ao feminino 3, 4, 10, 15, 17, 18, 21, 128, 194, 196, 197, 201, 203, 205,
210, 233, 327

P
Pandemia 7, 15, 41, 132, 139, 152, 195, 196, 210, 214, 218, 233, 237, 240,
241, 242, 274, 378, 465
Patriarcado 19, 20, 36, 160, 195, 197, 203, 204, 241, 384, 385, 386, 396,
400, 427, 431, 432
Política 11, 12, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 33, 34, 41, 93, 156, 161, 163, 164,
169, 172, 193, 196, 199, 210, 212, 214, 233, 235, 237, 242, 244, 268, 271,
278, 300, 302, 303, 305, 331, 342, 346, 347, 350, 352, 357, 359, 376, 378,
383, 384, 385, 407, 426, 430, 436, 439, 455, 464, 467, 479, 494, 495, 496,
497, 498, 500, 501, 502, 503, 504, 515
População 20, 40, 167, 197, 198, 204, 208, 268, 270, 350, 352, 353, 355,
357, 399, 401, 404, 406, 407, 426, 436, 460, 464, 495
508

Psicanálise 4, 11, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 42, 52, 54, 56, 65, 69, 94, 95,
96, 106, 125, 128, 131, 133, 138, 139, 151, 152, 155, 158, 159, 160, 161,
162, 165, 166, 170, 171, 172, 191, 192, 193, 196, 201, 205, 206, 208, 210,
211, 212, 213, 214, 233, 234, 235, 236, 237, 242, 244, 246, 247, 248, 249,
250, 251, 252, 256, 264, 265, 266, 267, 268, 269, 270, 271, 277, 278, 279,
282, 295, 298, 301, 305, 306, 307, 308, 309, 310, 321, 322, 323, 324, 326,
330, 331, 341, 342, 346, 347, 349, 357, 359, 360, 376, 377, 382, 383, 384,
385, 386, 396, 426, 429, 431, 432, 436, 437, 439, 447, 455, 458, 468, 480,
494, 495, 496, 497, 498, 499, 500, 501, 502, 503, 504, 505, 509, 510, 511,

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512, 513, 515, 516
Psicologia 4, 15, 19, 36, 42, 52, 131, 132, 156, 168, 201, 211, 212, 234, 235,
242, 249, 256, 264, 269, 270, 274, 279, 280, 295, 296, 301, 304, 305, 310,
321, 348, 349, 357, 358, 359, 375, 376, 386, 396, 439, 455, 494, 495, 496,
497, 498, 499, 500, 501, 502, 503, 504, 505, 510
Psicologia das massas 201, 212, 235, 270, 280, 296, 348, 359, 376

R
Racismo 13, 16, 20, 34, 35, 38, 39, 40, 42, 52, 131, 133, 138, 139, 151, 152,
164, 166, 170, 171, 172, 191, 192, 193, 208, 241, 347, 398, 399, 400, 401,
402, 404, 406, 407, 410, 415, 424, 426, 427, 428, 429, 430, 431, 432, 433,
434, 435, 436, 437, 438, 439, 454, 455, 459, 461, 465, 466, 467, 479, 500
Reconhecimento 41, 56, 60, 61, 103, 104, 162, 204, 208, 245, 307, 328, 351,
399, 407, 439, 455
Recusa ao feminino 9, 16, 53, 56, 65
Representação 33, 36, 37, 65, 96, 98, 99, 131, 162, 165, 270, 355, 356, 383,
384, 402, 404, 405, 431, 433
Respeito 19, 20, 56, 93, 94, 104, 129, 132, 133, 134, 135, 141, 159, 167,
169, 248, 301, 302, 326, 328, 329, 356, 357, 383, 399, 431, 462, 465

S
Saúde 18, 241, 242, 248, 250, 251, 252, 265, 266, 267, 268, 269, 270, 272,
279, 281, 295, 297, 300, 302, 303, 310, 321, 323, 350, 357, 409, 423, 427,
439, 455, 494, 495, 496, 497, 498, 499, 500, 501, 503, 504, 505, 510
Sexismo 13, 20, 131, 166, 171, 192, 404, 406, 426, 427, 429, 431, 432, 433,
437, 438, 439, 454, 455
Sexualidade 56, 58, 59, 60, 61, 64, 71, 93, 95, 100, 134, 138, 151, 155, 156,
160, 161, 162, 168, 170, 171, 191, 192, 211, 234, 270, 279, 295, 324, 330,
341, 346, 347, 358, 359, 375, 376, 383, 384, 386, 396, 405
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 509

Silenciamento 17, 18, 38, 39, 154, 165, 245, 277, 278, 328, 357, 402, 404,
459, 460
Sociopolítica 271, 282, 298, 360, 377, 440, 456
Sofrimento 18, 133, 155, 161, 243, 244, 245, 269, 271, 275, 276, 277, 278,
282, 298, 304, 305, 306, 308, 323, 327, 360, 377, 382, 383, 407, 426, 427,
436, 440, 456, 460, 464, 503, 515
Subjetividade 15, 19, 104, 162, 241, 242, 256, 300, 304, 305, 306, 308, 310,
321, 329, 347, 348, 404, 494, 497, 499, 500, 501, 503, 504, 509, 510, 511,
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512, 513, 515, 516


Submissão 12, 19, 20, 39, 102, 103, 207, 307, 346, 349, 351, 353, 356, 385,
406, 461
Subversão da identidade 162, 170, 191, 210, 233, 386, 396
Sujeito 11, 16, 18, 19, 21, 33, 34, 35, 36, 38, 39, 40, 41, 55, 56, 57, 58, 59,
62, 63, 64, 65, 67, 68, 69, 93, 94, 95, 96, 98, 99, 100, 130, 131, 132, 133,
134, 135, 157, 162, 164, 165, 166, 168, 169, 194, 196, 197, 198, 200, 201,
202, 204, 205, 206, 207, 208, 209, 240, 243, 244, 245, 246, 248, 250, 265,
269, 271, 272, 301, 303, 304, 305, 306, 307, 308, 309, 310, 321, 322, 323,
324, 325, 327, 328, 329, 346, 348, 349, 383, 384, 401, 402, 403, 433, 434,
436, 463

V
Violência contra a mulher 18, 19, 128, 129, 194, 195, 196, 198, 210, 220, 233,
241, 249, 255, 264, 271, 300, 301, 303, 305, 310, 321, 322, 354, 357, 497
Violência de gênero 3, 4, 7, 10, 15, 16, 17, 21, 92, 104, 154, 194, 195, 196,
198, 200, 204, 205, 208, 214, 218, 237, 242, 248, 250, 265, 268, 310, 321,
458, 499, 500
Violência doméstica 11, 18, 19, 93, 97, 101, 195, 199, 214, 237, 240, 241,
242, 243, 246, 247, 248, 250, 252, 265, 267, 271, 279, 295, 300, 306, 308,
354, 378, 462, 502
Violências 13, 15, 18, 20, 39, 166, 243, 272, 280, 296, 406, 426, 427, 431,
458, 459, 462, 464, 508
Vítima 17, 98, 101, 103, 104, 128, 129, 198, 199, 244, 245, 247, 248, 271,
278, 280, 296, 301, 306, 310, 321, 402
Vulnerabilidade 7, 15, 18, 19, 196, 198, 218, 243, 246, 248, 249, 264, 269,
270, 271, 435, 505
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INDEX

A
Abus sexuel 260
Affrontement 83, 441
Altérité 10, 24, 26, 29, 45, 46, 69, 88, 121, 131, 142, 144, 179, 184, 186,
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215, 218, 219, 224, 225, 231, 287, 314, 361, 421, 445

C
Cas clinique 26, 258, 259, 290
Complexe d’Œdipe 77, 80, 81, 111, 113, 114, 175, 361
Conscience 113, 116, 185, 229, 311, 312, 313, 315, 412, 417, 443, 448, 452, 470
Corps 12, 24, 25, 26, 28, 44, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 59, 63, 73, 76, 78, 83,
86, 87, 88, 110, 114, 115, 116, 117, 120, 139, 141, 142, 143, 144, 145, 146,
147, 174, 180, 182, 183, 184, 186, 187, 189, 215, 219, 222, 225, 226, 227,
228, 229, 230, 231, 337, 338, 339, 361, 362, 363, 366, 367, 368, 372, 387,
412, 413, 417, 420, 446, 447, 449, 470, 501, 507, 513
COVID-19 7, 11, 15, 18, 23, 26, 194, 195, 209, 216, 217, 232, 239, 240,
241, 248, 253, 254, 255, 256, 263, 273, 289, 377, 387, 464, 481
Culture 23, 24, 29, 43, 44, 50, 54, 69, 74, 88, 111, 112, 118, 179, 180, 182,
184, 185, 186, 188, 217, 220, 222, 229, 255, 261, 284, 286, 292, 293, 361,
363, 365, 366, 388, 417, 419, 441, 442, 443, 444, 446, 448, 451, 478, 505,
506, 507, 508, 509, 510, 511, 512, 514, 515, 516
Cycle de la violence 27, 311, 312, 313, 316, 318, 319, 512

D
Dénégation 13, 24, 28, 29, 441, 442, 443, 444, 446, 448, 449, 451
Dévastation 177, 187, 334, 390
Domestique 11, 26, 29, 186, 216, 221, 253, 254, 255, 256, 260, 261, 262,
285, 286, 370, 387, 418, 446, 448, 449, 470, 471, 473, 474, 475, 476, 477,
479, 513
Domestiques 13, 29, 259, 367, 418, 419, 447, 449, 469, 470, 471, 472, 473,
474, 475, 477
Domination 29, 109, 110, 111, 119, 179, 184, 185, 186, 220, 222, 261, 331,
368, 393, 394, 411, 413, 414, 415, 417, 418, 420, 442, 443, 444, 445, 446,
447, 452, 473
512

E
Enfants 49, 92, 107, 110, 113, 118, 119, 125, 140, 176, 177, 259, 260, 291,
333, 335, 337, 338, 366, 367, 370, 388, 390, 394, 418, 419, 448, 450, 471,
472, 473, 474, 475, 476, 477, 506, 514
Esclavage 28, 50, 411, 412, 414, 419, 420, 441, 442, 444, 448, 449, 452,
475, 476, 477

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Fantaisie 24, 25, 444
Féminin 9, 10, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 44, 48, 53, 73, 74, 75, 76, 77, 78,
80, 82, 84, 85, 86, 87, 88, 110, 111, 112, 113, 115, 116, 117, 118, 119, 120,
121, 122, 129, 136, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149,
173, 174, 176, 178, 181, 187, 188, 189, 215, 216, 217, 218, 219, 221, 222,
223, 224, 225, 226, 227, 228, 231, 286, 331, 332, 337, 339, 367, 368, 372,
391, 413
Féminisme 28, 29, 78, 137, 150, 182, 370, 394, 446, 447, 469, 470, 471, 479
Féminité 54, 55, 60, 65, 69, 70, 73, 74, 75, 76, 78, 79, 80, 81, 82, 84, 88, 89,
117, 175, 187, 334, 338, 372, 389, 413
Femme 10, 12, 25, 26, 27, 28, 43, 47, 48, 49, 54, 55, 56, 58, 62, 63, 68, 69,
74, 75, 76, 78, 79, 80, 81, 82, 84, 87, 88, 89, 91, 106, 109, 110, 111, 112, 113,
115, 116, 117, 118, 119, 120, 122, 124, 131, 140, 141, 142, 143, 144, 145,
146, 147, 148, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 180, 181, 182, 183, 186, 187,
188, 189, 211, 215, 216, 219, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 227, 228, 229,
231, 234, 254, 255, 256, 259, 260, 261, 262, 285, 286, 289, 311, 312, 313,
314, 315, 316, 318, 319, 331, 332, 333, 334, 335, 336, 337, 338, 339, 361,
362, 363, 364, 365, 366, 367, 369, 370, 371, 372, 373, 387, 388, 389, 390,
391, 392, 393, 394, 414, 417, 418, 419, 420, 421, 441, 443, 444, 446, 447,
448, 449, 450, 451, 452, 470, 471, 472, 473, 474, 475, 480, 501, 508, 513
Femmes Noires 13, 28, 48, 49, 50, 143, 182, 184, 186, 253, 365, 411, 413,
417, 418, 419, 420, 421, 446, 447, 449, 450, 470, 471

G
Genre 9, 10, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 44, 48, 51, 69, 75, 88, 90, 92, 99, 100,
106, 107, 109, 110, 111, 112, 113, 115, 118, 119, 122, 124, 125, 173, 176,
177, 180, 182, 183, 184, 188, 189, 209, 211, 215, 216, 217, 218, 219, 224,
226, 232, 234, 253, 255, 256, 259, 262, 283, 287, 288, 337, 362, 367, 392,
413, 417, 418, 441, 446, 447, 450, 452, 469, 472, 477, 510, 511, 513
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 513

H
Haine du féminin 10, 26, 29, 215, 218, 222, 225, 226

I
Identité 47, 78, 112, 176, 177, 182, 183, 286, 334, 391, 412, 414, 416, 417, 451
Inconscient 44, 48, 54, 58, 59, 62, 68, 71, 73, 74, 77, 78, 81, 87, 90, 113, 114,
116, 117, 122, 145, 185, 187, 221, 287, 318, 332, 390, 392, 416, 441, 443
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J
Jouissance 25, 26, 27, 60, 66, 71, 75, 78, 79, 82, 83, 84, 85, 87, 90, 115, 117,
118, 120, 139, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 177, 187, 188, 218, 219,
222, 223, 224, 225, 227, 228, 229, 230, 231, 257, 285, 336, 337, 339, 363,
364, 389, 444, 446, 447, 449

L
Langage 50, 77, 79, 131, 142, 144, 146, 174, 176, 177, 178, 184, 185, 186,
187, 188, 262, 331, 332, 368, 393, 443

M
Masochisme 26, 173, 174, 180, 181, 187, 221, 222, 227
Mulâtresse 28, 29, 418, 419, 420, 446

P
Pandémie 23, 51, 143, 216, 217, 253, 254, 255, 256, 289, 387, 476, 477
Patriarcat 28, 46, 48, 180, 216, 218, 225, 226, 254, 368, 387, 394, 413, 442,
446, 448
Politique 11, 12, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 43, 44, 46, 48, 49, 51, 109, 111, 155,
175, 180, 181, 182, 183, 189, 215, 218, 220, 255, 258, 283, 286, 293, 311,
313, 314, 316, 361, 362, 365, 366, 368, 372, 373, 387, 393, 394, 415, 420,
441, 443, 446, 451, 452, 475, 478, 505, 506, 508, 509, 511, 512, 513, 514,
515, 516
Population 29, 50, 186, 219, 226, 230, 285, 365, 368, 370, 371, 373, 412,
414, 417, 419, 420, 441, 442, 451, 471, 475, 476, 506
Psychanalyse 11, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 54, 56, 60, 66, 70, 71, 74, 76,
79, 82, 85, 87, 88, 89, 90, 94, 95, 97, 99, 101, 105, 107, 112, 113, 114, 115,
117, 119, 123, 125, 129, 136, 139, 141, 142, 144, 149, 174, 179, 180, 181,
184, 185, 186, 217, 221, 222, 223, 227, 228, 230, 255, 258, 260, 262, 283,
514

284, 285, 286, 293, 312, 316, 317, 318, 319, 331, 332, 333, 335, 361, 362,
364, 373, 391, 392, 393, 394, 441, 444, 446, 447, 452, 469, 479, 501, 505,
506, 507, 508, 509, 510, 511, 512, 513, 514, 515, 516
Psychologie 23, 27, 46, 143, 144, 175, 187, 223, 255, 284, 289, 312, 315,
316, 363, 364, 373, 496, 505, 506, 507, 508, 509, 510, 511, 512, 513, 514,
515, 516
Psychologie des masses 223

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R
Racisme 13, 24, 28, 29, 44, 45, 48, 49, 50, 142, 144, 185, 229, 254, 362, 411,
412, 413, 414, 415, 417, 419, 420, 441, 442, 443, 444, 445, 446, 447, 448,
449, 451, 452, 470, 472, 476, 477, 478, 511
Reconnaissance 76, 80, 122, 181, 226, 230, 258, 318, 366, 411, 412, 421
Refus du féminin 9, 24, 25, 73, 75, 82, 85, 88, 115, 117, 120, 122
Représentation 43, 47, 84, 114, 142, 182, 184, 285, 368, 370, 372, 393, 414,
417, 447
Respect 148, 313, 372, 471, 475

S
Santé 27, 254, 255, 256, 262, 283, 284, 287, 311, 313, 314, 316, 332, 365,
373, 442, 505, 506, 507, 508, 509, 510, 511, 512, 514, 515, 516
Sexisme 13, 28, 29, 142, 185, 417, 419, 441, 442, 444, 446, 447, 448, 452
Sexualité 56, 69, 71, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 84, 88, 90, 111, 118, 146,
174, 175, 180, 182, 187, 334, 361, 362, 392, 394, 418
Silence 25, 26, 44, 48, 49, 50, 84, 109, 141, 173, 184, 259, 261, 287, 292,
293, 311, 338, 373, 415, 416, 417, 470, 471
Sociopolitique 286
Souffrance 26, 60, 79, 145, 174, 181, 255, 257, 259, 285, 286, 290, 291,
292, 293, 314, 315, 316, 317, 318, 319, 332, 337, 391, 392, 441, 442, 451,
471, 475, 514, 515
Soumission 12, 28, 49, 50, 120, 121, 229, 318, 361, 364, 367, 369, 372, 394,
419, 472
Subjectivité 23, 27, 122, 182, 254, 255, 311, 316, 317, 318, 319, 339, 362,
363, 417, 505, 508, 510, 511, 512, 514, 515
Sujet 11, 24, 26, 27, 29, 43, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 51, 58, 63, 69, 75, 77, 78,
79, 82, 83, 84, 86, 87, 88, 99, 107, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118,
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 515

125, 141, 142, 144, 145, 147, 176, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 188, 189,
215, 218, 219, 220, 221, 223, 226, 227, 228, 229, 230, 231, 253, 256, 257,
258, 259, 260, 262, 286, 287, 289, 291, 293, 312, 313, 314, 315, 316, 317,
318, 319, 331, 332, 333, 334, 335, 336, 337, 338, 339, 361, 362, 363, 364,
392, 393, 414, 415, 416, 448, 449, 450, 451, 474

V
Victime 25, 91, 106, 109, 116, 119, 122, 124, 139, 140, 219, 220, 257, 259,
260, 262, 293, 312, 313, 315, 316, 317, 318, 319, 371, 415, 472
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Violence à l’égard des femmes 141, 216, 217, 219, 254, 286, 314, 471
Violence de genre 10, 23, 24, 25, 26, 29, 173, 215, 216, 217, 218, 219, 226,
255, 256, 262, 283, 469, 477, 511
Violence domestique 11, 26, 216, 221, 253, 254, 255, 256, 260, 261, 262,
285, 370, 387, 513
Violences 13, 15, 23, 29, 92, 93, 97, 103, 105, 106, 107, 109, 110, 111, 115,
116, 117, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 139, 209, 232, 254, 259, 285,
286, 293, 312, 337, 394, 448, 469, 470, 473, 474, 475, 501, 510, 513
Vulnérabilité 23, 26, 27, 217, 219, 256, 260, 261, 284, 286, 451, 516
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SOBRE OS AUTORES

Adriana Rodrigues Domingues


Professora da Universidade Federal de São Paulo – Campus Baixada Santista.
Atua no Eixo comum Trabalho em Saúde, voltado à formação interprofissio-
nal, desenvolvendo projetos de intervenção em serviços de saúde pública e
assistência social. Membro do GT ANPEPP Subjetividade Contemporânea.
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E-mail: adriana.domingues@unifesp.br

Aline Souza Martins


Psicanalista e Psicóloga. Professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Estágio: Bir-
kbeck University of London. Participa da Rede Interamericana de Psicanálise
e Política (REDIPPOL), do Laboratório de Psicanálise e Política (PSOPOL)
da Universidade de São Paulo (USP) e do Grupo de Estudos, Pesquisas e
Escritas Feministas (GEPEF).

Ana Carolina B. Leão Martins


Psicanalista, doutora em Teoria Psicanalítica pela UFRJ. Professora da gra-
duação em Psicologia UFC – Sobral e do Mestrado em Psicologia e Políticas
Públicas UFC – Sobral, onde coordena o projeto de pesquisa/extensão “Psi-
canálise, política e educação”. Coordenadora do GT Psicanálise, política e
cultura da Associação de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia. E-mail:
carolinablmartins@gmail.com

Ana Catarina Nogueira Farias


Graduanda em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), bolsista
de Iniciação Científica do Laboratório de Estudos sobre Psicanálise, Cultura
e Subjetividade (LAEpCus). Possui interesse na área de Psicologia Criminal,
Social e estudos da Violência. Email: catarinanogueira333@gmail.com

Ana Lucia Gondim Bastos


Psicanalista Membro Associada do Departamento Formação em Psicanálise do
Instituto Sedes Sapientiae, no qual atua como professora do curso Fundamen-
tos em Psicanálise e sua Prática Clínica. Doutora pelo Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo (USP). E-mail: analuciagbastos@gmail.com
518

Anderson Santos
Psicanalista, Psicólogo e Especialista em “Saúde Mental, Imigração e Intercul-
turalidade” pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Membro do
coletivo de Psicanálise na Praça Roosevelt. Atuou em instituições de serviço
de saúde mental, em acolhimento de crianças e adolescentes e com a popu-
lação em situação de rua. Foi organizador do livro “Guattari/Kogawa. Rádio
livre. Autonomia. Japão” (ed. sobinfluencia, 2020). Realiza atendimentos
em consultório particular e na Praça Roosevelt, espaço público localizado
no município de São Paulo.

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Andrea Hortelio Fernandes
Professora Associada II do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da
Bahia (UFBA). Doutorado em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise –
Universidade de Paris VII, Pós-doutorado em Psicologia Clínica e Cultura pela
Universidade de Brasília e Pós-Doutorado em Psicanálise e Cultura Contempo-
rânea pela Universidade Federal de Sergipe. E-mail: ahfernandes03@gmail.com

Aparecida Rosângela Silveira


Psicóloga, Psicanalista, Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de
Minas Gerais, colaboradora do Programa Laços: psicanálise, subjetividades
contemporâneas e laço social, da Universidade Estadual de Montes Claros.
Membro do Grupo de Trabalho “Psicanálise, Política e Clínica”, da Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP). E-mail:
silveira.rosangela@uol.com.br

Bárbara Cristina Souza Barbosa


Psicanalista, docente da Universidade Nove de Julho. É formada em Psicologia
pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e tem mestrado em Psicologia
Clínica pela Universidade de São Paulo (USP). Ela trabalha como consultora no
Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e trabalhou como supervisora clí-
nico-institucional no Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente ela é membro
do Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política (USP) e do Instituto Vox.

Cândida Cristine de Oliveira Lucas


Psicóloga e psicanalista, especializada em Saúde Mental e Atenção Psicosso-
cial pela ENSP/FIOCRUZ e participa das Formações Clínicas do Fórum do
Campo Lacaniano de São Paulo. E-mail: candidaoliveiralucas@gmail.com
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 519

Carolina Saggioro Sobrinho


Advogada, Graduanda em Psicologia pela Universidade de Brasília, atual-
mente participa do Grupo de Pesquisa em Psicanálise e Corpo junto ao PSICC-
-UnB. Pesquisadora do Laboratório de Psicanálise e Subjetivação – LAPSUS.
E-mail: csaggiorosobrinho@gmail.com

Cristina Andrade Sampaio


Antropóloga, Doutora em Saúde Coletiva, Professora do Departamento de
Saúde Mental e Saúde Coletiva e do Programa de Pós-Graduação em Ciên-
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cias da Saúde da Universidade Estadual de Montes Claros. E-mail: cristina.


sampaio@unimontes.br

Daniela Scheinkman Chatelard


Professora associada no Programa da Pós-Graduação em Psicologia Clínica e
Cultura PCL do Instituto de Psicologia na Universidade de Brasília. Pós-dou-
torado na Universidade de Tel-Aviv – Departamento de Psicologia– Faculdade
de Ciências Sociais (2020). E-mail: dchatelard@gmail.com

Danielle Maia Cruz


Pós-doutora em Avaliação de Políticas Públicas pelo Programa de Pós-Gra-
duação da Universidade Federal do Ceará. Mestra e doutora em Sociologia
pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do
Ceará. Professora efetiva da Universidade de Fortaleza (Unifor). Professora do
Mestrado em Direito e Gestão de Conflitos da Unifor (MPDIR). Coordenadora
do Laboratório sobre violência contra mulheres, meninas e minorias, vinculado
ao Centro de Ciências Jurídicas da Unifor. E-mail: dmaiacruz7@gmail.com

Débora Passos
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Psicanalista e
professora do curso de psicologia da Universidade de Fortaleza (Unifor).
Possui mestrado em psicologia (com abordagem em teoria psicanalítica) pela
Universidade de Fortaleza (Unifor). Atualmente desenvolve atividades de
pesquisa relacionadas à constituição psíquica e à prevenção de psicopatologias
na infância.E-mail: deborapassosoliveira@gmail.com

Estanislau Alves da Silva Filho


Psicanalista e tradutor em psicanálise. Mestre em Psicologia Clínica pela
Universidade de São Paulo (USP) e membro do Laboratório de Psicanálise,
Sociedade e Política (PSOPOL) coordenado por Miriam Debieux Rosa.
520

Esther de Sena Ferreira


Mestra em Psicologia pela Universidade de Fortaleza. Professora da Facul-
dade Uninta Itapipoca. Membro do Laboratório de Estudos sobre Psicanálise,
Cultura e Subjetividade (LAEpCUS) da Universidade de Fortaleza. Psicóloga.
Pesquisadora nas áreas de Saúde Coletiva e Violência contra a mulher. E-mail:
esthersf89@gmail.com

Flávia da Silva Tereza


Graduada em Psicologia pela Faculdade Anhanguera de Anápolis, mestranda

Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização


em Psicologia Clínica e Cultura – UnB, pesquisadora do Laboratório de Psi-
canálise e Subjetivação – LAPSUS, psicanalista membro da Internacional dos
Fóruns, da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil
e Fórum do Campo Lacaniano de Brasília. E-mail: flaviatereza@gmail.com

Francisca Renata de Araújo Pessoa


Mestranda em psicologia pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Grad-
uada em psicologia pela Universidade de Fortaleza (Unifor) em 2017. Email:
renata_pessoa@hotmail.com

Gabriel Inticher Binkowski


Psicanalista e Psicólogo; Mestre em Clínica Transcultural e Doutor em Psi-
cologia pela Université Sorbonne Paris Nord; Pós-Doutorando no PPG de
Psicologia Clínica da USP (2017-2021; financiamento FAPESP); Membro
do Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política (PSOPOL – IP/USP)
e da Unité Transversale de Recherche Psychogenèse et Psychopathologie
(UTRPP). Supervisor clínico no Grupo Veredas: Psicanálise e Migração e
um dos coordenadores do Relapso – Grupo de Pesquisa em Religião, Laço
Social e Psicanálise (IP-USP). Membro do GT 44 da APEPPP – Psicanálise,
Cultura e Política. Membro do comitê editorial da Revue L’autre – Cliniques,
Cultures, Sociétés. E-mail: gabriel.binkowski@gmail.com

Gabriela Ferreira
Mestre em História e Cultura pela Universidade Estadual do Ceará (2015).
Graduada em História pela Universidade Estadual do Ceará (2010). Graduanda
em Psicologia pela Universidade de Fortaleza. Membro do Laboratório de
Estudos sobre Psicanálise, Cultura e Subjetividade – LAEpCUS da Univer-
sidade de Fortaleza. E-mail: gabidbc@gmail.com
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 521

Gabriella Dupim
Psicanalista. Pós-doutoranda em Psychopathologie - Université Rennes 2. Profa.
Programa de Pós-graduação em Psicologia Práticas e Inovação em Saúde Men-
tal - Universidade de Pernambuco (Garanhuns). Profa. Adjunta Psicologia da
Universidade Federal de Campina Grande. Coordenadora do Laboratório de
Psicanálise de Orientação Lacaniana – LAPSO (UFCG/CNPq). Doutora em
Psychologie Université Rennes 2. Doutora em Psicologia UFRJ. Mestre em
Psicologia UFRJ. E-mail: gabidupim@gmail.com
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Gisele Laranjeira
Psicóloga, especialista em Psicoterapia Junguiana (UNIP) e Mestra em Ciência
da Religião (PUCSP); Membro do grupo de pesquisas GEPP (PUCSP) e do
grupo RELAPSO (IP-USP). E-mail: gicrila@gmail.com

Heloisa Caldas
Psicanalista. AME da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) e da Associação
Mundial de Psicanálise (AMP). Professora Associada da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Docente do Programa de Pós-Graduação
em Psicanálise (PGPSA/IP/UERJ). Doutora em Psicologia (UFRJ). E-mail:
helocaldasr@gmail.com

Jacqueline de Oliveira Moreira


Professora da Pós-Graduação em Psicologia da PUC Minas. Doutora em Psi-
cologia Clínica pela PUC-SP. Mestre em Filosofia pela UFMG. Psicanalista.
Bolsista Produtividade CNPq PQ2. Membro do GT da ANPEPP “Psicanálise,
Política e Clínica”. E-mail: jackdrawin@yahoo.com.br

Jaquelina Maria Imbrizi


Professora Associada II da Universidade Federal de São Paulo – Campus Bai-
xada Santista. Atua na graduação e nos programas de pós-graduação “Ensino
em Ciências da Saúde” (modalidade profissional) e “Interdisciplinar em Ciên-
cia da Saúde” (mestrado acadêmico). Membro do GT ANPEPP Psicanálise,
Cultura e Política. E-mail: jaquelina.imbrizi@unifesp.br.

Jean-Luc Gaspard
Psicanalista, Professor Universitário de Psicopatologia, Laboratório EA4050,
Université Rennes 2, França. E-mail: jean-luc.gaspard@univ-rennes2.fr
522

Jerzuí Mendes Tôrres Tomaz


Psicanalista, Professora da Universidade Federal de Alagoas-UFAL. Pos-
sui Mestrado e Doutorado em Letras e Lingüística. É Pós-Doutoranda do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza-
-UNIFOR e integra o Laboratório de Estudos sobre Psicanálise, Cultura e
Subjetividade – LAEpCUS. Seus interesses de pesquisa acadêmica abrangem
as interfaces entre Psicanálise, Educação, Saúde Coletiva e Arte. E-mail:
jerzuitomaz@hotmail.com

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Juçara Rocha Soares Mapurunga
Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especia-
lista em Problemas de Aprendizagem-Deficiência Mental (UFC) e Filosofia
(PUC RS). Mestra e doutora em Psicologia (UNIFOR). Professora do curso de
Psicologia (UNIFOR), membro do Laboratório de estudos sobre psicanálise,
cultura e subjetividade-LAEpCUS. Psicanalista membro da Invenção Freudia-
na-Transmissão da Psicanálise. Autora de TPM, Paixão, Tensão e Mal-estar
e Ecos da contemporaneidade: a invenção do politicamente correto. E-mail:
jucaramapurunga@unifor.br

Juliane dos Santos Moraes


Graduada em História pela Universidade Estadual do Ceará, graduanda em
Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), bolsista de Iniciação
Científica do Laboratório de Estudos sobre Psicanálise, Cultura e Subjetivi-
dade (LAEpCus). Possui interesse na área de Psicanálise, Psicologia Social e
estudos de Gênero e Relações Raciais. Email: julianemmoraes@outlook.com

Katia Regina Paim


Graduada em Psicologia (1989); Licenciada em Psicologia (1992); Espe-
cializada em Psicologia Clínica com ênfase em Psicanálise (1999) pela Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul e Especializada em Problemas do
Desenvolvimento na Infância e Adolescência pelo Centro Lydia Coriat de
Porto Alegre, Brasil (1999). Mestre em Educação de Adultos pela Universi-
dade Eduardo Mondlane, Moçambique (2006). Foi psicóloga clínica no Grupo
Maria Mulher a atender mulheres em situação de violência de gênero na Vila
Cruzeiro do Sul, Porto Alegre, Brasil (1998-1999). Foi membro e secretária do
Centro Ecumênico de Cultura Negra – CECUNE, Porto Alegre, Brasil (1992-
1999). Foi coordenadora nacional do Programa Nacional para a Juventude
em Artesanato pela UNESCO (2001-2003). Foi docente de Psicologia (2001-
2018), coordenadora do Curso de Psicologia (2005-2007), e coordenadora
do Gabinete de Atendimento Psicológico (2008-2018) na Universidade A
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 523

Politécnica, Moçambique. É consultora de psicologia, Coordenadora Nacional


do Apoio Psicossocial do Programa Rapariga BIZ (2018-2021), um programa
de iniciativa do FNUAP sob a tutela da Secretaria da Juventude e Emprego
da República de Moçambique. Tem desenvolvido trabalhos e estudos na área
da Psicanálise e sintomas sociais voltados para a adolescência, juventude
no contexto de vulnerabilidades sociais críticas; mulheres em situação de
violência de gênero; negritude e racismo.

Lêda Antunes Rocha


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Psicóloga, Especialista em Saúde Mental pela Universidade Estadual de


Montes Claros, Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de
Montes Claros. E-mail: ledaantunesr@gmail.com

Leonardo Danziato
Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Uni-
versidade de Fortaleza (UNIFOR); Doutor e Mestre em Sociologia pelo
Programa de Pós-graduação em Sociologia de Universidade Federal do
Ceará; graduado e licenciado em Psicologia pela Universidade Federal do
Ceará. Trabalha com pesquisas relacionadas a “Clínica Psicanalítica”, assim
como com uma leitura política dos conceitos psicanalíticos, estabelecendo
uma abordagem das condições culturais, políticas, discursivas e subjeti-
vantes do mundo contemporâneo, atreladas a uma leitura foucaultiana e
a pesquisa arqueogenealógica. Coordenador do LAEpCUS – Laboratório
de Estudos sobre Psicanálise, Cultura e Subjetividade da Universidade de
Fortaleza. VicePsicanalista com uma prática clínica desde 1987.
E-mail: leonardodanziato@unifor.br

Leônia Cavalcante Teixeira


Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universi-
dade de Fortaleza (UNIFOR). Dra. em Saúde Coletiva (UERJ) com pós-douto-
rado em Psicologia na Universidade Aberta de Lisboa. Psicóloga e psicanalista.
Membro do LAEpCUS – Laboratório de Estudos sobre Psicanálise, Cultura e
Subjetividade; do GT “Psicanálise, política e clínica” da ANPEPP; da Rede
Internacional Coletivo Amarrações – Psicanálise & Políticas com Juventudes;
e do MCVI – “A universidade na prevenção e no enfrentamento da violência
no Ceará”. E-mail: leonia.ct@gmail.com

Luciana Ferreira Chagas


Doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade
de São Paulo (IPUSP). Psicanalista. Docente da Faculdade de Ilhéus – Bahia
524

(CESUPI). Autora do livro “O ciclo da violência – Psicanálise, Repetição e


Políticas Públicas”. E-mail: lucianachagaspsicologia@gmail.com

Luciana Lira
Advogada formada pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR em 2008.2.
Acadêmica do do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza – UNI-
FOR. Membro do Laboratório de Estudos sobre Psicanálise, Cultura e Subjeti-
vidade (LAEpCUS) da Universidade de Fortaleza. E-mail: lucianaribeirolira@
gmail.com

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Márcia Cristina Maesso
Psicanalista, professora do Departamento de Psicologia Clínica da UnB e
do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da UnB.
Membro do Laboratório de Psicanálise e Subjetivação – LAPSUS. Doutorado
e mestrado em Psicologia Clínica – USP. Membro do Grupo de Trabalho
“Psicanálise, Política e Clínica”, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
-Graduação em Psicologia (ANPEPP). Membro da Escola de Psicanálise dos
Fóruns do Campo Lacaniano. E-mail: maessomc@gmail.com

Maria Celina Peixoto Lima


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (1982),
mestrado em Psicologia e Psicopatologia Clínica - Université Lyon 2 (1991),
mestrado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas
(1985), doutorado em Psicologia - Université Paris 13 (2002) e Pos-Doutorado
- Université Rennes 2 (2015). Atualmente é professora titular do PPG em
Psicologia da Universidade de Fortaleza, psicanalista. Desenvolve pesquisas
principalmente nos seguintes temas: psicanálise, laço social, discursos e práti-
cas institucionais, psicopatologia da infância e da adolescência. E membro
do Grupo de Trabalho da ANPEPP “Psicanalise e educação” E-mail: celina.
lima@unifor.br

Maria Clerismar Pereira dos Santos


Enfermeira, Especialista em Saúde da Família pela Universidade Estadual de
Montes Claros, Especialista em Saúde Mental pela Universidade Católica Dom
Bosco, Coordenadora da Equipe do Consultório na Rua de Montes Claros,
Minas Gerais. E-mail: apoiadoraesfmeire@gmail.com

Maria Lívia Tourinho Moretto


Psicanalista. Professora Titular do Departamento de Psicologia Clínica do
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Coordenadora
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 525

do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica do IPUSP. Presidente


da SBPH. Bolsista Produtividade em pesquisa pelo CNPq. Membro do GT
da ANPEPP “Psicanálise, Política e Clínica”. E-mail: liviamoretto@usp.br

Marie-José Grihom
Professora de psicologia clínica e patológica na Universidade de Poitiers,
psicóloga clínica, psicanalista, é membro do URM RPpsy 4050 e colíder do
campo temático “Violência, famílias e radicalidades”. Suas pesquisas se con-
centram na subjetivação, nos laços familiares e no ato. Ela está particularmente
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interessada na violência doméstica e familiar do ponto de vista das vítimas e


autores de violência, dos laços do casal e do grupo familiar. Ela integra uma
perspectiva de gênero em seu trabalho. Recentemente, em colaboração com
Lydie Bodiou e Frédéric Chauvaud, editou vários livros: Le corps en lam-
beaux, violences sexuelles faites aux femmes, Rennes, Presses universitaires de
Rennes, Collection “Histoire”, 2016; Les corps défaillants, Du corps malade,
usé, déformé au corps honteux, Paris, Imago, 2018; On tue une femme. Le
féminicide, histoire et actualité, Paris, Hermann, “Psychanalyse”, 2019; Les
violences en famille. Histoire et actualités, Paris, Hermann, 2020; Les liens
saccagés, Rennes, PUR. 2021 (em breve). Codiretora com Claire Metz de
uma nova coleção das prensas Universitaires de Strasbourg: Corps, Psyché,
Sociétés. E-mail: grihom@me.com

Marília Albuquerque de Sousa


Psicanalista, psicóloga formada pela Universidade Federal do Ceará – campus
Sobral. Professora substituta do curso de Psicologia da Universidade Federal
do Ceará. E-mail: mariliaadesousa@hotmail.com

Mélinda Marx
Psicólogo, Psicanalista, Doutor em Psicopatologia, Laboratório EA4050,
Université de Rennes 2, França. E-mail: m.marx1277@gmail.com

Miriam Debieux Rosa


Psicanalista, professora titular do Programa de Psicologia Clínica da USP,
onde coordena o Laboratório Psicanálise, Sociedade e Política e o Grupo
Veredas: psicanálise e imigração. Presidente da RedIPPol (Rede Interame-
ricana de Pesquisa em Psicanálise e Política). Autora do livro Histórias que
não se contam: psicanálise com crianças e adolescentes, reeditado pela Edi-
tora Casa do Psicólogo, em 2010, coorganizadora do livro Debates sobre a
Adolescência Contemporânea e o Laço Social, de 2012 e do livro Desejo e
Política: desafios e perspectivas no campo da imigração e refúgio (Editora
526

Max Limonad, 2013). Publicou o livro A clínica psicanalítica face ao sofri-


mento sócio-político (Editora Escuta / Fapesp, 2016), com o primeiro lugar
no prêmio Jaboti 2017). E-mail: debieux@terra.com.br

Nayara Teixeira Gomes


Enfermeira, Especialista em Saúde da Família pela Sociedade Educativa do
Brasil, Mestranda em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Mon-
tes Claros, Referência Técnica da Atenção Primária à Saúde do Município
de Montes Claros, Minas Gerais. E-mail: nayarateixeiragomes@gmail.com

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Paula Affonso de Oliveira
Psicóloga do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará.
Mestre em Psicologia e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Pará na linha de pesquisa “Psicanálise,
teoria e clínica”. E-mail: paulaoliveira.psi@gmail.com

Priscilla Faheina de Oliveira


Membro do Laboratório de Estudos sobre Psicanálise, Cultura e Subjetivi-
dade (LAEpCUS) da Universidade de Fortaleza. Psicóloga e Psicanalista em
formação. E-mail: prifaheina@hotmail.com

Priscilla Santos de Souza


Psicanalista, doutoranda na Psicologia clínica do IPUSP e membro do Grupo
Veredas: Psicanálise e imigração, do IPUSP. Tem formação em História e
Psicologia. Atua como Técnica em Assuntos Educacionais na Universidade
Federal do ABC, Santo André. É membro da presidência da RedIPPol (Rede
Interamericana de Pesquisa em Psicanálise e Política) e pesquisadora do
Grupo Amarrações. Pesquisa sobre psicanálise e política, infância e ado-
lescência. No doutorado dedica-se ao estudo das contribuições de Frantz
Fanon para a psicanálise, o sofrimento psíquico e as relações raciais. E-mail:
priscillasouza@usp.br

Roseane Freitas Nicolau


Psicanalista, Psicóloga, Doutora em Sociologia (UFC) e Pós-Doutora
em Teoria Psicanalítica (UFRJ). Profª da Faculdade e do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da UFA, membro da Escola Letra Freud-
iana e Coordenadora do Laboratório de Clínica do Sujeito. E-mail:
rf-nicolau@uol.com.br
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 527

Sabrina Serra Matos


Psicóloga e psicanalista. Professora do curso de Psicologia da Universidade
de Fortaleza – UNIFOR. Especialista em Saúde Mental pelo Centro de Estu-
dos Vandick Ponte e Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Medicina
da Universidade Federal do Ceará. Membro do LAEpCUS – Laboratório de
Estudos sobre Psicanálise, Cultura e Subjetividade. Pesquisadora nas áreas
de Saúde Mental e Violência. E-mail: sabrinamatos@unifor.br

Samira Andrade Paiva


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Graduada em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Foi bol-


sista de Iniciação Científica do Laboratório de Estudos sobre Psicanálise,
Cultura e Subjetividade (LAEpCus). Possui possui interesse na área de
estudos relacionados a Psicologia Decolonial e seu entrelaçamento com a
Psicanálise, além de estar atuando com a Psicologia Comunitária. E-mail:
samirapaivaandrade@gmail.com

Samuel Rocha Freitas


Psicólogo, Psicanalista, Integrante da Equipe Técnica do Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e Outras Drogas de Montes Claros, Minas Gerais. E-mail:
rochafsamuel@gmail.com

Sandra Djambolakdjian Torossian


Psicanalista, Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) – Departamento de Psicanálise e Psicopatologia e do PPG em
Psicanálise: clínica e cultura. Coordenadora do Laboratório de estudos em
psicanálise literatura e política- LEPLIP. Supervisora do Apoio Psicossocial
do Programa Rapariga BIZ – Moçambique. Compõe a equipe de direção da
Clínica de Atendimento Psicológico (CAP) – UFRGS e Coordena o GT AD
– Grupo de trabalho sobre Adolescências, álcool e drogas da CAP. Membro
do GT ANPEPP – Psicanálise, política e Clínica, da REDIPPOL – Rede
Interamericana de pesquisa em psicanálise e política, da Rede Inetrnacional
Coletivo Amarrações: psicanálise e políticas com juventudes e compõe o
conselho consultivo da REDUC – Rede brasileira de Redução de Danos e
Direitos Humanos. E-mail: djambo.sandra@gmail.com

Tahamy Louise Duarte Pereira


Psicóloga e psicanalista. Especialista em rede de atenção psicossocial e mes-
tranda em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Membro do
Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política (PSOPOL) e do Núcleo de
Pesquisa em Psicanálise, Educação e Cultura da UFRGS (NUPPEC). Atua no
528

SUS como psicóloga na saúde mental, em consultório particular e é analista


no coletivo da ClínicAberta de Psicanálise de Santos.

Victoria Ayelén Gómez


Doutoranda em Psicologia Clínica e Cultura PPGPsiCC – UnB. Mes-
tre em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela UnB. Psi-
cóloga pela Universidade Nacional de Córdoba (Argentina). E-mail:
victoria.ayelen.gomez@gmail.com

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Yanisa Yusuf
Psicóloga Clínica e Psicanalista em formação. Licenciada em Psicologia
Clínica pela Universidade Politécnica, em Maputo/Moçambique (2013). Espe-
cializada em atendimento clínico com ênfase em Psicanálise (2016). Mestre
em Psicanálise: clínica e cultura pela UFRGS (Universidade Federal do Rio
Grande do Sul) em Porto Alegre/Brasil (2018). Psicoterapeuta com ênfase psi-
canalítica (2013-2021). Pesquisadora na área de saúde mental moçambicana,
violência baseada no género, HIV e vulnerabilidade social. Consultora e coor-
denadora em Nampula de apoio psicossocial para o Programa Rapariga Biz
das Nações Unidas (2018-2021). Psicóloga no ICAP Moçambique (Columbia
University) para uma pesquisa na área do HIV para adolescentes. (2021).
SUR LES AUTEURS
Adriana Rodrigues Domingues
Professeure à l’Université Fédéral de São Paulo – Campus Baixada Santista.
Travaille au sein du Socle Commun pour une formation interprofessionnelle
dans le champ de la santé, en développant des projets d’intervention dans les
services de la santé publique et l’assistance sociale. Membre du GT ANPEPP
Subjectivité Contemporaine. Courriel : adriana.domingues@unifesp.
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Aline Souza Martins


Psychanalyste et psychologue. Professeur à l’Université presbytérienne
Mackenzie. Docteur en psychologie clinique de l’Université de São Paulo.
Stage : Birkbeck University of London. Participe au Réseau interaméricain
de psychanalyse et de politique (REDIPPOL), de l´Université de São Paulo
(USP) au Laboratoire de psychanalyse et de politique (PSOPOL) et au Groupe
d’études, de recherche et d’écriture féministes (GEPEF).

Ana Carolina B. Leão Martins


Psychanalyste, doctorat en Théorie Psychanalytique de l’UFRJ. Professeur
de psychologie à l’UFC – Sobral et du Master en Psychologie et Politiques
publiques à l’UFC – Sobral, où elle coordonne le projet de recherche/extension
« Psychanalyse, politique et éducation ». Coordonnatrice du GT Psychanalyse,
politique et culture de l’Association de recherche et d’études supérieures en
psychologie. Courriel : carolinablmartins@gmail.com

Ana Catarina Nogueira Farias


Licence en Psychologie à l’Université de Fortaleza (UNIFOR), Bourse
d’Initiation Laboratoire Scientifique d’Etudes sur la Psychanalyse, la Culture
et la Subjectivité (LAEpCus). Intéressé par le domaine de la psychologie crim-
inelle, des études sociales et de la violence. Courriel: catarinanogueira333@
gmail.com

Ana Lucia Gondim Bastos


Psychanalyste, membre associée du Département Formation en Psychanalyse
de l’Institut Sedes Sapientiae, où elle travaille en tant que professeure de
Fondements de la Psychanalyse et sa Pratique Clinique. Elle a obtenu le titre
de Docteur par l’Institut de Psychologie de l’Université de São Paulo (USP).
Courriel : analuciagbastos@gmail.com
530

Anderson Santos
Psychanalyste, psychologue et spécialiste en “Santé mentale, immigration
et interculturalisme” par l’Université fédérale de São Paulo (UNIFESP).
Membre du collectif de psychanalyse de Place Roosevelt. Il a travaillé dans
des institutions de services de santé mentale, dans des foyers pour enfants et
adolescents et avec la population des sans-abri. Il a été l’organisateur du livre
“Guattari/Kogawa. Radio libre. L’autonomie. Japon” (ed. sobinfluencia, 2020).
Il travaille en cabinet privé et au Roosevelt Square, un espace public situé
dans la ville de São Paulo.

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Andrea Hortelio Fernandes
Professeur Associé II à l’Institut de Psychologie de l’Université Fédérale de
Bahia (UFBA), au Brésil. Doctorat en Psychopathologie Fondamentale et
Psychanalyse – Université Paris VII, Post-doctorat en Psychologie Clinique
et Culture à l’Université de Brasilia et Post-Doctorat en Psychanalyse et
Culture Contemporaine à l’Université Fédérale de Sergipe. Courriel : ahfer-
nandes03@gmail.com

Aparecida Rosângela Silveira


Psychologue, psychanalyste et docteur en psychologie à l’Université Fédérale
du Minas Gerais, collaboratrice du programme Liens: psychanalyse, subjec-
tivités contemporaines et lien social, de l’Université d’État de Montes Claros
et membre du Groupe de Travail « Psychanalyse, Politique Clinique », de
l’Association Nationale de Recherche et d’Études supérieures en Psychologie
(ANPEPP). Courriel : silveira.rosangela@uol.com.br

Bárbara Cristina Souza Barbosa


Psychanalyste, professeure de cours à l’université Nove de Julho. Diplômée
en psychologie par l’Université fédérale d’uberlandia (UFU) et titulaire d’un
master en psychologie clinique par l’Université de São Paulo (USP). Elle tra-
vaille comme consultante au Système Unique d’Assistance Sociale (SUAS) et a
travaillé comme superviseur clinique-institutionnel au Système Unique de Santé
(SUS). Elle est actuellement membre du Laboratoire de psychanalyse, société et
politique (USP) et de l’Institut Vox. Courriel : candidaoliveiralucas@gmail.com

Cândida Cristine de Oliveira Lucas


Psychologue et psychanalyste, spécialisée dans la santé mentale et les soins
psychosociaux, ayant de l’expérience dans l’animation d’ateliers thérapeu-
tiques et de réunions d’équipes interdisciplinaires. Suit une formation perma-
nente en psychanalyse au Forum du Champ Lacanien de São Paulo. Courriel :
candidaoliveiralucas@gmail.com
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 531

Carolina Saggioro Sobrinho


Avocate, étudiante en psychologie à l’Université de Brasilia, participe actuel-
lement au Groupe de recherche sur la psychanalyse et le corps avec le PSICC
à l’UnB. Chercheuse au Laboratoire de Psychanalyse et Subjectivisation –
LAPSUS. Courriel : csaggiorosobrinho@gmail.com

Cristina Andrade Sampaio


Anthropologue, docteur en santé collective et professeur au département de
santé mentale et de santé collective et au programme d’études supérieures
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en sciences de la santé à l’Université d’État de Montes Claros. Courriel :


cristina.sampaio@unimontes.br

Daniela Scheinkman Chatelard


Professeur Associé dans le Cadre du Programme d’Études Supérieures en
Psychologie Clinique et Culture – PCL – à l’Institut de Psychologie de l’Uni-
versité de Brasilia (PCL–UnB), au Brésil. Post-doctorat à l’Université de Tel-
Aviv – Département de Psychologie – Faculté des Sciences Sociales (2020).
Courriel : dchatelard@gmail.com

Danielle Maia Cruz


Post-doctorat en Évaluation des Politiques Publiques dans le cadre du Pro-
gramme d’Études Supérieures de l’Université Fédérale de Ceará. Maître et
docteur en Sociologie du Programme d’Études Supérieures en Sociologie de
l’Université fédérale de Ceará. Professeur titulaire à l’Université de Fortaleza
(Unifor). Professeur du Master en Droit et Gestion des Conflits à l’Unifor
(MPDIR). Coordinateur du LEVIM – Laboratório de Estudos sobre Violências
contra Mulheres, Meninas e Minorias [Laboratoire d’Études sur la Violence
contre les Femmes, les Filles et les Minorités], lié au Centre des Sciences
Juridiques de l’Unifor. Courriel : dmaiacruz7@gmail.com

Débora Passos
Doctorat en Éducation de l’Université Fédérale du Ceará. Psychanalyste et
professeur du cours de Psychologie à l’Université de Fortaleza (Unifor). Il est
titulaire d’une maîtrise en Psychologie (avec une approche théorique psych-
analytique) de l’Université de Fortaleza (Unifor). Développe actuellement des
activités de recherche liées à la constitution psychique et à la prévention des
psychopathologies de l’enfance. Courriel : deborapassosoliveira@gmail.com
532

Estanislau Alves da Silva Filho


Psychanalyst et traducteur en psychanalyse. Master en psychologie clinique
par l’Université de São Paulo (USP) et membre du Laboratoire Psychanalyse,
Société et Politique (PSOPOL) coordonné par Miriam Debieux Rosa.

Esther de Sena Ferreira


Maître en Psychologie par l’Université de Fortaleza. Professeur à la Faculté
Uninta Itapioca. Membre du LAEpCUS – Laboratório de Estudos sobre
Psicanálise, Cultura e Subjetividade [Laboratoire d’Études sur la Psy-

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chanalyse, la Culture et la Subjectivité]. Chercheuse dans les domaines
de la santé collective et de la violence à l’égard de la femme. Courriel :
esthersf89@gmail.com

Flávia da Silva Tereza


Diplômée en psychologie à la Faculté Anhanguera de Anápolis, étudiante à la
maîtrise en psychologie clinique et culture à l’UnB, chercheuse au laboratoire
de psychanalyse et subjectivation – LAPSUS et psychanalyste membre du l’IF-
EPFCL, de l’École de Psychanalyse des Forums du Champ Lacanien – Brésil et
du Forum du champ Lacanien de Brasilia. Courriel : flaviatereza@gmail.com

Francisca Renata de Araújo Pessoa


Étudiant en master de Psychologie à l’université de Fortaleza (Unifor).
Diplômé en Psychologie de l’Université de Fortaleza (Unifor) en 2017.
Courriel: renata_pessoa@hotmail.com

Gabriel Inticher Binkowski


Psychanalyste et psychologue. Master Recherche en Clinique Transculturelle
et Docteur en Psychologie à l’Université Sorbonne Paris Nord ; Post-Doctorant
en Psychologie Clinique au PPG de Psychologie Clinique de l’Université de
São Paulo (IP-USP, 2017-2021, financement FAPESP) ; Membre du Labora-
toire de Psychanalyse, Société et Politique (PSOPOL – IP/USP) et de l’Unité
Transversale de Recherche Psychogenèse et Psychopathologie (UTRPP).
Superviseur clinique dans le Groupe Veredas : Psychanalyse et Migration
et coordinateur du groupe de recherche Relapso – Religion, Lien Social et
Psychanalyse (IP-USP). Membre du GT 44 de l’ANPEPP – Psychanalyse,
Culture et Politique. Contact : gabriel.binkowski@gmail.com

Gabriela Ferreira
Maître en Histoire et Culture par l’Université d’État du Ceará (2015).
Diplômée en Histoire par l’Université d’État du Ceará (2010). Étudiant en
psychologie à l’Université de Fortaleza - UNIFOR. Membre du LAEpCUS
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 533

– Laboratório de Estudos sobre Psicanálise, Cultura e Subjetividade [Labora-


toire d’Études sur la Psychanalyse, la Culture et la Subjectivité]. - UNIFOR
Courriel : gabidbc@gmail.com

Gabriella Dupim
Pós-doutorant en Psychopathologie. Laboratório EA4050, Laboratoire
EA4050, Université Rennes 2, France. Professèure du Programa de Pós-gra-
duação em Psicologia Práticas e Inovação em Saúde Mental – Universidade de
Pernambuco (Garanhuns) et Professèure Psicologia da Universidade Federal
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

de Campina Grande. Directrice du Laboratório de Psicanálise de Orientação


Lacaniana – LAPSO (UFCG/CNPq). Docteure en Psychologie Université
Rennes 2. Docteure en Psychologie UFRJ. Master en Psychologie UFRJ.
Courriel: gabidupim@gmail.com

Gisele Laranjeira
Psychologue, spécialiste en Psychothérapie Junguienne (UNIP) et Master en
Sciences de la Religion (PUC-SP) ; Membre des groupes de recherche GEPP
(PUC-SP) et du groupe Relapso (IP-USP). Contact : gicrila@gmail.com

Heloisa Caldas
Psychanalyste. AME de l’École Brésilienne de Psychanalyse (EBP) et de
l’Association Mondiale de Psychanalyse (AMP). Professeure Associée de
l’Université de l’État de Rio de Janeiro (UERJ) ; Enseignante au Programme
d’Études Supérieures en Psychanalyse (PGPSA / IP / UERJ). Docteure en
Psychologie (UFRJ). Courriel : helocaldasr@gmail.com

Jacqueline de Oliveira Moreira


Professeur de troisième cycle en psychologie à PUC Minas. Doctorat en
psychologie clinique de la PUC-SP. Master en Philosophie de l’UFMG. Psy-
chanalyste. Bourse de productivité CNPq PQ2. Membre du GT ANPEPP
« Psychanalyse, Politique et Clinique ». Courriel: jackdrawin@yahoo.com.br

Jaquelina Maria Imbrizi


Professeure associée II à l’Université Fédérale de São Paulo – Campus Baixada
Santista. Travaille dans les programmes de premier et deuxième cycles « Ensei-
gnement dans les Sciences de la Santé » (professionnalisation) et « l’Interdisci-
plinarité dans les Sciences de la Santé » (recherche). Membre du GT ANPEPP
Psychanalyse, Culture et Politique. Courriel : jaquelina.imbrizi@unifesp.br
534

Jean-Luc Gaspard
Psychanalyste, Professeur des Universités en Psychopathologie, Laboratoire
RPpsy « Recherches en psychopathologie, nouveaux symptômes et lien social »
Président du réseau interdisciplinaire et international de recherches MILO
« Violences et trauma ». Adresse internet : reseaumilo.wordpress.com Uni-
versité Rennes 2, France. Courriel: jean-luc.gaspard@univ-rennes2.fr

Jerzuí Mendes Tôrres Tomaz


Psychanalyste, professeur à l’Université Fédérale d’Alagoas-UFAL. Titu-

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laire d’un master et d’un doctorat en Littérature et en Linguistique. Étu-
diante post-doctorale du Programme d’Études Supérieures en Psychologie
de l’Université de Fortaleza-UNIFOR et intègre le LAEpCUS – Laboratório
de Estudos sobre Psicanálise, Cultura e Subjetividade [Laboratoire d’Études
sur la Psychanalyse, la Culture et la Subjectivité]. Ses intérêts de recherche
académique couvrent les interfaces entre la psychanalyse, l’éducation, la santé
collective et l’art. Courriel : jerzuitomaz@hotmail.com

Juçara Rocha Soares Mapurunga


Diplômée en Psychologie par l’Université Fédérale de Ceará (UFC). Spécia-
liste en Problèmes d’Apprentissage – Handicap Mental (UFC) et Philosophie
(PUC RS). Maître et docteur en Psychologie (UNIFOR). Professeur du cours
de Psychologie (UNIFOR), membre du LAEpCUS – Laboratório de Estu-
dos sobre Psicanálise, Cultura e Subjetividade [Laboratoire d’Études sur la
Psychanalyse, la Culture et la Subjectivité]. Psychanalyste membre de l’In-
venção Freudiana-Transmissão da Psicanálise [Invenção Freudiana– Trans-
mission de la Psychanalyse]. Auteure de TPM, Paixão, Tensão e Mal-estar e
Ecos da contemporaneidade: a invenção do politicamente correto. Courriel :
jucaramapurunga@unifor.br

Juliane dos Santos Moraes


Diplômé en Histoire de l’Université d’État du Ceará, licence en Psychologie à
l’Université de Fortaleza (UNIFOR), bourse d’initiation scientifique du Labo-
ratoire d’études sur la Psychanalyse, la culture et la subjectivité (LAEpCus).
Elle s’intéresse à la Psychanalyse, à la Psychologie sociale et aux études sur
le genre et les relations raciales. Courriel: julianemmoraes@outlook.com

Katia Regina Paim


Diplômée en psychologie (1989); Licence en psychologie (1992); Spécialisa-
tion en psychologie clinique avec un accent sur la psychanalyse (1999) de
l’Université Fédérale de Rio Grande do Sul et Spécialisation en problèmes
de développement de l’enfance et de l’adolescence du Centre Lydia Coriat de
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 535

Porto Alegre, Brésil (1999). Maîtrise en éducation des adultes à l’Université


Eduardo Mondlane, Mozambique (2006). Psychologue clinicienne au Grupe
Maria Mulher soignant des femmes victimes de violence de genre à Vila
Cruzeiro do Sul, Porto Alegre, Brésil (1997-1999). Membre et secrétaire du
Centre œcuménique pour la culture noire – CECUNE, Porto Alegre, Brésil
(1992-1999). Coordinatrice nationale du Programme national pour la jeunesse
dans l’artisanat de UNESCO (2001-2003). Professeur de psychologie (2001-
2018), coordinatrice du cours de psychologie (2005-2007), coordinatrice du
Bureau de soins psychologiques (2008-2018) à l’Université A Politécnica,
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Mozambique. Consultante en psychologie, coordinatrice nationale du soutien


psychosocial du programme Girl BIZ (2018-2021), une initiative du UNFPA
sous la tutelle du Secrétariat à la Jeunesse et à l’emploi de la République
du Mozambique. Actuellement a développé des travaux et des études dans
le domaine de la psychanalyse dans le contexte des vulnérabilités sociales
critiques avec les adolescents, les jeunes, les femmes et la violence de genre;
noirceur et racisme.

Lêda Antunes Rocha


Psychologue et spécialiste en santé mentale à l’Université d’État de Montes
Claros, Master en sciences de la santé à l’Université d’État de Montes Claros.
Courriel: ledaantunesr@gmail.com

Leonardo Danziato
Psychologue et Psychanalyste; Professeur Titulaire du programme d’Études
Supérieures en Psychologie à l’Université de Fortaleza (Brésil); Coordinateur
du Laboratoire d’Études sur la Culture, la Psychanalyse et la Subjectivité
(LAEpCUS); Docteur en sociologie à l’Université Fédérale du Ceará (UFC);
Vice-coordinateur du Groupe de Travail (GT) « Psychanalyse, politique et
culture » de l’ANPPEP. Courriel: leonardodanziato@unifor.br

Leônia Cavalcante Teixeira


Professeur titulaire du Programme d’Études Supérieures en Psychologie à
l’Université de Fortaleza (UNIFOR). Doctorat en Santé Collective (UERJ)
avec des études post-doctorales en Psychologie à l’Université Ouverte de Lis-
bonne. Psychologue et psychanalyste. Membre du LAEpCUS – Laboratório
de Estudos sobre Psicanálise, Cultura e Subjetividade [Laboratoire d’Études
sur la Psychanalyse, la Culture et la Subjectivité] ; du GT ‘Psychanalyse,
politique et clinique’ de l’ANPEPP ; Rede Internacional Coletivo Amarra-
ções – Psicanálise & Políticas com Juventudes [Réseau International Collectif
Amarrages – Psychanalyse et Politique avec la Jeunesse] ; et de MCVI –
536

« L’Université dans la prévention et la confrontation de la violence au Ceará ».


Courriel : leonia.ct@gmail.com

Luciana Ferreira Chagas


Doctorat en psychologie clinique de l’Institut de psychologie de l’Université
de São Paulo (IPUSP). Psychanalyste. Professeur à la Faculté d’Ilhéus – Bahia
(CESUPI). Auteur du livre « Le cycle de la violence – Psychanalyse, Répéti-
tion et Politiques Publiques » Courriel : lucianachagaspsicologia@gmail.com

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Luciana Lira
Avocate diplômée par l’Université de Fortaleza – UNIFOR en 2008.2. Étudiant
du cours de psychologie à l’Université de Fortaleza – UNIFOR. Membre du
LAEpCUS – Laboratório de Estudos sobre Psicanálise, Cultura e Subjetividade
[Laboratoire d’Études sur la Psychanalyse, la Culture et la Subjectivité] –
UNIFOR. Courriel : lucianaribeirolira@gmail.com

Márcia Cristina Maesso


Psychanalyste et professeur au département de psychologie clinique de l’UnB et
au programme d’études supérieures en psychologie clinique et culture de l’UnB,
membre du Laboratoire de Psychanalyse et Subjectivisation – LAPSUS. Doc-
torat et Master en psychologie clinique – USP. Membre du Groupe de Travail
« Psychanalyse, Politique et Clinique », de l’Association Nationale de Recherche
et d’Etudes Supérieures en Psychologie (ANPEPP). Membre de l’École de Psy-
chanalyse des Forums du Champ Lacanien. Courriel : maessomc@gmail.com

Maria Celina Peixoto Lima


Diplômée en Psychologie de l’Université Fédérale du Ceará (1982), Master en
Psychologie et Psychopathologie Clinique – Université Lyon 2 (1991), Master
en Psychologie de l’Université Pontificale Catholique de Campinas (1985),
Doctorat en Psychologie – Université Paris 13 (2002) et Post-Doctorat - Uni-
versité Rennes 2 (2015). Elle est actuellement professeur au PPG en psycholo-
gie de l’Université de Fortaleza, psychanalyste. Développe des recherches
principalement sur les thèmes suivants : psychanalyse, lien social, discours et
pratiques institutionnels, psychopathologie de l’enfance et de l’adolescence.
Et membre du groupe de travail de l’ANPEPP “Psychanalyse et éducation”.
Courriel: celina.lima@unifor.br

Maria Clerismar Pereira dos Santos


Infirmière, spécialiste en santé familiale à l’Université d’État de Montes Claros,
spécialiste en santé mentale à l’Université catholique Dom Bosco, coordonnatrice
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 537

de l’équipe du Cabinet dans la Rue à Montes Claros, au Minas Gerais.


Courriel : suportadoraesfmeire@gmail.com

Maria Lívia Tourinho Moretto


Psychanalyste. Professeur titulaire du Département de psychologie clinique
de L’Institut de psychologie de l’Université de São Paulo (IPUSP). Coor-
dinateur du programme d’études supérieures en psychologie clinique de
l’IPUSP. Président de la SBPH. Bourse de productivité de la recherche par le
CNPq. membre du GT de l’ANPEPP « Psychanalyse, Politique et Clinique ».
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

Courriel: liviamoretto@usp.br

Marie-José Grihom
Marie-José Grihom, professeur de psychologie clinique et pathologique à
l’Université de Poitiers, psychologue clinicienne, psychanalyste, est membre
de l’URM RPpsy 4050 et co-responsable avec Romuald Hamon du champ
thématique « Violence, familles et radicalités ». Ses recherches portent sur la
subjectivation, les liens familiaux et l’acte. Elle s’intéresse particulièrement à
la violence domestique et familiale du point de vue des victimes et des auteurs
de violence, aux liens entre les couples et les groupes familiaux. Elle intègre
une perspective de genre dans son travail. Récemment, en collaboration avec
Lydie Bodiou et Frédéric Chauvaud, elle a dirigé plusieurs ouvrages : Le
corps en lambeaux, violences sexuelles faites aux femmes, Rennes, Presses
universitaires de Rennes, Collection « Histoire », 2016 ; Les corps défail-
lants, Du corps malade, usé, déformé au corps honteux, Paris, Imago, 2018 ;
On tue une femme. Le féminicide, histoire et actualité, Paris, Hermann,
« Psychanalyse », 2019 ; Les violences en famille. Histoire et actualités, Paris,
Hermann, 2020 ; Les liens saccagés, Rennes, PUR. 2021 (à paraître). Elle
codirige avec Claire Metz une nouvelle collection aux Presses Universitaires
de Strasbourg : Corps, Psyché, Sociétés. Courriel : grihom@me.com

Marília Albuquerque de Sousa


Psychanalyste, psychologue diplômée de l’UFC – campus Sobral. Professeur sup-
pléant du cours de psychologie à l’UFC. Courriel : mariliaadesousa@hotmail.com

Mélinda Marx
Psychologue, Psychanalyste, Docteure en Psychopathologie, Laboratoire
EA4050, Université Rennes 2, France. Courriel : m.marx1277@gmail.com

Miriam Debieux Rosa


Psychanalyste, professeur titulaire au programme de psychologie clinique de
l’USP, où elle coordonne le Laboratoire Psychanalyse, Société et Politique
538

et le groupe Grupo Veredas: Psicanálise e Migração [Groupe Veredas : Psy-


chanalyse et Migration]. Présidente de RedIPPol – Rede Interamericana de
Pesquisa em Psicanálise e Política [Réseau Interaméricain de Recherche en
Psychanalyse et en Politique]. Auteure du livre Histórias que não se contar :
psicanálise com crianças e adolescentes [Histoires non racontées: la psy-
chanalyse avec les enfants et les adolescents], réédité par Editora Casa do
Psicólogo, en 2010, co-organisateure du livre Debates sobre a Adolescência
Contemporânea e o Laço Social [Débats sur l’adolescence contemporaine et
le lien social], 2012 et du livre Desejo e Política: desafios e perspectivas no

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campo da imigração e refúgio [Désir et politique: défis et perspectives dans
le domaine de l’immigration et du refuge] (Editora Max Limonad, 2013).
Elle a publié le livre A clínica psicanalítica face ao sofrimento sócio-político
[La pratique clinique psychanalytique face à la souffrance socio-politique]
(Editora Escuta / Fapesp, 2016), avec la première place du prix Jaboti 2017.

Nayara Teixeira Gomes


Infirmière, spécialiste en santé familiale par la Société éducative du Brésil,
étudiante à la maîtrise en sciences de la santé à l’Université d’État de Montes
Claros, référence technique des soins de santé primaires dans la municipalité
de Montes Claros, Minas Gerais. Courriel : nayarateixeiragomes@gmail.com

Paula Affonso de Oliveira


Psychologue à l’Institut fédéral de l’éducation, des sciences et de
la technologie du Pará. Master en psychologie et doctorant au pro-
gramme de troisième cycle en psychologie de l’Université fédérale du
Pará dans la ligne de recherche «Psychanalyse, théorie et clinique».
Courriel : paulaoliveira.psi@gmail.com

Priscilla Faheina de Oliveira


Membre du LAEpCUS – Laboratório de Estudos sobre Psicanálise, Cultura e Sub-
jetividade [Laboratoire d’Études sur la Psychanalyse, la Culture et la Subjectivité].
Psychologue et psychanalyste en formation. Courriel : prifaheina@hotmail.com

Priscilla Santos de Souza


Psychanalyste, doctorant en psychologie clinique à l’IPUSP et membre du
Grupo Veredas: Psicanálise e Migração [Groupe Veredas : Psychanalyse et
Migration], de l’IPUSP. Formation en Histoire et en Psychologie. Travaille
comme technicienne en questions éducatives à l’Université Fédérale d’ABC
– Santo André. Membre de la présidence du RedIPPol – Rede Interamericana
de Pesquisa em Psicanálise e Política [Réseau Interaméricain de Recherche
en Psychanalyse et en Politique] et chercheuse à Amarrações – Psicanálise &
VIOLÊNCIA DE GÊNERO E ÓDIO AO FEMININO 539

Políticas com Juventudes [Réseau International Collectif Amarrages – Psycha-


nalyse et Politique avec la Jeunesse]. Fait des recherches sur la psychanalyse
et la politique, l’enfance et l’adolescence. Son doctorat est consacré à l’étude
des contributions de Frantz Fanon à la psychanalyse, à la souffrance psychique
et aux relations raciales.

Roseane Freitas Nicolau


Psychanalyste, Psychologue, Docteur en Sociologie (UFC) et Post-Doc-
torant en Théorie Psychanalytique (UFRJ). Professeur à la Faculté et au
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programme d’études supérieures en psychologie de l’UFA, membre de l’Es-


cola Letra Freudiana et coordinateur du laboratoire de la clinique du sujet.
Courriel : rf-nicolau@uol.com.br

Sabrina Serra Matos


Psychologue et psychanalyste. Professeur du cours de Psychologie à l’Université
de Fortaleza – UNIFOR. Spécialiste en Santé Mentale au Centre d’Études Van-
dick Ponte et Maître en Santé Publique de l’École de Médecine de l’Université
Fédérale de Ceará. Membre du LAEpCUS – Laboratório de Estudos sobre
Psicanálise, Cultura e Subjetividade [Laboratoire d’Études sur la Psychanalyse,
la Culture et la Subjectivité]. Chercheuse dans les domaines de la santé mentale
et de la violence. Courriel : sabrinamatos@unifor.br

Samira Andrade Paiva


Diplômé en psychologie de l’Université de Fortaleza (UNIFOR). était bou-
rsier de Initiation scientifique du Laboratoire d’études sur la psychanalyse,
la culture et la subjectivité (LAEPCus). Intéressé par le domaine des étu-
des liées à la psychologie Décolonial et son imbrication avec la Psych-
analyse, en plus de travailler avec Psychologie communautaire. Courriel:
samirapaivaandrade@gmail.com

Samuel Rocha Freitas


Psychologue, psychanalyste, membre de l’équipe technique du Centre de
soins psychosociaux de l’alcool et des autres drogues à Montes Claros, Minas
Gerais. Courriel : rochafsamuel@gmail.com

Sandra Djambolakdjian Torossian


Psychanalyste, Professeur à l’Université Fédérale de Rio Grande do Sul
(UFRGS) – Département de Psychanalyse et Psychopathologie et PPG en
Psychanalyse : clinique et culture. Coordinateur du Laboratoire d’Etudes
en Psychanalyse, Littérature et Politique – LEPLIP. Superviseur du soutien
psychosocial du programme RAPARIGA BIZ – Mozambique. Compose
540

l’équipe de direction de la Clinique de atention psychologique (CAP) –


UFRGS et coordonne le GT AD – Groupe de travail Adolescence, Alcool
et Drogues au CAP. Membre du GT ANPEPP- Psychanalyse, politique et
clinique, de REDIPPOL – Réseau interaméricain de recherche en psychanal-
yse et politique, du Net Internacional Coletivo Amarrações: psychanalyse
et politiques avec les jeunes. Participe du conseil consultatif de REDUC –
Réseau brésilien pour la réduction des risques et les droits humains Courriel:
djambo.sandra@gmail.com

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Tahamy Louise Duarte Pereira
Psychologue et psychanalyste. Spécialiste du réseau de soins psychosociaux
et étudiante en master de psychologie clinique par l’Université de São Paulo
(USP). Membre du Laboratoire de psychanalyse, société et politique (PSO-
POL) et du Centre de recherche en psychanalyse, éducation et culture de
l’UFRGS (NUPPEC). Elle travaille au SUS en tant que psychologue de santé
mentale en cabinet privé et est analyste dans le collectif de la clinique de
psychanalyse ouverte à la ville de Santos.

Victoria Ayelén Gómez


Doctorant en Psychologie Clinique et Culture à l’Université de Brasilia
(PPGPsiCC – UnB). Master en Psychologie Sociale, du Travail et des Orga-
nisations à l’Université de Brasilia. Psychologue à l’Université Nationale de
Córdoba (Argentine). Courriel : victoria.ayelen.gomez@gmail.com

Yanisa Yusuf
Psychologue clinicienne et psychologue en formation. Diplômé en psychologie
clinique de l’Université polytechnique de Maputo/Mozambique (2013). Spé-
cialisé dans les soins cliniques avec un accent sur la psychanalyse (2016). Mas-
ter en psychanalyse: clinique et culture de l’UFRGS (Université fédérale
du Rio Grande do Sul) à Porto Alegre / Brésil (2018). Psychothérapeute à
emphase psychanalytique (2013-2021). Chercheur dans le domaine de la santé
mentale mozambicaine, de la violence sexiste, du VIH et de la vulnérabilité
sociale. Consultante et coordinatrice à Nampula du soutien psychanalyse
(2016) pour le programme Rapariga Biz des Nations Unies (2018-2021). Psy-
chologue à l’ICAP Mozambique (Université Columbia) pour une recherche
sur le VIH chez les adolescents (2021).
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SOBRE O LIVRO
Tiragem: Não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 X 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 11,5/12/16/18
Arial 7,5/8/9
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)

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