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Advogado como testemunha

e o sigilo pro ssional

O sigilo profissional é uma das bases da relação


advogado-cliente.

Fundamento basilar dessa relação, portanto, é o sigilo (artigo 25 do Código de


Ética e Disciplina da OAB). O que é dito entre cliente e advogado, ali
permanece. Aquilo que venha a ser externalizado pelo profissional somente
pode assim ser quando dentro de um contexto que justifique o relato para
outrem, quando, por exemplo, os fatos relatados pelo cliente são escritos pelo
advogado numa petição inicial, a fim de levar o caso ao conhecimento do
Judiciário, instaurando-se assim um processo.

O agir estratégico, sempre dentro do fair play, também faz parte dessa
dinâmica. Somente aquilo que realmente interessa a determinado litígio é que
justifica sua menção num procedimento judicial. Nesse sentido, o artigo 27 do
Código de Ética e Disciplina da OAB prevê que “as confidências feitas ao
advogado pelo cliente podem ser utilizadas nos limites da necessidade da
defesa, desde que autorizado aquele pelo constituinte”.

Na advocacia criminal, campo onde a analogia com a conversa entre médico e


paciente é ainda mais aparente, o profissional muitas vezes toma
conhecimento de diversos relatos de seus clientes. Independente do teor que
esses relatos possuam, toda e qualquer conversa (ao vivo, por telefone, por
mensagem, por e-mail, por WhatsApp...) tida entre cliente e advogado é
protegida pelo sigilo profissional, o qual deve ser respeitado e mantido
enquanto tal.

A questão aqui lançada é a seguinte: caso o advogado seja intimado, na


qualidade de testemunha, para prestar depoimento sobre situação que envolva
um cliente seu (mesmo que não mais o sendo), cujos fatos o profissional tenha
tomado ciência pelas conversas com seu então constituinte, estará
desobrigado do sigilo e poderá relatar o que lhe for perguntado? A resposta é
um sonoro NÃO!

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O artigo 26 do Código de Ética e Disciplina da OAB assim determina:

"O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o


que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como
testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato
relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que
autorizado ou solicitado pelo constituinte."
Não obstante, tal negativa em depor, zelando pelo sigilo inerente à profissão,
constitui prerrogativa profissional – conforme previsão no inciso XIX do
artigo 7º da Lei n. 8.906/94:

“recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou


deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi
advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem
como sobre fato que constitua sigilo profissional.”
O fundamento é a preservação do sigilo, pautando-se pelo basilar que sustenta
a confiança necessária na relação advogado-cliente.

O próprio Código de Processo Penal, ao tratar da prova testemunhal, prevê no


artigo 207 as pessoas que são proibidas de depor. O advogado se enquadra em
tal condição. Guilherme de Souza NUCCI (2012, p. 498) aduz nesse mesmo
sentido, a saber, que

“o advogado tem o direito de não depor como testemunha, ainda que seu
cliente o libere do dever de sigilo e mesmo que seu depoimento produza
algum interesse para o constituinte. Trata-se de medida salutar, pois o
causídico deve ser o único censor da sua possibilidade de prestar
declarações”.

Destaca-se assim que a ressalva constante no final do artigo 207 do Código de


Processo Penal (“[...] salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem
dar o seu testemunho”) não se aplica ao advogado, devendo o profissional
zelar pelo sigilo, descartadas as excepcionalidades (aqueles previstos no
artigo 25 do Código de Ética e Disciplina da OAB), mesmo quando autorizado
pelo seu então constituinte

Gisela Gondin RAMOS (2009, p. 113), ao tratar da prerrogativa em comento,


explana que

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“a norma se apresenta como uma garantia ao sigilo profissional, cujo


interesse em preservar extrapola os limites do interesse de proteção pessoal
do advogado para se colocar como escudo protetor da própria sociedade,
traduzindo-se num bem jurídico do qual o advogado é depositário”.

Vale registrar que a violação do sigilo profissional constitui infração


disciplinar (artigo 34, VII da Lei n.º 8.906/94), podendo ainda se tratar de
questão mais grave a depender da situação.

Perceba-se assim que o sigilo é a base da relação profissional entre advogado e


cliente, assegurado por lei. Em situação na qual seja o profissional intimado
para prestar depoimento no âmbito da questão aqui exposta, não só pode
como também deve recusar a depor, respeitando-se e preservando assim o
sigilo inerente da relação advogado-cliente.

REFERÊNCIAS

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal


Comentado. 12ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

RAMOS, Gisela Gondin. Estatuto da Advocacia: comentários e


jurisprudência selecionada. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

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