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O BESTIÁRIO RUPESTRE DO PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA

Article · October 2010

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Thalison Santos Lucas Braga


Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Fortaleza, Ceará Federal University of Rio de Janeiro
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Maxim Jaffe
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
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O BESTIÁRIO RUPESTRE DO PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA

Thalison dos SANTOS*


Jorlan da Silva OLIVEIRA**
Lucas Braga da SILVA***
Maxim Simões de Abreu JAFFE****

*Graduando em Arqueologia e Preservação Patrimonial pela Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF,
Técnico do laboratório de Geoprocessamento FUMDHAM/CNPq. sthalison@yahoo.com
**Técnico de Conservação em Arte Rupestre, FUMDHAM/CNPq. jorlanso@yahoo.com.br
***Graduando em Arqueologia e Preservação Patrimonial pela Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF,
Técnico do laboratório de Geoprocessamento FUMDHAM/CNPq. viplucas@hotmail.com
****Graduado em Comportamento Animal, Ecologia e Conservação pela Anglia Ruskin University, Reino Unido
maxim_jaffe@hotmail.com.

Resumo
O presente texto visa abordar as representações dos animais e as cenas de
caça da Arte Rupestre do Parque Nacional Serra da Capivara como uma
narrativa, nos moldes de um Bestiário. Assim, tenta definir a idéia de um
Bestiário Rupestre Pré-histórico e identifica nas pinturas os seus
componentes básicos, das narrativas identificáveis as narrativas heróicas ,
que terminam sendo manifestações características próprias dos diversos
grupos humanos.

Palavras-chave; Narrativa, Bestiário, Arte Rupestre, Parque Nacional Serra


da Capivara.
Thalison SANTOS, Jorlan OLIVEIRA, Lucas BRAGA & Maxim JAFFE

Introdução Bestiários se estabelecem acerca de pequenas


A arte rupestre tem sido o testemunho mais narrativas que se referem às espécies animais,
fantástico das ações dos nossos antepassados com propostas morais e didáticas. Assim, cada
pré-históricos no mundo. E desde há muitos narrativa se divide em dois componentes
anos tem sido estudada, pelos diversos distintos: um com caráter descritivo de
pesquisadores e especialistas, quando estes, significado literal que Varandas se refere
passaram a acreditar nas capacidades como, a descrição, proprietas ou naturas. E
cognitivas dos homens pré-históricos. Pode-se outro componente de caráter moralizante e
destacar que para a arqueologia é indiscutível interpretativo teológico com significado
o fato de que o estudo da arte rupestre é simbólico-alegórico, também designado por
extremamente importante para a nossa Varandas como moralização, moralitas ou
sociedade, principalmente, pelo fato, de que figuras.
os vários estudos, que têm sido realizados
sobre arte rupestre pré-histórica, e que têm Particularizando o conceito de Bestiário para
contribuído parcialmente para a compreensão ser aplicado à arqueologia, este poderia ser a
do passado ainda se desenvolvem tendo como descrição narrativa de seres que existiram
base questionamentos de caráter global. realmente ou de seres fantasiosos ligados ao
Afinal, por que os homens pré-históricos imaginário e à religiosidade ou crenças dos
pintavam? Que mensagens ou significados grupos pré-históricos. O termo Narrativa está
poderiam estar registrados nos suportes ligado ao ato de narrar, ou no âmbito da
rochosos? Assim, compreender uma pequena literatura, pode ser um conto ou uma história.
porção do passado pré-histórico, e tendo Quando se utiliza a Narrativa como uma
como base questionamentos de caráter global, forma de abordar o Bestiário, no caso, o
818 e compreendendo o Bestiário, ou o livro das Bestiário Rupestre Pré-Histórico se busca dar
Bestas, tão típico da Idade Média, como uma originalidade à ação humana, não mais que
manifestação do cognitivo simbólico humano, legítima, só sendo possível abordar o Bestiário
é que se tem pretendido desenvolver este associado ao homem que o criou. Entretanto,
artigo. Pretende-se uma nova forma de surgem questionamentos sobre o que o
abordar os estudos da Arte Rupestre que há homem pré-histórico narrava, e até que ponto
muito tem sido discutida no mundo dentro de se pode mensurar que se trata de aspirações
enfoques no âmbito de sistema de imaginárias ou reais. No caso do Bestiário
comunicação, como estrutura do Rupestre Pré-Histórico, poderia ser a partir do
comportamento humano, xamanismo, mágica momento em que se observa a semelhança
de caça entre outras abordagens. das representações do passado com os seres
do presente e com a provisão do senso
O Bestiário comum.
Comummente os bestiários eram textos
descritivos de todos os seres reais ou Narrativas Identificadas no Bestiário
fantasiosos, alguns, às vezes possuíam Rupestre do Parque Nacional Serra da
comentários moralizantes, ou também Capivara
humorísticos. De acordo com Angélica
Varandas (ano), o Bestiário é uma obra de De acordo com análises realizadas sobre a arte
características únicas para a literatura da Idade rupestre do Parque Nacional Serra da
Média que apresentam aspectos que se Capivara foi possível definir uma primeira
relacionam. São eles; a descrição de espécies versão do Bestiário Rupestre Pré-Histórico e
animais, que tenham existido realmente ou como ele se comporta naturalmente,
não. A dependência destas descrições às estabelecendo as seguintes subdivisões:
interpretações de nível simbólico e típico. E a Narrativas Não-Identificáveis, Narrativas
associação de iluminuras e ornamentação. Identificáveis e as Narrativas Heróicas.
Ainda de acordo com Varandas (ano), os

13/ Animais na arte rupestre – Animals in the rock art


O BESTIARIO RUPESTRE DO PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA.

Narrativas Não-Identificáveis toca do Salitre e segundo Morales (2002), esta


pintura poderia representar uma pessoa
Define-se a partir das representações com vestida de Tamanduá, para um ritual indígena
temáticas abstratas, mas que o senso comum da tribo.
nos introjeta a sensação de que estas
representações possam ser de animais, porém
desconhecidos, ou que existiram somente no
imaginário ou nas crenças dos Homens pré-
históricos, ou que existiram na época e
atualmente estão extintos e seus restos fósseis
não são ou ainda não foram identificados pela
ciência. Como no caso da Figura 1 (abaixo).

819

Figura1- Toca do Pau Doía (Arquivo FUMDHAM). Figura 2 – Toca do Salitre (Arquivo FUMDHAM).

Esta pintura é identificada no sítio Narrativas Identificáveis


arqueológico Toca do Pau Dóia, e pelo senso
comum, apresenta semelhanças com uma Em seguida o Bestiário pré-histórico
capivara, (observar a representação da face) e proporciona representações de animais que
com uma onça, (observar a representação das possuem traços que projetam sua aparência
patas e das manchas internas do corpo) sendo morfológica parecida com a dos animais da
chamada de capionça. Porém é a atualidade possibilitando, através do senso
representação de um animal que não se comum uma correlação com espécies
assemelha com nenhuma espécie existente existentes. Alguns dos animais identificados
atualmente na região, e não há registros são constantemente representados e outros
fósseis que permitam a reconstrução raramente. Como por exemplo, no caso dos
morfológica desta espécie. Assim, poderíamos cervídeos que segundo Ignácio (2009), são os
propor a hipótese de que, de acordo com a mais representados na arte rupestre do Parque
representação. Nacional Serra da Capivara. Na figura 3 pode-
se observar a representação dos cervídeos da
Outra representação deste ser, ele só deveria Narrativa Identificável, eles se encontram nos
existir no universo imaginário ou religioso do sítios arqueológicos Toca do Zé Paes, Toca
homem pré-histórico. de caráter Não do Varedão X, Toca do Baixão da Roça do
Identificável é a Figura 2. Embora ela se Tintino I, Toca do Caldeirão dos Canoas IV e
assemelhe mais com um antropomorfo com Toca do Morcego (seguindo a ordem da
alguma vestimenta, talvez ritual, ainda esquerda para a direita).
permanece a dúvida quanto ao seu tipo
morfológico. Esta pintura está localizada na

Congresso Internacional da IFRAO 2009 – Piauí / BRASIL


Thalison SANTOS, Jorlan OLIVEIRA, Lucas BRAGA & Maxim JAFFE

Figura 3 - Toca do Zé Paes, Toca do Varedão X, Toca


do Baixão da Roça do Tintino I, Toca do Caldeirão dos Para as representações de felinos são
Canoas IV e Toca do Morcego (seguindo a ordem da analisados principalmente os traços como a
esquerda para a direita). Fonte: ArqueoArte representação das patas, o rabo sempre para
cima, a presença dos caninos. Na figura 7
Na figura 4 mais representações que atestam a destacam-se as pinturas dos sítios, Toca da
abundância morfológica existente, somente Roça do Raimundão Ferreira e Toca do
entre as representações de cervídeos. Caldeirão do Gado X (seguindo a ordem da
esquerda para a direita).
As pinturas da figura 4 se encontram nos
sítios Toca da Dama, Toca do Varedão VI, Também destacam as representações de
Toca do Caldeirão do Rodrigues II, Toca do capivaras que também, de acordo com a
Varedão VII, Toca do Baixão do Perna II, morfologia permite uma correlação com as
Toca do Baixão das Mulheres II e Toca do capivaras atuais. Na figura 8 destaca-se a
Varedão X (seguindo a ordem de cima para pintura do sítio Toca do Caldeirão dos
baixo e da esquerda para a direita). Rodrigues II.
820

Também dentro das Narrativas Identificáveis Figura 4- Toca da Dama, Toca do Varedão VI, Toca do
Caldeirão do Rodrigues II, Toca do Varedão VII, Toca
pode-se encontrar a representação de aves, do Baixão do Perna II, Toca do Baixão das Mulheres II
como as emas que são as mais representadas. e Toca do Varedão X (seguindo a ordem de cima para
Na figura 5 destacam-se as representações dos baixo e da esquerda para a direita). Fonte: Arquivo
sítios, Toca do Caldeirão dos Canoas II, Toca FUMDHAM.
do Caldeirão dos Canoas IV e Toca do
Varedão X (seguindo a ordem da esquerda
para a direita).

Na figura 6 destacam-se as representações dos


sítios, Toca do Varedão X, Toca da Entrada
do Baixão da Vaca e Toca da Serrinha II X
(seguindo a ordem da esquerda para a direita).

13/ Animais na arte rupestre – Animals in the rock art


O BESTIARIO RUPESTRE DO PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA.

Figura 5 - Toca do Caldeirão dos Canoas II, Toca do


Caldeirão dos Canoas IV e Toca do Varedão X
(seguindo a ordem da esquerda para a direita). Fonte:
ArqueoArte.

821

Figura 6 – Toca do Varedão X, Toca da Entrada do


Baixão da Vaca e Toca da Serrinha II X (seguindo a
ordem da esquerda para a direita). Arquivo
FUMDHAM.

Figura 7 - Toca da Roça do Raimundão Ferreira e Toca


do Caldeirão do Gado X (seguindo a ordem da esquerda Figura 8 - Toca do Caldeirão dos Rodrigues II.
para a direita). Fonte: ArqueoArte. Fonte: ArqueoArte.

Congresso Internacional da IFRAO 2009 – Piauí / BRASIL


Thalison SANTOS, Jorlan OLIVEIRA, Lucas BRAGA & Maxim JAFFE

Narrativas Heróicas. Referências


Definem-se pela manifestação de Varandas, Angélica – A Idade Média e o
representações pintadas que podem originar Bestiário. Medievalista
cenas que nos introjetem a sensação de (www.fcsh.unl.pt/iem/medievalista), Instituto
grandes caçadas. Geralmente os animais de Estudos Medievais da Universidade Nova
representados nestas cenas, podem de Lisboa, 2006.
corresponder aos na Narrativa Identificável e
se apresentam de maneira proporcionalmente Morales, Reinaldo – The Nordeste
grande, quando correlacionados com as Tradition: Innovation and Continuity in
representações antropomórficas existentes das Brazilian Rock Art. Virginia Commonwealth
cenas. University Richmond, Virginia, 2002.
Ignácio, Elaine – A Representação de
Considerações finais Cervídeos no Complexo Rupestre do
O Bestiário Rupestre Pré-Histórico pode Parque Nacional Serra da Capivara:
legitimar as capacidades complexas e abstratas
Morfologias, Sintaxe e Contextos
da cognição dos homens pré-históricos, que arqueológicos, Instituto Politécnico de
se transportaram através da ação humana de Tomar - Universidade de Trás-os-Montes e
pintar e que se mostram hoje através das Alto Douro (Departamento de Geologia da
Narrativas Não-Identificáveis. Entretanto, as UTAD – Departamento de Território,
Narrativas Identificáveis também poderiam Arqueologia e Património do IPT, Master
indicar tal complexidade humana, pois Erasmus Mundus em Quaternário e Pré-
poderiam marcar o momento em que o
História), 2009.
homem buscava a precisão, as realidades
822 cotidianas em suas representações. As Arquivo FUMDHAM.
Narrativas Heróicas poderiam indicar a
necessidade humana de se afirmar no meio Arquivo ArqueoArte.
em que vivia, concernindo natureza, animal,
homem e suas capacidades, legitimando o seu
lugar na natureza e se valorizando
culturalmente. Por fim, podemos afirmar que
há uma riqueza quantitativa e qualitativa
quando tratamos das representações das
figuras zoomórficas pintadas na região do
Parque Nacional Serra da Capivara. Assim,
este trabalho se configura como um primeiro
momento de pesquisa, como uma proposta
que pretende ser pormenorizada em etapas
posteriores, para assim poder compreender
mais sobre o passado e os grupos que o
fizeram.

13/ Animais na arte rupestre – Animals in the rock art

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