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TESE Rodrigo de Sá Netto O Partido Da Fé Capitalista
TESE Rodrigo de Sá Netto O Partido Da Fé Capitalista
INSTITUTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
RODRIGO DE SÁ NETTO
O PARTIDO DA FÉ CAPITALISTA
organizações religiosas e o imperialismo norte-americano na segunda metade do século
XX
NITERÓI, RJ
2022
RODRIGO DE SÁ NETTO
O PARTIDO DA FÉ CAPITALISTA
ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS E O IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO NA
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX
Orientadora:
Prof.ª Dr.ª Virgínia Maria Gomes de Mattos Fontes
Niterói, RJ
2022
RODRIGO DE SÁ NETTO
O PARTIDO DA FÉ CAPITALISTA
ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS E O IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO NA
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Virgínia Maria Gomes de Mattos Fontes - UFF
Orientadora
___________________________________________________
Prof. Dr. Bernardo Kocher - UFF
___________________________________________________
Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto - UEFS
___________________________________________________
Prof. Dr. Fabio Py Murta de Almeida – UENF
___________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Mariano - USP
Niterói, RJ
2022
A todos os que lutam pela fundamental e universal emancipação humana
AGRADECIMENTOS
Introdução ............................................................................................................................................ p. 17
Capítulo 4 - Os braços executivos do Partido da Fé Capitalista nos Estados Unidos e resto do mundo
1 – Introdução ........................................................................................................................................ p. 163
2 – As metamorfoses do Partido da Fé Capitalista ................................................................................. p. 164
3 – Principais grupos que estruturam o Partido da Fé Capitalista .......................................................... p. 166
3.1 - Os fundamentalistas ...................................................................................................................... p. 167
3.2 - Os pentecostais ............................................................................................................................. p. 177
4 - Principais organizações executoras do Partido da Fé Capitalista .................................................... p. 182
4.1 - As igrejas ...................................................................................................................................... p. 182
4.1.1 - A Assembleia de Deus ............................................................................................................... p. 183
4.1.2 - A Igreja do Evangelho Quadrangular ........................................................................................ p. 196
4.1.3 - A Igreja da Unificação (“Seita Moon”) ...................................................................................... p. 199
4.1.4 - A Convenção Batista do Sul ....................................................................................................... p. 201
4.1.5 - A Igreja Presbiteriana ................................................................................................................ p. 203
4.1.6 - A Igreja Católica e sua Renovação Carismática ........................................................................ p. 204
4.2 - Organizações interdenominacionais nos EUA .............................................................................. p. 206
4.2.1 - A “alternativa conservadora” National Association of Evangelicals ......................................... p. 207
4.3 - Organizações religiosas dedicadas à política partidária ............................................................... p. 210
4.3.1 - A Moral Majority ....................................................................................................................... p. 220
4.3.2 - A Christian Coalition ................................................................................................................. p. 223
4.3.3 – Focus on the Family (Foco na Família) e Family Research Council (Conselho de Pesquisa da
Família) ................................................................................................................................................. p. 231
4.4 - Organizações missionárias interdenominacionais ........................................................................ p. 236
4.4.1 - O Summer Institute of Linguistics (SIL International - Instituto Linguístico de Verão) ........... p. 237
4.4.2 - Christian and Missionary Alliance ............................................................................................. p. 246
4.4.3 - A Campus Crusade for Christ .................................................................................................... p. 249
4.4.4 - Outras agências missionárias auxiliares da hegemonia capital-imperialista norte-americana ... p. 251
4.5 - Laboratórios de Ideias ................................................................................................................... p. 253
4.5.1 - O Institute on Religion and Democracy ..................................................................................... p. 254
5 - Conclusão ........................................................................................................................................ p. 255
PARTE III
A SUCURSAL BRASILEIRA DO CONSÓRCIO IMPERIALISTA EMPRESARIAL-RELIGIOSO
Introdução
1
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DES – Delegacia de Ordem Política e
Social do Espírito Santo. Eventos Religiosos. Código de Referência: BR ESAPEES DES.0.MR.12.
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2
Cientista social, historiador, antropólogo e especializado em estudos latino-americanos e do cristianismo.
É professor nas Universidades canadenses Balsillie School of International Affairs e Wilfrid Laurier
University e distinguished senior research fellow no Institute for Studies of Religion da norte-americana
Baylor University. Seus temas de pesquisa são sociologia da religião; religião e política; religião e
globalização; protestantismo e pentecostalismo. (FRESTON, 2014).
3
Galindo (1995, p. 192) relata que o movimento dito “neopentecostal”, caracterizado pela introdução da
Teologia da Prosperidade, surge nos EUA na década de 1960. Já Mariano (2014, p. 151) situa a sua eclosão
na década de 1970 pois, ainda que elementos seus já pudessem ser observados no culto pentecostal desde
a década de 1940, ele apenas se organiza num movimento doutrinário mais tarde, quando a Teologia da
Prosperidade é abraçada por grupos carismáticos norte-americanos.
4
Estima-se que em nosso país os pentecostais tenham crescido na ordem de 75% de 1955 a 1960; 100% de
1960 a 1970; 80% na década de 1970 e 170% entre 1980 e 1992 (CORTEN, 1996, p. 138).
19
5
Historiadora e filósofa, é professora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio - EPSJV, do
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense e da Escola Nacional
Florestan Fernandes - MST. Desenvolve trabalhos nas áreas Teoria e Filosofia da História, Epistemologia,
História do Brasil República e História Contemporânea (FONTES, 2021).
20
6
Para o sociólogo e filósofo Otto Maduro (1980, p. 172), “uma igreja tende a desempenhar, a maior parte
do tempo, uma função conservadora, sobretudo nas sociedades de classes com estrutura de dominação
consolidada ao longo de um processo de muitas gerações”, fato que se refere ao interesse eclesiástico em
conservar um público o mais amplo possível. Daí, tem-se a “produção de um discurso religioso
suficientemente ambíguo para satisfazer todas as frações sociais que solicitam seus serviços religiosos, e
impedir a defecção em massa de setores de uma classe social qualquer (dominante ou subalterna)”. Enfim,
“um discurso unitário e ambíguo, que tem como uma das principais e inevitáveis funções conservadoras
ocultar, deslocar e superar simbolicamente, na transcendência, os conflitos sociais inerentes a toda
sociedade de classes”. Já Antonio Gramsci via a religião como um sistema de convicções frequentemente
relacionado a valores já estabelecidos e, por isso, conformado à preservação do arranjo social vigente.
Afinal, “novas convicções das massas populares são extremamente débeis, notadamente quando estas novas
convicções estão em contradição com as convicções (igualmente novas) ortodoxas, socialmente
conformistas de acordo com os interesses das classes dominantes” (GRAMSCI, 1999, V. 1, p. 110).
21
7
Tendo dedicado sua juventude à Igreja Universal do Reino de Deus, antes de com ela se desencantar e de
ser abandonado em Nova Iorque, após revelar ser portador do vírus HIV, sem sequer o dinheiro da passagem
de volta para o Brasil, Mário Justino sintetizou sua experiência no livro Nos Bastidores do Reino: a vida
secreta da igreja Universal do Reino de Deus (São Paulo: Geração Editorial, 2021).
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PARTE I
CAPÍTULO 1
Organizações religiosas: fatos básicos e o ponto de vista marxista
1 - Introdução
2 - Protestantes ou evangélicos?
8
Teólogo pela Escola Superior de Teologia - EST e pela Ludwig-Maximilians-Universität München, é
professor na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Ministra as disciplinas Simbologia da
Religião, História das Religiões, Religião e Diálogo Inter-religioso e Imigração e Colonização na América
Latina. Desenvolve pesquisas sobre os temas Ideias e Movimentos Sociais na América Latina e
Colonização e Imigração na América Latina (DREHER, 2020).
28
9
Daniel Rocha, (2020, p. 98 e 112) também atesta o conteúdo conservador da palavra “evangélico”, ao
menos nos Estados Unidos, que se remete às primeiras décadas do século XX. Naquele contexto, diante da
divisão do campo protestante entre liberais e fundamentalistas, setores desse último grupo pararam de se
ver como protestantes, supondo que, diante da gravidade do desvio teológico atribuído aos liberais, o termo
não mais serviria para se referir de maneira inequívoca aos verdadeiros cristãos. Passaram, assim, ao lado
de outros grupos não exatamente fundamentalistas, ainda que por eles influenciados, a se denominar
evangelicals ou born again christians (cristãos renascidos). Dessa forma, pode-se dizer que “todos os
fundamentalistas seriam evangelicals, mas nem todos os evangelicals seriam fundamentalistas”.
10
Doutora em Ciências da Comunicação, é jornalista e pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião
(ISER), além de colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas.
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11
Isso, porém, não impede que, no Brasil, religiosos não católicos progressistas também se reconheçam
como evangélicos, uma vez que, como dito, o termo se refere por aqui a todos os cristãos não católicos
membros de igrejas ligadas à Reforma Protestante, de modo que estes também serão referidos dessa forma.
30
sua própria versão do Novo Testamento, a Tradução do Novo Mundo das Escrituras
Sagradas, publicada em 1950, os últimos não têm como referência principal a Bíblia, mas
o Livro de Mórmon, lançado nos Estados Unidos em 1830 por Joseph Smith, que traria
escritos de profetas da antiguidade judaico-romana supostamente desembarcados na
América do Norte ainda em tempos pré-colombianos.
Acreditava Gramsci (2001, v. 3, p. 42) que uma nação rica e poderosa traduz sua
influência internacional na exportação de ideologias e associações germinadas naquilo
que comumente compreendemos como sociedade civil, ou seja, fora das suas estruturas
administrativas oficiais, como o Rotary Club, a maçonaria e agremiações religiosas. A
reflexão quase secular parece resistir ao levarmos em conta a vertiginosa marcha de
organizações cristãs norte-americanas para a América Latina, onde colhe crescentes
multidões de adeptos, sobretudo entre a população mais pobre. Fenômeno ligado,
conforme veremos na Parte II, à execução de uma guerra psicológica e de propaganda,
pensada por intelectuais e agentes governamentais norte-americanos, que, no contexto da
Guerra Fria, procurou incluir a religião num rol de empreendimentos ideológicos para
disputar com os soviéticos a simpatia global.
Passarei a ver alguns dos principais atores, envolvidos nesse programa político-
religioso, presentes em terras norte-americanas e no mundo capitalista periférico. No
Brasil, ele é impulsionado sobretudo por grandes organizações pentecostais, que
arrebanham a maioria do nosso público evangélico, ainda que outras associações
religiosas, sobretudo as sediadas nos Estados Unidos, também desempenhem papel
importante, não se podendo menosprezar da mesma forma a participação de setores
conservadores católicos. Frequentando todos esses grupos, fundamentalistas e seus
simpatizantes constituem importante amálgama desse bloco ecumênico, que, apesar de
heterogêneo, não deixa de se orientar por um conjunto de pressupostos comuns.
Tal consórcio, que passa a atuar com força crescente a partir da década de 1950,
faz crescentes esforços proselitistas nos quatro cantos do mundo, enquanto se aproxima
do aparelho estatal onde quer que esteja instalado, numa ação em duas frentes que parece
voltada para a produção de determinados efeitos sociais: o adestramento das camadas
31
12
Com graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado em História, é professora da Universidade
Estadual de Feira de Santana. Especializada em História das Religiões, desenvolve pesquisas sobre os temas
religião, protestantismo, campo religioso e estudos inquisitoriais articulados principalmente à História do
estado da Bahia e da cidade de Feira de Santana (SILVA, E. 2021).
13
Conforme Karen Armstrong (2009, posição 3442-3443), por volta de três milhões de exemplares do
trabalho foram enviados gratuitamente para “todos os pastores, professores e estudantes de teologia dos
Estados Unidos”.
14
Historiador e cientista da religião pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, é professor do curso de Teologia do Instituto Santo
Tomás de Aquino e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. É especialista em História Contemporânea e da América
e Ciências da Religião, desenvolvendo pesquisas sobre História dos Estados Unidos, História do
protestantismo e fundamentalismo religioso (ROCHA, 2021).
32
XX, “especialmente em suas manifestações no estilo de vida das pessoas nas grandes
cidades e na diminuição da importância das referências religiosas no pensamento e nas
práticas sociais”. Também George Marsden15 (1991, p. 15-16) nota que o ambiente em
que se deu a concepção do fundamentalismo via um acelerado processo de secularização,
onde “dentro de menos de uma geração, vastas áreas do pensamento e da vida acadêmica
americanas foram removidas de toda a referência das considerações bíblicas e
protestantes”. Formidáveis “desafios intelectuais” que não eram, porém, o único motor
dessa secularização, pesando também “intensas migrações para as cidades e a imigração
de pessoas não-protestantes”, que desligaram “muito da vida nacional da efetiva
influência religiosa”.
A reação a este estado de coisas, a princípio, tomou a forma de disputas teológicas
no interior de seminários e entre dirigentes eclesiásticos, opondo teólogos modernos e
conservadores.
Considerando a possibilidade de nela haver erros, os primeiros propunham uma
nova abordagem da Bíblia, aplicando “técnicas de análise próprias da literatura e da
análise das fontes” (ROCHA, 2020, p. 94) e sugeriam o abandono de dogmas arraigados,
diante da necessidade compatibilização do texto sagrado com as últimas descobertas
científicas16. Passava-se também ao questionamento da “historicidade dos milagres e de
vários episódios narrados no texto bíblico”, agora interpretados sob uma “perspectiva
mitológica”.
Por outro lado, teólogos conservadores, sobretudo os reunidos no presbiteriano
Seminário Teológico de Princeton, em Nova Jersey, trataram de “reafirmar algumas
“verdades essenciais”’, como “a infalibilidade e ausência de erros no texto bíblico; a
imaculada concepção e o nascimento virginal de Cristo; a morte expiatória na cruz; a
15
Historiador e filósofo norte-americano, foi professor no Calvin College, na Duke Divinity School, e na
University of Notre Dame. Seu tema de pesquisa principal é a interface do cristianismo com a sociedade
norte-americana.
16
Falo aqui, sobretudo, do darwinismo. A nova teoria minaria os princípios básicos da religião em dois
pontos cruciais, em primeiro lugar ao pôr em xeque a precisão do texto bíblico, por exemplo ao sugerir que
a idade da Terra seria muito maior do que a atribuída pelas escrituras, e por inverter a relação entre fé e
ciência, colocando esta última como parâmetro fundamental ao qual a primeira precisaria se adequar.
Assim, se os avanços científicos dos século XVIII e princípios do XIX haviam “descoberto alguns dos
maravilhosos e intricados projetos de Deus para o universo” (MARSDEN, 1991, p. 36), sugerindo que uma
tão complexa ordem não poderia dispensar um arquiteto racional, o darwinismo estabelecia, ao contrário,
que o acaso, indicado como motor fundamental das mudanças evolutivas, melhor explicaria a organização
do mundo material. Além do mais, muitos dos divulgadores do darwinismo apresentavam-se como ateístas
declarados, vistos, assim, como uma ameaça por teólogos conservadores norte-americanos, que passaram
a crer que a disseminação do darwinismo “contribuiria para a erosão da moralidade americana”
(MARSDEN, 1991, p. 59).
33
17
Conforme Marsden (1991, p. 1), se no surgimento do movimento, por volta dos anos 1910 e 1920, o tema
que mais mobilizava os fundamentalistas foi a polêmica em torno da nova visão científica que se firmava,
especialmente no que toca a Teoria da Evolução de Charles Darwin, posteriormente as questões políticas
vem a ser o seu principal interesse.
18
O fizeram incentivados pelo novo contexto econômico mundial, pelo quadro de efervescência social da
década anterior e pelo advento da Teologia do Domínio, que será melhor vista adiante.
19
Sobre ele e sua organização, falarei mais na Parte II.
35
20
É preciso, porém, fazer uma ressalva sobre a qualificação “evangélica” a ela atribuída, que poderia
transmitir a ideia de se tratar de uma representação relativamente equânime das inúmeras denominações
presentes no Brasil. Este não é o caso em absoluto, há nela uma crescente preponderância pentecostal desde
a legislatura 1991-1994, quando 15 dos seus 24 parlamentares eram vinculados a denominações deste feitio.
21
O despontar partidário da direita religiosa nos Estados Unidos localiza-se no final da década de 1970. No
Brasil, conforme se verá, desde a década de 1960 políticos pentecostais descrevem um movimento de
entrada na política partidária, que desde muito já contava com representantes de outras denominações
evangélicas. Ganhando força ao longo dos anos, a presença partidária evangélica consolida-se em meados
dos anos 1980, momento de formação da bancada evangélica, que reunirá expressivo número de
pentecostais e batistas, entre membros de outras denominações.
22
Sociólogo e filósofo, foi professor do Departamento de Sociologia da USP, Universidade em que se
doutorou. Especialista em Sociologia da Religião e Teoria Sociológica Alemã, foi experiente também em
Sociologia Urbana e Sociologia Política com foco em comportamento eleitoral (PIERUCCI, 2012).
36
23
O teólogo enxerga o Destino Manifesto como uma das mais influentes filosofias de História do ocidente.
Abraçado com fervor pelo movimento fundamentalista, ele mantém “uma ligação quase umbilical com a
ideia de que a conquista insaciável faz parte do destino traçado por Deus” (CASTRO, 2003, p. 58). Segundo
esses princípios, os colonos norte-americanos seriam herdeiros do calvinismo, predestinados a civilizar “os
territórios que a Providência Celestial lhes oferecia” (CASTRO, 2003, p. 55). Decorrente disso, a fuga
puritana para a América do Norte foi reinterpretada como “êxodo para a Terra Prometida” (CASTRO, 2003,
p. 56), o massacre indígena como reedição de processos de purificação étnica descritos pelo Velho
Testamento e a expansão territorial norte-americana como resultado de uma “predestinação”, conceito
calvinista que também legitimou a ganância e a concentração de riquezas. Em termos cronológicos, diz ele,
o tal “destino manifesto” foi primeiramente mencionado em 1845 pelo escritor e político J. O’Sullivan para
justificar a anexação de vastos territórios mexicanos, reemergindo regularmente ao longo da História norte-
americana para validar ações imperialistas. Para o senador republicano Albert Beveridge, eleito em 1899,
entusiasmado articulador da preeminência internacional norte-americana, por exemplo, “Deus havia
predestinado o povo norte-americano como nação escolhida para salvar o mundo” (CASTRO, 2003, p. 57).
24
Teólogo pela Faculdade de Teologia da Igreja Presbiteriana Independente e filósofo pela Universidade
de São Paulo, onde também se doutorou em Sociologia. É professor da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, membro do corpo editorial da Numen - Revista de Estudos e Pesquisa da Religião (UFJF), da
Estudos de Religião (UMESP) e da REVER (PUC-SP). Seu principal tema de trabalho e pesquisa é a Ciência
da Religião (MENDONÇA, 2007).
25
O professor de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Frank
Usarski, esclarece que a Ciência da Religião é uma disciplina empírica, voltada para a investigação
sistemática da religião em todas as suas manifestações. Seu requisito fundamental é “o compromisso de
seus representantes com o ideal da neutralidade frente aos objetos de estudo”, não cabendo questionamentos
sobre a ‘“verdade” ou a “qualidade” de uma religião”, sendo todas elas, metodologicamente, abordadas
como “sistemas de sentido formalmente idênticos”, “princípio metateórico que distingue a Ciência da
Religião da Teologia” (USARKI, 2002).
26
Filósofo, teólogo e historiador da Educação pela Università Pontificia Salesiana de Roma – UPS, é
pedagogo e antropólogo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atua como professor e
pesquisador do Centro de Estudos da Religião Pierre Sanchis, do Departamento de Sociologia e
37
grupo, de onde parte a maioria dos pastores políticos brasileiros desde as duas últimas
décadas do século XX, retrocede à gênese de ambos (PASSOS e ROCHA, 2012, p. 266).
Nesta visão, o pentecostalismo desembarcado no Brasil na década de 1910, quase
simultâneo ao nascimento do fundamentalismo, traria em seu DNA muito da conjuntura
que forjou os dois movimentos em solo norte-americano, imprimindo-lhes aspectos
comuns. Assim, conservaria o pentecostalismo nacional, até o presente, “elementos
culturais e práticas ligadas ao seu contexto original”.
Já o teólogo Fernando Albano27 (2011, p. 108) assinala a proximidade da teologia
pentecostal com a fundamentalista, daí seu feitio dogmático, traduzido numa leitura
literalista da Bíblia. Avaliação reforçada por Paulo Donizéti Siepierski28 (2008, p. 74),
para quem tanto o fundamentalismo quanto o pentecostalismo pregariam a obediência
inflexível a um conjunto comum de prescrições bíblicas, além da infalibilidade do texto
bíblico em sua forma literal.
Em solo norte-americano, essa conexão permaneceria ao longo do século XX, não
deixando de exercer influência sobre os pentecostais aqui instalados. Conforme Florencio
Galindo29 (1996, p. 400), no país do Norte a aproximação ideológica reforçou-se durante
30
Importantes diferenças teológicas chegaram, contudo, a dificultá-la nas décadas anteriores, uma vez que
o pentecostalismo se caracteriza mais pela oralidade, emotividade e por uma fé aplicada à solução dos
problemas comezinhos dos seres humanos, enquanto o fundamentalismo seria essencialmente fundado na
tradição escrita, na preservação de um sistema de verdades eternas materializado no texto bíblico.
31
Fundamentalistas positivos são aqueles que se mantiveram dispostos a estabelecer contatos com as
diversas denominações, buscando, ao mesmo tempo, estender sua influência social, em contraposição aos
fundamentalistas estritos ou separatistas, que após o período de descrédito em que caiu o movimento, desde
finais da década de 1920, procuraram, ao contrário, evitar holofotes públicos enquanto retiravam-se de suas
denominações originais para fundar suas próprias igrejas, seminários etc. Os positivos ganham força na
década de 1940, articulando-se em torno de organizações ecumênicas como a National Association of
Evangelicals - NAE.
32
Falarei mais sobre essa estratégia adiante neste capítulo.
39
3.2 – Os pentecostais
33
Essa perícia no uso dos meios de comunicação eletrônica seria providencial, também, no sucesso eleitoral
dos pentecostais (ROCHA, 2011, p. 595).
40
Maior grupo evangélico em nossas terras, este trabalho atribuirá grande ênfase aos
pentecostais, sobre os quais falarei mais nos próximos capítulos, cabendo adiantar,
contudo, algumas das suas características principais.
A despeito da proposição central desta tese, que procura enxergar o
pentecostalismo praticado pelas grandes igrejas atuais como um aparato de poder
conectado à lógica do capital em sua dimensão imperialista, as origens do movimento são
francamente populares. Sua descaracterização reflete a intenção do modo de produção
capitalista de consumir tudo o que floresça em suas margens, buscando converter mesmo
manifestações originais e espontâneas partidas da classe trabalhadora em ferramentas
para a sua manutenção. Afinal, como supõe Otto Maduro34 (1980, p. 108-109), “a
dinâmica da dominação exerce suas limitações e orientações também sobre a leitura, a
interpretação e as definições oficiais originadas da mensagem fundadora” de uma
religião, num “processo de submissão do campo religioso à dinâmica da dominação de
classe” resultante “do interesse objetivo das classes dominantes em conseguir consolidar
sua dominação e instaurar sua hegemonia”.
Resultado de efervescentes movimentos religiosos populares norte-americanos ao
longo do século XIX, o formato básico do pentecostalismo foi fixado entre 1901 e 1906
pelos pastores Charles Fox Parham, no Kansas, e William Joseph Seymour, na Califórnia.
Remete a estes tempos a formação da “espinha dorsal” teológica e litúrgica do
pentecostalismo: a ideia de batismo no Espírito Santo, rito de iniciação manifestado no
dom de falar em línguas estranhas, e a adaptação de diversos elementos da religião e
cultura africana, traduzidos em coreografias, acompanhamentos musicais, testemunhos
orais, visões, êxtases, a crença na indissociabilidade entre corpo e alma e práticas
xamânicas.
Parham foi um pastor que abandonara o metodismo por acreditar no então
heterodoxo preceito teológico da cura espiritual, que viria a se tornar também central na
liturgia pentecostal. Teria sido ele o primeiro a conectar os transes e manifestações
extáticas comuns nos encontros pentecostais com a ideia do batismo no Espírito Santo.
Experiências interpretadas como semelhantes àquelas dos apóstolos de Cristo, segundo a
34
Filósofo e sociólogo venezuelano, desde 1992 é professor de Cristianismo Mundial e Cristianismo
Latino-americano na norte-americana Drew University. Seu trabalho se concentra sobretudo “na
interrelação de tradições religiosas”, em especial daquelas propugnadas pelas igrejas cristãs, e “os anseios
de liberação entre os povos economicamente, racialmente, culturalmente, e/ou sexualmente oprimidos”
(OTTO Maduro, 2007).
41
Bíblia tocados pelo Espírito Santo durante a festa de Pentecostes, daí a nomenclatura da
nascente religião.
Pouco depois, coube ao filho de ex-escravos educado na religião Batista, William
Joseph Seymour, que aprendeu sobre o batismo no Espírito Santo na escola bíblica de
Parham em Topeka, Kansas, dar uma forma mais acabada aos elementos africanos já
presentes no movimento. Palco das suas pregações, a Azuza Street em Los Angeles foi
um laboratório onde “traços da tradição negra” eram recolhidos e impressos no nascente
pentecostalismo (CAMPOS, 2005, p. 112). Dreher (2017, p. 473) também vê a
importância da cultura negra na religiosidade de Seymour, aflorando na introdução da
música africana nas liturgias, “fato que merece destaque em uma época em que tal tipo
de música era considerado impróprio para o culto cristão”.
Há consenso sobre o fato de ser o pentecostalismo uma manifestação religiosa
preferida sobretudo pelos trabalhadores mais pauperizados35. Na literatura especializada,
encontramos as organizações pentecostais angariando uma maioria de devotos entre elas,
fato empiricamente observável no Brasil atual, como veremos. Florencio Galindo (1995,
p. 190-191), por exemplo, o define como a religião dos pobres e iletrados, se alastrando
primeiramente entre “minorias marginalizadas” nos Estados Unidos do século XIX e
depois principalmente na América Latina, África e em países asiáticos pobres. Daí
proviria um de seus principais traços, seria ele um “tipo de cristianismo desinteressado
na doutrina e centrado no emocional, na vivência do sobrenatural”, caracterizado
sobretudo por experiências extáticas36.
Leonildo Silveira Campos37 (2005, p. 105-106) remete-se ao cenário social dos
Estados Unidos do Século XIX, que dera lugar ao Movimento de Santidade, uma
35
Esse poder de atração de algumas religiões sobre determinados grupos sociais é notado também por
análises de cunho marxista interessadas no fenômeno religioso. A preferência de camadas mais
economicamente desfavorecidas da classe trabalhadora pelo pentecostalismo parece compatibilizar-se, por
exemplo, com o teorizado por Otto Maduro (1980, p. 100), que supõe que a posição do indivíduo numa
sociedade de classes “implica necessidades, interesses, expectativas, costumes, esquemas perceptuais,
formas tradicionais de expressões e padrões comportamentais que divergem dos de qualquer outra posição
de classe no seio da mesma sociedade”. Como resultado, o sucesso de uma religião irá naturalmente “variar
significativamente de uma classe social para outra no seio de uma mesma época e sociedade”.
36
Teólogo ligado ao Vaticano, a prudência nos aconselharia a colocar em perspectiva as categorizações de
Galindo, que talvez careçam de adequada isenção. Mas olhares distantes do púlpito católico parecem
convergir com o essencial da avaliação do padre colombiano.
37
Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, graduou-se em Teologia pela Faculdade de Teologia
da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, e em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Mogi Cruzes. Fez mestrado em Administração pela Universidade Metodista de São Paulo, onde também
se doutorou em Ciências da Religião. Desenvolve pesquisas sobres os temas: estudos interdisciplinares do
campo religioso, protestantismo, pentecostalismo, comunicação religiosa, religião e política e novos
movimentos religiosos (CAMPOS, 2017).
42
subdivisão dos eventos conhecidos como Segundo e Terceiro Grande Despertar38, a fim
de explicar o porquê de o pentecostalismo mostrar-se avesso “ao intelectualismo, à
teologia e às instituições teológicas formadoras de um clero esclarecido”. Atravessando
o torvelinho social do contexto pós-Guerra de Secessão, agitado pelas tensões raciais
exacerbadas pelo fim da escravidão, crise na agricultura do Sul, grandes migrações para
o Norte industrializado, e imigração de trabalhadores brancos pobres europeus, tais
movimentos religiosos, onde o embrião pentecostal foi gestado, tiveram que haver-se com
questões prementes da vida prática, originado rituais concentrados nos problemas do dia
a dia e regras sociais seguras e inflexíveis.
Em vista do que foi dito, cabe agora apresentar sucintamente os fundamentos da
teologia pentecostal. Muitos dos seus pontos principais já foram descritos, mas vejamos
o que os próprios praticantes têm a dizer. Segundo o teólogo pentecostal Gary B. McGee39
(1996, p. 12), nela é central a ideia de que os dons concedidos pelo Espírito Santo, como
a habilidade de falar em outras línguas, fazer profecias, receber revelações e praticar a
cura espiritual, permaneceriam sendo distribuídos no presente, não se circunscrevendo ao
cristianismo primitivo, como postulam outras correntes cristãs. Tais fenômenos teriam
sido testemunhados, por exemplo, em movimentos reavivalistas cristãos ocorridos em
diferentes épocas e lugares, como na Índia da década de 1860.
Condição para a manifestação desses dons, o batismo no Espírito Santo é,
portanto, uma das bases da teologia pentecostal. A origem do conceito retrocede ao
mencionado ciclo religioso ocorrido nos Estados Unidos no século XIX, especificamente
às ideias gravadas no livro A Short Account of Christian Perfection, do metodista John
Wesley. Ali, fala-se sobre a necessidade da busca de uma “segunda obra da graça”, uma
“segunda benção” (MCGEE, 1996, p. 12) posterior à conversão, a fim de evitar a natural
inclinação humana ao pecado. Circulando entre os partícipes do Movimento de Santidade
38
Série de movimentos reavivalistas ocorridos nos Estados Unidos. Os reavivalismos são processos de
renovação religiosa, nas palavras de Alderi de Souza Matos (2006, p. 27), “atividades voltadas para a
promoção de uma vida espiritual mais intensa e fervorosa”. O primeiro fenômeno deste tipo importante
para esta pesquisa foi o reavivalismo protestante, conhecido nos Estados Unidos como Primeiro Grande
Despertar, ocorrido entre as décadas de 1730 e 1740 na Inglaterra e suas colônias e que teve John Wesley,
o pai do metodismo, como um dos principais atores. Restritos aos Estados Unidos, aconteceram outros
movimentos semelhantes, por lá referidos como Segundo e Terceiro Grande Despertar.
39
Doutor pela Universidade de Saint Louis, McGee foi professor de História da Igreja e Estudos
Pentecostais na Assemblies of God Theological Seminary, faculdade afiliada ao Conselho Geral das
Assembleias de Deus. Fundado em 1973, um dos preceitos básicos expostos em sua página da internet
sugere inclinações fundamentalistas: a crença de que “a Bíblia é a inspirada, infalível e autorizada palavra
de Deus” (WHAT We Believe. Assemblies of God Theological Seminary, [s.d.]).
43
a partir de círculos metodistas que dele tomaram parte, a ideia acabou acolhida por outros
grupos, com o tempo assumindo a forma do batismo no Espírito Santo.
Embora a maioria dos envolvidos na Santidade duvidasse da atualidade do dom
de falar em outras línguas, acreditava-se na disponibilidade de outros que viriam a compor
o repertório teológico pentecostal, como a cura divina (MCGEE, 1996, p. 14). Seria o
acréscimo das falas em línguas estranhas ao batismo no Espírito Santo que faria o
pentecostalismo descolar-se do Movimento de Santidade, passando a ser uma linha
teológica independente nos últimos anos do século XIX e princípios do XX. Neste
momento, Charles Fox Parham define como pedra angular do pentecostalismo a ideia de
que a primeira manifestação do batismo no Espírito Santo seria a habilidade de falar em
outras línguas, após ter recebido a dádiva junto com outros membros da Santidade
reunidos na Escola Bíblica Bethel, em Topeka, Kansas (MCGEE, 1996, p. 16-17).
Esse ritual, onde os iniciantes entram transe com fervorosas orações coletivas,
para Francisco Cartaxo Rolim40 (1994, p. 23) definiria os moldes da comunicação
pentecostal com a divindade (Espírito Santo), fundada não na leitura e interpretação
bíblica, mas na experiência extática e emocional. Outra característica impressa ao
movimento por esse preceito, ainda mais importante para esta pesquisa e confirmada pelo
intelectual pentecostal Gary B. McGee (1996, p. 16), seria a sua predisposição
expansionista, uma vez que muitos dos primeiros pregadores pentecostais se
convenceram que a concessão da habilidade em falar em outras línguas exprimiria a
vontade divina de “equipá-los com idiomas humanos identificáveis (xenolalia) para que
pudessem anunciar o Evangelho noutros países, agilizando assim a obra missionária”.
Ao lado do falar em outras línguas, outros dons presenteados pelo Espírito Santo
seriam as visões, profecias, exorcismos e, sobretudo, a cura espiritual. A habilidade de
remediar pela fé os problemas do corpo e da alma foi, pelo menos até o advento da
Teologia da Prosperidade em finais dos anos 1970, a característica dessa religião mais
atrativa às camadas sociais desassistidas. Não à toa, o início do arranque pentecostal no
Brasil nos anos 1950 acontece em paralelo ao multiplicar de tendas onde curandeiros
bíblicos ofereciam seus préstimos. Em paralelo, o próprio formato da liturgia pentecostal,
acompanhada de música, dança, palmas, louvores, transes, êxtases e testemunhos, oferece
amplas oportunidades catárticas aos mais deprimidos pelas dificuldades da vida. Para
40
Ex-frade dominicano, Cartaxo Rolim doutorou-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo -
USP e foi professor da Universidade Federal Fluminense - UFF, tendo desenvolvido pesquisas no âmbito
da Sociologia da Religião.
44
41
Historiador e filósofo, é professor emérito de História da University of Notre Dame. Tem ampla pesquisa
sobre a influência do cristianismo na sociedade norte-americana.
45
(2017, p. 473), em sua condição de homem negro, Seymour apenas pôde assistir as
preleções de Parham “através da porta entreaberta”. O próprio Parham, ainda segundo
Dreher (2017, p. 473-474), era um simpatizante da Ku Klux Klan preocupado em
justificar teologicamente a hierarquia racial que grassava no Sul dos Estados Unidos.
Sustentaria ele, por exemplo, a validade contemporânea da divisão dos povos, expressa
em passagens bíblicas, segundo a qual o poder espiritual “pertence aos hebreus, aos
judeus e aos diversos descendentes das dez tribos”, estando neste último grupo os anglo-
saxões, junto com os alemães, dinamarqueses, suecos, hindus, japoneses e indo-japoneses
no Havaí. Já os “negros, malaios, mongóis e indígenas” permaneceriam pagãos aos dias
de hoje.
Diante de pressões sociais e do preconceito das igrejas mais antigas, que
“ridicularizaram o movimento por causa do status social de seus integrantes” (DREHER,
2017, p. 473), a experiência interracial inaugurada em Los Angeles foi obstaculizada e a
expectativa de abolição da segregação pelo caminho religioso não se confirmou. Assim,
já a partir de 1908 os pentecostais se separariam, organizando-se em torno de igrejas
exclusivamente negras e brancas, essas últimas “completamente adaptadas às leis raciais
do Sul dos Estados Unidos” (DREHER, 2017, p. 475).
Freston (1993, p. 67) chama atenção para a velocidade dessa divisão, consolidada
no espaço de uma década, que teve como um dos seus marcos a saída de pastores brancos
da Church of God in Christ, predominantemente negra, para fundar a Assembleia de
Deus, então “quase que exclusivamente branca”. Cisma confirmado por Gary B. McGee
(1996, p. 18), segundo o qual, enquanto os pentecostais americanos teriam se concentrado
nos ensinamentos do fundador branco Parham, os afro-americanos, por outro lado,
reportam-se sobretudo às reuniões de Seymour, delas enfatizando o significado de
“reconciliação entre as raças e o derramamento do poder sobre os tiranizados”.
Separação que, assim, não foi apenas racial, mas também teológica. Rolim (1994,
p. 23) informa que entre os negros permaneceria uma leitura em que a luta racial se
mesclaria com a boa nova do batismo no Espírito Santo, originando a interpretação de um
Jesus Cristo negro, herói dos oprimidos, ao mesmo tempo em que as agremiações
pentecostais negras se tornaram espaço de gestação de líderes da luta racial.
Conforme Dreher (2017, p. 474), um dos principais nomes recentes do
pentecostalismo negro foi Arthur Brazier, que nos anos 1960 “criticava abertamente o
governo de seu país por tolerar a destruição, quando permitia a opressão de 30 milhões
de pessoas negras e latinas”, e era adversário incansável do “mito da supremacia moral e
46
42
Conforme Marsden (1991, p. 40) o pré-milenarismo dispensacionalista foi a escatologia preferida de
alguns dos primeiros grupos fundamentalistas a se organizarem nos Estados Unidos, com o passar do tempo
vindo a influenciar outros setores evangélicos. Segundo o dispensacionalismo, a História humana é dividida
em sete eras. Em cada uma delas, a humanidade foi testada, falhando invariavelmente em satisfazer a
divindade, terminando todas essas etapas com o catastrófico juízo divino. A primeira delas teria visto a
expulsão de Adão e Eva do Paraíso, a segunda o Dilúvio e a terceira a queda da Torre de Babel, por exemplo.
Atualmente viveríamos a sexta era, também fadada a terminar mal, com sete anos de guerras e desastres
após os quais Jesus Cristo voltaria para instalar em Jerusalém um reino de mil anos (daí o termo
milenarismo). A crença dispensacionalista se basearia numa leitura literal da Bíblia, o que explica sua
grande acolhida entre fundamentalistas e simpatizantes (o movimento fundamentalista será visto em mais
detalhes nas próximas páginas e na Parte II).
43
Asserção atestada pelo intelectual da Assembleia de Deus Gary B. McGee (1996, p. 18), que escreveu
serem os estadunidenses de pele clara, armados dos postulados de Parham sobre a iminência do Juízo Final
e o poder evangelístico pentecostal, os que empreenderiam agressivos esforços para levar seu evangelho
“até os confins da Terra”.
47
44
Observadores como Galindo (1995, p. 409-410) afirmam que tais organizações seriam financiadas
também por empresas e, inclusive, por fundos estatais norte-americanos, a despeito de se declararem “não-
governamentais”. Em termos religiosos, Antônio Gouvêa Mendonça (2006, p. 107) sublinha que seu feitio
será usualmente fundamentalista e que serão integradas por grande número de pentecostais.
45
Não foi possível localizar maiores informações biográficas sobre o autor, além do fato de ser ele mineiro,
jornalista e assinar os livros Os Demônios Descem do Norte (1987), sobre a influência norte-americana
sobre o Brasil por intermédio das seitas religiosas de lá provenientes; Brasil: o retrato sem retoque (1978),
sobre a situação econômica brasileira; Comportamento Sexual do Brasileiro (1976) e Os Homoeróticos
(1983), ambos sobre sexo; Enquanto o Diabo Cochila (1990), falando das relações da Igreja Católica com
o Estado; Os Sobrinhos de Judas (1992), sobre o empresariado brasileiro e O Peso da Idade: panorama da
velhice no Brasil (1998).
46
Professor de Ciência Política e Análise do Discurso na Universidade de Quebec em Montreal e
pesquisador associado no Instituto de Pesquisa sobre o Desenvolvimento de Paris.
49
se, tanto num país como no outro, não de mero fisiologismo, mas de uma ação coordenada
e apoiada por missionários estrangeiros.
No primeiro, Augusto Pinochet teria se associado com a Igreja Pentecostal
Metodista, conferindo-lhe vantagens materiais antes reservadas aos católicos, após boa
parte destes passarem a oferecer-lhe oposição. De fato, a agência de notícias EFE revelou
em 2011 que o então presidente da Igreja Metodista Pentecostal, Roberto López Rojas,
atuou como agente da Central Nacional de Informaciones - CNI, órgão de inteligência,
repressão e tortura da ditadura chilena (PRESIDENTE de iglesia evangélica chilena fue
agente de la CNI, 2011). A descoberta se sustenta em pesquisa documental em papéis da
Marinha e em entrevista com o próprio religioso, que não apenas confirmou a acusação,
como também declarou orgulhar-se de seu trabalho na CNI. Na mesma direção, Delcio
Monteiro de Lima (1991, p. 66) sustenta que Pinochet teria aberto o país à entrada de
missionários estrangeiros, em grande parte pentecostais e mórmons, conferindo-lhes
vantagens para a abertura de templos e empresas.
Já na Guatemala, Corten (1996, p. 171) informa que, mesmo antes de subir ao
poder pelo golpe militar de 1982, o general Ríos Montt, primeiro governante evangélico
da América Latina, já articulava um discurso fundamentalista crítico à Teologia da
Libertação, sobretudo diante da vitória sandinista na Nicarágua. Andrew Chesnut47 (1997,
p. 145), por sua vez, destaca a grande participação de pentecostais e fundamentalistas na
campanha de contra-insurgência denominada Victoria 82, que teve como um dos efeitos
a expulsão em massa de indígenas, realocados em campos de concentração.
Ainda sobre o ditador guatemalteco, documento secreto produzido pela CIA em
26 de novembro de 1982 conta que o “renascido”48 Rios Montt, agora um ministro da
igreja carismática49 Church of the Complete Word50, seria um dos muitos nativos que
47
Professor de História da América Latina da Universidade da Califórnia, com passagem pela Universidade
de Houston. Em princípios dos anos 1990, passou uma temporada no Brasil, entre Belém e o Rio de Janeiro,
pesquisando sobre o avanço pentecostal no país, concentrando-se no caso da Assembleia de Deus em Belém
– PA. A pesquisa foi publicada em 1997 sob a forma do livro Born Again in Brazil – the pentecostal Growth
and the pathogens of poverty (Renascidos no Brasil – o crescimento pentecostal e os patógenos da pobreza).
48
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. FOIA Collection. President Jose Efrain Rios Montt and
the Spiritual Rebirth of Guatemala. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): 0000720638. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/0000720638>. Acesso em: 15 dez. 2020.
49
Cristãos carismáticos compõem um grande grupo formado por todos aqueles que acreditam na atualidade
dos dons, charismata em grego, concedidos pelo Espírito Santo, conforme descritos no Novo Testamento,
como a habilidade de praticar a cura espiritual, de falar em línguas estranhas e de fazer profecias. Eles estão
distribuídos atualmente entre diversas denominações religiosas cristãs, como as pentecostais e até mesmo
a Católica, ali sob a forma da Renovação Carismática.
50
O mesmo documento avalia que a Church of the Complete Word é um movimento “político e social”.
Revela tratar-se de denominação evangélica proveniente da Califórnia, presente na Guatemala desde 1976,
que cultiva a crença nos dons espirituais do Espírito Santo, como a cura espiritual, o falar em línguas
50
estranhas e a revelação divina, práticas que, como vimos, constituem os três pilares do rito religioso
pentecostal, sugerindo que, apesar de não se identificar como uma instituição pentecostal, a Church of the
Complete Word se assemelhava a uma em sua liturgia. O papel acrescenta ainda que a instituição “juntou-
se a muitas outras igrejas cristãs fundamentalistas” em atividade missionária no interior rural guatemalteco.
O sucesso destas organizações, diz a CIA, deveu-se “sobretudo em função do auxílio ao campesinato
guatemalteco em aprimorar suas condições sociais ao ensinar-lhe o Espanhol e habilidades voltadas para o
mercado, efetivamente os retirando do seu isolamento rural em direção a uma identidade nacional”.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. FOIA Collection. President Jose Efrain Rios Montt and
the Spiritual Rebirth of Guatemala. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): 0000720638. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/0000720638>. Acesso em: 15 dez. 2020.
51
Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, é professor do Departamento de Sociologia
desta Universidade. Sua área de concentração é a Sociologia da Religião, pesquisando sobretudo os temas:
movimento pentecostal no Brasil; ativismo político-partidário e eleitoral evangélico; teorias sociológicas
da secularização, da laicidade e do secularismo do Estado; debates e conflitos públicos envolvendo a
atuação de parlamentares religiosos e os direitos humanos e de minorias no Congresso Nacional; reação
dos evangélicos ao Novo Código Civil; demonização pentecostal dos cultos afro-brasileiros; Teologia da
51
guerra espiritual contra o Diabo” e a ênfase na possibilidade de acesso a riquezas por via
da fé, além de uma relativamente maior liberalidade em questões de costumes e da adoção
de uma organização institucional em moldes empresariais.
A primeira dessas inovações teológicas, a Teologia da Prosperidade52, idealizada
por intelectuais evangélicos como Kenneth Hagin53, sustenta que as benesses divinas
devidas ao homem incluem a satisfação material. Já a segunda, a Teologia do Domínio,
foi criação do Fuller Theological Seminary54 (MARIANO, 2014, p. 43) e de teólogos
conservadores como Rousas John Rushdoony, pregando que o conflito entre Deus e o
Diabo se daria inclusive no plano material e na arena partidária, daí a justificativa para a
maior presença pentecostal na política.
A mais importante seguidora desses preceitos no Brasil é a Igreja Universal do
Reino de Deus - IURD, fundada em 1977. Em seus púlpitos, abundam promessas de
riquezas dependentes de crescentes contribuições financeiras, seguindo de perto os
pressupostos da Teologia da Prosperidade, enquanto exorcismos e a partidarização de
pastores encarnam os ideais da Teologia do Domínio. Assim, a IURD será um caso
exemplar, também, da intensificação do interesse evangélico em disputar eleições (que
esta pesquisa sustenta que já existia pelo menos duas décadas antes) nos anos 1980. A
despeito do pouco tempo de vida, a Igreja de Edir Macedo elegeu um deputado federal já
na legislatura iniciada em 1987, passando para quatro em 1991, seis em 1995 e 14 em
1999.
Além dos novos pentecostais, a década de 1970 viu a entrada no Brasil e em todo
o mundo capitalista periférico de duas outras importantes organizações religiosas
conservadoras, como veremos, profundamente comprometidas com o programa tema
desse trabalho, a Renovação Carismática Católica e a Igreja da Unificação.
Prosperidade; participação de grupos cristãos conservadores nas eleições presidenciais de 2010 e 2014;
concordata católica; e a Lei Geral das Religiões (MARIANO, 2021).
52
Movimento doutrinário que manteria “íntima conexão com a expansão do televangelismo norte-
americano” (MARIANO, 2014, p. 152), repetindo-se nas TVs e rádios do Brasil. A IURD, por exemplo,
começa sua ascendência com o proselitismo radiofônico, até adquirir a Rede Record de TV em 1989 por
45 milhões de dólares.
53
Com passagem pela Assembleia de Deus, o pastor carismático Kenneth Hagin protagonizou o lançamento
de várias organizações evangelizadoras de alcance mundial, como o Movimento Palavra de Fé, o seu
Kenneth Hagin Ministries e o Centro de Treinamento Rhema.
54
Instituição de ensino teológico bastante influenciada pelo fundamentalismo, Mariano (2014, p. 137) conta
que ela é a principal difusora da Dominion Theology (Teologia do Domínio), sobretudo por via da produção
intelectual do escritor, teólogo e professor Peter Wagner, coordenador da Rede Internacional de Guerra
Espiritual, organização fundada em 1990 também nos Estados Unidos. Ainda conforme Mariano (2014, p.
137), Wagner teria dito em palestra na cidade de São Paulo em 1994 que, uma vez que o comunismo fora
vencido, o islamismo surgia como primeiro inimigo internacional do evangelho.
52
A primeira se trata de uma nova corrente católica iniciada em 1967 nos Estados
Unidos que tem como traços teológicos principais a fé nos dons do Espírito Santo, tal
como fazem os pentecostais, daí ser muitas vezes ser vulgarmente referida como
“pentecostalismo católico”. Muito cedo o catolicismo carismático chega ao Brasil, pelas
mãos de padres norte-americanos que por aqui o espalham já em princípios da década de
1970, ao longo do tempo minando a influência da linha católica progressista que, naqueles
anos, adquiriu certa influência na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB.
Já a Igreja da Unificação, mais conhecida como “Seita Moon”, fundada pelo
empresário sul-coreano Sun Myung Moon em 1954, se lança com ímpeto por toda a
América do Sul em finais da década de 1970. Ali apoiará abertamente ditaduras, também
empreendendo ações anticomunistas e pró-capitalistas, organizando encontros entre
empresários, intelectuais, mandatários e líderes religiosos, a fim de formar uma rede
político-ideológica, e desenvolvendo projetos de doutrinação entre estudantes, com
núcleos de atuação em Universidades, e a população em geral, por via de publicações de
grande circulação.
55
A exemplo de outras que aparecerão adiante, a obra foi consultada em formato digital MOBI, sem
numeração de páginas. Por isso, a referência é dada de acordo com a posição em que o trecho se encontra
quando visualizado por um dispositivo Kindle.
56
A esse respeito são exemplares as palavras de Eric Hobsbawm (2001, p. 238), que, mesmo concordando
com Marx e Weber sobre o elo entre a ascese protestante, o espírito do lucro e a gênese capitalista, nota
que, já por volta do final do século XIX, a burguesia europeia teria deixado um pouco de lado os “valores
puritanos que haviam sido anteriormente tão úteis para a acumulação do capital”, valores que, além do
mais, lhe servira como distintivo diante da nobreza, vista como parasitária, e dos trabalhadores, relaxados
e ébrios. Nesse momento, grande parte da classe proprietária já poderia ser adjetivada como ociosa e tão
preocupada em dispender os frutos do seu lucro em atividades prazerosas quanto em garanti-lo.
54
57
Conforme Löwy (2014, p. 19), se para Marx o capitalismo moderno origina-se devido à acumulação
primitiva, Weber supõe que tais expropriações e pilhagens, ainda que, de fato, tenham ocorrido, não
explicam a consolidação do capitalismo predominante na atualidade, “baseado numa atividade econômica
legal, metódica e racional, cujos protagonistas são empreendedores inspirados pela ética protestante”,
ligando-se apenas a outras modalidades de capitalismo, que chama de “capitalismo aventureiro” ou
“capitalismo imperialista”.
58
Cientista social pela Universidade de São Paulo - USP e pela Sorbonne, é diretor de pesquisa emérito no
Centre National de la Recherche Scientifique - CNRS em Paris, França.
56
59
Filósofo, coordena o GT Marxismo da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia - ANPOF e
integra o Comitê Editorial da revista Crítica Marxista. Tem múltiplos trabalhos sobre o pensamento
marxista, Filosofia da Economia, Filosofia da Cultura, Ética e Epistemologia (MOURA, 2021).
57
como também para Feuerbach, a crítica da religião formaria a base de toda a crítica, pois
nela estariam contidos elementos retirados, alienados, do Homem e atribuídos a outra
dimensão, extra-humana, ilusoriamente autônoma, dependendo da restituição destes
elementos ao seu repositório original, através da crítica teológica, a compreensão integral
do ser humano. Desse ponto de partida filosófico, e partilhando da conclusão de
Feuerbach, para quem caberia aos homens e mulheres a concepção da divindade, não o
contrário, Marx interpretará a religião como um fenômeno sempre derivado da realidade
social. Contudo, ainda que Marx inicie sua busca pelo significado dos fenômenos
religiosos na antropologia de Feuerbach, irá além, tomando dela emprestado o conceito
de alienação, mas transportando-o para a crítica à economia política burguesa, ou seja, às
condições que conformam o meio social, elas sim, fontes primevas de múltiplas
alienações no mundo contemporâneo no olhar do amadurecido Marx (MOURA, 2018, p.
123-124).
Para Michael Löwy (1998, p. 158), em A Ideologia Alemã de 1846, texto que teve
a parceria de Engels, já estaria completo o “giro teórico” a que Moura (2018, p. 124) se
refere. Ali, Marx deixaria de ser meramente um discípulo de Feuerbach ao ancorar sua
análise religiosa não mais numa “essência humana”, mas sim na História, inaugurando
uma maneira de analisar a religião que buscará compreendê-la ao lado de outras
manifestações ideológicas conformadas pelas relações sociais, como o direito, a moral ou
as ideias políticas (LÖWY, 1998, p. 158). A maior contribuição de Marx a esse campo
seria, então, inserir a religiosidade no universo da produção humana, soldando a sua
história àquela do “desenvolvimento econômico e social global da sociedade” (LÖWY,
1998, p. 161).
60
Segundo glossário constante na página Navegando pela História da Educação Brasileira, do Grupo de
Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” – HISTEDBR, o pietismo foi um
movimento religioso alemão do final do século XVII, cujo maior expoente foi o fundador da Igreja
Metodista, John Wesley, em resposta aos dogmas da igreja luterana oficial. Um dos seus traços principais
foi “a renovação da piedade com base em um retorno subjetivo e individual ao estudo da Bíblia e à oração”
(PIETISMO, 2006).
59
Muitos dos preceitos delineados pelos dois pensadores alemães acerca da religião,
sobretudo a sua caracterização como acontecimento eminentemente social, permanecem
válidos entre analistas atuais identificados com a escola de pensamento inaugurada por
ambos. Olhando para o contexto religioso latino-americano de finais do século XX, Otto
Maduro (1980, p. 71), por exemplo, também compreende a religião não como “um
compartimento estanque, isolado, separado, cortado ou sem comunicação com as demais
dimensões da vida” mas sim como “uma realidade socialmente situada num contexto
peculiar”. Disso decorrendo que seus agentes “não se movem no meio de um conjunto
infinito de alternativas na hora de pensar, expressar e/ou praticar sua religião”, ou seja,
que o contexto social onde uma dada religião é praticada conforma em certa medida os
seus rumos.
Da mesma forma, a conexão íntima entre a esfera religiosa e a preservação do
capitalismo continua fazendo parte da constelação teórica a qual recorrem marxistas
contemporâneos. Sugerido pelo duo de pensadores novecentistas, o pressuposto permite
que se veja, aos dias de hoje, vínculos inquebráveis entre a fé cristã e a manutenção do
60
modo de produção capitalista, mesmo onde ele permaneceu apenas de forma residual
(MOURA, 2018, p. 119-120), como em Cuba ou na antiga União Soviética.
O fim da religião, contudo, era projetado por Marx e Engels para um futuro que
se imaginava totalmente expurgado de vestígios capitalistas, quando, livre da exploração
econômica, o Homem poderia, enfim, abandonar a “ilusão sagrada” (SILVA, E. p, 182),
tratamento imaginário para problemas concretos. O século XX, todavia, não viu a
previsão marxista-engelsiana se materializar, havendo, em paralelo, uma revalorização
entre setores marxistas do papel revolucionário a que a religião pode se prestar.
Contrariando Engels, cuja descrença nas capacidades progressistas da religião na
contemporaneidade já vimos, Elizete da Silva (2007, p. 184) acredita que a Teologia da
Libertação, por exemplo, comprovaria a permanência das suas possibilidades socialmente
transformadoras, dessa vez dialogando com o próprio marxismo de maneira “consequente
e criativa” ao tomar-lhe emprestadas ferramentas para a análise do universo social. Sua
consistência teórica, somada a uma comprovada eficiência em organizar e mobilizar
contingentes populares61, motivariam, inclusive, a proscrição pela ortodoxia católica e os
expurgos no campo evangélico.
Simultaneamente, conforme o pensamento de Marx e Engels, não cabe tratar
qualquer formação religiosa como um todo monolítico, lembrando Michel Löwy (1998,
p. 162) que uma das mais importantes contribuições de Engels ao estudo da religião foi
inseri-la na dinâmica que rege o movimento da sociedade, a luta de classes. Assumir que
esse conflito transcorre inclusive no interior da prática religiosa pressupõe, então,
interpretá-la como um “campo de forças cruzado pelos conflitos sociais” (LÖWY, 1998,
p. 162). Reflexos da sobrevivência dessas ideias encontramos, novamente, na obra de
Otto Maduro (1980, p. 76-77), para quem “a ação de qualquer religião está limitada e
orientada pelo modo de produção específico dentro do qual atua”, que “fixa os limites
dentro dos quais uma religião pode operar em seu seio, e traça igualmente as tendências
dentro das quais tal religião pode ali atuar.” Para ele, as balizas da atividade religiosa
estariam dispostas, portanto, na arena das lutas classistas, daí decorrendo que toda religião
é, necessariamente, “atravessada, limitada e orientada por tais conflitos”62 (MADURO,
1980, p. 99).
61
É central na Teologia da Libertação um novo entendimento sobre o papel terreno das camadas pobres,
não mais tidas como “simples objetos de ajuda, compaixão ou caridade” (LÖWY, 2008, p. 1), mas como
agentes principais das necessárias mudanças em direção a um mundo mais justo.
62
Maduro (1980, p. 113, 114 e 151) repara, entretanto, que, apensar de conformado por eles até um certo
ponto, o campo religioso “não se reduz a um mero produto dos conflitos sociais”, mantendo algum nível
61
de “atividade particular própria (autonomia)” onde florescem conflitos específicos que constituem “seu
princípio dinâmico particular”. Ou seja, a religião é uma “realidade parcialmente produzida pelas relações
sociais (incluindo-se aqui as relações conflitivas entre as diversas classes sociais) e, também uma realidade
parcialmente autônoma”.
63
Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará - UECE e pós-graduado em Ciências da
Religião pela Universidade Metodista de São Paulo - UMESP e pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo - PUC/SP, é presbítero da Assembleia de Deus Betesda, em São Paulo, e diretor pedagógico do
Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos - ICEC dessa mesma Igreja. É professor na Faculdade Latino-
Americana de Teologia Integral - FLAM e na Faculdade Teológica Batista de São Paulo - FTB. É ainda
membro da Associação Brasileira de História da Religião e da Rede de Teólogos e Cientistas Sociais do
Pentecostalismo na América Latina e Caribe. Assina o livro Protestantismo Tupiniquim: Hipóteses Sobre
a (não) Contribuição Evangélica à Cultura Brasileira (São Paulo: Arte Editorial, 2005) (ALENCAR, 2021).
62
64
Freston, contudo, baseia-se nas conclusões de terceiros, se referindo, no que diz respeito ao papel dos
pentecostais no Chile de Salvador Allende, ao livro de Juan Tennekes, El movimento pentecostal em la
sociedade chilena (Iquique, Ciren, p. 53) e no que trata dos pentecostais na Nicarágua à obra de Roger
Lancaster, Thanks to God and the Revolution (Nova Iorque, Columbia University Press).
63
religião (LÖWY, 1998, p. 170), tentarei, também, não perder de vista as forças sociais
que contribuem para a formatação das manifestações religiosas aqui tratadas: as relações
capitalistas de produção e seus traços específicos locais. Partindo desses pressupostos, e
concordando mais uma vez com o dueto de pensadores, que no Manifesto do Partido
Comunista asseveraram serem as ideias dominantes numa época sempre aquelas da classe
dominante (MARX e ENGELS, 1976b, p. 101), enfocarei a religião estritamente em sua
condição de fenômeno social. Assim, ela será entendida como ligada aos processos
históricos que marcaram o curso do século XX, sem perder de vista que “qualquer grande
alteração histórica das condições sociais arrasta ao mesmo tempo, a alteração das
concepções e das representações religiosas” (MARX e ENGELS, 1976c, p. 110).
Cabe sublinhar, ainda, que esta tese não se concentrará em todo o campo religioso,
mas apenas nas instituições religiosas hegemônicas, com ênfase naquelas sediadas nos
Estados Unidos ou que de lá extraiam muito do seu substrato teológico/ideológico,
especialmente as pentecostais, pela sua maior importância no quadro brasileiro. Chamo
de instituições religiosas hegemônicas as grandes agremiações, que concentram imenso
número de seguidores, recursos materiais, influência social e representação político-
partidária. Estas fornecem os principais quadros do consórcio político religioso fundado
em terras norte-americanas que chamo de Partido da Fé Capitalista e que será aqui visto
em suas múltiplas facetas. Procurando evitar resvalar na teleologia, me esforçarei, ainda,
por observar o Partido da Fé Capitalista não como um plano acabado e com fins
predeterminados, mas como um fenômeno permanentemente ajustado e atualizado ao
longo de um momento histórico que vejo caracterizado pela integração econômica
desigual do mundo periférico, incluindo o Brasil, sob a regência do capital estadunidense.
Assim, a forma de atuação e a composição desse complexo religioso mudarão ao longo
das décadas a fim de responder a novas necessidades do capital, ainda que uma base
programática comum seja mantida desde a década de 1950.
Destaco, ainda, que a maior parte da bibliografia específica consultada evita
articular o avanço mundial da religiosidade de matriz norte-americana com a dinâmica
capitalista, renunciando, da mesma forma, ao uso de bases conceituais explicitamente
marxistas, residindo aqui muito da originalidade deste trabalho.
65
Falo especificamente da grande burguesia norte-americana e, no caso brasileiro, da classe empresarial
associada e subordinada à primeira.
66
Veremos de perto os nexos entre a classe empresarial e agremiações pentecostais e fundamentalistas, no
Brasil e nos Estados Unidos, nas partes II e III.
66
67
Me refiro aos discursos proferidos em tais grêmios religiosos como um proselitismo hegemônico
capitalista. No que consiste essas falas, como elas alcançariam metas hegemônicas e são complementadas
no plano do Estado restrito será visto mais adiante.
67
desse tipo se deve em grande parte a benefícios, tanto de ordem material como
psicológica, por elas fornecidos. Uma das razões68 enumeradas pelo historiador norte-
americano Andrew Chesnut para o grande sucesso dos empreendimentos pentecostais na
América Latina, por exemplo, seria o auxílio prestado a comunidades carentes sob a
forma de redes de apoio para problemas como o alcoolismo, a criminalidade e a
dependência química (PASSARINHO, 2019). Na mesma toada, Wania Mesquita69 (2009,
p. 99) destaca o auxílio de grêmios pentecostais em favelas do Rio de Janeiro na redução
da violência de traficantes contra a população local, negociada por pastores cuja
autoridade moral é reconhecida inclusive pelos criminosos. Já a mais célebre organização
pentecostal do presente, a Igreja Universal do Reino de Deus, sustenta orfanatos, asilos,
cursos de alfabetização, distribui alimentos e agasalhos em favelas, além de financiar
diversas instituições beneficentes (MARIANO, 2014, p. 60).
Portanto, não é realista enxergar as organizações religiosas, ou qualquer outro
aparato ideológico de poder empresarial, apenas como “lavanderias cerebrais” para onde
a classe trabalhadora acorreria acriticamente. Tal adesão também não se dá sem
negociações e conflitos, como o ocorrido em 1988, quando um grupo de ex-seguidores
da Igreja Universal do Reino de Deus entrou na justiça após ter transferido para ela grande
parte dos seus bens, sem receber, contudo, nenhum dos milagres prometidos.
Outra importante ressalva refere-se ao dinamismo do campo religioso, sobretudo
o contemporâneo, impedindo que o tomemos monoliticamente em todo o período aqui
abordado. Um desafio desta pesquisa, portanto, é compreender como relacionam-se com
a minha perspectiva teórica as transformações que o Partido da Fé Capitalista sofreu em
sua composição, doutrina e forma de ação, ajustando-se certamente às diferentes etapas
da luta de classes na segunda metade do século XX, no Brasil e no mundo, e aos diferentes
momentos históricos. Exemplo deste dinamismo foi a emergência do pentecostalismo,
após os anos 1970, como uma das principais forças religiosas na América Latina, por
muito tempo quase que exclusivamente católica, fato certamente impulsionado pelo
aprofundamento da inserção desigual dessa porção do planeta ao capitalismo
68
As outras razões seriam a coesão ideológica do campo evangélico, facilitando a articulação política; o
processo de formação das lideranças religiosas, marcado pela não exigência de maiores qualificações
acadêmicas e pela permissão do casamento; a adoção por essas igrejas, em seus ritos, de práticas mais
condizentes com a cultura local; e, por fim, a identificação de parcelas das classes médias e altas, nos
Estados Unidos e no Brasil, com a agenda moral dessas igrejas, como a condenação do aborto, do ensino
sexual nas escolas e do reconhecimento estatal das uniões homoafetivas (PASSARINHO, 2019).
69
Socióloga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, é professora no programa de Ciência
Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF. Desenvolve pesquisas no âmbito do grupo
Religião e Periferia na América Latina - REPAL (MESQUITA, 2009, p. 89).
68
internacionalizado. Não seria por acaso, assim, que Leonildo Campos (1997, p. 15)
enxerga a IURD voando nos ventos da recente integração econômica e cultural do mundo,
em sua eficiência para angariar adeptos com táticas avançadas de marketing e de
comunicação eletrônica.
70
Historiador e cientista político, foi professor da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e da Universidade Federal Fluminense - UFF. Desenvolveu
trabalhos sobre os temas Estado e governo com ênfase no golpe de 1964 no Brasil e a ação ideológica de
organizações civis na desestabilização do governo de João Goulart.
69
71
Conforme Marsden (1991, p. 77), os carismáticos são o principal grupo evangélico recente nos Estados
Unidos, tendo inclusive sobrepujado numericamente os fundamentalistas. Em finais da década de 1970,
19% de todos os norte-americanos se identificariam como carismáticos ou pentecostais.
70
reapresentada e aprovada por lideranças do PSDB e mesmo do PT, para permitir a entrada
de capital estrangeiro em órgãos de comunicação72.
Lança-se mão, ainda, de “estratégias educativo culturais” que “procuram criar (ou
fortalecer) processos culturais e instituições educacionais que favoreçam a difusão das
ideias mais em consonância com seus próprios interesses, procurando irradiar para o clero
aqueles processos e incorporá-los à direção dessas instituições”. Neste ponto, como
veremos, é ilustrativa a participação de empresários e religiosos conservadores nas
publicações da Associação Brasileira de Defesa da Democracia; as frequentes concessões
de verbas a instituições educativas religiosas pelo Estado brasileiro, como ocorrido com
aquelas sob controle da Assembleia de Deus em Belém conforme exposto por Chesnut
(1997)73; e o avanço do ensino religioso nas escolas públicas. Nos Estados Unidos,
processo semelhante ocorre com o robustecimento da educação ministrada por
organizações religiosas em detrimento da pública, pleiteado pela direita cristã daquele
país.
Recorre-se, também, a “Estratégias repressivas” que “tentam impor - em certos
casos - a adesão externa dos cidadãos às religiões favoráveis à manutenção da ordem”.
Aqui, insiro a repressão estatal ao cristianismo progressista, incidente sobretudo sobre os
adeptos da Teologia da Libertação, enquanto, conforme se verá, seguidores de
organizações de fé conservadoras contaram com a simpatia de um Estado que, sobretudo
durante a ditadura de 1964, chegou até mesmo a desviar os olhos de graves indícios de
atividades ilícitas por eles praticadas.
Por último, haveria também “estratégias familiares”, dispostas a “criar nexos de
parentesco com as categorias mais altas do clero”. Esta pesquisa, porém, não pôde
verificar a aplicação deste tipo de estratégia pela impossibilidade de se atestar
documentalmente se esse ou aquele casamento se funda sobre ela.
72
Veremos, por exemplo, que o interdito a ele imposto pela carta de 1988 quase impediu os projetos
midiáticos de organizações religiosas como a Igreja da Unificação, e que o Serviço Nacional de
Informações - SNI acreditava haver a presença de capital empresarial norte-americano por trás da compra
de emissoras de rádio por igrejas desde finais dos anos 1980.
73
Fatos que serão vistos melhor na Parte III.
72
74
Desde o princípio, os diversos grêmios pentecostais, por exemplo, mantinham pontos doutrinários em
comum, como a prática da fala em línguas estranhas, da cura espiritual e o afastamento dos problemas
terrenos, traduzido na tendência à conservação das estruturas políticas e sociais em vigor. Após os anos
1970, Mariano (2014, p. 166) relata uma certa homogeneização pentecostal sob o mais recente formato
“neopentecostal”, que teria se infiltrado até nas organizações mais antigas, como a Igreja Quadrangular, a
Brasil pra Cristo e a Assembleia de Deus.
73
agregando católicos, mórmons e até judeus. Esse assunto será melhor abordado nas partes
II e III deste trabalho, mas por ora cabe ver um pouco mais de perto as especificidades do
caso brasileiro.
No Brasil, as associações pentecostais, há décadas em crescimento acelerado, são
sem dúvida as mais relevantes em termos ideológicos e partidários. Em número de
seguidores, as primeiras informações oficiais detalhadas publicadas sobre os grêmios
pentecostais constam no censo do IBGE de 2010 (2012b). Em primeiro lugar viria a
Assembleia de Deus, com 12.314.410 membros; seguida pela Congregação Cristã no
Brasil, com 2.289.634; pela Igreja Universal do Reino de Deus, com 1.873.243; Igreja do
Evangelho Quadrangular, com 1.808.389; Igreja Deus é Amor, com 845.383; Igreja
Pentecostal Maranata, com 356.021; O Brasil para Cristo, com 196.665; Comunidade
Evangélica, com 180.130; Casa da Benção, com 125.550; e Igreja Nova Vida, com
90.568. Tais números, acrescidos de 5.267.029 seguidores pentecostais distribuídos em
inúmeras outras pequenas igrejas, somam 25.370.484 de brasileiros, ou 60% de todo o
público religioso protestante/evangélico. Para as quatro maiores organizações, temos
também dados do censo de 2000, dentro da baliza temporal definida para este trabalho
(2002). Segundo ele, naquela altura a Assembleia de Deus tinha 8.418.140 seguidores, a
Congregação Cristã no Brasil 2.489.113, a Igreja Universal do Reino de Deus 2.101.887
e a Igreja do Evangelho Quadrangular 1.318.805.
Já em termos de representação partidária, a coisa muda um pouco de figura. Ainda
que o predomínio da Assembleia de Deus se confirme, entre as grandes pentecostais do
censo de 2010 apenas têm presença de peso a Igreja Universal do Reino de Deus, cujo
crescimento no Legislativo Federal se aproxima e mesmo ultrapassa a Assembleia (na
legislatura iniciada em 1999), e a Igreja do Evangelho Quadrangular, mesmo que a
Congregação Cristã do Brasil (1995 a 1999) e a Igreja Pentecostal Maranata (1999 a
2003) também tenham eleito pequeno número de representantes. Na 50ª legislatura, de
1995 a 1999, por exemplo, a Assembleia de Deus fez nove deputados federais, a Igreja
Universal do Reino de Deus seis, e a Congregação Cristã do Brasil e a Igreja do
Evangelho Quadrangular um. A despeito do resultado modesto da IEQ para esta
legislatura, coloco a agremiação no rol das pentecostais com peso político em virtude do
engajamento precoce. Já na década de 1960 ela fazia incursões partidárias, elegeu dois
constituintes em 1986, e tem presença no Congresso em todas as eleições desde então.
Sendo assim, acredito que a espinha dorsal do Partido da Fé Capitalista no Brasil,
olhando para o número de seguidores e representantes na política partidária, sejam os
74
pentecostais, sobre os quais a Parte III deste trabalho se concentrará, entre eles sobretudo
a Assembleia de Deus, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja do Evangelho
Quadrangular. Outras igrejas deste tipo, como a Deus é Amor, O Brasil para Cristo, e a
Igreja Nova Vida, mesmo que com menor aprofundamento, serão também observadas,
em vista do seu importante papel na popularização do pentecostalismo no país. Demais
membros de peso do Partido da Fé Capitalista, como as igrejas da Unificação, Batista,
Presbiteriana e Católica, esta última por meio de uma de suas mais recentes subdivisões
conservadoras, a Renovação Carismática, também receberão atenção especial. Ainda
outros componentes não pentecostais do imenso leque de agremiações de fé participantes
do Partido, como os adventistas, mórmons, testemunhas de Jeová e grupos judaicos,
aparecerão pontualmente, em maior grau no caso norte-americano e em menor no
brasileiro. Falo, portanto, de uma iniciativa de escopo mundial, disposta a envolver
diferentes organizações religiosas em torno de um projeto político conservador e pró-
capitalista desenhado em linhas gerais nos Estados Unidos.
Em termos organizativos, a gigante Assembleia de Deus, por exemplo, conta com
órgãos centrais independentes para a coordenação das suas múltiplas filiais, inclusive no
que toca a estratégia partidária. Os três maiores são a Convenção Geral das Assembleias
de Deus no Brasil, a Convenção Nacional das Assembleias de Deus Ministério de
Madureira e a Convenção da Assembleia de Deus no Brasil. Segundo informações
retiradas da página eletrônica da primeira, uma das suas prioridades atuais seria a
implantação de “um projeto de desenvolvimento de sua participação mais ativa na
sociedade” (HISTÓRIA da CGADB, [s.d.]). Para tanto, criou-se um “Conselho Político”
a fim de tocar o projeto “Cidadania AD Brasil”, cujo propósito declarado é desenvolver
a consciência política nas lideranças assembleianas, além de gerenciar o “lançamento de
candidatos oficiais da denominação nos pleitos eleitorais em todo Brasil”. O órgão teria
em sua convenção de 2015, inclusive, mobilizado quarenta mil pastores para a obtenção
de assinaturas para a fundação de uma nova legenda, o Partido Republicano Cristão –
PRC, que seria a sigla oficial da igreja, embora tenha sido proposta a filiação do restante
da bancada evangélica. Já a Convenção Nacional das Assembleias de Deus no Brasil -
Ministério de Madureira - CONAMAD é uma dissidência da Convenção Geral cujo
presidente vitalício é o bispo primaz Manoel Ferreira, do Partido Social Cristão - PSC do
Rio de Janeiro. A Convenção da Assembleia de Deus no Brasil, por sua vez, é a mais
recente divisão nacional, capitaneada por Samuel Câmara, presidente da Assembleia de
Deus em Belém, primeiro ministério fundado no Brasil em princípios do século XX. De
75
importância capital na disseminação das assembleias por todo o país e com grande
aproximação com o nosso Estado restrito desde a ditadura de 1964, a Assembleia de
Belém será vista de perto na Parte III.
Enquanto nos Estados Unidos a articulação ecumênica necessária para o
funcionamento do Partido da Fé Capitalista se inicia em princípios dos anos 1950 75, no
Brasil a integração entre essas múltiplas igrejas tem sido institucionalizada em data mais
recente. Na margem cronológica inferior deste trabalho, os anos 1950, o que havia era a
Confederação Evangélica do Brasil – CEB, fundada “com o objetivo de construir uma
identidade protestante nacional” (ALMEIDA, 2016, p. 68) e de “promover trabalhos e
reflexões sobre os desafios pastorais, a ação missionária e de serviço ao próximo”. Após
1955, a organização foi espaço de importantes debates que procuraram refletir os
problemas estruturais do país, data em que passa a funcionar em seu interior uma
Comissão de Igreja e Sociedade, posteriormente transformada no Setor de
Responsabilidade Social da Igreja, reunindo líderes de inúmeras denominações. A CEB,
porém, foi esvaziada nos anos 1960 ao entrar em atrito com a ditadura instalada em 1964.
Reinaugurada em 1986, passa, contudo, a ostentar características bem diferentes, servindo
de espaço de articulação evangélica sobretudo no que diz respeito a questões partidárias,
tendo em seus quadros dirigentes inúmeros membros da recém instaurada bancada
evangélica no Congresso Nacional.
Em 1993 há a fundação de outro órgão representativo das organizações
evangélicas hegemônicas, o Conselho Nacional de Pastores do Brasil, presidido pelo
bispo da Assembleia de Deus Manoel Ferreira e com grande participação da Igreja
Universal do Reino de Deus.
Mais recentemente, em 2018, fundou-se em São Paulo - SP a União Nacional das
Igrejas e Pastores Evangélicos – UNIGREJAS com a finalidade declarada de “trabalhar
para o crescimento evangélico no Brasil e no mundo” (SOBRE o Unigrejas, [s.d.]) e que
tem como presidente o bispo Eduardo Bravo, da Igreja Universal do Reino de Deus. Por
muito tempo acusada de isolacionismo, a IURD passou, assim, a mover esforços para essa
integração, realizando também congressos com bispos de diferentes denominações em
sua sede, o faraônico Templo de Salomão.
75
Ela foi conseguida por via de grandes fóruns reunindo sacerdotes de diferentes igrejas, empresários,
intelectuais laicos e membros do governo norte-americano e por uma multiplicidade de organizações
religiosas interdenominacionais. Tais espaços serão vistos na Parte II.
76
6 - Conclusão
76
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Delegacia de Ordem Política e Social.
Código de referência: BR MGAPM,XX DMG.0.0.1603.
79
CAPÍTULO 2
Um partido para altares e prédios de governo
1 – Introdução
2 - O reino do capital
por exemplo ensejando a formação de uma rede de associações patronais por todo o
mundo. Isso foi possível com a emergência do país enquanto potência ocidental vitoriosa
da Segunda Guerra Mundial, líder portanto de um sistema de pactos e habilitado a impor
a aliados e derrotados um novo arranjo econômico e político que, mesmo acomodando
em certa medida os interesses de alguns deles, tinha como fim último a consecução dos
seus próprios. Veremos agora as características contemporâneas do imperialismo e como
o Partido da Fé Capitalista pode cumprir função acessória no seu reforço.
2.1 – Um “capital-imperialismo”
renovação do interesse dos Estados Unidos pela região, num momento em que a potência
do Norte procurou integrar subalternamente as economias do mundo periférico e afastá-
las do bloco socialista.
Essa, contudo, foi apenas a etapa inicial da contínua e acelerada expansão
evangélica no Brasil, permanecendo ele uma religião minoritária, ainda que crescente, até
os anos 1980. Nesse ínterim, porém, ele não teria deixado de funcionar de maneira
semelhante a outros aparelhos privados da hegemonia burguesa que começam a surgir,
procurando desarticular, dentro de suas ainda pequenas possibilidades, as lutas sociais
populares e produzir trabalhadores mais propensos a acatar a exploração patronal por via
de um proselitismo que desencorajava a ação social direta e oferecia curas espirituais para
males terrenos. Crescendo em paralelo ao ascenso das lutas populares no país, mas sem,
contudo, sofrer a mesma repressão que as organizações ligadas a elas, tais aparelhos
ideológicos/religiosos encontrarão terreno propício para seu florescer, atraindo crescente
público, que ali encontra alívio para um acúmulo de descontentamentos, mostrando-se,
por outro lado, formidável ferramenta para o desvio dessa energia para fins incapazes de
fazer avançar as lutas da classe dominada. Não se furtaram tais organizações religiosas,
também, de se aproximar do Estado restrito brasileiro, em parcerias que favoreceram o
seu crescimento, também endossando mudanças sociais e econômicas como as postas em
marcha pela ditadura de 1964, com quem colaborou77.
Concluída a instalação do capitalismo monopolista no Brasil pelos anos
ditatoriais, sob o pano de fundo da redemocratização e da disseminação acelerada dos
aparelhos privados de hegemonia burguesa, a onda evangélica sofre um novo e ainda mais
intenso impulso, representado sobretudo pelo surgimento do pentecostalismo das
teologias da Prosperidade e do Domínio e de novas agremiações de crescimento sem
precedentes. A atualização do proselitismo pentecostal, com a ênfase na resolução
espiritual de problemas financeiros, e a mudança de comportamento com relação ao
mundo social e partidário, revalorizado como espaço de intervenção do “povo de Deus”,
também estariam atreladas ao novo momento do capitalismo. Nessa etapa de maior
amadurecimento das relações capital-imperialistas, prosseguirão os grêmios pentecostais
brasileiros a estimular a desarticulação da classe trabalhadora, assumindo sua pregação
feições mais condizentes com o novo momento social e econômico, assim abarcando
novos problemas trazidos pela plena instalação de uma sociedade tecnologicamente
77
Esse assunto será abordado de maneira mais aprofundada na Parte III.
84
modernizada e devotada ao consumo. Ao mesmo tempo, essas igrejas irão se inserir com
maior ímpeto no Estado restrito, reproduzindo o que fizera a direita religiosa norte-
americana, porção norte do Partido da Fé Capitalista, ali fazendo avançar78 pautas
econômicas de interesse de um capitalismo multinacionalizado porém hegemonizado
pelos Estados Unidos. Em paralelo, produzirão nas duas partes do Estado ampliado, e de
maneira ainda mais eficiente, força de trabalho docilizada. O farão equipadas com uma
teologia que parece transportar a própria lógica capitalista para a esfera religiosa e lotando
câmaras legislativas, fóruns e palácios de governo por todo o país.
78
Isso será matéria da Parte III.
79
Documentação que indica a cooperação entre pentecostais e o Estado ditatorial brasileiro será abordada
na Parte III.
85
80
Instituído em junho de 1964 e vinculado diretamente à Presidência da República, o Serviço Nacional de
Informações - SNI tinha como finalidade a supervisão e coordenação das atividades de informação e
contrainformação, sobretudo a respeito de questões que o regime via como de interesse para a segurança
nacional, como as ações dos opositores políticos. Cabia ao SNI, também, manter o Executivo informado
sobre fenômenos sociais e políticos relevantes e atuais.
81
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Pentecostal Unida do Brasil Solicita
Autorização para Nacionalizar Hidroavião. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.82025249. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/82025249/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_82025249_d0001de0001.pdf >. Acesso em: 20 dez. 2020.
86
vista da dominação burguesa, o reforço da coerção estatal após 196482. Teriam tais
aparatos ideológicos, portanto, um papel secundário nesse processo, o que me parece
poder ser dito também sobre as então incipientes organizações evangélicas
conservadoras.
Nesse primeiro momento, a função hegemônica delas seria, assim, desmobilizar,
com sucesso relativo, face às suas forças ainda modestas, uma classe trabalhadora que,
além de razoavelmente organizada, era “tendencialmente anti-imperialista, e que
identificava de maneira direta o imperialismo à atuação avassaladora dos Estados
Unidos” (FONTES, 2010, p. 207), país pintado em cores muito mais agradáveis pelos
grupos religiosos aqui enfocados. Concluso o processo de atrelamento brasileiro ao
capital-imperialismo, na segunda metade da década de 1960 e na primeira da de 1970, e
combinando-se à repressão ditatorial, é provável que o proselitismo hegemônico
capitalista ventilado por essas porções religiosas em expansão tenha contribuído para a
abertura de um ambiente social favorável ao incremento da acumulação demandado pela
nova conformação global do capitalismo, incutindo a obediência às autoridades e
contendo tensões sociais com a oferta de alívio espiritual para males decorrentes do
incremento da exploração da classe trabalhadora.
O segundo momento do proselitismo hegemônico capitalista, encarnado
sobretudo pelo pentecostalismo armado das teologias da Prosperidade e do Domínio, por
sua vez, parece se combinar com a situação de plena consolidação do capital-
imperialismo num Brasil de finais da década de 198083, onde multidões de aparelhos
privados de hegemonia agem no “apagamento retórico das classes sociais” (FONTES,
2010, p. 15) buscando disponibilizar crescentes contingentes, docilizados e despojados
de direitos e de entidades organizativas, para a extração de mais-valor crescentemente
aprofundada. Aparelhos, enfim, dedicados a instilar o consentimento das relações de
dominação vigentes ao “interiorizar relações sociais existentes como necessárias e
legítimas” (FONTES, 2010, p. 137), sendo este, por exemplo, um possível efeito da
Teologia da Prosperidade, que projeta a pobreza e a sua superação na dimensão dos
desígnios divinos.
82
Violência que se deveu também ao imperativo de frear o grande incremento das atividades organizativas
da classe trabalhadora.
83
Essas teologias fazem parte do repertório teológico pentecostal desde meados dos anos 1970, aparecendo,
por exemplo, nas pregações da pequena Igreja de Nova Vida. Porém, ganham impulso apenas em fins da
década seguinte, com a ascensão da Igreja Universal do Reino de Deus. Fundada em 1977, a IURD passaria
a se organizar como um grande movimento nacional já em meados dos anos 1980.
87
2.3 - Multinacionais da fé
Outra característica desse capitalismo de nova qualidade que toca de perto o meu
tema consiste na potencialidade de induzir a formação e o fortalecimento de burguesias
nativas nos países periféricos. Trata-se de resultado inevitável de uma “socialização do
processo de produção em escala internacional” (FONTES, 2010, p. 206), que pressupõe
a produção e gerenciamento de trabalhadores despossuídos em nível local pelos Estados
e burguesias subalternos, e do processo correlato de exportação de capital que permite a
participação do empresariado local nas multinacionais que passam a funcionar por aqui,
mesmo que na qualidade de sócios minoritários. Integradas aos fluxos mundiais de
valorização de capitais, essas burguesias operacionalizarão, com o apoio dos seus
Estados, o necessário processo expropriatório e de intensificação da exploração de mais-
valia das populações locais e até mesmo de outras e mais fracas burguesias periféricas.
Fundamental, contudo, na caracterização dessas burguesias capital-imperialistas
periféricas, repito, é a associação subordinada ao capital dos países centrais, no referido
processo de entrelaçamento da propriedade em estado puro, decorrendo daí o fato de que
a expansão econômica de determinada burguesia periférica sobre outros países trará
necessariamente nela acoplada interesses dos países capitalistas centrais (FONTES, 2010,
p. 209). Tal seria a natureza da inserção capitalista presente do Brasil que, ainda segundo
Fontes (2010, p. 14), procuraria em décadas recentes atingir a condição de país capital-
imperialista subordinado.
É claro que a formulação de Fontes se refere sobretudo a atividades “econômicas”
no sentido mais comum da palavra, ou seja, a presença de empresas de capital misto, mas
sediadas em países periféricos, em outros países também periféricos, como por exemplo
o fez a empreiteira Odebrecht no continente africano. Contudo, acredito que podemos
espraiar a lógica central do seu raciocínio para o caso das organizações religiosas
vinculadas ao espaço norte-americano em ação no Brasil. Afinal, parece evidente, por
exemplo, que o cinquentenário florescer pentecostal, induzido por pessoas e organismos
estrangeiros, terminou recentemente por estimular o surgimento local de uma camada
burguesa ligada a esse tipo de aparelho hegemônico: a sua milionária liderança.
Sobre ela, matéria publicada pela revista Forbes em 2013 (ANTUNES, 2013)
relaciona os cinco líderes evangélicos mais ricos do Brasil. Encabeçando a lista está Edir
Macedo, líder máximo da Igreja Universal do Reino de Deus, que acumulava naquela
data 950 milhões de dólares, colocando-o na 39ͣ posição no ranking composto por todos
89
os empresários brasileiros, também publicado pela Forbes naquele ano (VAZ, 2019), logo
atrás de Liu Ming Chung, vice-presidente e CEO da fabricante de papel Nine Dragon
Paper, e à frente do dono da CVC Turismo, Guilherme Paulus. No ranking de pastores,
atrás de Macedo vem Valdemiro Santiago, ex-membro da IURD e atual líder da Igreja
Mundial do Poder de Deus, com 220 milhões; Silas Malafaia, proeminente na Assembleia
de Deus, com 150 milhões; Romildo Ribeiro Soares, também proveniente da IURD e
atual dono da Igreja Internacional da Graça de Deus, com 125 milhões; e o casal Estevam
Hernandes Filho e Sônia Haddad Morais Hernandes, líderes da Igreja Apostólica
Renascer em Cristo, acumulando 65 milhões.
Abro aqui espaço para uma observação. Na primeira fase cronológica abarcada
por este estudo, 1950 até 1977, com raras exceções, como os pastores David Miranda, da
Igreja Pentecostal Deus e Amor, e Manoel de Mello e silva, da Brasil para Cristo84, não
é possível falar em grandes empresários pentecostais brasileiros. A instalação e
manutenção de aparelhos privados de hegemonia pentecostais nesse período coube quase
que inteiramente à burguesia e às igrejas norte americanas, às quais esses aparelhos se
ligavam em termos ideológicos e financeiros, uma vez que a sua expansão mundial se deu
por doações individuais e corporativas daquele país, chegando mesmo alguns autores
(GALINDO, 1995; LIMA, 1991) a suspeitar do apoio econômico de agências oficiais do
Estado norte-americano. Se enquadra neste caso a Igreja do Evangelho Quadrangular,
sediada na Califórnia e trazida para o Brasil pelo também californiano Harold Edwin
Williams, e organismos missionários dispersos pelo país.
Já no segundo período que abordo, 1977-2002, essa burguesia pentecostal nativa
aparece de forma inequívoca, com a rápida formação das fortunas de líderes do
pentecostalismo recente, todos originários do proletariado, como Edir Macedo, Romildo
Ribeiro Soares e Valdemiro Santiago.
Em ambos os momentos, ainda, o funcionamento dessas organizações autóctones
enquanto aparelhos privados hegemônicos burgueses não parece ter sido idealizado e
mantido diretamente pelo empresariado brasileiro, sendo a totalidade da burguesia
pentecostal brasileira formada a partir de indivíduos provindos da nossa classe
trabalhadora que responderam a impulsos ideológicos vindos de fora, no rastro da
integração cultural e econômica brasileira ao capitalismo multinacional hegemonizado
84
Essas duas são as mais importantes organizações pentecostais nativas deste período. Seus líderes, não
obstante terem se tornado após um par de décadas também donos de uma vasta estrutura, que compreendia
inclusive emissoras de rádio, são provenientes das camadas mais pauperizadas da classe trabalhadora.
90
85
As vastas fortunas desses dirigentes religiosos, erguidas com o dízimo, passam também a ser aplicadas
em outros ramos produtivos, como emissoras e bancos. David Miranda foi um dos precursores em
investimentos deste tipo, dono de várias rádios pelo brasil. Esse movimento, contudo, obedece em grande
parte ao imperativo de atrair mais fieis para os templos, assim incrementando a arrecadação dizimista.
Numa etapa posterior, e segundo matéria da Exame, se daria a chegada dessa burguesia pentecostal a setores
produtivos sem relação direta com o “negócio” religioso. Edir Macedo, por exemplo, dono de emissoras de
rádio e da TV Record desde 1989, em 2009 teria comprado 49% do Banco Renner (VAZ, 2016).
91
Unidos, a Church of God in Christ, faz parte do “pentecostalismo negro”, como vimos
sem representação no Brasil e de feitio distinto ao praticado pelas dominadas por brancos.
Voltando a esse ponto, a separação racial pentecostal do princípio do século XX teve
como palco principal essas duas igrejas, com a saída de por volta de 300 pastores de cor
branca da Church of God in Christ para formar a Assembleia de Deus. Sendo a encarnação
brasileira desta última a maior e mais antiga organização pentecostal por aqui, confirma-
se a asserção de estudiosos como Rolim (1994) sobre a predominância do pentecostalismo
de matriz racial predominantemente branca no país.
E por que as organizações pentecostais brasileiras seriam maiores que suas
congêneres e matrizes norte-americanas? A razão para tanto se prende a fatores internos
e externos. Em primeiro lugar ao fato de o pentecostalismo ser uma corrente religiosa
muito presente no missionarismo fundamentalista norte-americano, maior propulsor do
movimento evangélico brasileiro após meados do século XX. Em segundo lugar, destaco
que muitas grandes organizações evangélicas norte-americanas, distintamente das
brasileiras, são não-denominacionais, ostentando o simples rótulo de “evangélicas”. Por
último, teríamos aspectos intrínsecos à sociedade brasileira, cuja pobreza urbana,
ambiente propício para a expansão do pentecostalismo, é estrutural e muito maior que a
norte-americana. Assim, me parece que o tamanho das organizações pentecostais
brasileiras se refere, além de outros fatores endógenos e exógenos que serão vistos nas
partes II e III, também ao tamanho da nossa miséria, recentemente inflada pelo
aprofundamento das expropriações de direitos e patrimônios ao qual a população vem
sendo submetida. Sobretudo em tempos da Teologia da Prosperidade, que, conforme
Elizete da Silva (2001, p. 14), com seu Deus dispensador de riquezas atrai multidões de
“homens e, sobretudo mulheres pobres e desamparadas, órfãos e viúvas de políticas
sociais públicas esquecidas pelo Estado neoliberal”. Homens e mulheres provenientes em
sua maior parte das camadas mais pobres, muitos desempregados, alguns pertencentes à
classe média pauperizada, todos “em busca de alternativas de sobrevivência” (SILVA, E.
2001, p. 14). Na mesma direção vão as palavras de Marcelo Crivella, sobrinho de Edir
Macedo e um dos grandes responsáveis pelo sucesso da Igreja Universal do Reino de
Deus na África. Justificando a sua longa e exitosa estadia naquele continente, disse o
pastor “Nós vamos onde há sofrimento. Crescemos mais nos países pobres, onde sobra
gente sofrendo” (PAIXÃO, 1999, p. 46).
Concluindo, essas imensas organizações pentecostais brasileiras parecem
reproduzir a lógica capital-imperialista, desempenhando papel subimperialista,
92
semelhante ao que fizeram empresas brasileiras, com filiais por toda a América Latina e
boa parte da África, sendo a periferia, portanto, o habitat de sua incontida reprodução. A
relação desse fenômeno com os interesses dos países centrais, além da evidente
disseminação mundial de uma ideologia formulada em terras norte-americanas e em
contato com os valores e interesses ali hegemônicos, consiste, novamente, na capacidade
da atuação político-ideológica dessas organizações em interferir no cenário social desses
países, abrindo caminho para a melhor consecução dos interesses cada vez mais globais
de um capital a ser valorizado em regime urgente. Fazem isso ao desorganizar a classe
trabalhadora, reforçar seus laços de dominação e ao impulsionar os interesses
empresariais. Tanto por via do proselitismo hegemônico capitalista como promovendo a
penetração, no Estado restrito das repúblicas periféricas, das diretrizes propagadas pela
porção norte do Partido da Fé Capitalista, intimamente ligada à classe dominante norte-
americana, como se verá na Parte II.
Esse fenômeno parece convergir com o teorizado por Otto Maduro (1980, p. 108)
a respeito do eventual auxílio de organizações religiosas à consolidação hegemônica de
um grupo social dominante. Chama ele atenção para o fato de que quando uma classe ou
fração de classe detém a hegemonia, ou seja, a direção do conjunto social, por longo
espaço de tempo, “tal processo de dominação terá profundo impacto sobre as religiões”,
traduzido, por exemplo, no aniquilamento de “todo “elemento” religioso” que represente
um “obstáculo ou perigo para a consolidação do poder da classe”; no favorecimento da
criação e disseminação “de todos os elementos religiosos que forem claramente
convergentes com a consolidação do poder da classe dominante”; e na reestruturação “de
maneira mais adequada à nova situação de dominação de todos aqueles elementos
religiosos que não forem diretamente obstacularizadores da consolidação do poder da
classe dominante”. Assim, é possível que o processo de erosão da popularidade das
religiões afro-brasileiras, bem como do catolicismo e do evangelicalismo progressistas,
em paralelo à acelerada pentecostalização e multiplicação de outras formas/organizações
religiosas conservadoras sob influência norte-americana, refira-se ao processo de
consolidação da hegemonia do setor empresarial brasileiro associado ao capital
estadunidense, iniciado nos anos JK e aprofundado na ditadura, momentos-chave na
penetração e alastramento dessas religiões no país.
Diante dos pressupostos teóricos acima, cabe, agora, ver mais a fundo como as
ações de organismos religiosos conservadores no Brasil redundam, no mundo concreto,
num reforço à hegemonia capital-imperialista de setores empresariais norte-americanos e
seus sócios brasileiros.
Em primeiro lugar, voltarei minha atenção à dimensão essencialmente cultural das
intervenções hegemônicas das agremiações cristãs abordadas. Ou seja, às suas ações
exteriores ao Estado restrito, que compreendem sermões, eventos religiosos, publicações
e declarações públicas, entre outras iniciativas semelhantes. Aquilo, enfim, que chamo de
proselitismo hegemônico capitalista. Incidindo sobre uma das metades do Estado
ampliado, a sociedade civil, a ação hegemônica do Partido da Fé Capitalista, aqui iniciada,
se completará na segunda metade, o interior da máquina burocrática governamental, por
95
via da sua crescente participação na política partidária. Vejamos, agora, como ela ocorre
no mundo exterior ao aparelho estritamente estatal, para, em seguida, analisarmos sua
execução no interior deste último.
86
Ainda que as primeiras organizações pentecostais tenham sido implantadas no país na década de 1910, o
movimento mantém-se pouco significante, em termos numéricos e espaciais, até a década de 1950, quando
número crescente de missionários estrangeiros se transferem para o Brasil e a popularização do rádio
imprime alcance muito maior aos discursos de lideranças que souberam usar essa inovação para atingir
novos públicos, tornando o pentecostalismo um fenômeno de alcance nacional.
87
Um dos polos ideológicos produtores do pensamento econômico nacionalista, diz Sonia Regina de
Mendonça (2003, p. 71), teria sido o Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, fundado em 1955.
No pensamento isebiano, encampado de maneira pouco crítica por porções da intelectualidade de esquerda,
a burguesia nacional surgia como portadora de interesses incompatíveis com o capital estrangeiro,
pendendo, portanto, para um “projeto de industrialização autônoma”, o que ao fim e ao cabo terminaria por
forjar a crença de que ela desempenharia um “papel de liderança em uma ampla aliança política que iria
envolver as massas urbanas e o campesinato na luta contra o capital estrangeiro”.
88
Segundo Michael Löwy (2008, p. 1-2) são componentes principais da Teologia da Libertação: a acusação
de ordem moral e social do capitalismo, visto como pecado estrutural por sua inerente injustiça; uso do
96
meados dos anos 1960, as CEBs tiveram relativamente largo alcance entre as populações
mais pobres ao longo dessa década e a de 1970. Tanto as CEBs como outra importante
organização religiosa interessada na organização de trabalhadores rurais, a Comissão
Pastoral da Terra – CPT, segundo Fábio Py de Murta Almeida89 e Marcos Antonio
Pedlowski90 (2018, p. 239-240), apesar de católicas, tinham no ecumenismo um traço
importante. Ainda conforme ambos, um dos eixos principais de ação da CPT foi o auxílio
a paróquias rurais, postas em contato com as CEBs, visando sobretudo “romper o
isolamento do campo”. Em termos práticos, procurava-se estimular a participação dos
pequenos agricultores em ocupações de terra a fim de pressionar o avanço do debate
público acerca dos latifúndios improdutivos.
Tais ações religiosas auxiliares da luta dos trabalhadores ilustram uma ideia
apresentada no capítulo passado: o desenrolar da luta de classes no interior do campo
religioso. Assim, tal como setores católicos latino-americanos procuraram imprimir à
instituição romana uma direção mais afinada com os interesses dos mais pobres, o mesmo
pode ser dito sobre parcelas de outros grêmios cristãos, inclusive os mais envolvidos com
o projeto de hegemonia burguesa tema deste trabalho91. Assim, não surpreende o fato de
arcabouço teórico marxista para a compreensão da pobreza; a preferência pelos pobres e o engajamento na
luta social para a sua emancipação; o desenvolvimento das CEBs entre os pobres como proposta de um
novo tipo de Igreja e alternativa ao individualismo capitalista; e a idolatria de valores e conceitos, como o
consumismo, a riqueza, o poder, a segurança nacional, o Estado e os exércitos, como principal adversária
da religião. Já Reginaldo Prandi (PRANDI e PIERUCCI, 1996, p. 259) entende que os católicos praticantes
da Teologia da Libertação “acreditam que o mundo é socialmente injusto, onde o homem é explorado pelo
homem, e que cabe à religião transformá-lo por meio de um estilo de militância religiosa que se confunde
com a prática política, deixando de lado as questões íntimas que atormentam o indivíduo”.
89
Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-RIO, é professor do
Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais - PPGPS da Universidade Estadual do Norte Fluminense
- UENF. Desenvolve pesquisas sobre religião, Estado e políticas sociais na Amazônia e migrações e
religiões nos assentamentos do MST (ALMEIDA, F. 2021).
90
Geógrafo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e doutor em Environmental Design and
Planning pela Virginia Polytechnic Institute and State University (Virginia Tech), é professor do
Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico da Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF.
Pesquisa sobretudo os temas: reforma agrária, mudanças da cobertura vegetal e uso da terra na Amazônia,
e os impactos sociais e ambientais do uso de agrotóxicos na agricultura brasileira (PEDLOWSKI, 2021).
91
De forma resumida, qualquer análise científica dos fenômenos sociais não pode perder de vista a sua
natureza multifacetada. Isso não quer dizer, porém, que não seja possível extrair conclusões gerais sobre as
instituições humanas, como essa pesquisa pretende fazer com setores evangélicos, supondo que o efeito
predominante das ações dessas instituições são o resultado de um somatório de forças, frequentemente
opostas, que se debatem em seu interior. Minha hipótese, portanto, é que a correlação de forças desigual
vigente, por exemplo, nas grandes organizações pentecostais, em grande parte hierarquizadas e dirigidas
por bispos milionários conectados ao empresariado brasileiro e norte-americano, termina por conferir a elas
uma direção mais favorável aos interesses da classe patronal que dos trabalhadores. Com bases formadas
sobretudo pela classe trabalhadora, entretanto, contradições continuarão pulsando em seu interior.
Tentativas de mitigá-las oferecerão conforto psicológico/religioso e ações filantrópicas a fim de amenizar
os piores efeitos da privação material. Transbordando ocasionalmente em ações desafiadoras do arranjo
social vigente que entram em choque com a orientação emanada das cúpulas, a contenção das demandas
sociais dessa classe será manejada com contínua dificuldade pelas lideranças.
97
Leonilde Servolo de Medeiros92 ter revelado ao sociólogo Fabio Alves Ferreira93 (2016,
p. 236) que, em pesquisa de campo junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem
Terra – MST, constatou a presença de templos pentecostais na maioria dos assentamentos.
O mesmo Ferreira afirma ainda ter ouvido do coordenador do MST, Jaime Amorim, que
sem a ajuda de companheiros pentecostais muitas ocupações não seriam possíveis. Regina
Reyes Novaes94 (2001, p. 70) também sublinha a participação de evangélicos em
movimentos de trabalhadores rurais na década de 1960, inclusive em funções dirigentes
nas Ligas Camponesas, fato que seria confirmado pelos escritos do seu líder de maior
projeção, Francisco Julião.
Mas voltando à descrição do contexto social brasileiro das primeiras décadas da
segunda metade do século XX, é possível dizer que o surto da organização popular
progressista se chocou com uma intensificação do avanço evangélico, iniciado nos anos
1950. Incidiu ele mormente sobre o cenário urbano, num quadro de crescente êxodo rural
em face do processo de industrialização acelerada, mas sem deixar de se fazer sentir no
interior, onde pastores e missionários passarão a atuar, inclusive, junto às populações
indígenas isoladas, conforme documentado95 pelos serviços de informação do regime de
1964. Mariano (2014, p. 39), por exemplo, destaca que nos anos 1950 “as principais
inovações teológicas e institucionais” componentes do movimento pentecostal “passaram
a vir, cada vez mais celeremente, dos EUA”.
Ao lado da chegada de inúmeras organizações missionárias interdenominacionais,
como a Missão Novas Tribos do Brasil, aberta em 1953, a Aliança Bíblica Universitária
– ABU, iniciada em 1957, e o Instituto Linguístico de Verão, que aqui desembarca em
1959, acontece neste momento aquilo que Freston (1993) chamou de “segunda onda” da
92
Cientista política e social, é professora do Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ.
Coordena o Núcleo de Pesquisa, Documentação e Referência sobre Movimentos Sociais e Política Públicas
no Campo da UFRRJ, onde é membro do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura. Foi
secretária da Associação Latino-americana de Sociologia Rural - ALASRU e presidente da Rede de Estudos
Rurais. Pesquisa movimentos sociais rurais, políticas fundiárias, assentamentos rurais, dimensões políticas
do agronegócio, relações entre direito e conflitos sociais rurais, e resistência e organização dos
trabalhadores rurais durante o regime militar (1964-1985) (MEDEIROS, 2021).
93
Sociólogo pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE e cientista da religião pela Universidade
Metodista de São Paulo, onde também se graduou em Teologia. Realiza pesquisas sobre pentecostalismo,
reforma agrária, movimentos sociais, teoria do discurso e identidades (FERREIRA, 2021).
94
Cientista social e antropóloga, foi professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro -
PUC-RJ, da Universidade Federal da Paraíba - UFPB e da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Leciona no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
- Unirio. Foi editora da revista Religião e Sociedade; secretária geral da Associação Nacional de
Antropologia - ABA; presidente do Instituto Superior de Estudos da Religião - ISER e do Instituto
Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas – IBASE (NOVAES, 2021).
95
Esses papéis serão vistos de perto na Parte III.
98
96
Conforme veremos na Parte III, as intervenções políticas pentecostais também se darão, já a partir desse
momento, no campo partidário, com candidaturas para os Legislativos locais de pastores sobretudo da Igreja
do Evangelho Quadrangular e da Assembleia de Deus.
99
dados para confirmar ou negar a hipótese de que o incentivo para o seu lançamento partiu
do governo ditatorial, revelando, contudo, que elas contaram, por exemplo, com a
anuência da presidência norte-americana da IEQ.
Já as missões interdenominacionais são vistas como “veículos de uma expansão
calculada para a América Latina” (LIMA, 1991, p. 138) dirigidos por instituições
fundamentalistas97 e financiados por empresas multinacionais que sustentariam, por
exemplo, missionários pentecostais em Honduras (LIMA, 1991, p. 94). Realizando junto
às populações carentes trabalhos de amparo social sempre atrelados a intervenções
ideológicas, filantropia cuidadosamente manejada para não descambar em ações
contestatórias da ordem, esses organismos funcionariam como ponta de lança da
penetração dos valores culturais, religiosos e econômicos norte-americanos, por eles
apresentados como modelares (LIMA, 1991, p. 141). Tal juízo é partilhado por Antônio
Gouvêa Mendonça (2006, p. 107), que acredita serem essas missões, portadoras de uma
“mensagem religiosa espiritualista e alienante”, interessadas em influenciar a juventude,
alimentando o anticomunismo e sabotando projetos sociais do ramo evangélico
tradicional, como o ensaiado pela Confederação Evangélica do Brasil.
Lima também identifica vínculos de dependência entre as organizações
pentecostais na América Latina e um núcleo decisório norte-americano. A pregação da
Assembleia de Deus, por exemplo, seria orientada e corrigida em matéria doutrinária pelo
Departamento de Missões Estrangeiras, no Missouri, sendo muito semelhante em
qualquer parte e caracterizada por uma interpretação bíblica essencialmente
fundamentalista (LIMA, 1991, p. 70-71). Já a Congregação Cristã do Brasil, reproduziria
o pentecostalismo trazido de Chicago por seu fundador, o ítalo-americano Louis
Francescon, não escapando tampouco desse atrelamento a Igreja do Evangelho
Quadrangular, acompanhada de perto pela sede californiana (LIMA, 1991, p. 82).
Caminho semelhante segue o católico Galindo (1995, p. 316) que, baseado em
estudos98 sobre a relação da religião com o programa geopolítico dos Estados Unidos,
visualiza uma “coalizão político-religiosa” para a concepção de estratégias de “influência
97
Galindo (1995, p. 195 e 246) supõe que o pentecostalismo teria inclusive passado a ser a “forma
predominante” do missionarismo fundamentalista, sua ala de maior influência e, portanto, o grupo com
maior presença entre os missionários que aportam em massa na América Latina neste período.
98
Destaca ele os produzidos pelos centro de pesquisa North American Congress on Latin America -
NACLA, que “pesquisa atividades da política externa dos EUA na A.L.” (GALINDO, 1995, p. 316); o The
Resource Center, que em seu boletim trimestral traz bem documentadas informações, sobretudo
concernentes à América Central; e o Covert Action Information Bulletin, que investiga as atividades da
CIA e grupos associados.
100
99
Ocorrido no Colégio Cristão de Madras, na vizinhança de Tambaram, cidade de Madras, Índia, o evento
foi organizado pela organização evangélica ecumênica extinta em 1961 International Missionary Council -
IMC.
100
Professora no Institute of Latin American Studies e no Departamento de História da Universidade do
Texas.
101
101
Esses processos serão vistos de perto na Parte III.
102
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DES – Delegacia de Ordem Política e
Social do Espírito Santo. Eventos Religiosos. Código de Referência: BR ESAPEES DES.0.MR.12.
103
103
A hipótese segundo a qual o movimento fundamentalista teria entrado numa fase de decadência em
meados dos anos 1920 tem sido questionada por algumas pesquisas recentes. Ela é, todavia, sustentada por
uma das mais importantes referências sobre o tema, o historiador norte-americano George Marsden. A
despeito do que aconteceu nas décadas que precederam os anos 1950, contudo, parece seguro afirmar que,
nos quadros da Guerra Fria, a retórica anticomunista fundamentalista adquiriu projeção redobrada,
conferindo ao grupo maior exposição pública.
104
104
Traços fundamentais desse revigorado pentecostalismo, conforme o teólogo Paulo Donizéti Siepierski
(2008, p. 79), seriam a absorção de formas anteriores da religiosidade popular; a constituição de estruturas
comerciais; o abandono de sinais externos de santidade e um apelo ao consumismo e aos mais modernos
métodos de comunicação de massa. Com intensa participação político-partidária, as agremiações
pentecostais mais importantes surgidas nesta época, a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Universal
da Graça de Deus, a Renascer em Cristo e a Comunidade Sara Nossa Terra, teriam como meta declarada
“estabelecer uma nova cristandade por meio da atividade política”.
105
Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, sediada em Roma, foi professor da
Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP; da Universidad Nacional - UNA e da Universidad de
Costa Rica, ambas neste país centro-americano; na Universidad de la Republica de Montevideo - URM e
na Universitat Munster (Westfalische-Wilhelms) - W.W.U.M. Desenvolveu pesquisa nas linhas ética e
educação, comunicação social, e educação na sociedade de conhecimento - mudanças na gênese do sentido
(ASSMANN, 2005).
105
agudizadas pela miséria. Em ambos os casos, porém, essa pregação contribuiria para a
fetichização dos fenômenos sociais, banalizando explicações mágico-religiosas para
problemas mundanos (ASSMANN, 1986, p. 169-172). Sobretudo o mais recente
pentecostalismo, que ao prometer o êxito material pela adesão aos seus preceitos,
desligando assim a pobreza de causas terrenas, reforçaria a crença, cara ao pensamento
liberal, na igualdade de oportunidades de sucesso financeiro (ASSMANN, 1986, p. 96).
Concordando com o essencial da avaliação de Assmann, acredito que nesta
conjuntura, e absorvendo inovações ideológicas provindas de organizações religiosas
norte-americanas, que nos anos 1970 se voltavam para a política partidária e para uma
mais agressiva campanha pela liberalização dos mercados, vejo o proselitismo
hegemônico capitalista, sobretudo o verbalizado pelos pentecostais, também se atualizar.
Tomando fôlego sobretudo no final da década, num quadro de conclusão de um processo
que alguns autores106 denominam de modernização conservadora, ou seja, o da
consolidação do capitalismo monopolístico no país, deixará ele de se ocupar apenas em
desviar os olhos populares dos problemas sociais107. Procurará, agora, também incutir
valores interessantes aos imperativos de expansão do capital, cuja ascendência
inquestionável sobre a sociedade brasileira fora garantida pelos anos ditatoriais.
Essa inflexão do proselitismo hegemônico capitalista pentecostal no Brasil, o
pentecostalismo da prosperidade e do embate partidário, que se infiltrará em maior ou
menor grau entre todas as grandes organizações pentecostais e até em outras fés
evangélicas, significaria em relação à fase anterior, dirá Mariano (2014, p. 8-9), uma troca
do sectarismo e do ascetismo por um imediatismo pragmático e um revigorado interesse
pelo mundo material. Deixa então o movimento pentecostal de ver a experiência terrena
apenas como etapa de expiação e preparo para o além-vida, reinterpretada como campo
privilegiado de uma ação religiosa a partir de então interessada, inclusive, na política
partidária. Despe-se ele, assim, daquela “escatologia pentecostal clássica” (MARIANO,
2014, p. 45) fundada numa espera conformada pelo retorno do messias e que tendia a
106
Segundo Francisco de Oliveira (2003), no contexto da ditadura de 1964, a burguesia nacional teria optado
por um modelo de modernização conservador e desigual, recusando a superação de limites estruturais
impostos à economia dependente da aniquilação do patriarcado rural e o incremento da renda das camadas
sociais inferiores, o que possibilitaria o financiamento interno da expansão do capital. Inversamente, foram
mantidas a concentração da propriedade rural e o estrangulamento da renda dos trabalhadores, optando-se
pelo financiamento externo, com a abertura do Brasil ao capital estrangeiro.
107
Haverá, contudo, uma mudança de estratégia, passando o desestímulo ao afastamento da classe
trabalhadora de suas organizações autônomas a se efetuar não mais pela renúncia ao universo terreno, mas
popularizando um discurso que naturaliza dogmaticamente as relações de exploração por via da inovadora
“Teologia da Prosperidade”.
106
108
A composição religiosa variada das reuniões arranjadas pela Igreja da Unificação, bem como das que
deram origem à iniciativa tema deste trabalho, ocorridas nos Estados Unidos desde a década de 1950 e que
serão vistas na Parte II, mostram de forma clara o caráter ecumênico do Partido da Fé Capitalista.
109
Cristo - CEPC e a Missão Informadora do Brasil - MIB. Todas serão também melhor
abordadas em outras partes deste trabalho.
109
Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense - UFF, é professor do Instituto Federal do
Maranhão. Desenvolve pesquisas sobre os temas protestantismo, evangélicos, ditadura, religião e política
e religião (ALMEIDA, A. 2021).
110
Historiador pela Universidade da Califórnia, é especializado em História da América Latina e História
religiosa da América Latina. É professor do Departamento de História da Universidade de Houston.
111
Freston (1993, p. 158) acrescenta que lideranças evangélicas, como o batista Nilson Fanini, teriam no
final dos anos 1970 inclusive passado a frequentar os cursos da Escola Superior de Guerra - ESG, um dos
principais polos de produção ideológica do regime, acontecendo o mesmo com membros da bancada
evangélica eleita em 1986, como o pastor presbiteriano Guilhermino Cunha.
111
pentecostais brasileiros e suas sedes e organizações do mesmo feitio no norte seria fraca
demais para tal correspondência112.
Me parece, contudo, ser realista admitir a existência desse elo, talvez não
automático e inevitável como quis Lima, mas tampouco frouxo como imaginou Freston.
Enquanto a conexão ideológica/teológica é de fácil constatação, eventuais descompassos
e desacordos entre as cúpulas brasileiras dessas organizações e seus colegas norte-
americanos podem ser enquadrados nos limites da ação individual dos membros das
primeiras, provavelmente irmanadas com as segundas por elos de interesse e até
subordinação, mas nem por isso desprovidas de autonomia, podendo exibir agendas
pontualmente dissonantes. Outra possibilidade é que a reprodução desse comportamento
pelas organizações brasileiras dispense qualquer coordenação conjunta, sendo o
atrelamento teológico/ideológico, conforme sugerido por Siepierski, forte o suficiente
para levar o pentecostalismo brasileiro a agir de forma semelhante à direita religiosa
norte-americana.
Da mesma forma, outros autores vão em direção oposta a Freston, não
desconsiderando a possibilidade de o movimento político-religioso brasileiro manter
conexões próximas com a religião politicamente organizada nos Estados Unidos. Essa
desconfiança, que já vimos nas palavras de Antônio Flávio Pierucci, é também
verbalizada por Daniel Rocha (2011, p. 594-595), que chega a enumerar fatores
sugestivos da reprodução pelos pentecostais brasileiros da trajetória em direção ao Estado
restrito descrita pelo cristianismo conservador norte-americano.
Em primeiro lugar, o estudioso atenta para o aumento da importância da “mídia
religiosa” nos Estados Unidos, cujas mensagens logo adquirem um tom político,
sobretudo entre os fundamentalistas. Em face do imenso peso cultural daquele país, esse
proselitismo eletrônico politizado passa a influenciar grupos evangélicos em outros
lugares. Não seria por acaso, assim, que o uso dos modernos meios de comunicação teria
papel fundamental no sucesso político dos pentecostais brasileiros.
Outro elemento de aproximação seria o referido compartilhamento de valores
entre o pentecostalismo e o evangelicalismo de maneira geral com o movimento
112
Freston (1993, p. 218-219) supõe haver poucos vínculos entre a Assembleia de Deus brasileira e sua
correspondente norte-americana, destacando que a Igreja Universal do Reino de Deus, por seu turno, é
“totalmente brasileira” e que o presidente da Igreja o Evangelho Quadrangular nos Estados Unidos chegou
mesmo a se opor ao envolvimento político da filial brasileira. Sobre este último ponto, documentação que
será tratada na Parte III mostra que, ao contrário, Rolf K. McPherson, presidente da IEQ entre 1944 e 1988,
autorizou pessoalmente o pastor Geraldino dos Santos a tomar posse no cargo de vereador da capital
paulista em 1964.
115
Ainda mais interessante para esta tese é examinar o que significa o grande
interesse partidário de órgãos religiosos conservadores. Tanto nos Estados Unidos como
no Brasil, um dos seus mais óbvios efeitos, a ser explorado em capítulos futuros, é a
impulsão de políticas interessantes ao empresariado. Há, entretanto, outra consequência
menos visível: a inserção subordinada dos trabalhadores no aparelho estatal oficial.
Ambos os casos redundam no reforço da hegemonia da camada empresarial dominante.
Nicos Poulantzas (1981) apresenta uma concepção de Estado que se pretende
equidistante daquela inerente ao pensamento liberal, que o vê como uma entidade
113
A pesquisa, denominada Spirit and Power – a 10 country survey of pentecostal, foi publicada em 2006
pelo laboratório de ideias baseado em Washington, sem fins lucrativos e alegadamente apartidário, Pew
Research Center.
114
Do qual o cristianismo conservador naquele país, contudo, logo se afastou.
116
115
Segundo Poulantzas (1981, p. 164), a classe dominante lançaria mão de dois artifícios para garantir sua
supremacia no Estado. Em primeiro lugar, teriam facilidade em deslocar o núcleo decisório estatal de uma
instância burocrática para outra, na eventualidade do seu setor nevrálgico se ver ocupado pelos dominados.
Em segundo lugar, a própria burocracia estatal contaria com “mecanismos internos” projetados e
manipulados para a reprodução das relações sociais de dominação.
117
116
Pesquisa do Instituto de Estudos da Religião - ISER em 1994 indica que para os membros da Igreja
Universal do Reino de Deus o fato de um candidato pertencer à IURD é a principal razão para a definição
do voto, sendo essa a segunda razão principal para os seguidores da Assembleia de Deus e de “outras
pentecostais”. Nos dois últimos grupos, a primeira razão é ter o candidato “boas ideias políticas”, vencendo,
porém, apenas por margem estreita (FERNANDES, 1998, p. 125).
117
Mariano (2014, p. 91) conta que os políticos pentecostais procuram agradar suas bases eleitorais
ostentando “velhas bandeiras moralistas” como a censura, o combate ao aborto, à pornografia, ao casamento
gay, e à descriminalização das drogas.
118
levado adiante pelo proselitismo hegemônico capitalista. Converge com o que foi dito
tese recente do cientista político Victor Augusto Araújo da Silva118 (2019), intitulada A
religião distrai os pobres? Pentecostalismo e voto redistributivo no Brasil. Comparando
os votos nas últimas eleições presidenciais de católicos, protestantes históricos (luteranos,
presbiterianos e metodistas, por exemplo) com os dos pentecostais, o pesquisador
constatou que, para estes últimos, determinações de ordem moral têm peso muito maior
na escolha do candidato do que propostas para uma mais equânime distribuição da renda,
por exemplo.
Em segundo lugar aparece a defesa da supostamente ameaçada liberdade religiosa,
sob ataque novamente da esquerda119 e dos católicos120, zelosos com sua posição de
primeira religião em número de adeptos.
Aqui, cabe constatar que o conceito de “classe dominante” não é autoevidente,
repousando sua compreensão sobre um processo histórico e social que tem no alcance de
consciência de classe etapa indispensável. Considerando, portanto, que os seguidores dos
grêmios religiosos aqui abordados têm sua organização enquanto classe estorvada pela
ação dos aparelhos hegemônicos cristãos, não é cabível esperar que reconheçam na classe
empresarial o polo social dominante. Assim, acredito ser plausível imaginar que, aos
olhos de boa parte do eleitorado evangélico, a imagem da sua “classe” antagônica é
moldada pelo discurso de líderes político-religiosos que indica como principais
adversários a Igreja Católica, grupos políticos laicos tradicionais manchados pela
corrupção, a esquerda partidária e todos os defensores da liberalização dos costumes e
laicização da sociedade. Nesse quadro, a presença de religiosos conservadores no Estado
restrito é vista como representativa do modo de vida e da religiosidade de grupos sociais
inferiores, ameaçados por políticos corruptos, que buscam intrometer-se na esfera íntima,
118
Doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP (SILVA, Victor, 2021).
119
Segundo Antônio Flávio Pierucci (PIERUCCI e PRANDI, 1996, p. 201) e Ricardo Mariano (2014, p.
91-98), o ramo pentecostal fez enérgica campanha contra a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à
Presidência da República em 1989, explorando o argumento da “ameaça do comunismo ateu que persegue
o evangelho”. Freston (1993, p. 255), por seu turno, relata que a Assembleia de Deus e a Igreja do
Evangelho Quadrangular, apesar de não terem candidato no primeiro turno daquele pleito, recomendaram
que seus seguidores não votassem em políticos representantes do “marxismo ateu”, aderindo à campanha
de Fernando Collor de Mello no segundo turno, ao lado da Igreja Universal do Reino de Deus, sua aliada
de primeira hora. Já Mariano (2014, p. 92) escreve que a organização de Edir Macedo participou novamente
em 1994 do “bloco anti-Lula”, apoiando ainda que discretamente a candidatura de Fernando Henrique
Cardoso. O mesmo Mariano (2014, p. 91) destaca que a proteção à liberdade religiosa é o principal
argumento levantado pela IURD para justificar a presença partidária.
120
Ainda Pierucci (PIERUCCI e PRANDI, 1996, p. 208) e Mariano (2014, p. 94) sustentam que outro
argumento repetido pelas lideranças pentecostais na campanha de 1989 foi o de que haveria uma associação
entre a candidatura de Lula da Silva e a Igreja Católica.
119
e pela Igreja Católica, ainda poderosa e hostil às “seitas” que não param de tomar-lhe
seguidores, ambos frequentemente vistos pelas camadas pobres em posição de domínio,
impressão que o proselitismo hegemônico capitalista trata de aprofundar e perpetuar. De
maneira exemplar, um dos principais líderes pentecostais do presente, Edir Macedo,
declarou em evento para arrecadação de alimentos promovido por sua igreja em São Paulo
no ano de 1995 que os católicos seriam “a desgraça do Terceiro Mundo”, principais
causadores do aumento da miséria ao se oporem ao uso de contraceptivos e ao
planejamento familiar121, desdenhando também da efetividade das campanhas de combate
à fome desenvolvidas pela igreja rival (NASCIMENTO, Gilberto. 2019, posição 2886-
2895).
Foge do escopo desta pesquisa averiguar precisamente o grau de aceitação dos
postulados ideológicos dessas instituições religiosas por seus seguidores, mas parece fora
de questão que foram braçados por um número significativo deles. O fato é ilustrado pelas
palavras de um certo Edilson Dias de Jesus, que em janeiro de 1982 escrevia para o
ditador João Figueiredo externando sua desconfiança da Igreja Católica. Para o
evangélico, ela seria a principal fonte do atraso nacional, causadora da dívida externa, da
inflação, da violência urbana e do subdesenvolvimento. Ao contrário, “se nos fizessemos
como os Estados Unidos da America do Norte, pregassemos o verdadeiro Evangelho de
Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, hoje seriamos uma grande Nação”122 (SIC), dizia
ele. Isso porque, naquele país, “onde 95% da População são de origem Evangélica, lá não
há o que em nosso País, muitos julgam um bicho de 7 cabeças como por exemplo:
Doenças, Crimes” (SIC). Prosseguia atacando a insossa pregação católica, “uma pedra de
gelo”, e a sua falta de foco em questões espirituais, dedicada que estaria em incitar
politicamente o povo, empurrando a juventude para “grandes Revoluções, Crimes e
Manifestações Estudantis”. Por outro lado, elogiava as igrejas Assembleia de Deus,
Batista e Presbiteriana, elas sim pregadoras da “grande Mensagem” de Jesus Cristo.
Como remédio, sugeria “afastar estes Padres e seus Auxiliares e Superiores Imediatos do
Brasil, já que os mesmo excitam o Povo a lutar com o Sr. Presidente”. Encerrava
121
Neste ponto, a Igreja Universal do Reino de Deus diverge de outras agremiações evangélicas
conservadoras, exibindo um afrouxamento da pauta moral no que tange o sexo, desde que ele ocorra dentro
do casamento.
122
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal da Presidência da República. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.158. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0158/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0158_d0001de0001.pdf>. Acesso em 20 dez. 2020.
120
5 – Conclusão
Por tudo o que foi dito, me parece que a expansão de entidades evangélicas
provindas dos Estados Unidos no Brasil da segunda metade do século XX representou
um reforço da hegemonia burguesa, satisfazendo o crescente ímpeto expropriador e
extrator de mais-valia capital-imperialista ao produzir uma multidão de trabalhadores
organizados em torno delas, associações não apenas nulas do ponto de vista do
enfrentamento das desigualdades econômicas, mas também capazes de neles incutir um
respeito literalmente religioso pelos fundamentos do modo de produção capitalista.
Contribuiu, portanto, para o esvaziamento de órgãos representativos dos interesses
concretos da classe trabalhadora e a para a produção de vasto estoque de força de trabalho
precarizada e adestrada para servir a crescente demanda de valorização do capital no
quadro global delineado no pós-Segunda Guerra. Tudo para a glória do reino do capital,
que se quer crescentemente sem barreiras e de fato universal.
Além disso, me parece que o processo histórico de aprofundamento da influência
evangélica na sociedade civil brasileira e da sua simbiose com o nosso Estado restrito
estaria desafiando a conclusão gramsciana segundo a qual a Igreja viria progressivamente
a ser “um elemento cada vez menos importante da sociedade civil” (GRAMSCI, 2001, v.
3, p. 235). Ao contrário, a meteórica expansão de agremiações como as pentecostais, aqui
121
PARTE II
CAPÍTULO 3
As raízes norte-americanas da religião politicamente organizada
1 – Introdução
123
Mestre e doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, é professor no Instituto de Relações Internacionais e Defesa - IRID desta
última (SILVA, Vicente, 2020) .
125
124
Segundo Vicente Gil da Silva (2020, p. 39), Eisenhower teria ficado muito impressionado com relatório
da CIA apresentado por seu diretor, Allen W. Dulles, em fevereiro de 1953. O papel falava numa rápida
deterioração das relações dos Estados Unidos com países da América Latina, que alcançava também as
esferas política e econômica.
125
Trata-se do The President's Committee on International Information Activities.
126
a que Silva teve acesso, comentada pelo subsecretário de Estado do governo Eisenhower,
Herbert Hoover Jr., a palavra “Igreja” encontra-se sublinhada e acompanhada da anotação
“fortalecer” (SILVA, Vicente, 2020, p. 49), sugerindo o crescente interesse dos círculos
dominantes norte-americanos em incluir o mundo religioso em seus planos hegemônicos.
As igrejas, como os demais grupos selecionados, prosseguia o documento, conforme
citado por Silva (2020, p. 49), seriam alvo de ações abertas e/ou camufladas apoiadas
pelos serviços de inteligência. Ações que visariam convencer sobre a “natureza
subversiva, conspirativa, fraudulenta e brutal da ação comunista, e de seu propósito básico
de servir à intervenção do bloco soviético às custas do bem-estar do povo de seu país”,
esperando-se que, uma vez introjetadas tais noções, esses grupos as reproduzissem no
ambiente ideológico latino-americano. A consecução dessas ações, prosseguia o plano,
caberia a um punhado de agências governamentais: a USIA 126, o Departamento de Estado,
a International Cooperation Agency, e os departamentos de Defesa, Trabalho, Comércio
e de Tesouro, sempre com o auxílio da CIA. Entre elas, a USIA parece ter tido
importância destacada, cabendo-lhe, com a ajuda da CIA e dos departamentos, estimular
“tendências, grupos ou ações espontâneas” (SILVA, Vicente, 2020, p. 49-50)
convergentes com os propósitos do plano.
Como veremos a seguir, tanto a USIA como Eisenhower foram protagonistas da
primeira grande iniciativa disposta a integrar o mundo religioso à estratégia geopolítica
expressa pelo Plano Básico de Operações contra o Comunismo na América Latina. Trata-
se da Foundation for Religious Action in the Social and Civil Order – FRASCO, posta
em atividade em finais de 1954.
126
A United States Information Agency foi um órgão fundado em 1983 por Eisenhower que posteriormente
teve suas atribuições absorvidas pelo Departamento de Estado. Tinha como função “compreender, informar
e influenciar públicos estrangeiros na promoção dos interesses nacionais” (THE U.S. Department of State:
Structure and Organization, 1995).
127
doutrina127 aparece nos manuais de história como o marco inicial da Guerra Fria, recebeu
líderes da organização inter-religiosa e fundamentalista American Council of Christian
Churches128, entre eles o ultraconservador presbiteriano Carl McIntire. Ali o presidente
tomou conhecimento das discussões havidas no último encontro do Council, onde se
esboçara um “programa para “liberdade e paz”’129 clamando pela “preparação militar
adequada e uma atitude realista com relação à Rússia”. Mais tarde, o mesmo McIntire
exortaria Truman a tomar medidas enérgicas para conter as forças vermelhas na Guerra
da Coreia, se necessário com o uso de armas nucleares, podendo o presidente contar para
tanto com o “apoio do povo temente a Deus”130.
Dispensável dizer que tão drástica solução nunca tomou forma, preferindo o
Estado ampliado norte-americano manejar a disputa de outra maneira. Assim o caminho
foi aberto para outras e mais elaboradas tratativas que, antes de artefatos atômicos,
detonariam “armas do espírito” sobre os soviéticos e seus simpatizantes.
3.1 – A Foundation for Religious Action in the Social and Civil Order
127
Em 1947, o presidente norte-americano declarou diante do Congresso sua disposição de assumir a
liderança do combate ao comunismo global. O plano previa a concessão de ajuda financeira para a
recuperação econômica da Europa ocidental, que formaria sob a hegemonia do Tio Sam um bloco
capitalista para conter a propagação mundial do socialismo.
128
Segundo Marsden (1991, p. 71), o American Council of Christian Churches foi fundado “numa estrita
base fundamentalista”, antecipando-se à criação da National Association of Evangelicals, de Billy Graham.
Representantes das duas principais facções fundamentalistas no momento, os separatistas e os membros do
Movimento Neoevangélico, McIntire comandava um grupo muito menor e sectário, enquanto Graham
aglutinou em volta de si uma ampla coalizão de evangélicos conservadores e moderados cujos vínculos
formais com o movimento fundamentalista muitas vezes eram tênues ou mesmo inexistentes. Não obstante
seus pequenos números, o grupo de McIntire obteve “influência desproporcional”, destilando no rádio e na
mídia impressa virulentos ataques aos liberais, na teologia e/ou nos costumes, neles “frequentemente
enfatizando conexões comunistas”.
129
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Matthew J.
Connelly White House Files (Truman Administration), 1945 - 1952. Daily Appointment Sheet for President
Harry S. Truman, 5/13/1948. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/24619423>. Acesso em: 23
set. 2020.
130
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção White House
Public Opinion Mail Files (Truman Administration), 1945 – 1953. Korea - Telegrams. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/145807647>. Acesso em: 23 set. 2020.
128
131
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. National Conference on the
Spiritual Foundations of American Democracy. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP80R01731R001200070075-4. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp80r01731r001200070075-4>. Acesso em: 17 set. 2020.
129
de proporcionar sustento material para a família e para as mais altas realizações da cultura
humana, sem cair nos erros do estatismo e do coletivismo”.
Alhures, seu foco seria nada menos que “alistar o apoio de todos os crentes”
“contra a tirania do ateísta e desumano comunismo” e a favor dos “ ideais derivados da
crença em Deus e nos direitos e dignidade humana, e da confiante determinação de
progredir em direção a níveis mais altos de emancipação política e econômica”. Sendo
assim, esforços seriam feitos para “consolidar alianças que estão sendo rapidamente
perdidas em virtude da eficiência da propaganda comunista e de nossa própria cegueira à
importância transcendental da guerra pelas mentes dos homens”.
Os métodos necessários para o atingimento destes propósitos também estão
claramente manifestos na “certidão de nascimento” da Fundação. A conferência inaugural
seria apenas o ponto de partida de um abrangente trabalho ideológico compreendendo
“palestras e programas de rádio e televisão para explicar a real natureza da ameaça
comunista, para aprofundar os ideais espirituais em nossa democracia e para angariar
apoio para um esforço internacional” e a produção de uma “literatura a fim de influenciar
seus membros e demais pessoas de acordo com os ideais da Fundação”. Material a ser
distribuído para o grande público e enviado a editores de jornais religiosos, publicações
laicas selecionadas, comentaristas de programas de rádio e televisão, colunistas,
bibliotecas e escolas. Ilustrando a importante finalidade de recrutar e organizar porções
da intelectualidade mundial, previa-se a circulação global destes escritos, “ empregando
os serviços de uma equipe de pesquisa”. Ao mesmo tempo, aproximações seriam feitas
com “líderes religiosos e laicos com inclinações religiosas em outros países, buscando
reuni-los em torno da causa comum de preservar a liberdade e lutar contra a ameaça
ideológica do comunismo”.
O texto exprime também a notável lucidez dos mentores do movimento sobre a
sua função política, apesar da impossibilidade de ser ele executado pelo aparelho
estritamente estatal, assim demandando a participação de associações privadas. A relação
de continuidade entre organizações como a FRASCO, situada num plano não
formalmente político, e o Estado restrito norte-americano revela-se, dessa forma, na
proposta de “operar numa área que é da maior importância, mas que não pode ser objeto
da ação e da propaganda governamental” e na presença em seu interior de funcionários
dos círculos superiores da máquina estatal oficial, entre eles o próprio presidente
130
132
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to the Honorable Allen
Dulles from Charles W. Lowry. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP80R01731R001200070073-6. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp80r01731r001200070073-6>. Acesso em: 17 set. 2020.
131
133
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Proposed Acknowledgment of
Receipt of the Free World Review. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP80B01676R003800120023-5. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp80b01676r003800120023-5>. Acesso em 19 set. 2020.
134
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to Dr. H. Paul Guhse
from Allen W. Dulles. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP80B01676R004100010021-
5. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp80b01676r004100010021-5>.
Acesso em 19 set. 2020.
133
135
Tais relações serão vistas no capítulo 4.
134
das nações da Europa Oriental mantidas cativas”, pedia ajuda aos representantes dos
países ocidentais, implorando “em nome do Criador” para que os libertassem da
“escravidão” e do “inferno terreno”. Encerrando em tom alarmante, o texto advertia que
“já bateu a hora final em que a paz mundial pode ser salva sem uma conflagração
universal”, pedindo ações planejadas e sistemáticas, necessárias não apenas para o bem
dos submetidos ao jugo soviético, como para assegurar a prosperidade pacífica do próprio
mundo livre. Mantido anônimo, prosseguem os editores, o autor da súplica seria um
engenheiro agora empregado em Washington D.C., que teria pedido que cópias do
“comovente documento” fossem enviadas a líderes religiosos de todas as denominações,
requerendo ainda que fossem solicitadas campanhas de orações para converter agnósticos
e envolvê-los na causa da libertação dos crentes do mundo socialista.
Os arquivos da CIA e do arquivo nacional norte-americano, o NARA, não exibem,
ao menos na internet, mais documentos sobre a FRASCO. Outras reuniões e instituições
ao longo da segunda metade do século XX, contudo, debruçaram-se sobre idênticos
objetivos, também congregando líderes religiosos, empresários, membros do Estado
restrito e intelectuais laicos em planos para o uso ideológico da religião na promoção de
propósitos políticos e econômicos do país.
Sendo assim, ainda em 1958 o diretor da CIA Allen W. Dulles recebe um relato
pormenorizado136 da parte do empresário Eric Allen Johnston, presidente da United States
Chamber of Commerce e membro da Igreja episcopal, sobre outro encontro que, à
semelhança dos promovidos pela FRASCO, pretendeu firmar princípios para uma ação
religiosa internacional com fins políticos. Foi a conferência Foreign Aspects of U.S.
National Security (Aspectos Estrangeiros da Segurança Nacional dos Estados Unidos),
organizada pelo Comittee for International Economic Growth (Comitê para o
136
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to the Honorable Eric
Johnston from Allen W. Dulles. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP80B01676R003800100021-9. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp80b01676r003800100021-9>. Acesso em 20 set. 2020.
135
137
Historiadora graduada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ e pós-graduada na
Universidade Federal Fluminense - UFF e Universidade de São Paulo - USP, é professora aposentada do
departamento de História da UFF. É especialista nos temas História dos Estados Unidos, política externa,
relações interamericanas, identidade, culturas políticas e imaginário político (AZEVEDO, 2021).
136
138
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Hearings before the Subcomitee
to Investigate the Administration of the Internal Security Act and Other Internal Security Laws of the
Comittee on the Judiciary United States Senate. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP64B00346R000500030098-1. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp64b00346r000500030098-1>. Acesso em: 22 set. 2020.
140
setor privado para a Guerra Fria”139, aí incluindo “organizações de igrejas”, notou ainda
que, quando se deram os primeiros passos para a criação da Comissão da Liberdade nos
princípios da década de 1950, “tais atividades privadas não eram tão extensivas ou
competentes como são agora”. Segundo Rostow, portanto, já em 1963 as instituições
privadas norte-americanas estavam “comprometidas a trabalhar no exterior numa escala
muito grande, em todas as partes do globo”.
139
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. H.R. 13177--Freedom
Commission Extension of Remarks of Hon. Burt L. Talcott of California in the House of Representatives
Thursday, march 10, 1966. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP67B00446R000600080001-7. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp67b00446r000600080001-7>. Acesso em: 23 set. 2020.
142
do decênio. Todavia a mesma documentação permite afirmar que não apenas tais contatos
continuaram ocorrendo, como a militância ideológica do trabalho religioso fora do país
continuou em vigor nos moldes definidos nas décadas anteriores. Ao mesmo tempo, o
relaxamento da instrumentalização política da religião foi apenas relativo, em
comparação com a grande efervescência havida durante o auge da Guerra Fria.
Não obstante, presidentes como Nixon e Gerald Ford, sobretudo o primeiro,
mantiveram durante os anos 1970 contato frequente com indivíduos e instituições de fé,
reafirmando as raízes religiosas da Constituição dos Estados Unidos e a vocação cristã do
país, além de valerem-se do conselho e popularidade de líderes fundamentalistas, como
Billy Graham. A ideia de uma “América cristã”, usualmente vinculada aos princípios de
“liberdade” e “democracia”, continuou, portanto, desempenhando destacado papel
político dentro e fora das fronteiras norte-americanas.
Sendo assim, confirmando o prosseguimento das articulações entre empresários,
líderes religiosos e membros do governo norte-americano, em 10 de agosto de 1971, o
secretário de Estado de Nixon, Henry Kissinger, recebeu um grupo formado por grandes
empresários, líderes religiosos, membros da mídia, acadêmicos e profissionais liberais
para uma reunião sobre “política externa”140. Arranjada pelo pastor Billy Graham,
membro da Convenção Batista do Sul, possivelmente o mais influente fundamentalista
da história, não sabemos o teor da reunião, mas pode-se supor pela presença de W. Stanley
Mooneyham, presidente da organização religiosa caritativa internacional World Vision,
descrito como “especialista do extremo oriente”, que ela dissesse respeito ao Vietnam,
país onde os Estados Unidos engajavam-se num conflito armado. Bastante ativa no
Vietnam e no Laos durante o período, a World Vision realizaria mais tarde esforços para
o resgate marinho de milhares de refugiados que após 1978 deixariam o país em grandes
levas. Sobre a sua presença no Laos, ou sobre o fim dela melhor dizendo, telegrama
partido do consulado norte-americano na capital do país, Vientiane, assinado pelo
diplomata Christian A. Chapman em maio de 1975, relata a sua expulsão e nacionalização
de ativos pelo governo de inspiração socialista que assumiu o controle do Laos. Em
comunicado emitido pelo serviço de rádio oficial do novo governo, a Rádio Pathet Lao,
prossegue Chapman, a medida foi justificada pelo fato de ser a World Vision, segundo os
asiáticos, “uma das muitas organizações implantadas pelos imperialistas dos Estados
140
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Presidential Papers, 1969 - 1974. 057 August 1-15 1971. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/40032198>. Acesso em: 23 set. 2020.
144
Unidos e seus lacaios como ferramentas para a CIA servir aos planos de guerra dos
Estados Unidos”141. No contexto da “pressão esquerdista” ali disseminada, concluía
Chapman ser esperado que todas as outras agências voluntárias fossem obrigadas a parar
de funcionar, como a Christian and Missionary Alliance142 que ajudara a World Vision a
se fixar no país seis anos antes.
Mas voltando à reunião de 1971, dos trinta presentes, a maioria eram líderes
religiosos conservadores (13) e empresários (8). Entre os primeiros, além de Graham,
compareceram Roy Gustafson, evangelista a ele próximo e com ampla experiência
missionária no Oriente Médio; Porter Routh, secretário executivo da Convenção Batista
do Sul; Ben Hayden, ex-agente da CIA e pastor presbiteriano conhecido mundialmente
pelo seu programa de rádio e Tv Changed Lives (Vidas Mudadas); W. A. Criswell, por
duas vezes presidente da Convenção Batista do Sul; Theodore Epp, evangelista
radiofônico de alcance mundial com seu programa Back to the Bible (De Volta à Bíblia);
Pat Zondervan, proprietário da editora cristã direitista Conservative Religious Publishing
House; Bill Bright, presidente da organização missionarista internacional Campus
Crusade for Christ; Robert Denny, secretário executivo da Aliança Batista Mundial; T.
W. Wilson, assistente de Billy Graham; James Jeffrey, presidente da Irmandade de Atletas
Cristãos; e Harold Lindsell, editor da Christianity Today, revista cristã conservadora
fundada por Billy Graham. Outros líderes convidados, mas que não puderam comparecer,
foram o pentecostal Oral Roberts, o presidente da Convenção Batista do Sul Carl Bates e
o diretor de missões fundamentalistas nos Estados Unidos Clyde Taylor. O ramo
empresarial, representado por negociantes de diferentes ramos, a maioria à frente de
empresas de alcance internacional, contou com Tom Philips, presidente da corporação
bélica Raytheon; Bill Mead, membro diretor da empresa alimentícia Campbell Taggert;
Ed Jonson, presidente do banco Federal Savings and Loan Co.; Thomas H. Lake,
presidente da multinacional farmacêutica Eli Lilly and Company; Allan Bell,
representante da família Pew, dona da Sun Oil, empresa do ramo químico e petrolífero;
141
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. World Vision Terminates Activities in Laos; Other
VOLAGS Come under Pressure. Canonical ID: 1975VIENTI03469_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975VIENTI03469_b.html>. Acesso em: 24 set. 2020.
142
Coordenada pela Alliance World Fellowship, fundada nos Estados Unidos na década de 1880 e cuja
sede encontra-se atualmente na cidade brasileira de São Paulo, a Christian and Missionary Alliance é uma
organização missionária evangélica internacional vinculada ao movimento Holiness (Santidade) da qual
saíram em princípios do século XX várias organizações religiosas, como as pentecostais, sobre as quais a
Alliance exerceu grande influência, também impactando fortemente o metodismo.
145
Bill Walton, presidente da cadeia internacional de hotéis Holiday Inn e Maxy Jarman,
dono da rede de lojas de departamento Bonwit Teller.
Cinco ano depois, discurso do presidente Gerald Ford na convenção nacional da
gigantesca organização de comunicação eletrônica evangélica, a National Religious
Broadcasters143, atesta a consolidação do papel ideológico/político da religião, sobretudo
a de cunho evangélico, dentro e fora do espaço nacional norte-americano. Em atividade
até o presente, a NRB é o braço midiático da National Association of Evangelicals,
organização interdenominacional e conservadora fundada em 1942 e descrita pela
assessoria de Ronald Reagan, alguns anos após o discurso de Ford, como “a principal
alternativa”144 ao “mais liberal” National Council of Churches. A organização
conservadora, notava ainda a equipe de Reagan, teria “apoiado maciçamente” a eleição
do ex-ator Republicano, oferecendo-lhe o mesmo suporte no Congresso. Dos seus
membros proeminentes, os assessores de Reagan destacavam constar entre os mais “úteis
à Casa Branca” o diretor de relações públicas Bob Dugan, que teria defendido
publicamente o governo em 1981 durante a controversa venda à muçulmana Arábia
Saudita de avançado sistema de vigilância aérea, muito prestativo também na composição
de “listas de líderes religiosos a serem convidados para cargos na Casa Branca”. Ainda
segundo o papel de 1983, a NAE compreenderia 43 denominações, em oposição a 32
afiliadas ao NCC, espalhadas em 38 mil igrejas por todo o país.
Voltando aos tempos de Ford, aquele presidente abriu seu discurso congratulando
tanto a National Religious Broadcasters como a National Association of Evangelicals
pelo trabalho de “ir ao mundo inteiro e pregar o evangelho”, seguindo a “grande
comissão”, ou seja, as últimas instruções proferidas por Jesus Cristo: espalhar a sua fé
pelos quatro cantos do planeta. Vibrando as cordas do excepcionalismo norte-
americano145, aqui articulado à crença, cara aos grupos fundamentalistas, no destino
santificado dos Estados Unidos, escolhidos por Deus para concretizar a derradeira ordem
143
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção President's
Speeches and Statements Reading Copies (Ford Administration), 1974 – 1977. 2/22/76 - Remarks at a
Meeting with Members and Guests of the National Religious Broadcasters Association and the National
Association of Evangelicals. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/1252703>. Acesso em: 24 set.
2020.
144
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Presidential
Briefing Papers, 1/20/1981 - 1/18/1989. Records of the Office of the President (Reagan Administration),
1/20/1981 - 1/20/1989. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/118567254>. Acesso em: 24 set.
2020.
145
Crença segundo a qual a virtuosa trajetória dos Estados Unidos não encontraria paralelo em qualquer
outro lugar do mundo, conferindo ao país um papel especial sobre a Terra.
146
A década de 1980 se inicia, portanto, com renovado dinamismo nos contatos entre
empresários e líderes religiosos em torno de uma recrudescida pauta conservadora,
associados em novas organizações, voluntárias e de propósitos não declaradamente
lucrativos, sempre em contato com a esfera estatal oficial. Nos anos 1990, essas relações
se aprofundariam ainda mais, atingindo os fóruns cristãos de empresários, clérigos e
funcionários do Estado graus de influência e organização sem precedentes.
146
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção President's
Speeches and Statements Reading Copies (Ford Administration), 1974 – 1977. 2/22/76 - Remarks at a
Meeting with Members and Guests of the National Religious Broadcasters Association and the National
Association of Evangelicals. National Archives and Records Administration – NARA. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/1252703>. Acesso em: 24 set. 2020.
147
Um dos mais importantes órgãos desse feitio é o Council for National Policy -
CNP, organização ultraconservadora que desde 1981 congrega religiosos, como o pai da
Teologia do Domínio, Rousas John Rushdoony, alguns dos seus maiores propagadores,
como Tim LaHaye, Jerry Falwell e Pat Robertson, grandes capitalistas e agentes
governamentais dispostos a influenciar a política doméstica e do seu país. Entre a
documentação disponibilizada pelo governo norte-americano, o primeiro papel que
encontrei sobre o CNP é um memorando147 remetido ao diretor da CIA tratando de um
convite para reunião com a organização em janeiro de 1985 feito pelo seu diretor
executivo Louis Elwood Jenkins Jr., congressista no estado da Louisiana, sede do CNP.
Ali a organização é descrita como uma “fundação educacional” conservadora, sem fins
lucrativos, formada por “líderes corporativos, governamentais e religiosos”, irmanados
pela crença no sistema de livre empreendedorismo, no fortalecimento da defesa nacional
e no anseio por um renascimento moral do país, propósitos que persegue reunindo
indivíduos “capazes de influenciar a direção do nosso país e o curso da história”. Alguns
dos seus membros diretores foram os empresários Nelson Bunker Hunt148, um dos donos
da petrolífera Hunt Oil Company; Joseph Coors, presidente da empresa de bebidas
alcoólicas Adolph Coors Company; Frank Shakespeare, presidente do grupo midiático
RKO Generale; Joseph Peter Grace, da W. R. Grace & Co e congressistas republicanos
como Jack Kemp e Jeremiah Denton. Segundo Chris Hedges (2006, p. 138), outro
empresário de destaque nos quadros do CNP e um dos seus principais financiadores foi o
fundador do conglomerado multinacional AMWAY, Richard DeVos Sr. Curiosamente,
pesquisa empreendida nos anos 1990 pelo historiador Andrew Chesnut (1997, p. 20),
sobre a explosão pentecostal na cidade brasileira de Belém-PA, concluiu que uma porção
considerável das mulheres belenenses que atendem a igrejas desse tipo precisam tirar seu
sustento atuando como vendedoras informais de roupas e cosméticos de multinacionais
norte-americanas, “principalmente a AMWAY e a Avon”.
O memorando da CIA prossegue mencionando matéria da revista Newsweek que
caracterizou o CNP como uma coalizão de militantes da nova direita, dedicada a
147
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Invitation to Address the Council
for National Policy. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP87M00539R002904740044-
5. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87m00539r002904740044-5>.
Acesso em: 26 set. 2020.
148
Homem mais rico do mundo nos anos 1960, o magnata do petróleo Nelson Bunker Hunt viu sua fortuna
mudar em 1973, quando o presidente Muammar al-Gaddafi nacionalizou os campos de petróleo da Líbia,
uma das principais bases de operação da empresa (SILVER THURSDAY, [s.d.])
148
149
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Who's Funding the ‘Contras’?.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90-00806R000201090033-3. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90-00806r000201090033-3>. Acesso em: 25 set.
2020.
150
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Private Groups Step up Aid to
‘Contras’. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90-00552R000606200007-2.
Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90-00552r000606200007-2>.
Acesso em: 26 set. 2020.
149
religiosos e políticos”. No mais, era acrescentado que o WACL mantinha laços com outra
organização religiosa-empresarial que veremos em breve, a CAUSA International,
associação anticomunista e multinacional fundada pela Igreja da Unificação, comumente
conhecida como “Seita Moon”, e conhecida por realizar “seminários midiáticos por toda
a América Latina há muitos anos”.
Mas voltando ao CNP, a mais interessante informação constante no artigo do The
Nation refere-se à sua composição. Além dos membros já mencionados, nos idos de 1985
o Council contava com o cantor, escritor e palestrante motivacional da pentecostal Igreja
do Evangelho Quadrangular, Pat Boone, e os líderes fundamentalistas Jerry Falwell e Pat
Robertson, ambos membros da Congregação Batista do Sul, ainda que este último, à moda
pentecostal, acrescente toques carismáticos às suas pregações. Além deles, foram citados
os senadores republicanos Jesse Helms e John East.
Ativo até o presente, o CNP volta a aparecer nos arquivos federais norte-
americanos muito mais tarde, durante o governo de George W. Bush. Em três de maio de
2001, o presidente recebeu um memorando151 de seu conselheiro-chefe Karl Rove
informando sobre convite para atender à comemoração dos vinte anos de fundação do
grupo, onde se esperava que o presidente fizesse um levantamento das realizações dos
seus cem dias de governo. Segundo Rove, no começo do século XXI o CNP contabilizava
quinhentos membros, reunidos para “escutar e discutir a respeito das melhores
informações disponíveis sobre problemas nacionais e mundiais, conhecer pessoalmente
uns aos outros, e colaborar no atingimento de suas metas comuns”. Além de Bush, foram
convidados também o pastor Tim LaHaye, um dos fundadores do CNP; Paul Weyrich,
que junto com o também membro Jerry Falwell fundou a Moral Majority, importante
organização religiosa-partidária conservadora que veremos mais detidamente no capítulo
3; e o ex-assessor de Ronald Reagan, Morton Blackwell, entre outros.
Mais dados sobre a organização constam em carta152 assinada pelo seu diretor
executivo, o deputado californiano Steve Baldwin, e remetida a Karl Rove, desta vez
convidando o conselheiro de Bush para o encontro de março de 2003 do CNP, quando
mais de “450 líderes das principais organizações conservadoras e seus maiores doadores”
151
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
05/03/2001 [460583]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/77828647>. Acesso em: 26 set.
2020.
152
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
536140 [2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578978>. Acesso em: 26 set. 2020.
150
iriam se reunir no luxuoso Loews Coronado Bay Resort em San Diego. Rove era chamado
a participar de um muito especial e seleto evento onde estariam apenas o seu Comitê
Executivo e os membros do Círculo de Ouro da organização, franqueado exclusivamente
aos que contribuíssem com a quantia mínima de dez mil dólares anuais. Conta Baldwin
que no passado desfilaram no círculo figuras como George W. Bush; o economista
ultraliberal Milton Friedman; o congressista e também economista Phil Gramm; o então
procurador-geral John Ashcroft; o senador Jesse Helms; o diretor do Escritório de
Administração e Orçamento dos Estados Unidos, Mitch Daniels, também ex-vice-
presidente da multinacional Eli Lilly Company, cujo presidente na década de 1970,
Thomas H. Lake, como vimos frequentava reuniões com líderes religiosos e o secretário
Henry Kissinger; e o ex-procurador-geral de Nixon e juiz da Corte de Apelações do
distrito de Columbia nomeado por Reagan, Robert Bork.
153
A Igreja da Unificação é uma organização religiosa fundada pelo ex-militar e empresário ferrenhamente
anticomunista, o coreano Sun Myung Moon. Alicerçada na interpretação bíblica de seu fundador, não se
pode dizer que seja uma igreja protestante ou evangélica. De maneira coerente com sua nomenclatura,
constrói pontes com todos os cristãos conservadores, convidados recorrentes nos seus fóruns.
154
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. You are Cordially Invited to
Attend a Sunday Brunch and Seminar on December 9. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP86M00886R002600010006-0. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp86m00886r002600010006-0>. Acesso em: 30 set. 2020.
155
Segundo a enciclopédia biográfica digital Prabook, o empresário colombiano radicado nos Estados
Unidos, Antonio L. Betancourt Lopez, dirigiu a CAUSA Internacional até 1989. Nos anos posteriores,
151
acumulou cargos de direção em outros aparelhos ideológicos, como o World Institute for Development and
Peace, e empresas, como a News & Communication, Inc. (ANTONIO L. BETANCOURT LOPEZ, [s.d.]).
156
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to John H. McMahon
from Antonio Betancourt. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP87M00539R002904770010-9. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp87m00539r002904770010-9>. Acesso em: 30 set. 2020.
157
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. The International Security
Council, a Washington and New York Based Public Policy Institution, Is Concerned Exclusively with the
Character and Scope of the Soviet Threat to the Security of Free Nations. Document Number (FOIA)
/ESDN (CREST): CIA-RDP90M01364R000700140052-9. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90m01364r000700140052-9>. Acesso em: 30 set.
2020.
152
158
Veremos Meira Penna mais detidamente na Parte III.
159
O “reverendo” Moon foi dono do Tongil Group, conglomerado sul-coreano com subsidiárias nos ramos
de turismo, farmácia, bélico e editorial, e da corporação de mídia News World Communications, possuidora
de diversos veículos de comunicação impressa por todo o mundo.
160
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
153
em março de 1983, com “cento e oitenta participantes dos Estados Unidos e Canadá”.
Coube a Dolan moderar um painel que discutiu “as várias maneiras de ajudar imigrantes
recentes em nosso país a aprender nossa língua e encontrar empregos para sustentar suas
famílias, ao invés de tornarem-se dependentes de programas públicos de bem-estar”.
A CAUSA International, entretanto, é apenas um entre dezenas de braços
executores161 das ações ideológicas mundiais empreendidas pela Igreja da Unificação.
Maiores informações são trazidas pela documentação concernente a outro aparelho
ideológico sob seu controle, a International Cultural Foundation, que realizou uma grande
conferência internacional em Seul no ano de 1981, mostrando de forma ainda mais
patente o elo entre a organização do reverendo Moon, setores acadêmicos, o empresariado
e outras associações religiosas. O evento em questão foi a décima edição da Conferência
Internacional sobre a Unidade das Ciências, que contou com discurso de abertura de teor
anticomunista do reverendo Moon e teve em sua plateia empresários e líderes religiosos,
apesar de versar mormente sobre temas científicos. Sabemos dos detalhes da conferência
graças a documentação162 produzida pelo órgão de inteligência da ditadura brasileira, o
Serviço Nacional de Informações - SNI, em virtude do grande interesse que o Serviço
tinha com relação às atividades ideológicas patrocinadas pela seita Moon e do fato de
alguns brasileiros terem sido convidados163. Em sua maioria, a plateia era formada por
cientistas e acadêmicos de alguma projeção, muitos dos quais teólogos e dirigentes de
organizações educativas religiosas, atestando, segundo palavras do araponga brasileiro
redator do documento, “a grande penetração que desfruta a “International Cultural
Fundation” no mundo” (sic). Contudo, estavam também ali importantes capitalistas,
como chefes de multinacionais e de associações empresariais. Apareceram, por exemplo,
o brasileiro Mário de Mari, empresário da construção civil e ex-presidente da Federação
das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP); o norte-americano Leslie W. Ayres, presidente
da Variflex Corporation; o suíço Eugene E. Galantay, membro assistente da diretoria da
multinacional farmacêutica Sandoz; o norte-americano Alvin Yudoff, presidente da
161
Segundo o The Cult Education Institute, iniciativa de membros da New Jersey Library Association e da
American Library Association que objetiva “estudar cultos destrutivos, grupos e movimentos
controversos”, o número de organizações sob o controle da igreja fundada por Sun Myung Moon conta-se
às centenas (ORGANIZATIONS Controlled By And/Or Associated With Moon, [s.d.]).
162
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espírito Santo para a
Unificação do Cristianismo Mundial. Arquivo Nacional. Código de referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.81001953 - Dossiê. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0002de0005.pdf>. Acesso em: 30 set. 2020.
163
Voltarei a eles na terceira parte deste trabalho.
154
164
A ESG foi Criada em 1949, vinculada ao Ministério da Defesa brasileiro, com a cooperação de militares
norte-americanos e inspirada no National War College, instituição dedicada ao treinamento de militares de
alta patente daquele país. Vicente Gil da Silva (2020, p. 319 e 327), em tese onde investigou o planejamento
e a execução de uma campanha de combate ao comunismo, junto aos países da América Latina, considera
que a ESG foi projetada para ser “um instituto nacional de altos estudos destinado a desenvolver e
consolidar conhecimentos relativos ao exercício de funções de direção ou planejamento da segurança
nacional”, sendo uma das questões mais debatidas em seu interior “a organização do combate anticomunista
no Brasil, especialmente em seus aspectos relacionados a atividades de inteligência”.
165
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
166
As Divisões de Segurança e Informações – DSI eram órgãos de inteligência instalados em todos os
ministérios e conectados ao Serviço Nacional de Informações - SNI. Uma de suas principais atribuições era
a vigilância do corpo de funcionários ministeriais a fim de detectar dissidentes políticos.
155
Mario Vargas Llosa167; Lloyd M. Bucher, capitão aposentado da Marinha, que comandou
o navio U.S.S Pueblo, capturado por forças norte-coreanas; o general John K. Singlaub;
o ex-vice-presidente do Vietnã do Sul Nguyen Cao Ky; Misael Pastrana Borrero, ex-
presidente da Colômbia e Lucia Pinochet de Garcia, filha do ditador chileno Augusto
Pinochet.
167
Em outra parte deste trabalho, veremos o escritor defendendo a organização missionária norte-americana
Instituto Linguístico de Verão (Summer Institute of Linguistics) de denúncias de crimes que teria cometido
no Peru.
168
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to Gilbert A. Robinson
from William H. Webster. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP90G01353R002000010007-6. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp90g01353r002000010007-6>. Acesso em: 01 out. 2020.
156
Peter Grace, presidente da multinacional W. R. Grace & Co., como vimos ligado ao IPES
do Rio de Janeiro, foi secretário da Laymen's National Bible Association.
Por último, cabe acrescentar que algumas importantes associações laicas também
aparecem ali como parceiras da LNBA. Este é o caso das Câmaras de Comércio dos
Estados Unidos e da AFL-CIO, organização sindical que volta a aparecer em outras
organizações participadas por líderes religiosos, intelectuais e funcionários do Estado
para a projeção internacional dos planos do empresariado daquele país.
169
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Agenda for Meeting on Political
Action August 5 1982. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP84B00049R001102750018-
2. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp84b00049r001102750018-2>.
Acesso em: 27 set. 2020.
158
americana, uma vez que “aqueles no instável Terceiro Mundo dispostos a arriscar suas
vidas por objetivos políticos tendem a ser marxista-leninistas ao invés de a favor das
forças democráticas pró-ocidente”. Imaginava-se que a vitória norte-americana nesta
“competição política” apenas poderia ser atingida “apelando-se ao senso de justiça das
pessoas, aos seus medos e esperanças”. Concretamente, propunha-se a concessão de
auxílios financeiros, além de “oferecer às pessoas um programa político e praticar ações
concretas para organizá-las”, prestando “ajuda política, treinamento e organização às
forças democráticas lutando por influência tanto nos países comunistas como naqueles
não comunistas”. O projeto sugeria, enfim, a execução de “campanhas políticas, usando
recursos confidenciais e não-confidenciais e combinar esforços governamentais e
privados, aqui e por todo o mundo”. Tal “mobilização de forças privadas” envolveria
“sindicatos, partidos, organizações para a juventude, igrejas e negócios” numa ação
articulada seguindo uma pauta de ação política baseada nos conceitos de “democracia,
crescimento econômico, segurança e paz”, enfatizados por “iniciativas políticas
presidenciais”. Entre os grupos privados mencionados, era observado que apenas a
organização sindical AFL-CIO estaria conseguindo satisfatoriamente minar a influência
soviética entre os trabalhadores. Sobre as igrejas, ainda que a documentação aqui exposta
mostre seu ininterrupto papel com os mesmos fins, os membros da Casa Branca
acreditavam que a vantagem também neste front da guerra ideológica era dos soviéticos,
que organizavam “conferências sobre religião e paz”, enquanto carecia ao governo norte-
americano estabelecer contatos mais sistemáticos com “a maioria dos líderes das
principais religiões do mundo”. Por último, são relatados gastos públicos projetados para
1983 de 500 mil dólares para a realização de “estudos de programas de contrapartida”
para energizar as organizações associativas mencionadas, incluídas as religiosas, e a
intenção de estimular um “significativo financiamento privado”.
Tudo indica que o plano foi posto em prática, uma vez que já em princípios de
1983 a administração Reagan lançou um “Grupo de Trabalho para Assistência da
América Central”170 cuja composição, bem como as discussões, havidas entre maio e
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Speakers for the White House
170
Outreach Working Group on Central America. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
159
Organization; a American Society for the Defense of Tradition, Family and Property 171;
e a associação de jovens Young Americans for Freedom; além, é claro, de diversas
organizações religiosas. Entre os empresários, perfilavam representantes de
multinacionais como a Dow Chemical Company, a Exxon Corporation, a Fink Bank
Corporation, a General Electric, a Goodrich Co., a Goodyear Tire & Rubber Company, a
International Banana Association e a United States Steel Corporation. Já os religiosos
estavam representados por diversas associações judaicas, a católica Catholic Writers &
Artists Group e vários grêmios evangélicos e ecumênicos, alguns dos quais veremos
melhor adiante, como o laboratório de ideias religioso Institute on Religion and
Democracy; a organização pentecostal Maranata Campus Ministries; a Moral Majority,
principal órgão partidário da direita cristã naquele momento; e a também partidária
National Christian Action Coalition. Por último, o documento revela que numa rodada
anterior o GT recebeu a já mencionada organização midiática evangélica conservadora
National Religious Broadcasters, para a qual foi apresentado informe sobre a situação da
América Central.
Coordenado pela assistente de relações públicas de Reagan, Faith Ryan
Whittelesey, os arquivos da CIA guardam ainda a transcrição172 de outra reunião do GT,
agora em maio de 1984. Desta vez, a vontade de envolver associações religiosas na
desestabilização do governo nicaraguense se mostra de forma ainda mais explícita,
girando o discurso de abertura proferido por Faith em torno do ateísmo autoritário do
governo nicaraguense e as dantescas agruras sofridas por pessoas de fé naquele país. As
demais falas versaram sobre o mesmo tema, cabendo-as à freira católica Geraldine
O'Leary Macias; ao pastor pentecostal Prudencio de Jesus Baltodano; a Wycliffe Diego,
respectivamente fundador e coordenador de duas associações de indígenas dissidentes, a
ALPROMISU e a MISURA; e Humberto Belli, antigo editor do jornal nicaraguense de
oposição La Prensa que, no ano seguinte, lançaria o libelo Breaking Faith: The Sandinista
Revolution and Its Impact on Freedom and the Christian Faith in Nicaragua (Destruindo
a Fé: A Revolução Sandinista e seu Impacto na Liberdade e na Fé Cristã na Nicarágua).
Expulso do país em 1982, Belli geria uma organização com declarados fins educativos
171
Trata-se da representação norte-americana, fundada em 1973, da organização ultraconservadora de
cunho católico Tradição, Família e Propriedade. Idealizada em 1960 pelo brasileiro Plinio Corrêa de
Oliveira, atualmente possui encarnações em diversos países do mundo.
172
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Transcript on Central America.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP86M00886R001200340008-7. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp86m00886r001200340008-7>. Acesso em: 29 set.
2020.
161
6 - Conclusão
CAPÍTULO 4
Os braços executivos do Partido da Fé Capitalista nos Estados Unidos e resto do
mundo
1 – Introdução
situação é mais complexa. Não quero dizer, portanto, que todos os membros das igrejas
mencionadas tenham aderido ao projeto hegemônico que procurou envolvê-las, sendo
verdade que muitos dos seus membros opõem-se a ele, enquanto outros contribuem de
maneira involuntária, reproduzindo artefatos ideológicos de maneira acrítica. De todo
modo, será dado destaque aos grêmios religiosos pentecostais, em função de serem eles
os principais veículos ideológicos do Partido da Fé Capitalista em países periféricos,
como o Brasil, devido aos seus crescentes números e forte presença partidária. Olharemos
agora estas organizações no espaço geográfico norte-americano e demais partes do
mundo, excetuando-se o Brasil, que será visto na Parte III deste trabalho.
A lista de organizações contribuintes do nosso Partido da Fé Capitalista, no
entanto, é muito mais extensa. Precisei me concentrar naquelas descritas acima segundo
um critério que levasse em conta seu maior impacto sobre a política e sociedade, partindo
de uma relação prévia de organizações, formulada a partir de pesquisa bibliográfica. As
organizações listadas abaixo são as que figuravam na lista e que atingiram maior número
de menções nos arquivos oficiais norte-americanos.
173
Sugerindo contradições entre setores burgueses norte-americanos, não encontrei na documentação,
entretanto, maiores informações capazes de sustentar essa hipótese, que permanece em aberto.
166
eles e assíduos nas organizações aqui estudadas, sobretudo nos países pobres, os
pentecostais podem ser identificados como o segundo grupo de maior importância para o
movimento.
3.1 – Os fundamentalistas
174
Conforme Marsden (1991, p. 3), em seus primeiros dias, os fundamentalistas formavam uma coalização
“ampla e complicada” que agrupava “militantes conservadores entre os batistas, presbiterianos, metodistas,
discípulos de Cristo, episcopais, grupos de santidades, pentecostais e muitas outras denominações”.
175
A ex-freira e professora de Literatura Moderna na Universidade de Londres, Karen Armstrong, chega
mesmo a supor que essa reação contra a modernidade seria comum às três grandes religiões monoteístas.
Sustenta-se, assim, que o termo “fundamentalismo” pode referir-se a movimentos no interior de cada uma
dessas tradições que, “apesar de suas diferenças, guardam forte semelhança” (2009, posição 74-75), o
168
repúdio à modernidade e suas descobertas, ameaçadoras das “verdades” grafadas em seus respectivos textos
sagrados, e a tentativa de transformar as bases de sua fé em argumento lógico, num quadro de “tensão
existente entre o místico e o prático” (2009, posição 6437-6437) característico do século XX. Assim, o
ressurgimento fundamentalista norte-americano dos anos 1970, encarnado pela Moral Majority, assemelha-
se a outras movimentos políticos de retorno à tradição religiosa que, no mesmo período, afloraram em
outras partes do mundo, como a derrubada do governo secular de Reza Pahlevi no Irã, as revoltas da
juventude islâmica no Egito contra o presidente Anuar Sadat, que acreditava-se atropelar a fé maometana
em suas aproximações com o Ocidente, e o surgimento de movimentos antisseculares em Israel.
176
Surgido em princípios do século XX, o Evangelho Social tinha como algumas de suas características
gerais a “rejeição explícita ao individualismo e o Laissez-faire econômico” (MARSDEN, 1991, p. 29) que
prevalecera na história recente do país, desejando, ao contrário, que o governo agisse para “aliviar os efeitos
mais duros de um incontido sistema de livre empresa”, preocupações que, simultaneamente, formavam o
núcleo da sua intepretação bíblica. Tais propostas coincidiam essencialmente com o pretendido pelos atores
políticos daquele momento tidos como progressistas, induzindo uma aproximação.
169
177
George Marsden (1991, p. 62, 68 e 73) refere-se àqueles que se mantiveram em contato com as grandes
denominações como “fundamentalistas positivos”. Já o segundo grupo, que virou as costas para elas,
fundando suas próprias igrejas, seminários, agências missionaristas, etc., como “fundamentalistas
separatistas” ou “fundamentalistas estritos”. O maior representante da primeira facção foi o batista Billy
Graham, enquanto filia-se à segunda o presbiteriano Carl McIntire.
170
178
Ativa entre princípios da década de 1940 e finais da de 1970, a organização mantinha uma plataforma
política antissemita, anticomunista, racista e xenofóbica.
179
O termo foi cunhado pela teóloga alemã Dorothee Sölle, que buscou recuperar a relação promíscua entre
as igrejas alemãs e o Partido Nazista, fundamental para pavimentar a popularidade de Hitler. Adaptado para
o contexto norte-americano, o conceito foi apresentado a Hedges pelo professor de Ética no curso de
Teologia de Harvard, James Luther Adams, que em princípios dos anos 1980 identificava muitas
similaridades entre as organizações da direita cristã estadunidense e os grêmios religiosos que sustentaram
o nazismo.
171
LaHaye, juntamente com outros líderes fundamentalistas, como Jerry Falwell e Pat
Robertson, será um dos grandes responsáveis pela nova inflexão que o movimento sofrerá
na década de 1970, vindo a constituir, na visão de alguns, um “neofundamentalismo”
(ORO, 1996, p. 75), revigorado pelo debute partidário e equipado com modernos meios
de comunicação que multiplicarão o alcance de sermões, proferidos agora por famosos
televangelistas.
Neste momento, de maneira semelhante ao que Billy Graham fizera após os anos
1940, aglutinando fundamentalistas e outros cristãos conservadores, Falwell, apesar de
no passado ser mais identificado com os fundamentalistas estritos, forjará uma aliança
religiosa ainda mais ampla, incluindo, por exemplo “mórmons, judeus, católicos,
adventistas, apóstatas, neoevangélicos” (MARSDEN, 1991, p. 197).
Movimento que ganha projeção sobretudo após 1979180, com a fundação da Moral
Majority, primeira grande organização partidária da direita cristã, passando a ser a ação
política fundamentalista mais explícita e expressa em projetos de governo e discursos de
políticos conservadores (ROCHA, 2011, p. 591). Conforme Oro (1996, p. 97) dotada de
um nacionalismo agressivo, intenso militarismo e grande hostilidade ao movimento
sindical, concentrava-se a MM no apoio a candidatos que promovessem o avanço da sua
pauta moral, imprimindo na legislação preceitos religiosos. Também Enzo Pace (1990, p.
36), professor de Sociologia das Religiões na Universidade de Pádua e presidente da
International Society for Sociology of Religion, sublinha o ataque à laicidade do Estado
como traço distintivo da direita cristã. Orientada por tais princípios, uma das primeiras
grandes ações da Moral Majority foi a construção da vitória de Ronald Reagan à Casa
Branca em 1980.
Essa inflexão do fundamentalismo que deu origem a organizações como a Moral
Majority, segundo Chris Hedges (2006), no plano teológico, refere-se à eclosão de
inovações introduzidas ao longo da década de 1970 sob a forma do dominionismo.
Mimetizado no Brasil por grandes organizações pentecostais como a Igreja Universal do
Reino de Deus, o marco teórico principal do dominionismo é a obra The Institutes of
Biblical Law (As Instituições da Lei Bíblica), assinada em 1973 pelo teólogo norte-
180
Marsden (1991, p. 95) nota, contudo, que já desde 1976 estava claro que uma ampla porção de votantes
“evangélicos, fundamentalistas, e pentecostais-carismáticos” podiam ser mobilizados em torno das
principais demandas trazidas pela Moral Majority: o anticomunismo, o americanismo exacerbado e a defesa
de uma pauta moral conservadora e da liberdade para a realização de orações em escolas públicas.
172
181
Seria injusto, entretanto, colocar a edificação do dominionismo toda na conta de Rushdoony. De acordo
com Hedges (2006, p. 140), muito do arcabouço teórico consolidado na nova teologia foi inspirado na John
Birch Society do pastor Timoty LaHaye, um dos seus maiores propagadores até morrer em 2016. Outros
importantes divulgadores são Jerry Falwell e Pat Robertson, respectivamente fundadores de duas das mais
importantes organizações partidárias cristãs nos Estados Unidos, a Moral Majority, ativa na década de 1980,
e a Christian Coalition, nos anos 1990. Não é correto também supor que a crença no destino divino norte-
americano se iniciou com o dominionismo, uma vez que, como vimos, esse é um tema recorrente no
imaginário popular daquele país desde a sua fundação.
182
No momento em que escrevo ainda são frescas as palavras do presidente da República Jair Bolsonaro,
proferidas em culto evangélico ocorrido na Câmara dos Deputados em Brasília em 10 de julho de 2019,
173
importância crucial: para além dos motivos teológicos, por que os fundamentalistas
passaram, em meados dos anos 1970, a atuar partidariamente? A questão não está posta
de forma unívoca. Seus diferentes intérpretes levantam, porém, alguns fatores relevantes.
O padre e teólogo Florêncio Galindo (1996, p. 323) tende a atribuir na gênese da
Nova Direita Cristã uma importância que vejo como demasiada à Teologia da Libertação,
movimento cujas raízes Michel Löwy (2008, p. 1) localiza em princípios dos anos 1960.
Neste momento, a Juventude Universitária Católica brasileira (JUC), tomando como
inspiração o catolicismo progressista francês, esboça um projeto de ação religiosa atrelada
a um programa radical de mudanças sociais, ideias que encontrariam grande acolhida por
setores católicos e mesmo não católicos por todo o continente sul-americano,
consolidando-se na década de 1970 sob a forma mais acabada de uma Teologia. Para
Galindo, o relativo sucesso alcançado pelo movimento causara um “grande impacto na
política americana”, causando desconforto entre a direita continental, inclusive entre os
próprios católicos, e levando o fundamentalismo a se definir como um “movimento
teológico-político de linha contrária”.
A socióloga da religião Daniele Hervieu-Léger (1988, p. 27-8) detecta no
conturbado ambiente social norte-americano dos anos 1970 as razões para essa guinada.
Ali uma profunda crise social teria sido aberta pela conjugação dos efeitos políticos e
éticos de problemas que punham em xeque os valores formadores da identidade coletiva
norte-americana, como o dilema insolúvel trazido pela Guerra do Vietnã, o agravamento
da crise econômica, aprofundando por sua vez contradições sociais, e o aumento das
tensões próprias daquela sociedade multicultural. Ao mesmo tempo, a crise de Watergate,
que levou à renúncia do presidente Nixon, trazia à tona de maneira pungente as relações
entre a moral e a vida pública, completando um quadro de “desutopização” da América e
agravando o sentimento de insegurança coletiva. Nesse panorama de crise global, passaria
o antimodernismo fundamentalista a ser um remédio viável não apenas para as camadas
sociais inferiores, seu público tradicional, mas para grupos muito mais amplos,
desestabilizados pelo descrédito com os ideais de democracia e progresso. Hervieu-Léger,
de fato, toca num fenômeno importante e que não passou despercebido por estudiosos
brasileiros: a inesperada e “renovada capacidade de agregação e identificação” (SILVA,
E. 2017, p. 129) da religião em países industriais avançados durante os anos 1980, que
Silva relaciona com o surgimento da Moral Majority.
garantindo que um dos ministros que indicará ao Supremo Tribunal Federal “será terrivelmente evangélico”
(GORTÁZAR, 2019).
174
De forma mais sucinta, Antônio Gouvêa Mendonça (1984, p. 14) enumera fatores
como o desgaste decorrente da Guerra Fria e o acúmulo de fracassos tanto em conflitos
armados como na política externa dos Estados Unidos na década de 1960 e anos iniciais
da de 1970 como o gatilho para o surgimento de “iniciativas restauradoras” da então
abalada crença no papel especial na Terra reservado ao país. Neste ponto, cabe reparar
novamente no entrelaçamento entre religião e política, componente histórico da
religiosidade norte-americana e estruturador da visão de mundo fundamentalista,
sobretudo com o dominionismo, onde o país aparece portando uma vocação messiânica,
eleito por Deus para cumprir um papel diferenciado e exclusivo no concerto global (ORO,
1996, p. 73), liderando a promoção mundial dos valores democráticos183 e cristãos.
Tratava-se, num contexto conturbado, de recuperar o projeto original dos pais fundadores
da pátria norte-americana, a edificação de uma nação especial, projetada segundo o texto
bíblico para ser um “luzeiro para o mundo em trevas” (ROCHA, 2011, p. 589).
Por sua vez, Oro (1996, p. 104) acompanha o diagnóstico de Antônio Gouvêa
Mendonça e Hervieu-Léger sobre a crise política, econômica e social norte-americana
dos anos 1960 e 1970 deflagrando a crise de valores que favoreceu o renascimento
fundamentalista. Concede atenção especial, contudo, à fraqueza do protestantismo não
fundamentalista em prover respostas às inquietações coletivas, privando o país de um
importante cimento social, sua “religião civil”, agente de uma integração de longa data
grandemente fundada na partilhada crença na vocação messiânica dos Estados Unidos.
Indo além, Oro (1996, p. 103) supõe que o processo que chama de “mundialização”, em
vigor após a segunda metade dos anos 1970, produziu e agudizou desigualdades sociais,
operando, junto aos fatores destacados, em prol da crise de valores que favoreceu a
irrupção neofundamentalista, agora pensada não apenas em termos norte-americanos,
mas mundiais. Para ele, os efeitos psicológicos das mazelas trazidas por essa
“mundialização”, como o desemprego, a pauperização e a precarização das relações de
trabalho, enfim, a exacerbação de um materialismo frio e excludente, teriam demolido
vínculos de solidariedade, esfarelado identidades sociais, debilitado culturas, crenças e
valores e erigindo novas relações sociais nascidas sob o signo do interesse e da
superficialidade.
183
Falo aqui de uma concepção de democracia frequente entre o público religioso norte-americano segundo
a qual as instituições políticas do país e a sua Constituição retirariam inspiração de preceitos divinos,
conforme se viu no capítulo anterior.
175
Este trabalho, por sua vez, busca encontrar as razões para o fenômeno associando
a gênese do fundamentalismo partidário a mudanças ocorridas no plano econômico em
finais da década de 1970 e início da de 1980. Assim, conforme dito na Parte I, relaciono
a maior partidarização religiosa com a consolidação de relações capital-imperialistas por
todo o mundo, demandando um reforço da ação hegemônica de aparelhos privados de
hegemonia, entre os quais eu incluo os religiosos. Interpretação que não contradiz o que
supõe Assmann (1986, p. 22-27), que atribui o fenômeno, também, à “crise de
legitimidade do capitalismo em sua fase de definitiva transnacionalização”, demandando
um reforço da hegemonia empresarial diante da intensificação da exploração da classe
trabalhadora. Concordo também com Marsden, entendendo que o movimento foi
impulsionado pela ressurgência, no contexto acima descrito, do liberalismo ortodoxo,
frequentemente chamado de “neoliberalismo”, deixado temporariamente de lado nas
décadas após o New Deal e a reconstrução do mundo capitalista pós-guerra que teve que
lidar com a atração exercida pelo polo socialista sobre um mundo empobrecido. Reforça
essa percepção, conforme veremos no capítulo 4, ser o Partido da Fé Capitalista
financiado em grande parte pelas indústrias do tabaco, do álcool e das armas, muito
tributadas nos Estados Unidos, portanto interessando sobremaneira a este setor a ampla
liberalização da economia. Da mesma forma, não por acaso uma das primeiras medidas
do governo Reagan, eleito com importante apoio do cristianismo partidarizado, foi a
proposição de uma emenda constitucional com o fito de limitar os gastos governamentais,
apresentada como uma correção à hipertrofia estatal iniciada nos anos de Franklin
Roosevelt. Conectadas às grandes corporações multinacionais, as organizações cristãs
norte-americanas em ação global passam a somar à sua militância anticomunista,
consolidada na década de 1950, uma maior defesa da liberalização econômica e redução
do aparelho estatal. Farão isso muitas vezes de maneira dissimulada, relacionando uma
alegada decadência moral e religiosa com problemas originados sobretudo na exploração
do trabalho, assim desviando olhares das causas reais desses males, ou levantando
bandeiras religiosas a fim de reduzir a presença do Estado laico na educação e na saúde.
Para tanto, demandarão a extinção das escolas públicas, onde livros religiosos e preces
em voz alta são proibidas, e moverão raivosas campanhas contra o aborto, tencionando
brecar propostas de maior participação estatal na saúde que incluem a prestação de
serviços abortivos em circunstâncias especiais. Em outros casos, ainda, não hesitarão em
propagandear o livre empreendedorismo como o único mecanismo capaz de zelar pelo
correto funcionamento social.
177
3.2 – Os pentecostais
184
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. National Intelligence Council (NIC) Collection.
Dimensions of Civil Unrest in the Soviet Union (NIC M-83-10006). Document Number (FOIA) /ESDN
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Acesso em: 07 nov. 2020.
185
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. USSR Monthly Review.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP83T00853R000300030004-7. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp83t00853r000300030004-7>. Acesso em: 07 nov.
2020.
186
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Repression since the 1975 Helsinki Accords. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP86T00591R000300330003-3. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp86t00591r000300330003-3>. Acesso em: 07 nov. 2020.
179
187
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Hearings before the Subcomitee
to Investigate the Administration of the Internal Security Act and Other Internal Security Laws of the
Comittee on the Judiciary United States Senate. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP64B00346R000500030098-1. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp64b00346r000500030098-1>. Acesso em: 22 set. 2020.
188
Reparo, porém, que, não sendo a CIA uma observadora isenta, pode haver exageros nesses números e
no peso conferido a essas disputas pela Agência, naturalmente predisposta a superdimensionar o
importância dos temas que recebem sua atenção. Seja como for, é certo que as convulsões religiosas foram
uma pedra no sapato dos governos socialistas, sendo inequívoca, da mesma forma, a disposição do Estado
norte-americano em fazer da religião campo de batalha pela supremacia mundial.
189
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Domestic Stresses in the USSR.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP87T00787R000200180006-0. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87t00787r000200180006-0>. Acesso em: 07 nov.
2020.
180
190
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Ethnic German Pentecostals
Plan Hunger Strike. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP91B00135R000500930009-
7. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp91b00135r000500930009-7>.
Acesso em: 07 nov. 2020.
191
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Moscow Pentecostals Annouce
Hunger Strike. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90B01370R000801040003-6.
Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90b01370r000801040003-6>.
Acesso em: 08 out. 2020.
181
4.1 – As igrejas
192
As maiores organizações protestantes dos Estados Unidos seriam a Convenção Batista do Sul, com
5,3%; a Igreja Metodista Unida, 3,6%; a Igreja Batista Independente, com 2,5%; as Igrejas de Cristo, com
1,5%; e as Igrejas Batistas Americanas EUA, com 1,5%.
193
O presbiterianismo nos Estados Unidos divide-se numa grande família de várias igrejas independentes.
A primeira delas foi a Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos, fundada em 1789 e da qual se desprenderam
muitas outras. Uma delas foi a Igreja Presbiteriana Ortodoxa, para onde migraram porções fundamentalistas
da igreja original em 1936.
194
Provavelmente incluída no grande grupo “Outros Cristãos”, que soma 0,4%.
195
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
National Park Service, 1785 - 2006. Tennessee MPS Rural African-American Churches in Tennessee MPS.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135817337>. Acesso em: 02 out. 2020.
184
196
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 – 2001. REA [Reemployment Act] Congressional
Committee Member Profiles [Binder] [4]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/18514053>.
Acesso em: 02 out. 2020.
185
dos serviços por ele oferecidos e 53% acreditam que a ajuda governamental aos pobres
causa mais danos que benefícios. Ainda, ilustrando a grande influência ideológica
fundamentalista entre os pentecostais, é indicado que nada menos que 72% dos membros
da Assembleia de Deus consideram que o texto bíblico deve ser tomado de maneira literal
como a palavra de Deus (MEMBERS of the Assemblies of God, [s.d.]). De maneira
surpreendente, esse dado sugere que o fundamentalismo bíblico é maior na Assembleia
de Deus do que na Convenção Batista do Sul, mais importante enclave fundamentalista
durante todo o período dessa pesquisa, onde 61% dos membros postulam a interpretação
literal do texto religioso.
O crescimento da Assembleia nos Estados Unidos foi tão explosivo e concentrado
nas últimas décadas do século XX como no Brasil. Segundo matéria197 de 21 de junho de
1998 do jornal Los Angeles Times, também guardada pela assessoria de Clinton, ela foi a
congregação religiosa com maior expansão nos últimos trinta anos do século XX,
incrementando em 267% seus números. Outrora a “igreja dos pobres rurais” (noto que a
Assembleia de Deus descreveu o mesmo percurso no Brasil, partindo do mundo rural para
os subúrbios das grandes cidades em espaço de tempo semelhante) a AD passou a ser
vista ao longo dessas décadas como uma “tábua de salvação” para a classe média
empobrecida, encontrando grande acolhida também entre “imigrantes latinos”, uma vez
que a Igreja Católica e o protestantismo tradicional teriam maior “dificuldade em se
conectar com os pobres”. A publicação também relaciona com fatos ocorridos no campo
ideológico após 1970 a ascensão de grupos como os pentecostais, testemunhas de Jeová
e mórmons e o declínio das igrejas protestantes tradicionais, acompanhada de uma
mudança no equilíbrio entre o cristianismo liberal e o conservador, com crescente
predomínio do segundo. Trata-se do renascer fundamentalista e da eclosão de uma
aguerrida direita cristã, embalando grupos religiosos que, se não exatamente
fundamentalistas, mantêm grande afinidade com o movimento. Os dois principais
artífices deste movimento, segundo o Los Angeles Times, seriam os pastores e membros
do Council for National Policy, Jerry Falwell, líder da Moral Majority, e Pat Robertson,
idealizador da Christian Coalition.
Poucos anos após sua fundação, a Assembleia de Deus iniciou um longo e bem-
sucedido processo de mundialização. Já em 1911 missionários estrangeiros trazem a
197
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 - 2001. Arts and Humanities Medals 11/5/98 [3].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/34427136>. Acesso em: 02 out. 2020.
186
198
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Foreign Service Posts of the Department of State, 1788 - ca. 1991. Correspondence American Consulate
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<https://catalog.archives.gov/id/79326057>. Acesso em: 03 out. 2020.
199
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção White House
Public Opinion Mail Files (Truman Administration), 1945 – 1953. National Day of Prayer, Requests For
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200
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<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp75-00001r000100370074-6>. Acesso em: 03 out.
2020.
187
Assembleia, juntamente com outras oito organizações religiosas, foi expulsa de Uganda,
novamente sob a alegação de “acolher espiões”201. Entre os grupos banidos, outros dois
eram pentecostais, a Elim Pentecostal Evagelistic Fellowship of Uganda e a United
Pentecostal Churches. Foram convidadas a deixar o país também as igrejas Uganda
Church of Christ, Testemunhas de Jeová e Quaker, ao lado das associações, a maioria de
proveniência norte-americana, Campus Crusade For Christ, International Bible Students
Association, The Navigators of Colorado, Child Evangelism Fellowship of Uganda,
Emmaus Bible School e Legio Maria of Africa. Por último, vale notar a presença de um
certo senhor “DeBreis”202, identificado como ministro da Assembleia de Deus em
Arlington, Virginia, na reunião do Grupo de Trabalho para a América Central organizada
por assessores de Reagan em maio de 1984 onde debateu-se o estado da liberdade
religiosa na Nicarágua. Preocupado com a “loucura que parece estar reinando” naquele
país, o pastor indagava os membros do GT se a situação era comparável à realidade
cubana durante os primeiros anos da vitória da Revolução e se havia, em contato com o
governo sandinista, alguma autoridade religiosa moderada com quem se pudesse dialogar.
O temor do senhor DeBreis tinha fundamento. A Assembleia de Deus é parte
importante de um esforço internacional de evangelização e missionarismo empreendido
por inúmeras organizações religiosas, sobretudo em países pobres e/ou rebeldes. Além da
Nicarágua, na convulsionada Guatemala, disputada numa sangrenta guerra civil por
forças fundeadas pelos Estados Unidos e grupos insurgentes diversos, alguns de
inspiração socialista, a Assembleia e outras organizações evangélicas mantinham
vigoroso trabalho de enraizamento. Segundo relatório203 da CIA de 1973, as igrejas
pentecostais ali instaladas, “trabalhando em áreas urbanas pobres”, repetindo assim um
modus operandi observado por todo o mundo, eram as que experimentavam mais rápido
crescimento, “sobretudo em função do seu agressivo evangelismo”. Entre as igrejas
evangélicas em atividade na Guatemala no ano de 1967, quase todas “associadas e
financiadas por uma organização parente nos Estados Unidos ou no Reino Unido”, a
201
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. GOU Bans Certain Religious Organizations. Canonical
ID: 1973KAMPAL01904_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1973KAMPAL01904_b.html>. Acesso em: 03 out. 2020.
202
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Speakers for the White House
Outreach Working Group on Central America. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP85M00364R001803590011-7. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp85m00364r001803590011-7>. Acesso em: 27 set. 2020.
203
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Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200110050-8. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200110050-8>. Acesso em: 05
out. 2020.
188
Assembleia de Deus era a que contava o maior número de membros, somando 27.700,
seguida da Evangelical Church, com 22 mil; da Igreja Presbiteriana, com 21.500; dos
adventistas do sétimo dia, com 15.800; da Friends Church (Quaker), com 12 mil e da
também pentecostal Church of God, com 11 mil. É importante notar que tais números
referem-se a uma etapa ainda relativamente incipiente da penetração dessas organizações
no país e em toda a América Latina, somando os evangélicos ainda 3% dos guatemaltecos,
números que disparariam nas décadas seguintes.
Também na vizinha Honduras, outro relatório204 de 1973 mostra que a Assembleia
de Deus se destacava entre as iniciativas religiosas norte-americanas. Fundada em 1940,
28 anos depois era a quarta maior igreja evangélica do país, além de possuir o maior
número de unidades de “adoração regular”. Entre as outras pentecostais, a Church of God,
ali estabelecida 19 anos antes, mantinha maior número de membros, surgindo a Igreja do
Evangelho Quadrangular, aberta apenas em 1952, ainda com modesta membresia, apesar
de já conseguir manter uma “escola bíblica”. Mas a informação mais interessante presente
no relatório concerne a distribuição geográfica das organizações religiosas norte-
americanas, sugerindo uma partilha combinada. Assim, a Assembleia de Deus centrava
suas atividades no Oeste e no Sul, nas áreas de Santa Rosa de Copan e San Marcos de
Colón; os batistas trabalhavam entre populações falantes do inglês na costa norte e suas
ilhas; a missão interdenominacional Central American Mission cobria as terras altas do
oeste e do centro; a Church of God na costa do Caribe e na porção leste do departamento
de Gracias a Diós; a Igreja Evangélica Luterana na capital Tegucigalpa; e a Igreja
Metodista na Costa norte e suas ilhas.
Ainda que refute a formalização de uma ação coordenada naquelas partes da
América Central, a partilha é notada pela própria CIA em outro relatório205, desta vez
falando sobre a realidade panamenha. Examinando a distribuição geográfica das
iniciativas religiosas, o papel nota que “apesar dos vários grupos tenderem a concentrar
seus recursos em regiões específicas, não há um acordo formal para tanto, como é o caso
em outros lugares da América Latina”. O documento sobre Honduras também lança luz
204
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 73; Honduras; The
Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200070018-9. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200070018-9>. Acesso em: 05
out. 2020.
205
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 77; Panama; The
Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200080046-7. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200080046-7>. Acesso em: 05
out. 2020.
189
206
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 73; Honduras; The
Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200070018-9. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200070018-9>. Acesso em: 05
out. 2020.
207
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
First Lady's Office (Clinton Administration), 1993 – 2001. HRC Health Care Press. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/21331977>. Acesso em: 05 out. 2020.
190
para o interior dos países socialistas. Foi o caso, por exemplo, da Far East Broadcasting
Company, empresa fundada nas Filipinas em 1948 por três norte-americanos, John C.
Borger, Robert Bowman e William J. Roberts, e dedicada a “espalhar a voz do
cristianismo ao redor do mundo e através da cortina de ferro da Rússia soviética e da
China Vermelha”208. Armada de “sete poderosos transmissores”, a FEBC gabava-se de
atingir 25 países, incluindo “os mais remotos cantos da Rússia e da China”, com
transmissões que, embora predominantemente religiosas, não descuidavam da política.
Assim, muitas emissões sob a forma de notícias procuravam estimular a dissidência
naqueles países, lançando um “raio de verdade” sobre temas de interesse dessas
populações, com as quais seus membros mantinham algum contato, uma vez que tais
matérias eram escritas “nas margens das cortinas de Ferro e Bambu”. Como resultado,
cartas enviadas do lado vermelho chegariam regularmente à rádio, a exemplo de uma
redigida em Shangai que diria “Apenas de vocês estamos recebendo a verdade. Por favor,
nos dê mais”. De maneira semelhante, quando membros do partido Comunista da
Checoslováquia teriam enviado material de propaganda política, pedindo que fosse usado
nas transmissões, as informações foram astutamente incorporadas e rebatidas em
“programas revelando as armadilhas e o vazio da ideologia comunista”. Portanto, ainda
que o alegado objetivo principal da rádio fosse a evangelização de todos os países do
extremo oriente, as incursões ideológicas no mundo comunista eram alardeadas como
uma das suas maiores realizações. Contendo uma hora e meia diária de programação em
russo, além de 34 outras línguas, o incômodo provocado pela FEBC seria atestado pelo
uso de 25 transmissores em partes da China e da Manchúria para interferir nas suas
emissões.
Declarava-se a rádio uma organização sem fins lucrativos, aberta a “todos os
missionários e grupos evangélicos” e mantendo-se exclusivamente com doações, apesar
de em 1953 seu patrimônio atingir a cifra de 250 mil dólares. Seu relativo ecumenismo
era atestado pelo rol de parceiros, composto por 36 igrejas e 21 associações missionárias
interdenominacionais, todas cristãs e a maioria esmagadora sediada nos Estados Unidos,
como as igrejas Batista, Luterana, Metodista, Presbiteriana e as pentecostais Church of
God, Evangelho Quadrangular e a Assembleia de Deus. Esta última mantinha ainda três
208
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Dear Staff Member. Document
Number (FOIA) /ESDN (CREST):
CIA-RDP83-00423R000201040001-3. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp83-00423r000201040001-3>. Acesso em: 06 out. 2020.
191
209
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the President (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. 01/31/1983 (case file 117231).
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/118567192>. Acesso em: 06 out. de 2020.
192
torno de si aquilo que ficou chamado como “direita cristã”, como Ronald Reagan e
George Bush. Conforme matéria210 do Washington Post de fevereiro de 1981,
comentando o recém-lançado livro The Election of 1980 (A Eleição de 1980), organizado
pelo professor de Ciência Política da Rutgers University Gerald Pomper, a contribuição
da AD e do restante do círculo religioso que trabalhou na eleição de Reagan foi retribuída
inclusive com a alocação de membros proeminentes em cargos oficiais. Assim, notava o
texto acumulado pela CIA (o diretor da Agência aparecia mencionado como católico) que
a Secretaria do Interior de Reagan fora ocupada pelo membro da Assembleia de Deus
James Watt; a de Educação por um mórmon; a de Agricultura por um luterano; a de
Comércio por um membro da United Church of Christ; tendo sido outros cargos também
oferecidos às demais organizações que apoiaram sua eleição.
Tal cooperação, contudo, ia muito além da participação nos quadros oficiais do
governo. Em julho de 1981, por exemplo, o assessor de Ronald Reagan, Morton
Blackwell, organizou um encontro211 para informar líderes religiosos de Washington D.C.
sobre assuntos bastante laicos: as políticas orçamentárias, regulatórias e fiscais do
governo. O evento atestava o crescente entrelaçamento entre associações religiosas e a
esfera estritamente estatal, neste momento começando a penetrar em questões
concernentes à administração interna do país212, sentido após a eclosão das primeiras
organizações partidárias neofundamentalistas, como a Moral Majority. Entre os
participantes, notando o repórter Jim Castelli do Washington Post que a “direita cristã
estava desproporcionalmente representada”, encontramos o pastor Thomas Gulbronson
da Assembleia de Deus.
Outra questão nacional que causou grande comoção no início dos anos 1980 foi a
tentativa de Reagan de passar uma emenda constitucional, posteriormente barrada pelo
Senado, permitindo a realização de orações nas escolas públicas. Aqui, novamente, a
opinião de líderes religiosos conservadores que lhe suportaram, como o pastor da
Assembleia de Deus Jimmy Swaggart, pesou na decisão de apresentar a emenda ao
210
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Reagan's Cabinet: It's Got
Religion. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90-00552R000302430011-9. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90-00552r000302430011-9>. Acesso em: 07
out. 2020.
211
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Briefings Book (2
of 4). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840689>. Acesso em: 06 out. 2020.
212
Nas décadas precedentes a relação predominante se dava no âmbito da política externa, como tenho
procurado mostrar.
193
213
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Policy Development (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Chron File,
05/16/1983-06/13/1983. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135838594>. Acesso em: 07 out.
2020.
214
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 - 2001. [Reemployment Act] [Binder] [1].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/18514046>. Acesso em: 07 out. 2020.
215
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 – 1994. Abortion: General News
Articles. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/40483880>. Acesso em: 07 out. 2020.
194
nelas envolvendo suas diversas igrejas. Assim aconteceu, por exemplo, em 1996216
quando a Assembleia conclamou seus um milhão e quatrocentos mil membros a
boicotarem os produtos da Walt Disney Co. em protesto à publicação do livro Growing
Up Gay (Crescendo Gay), pela Hyperion Press, pertencente ao grupo Disney; ao filme
Priest, sobre um clérigo homossexual, lançado pela Miramax, também parte da Disney;
e ao fato de o parque Walt Disney World ter recebido pelo sétimo ano seguido o Gay and
Lesbian Day, organizado por ativistas da Flórida. Como resposta, bradava a AD, tanto
suas publicações nacionais como locais conclamariam a adesão ao boicote. As
informações constam em matéria da repórter Karen Testa, da Associated Press, recolhida
pelos assessores de Bill Clinton.
Voltando à política externa, no calor da campanha contra o governo sandinista,
que contava com uma frente ideológica-religiosa, como vimos no caso do Grupo de
Trabalho liderado por Faith Whittlesey, líderes da Assembleia de Deus, como Jimmy
Swaggart, e outros conservadores pentecostais, como Oral Roberts e Rex Humbard, todos
membros da organização política neofundamentalista Coalition for Religious Freedom,
frequentavam a Casa Branca a convite do assessor Morton Blackwell 217 para debater
sobre a perseguição a cristãos nos países não alinhados.
Por tudo o que foi dito, não causa surpresa o fato da Assembleia de Deus manter
linha direta com o Departamento de Estado para solucionar problemas, como eventuais
expulsões de missionários no estrangeiro. Em 13 de janeiro de 1976, por exemplo, o
reverendo Wesley Hurst, secretário para o extremo oriente da Assembleia de Deus,
escreve da sede da organização em Springfield para o secretário Henry Kissinger 218
pedindo que o DE solicitasse ao governo de Singapura uma explicação escrita para a
expulsão de um Robert Fergunson. Considerando o pleito “razoável”, Kissinger ordenou
que sua embaixada assim o fizesse. Mas, apesar das diligências, o governo de Singapura
não aquiesceu ao pedido, limitando-se a prestar satisfações verbais ao embaixador John
216
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Presidential
Electronic Mail from the Automated Records Management System (ARMS), 1/20/1993 - 1/20/2001.
[07/13/1996 – 09/04/1996]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/122241650>. Acesso em: 07
out. 2020.
217
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Chief of Staff (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. [Religious Groups].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/118568818>. Acesso em: 07 out. 2020.
218
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Expulsion of Reverend Robert Ferguson from
Singapore. Canonical ID: 1976STATE020608_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1976STATE020608_b.html>. Acesso em: 05 out. 2020.
195
219
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Expulsion of Reverend Robert Ferguson from
Singapore. WikiLeaks. Canonical ID: 1976SINGAP00560_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1976SINGAP00560_b.html>. Acesso em: 05 out. 2020.
220
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Muslim-Coptic Conflict in Assuit. Canonical ID:
1977CAIRO14314_c. Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1977CAIRO14314_c.html>.
Acesso em: 05 out. 2020.
221
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Assemblies of God in Vietnam: Still an “Underground
Organization”. Canonical ID: 02HOCHIMINHCITY400_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/02HOCHIMINHCITY400_a.html>. Acesso em: 07 out. 2020.
196
222
Aimee se destaca por ser uma das primeiras líderes religiosas femininas nos Estados Unidos.
197
abordada na Parte III deste trabalho, sugere que as suas filiais internacionais estão
fortemente submetidas à direção central norte-americana.
Embora menor que a Assembleia de Deus dentro e fora dos Estados Unidos, tal
como a primeira, a IEQ possui expressiva presença nos países pobres, razão pela qual é
importante apêndice pentecostal do Partido da Fé Capitalista. Ainda segundo dados por
ela fornecidos, contaria no Brasil com uma quantidade de tempos quase seis vezes maior
que em seu país de origem, somando 11 mil unidades (FUNDAÇÃO da Igreja, [s.d.]).
Por bandas latino-americanas, semelhante à maioria das organizações religiosas norte-
americanas, apesar de global desde o princípio do século passado, sua expansão acelera-
se agudamente na década de 1950, concomitante à gelada batalha político-ideológica
travada entre seu país sede e o mundo socialista. Assim, documentação da CIA 223
preocupada com a realidade política da América Central na década de 1970 registra que
a IEQ se infiltrou em Honduras em 1952, fazendo parte da força-tarefa evangélica que ali
dava seus primeiros passos para corroer a influência católica e cubana. De fato, a exemplo
do restante do continente, a população evangélica hondurenha explodiu nas décadas
seguinte. Conforme o relatório da CIA, se em 1973 apenas 2,5% do país era evangélico,
dados atuais do Departamento de Estado referem-se a 48% de “evangélicos protestantes”
(2018 Report on International Religious Freedom: Honduras, [2018?]). No Panamá, onde
como vimos a trajetória ascendente do evangelicalismo repetiu-se, a Igreja do Evangelho
Quadrangular, que concentrava seu proselitismo na região habitada pelos povos nativos
Choco, é listada pela CIA224 como um dos maiores grupos evangélicos, em 1973 com a
ainda modesta soma de dez mil seguidores. Nota ainda o escrito que perto de duzentos
pastores pregavam por ali, “quase a metade estrangeiros, muitos dos quais dos Estados
Unidos”, em meio a “várias escolas protestantes, incluindo três escolas bíblicas, e um
pequeno número de instituições filantrópicas”.
Aderindo à campanha internacional anticomunista deflagrada nos anos 1950,
evidente em sua trajetória em países como o Brasil, conforme veremos em outra parte, a
IEQ pode ser enquadrada no amplo leque de organizações religiosas que constituem a
223
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 73; Honduras; The
Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200070018-9. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200070018-9>. Acesso em: 05
out. 2020.
224
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 77; Panama; The
Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200080046-7. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200080046-7>. Acesso em: 05
out. 2020.
198
225
A pesquisa do Pew Research Center, entretanto, ao contrário de igrejas maiores, como a Assembleia de
Deus, não traz informações detalhadas sobre as inclinações políticas da membresia quadrangular.
226
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
751221 [1]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/77828849>. Acesso em: 09 out. 2020.
227
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Chin State: Where There Is Will, There Is a Way.
Canonical ID: 07RANGOON33_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/07RANGOON33_a.html>. Acesso em: 09 out. 2020.
199
228
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
First Lady's Office (Clinton Administration), 1993 – 2001. Nathan Cummings. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/26080086>. Acesso em: 29 out. 2020.
229
Associação antirracista Fundada em 1979 com a união de ativistas contrários à organização supremacista
Ku Klux Klan, o Center for Democratic Renewal encerrou suas atividades em 2008.
230
Falamos da conferência The Politics of Culture, patrocinada pela The Nathan Cummings Foundation
em junho de 1992. Fundada em 1949 pelo industrial Nathan Cummings, dono da multinacional
Consolidated Foods, atualmente Sara Lee Corporation, segundo sua página eletrônica, o foco de operações
da fundação é o combate às mudanças climáticas e o aumento da desigualdade social. A sua oposição à
direita cristã provavelmente exprime as divisões internas da classe empresarial norte-americana (OUR
Focus, [s.d.]).
200
231
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 – 2001. [Press Clips] Monday, October 25, 1993
[1]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/20759876>. Acesso em: 29 out. 2020.
232
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
574156 [3]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/134610180>. Acesso em: 29 out. 2020.
201
Com raízes no ano de 1845, quando os batistas do Sul dos Estados Unidos
romperam com a porção norte, a Convenção Batista do Sul é em termos numéricos e em
influência ideológica muito provavelmente a mais importante denominação evangélica
nos Estados Unidos. Somando aproximadamente 15 milhões de seguidores, sua
relevância doutrinária é expressa pelo fato de ter ela dividido com a Igreja Presbiteriana
a gênese do movimento fundamentalista. Para se ter uma ideia do peso do pensamento
fundamentalista no seu interior, basta constatar que são a ela afiliados os três líderes
fundamentalistas mais importantes do século XX, aqui frequentemente mencionados: Pat
Robertson, Jerry Falwell e Billy Graham. Além dos três, outros membros dessa
233
Sustenta-se, por exemplo, que o Reverendo Moon seria o verdadeiro messias.
202
denominação aparecem regularmente ao longo deste trabalho, cabendo notar, ainda, que
se vincula a ela, e não aos batistas do Norte, a Igreja Batista do Brasil.
Em tempos mais recentes, os batistas do sul se viram dominados de forma mais
completa pela encarnação contemporânea da facção fundamentalista, que deslocou da
direção da Igreja os membros mais liberais, segundo revela o teólogo Alexandre de
Carvalho Castro (2003). O processo foi deflagrado pelo movimento conservador surgido
nos anos 1980, Founders Conference234, cuja meta expressa seria religar a membresia
com o que entendem ser a fé dos fundadores batistas. Fundadores tidos como afeitos à
doutrina do “destino manifesto” norte-americano, como vimos na Parte I cuidadosamente
cultivada pelos fundamentalistas batistas atuais, sendo este, portanto, traço impresso de
maneira indelével à teologia que se esforçam por divulgar (CASTRO, 2003, p. 57).
A expansão desses novos fundamentalistas foi rápida, organizada e apoiada em
conferências, publicações e material eletrônico. Valeram-se também de um órgão
dedicado a promover reuniões ministeriais, o Founders Fraternals, para atrair batistas de
diversas partes e estimular “mudanças doutrinárias nas igrejas locais” (CASTRO, 2003,
p. 36). Resulta dessa campanha a preeminência no meio batista angariada pelo movimento
nas últimas décadas, fato traduzido numa incontestável “hegemonia doutrinária”
(CASTRO, 2003, p. 30). Domínio ideológico fundado na construção de uma narrativa
baseada na seleção e disseminação oportunista de certas concepções históricas e
teológicas. Ideias que podem ser vistas nas obras By His Grace and For His Glory, de
Thomas Nettles, e A Verdadeira Saga Batista, de Chris Traffanstedt, que sugerem uma
ligação do movimento batista contemporâneo com o calvinismo e advogam que seus
fundadores foram puritanos ingleses e holandeses do início do século XVII. Construção
artificial, uma vez que o já visto movimento de avivamento norte-americano do século
XIX teria introduzido modificações na religião batista que tornou definitiva a sua
separação do “modelo europeu” (CASTRO, 2003, p. 73). De todo modo, essa versão dos
fatos serviria para legitimar a própria “reforma fundamentalista” (CASTRO, 2003, p. 68)
da Convenção Batista do Sul, empreendida pelo Founders Conference, reforma baseada
num “calvinismo reacionário”, semelhante ao abraçado pelos fundamentalistas adeptos
da Teologia do Domínio, como vimos inspirada nos escritos de Calvino.
234
Trata-se de um dos principais grupos fundamentalistas ativos nos Estados Unidos, vinculado à mais
agressiva faceta atual do movimento, que mistura “o discurso protestante com o desejo econômico de
dominar o mundo pelo recurso à força” (CASTRO, 2003, p. 18), e que, em sua ação doutrinadora, “não
argumenta, não dialoga, mas apenas afirma arbitrariamente” (CASTRO, 2003, p. 19).
203
origens a teólogos fundamentalistas, como James Oliver Buswell, Allan MacRae, Francis
Schaeffer e Carl McIntire, este último aparecendo frequentemente nestas páginas.
teológica fundamentalista, ela parece ser bem pequena, uma vez que apenas 26%
entendem a Bíblia como tradução literal da palavra divina, 36% acreditam que nem todas
as suas partes devam ser lidas literalmente e 28% creem que a Bíblia não deve nem mesmo
ser interpretada como a palavra de Deus (RELIGIOUS Landscape Study - Catholics,
[s.d.]).
Em termos globais, é possível, contudo, que ao longo das décadas de 1970 e 1980
a balança católica tenha ameaçado pender mais para o lado progressista, com o grande
sucesso atingido pela progressista Teologia da Libertação entre seus clérigos, sobretudo
nas américas. A fim de neutralizar o surto esquerdista, surgirão, porém, novas facções
conservadoras, como a Renovação Carismática Católica, concebida em finais dos anos
1960 nos Estados Unidos. Ainda que as lideranças católicas anteriormente mencionados
não tivessem relação com a RCC, iniciada mais de uma década após o lançamento da
FRASCO, será ela a organização católica enfocada por esse trabalho por sua grande
importância na contenção do progressismo religioso na América Latina, mormente após
a década de 1990.
Conforme a página oficial na internet do National Service Committee, órgão
formado por líderes carismáticos nos Estados Unidos, a Renovação Carismática Católica
tem suas raízes num retiro espiritual realizado em fevereiro de 1967 por universitários da
católica Duquesne University, em Pittsburgh. Na ocasião, muitos estudantes teriam
experimentado o batismo no Espírito Santo, ritual comum aos cultos pentecostais, sendo
essa fusão um dos traços teológicos da Renovação. Pouco depois, o movimento se espalha
primeiramente entre outras Universidades norte-americanas e, em seguida, por todo o
planeta, atingindo atualmente 238 países. O aval papal também não demoraria, tendo
Paulo VI em 1975 “saudado dez mil católicos carismáticos de todo o mundo na Nona
Conferência Internacional da Renovação” (ABOUT Catholic Charismatic Renewal,
[s.d.]). João Paulo II, por sua vez, foi um “apoiador entusiasmado”, travando frequentes
encontros com líderes carismáticos.
Cabe notar que a Renovação Carismática Católica se insere no mais amplo
movimento carismático, iniciado por volta da década de 1950 nos Estados Unidos.
Conforme Marsden (1991, p. 77), um de seus principais difusores foi o pastor da
Assembleia de Deus David Du Plessis, fundador do Full Gospel Business Men’s
Fellowship International, associação nascida em 1951 que reúne homens de negócios
cristãos de todo mundo em torno de um projeto evangelizador global que tem como
alguns de seus princípios a unidade mundial dos cristãos e o batismo no Espírito Santo.
206
Nas décadas seguintes, Du Plessis se esforçou “assiduamente e com sucesso” para levar
a mensagem pentecostal para outras denominações. Como resultado, já em princípios dos
anos 1960 movimentos de renovação carismática tiveram lugar nas igrejas Episcopal,
Presbiteriana, Luterana e até mesmo na Católica.
A rápida expansão do movimento, bem como seu caráter conservador e aliado à
hegemonia norte-americana, transparece em documento de novembro de 2005 formulado
pelo encarregado de negócios da embaixada norte-americana em Manila, Filipinas, Paul
W. Jones. Com entre três e quatro milhões de seguidores, os carismáticos se apresentavam
no país desde 1984 sob a forma do movimento El Shaddai (Deus todo poderoso em
hebraico), fundado por Mariano Zuniega Velarde, também conhecido como Mike
Velarde, dono da empresa de rádio e televisão Delta Broadcasting System e da
desenvolvedora de ativos Amvel Land Development Corporation235. Divagando sobre a
influência política de grupos religiosos no país, o documento atentava para o fato de que
os carismáticos, ao lado de outras organizações religiosas, desde 1986 buscavam
influenciar as eleições locais. Teriam sucesso sobretudo por serem seus seguidores “mais
propensos que outros grupos a votarem em bloco”236, portanto decisivos em eleições
apertadas. Foi este o caso do pleito presidencial de 2004, quando Gloria Macapagal-
Arroyo venceu com a margem estreita de pouco mais de um milhão de votos, para tanto
contando com o apoio do El Shaddai. Formada nos Estados Unidos e pessoalmente
relacionada com o ex-presidente Bill Clinton, Arroyo tratou de aproximar seu país da
nação capitalista hegemônica, fato expresso, por exemplo, no apoio conferido pelas
Filipinas à invasão do Iraque ordenada por George W. Bush.
235
A extração social do líder carismático filipino é outro indicativo de que o movimento foi mundialmente
cultivado por empresários, como aqueles envolvidos no Full Gospel Business Men’s Fellowship
International.
236
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. The INC and El Shaddai: Two Philippine Religious
Groups with Political Clout. Canonical ID: 05MANILA5130_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/05MANILA5130_a.html>. Acesso em: 23 jun. 2021.
207
partidários do modernismo teológico. Não há espaço neste trabalho para abordar todas
essas coligações, mas cabe notar que tanto observadores deste panorama como material
documental aqui reunido permitem concluir que a fração conservadora vem se
expandindo na segunda metade do século XX, especialmente após a década de 1970,
quando pode-se dizer com alguma segurança que já exerce considerável influência sobre
a maioria do público religioso estadunidense. É desta fração hegemônica que virão os
principais quadros do Partido da Fé Capitalista, razão pela qual irei me concentrar na
maior associação interdenominacional onde ela se refugia, a National Association of
Evangelicals.
237
Segundo Chris Hedges (2006, p. 175), a maior transmissora evangélica do mundo é a Trinity Broadcast
Network, fundada na Califórnia em 1973, que em 2006 alcançava 75 países, transmitida por mais de seis
mil estações pelo mundo. Comandada pelo pastor da Assembleia de Deus Paul Crouch e sua esposa Jan, a
rede traz às telas alguns dos mais reacionários pregadores norte-americanos e de outras nacionalidades.
Aberta a conservadores de todos os matizes religiosos, transmite sermões de batistas do sul, católicos, como
o padre Michael Manning, e carismáticos e pentecostais adeptos da Teologia da Prosperidade, como
Kenneth Copeland, Cleflo Dollar e John Avanzini.
209
238
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Domestic Policy Council (Clinton Administration), ca. 1992 - 1/20/2001. Chron. File, April 1994.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26413318>. Acesso em: 10 out. 2020.
239
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Public Liaison (Clinton Administration), 1993 - 2001. Invitations for Alexis Herman
Regretted, December 1994-January 1995 [1]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/120355460>. Acesso em: 10 out. 2020.
240
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
National AIDS Policy Office (Clinton Administration), 1993 - 2001. World Relief. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/54977228>. Acesso em: 10 out. 2020.
210
241
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
563076. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/119650659>. Acesso em: 10 out. 2020.
242
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção President's
Speeches and Statements Reading Copies (Ford Administration), 1974 – 1977. 1/28/75 - National Religious
Broadcasters' 32nd Annual Congressional Breakfast. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/1252207>. Acesso em: 02 nov. 2020.
211
que pedem uma mais nítida separação entre Igreja e Estado. Redarguiu que, novamente,
George Washington teria beijado a Bíblia no lançamento da Constituição norte-americana
e que John Adams, convencido de que “Deus governa os assuntos humanos” 243, a via
como “o melhor livro do mundo”. A interpenetração entre Igreja e Estado não é, portanto,
e como tem sido aqui exposto, um fenômeno recente nos Estados Unidos. Mesmo assim,
ocorre ao longo dos anos 1970 uma reorganização das associações religiosas norte-
americanas que passam a intervir de maneira muito mais direta na política partidária
dentro e fora dos Estados Unidos, embaladas pela nova Teologia do Domínio.
Claramente inclinadas para o Partido Republicano, tais associações foram
providenciais na eleição de Reagan e dos dois Bush. Por pouco também não impediram
a vitória de Clinton, uma vez que, segundo dados244 publicados pelo USA Today em julho
de 1993, George Bush conseguira 61% dos votos de eleitores protestantes e evangélicos,
enquanto Clinton ficara com 23%. Tal predileção, contudo, é um fenômeno recente. A
empresa de consultoria National Journal245 constatou a progressiva migração para o
Partido Republicano do voto protestante e evangélico, que se em finais dos anos 1970 e
início dos 1980 ainda pertencia majoritariamente aos democratas, em 1994 comporiam
por volta de 30 a 40% de todo o eleitorado do partido rival. O fato é confirmada também
por Chris Hedges (2006, p. 23), que afirma que George W. Bush teria obtido 78% dos
votos protestantes e evangélicos na eleição presidencial de 2004. Ainda de acordo com o
jornalista, em princípios do século XXI a direita cristã partidária já conseguira migrar das
margens da sociedade para o interior das principais instituições dos três Poderes norte-
americanos, além de ter dominado o Partido Republicano, onde os fundamentalistas
seriam maioria em 36% dos seus comitês.
Conforme já foi adiantado, isto não quer dizer, porém, que o Partido da Fé
Capitalista se veja alijado de participação política em governos democratas. Instituição
perene da república norte-americana por toda a segunda metade do século XX, a religião
organizada permaneceu importante parceiro do Estado restrito sob Clinton, a despeito dos
atritos. Em outubro de 1994, por exemplo, o membro do Departamento de Comunicações
243
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the President (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. 01/31/1983 (case file 117231).
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Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/20759811>. Acesso em: 02 nov. 2020.
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Domestic Policy Council (Clinton Administration), ca. 1992 - 1/20/2001. Chron. File, April 1994.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26413318>. Acesso em: 02 nov. 2020.
212
246
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Office of the Public Liaison (Clinton Administration), 1993 - 2001. [Invitations]-October 1994 Accepted
[2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/120355418>. Acesso em: 02 nov. 2020.
247
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Electronic Mail from the Automated Records Management System (ARMS), 1/20/1993 - 1/20/2001.
[11/12/1998]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/40491175>. Acesso em: 02 nov. 2020.
213
248
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White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Coalitions for
America (2 of 2). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840771>. Acesso em: 02 nov. 2020.
249
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White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Balanced Budget
Amendment (2 of 3). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840668>. Acesso: em 02 nov.
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250
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White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Coalitions for
America (1 of 2). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840769>. Acesso em: 02 nov. 2020.
214
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National Security Council Speechwriting Office (Clinton Administration), ca. 1993 - ca. 2001. New
Direction - Kemp-Weber Briefing. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/40477844>. Acesso em:
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252
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Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 – 1994. Correspondence Non-
Response Published Clippings w/Comments [Folder 1] [1]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/16893224>. Acesso em: 03 nov. 2020.
215
253
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White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
607825 [1]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578998>. Acesso em: 03 nov. 2020.
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Office of Policy Development (Clinton Administration), 1993 - 2001. Trade Publications [Fast Track] [2].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/158701990>. Acesso em: 03 nov. 2020.
255
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 – 2001. FEC [Federal Election Commission] Soft
216
mostrando que o comércio é, sim, uma prioridade norte-americana. Também Ralph Reed,
da Christian Coalition, em março de 1997 bradava contra as negociações com a China,
prometendo barrá-las no Congresso. Para ele, ao contrário de beneficiá-la com acordos
comerciais, os Estados Unidos deveriam “punir a China por suas violações de direitos
humanos”256, mencionando especificamente a brutal “perseguição aos cristãos” e a
realização de abortos forçados. Curiosamente, o pastor Pat Robertson, mentor da
Christian Coalition representada por Reed, não tinha as mesmas reservas para negociar
com os asiáticos, lançando em 1995 empresa fornecedora de TV a cabo em território
chinês257. O fez em parceria com a multinacional Lippo Group, da muçulmana indonésia,
e um grupo de empresários da também predominantemente muçulmana Malásia. Sendo
assim, seguindo a maré dos acontecimentos, apenas três anos depois vemos a Christian
Coalition proferir um discurso completamente distinto com relação à China. O sucessor
de Reed na Coalition entre 1997 e 2000, Randy Tate, passou a apresentar a integração
econômica, já consumada pelo empresariado e pelo Congresso, como um positivo veículo
de mudança, pois uma China isolada “resistirá a mudanças domésticas e está mais
propensa a ser agressiva com seus vizinhos” 258. Lacrou a discussão concluindo que “Nada
disso serve aos interesses americanos. Admitir a China na OMC pode não transformar
sua ditadura numa democracia. Mas é o passo correto em direção a este objetivo”.
O Partido da Fé Capitalista, entretanto, não se limitou a influenciar a política
partidária doméstica. Vem ele também intervindo direta ou indiretamente em todos os
países do mundo, seja através dos braços locais de organizações religiosas sediadas nos
Estados Unidos, seja inspirando ações semelhantes por parte organizações nativas cuja
gênese e disseminação se deu sob seu patrocínio ideológico, como a brasileira Igreja
Universal do Reino de Deus. Em todos os lugares, porém, seu programa é semelhante, a
denúncia de uma suposta decadência moral, apresentada como raiz de variados problemas
259
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Explo '74. Canonical ID: 1974SEOUL05202_b.
Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1974SEOUL05202_b.html>. Acesso em: 05 nov.
2020.
260
A frequência da Explo 74 aparece ainda mais inflada na página oficial da Campus Crusade, que afirma
ter arrastado um milhão e quinhentas mil pessoas todas as noites, provavelmente para as preces em massa
(BILL Bright, [s.d.]). Já matéria publicada pela revista Christianity Today em setembro de 1974 calculou
em 300 mil o número de inscritos para os cursos de treinamento em evangelismo (PLOWMAN, 1974).
261
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Rev. Carl McIntire, chairman of International Council
of Churches comments on Corean Church Scene. Canonical ID: 1974SEOUL07695_b. Disponível em:
<https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1974SEOUL07695_b.html>. Acesso em: 05 nov. 2020.
262
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Invitation to Ruth Carter Stapleton to Visit Korea.
Canonical ID: 1978SEOUL08445_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978SEOUL08445_d.html>. Acesso em: 06 nov. 2020.
218
263
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. GOK Deports dr. Carl McIntire. Canonical ID:
1975NAIROB06326_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975NAIROB06326_b.html>. Acesso em: 05 nov. 2020.
264
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Kenyan Deportation of dr. Carl McIntire. Canonical
ID: 1975NAIROB06357_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975NAIROB06357_b.html>. Acesso em: 05 nov. 2011.
265
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Evangelical Unhappiness with ARENA Could Impact
Election. Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/08SANSALVADOR1398_a.html>. Acesso
em: 06 nov. 2020.
219
266
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Letelier/moffit Case: Media Attention Slackens.
Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1978SANTIA05878_d.html>. Acesso em: 05 nov.
2020.
267
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. ARENA: El Salvador Right Faces Uncertain Political
Future. Canonical ID: 08SANSALVADOR1045_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/08SANSALVADOR1045_a.html>. Acesso em: 06 nov. 2020.
220
268
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Political Protestants Want Change. Canonical ID:
06MINSK446_a. Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/06MINSK446_a.html>. Acesso
em: 06 nov. 2020.
269
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Belarus, Protestants Consolidate Efforts to Promote
Change. Canonical ID: 07MINSK106_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/07MINSK106_a.html>. Acesso em: 06 nov. 2020.
270
Lançada em 1954, a Encyclopedia reúne informações de milhares de organizações estadunidenses sem
fins lucrativos ativas dentro e fora do país. Atualmente está em sua 55ª edição e é publicada pela editora
Gale, de Farmington Hills - Michigan.
221
271
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to William J. Casey from
(Sanitized). Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP85M00364R002204230067-9.
Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp85m00364r002204230067-9>.
Acesso em: 11 out. 2020.
272
Karen Armstrong (2009, posição 6132-6138) acredita que a Moral Majority foi “inspirada originalmente
não pelos fundamentalistas”, mas pelo grupo de intelectuais laicos formado por Richard Vignerie, Howard
Phillips e Paul Weyrich, “Conservadores em questões como defesa e interferência do governo na
economia”, que viram em Falwell e seus seguidores a oportunidade de formar uma “nova maioria
conservadora para combater o liberalismo moral e social”.
222
por exemplo, que junto com outras associações direitistas religiosas e laicas, como a
National Christian Action Coalition, o Conservative Caucus e a organização lobista em
favor dos direitos de posse de armas Gun Owners of America (Proprietários de Armas da
América), enviou a assessores de Reagan carta273 expressando sua preocupação com a
“falta de uma estratégia coordenada” para a aprovação da redução do orçamento federal
proposta pelo Executivo em 1981, o que “satisfaria os objetivos de muitos dos grupos
subscritos”. De forma semelhante, em dezembro de 1981 o pastor batista Everett Sileven,
presidente da MM no estado de Nebraska, protestava ao chefe da equipe de Reagan,
Michael K. Deaver, contraproposta do secretário de Educação, Terrel Bell, de dar
continuidade à sua pasta, sentida por ele e “seu povo”274 como uma traição a promessas
da campanha de 1980. Sileven era enfático, seu grupo não se satisfaria com outra coisa
além da “abolição” do Federal Department of Education (Departamento Federal de
Educação), exigência derivada da convicção de que o seu corpo de servidores praticaria
uma “extrema perseguição das Escolas Fundamentalistas Cristãs”, assim violando a
Constituição e chocando-se com os “melhores interesses da liberdade individual”. Na
mesma linha, Jerry Skirvin, diretor executivo da MM na Virginia, lembrava o mesmo
Deaver sobre a promessa de campanha de “abolir e desmantelar”275 o Departamento,
frisando ser a Educação uma área onde o governo federal não deveria se meter, “melhor
abordada em nível local e estadual”.
Não exageram, portanto, aqueles que percebem nas ações da Moral Majority, e
das demais instâncias do que chamo de Partido da Fé Capitalista, motivações de origem
muito mundanas. É o caso, por exemplo, do historiador Sean Wilentz, que em artigo de
abril de 1995 na revista Dissent, desde 1954 uma voz da esquerda liberal norte-americana,
acusa as organizações da direita cristã de um “populismo cultural” 276. Seu texto, que
273
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Balanced Budget
Amendment (2 of 3). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840668>. Acesso em: 11 out.
2020.
274
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of the Deputy Chief of Staff (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989.
Correspondence – January 1982 (4). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/66327768>. Acesso
em: 11 out. 2020.
275
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of the Deputy Chief of Staff (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989.
Correspondence – January 1982 (2). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/66327764>. Acesso
em: 11 out. 2020.
276
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 – 2001. Michigan State Commencement [2].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/23904109>. Acesso em: 11 out. 2020.
223
O vazio aberto pela morte da Moral Majority em finais dos anos 1980 não tardou
a ser preenchido por outra entidade que não apenas manteve todos os seus traços
ideológicos mas que também soube elevar a eficiência do complexo partidário
fundamentalista: a Christian Coalition (Coalizão Cristã). Termômetro da importância da
nova organização, que moveu virulenta campanha contra Bill Clinton, é o fato de os
arquivos presidenciais do período conterem vasto material sobre ela, ao qual assessores
da Casa Branca recorriam para melhor compreendê-la.
Liderada pelo pentecostal Ralph Reed, “renascido”277 na Assembleia de Deus de
Camp Springs, Maryland, a edição da revista Times de maio de 1995 mensurava a
sofisticação da nova organização, em comparação à Moral Majority, pela grande
habilidade política de sua figura de frente. Ao contrário de Jerry Falwell, Reed exibiria
grande compreensão “dos mecanismos seculares da política americana”, notável em sua
exitosa estratégia de mesclar temas de grande apelo popular, como a redução dos
impostos, com o antigo discurso moralista dos seus predecessores, ao mesmo tempo em
que continuava a campanha contra a regulamentação estatal e os projetos de reforma da
Saúde. A fundação da CC, no entanto, não foi obra sua, coube ao fundamentalista Pat
Robertson, ex-pastor batista convertido ao movimento carismático, levantá-la usando
como base a estrutura que mobilizou durante sua campanha presidencial em 1988. Pouco
depois passou o cetro a Reed, que aprendendo com os erros da Moral Majority logo
procurou transformar a nova organização num movimento de bases com ativistas em
todos os cantos do país atentos aos problemas das comunidades locais. Apesar de
277
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (Clinton Administration), 1993 – 2001. 118879. Disponível
em: <https://catalog.archives.gov/id/158697914>. Acesso em: 12 out. 2020.
224
278
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Counsel to the President (Clinton Administration), 1993 – 2001. Thompson Committee
Minority Report Volume 1 [7]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/41027861>. Acesso em: 12
out. 2020.
279
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 – 1994. [Morning News Summaries
7/93] [1]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/40483599>. Acesso em: 12 out. 2020.
280
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 - 2001. Elections: [Mike] Lux Analysis of
1994/1996 Elections. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/18513918>. Acesso em: 12 out.
2020.
281
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
First Lady's Office (Clinton Administration), 1993 - 2001. Health Care October 94 - December 94 [4].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/21332044>. Acesso em: 12 out. 2020.
282
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 – 1994. [Green Sheet Summaries of
News Content – May 1995] [3]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/17615910>. Acesso em:
12 out. 2020.
225
283
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Domestic Policy Council (Clinton Administration), ca. 1992 - 1/20/2001. School Prayer. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/122243906>. Acesso em: 12 out. 2020.
226
governo, “porque financia 200 mil divórcios de pessoas pobres por ano”; extinguir o
Departamento de Educação; desmantelar o sistema federal de bem-estar; além de aprovar
o direito de realizar preces em escolas públicas.
Cabe notar que o Contrato não foi o primeiro passo da campanha de liberalização
econômica empreendida pela CC. No momento de seu lançamento, articulada com outras
organizações conservadoras, a Coalition acabara de enterrar o projeto de reforma do
sistema de saúde, apresentado em 1993 por Bill Clinton e que previa algum nível de
cobertura médica para todos os norte-americanos. A estratégia posta em cena para miná-
lo foi a mesma que vemos expandida para outros setores no documento de 1995: o apelo
aos receios e insatisfações da classe trabalhadora, aliado ao discurso moralista-religioso,
buscando apresentar a presença do Estado, inclusive no fornecimento de serviços básicos,
como uma ingerência danosa à liberdade individual e aos interesses populares, melhores
administrados pelo setor privado. Ao redor desses princípios foi planejada, por exemplo,
uma campanha radiofônica lançada em 1994 pela CC, introduzida pelas palavras “Saibam
os fatos sobre o plano de saúde de Clinton” 284 e que trazia diálogos onde um suposto
repórter sensibilizava populares sobre as mazelas que adviriam da aprovação do projeto.
Segue a íntegra da peça publicitária:
Repórter: Você sabia que um burocrata do governo poderia decidir quando sua
família receberá cuidado médico e se você pode escolher seu próprio médico?
Mulher: Você quer dizer que um burocrata pode se intrometer entre mim e o
Dr. Michaels? Ele tem tratado meus filhos por anos.
Repórter: Você sabia que o plano de Clinton iria impor um controle de preços
que levará ao racionamento dos cuidados médicos?
Homem 1: Racionamento de cuidados médicos? Eu não quero ficar em longas
filas esperando para ver meu médico.
Repórter: Você sabia que o plano de Clinton inclui a maior taxação dos
empregadores na história americana? Esse imposto assassino de empregos
poderia deixar mais de um milhão de pessoas sem trabalho.
Homem 2: Ei, eu acabei de encontrar um emprego. Eu não tenho condições de
ficar sem trabalho de novo. O que eu posso fazer para impedir o plano de
Clinton?
284
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 - 1994. [News Articles – Health Care
Reform] [loose]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26056677>. Acesso em: 12 out. 2020.
227
da campanha sintetizam com clareza a mescla retórica que aliava razões de ordem prática
com outras de cunho moral/religioso para sensibilizar o mais amplo público possível: o
plano de Clinton “levaria ao financiamento do aborto com o dinheiro do contribuinte e ao
racionamento dos serviços médicos”285. Cabe ainda notar que a malsucedida reforma
esbarrava nos interesses de grandes empresas286, não sendo demais supor, assim, que o
caso constituiu um exemplo do desempenho da hegemonia empresarial através de grupos
religiosos. Fato evidente sobretudo no trabalho de convencimento das camadas populares,
aos quais a mensagem da CC se dirigia, e da inserção no plano da estrutura governamental
oficial, no caso o poder Legislativo, que terminou vetando o projeto, de determinações
emanadas de frações empresariais.
Sobre este ponto, a documentação entrega inúmeros indícios da relação entre a
Christian Coalition e empresas interessadas no bloqueio ao projeto. O financiamento da
direita cristã por corporações será assunto de outra parte deste trabalho, mas, por ora, cabe
adiantar que no fim da década de 1980, Paul W. McCracken, diretor da multinacional do
ramo químico Dow Chemical, fornecedora de empresas farmacêuticas e também
vendedora de produtos de saúde para o consumidor final, além de membro da já estudada
Laymen's National Bible Association, frequentou as reuniões do Grupo de Trabalho para
a América Central durante a administração Reagan. Como vimos, o GT congregava
empresários, intelectuais, membros do governo e líderes de organismos associativos
diversos, inclusive religiosos, num projeto de domínio regional muito alicerçado na ação
das igrejas norte-americanas. Ao mesmo tempo, segundo a imprensa, uma das maiores
financiadoras da direita cristã em décadas recentes seria a fundação Smith Richardson,
fundada e gerida pela família que detinha a marca de produtos farmacêuticos Vick’s,
transferida mais recentemente para a multinacional Proctor and Gamble. Sobre esta
última, também grande vendedora de artigos de saúde e cuidado pessoal para o
consumidor final, carta287 de Paul Weyrich para Ronald Reagan urgia que este
285
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Presidential
Electronic Mail from the Automated Records Management System (ARMS), 1/20/1993 - 1/20/2001.
[02/04/1994 – 02/22/1994]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/122241930>. Acesso em: 14
out. 2020.
286
Em discurso em que apresentou o projeto ao Congresso, Clinton alegou que uma das virtudes de seu
plano seria “reverter a situação atual na qual predominam os interesses das grandes corporações”. Buscava-
se, ao contrário, travar “alianças estratégicas de saúde com pequenas empresas, na negociação coletiva do
custos dos planos de saúde, da definição dos níveis de qualidade e no acompanhamento da satisfação dos
consumidores” (MARQUES e POSSAS, 1994, p. 45).
287
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Coalitions for
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230
293
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May 5 1995]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/17615875>. Acesso em: 14 out. 2020.
294
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Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 - 1994. [White House News Reports –
April 27 1995]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/17615869>. Acesso em: 14 out. 2020.
231
apenas delírios sem qualquer conexão com a agenda política da sua Christian Coalition.
Exemplo de como o discurso de ódio e a campanha de desinformação empreendida pela
CC e seus membros conecta-se a imperativos políticos e econômicos imediatos, observo
que no dia 18 de fevereiro de 2003, portanto pouco mais de um mês antes da invasão do
Iraque, desejada pelas indústrias armamentista, petrolífera, empreiteira e tantas outras e
posta em prática por George W. Bush, a Coalition realizava na capital norte-americana
conferência onde debatia as formas através das quais “o terrorismo é endossado pelo
alcorão”295. Foi dito ali pelo intelectual cristão árabe Habib Mikhail, por exemplo, que o
conflito Palestina-Israel não passaria de um pretexto para terroristas islâmicos atacarem
os Estados Unidos, o que fariam de qualquer forma e continuariam fazendo na ausência
de uma solução de “longo prazo”, uma vez que já haviam “atacado outros nos séculos
passados de maneira idêntica e sem esta desculpa”.
4.3.3 – Focus on the Family (Foco na Família) e Family Research Council (Conselho
de Pesquisa da Família)
295
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
508641 [2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578936>. Acesso em: 15 out. 2020.
296
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Public Liaison (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. Focus on the Family
Visit (Wednesday, 05/28/2003). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82579144>. Acesso em:
16 out. 2020.
232
Sua intimidade com o mundo partidário é ilustrada por entrevistas televisivas com
Ronald Reagan, em 1985, George Bush, em 1992, e pelo documento com o qual abro esta
seção: proposta de agenda redigida por Rove em março de 2003 aconselhando que o
presidente aceitasse o convite de Dobson para gravar um bate-papo, segundo a carta de
Dobson anexa, sobre “importantes questões relativas à família”. Lembrava o cristão
fundamentalista da visita, onze anos passados, do pai do atual presidente à sede da sua
organização, quando “juntou-se a mim atrás do microfone para uma conversa”. Tal como
o faz a Christian Coalition, também amistosa com governos republicanos, as ações
partidárias de Dobson destacam-se pela defesa virulenta do mesmo programa moralista
nos costumes e liberalizante na economia. Tem em sua conta, por exemplo, o apoio a
candidatos que pedem pena de morte para profissionais que fornecem serviços abortivos,
a comparação da pesquisa com células tronco com “canibalismo bancado pelo Estado” e
apelos para que os pais retirem seus filhos das escolas públicas (HEDGES, 2006, p. 85).
Seus elos com a administração formal dos Estados Unidos são duradouros, como
o próprio Dobson fez questão de notar em minibiografia disponível em 2003 na página
eletrônica oficial da FOTF297, acumulada na biblioteca presidencial de George W. Bush.
Ali vemos que o religioso recebeu “comenda especial” de Jimmy Carter em 1980 por sua
participação no grupo de trabalho que sumariou os resultados de uma Conferência sobre
a Família realizada pela Casa Branca; que foi nomeado por Ronald Reagan para a
Comissão Consultiva Nacional do Escritório de Justiça Juvenil e Delinquência do
Departamento de Justiça (1982-1984); atuou como conselheiro extraoficial sobre
assuntos familiares de Reagan entre 1984 e 1987; participou de comitê para o plano de
reforma tributária de Reagan; foi membro da Comissão sobre a Pornografia do procurador
geral Edwin Meese (1985-1986); do Conselho Consultivo sobre Crianças Desaparecidas
e Exploradas e sobre Gravidez e Prevenção do Departamento de Saúde e Serviços
Humanos; e das comissões do Senado sobre Bem-Estar da Criança e da Família (1994) e
para o Estudo do Impacto Nacional dos Jogos de Azar (1996).
O interesse político da organização de Dobson manifesta-se, também, através da
associação Family Research Council, “braço lobista” (HEDGES, 2006, p. 138) da Focus
on the Family. Lançado em 1983, o FRC foi idealizado durante o mencionado ciclo de
conferências sobre a família patrocinado pela Casa Branca três anos antes. Uniram-se na
297
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
691460. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82579082>. Acesso em: 19 out. 2020.
233
298
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
02/28/2003 [539668]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578892>. Acesso em: 16 out.
2020.
299
601804 [2]. National Archives and Records Administration - NARA. Coleção Records of the White
House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578996>. Acesso em 16 out. 2020.
234
300
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
600826 [1]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578990>. Acesso em: 19 out. 2020.
301
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
508642 [2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578940>. Acesso em: 20 out. 2020.
235
Já para o plano interno, a plataforma política sustentada pelo FOTF e pelo FRC
não difere daquela das organizações vistas anteriormente: por um lado aprofundamento
da desregulação do mercado e por outro a oferta de soluções moralizantes e religiosas
para variados problemas sociais. Não surpreende, portanto, que perfil302 do deputado Don
Sundquist, publicado pelo Congresso norte-americano em 1993, notasse que ele, um
“voto conservador nas questões econômicas e sociais”, acumulava 100% de aprovação
tanto por parte do Family Research Council como de organizações mais estritamente
dedicadas à esfera dos interesses empresariais, como a Câmara de Comércio dos Estados
Unidos, a National Federation of Independent Business303 e a National Rifle Association.
Ao mesmo tempo, o FRC somava-se, por exemplo, ao esforço de demonização dos
homossexuais, denunciado em nota de 1998 publicada pela organização sem fins
lucrativos de tons relativamente progressistas People for the American Way. Dizia o texto
que a campanha começara a ganhar fôlego no ano anterior, rosnando em uníssono os
líderes fundamentalistas de vários órgãos que abordamos nesta seção palavras de
“intolerância contra gays e lésbicas”304. Pat Robertson (Christian Coalition), Gary Bauer
(Family Research Council) e Jerry Falwell (Moral Majority) teriam, a partir de suas
igrejas e estruturas midiáticas eletrônicas, espalhado “a mensagem venenosa de que o
ódio aos gays e lésbicas é não apenas aceitável, mas requerido do povo de “Deus”’. Por
sua vez, a vice-presidente do FRC em princípios dos anos 1990, Kay James, que tal como
Dobson acumula extenso currículo de participação na máquina administrativa oficial
norte-americana, tendo sido secretária de Saúde e Recursos Humanos do governo da
Virginia e diretora associada da Secretaria de Controle Nacional de Drogas da Casa
Branca sob George Bush (o pai), argumentava que o melhor funcionamento da
democracia norte-americana dependeria da maior participação dos cristãos na vida
pública305.
Semelhantemente às suas organizações irmãs, o FRC também se prestou ao
embate com o sistema público de educação. Em fevereiro de 1995, conta o Washington
302
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 - 1994. Sundquist, Don (R-TN).
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26055703>. Acesso em: 19 out. 2020.
303
Um dos temas que mais preocupam essa organização é a “desnecessária regulação” estatal, um fardo
sobretudo para os pequenos negociantes (REGULATIONS, [s.d.].
304
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Tape Restoration
Project (TRP) Emails, 1/20/1993 - 1/20/1993. [07/06/1998 – 07/29/1998]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/122242188>. Acesso em: 19 out. 2020.
305
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Domestic Policy Council (Clinton Administration), ca. 1992 - 1/20/2001. PBS Town Hall. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/158701604>. Acesso em: 19 out. 2020.
236
Times306 que o órgão cristão sabotava a reforma do currículo nacional para o ensino da
História preparada pela Universidade da Califórnia. Inserido numa mais ampla campanha
cultural na qual toda a direita cristã se engaja, o FRC lançou um conjunto de propostas
alternativas para embasar o ensino da disciplina intitulado “Let Freedom Ring: A Basic
Outline of American History” (Deixe a Liberdade Soar: um Enfoque Básico da História
Norte-Americana). Argumentava-se que o projeto da Universidade da Califórnia seguiria
um padrão há muito repetido pelo ensino da História, “tendente a ampliar as falhas da
América e diminuir suas realizações”. Exalando anticomunismo e apologias a
personagens conservadores, as propostas revisionistas da FRC pretendiam, por exemplo,
substituir a ênfase dos livros didáticos em temas e pessoas como “avanços espaciais
soviéticos”, “McCartismo”, a série de televisão “Murphy Brown”, “Madonna”, “Os
Simpsons” e as “realizações astecas” por “pouso lunar dos Estados Unidos”, “agressão
soviética na Europa”, o reverendo fundamentalista “Billy Graham”, o “general Colin
Powell”, “Thomas Edison” e o exílio do dissidente soviético “Alexander Solzhenitsyn”.
Resta dizer que a parceria entre a administração formal norte-americana, o FRC e
a FOTF, dentro e fora do seu espaço geográfico, mais uma vez ilustra perfeitamente um
dos pressupostos centrais deste trabalho. Refiro-me ao fato de que tais organizações, aos
olhos do senso comum situadas no plano da sociedade civil, portanto separadas do Estado,
na prática são uma extensão sua, formando, junto à aparelhagem burocrática oficial, o
Estado Ampliado mencionado na Parte I. Seriam elas, dessa forma, não apenas braços
executores de uma política concebida por políticos eleitos, mas também seus coautores.
306
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 – 1994. [White House News Reports –
February 21 1995]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/17615821>. Acesso em: 19 out. 2020.
237
307
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. The Summer Institute of
Linguistics Might Seem to Be an Unlikely Target of Suspicions of CIA Involvement. Document Number
(FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP99-00498R000200020098-4. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp99-00498r000200020098-4>. Acesso em: 28 out.
2020.
238
308
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Missionaries with a Mission?
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90-00552R000605830018-2. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90-00552r000605830018-2>. Acesso em: 20 out.
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Missionary Group. Canonical ID: 1973CANBER02655_b. Disponível em: <https://
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310
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Acesso em: 21 out. 2020.
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Summer Institute for Linguistics Operation. Canonical ID: 1975BOGOTA09904_b. Disponível em:
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Summer Institute of Linguistics Draws Criticism. WikiLeaks. Canonical ID: 1975BOGOTA06132_b.
Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1975BOGOTA06132_b.html>. Acesso em 21 out.
2020.
241
313
Summer Institute of Linguistics (SIL). WikiLeaks. Canonical ID: 1978BOGOTA10058_d. Disponível
em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1978BOGOTA10058_d.html>. Acesso em 21 out. 2020.
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WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Attack in Panama Press on Summer Institute of
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WikiLeaks.org/plusd/cables/1975PANAMA06140_b.html>. Acesso em: 21 out. 2020.
315
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Attacks on SIL Continue. Canonical ID:
1975LIMA10435_b. Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1975LIMA10435_b.html>.
Acesso em: 22 out. 2020.
242
316
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Anti-SIL Campaign and the Church. Canonical ID:
1976LIMA00216_b. Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1976LIMA00216_b.html>.
Acesso em: 22 out. 2020.
317
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Reaction of SIL Friends to Contract Termination.
Canonical ID: 1976LIMA03895_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1976LIMA03895_b.html>. Acesso em: 22 out. 2020.
243
Lema, membro da etnia Otavalo e líder da Modelinde, uma destas novas organizações,
ter sido educado nos Estados Unidos. O debate público em torno das suspeitas atividades
do Summer Institute no país, e da possibilidade de elas serem desempenhadas pelos
próprios equatorianos, permaneceria na ordem do dia pelos próximos anos, até que o
governo decidiria pela expulsão do Summer Institute em 1982. As queixas contra os
missionários, entretanto, prosseguiriam até muito depois da sua partida, pois, em junho
de 1990, ação318 movida pela Confederación de Nacionalidades Indigenas de la Amazonia
Ecuatoriana (CONFENIAE) contra o governo equatoriano, na Comissão Interamericana
de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, trazia novas informações
sobre as atividades do SIL e seu provável conluio com o setor empresarial. A demanda
referia-se aos danos causadas por corporações petrolíferas norte-americanas, como a
Texaco, ao território amazônico do país, denominado Oriente, lar de diversas etnias
nativas. No texto que a embasava, é relatado que o Summer Institute agira nas décadas de
1960 e 1970 para confinar o povo Huaorani em minúsculos assentamentos, assim
despovoando áreas ricas em petróleo e facilitando a instalação de empresas que teriam
inclusive cooperado na “redução e realocação destas comunidades”.
O México foi outro lugar onde o Summer Institute teve o seu contrato com o
governo cancelado, ainda que não tenha sido expulso do país onde fixara-se em 1935.
Tudo começou com a publicação, por um grupo de 23 antropólogos, de uma carta-
denúncia em outubro de 1978 acusando a organização de ser uma “agência
pseudocientífica ligada à CIA”319, de promover “campanhas de doutrinação com a
distribuição de bíblias” e de explorar povos nativos através do tráfico de produtos do seu
trabalho. Pouco depois, o diretor do SIL, John Alsop, apareceu na imprensa defendendo-
se das acusações. Refutando o vínculo com a CIA, Alsop não negou, contudo, a
distribuição de bíblias aos nativos, o que fazia apenas para “satisfazer a necessidade dos
povos indígenas de uma ideologia”320, conforme registrado por telegrama do embaixador
Joseph J. Jova ao secretário de Estado Henry Kissinger. Ainda segundo a diplomacia
estadunidense, no final dos anos 1970 a organização mantinha “várias centenas de
318
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Ecuador – Texaco Suits
Climate [3]. Coleção Records of the Council on Environmental Quality (Clinton Administration), 1993 -
2001. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/134759472>. Acesso em: 23 out. 2020.
319
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Summer Institute of Linguistics. Canonical ID:
1975MEXICO09131_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975MEXICO09131_b.html>. Acesso em: 22 out. 2020.
320
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Summer Institute of Linguistics. Canonical ID:
1975MEXICO05045_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975MEXICO05045_b.html>. Acesso em: 22 out. 2020.
244
321
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Post Reports on American Communities. WikiLeaks.
Canonical ID: 1979MEXICO06033_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979MEXICO06033_e.html>. Acesso em: 22 out. 2020.
322
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. The Summer Institute of Linguistics Come Under
Investigation in Mexico. Canonical ID: 1979MEXICO12907_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979MEXICO12907_e.html>. Acesso em: 22 out. 2020.
323
Uma curiosidade sobre o telegrama redigido pelo diplomata Robert C. Perry: além de enviado para o
Departamento de Estado, ele seguiu para a embaixada norte-americana no Brasil, onde o Summer Institute
também encontrava problemas na mesma época, fato que abordarei na Parte III.
324
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Indian Leaders Asked the
Government Thursday to Expel the U.S.-Based Summer Institute of Linguistics from Southern Mexico.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90-00806R000201050003-0. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90-00806r000201050003-0>. Acesso em: 23 out.
2020.
245
parece que o Executivo mexicano fez ouvidos moucos, pois o SIL continua operando por
ali, mesmo que não mais conveniado.
A polêmica em torno do Summer Institute não se confinou às Américas. Presente
nos cinco continentes, ele se viu também no meio do conflito entre os Estados Unidos e
a República Democrática do Vietnã. Em 24 de março de 1975, portanto pouco mais de
um mês antes da vitória do Vietnã do Norte, a embaixada estadunidense na Cidade de Ho
Chi Minh procurava negociar o retorno de cidadãos detidos na estratégica cidade de Buon
Ma Thuot, que durante a guerra servira de base para as operações do exército invasor.
Coube a um “capitão To”325 responder a demanda norte-americana, informando que caso
os presos fossem, de fato, quem afirmavam, teriam o tratamento de qualquer outro
estrangeiro, mas se estivessem escondendo algo seriam “tratados de acordo”. Acrescentou
o oficial estar “muito cético” com relação à autenticidade de um certo John D. Miller do
Summer Institute of Linguistics. Além de Miller, sua mulher Carolyn e filha Lucille,
outros prisioneiros cuja soltura era negociada foram dois religiosos da Christian and
Missionary Alliance, que veremos no próximo tópico, um funcionário da United States
Agency for International Development - USAID, um bolsista que desenvolvia atividades
linguísticas para a Fundação Ford e a esposa de um funcionário da empresa Federal
Electric Company, que na década de 1970 prestava serviços de comunicação para o
exército estadunidense. Se levarmos em conta o que foi dito anteriormente sobre a
importância da USAID na estruturação de uma guerra de propaganda baseada também na
religião, ao lado do que escreve a socióloga Sara Diamonds em obra que também pretende
esmiuçar a militância política internacional de organizações religiosas norte-americanas,
não parece coincidência a prisão de um membro desta agência junto com o missionário
do SIL. Diamonds (1990, p. 219) acusa o Summer Institute de auxiliar a CIA no
treinamento de nativos para o combate às forças do Vietnã do Norte, os alfabetizando
para que compreendessem instruções escritas de combate e fornecendo informações
etnográficas ao serviço de inteligência. Para tanto, o SIL teria contado com auxílio
financeiro da USAID. Miller, todavia, permaneceu pouco tempo prisioneiro, liberto em
outubro de 1975. Na página eletrônica do SIL International verifica-se que em 1980 ele
já desenvolvia trabalhos linguísticos na Malásia (LINGUISTIC Research in Sabah by the
Summer Institute of Linguistics, [s.d.]).
325
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Request for Assistance Concerning US Citizens.
Canonical ID: 1975SAIGON03383_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975SAIGON03383_b.html>. Acesso em: 23 out. 2020.
246
326
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of the Department of State, 1763 - 2002. October 12 -20, 1905. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/153675878>. Acesso em: 27 out. 2020.
327
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção General Records
of the Department of State, 1763 - 2002. Volume 4: Special Missions: Oct. 15, 1886 - June 20, 1906.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/152649210>. Acesso em: 27 out. 2020.
247
328
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção General Records
of the Department of State, 1763 - 2002. May 31, 1906. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/153698529>. Acesso em: 27 out. 2020.
329
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to (Sanitized) from L. K.
White. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP78-03097A000200040114-5. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp78-03097a000200040114-5>. Acesso em: 27
out. 2020.
248
330
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Hearings before the Subcomitee
to Investigate the Administration of the Internal Security Act and Other Internal Security Laws of the
Comittee on the Judiciary United States Senate. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
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rdp64b00346r000500030098-1>. Acesso em: 22 set. 2020.
331
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Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200080046-7. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200080046-7>. Acesso em: 05
out. 2020.
249
Talvez fosse esse o trabalho dos missionários da Alliance presos em 1975 no Laos
e no Vietnã junto com outros norte-americanos, entre eles um membro do Summer
Institute of Linguistics. Mas a interrupção das atividades da Alliance em ambos os países
também pode ter tido a ver com a sua possível colaboração com a CIA durante a guerra
que consumiu a Península Indochinesa nas duas décadas precedentes. Esta era a opinião
ventilada em manifestações públicas no Laos que em maio de 1975 pediam, a exemplo
do que acontecera com a World Vision, a expulsão da Christian and Missionary Alliance,
acusada de ser “ferramenta da CIA”332. A Alliance, contudo, não se renderia facilmente
e, ao que parece, seu trabalho de base acabou apresentando resultados também no Vietnã,
pois, em dezembro de 2004, a representação diplomática norte-americana em Hanói
relatava333 a realização do primeiro congresso nacional da Evangelical Church of
Vietnam, filiada à Christian and Missionary Alliance.
332
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. World Vision Terminates Activities in Laos; Other
VOLAGS Come under Pressure. Canonical ID: 1975VIENTI03469_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975VIENTI03469_b.html>. Acesso em: 27 out. 2020.
333
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Northern Protestant Church Holds Long Awaited
Congress. WikiLeaks. Canonical ID: 04HANOI3257_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/04HANOI3257_a.html>. Acesso em: 27 out. 2020.
250
disseminando ideias anticomunistas, em 1982 envia uma missão clandestina para a União
Soviética, fato que segundo suas palavras “destaca um influxo de atividades pregadoras
camufladas na Europa Oriental, que se acelera abertamente após a queda da Cortina de
Ferro” (1980 – 1989, [s.d.]).
Ainda nesta década, segundo matéria originalmente publicada na North American
Congress on Latin America - NACLA e assinada por Debora Huntington, reproduzida pela
publicação brasileira Cadernos do Terceiro Mundo de agosto de 1984, armazenada nos
arquivos do Serviço Nacional de Informações brasileiro, a Crusade envolveu-se no amplo
esforço anticomunista estadunidense na América Central. O fez por via de milionárias
campanhas de propaganda que buscavam cooptar setores da classe trabalhadora. Para
tanto, contou a organização de Bill Bright com generosas ajudas de capitalistas
conterrâneos, como o dirigente do Council for National Policy, Nelson Bunker Hunt, que
investira dez milhões de dólares entre 1978 e 1979 na campanha Esta é a Vida, tendo
sacado outros cinco milhões para a feitura do filme Jesus e remetido mais vinte milhões
recolhidos de amigos. Outras contribuições “de quatro a cinco dígitos”334 vieram do grupo
hoteleiro Holiday Inn, cujo presidente Bill Walton, conforme vimos, esteve na reunião de
1971 com Henry Kissinger; da Adolph Coors, envolvida também no Council for National
Policy; da Mobil; da Coca-Cola; da Pepsico e de um ex-presidente da McDonnel Douglas
Aircraft.
Em 1992 a organização se une a outras do mesmo feitio para um esforço
coordenado de invasão religiosa das recém-abertas ex-repúblicas soviéticas denominado
“CoMission” (1990 – 1999, [s.d.]). Já consolidada mundialmente, a CCC realiza em 1997
sua primeira conferência mundial, trazendo representantes de 171 países. Atualmente, a
organização opera em mais de 5300 campus universitários em todo o mundo.
Como mostrei, o chefe da CCC, Bill Bright, teve ligações com o Estado norte-
americano desde pelo menos 1971, quando é convidado por Henry Kissinger para reunião
que discutiu a presença norte-americana na Ásia, travando ainda contatos frequentes com
Ronald Reagan. Também George W. Bush desfrutou do apoio entusiasmado do reverendo
e sua organização que, a exemplo de outras entidades cristãs conservadoras, sustentou seu
governo economicamente ultraliberal, belicista e conservador no âmbito dos costumes. A
334
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seminario sobre Sindicalismo, Realizado
na Sede do Jornal Hora Extra, em Volta Redonda RJ. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.86055420. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86055420/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86055420_an_01_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2021.
251
adesão da CCC é expressa em carta de Bright a Bush em nove de maio de 2003. Escrita
menos de um mês após a invasão do Iraque, o documento rasgava elogios ao
“INCRÍVEL”335 (em caixa alta no original) mandatário que, acreditava o reverendo, seria
usado por Deus para “desempenhar um papel de destaque” no cumprimento da “Grande
Comissão”, ou seja, levar o evangelho cristão para o resto do mundo.
335
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
565237 [1]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/119650881>. Acesso em: 29 nov. 2020.
336
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Regional Development in
Southern Venezuela: the planners have some problems. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP84-00825R000300200001-8. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp84-00825r000300200001-8>. Acesso em: 01 nov. 2020.
252
337
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Instituto Sobre Religião e Democracia,
IRD. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.84010468. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/84010468/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_84010468_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2020.
255
combater, com estudos e publicações, tanto no plano interno como externo, uma suposta
crise moral e cultural, aberta pelos agentes da contracultura, ou seja, setores progressistas
dentro e fora das igrejas. Para tanto, seria indispensável controlar as instituições
religiosas, instância privilegiada para disputar consciências, dali expulsando os
partidários da Teologia da Libertação e seus simpatizantes, como os reunidos na
organização ecumênica Conselho Mundial de Igrejas - CMI.
De maneira coerente com o que foi dito, vimos que o Institute se envolveu no
Grupo de Trabalho para Assistência da América Central, organizado pelo governo
Reagan em 1983 para a abordagem de questões políticas e ideológicas daquela região que
afetassem os interesses geopolíticos norte-americanos, como por exemplo a repressão ao
cristianismo fundamentalista pelo governo sandinista. Durante os trabalhos do grupo, a
coordenadora e assessora de Reagan, Faith Whittlesey, chegou a distribuir para os
presentes publicação338 do Institute com entrevista de Miguel Bolanos Hunter, suposto
agente do governo sandinista que teria sabotado o pronunciamento do Papa João Paulo II
em Manágua em 1983, interrompido por gritos de “entre cristianismo e revolução não há
contradição”, além de ter recrutado sacerdotes para o regime. Assistimos também a um
dos seus mais notórios membros, o teólogo metodista Thomas C. Oden, manter contato
em 1981 com a organização anticomunista CAUSA International, bancada pela Igreja da
Unificação. Autor de dezenas de livros, Oden rebatia a teologia liberal e progressista
pregando, ao contrário, que o cristianismo atual deveria tomar inspiração da igreja da
Antiguidade em seus preceitos mais amplamente aceitos pela maioria das maiores igrejas
atuais. Outro quadro de peso do Institute foi o intelectual católico Michael Novak, como
veremos na Parte III, influente entre os conservadores religiosos brasileiros.
5 - Conclusão
338
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Chief of Staff (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. [Religious Groups].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/118568818>. Acesso em: 29 nov. 2020.
256
CAPÍTULO 5
O Departamento de Estado e os usos políticos da “liberdade religiosa”
1 - Introdução
339
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Christian MP Complains about USG Religious
Freedom Policy in Jordan, the Middle East. Canonical ID: 03AMMAN5330_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/03AMMAN5330_a.html>. Acesso em: 06 fev. 2020.
340
A coleção Biblioteca Pública da Diplomacia Norte-americana (Public Library of US Diplomacy) é
formada por documentos provenientes de cinco vazamentos, The Kissinger Cables, The Carter Cables, The
Carter Cables 2, The Carter Cables 3 e Cablegate, apenas o último contém papéis produzidos no século
XXI, entre 2003 e 2010, os primeiros quatro situam-se entre 1973 e 1979. Por essa razão minha pesquisa
na plataforma WikiLeaks se concentra na década de 1970.
341
Hungria, Romênia, Alemanha Oriental, Albânia, Bulgária, Tchecoslováquia e Polônia.
342
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. John Paul II: 25 Year Champion of Human Dignity.
Canonical ID: 03VATICAN4751_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/03VATICAN4751_a.html>. Acesso em: 06 fev. 2020.
259
a mudança, resistência e liberdade, que, juntamente com os esforços dos Estados Unidos
para opor-se ao comunismo, expôs o vazio do sistema comunista e acelerou a sua morte”.
O documento também aborda a visita do Papa ao Chile de Pinochet em 1987, quando
Wojtyla se furtou a fazer semelhantes admoestações, tão celebradas no texto de
Nicholson, às realizadas em suas visitas à socialista Polônia, onde “exigiu liberdade para
a igreja e afirmou o direito de organização dos trabalhadores” e “censurou o primeiro-
ministro pelos abusos dos direitos humanos em seu regime”. Apesar disso, e do fato de
ter sido amplamente usada como propaganda pelo regime de Pinochet, a passagem pelo
Chile é reinterpretada pelo embaixador como mais um capítulo na cruzada de João Paulo
II em prol da liberdade. Diz ele que o “aparente abraço do regime Pinochet” “na verdade
fortaleceu os esforços da Igreja local pelos direitos humanos e levou, 18 meses depois da
visita papal, ao processo de reconstrução da sociedade civil chilena, um plebiscito
nacional para abandonar o governo militar e restaurar a democracia”.
Recorrente nos textos diplomáticos norte-americanos, a retórica alicerçada no
dualismo “liberdade religiosa” versus comunismo, tônica também das discussões
ocorridas nos fóruns político-religiosos abordados no capítulo 2, surge nesses papéis
reproduzida pelas próprias organizações religiosas daquele país ativas por todo o mundo.
Assim, em relatório emitido pela embaixada da capital venezuelana em dezembro de
1978, informando o Departamento de Estado sobre ação legal movida por um grupo de
professores universitários contra missionários343 na Amazônia, os religiosos defendem-
se qualificando o processo como “uma tentativa marxista de restringir a liberdade
religiosa”344. Os antropólogos e etnólogos venezuelanos acusavam os estrangeiros de
“paternalismo e de evangelização forçada”, de “manter 15 aeroportos fora do controle
estatal” e de controlarem “estações de rádio com emissões em inglês”, pedindo a sua
repatriação para proteger os silvícolas “da extinção e dominação cultural”.
A elasticidade do conceito de “liberdade” é, portanto, um importante componente
de uma retórica institucionalizada e compartilhada por uma espécie de coalizão político-
ideológica mundial que envolve o Estado norte-americano, grupos religiosos
estadunidenses e suas filiais por todo o planeta. Outro exemplo de como essa elasticidade
é manejada até o seu limite por organizações religiosas, dessa vez partidariamente
343
O documento não revela a qual igreja ou organização missionarista eles se ligavam, referidos apenas
como “US missionaries” (missionários dos Estados Unidos).
344
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Venezuelan Press Adding to Controversy over U.S.
Missionaries Work with Indians in Interior. Canonical ID: 1978CARACA12017_d. Disponível em:
<https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1978CARACA12017_d.html>. Acesso em: 06 fev. 2020.
260
345
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Slovakia Political Roundup July 19, 2004. Canonical
ID: 04BRATISLAVA684_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/04BRATISLAVA684_a.html>. Acesso em: 07 fev. 2020.
346
A AIS é uma fundação do Vaticano, aberta em 1947, que se define como uma “instituição de caridade
católica internacional de Direito Pontifício que apoia fiéis Católicos e outros Cristãos onde eles são
perseguidos, oprimidos ou onde têm necessidades pastorais” (SOBRE nós. [2016?]).
347
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Siad's Visit to Saudi Arabia. Canonical ID:
1979MOGADI02427_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979MOGADI02427_e.html>. Acesso em: 07 fev. 2020.
261
348
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Partners for Progress - Working with Vatican
Development Agencies. Canonical ID: 03VATICAN283_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/03VATICAN283_a.html>. Acesso em: 07 fev. 2020.
349
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Tanzania's Religious Landscape. Canonical ID:
09DARESSALAAM73_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/09DARESSALAAM73_a.html>. Acesso em: 08 fev. 2020.
262
deles com diferentes datações mas outros diferindo apenas o destinatário. Muitos desses
não são documentos eletrônicos, estando disponíveis apenas os seus metadados,
impossível portanto ler o seu teor para verificar diferenças entre eles. Diante desse quadro,
opto por contabilizar como documentos diferentes aqueles que, mesmo com os mesmos
títulos, estão datados diferente e/ou destinam-se a pessoas e/ou órgãos distintos.
Sobre tais problemas, cabe ainda uma nota sobre a proveniência dos documentos
disponibilizados pela WikiLeaks. Referindo-se apenas à década de 1970, grande parte
deles compõe o conjunto documental chamado “Kissinger Cables” (Telegramas de
Kissinger), liberados pelo Departamento de Estado norte-americano, conjuntamente com
o órgão arquivístico máximo do Executivo daquele país, o National Archives and Records
Administration - NARA. Segundo a lei norte-americana, tais documentos precisam ser
avaliados por esses dois órgãos e liberados ainda que parcialmente para o público a cada
264
25 anos. No entanto, nota a WikiLeaks, este processo está mais de uma década atrasado,
razão pela qual tais documentos têm como data limite o ano de 1976, ainda que esta
pesquisa mencione documentos posteriores, provenientes do conjunto de vazamentos
intitulado “Cablegate” que também compõe a Biblioteca Pública da Diplomacia Norte-
americana (Public Library of US Diplomacy). Outro fator limitador na ferramenta
WikiLeaks consiste no já mencionado fato de muitos desses papéis não estarem legíveis,
tendo apenas alguns de seus metadados, como título, ano de produção, remetente e
destinatário(s) disponíveis. Isso acontece, novamente segundo a WikiLeaks, pois
“dezenas de milhares de documentos foram irreversivelmente corrompidos nesse período
em função de problemas técnicos na transferência destes papéis durante a atualização de
sistemas de computador, ou é o que o Departamento de Estado alega” (THE WikiLeaks
Public Library of US Diplomacy , [2013?]).
Vejamos agora de perto o que a documentação fala sobre alguns dos países mais
mencionados.
Maior rival político e econômico dos Estados Unidos por quase toda a segunda
metade do século XX, não é certamente por coincidência o interesse obsessivo da
diplomacia norte-americana nas questões relacionadas à liberdade religiosa, ou mais
precisamente a falta dela, na União Soviética. Não obstante, os Estados Unidos tinham
ao seu lado um poderoso aliado nas reivindicações desproporcionais, relativamente a
outros países com semelhantes ou mesmo mais graves restrições, direcionadas ao Estado
comunista: a Declaração Universal dos Direitos do Homem, emitida pelas Nações Unidas
em 1948 porém nunca assinada pela União Soviética, e o acordo de Helsinque (1975),
este sim ratificado pela URSS. Paralelamente, René Dreifuss (1986, p. 85) nota que ao
longo dos anos 1970 uma das principais organizações idealizadoras da política externa
norte-americana, o Council on Foreign Relations, delineara plano para a década de 1980
que previa uma “campanha internacional em prol dos “direitos humanos”’ a fim de
possibilitar que o país se apresentasse como régua moral planetária. Essa etapa da Guerra
Fria, onde questões como a liberdade religiosa passam a contar no embate entre as duas
potências, parece remeter-se, portanto, a esse projeto.
265
350
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. 33rd UNGA -- Third Commitee: Elimination of All
Forms of Religious Intolerance. Canonical ID: 1978STATE259236_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978STATE259236_d.html>. Acesso em: 11 fev. 2020.
351
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Soviet Dissent and its
Repression since the 1975 Helsinki Accords. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP86T00591R000300330003-3. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp86t00591r000300330003-3>. Acesso em: 07 nov. 2020.
352
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. CODEL Wolff Press Conference in Moscow August
22. Canonical ID: 1979MOSCOW20970_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979MOSCOW20970_e.html>. Acesso em: 11 fev. 2020.
266
também que “falsas declarações têm distorcido fatos sobre os direitos humanos,
particularmente sobre as liberdades religiosas, na URSS”. Não fazendo-se de rogado, o
delegado Long353 comentou que um dos êxitos das conversações foi transmitir “a enorme
importância que devemos atribuir ao problema dos direitos humanos, particularmente à
liberdade de inúmeros grupos religiosos, protestantes, pentecostais, católicos e judeus de
praticar sua religião e de imigrar caso eles o escolham”. Admitindo a pressão imposta aos
soviéticos, o congressista conclui também ter sucedido em deixar claro “que este era um
grande impedimento no caminho de uma distensão real entre nossos países”. O
congressista Bowen354, por sua vez, relatou ter ouvido que as opiniões expressas sobre o
estado corrente das liberdades de religião e de imigração eram “um assunto interno que
não deveria nos preocupar”, respondendo que a questão não poderia ser ignorada, sendo
os Estados Unidos um país “onde a opinião pública é grandemente impulsionada e
moldada por problemas como a maneira que a União Soviética lida com os problemas da
liberdade religiosa e o direito de imigração”.
O Estado norte-americano sem a menor dúvida estava ciente do grande poder da
questão religiosa em causar transtornos ao rival. Telegrama produzido pela embaixada de
Moscou em janeiro de 1978, e direcionado a outras embaixadas, à OTAN e ao
Departamento de Estado, intitulado “Dissidência Soviética: reflexões sobre os prospectos
futuros”355, além de comprovar que grupos dissidentes eram monitorados de perto pelo
governo estadunidense, sublinhava a “capacidade de embaraçar internacionalmente o
regime” por seu “potencial de provocar reações que poderiam causar significativas
repercussões na política internacional”. Tais grupos eram também formados por
dissidentes religiosos, e sobre estes o documento registra que “pentecostais do extremo
leste, batistas e católicos lituanos começaram a articular mais efetivamente suas
demandas no último ano”. Completavam a coligação ativistas militantes dos direitos
humanos e judeus impedidos de imigrar para Israel, todos vistos por membros da cúpula
soviética como impulsionados por “elementos reacionários do ocidente e serviços de
inteligência em seus esforços para minar tanto o processo de distensão como a sociedade
soviética”, impressão rotulada pelo vice embaixador, Jack F. Matlock Jr., como “teoria
da conspiração”. Mais reveladora, contudo, é a avaliação de que tais grupos mantinham
353
Provavelmente o senador Democrata Russell B. Long.
354
Ao que parece o deputado Democrata David Reece Bowen.
355
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Soviet Dissidence: Thoughts on Future Prospects.
WikiLeaks. Canonical ID: 1978MOSCOW00287_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978MOSCOW00287_d.html>. Acesso em: 11 fev. 2020.
267
356
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Leader of Seventh-Day Adventist Church Praises
Freedom. Canonical ID: 1977LILONG02085_c. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1977LILONG02085_c.html>. Acesso em: 05 mar. 2020.
357
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Human Rights Action Plan. Canonical ID:
1978LILONG00080_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978LILONG00080_d.html>. Acesso em: 06 mar. 2020.
269
De todo modo, o embaixador oferece ao seu governo um plano para lidar com a
questão, que expressa de forma patente a principal preocupação norte-americana com os
direitos humanos: os obstáculos que o autoritarismo de Banda ofereciam à influência local
dos Estados Unidos. Assim, alguns dos objetivos de curto prazo propostos por Stevenson
são reduzir a violência contra os Testemunhas de Jeová, que interlocutores norte-
americanos e atrações culturais ganhem maior aceitação e que essa maior influência seja
usada para “encorajar a readmissão de ex-presos políticos com ênfase especial naqueles
que receberam treinamento sob os auspícios dos Estados Unidos”. Já para o médio prazo,
o embaixador pretendia estimular maiores liberdades de expressão e de imprensa, uma
“menos restritiva censura das publicações oficiais dos Estados Unidos e seus filmes; e um
acesso facilitado a estudantes e funcionários públicos”. Já no longo prazo, almejava-se
derrubar a lei que baniu os Testemunhas de Jeová assim como uma maior liberalização
política do regime.
358
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Alliance East-West Study: Italian Contribution on
Religion. Canonical ID: 1977NATO09220_c. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1977NATO09220_c.html>. Acesso em: 07 mar. de 2020.
271
359
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. NATO Assessment Series Contribution Pass Following
Via the NATO-Wide Communications System. Canonical ID: 1978STATE195038_d. Disponível em:
<https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1978STATE195038_d.html>. Acesso em: 11 mar. 2020.
360
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Human Rights: Country Action Plans. Canonical ID:
1977STATE127478_c. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1977STATE127478_c.html>. Acesso em: 09 mar. 2020.
272
361
Segundo consta na página da própria Radio Free Europe, a organização foi fundada em 1950,
“Estabelecida no princípio da Guerra Fria para transmitir notícias não censuradas e informação a audiências
atrás da Cortina de Ferro” e “desempenhando um papel significativo no colapso do comunismo”.
Financiada por órgãos governamentais como o Congresso norte-americano e a Central Intelligence Agency
- CIA, e posteriormente também por empresas privadas, os países incialmente cobertos pela rádio eram
Bulgária, Checoslováquia, Hungria, Polônia e Romênia, atingindo em 1953 também a União Soviética e
em 1975 a Estônia, a Lituânia e a Letônia (JOHNSON, 2008).
273
chama atenção para o fato de que “o Estado controla de perto os assuntos religiosos
através do Ministério dos Cultos”, e que “evangelização e proselitismo são proibidos”.
Ou seja, no tocante à liberdade religiosa, a preocupação norte-americana não se referia ao
cristianismo ortodoxo, religião compartilhada por 86,8% dos romenos segundo o censo
de 2002 (ROMANIA - Population: Demographic Situation, Languages and Religions,
2019), e firmemente controlada pela Igreja Ortodoxa Russa, conforme insinuado pelo
documento da OTAN que abre esta seção, mas sim às religiões não reconhecidas, como
a dos Testemunhas de Jeová e de evangélicos dispostos desafiar os limites impostos para
suas práticas.
Esse último grupo, formado sobretudo por denominações sediadas nos Estados
Unidos, é referido pela documentação como “neoprotestante não-conformistas”362. Sobre
ele, telegrama de setembro de 1978 emitido pela embaixada de Bucareste em direção a
outras representações diplomáticas norte-americanas pelo mundo e ao Departamento de
Estado relata a visita de dois dos seus integrantes, o batista Pavel Nicolescu, articulador
de um “Comitê em Defesa da Liberdade Religiosa na Romênia”, e o pentecostal Aurel
Popescu, ambos membros de denominações religiosas nativas dos Estados Unidos e
minoritárias no universo religioso romeno. Na ocasião, os dois puseram os diplomatas
norte-americanos a par das agruras impostas aos dissidentes evangélicos pelo governo
romeno, incluindo interrogatórios, reprovações de estudantes nos obrigatórios exames
marxista-leninistas, “não por falta de compreensão mas por não acreditarem na doutrina”,
e multas aplicadas a pentecostais pela realização de encontros religiosos clandestinos. A
tática de confrontar abertamente o regime, adotada por Nicolescu, não parece, entretanto,
ter sido partilhada pelo todo da Igreja Batista na Romênia, informando o documento ter
sido o dissidente e outros membros de seu comitê formalmente expulsos pelas lideranças
batistas. Não obstante, Nicolescu permanecia reconhecido como um batista pela “grande
igreja batista de Bucareste Mihai Bravu”, comentando que a decisão da cúpula batista
provavelmente fora tomada para eximi-la de prestar declarações públicas no caso de sua
prisão ou de outros problemas com as forças de segurança. Já sobre o pentecostal Popescu
não são fornecidos maiores detalhes, nem sequer a qual igreja pertenceria.
Em junho de 1979, contudo, o Departamento de Estado registra ter recebido em
Washington D.C. a visita de uma delegação de líderes religiosos romenos que desenhou
362
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Update on Religious Dissidents. Canonical ID:
1978BUCHAR06434_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978BUCHAR06434_d.html>. Acesso em: 10 mar. 2020.
274
363
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Visit of Romanian Religious Leaders - Meeting with
Nimetz and Derian. Canonical ID: 1979STATE162159_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979STATE162159_e.html>. Acesso em: 11 mar. 2020.
275
“nossa capacidade de continuar o fazendo foi limitada por rigorosas provisões legais
demandando que os EUA levem em consideração os direitos humanos na votação desses
empréstimos”364.
Relatos semelhantes aos apresentados a Matthew Nimetz em Washington,
entretanto, chegaram aos ouvidos dos norte-americanos. Membros de uma comissão da
Conferência sobre a Segurança e a Cooperação, em contato com batistas romenos no
mesmo mês de maio, relataram ter ouvido do pastor Cornel Mara que a situação do seu
grêmio religioso melhorara muito em relação ao período anterior à Segunda Guerra
Mundial, “quando a igreja sofria perseguição dos ortodoxos dominantes”365, e mesmo
comparada às duas últimas décadas, “quando não era possível “pregar onde quer que
quiséssemos e batizar quem quer que quiséssemos”, como é hoje”. Um dos membros da
comitiva, Das Schneider, ao mencionar os relatos do pastor Pavel Nicolescu, ouviu de
Mara “um retrato bastante depreciador” do colega. Para ele, Nicolescu seria “um homem
que sempre sustentou “visões doentias”, contrárias à doutrina da Igreja, que caluniou a
liderança batista e que tentou “fazer política no púlpito”’. Não satisfeito, Mara afirmou
que a liderança batista não se preocupava com o dissidente por estar ele dizendo a
verdade, mas sim por transmitir falsas impressões para o exterior, concluindo que
“nenhuma pessoa séria se tornaria um membro” do Comitê para a Defesa da Liberdade
Religiosa e Espiritual de Nicolescu, constituído por “pessoas sem estatura”, a maioria das
quais expulsa de seus cultos”.
Informações mais recentes sobre Nicolescu são esparsas, mas é sabido que ele
imigrou para os Estados Unidos ainda em 1979, onde doutorou-se em Teologia, vindo a
atuar como pastor na Igreja Batista Romena de Nova Iorque por volta de 2009 (PAVEL
Nicolescu – mesaj despre suferință la BCB „Nădejdea” București (2009), 2014). É de
pouca importância para esta pesquisa, de todo modo, a veracidade ou não das suas
reclamações e de seu pequeno grupo de dissidentes. O que importa aqui é a clara
predisposição dos Estados Unidos em tratá-las como legítimas e de usá-las para
pressionar o governo romeno. Mesmo a despeito da fragilidade dessas queixas, expressa
pela própria documentação norte-americana.
364
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. US-Romanian Bilateral CSCE Consultations:
Discussion of Declaration of Principles and Human Rights. Canonical ID: 1979BUCHAR02840_e.
Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1979BUCHAR02840_e.html>. Acesso em: 12 mar.
2020.
365
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Meeting with Romanian Baptist Union Leaders.
Canonical ID: 1979BUCHAR02831_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979BUCHAR02831_e.html>. Acesso em: 14 mar. 2020.
276
366
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Response to Amnesty International Report on Human
Rights in Romania. Canonical ID: 1979BUCHAR00425_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979BUCHAR00425_e.html>. Acesso em: 14 mar. 2020.
277
367
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. (C) POLADS Paper on Poland. Canonical ID:
1979STATE165408_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979STATE165408_e.html>. Acesso em: 15 mar. 2020.
278
últimos acontecimentos que a Polônia estaria prestes a sofrer grandes mudanças “o que o
telegrama claramente sugere”368, alertando o Departamento que muito provavelmente o
governo apenas cederia às demandas católicas quando estritamente necessário, diante da
influência significativa dos “conservadores e linha-duras” do Partido Comunista. Da parte
católica, o embaixador também não visualiza grandes enfrentamentos com o líder
polonês, Edward Gierek, secretário do Partido Operário Unificado Polaco, um
interlocutor moderado em sua “abordagem relativamente liberal”. Por último, Schaufele
recomenda cautela, sugerindo que uma importante distinção fosse levada em conta:
“muito do fervor das multidões foi direcionado simplesmente à pessoa do pontífice, não
contra o aparelho governante do país”.
368
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. POLADS Paper on Poland. Canonical ID:
1979WARSAW06414_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979WARSAW06414_e.html>. Acesso em: 15 mar. 2020.
369
Ministro das Relações Exteriores durante o período reformista conhecido como “Primavera de Praga”,
passou para a oposição após a ocupação soviética em 1968. Participou do Fórum Cívico, movimento de
grande importância na derrubada do regime comunista no país em 1989.
370
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Information for Congressman Eilberg. Canonical ID:
1977PRAGUE02977_c. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1977PRAGUE02977_c.html>. Acesso em: 22 mar. 2020.
279
371
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Dissident Trials and US-Czechoslovak Relations.
Canonical ID: 1979STATE274486_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979STATE274486_e.html>. Acesso em: 22 mar. de 2020.
280
preocupações, enfatizadas com tanto esmero junto aos países socialistas, parecem
evaporar diante de imperativos geopolíticos.
O governo autoritário do general Park Chung-hee é o centro das atenções nesses
papéis, onde desfilam denúncias de abusos, mas também manifestações de apoio. No
poder de 1963 a 1979, Park foi importante aliado norte-americano, tendo atuado junto à
potência capitalista na Guerra do Vietnã e assinado um Acordo de Estatuto de Forças,
garantindo a proteção militar dos Estados Unidos numa eventual invasão norte-coreana.
Os escritos diplomáticos norte-americanos mostram ali disputas entre grupos
religiosos locais pró e contra governo Park, no que parece um embate entre porções mais
conservadoras, entre elas a maior organização pentecostal do planeta, a Assembleia de
Deus, e outras menos. Enquanto alguns interlocutores denunciam cerceamento de
liberdades, inclusive religiosa, outros as minimizam e mesmo justificam. Nesse contexto,
sugere a documentação, o governo norte-americano, que acompanha de perto a situação,
opta por fazer vista grossa às violações dos direitos humanos e das liberdades religiosas
praticadas pelo governo Park, priorizando a estabilidade do aliado sul-coreano, necessária
para a contenção do vizinho comunista ao norte.
Tal postura é duramente criticada por carta de grupo de dissidentes políticos sul-
coreanos ao presidente Carter em fevereiro de 1978. Contestando o relatório anual
emitido pelo Departamento de Estado sobre a situação dos direitos humanos no país,
acusa-se o governo norte-americano de priorizar a segurança militar, desconsiderando os
problemas concernentes aos direitos humanos. Ao fazê-lo, os signatários chegam mesmo
a comparar a política norte-americana para a Coreia do Sul com aquela que levou à derrota
no Vietnã, onde os EUA, da mesma forma, apoiaram um “regime ditatorial” 372 sem
“políticas democráticas com respeito aos direitos humanos”. A preocupação do
Departamento de Estado com a segurança sul-coreana, “sem considerar a dimensão de
um sistema ou ideal democrático e apenas como um problema de segurança militar”,
seria, dessa forma, “superficial”, “errônea” e até mesmo preconceituosa. No que tange
proximamente a liberdade religiosa, prossegue a carta que a despeito do que informa o
comunicado do Departamento de Estado, onde se lê que “as atividades religiosas têm
372
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. State Department Report on Human Rights in Korea:
dissidents address open letter to president Carter. Canonical ID: 1978SEOUL01413_d. Disponível em:
<https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1978SEOUL01413_d.html>. Acesso em: 30 mar. 2020.
281
373
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Annual Human Rights Report - Korea. Canonical ID:
1978STATE023816_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978STATE023816_d.html>. Acesso em: 30 mar. 2020.
374
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Human Rights Conference Denouces ROKG. Canonical
ID: 1973SEOUL08017_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1973SEOUL08017_b.html>. Acesso em: 31 mar. 2020.
282
desta doutrina religiosa em terras sul-coreanas. Forjada sob o pano de fundo de um regime
autoritário, condição recorrente para a eclosão de filosofias religiosas deste feitio, ainda
segundo o documento da CIA, chamava-se ela Minjung ou Teologia do Povo375 (people’s
theology). Embora declaradamente anticomunista, reflexo da expulsão de grande parte do
clero local pela vizinha do Norte, a Teologia do Povo retiraria certa inspiração de temas
marxistas, refletindo também “algumas das preocupações da Teologia da Libertação no
campo dos direitos humanos e no ativismo político”376. Mas voltando à declaração
redigida pelos religiosos na Coréia, um resumo foi enviado pela embaixada de Seul ao
Departamento de Estado acompanhado de comentário do embaixador Francis Trelease
Underhill Jr. informando que “fontes protestantes indicam que as igrejas coreanas
pretendem usar a declaração na conferência das igrejas em Viena para divulgar ainda mais
sua oposição ao caráter repressivo do governo Park”377.
A repressão, inclusive a religiosos, continuaria em 1974, ano em que o missionário
presbiteriano natural dos Estados Unidos, Stanton Wilson, ligado ao Conselho Nacional
de Igrejas Cristãs, visitou sua embaixada em Seul para queixar-se de uma manifestação
de apoio ao governo Park publicada pelo New York Times e assinada por pretensos porta-
vozes da maioria das organizações religiosas no país. Segundo Wilson, o escrito, que
“sustentava a existência de liberdade religiosa no país”378 e atacava declaração anterior
de outros grupos cristãos, crítica ao governo Park e publicada no mesmo jornal, fora
redigida por religiosos que, além de não representarem a maioria dos protestantes e
evangélicos coreanos, teriam redigido o manifesto “chapa-branca” por encomenda do
ditador. Não satisfeito, o presbiteriano caracterizou as organizações signatárias da
seguinte forma: Igreja Presbiteriana de Hapdong, “igreja ultraconservadora que separou-
se da maioria das outras igrejas presbiterianas na Coreia”; Assembleia Geral das Igrejas
Presbiterianas na Coreia, “consistindo principalmente da Igreja de Hapdong”; Conselho
Coreano de Igrejas Cristãs, “Hapdong e dois outras pequenas igrejas”; Conselho de
375
Não confundir com a Teologia do Povo de matriz católica, corrente inspirada na Teologia da Libertação
e idealizada sobretudo por lideranças religiosas argentinas.
376
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Liberation Theology: Religion,
Reform, and Revolution. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP97R00694R000600050001-9. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp97r00694r000600050001-9>. Acesso em: 15 abr. 2020.
377
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Human Rights Conference Denouces ROKG. Canonical
ID: 1973SEOUL08017_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1973SEOUL08017_b.html>. Acesso em: 31 mar. 2020.
378
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Missionary Reaction to Pro-ROKG Statement New
York Times (NYT). Canonical ID: 1974SEOUL04586_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1974SEOUL04586_b.html>. Acesso em: 31 mar. 2020.
283
379
Tendo trazido a público uma série de escândalos da administração Nixon, o jornalista Mark Feldstein,
no seu Poisoning the Press (Nova Iorque: Picador, 2011), sustenta que aquela administração tenha chegado
inclusive a considerar o assassinato de Anderson.
380
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. December 5 EA Press Summary. Disponível em:
<https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1974STATE267253_b.html>. Acesso em: 31 mar. 2020.
381
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Church Protests Resume with Missionary
Participation. Canonical ID: 1974STATE267253_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975SEOUL00063_b.html>. Acesso em: 31 mar. 2020.
382
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. NCCC-K Finances and Detention of Rev. Kim Kwan-
Sok. Canonical ID: 1975SEOUL02297_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975SEOUL02297_b.html>. Acesso em: 31 mar. 2020.
284
interferência nos seus gastos, expressando “forte indignação que as acusações tenham
sido feitas publicamente e de maneira distorcida”. O representante do Conselho acusava
o responsável pela queixa original, o pastor Chong Chin-Yang, “que tem um histórico de
iniciar processos contra clérigos opositores do governo”, de ser um agente do governo,
atuando em campanhas para “suprimir as igrejas”. Ao final, o embaixador norte-
americano Richard L. Sneider registra ter levado o problema ao conhecimento ao diretor
do Gabinete para Assuntos Americanos do Ministério das Relações Exteriores, Yi Sang-
Ok, que “suspirou, tomou algumas notas, mas não fez qualquer comentário”.
Ainda no mesmo ano, as tensões entre dissidentes políticos e religiosos e o
governo Park chegaram à outra margem do Pacífico. Em abril de 1975 o próprio chefe do
departamento de Estado de Nixon, Henry Kissinger, escreve à embaixada de Seul sobre
queixa do embaixador coreano nos Estados Unidos. Segundo o texto, um grupo de
“aproximadamente vinte americanos e coreanos”383 teria invadido a representação
diplomática coreana para entregar texto de protesto contra a supressão da liberdade
religiosa. Não satisfeitos, dois homens retiraram retrato do presidente Park de uma das
paredes, posteriormente recuperado e devolvido por agentes estadunidenses. Foi
informada ao governo coreano a identidade dos homens envolvidos no rapto do retrato,
contra os quais, informou o diplomata coreano, o seu Ministério das Relações Exteriores
provavelmente orientaria a embaixada a registrar queixas formais na Justiça.
A documentação permite inferir, enfim, que o governo dos Estados Unidos reagia
com muita cautela às denúncias sobre violações de direitos humanos e da liberdade
religiosa na Coreia, buscando preservar ao máximo suas boas relações com Park. Para
fechar essa seção, trago mais um documento produzido pelo serviço diplomático daquele
país, desta vez pela embaixada do Cairo, que reforça a conclusão de que o Departamento
de Estado não apenas fazia vista grossa às limitações à prática religiosa impostas pelo
regime coreano, como também trabalhou ativamente para blindar a imagem internacional
do país. Em maio de 1976, o embaixador Hermann Frederick Eilts redige comunicado a
Washington e à representação diplomática norte-americana em Seul informando que o
país árabe enviaria brevemente à Coreia uma delegação da Universidade egípcia de Al-
Azhar a fim de “inspecionar as circunstâncias da comunidade muçulmana sul-
383
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Entry of Protestors at ROK Embassy. Canonical ID:
1975STATE089148_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975STATE089148_b.html>. Acesso em: 31 mar. 2020.
285
3 - Conclusão
384
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Upcoming Visit of Egyptian Religious Delegation to
South Korea. Canonical ID: 1976CAIRO06710_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1976CAIRO06710_b.html>. Acesso em: 01 abr. 2020.
286
CAPÍTULO 6
Quem banca o Partido da Fé Capitalista?
1 - Introdução
385
Processo de conversão de imagens, como documentos e páginas de livros, em caracteres reconhecíveis
por programas de edição de texto e, portanto, pesquisáveis.
287
386
O Comitê, que funcionou de 1938 até a década de 1970, investigava atividades comunistas entre a
população dos Estados Unidos.
387
Esta ala foi formada sobretudo por fundamentalistas separatistas, facção que pretendeu a independência
dos grupos fundamentalistas das grandes e tradicionais organizações protestantes, que julgavam
irremediavelmente tomadas pelos teólogos liberais.
289
388
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Chief Signal Officer, 1860 - 1985. Index to Personalities in the U.S. Army Signal Corps
Photographic Files, 1940 - 1954: Lough - Luckcuck. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/109921489>. Acesso em: 13 nov. 2020.
389
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Richard M.
Nixon's Returned Materials Collection, 1969 - 1974. WHSF: Returned, 7-4. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/26126158>. Acesso em: 13 nov. 2020.
390
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Richard M.
Nixon's Returned Materials Collection, 1969 - 1974. WHSF: Returned, 31-5. National Archives and
Records Administration – NARA. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26126722>. Acesso em:
13 nov. 2020.
391
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Richard M.
Nixon's Returned Materials Collection, 1969 - 1974. WHSF: Contested, 6-78. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/26145015>. Acesso em: 13 nov. 2020.
392
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
736121. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/77828797>. Acesso em: 13 nov. 2020.
290
Graham e os Presidentes), o religioso servira como conselheiro para nada menos que onze
presidentes.
Já entre os membros laicos da FRASCO, aquele que mais aparece em outras
organizações religiosas da hegemonia global norte-americana é o já mencionado Joseph
Peter Grace (1913-1995), presidente da multinacional química W. R. Grace & Co., que
em 2019 somou um lucro líquido de dois bilhões de dólares em operações em trinta
países, mantendo clientes em outros sessenta (A Global Leader in Specialty Chemicals
and Materials, [s.d.]). Grace não pôde aparecer na reunião Foreign Aspects of U.S
National Security, onde foi representado pelo seu vice-presidente, John D. J. Moore, mas
surge trinta anos mais tarde como membro-diretor da Laymen's National Bible
Association e do Council for National Policy. O empresário possuía também vínculos
com várias organizações hegemônicas não religiosas operando dentro e fora dos Estados
Unidos, conforme veremos adiante.
Outros membros não religiosos da FRASCO que compareceram à reunião Foreign
Aspects of U.S. National Security foram George C. McGhee, dono da McGhee
Production Company; Raymond W. Miller, membro da empresa de relações públicas
Public Relations Research Associates; o mencionado diretor da 20th Century Fox, Spyros
Skouras; John Quincy Adams, executivo da Manhattan Refrigerating Company; o juiz
Homer Ferguson; Albert J. Hayes, presidente da International Association of Machinists;
George Meany393, presidente do órgão sindical multinacional AFL-CIO sobre quem
pairam suspeitas de trabalhar para a CIA; o tenente-general Willard S. Paul; George N.
Shuste, presidente do Hunter College de Nova Iorque; e William R. White, presidente da
texana Baykir University. Já Kenneth S. Giniger, membro do National Advisory Council
da Frasco e presidente da K. S. Giniger Company, aparece novamente em 1988 na
Laymen's Bible Association, junto ao também membro da FRASCO Max Chopnick,
apesar de terem se ausentado da reunião Foreign Aspects of U.S. National Security.
Ausente da Frasco e de iniciativas posteriores, David Sarnoff, dono da Radio
Corporation of America – RCA que enviara memorando a Eisenhower pedindo a
organização de uma rede anticomunista dentro e fora da cortina de ferro, de maneira
pouco surpreendente deu as caras na conferência Foreign Aspects of U.S. National
Security. Foi um dos convidados de honra, a exemplo do presidente da FRASCO Charles
Wesley Lowry, mas dessa vez para um jantar com outros figurões, como os seguintes
393
René Dreifuss (1986, p. 183) o descreve como “o grande pelego sindical americano”.
291
394
Ao contrário de Graham, contudo, o grupo de Falwell retirou seus quadros e referências ideológicas da
mais radical facção separatista do fundamentalismo.
293
395
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
11/05/2003 [601624]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578894>. Acesso em: 14 nov.
2020.
396
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. American Law
Enforcement Officers Association. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840626>. Acesso
em: 14 nov. 2020.
294
algumas determinações penais, tidas pela Moral Majority como “complacentes com o
crime”.
Também o intelectual religioso Paul Weyrich (1942-2008), cofundador da Moral
Majority e membro do Council for National Policy, foi outro mentor do movimento.
Ainda que nunca tenha atuado como sacerdote, a religião cristã evangélica sempre esteve
no centro de seu pensamento e militância. Uma das mais notórias mentes conservadoras
dos Estados Unidos, além das organizações religiosas acima, Weyrich teve em seu
currículo participações em inúmeras outras associações direitistas como os laboratórios
de ideias Heritage Foundation397 e Free Congress Foundation, para citar apenas alguns.
A ele é atribuída a autoria do termo Moral Majority (Maioria Moral) que batizou a
organização partidário-religioso que iniciou com Jerry Falwell, expressão que sintetiza a
ideia de que os identificados com as propostas do movimento, numericamente
minoritários porém moralmente superiores, deveriam ditar os rumos do país. Muito
próximo dos governos republicanos a partir da década de 1980, seu perfil foi rascunhado
pelo assessor de Ronald Reagan, Morton Blackwell, a quem coube colocar a colega de
gabinete, Elizabeth Dole, a par dos fatos mais importantes da trajetória de Weyrich, que
ambos encontrariam em março de 1981 para articular contatos com “lideranças
conservadoras”398 a fim de discutir o pacote econômico planejado pelo presidente.
Blackwell o descreve como “o organizador-chave de um surpreendente número de
organizações conservadoras e coalizões responsáveis por atividades políticas atualmente
apoiando o presidente” e um “entusiasta em programas de treinamento para ativistas
conservadores, patrocinando muitos através de suas organizações e frequentemente
palestrando em programas de treinamento numa ampla gama de outros grupos
conservadores”. Além das já mencionadas, Blackwell destaca as organizações Kingston
Group, nome dado ao grupo de assessores de Bush e de congressistas, membros de
comitês legislativos e líderes de associações conservadoras que mantinham encontros
semanais; a Library Court, organização ativista “pró-família”; e o Stanton Group, que
promovia discussões sobre relações exteriores e defesa nacional, naquele momento
dirigido pelo próprio Weyrich. Alianças com associações conservadoras fora do espaço
397
A Heritage Foundation descreve-se como uma “instituição de pesquisa e educacional”, cujos propósitos
são “formular e promover políticas públicas conservadoras baseadas nos princípios do livre
empreendimento, governo limitado, liberdade individual, valores tradicionais americanos, e uma forte
defesa nacional” (ABOUT Heritage, [s.d.]).
398
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/135840769>. Coalitions for America (1 of 2). Acesso em: 15 nov. 2020.
295
norte-americano também eram costuradas pelo intelectual, caso por exemplo da inglesa
The Coalition for Peace Through Security, interessada no incremento da defesa militar
do Ocidente contra o bloco socialista. Seus diretores Edward Leigh, membro do Partido
Conservador, e Francis L. Holinan, sobre quem faltam informações, escreveram em julho
de 1982 ao chefe da Heritage Foundation, Edwin Feulner, para agradecer a “substancial
soma”399 a eles doada por Paul Weyrich para a organização de uma conferência sobre
“novas técnicas americanas de formação de opinião, campanha e levantamento de
fundos”. Não apenas, os ingleses pediam mais verba da Heritage, com a qual esperavam
“construir uma relação de trabalho mais próxima”. Sem limitar-se a pessoas e gabinetes
em seu laços com o Estado Restrito, também com a CIA Weyrich mantinha frequente
correspondência. A esse respeito, é significativa correspondência400 para o diretor adjunto
da Agência, Robert Gates, em maio de 1987, onde Weyrich manifestou insatisfação com
Reagan sobre o tratamento conferido pelos Estados Unidos ao grupo guerrilheiro
moçambicano pró-ocidente RENAMO. No seu entender, o governo ignoraria uma “força
insurgente nativa clamando por reformas democráticas” apenas para não prejudicar as
“relações com o regime soviético”. Considerado pelos “muitos grupos pró-defesa” dos
quais era porta-voz como um “país-chave” para o Sul da África, Weyrich demandava do
diretor da CIA a realização de um encontro do Conselho de Segurança Nacional onde
seria transmitida ao presidente a “importância do reconhecimento e apoio aos guerreiros
da liberdade da RENAMO”. Voltando à esfera religiosa, Weyrich apresentou em artigo 401
de abril de 1996 sua visão sobre um grande e ecumênico movimento cristão que pretendia
para seu país e o mundo, necessário para fornecer um norte moral aos homens, de outra
forma naturalmente inclinados ao egoísmo, e para salvar os Estados Unidos do “esgoto”
cultural em que estaria metido. Sonhava Weyrich com uma “nova ordem religiosa”
ecumênica, inspirada e legitimada pelas principais igrejas cristãs do mundo, assim capaz
de alcançar todas as pessoas. Ao que me parece, o também ecumênico Partido da Fé
399
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Coalition for Peace
through Security. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840767>. Acesso em: 15 nov. 2020.
400
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to Robert Gates from
Paul M. Weyrich. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90G00152R001202420018-0.
Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90g00152r001202420018-0>.
Acesso em: 16 nov. 2020.
401
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Domestic Policy Council (Clinton Administration), ca. 1992 - 1/20/2001. Crime Projects Bruce Reed.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/120356898>. Acesso em: 15 nov. 2020.
296
grande importância na sustentação das iniciativas aqui abordadas, o mesmo podendo ser
dito sobre os indivíduos anteriormente listados.
Muito já foi dito sobre Joseph Peter Grace, de modo que não causa espanto que a
sua W. R. Grace & Company surja no topo da lista das empresas por trás do Partido da
Fé Capitalista. Segundo a documentação, têm peso semelhante outras multinacionais
como a General Electric, a General Tire and Rubber Company, o Mellon Group, a Olin
Mathierson Chemical Company e a Vick Chemical Company.
Fundado em 1892 em Nova Iorque pelo notório empresário e inventor Thomas
Edison, o conglomerado multinacional General Electric está presente em diversos ramos
produtivos, com destaque para o setor de energia, aviação, cuidados domésticos e, mais
recentemente, impressão 3D, ciência dos materiais e análise de dados. Apresentando-se
como uma “empresa americana com uma pegada global” (FREQUENTLY Asked
Questions and Answers , [s.d.]), a GE mantém atividades em mais de 170 países e gaba-
se de ter “investido em mercados emergentes por mais de cem anos”, reportando um lucro
de seis bilhões de dólares em 2019. Em 1958, seu ex-presidente Charles Edward Wilson
aparece como membro da FRASCO. No mesmo ano, seu presidente W. R. Herod
comparece à conferência Foreign Aspects of US National Security, e em 1983 a empresa
desponta na lista de participantes do Grupo de Trabalho para Assistência da América
Central estabelecido por assessores de Reagan.
Aberta em 1915, a General Tire and Rubber Company foi um conglomerado que
além de produzir pneus detinha a RKO General, transmissora de rádio e TV. Foi uma das
principais fabricantes norte-americanas de pneus em meados do século passado, iniciando
processo de internacionalização partir de 1930, quando passa a operar no México
(ANYWHERE Is Possible, [s.d.]). Atua no Brasil oferecendo pneus para caminhões,
carros de passeio e veículos 4x4. Seu vice-presidente em 1958, Joseph Andreoli, esteve
na conferência Foreign Aspects of U.S. National Security, ao lado de Sol. A. Schwartz,
presidente da subsidiária rede de cinemas RKO Theaters. Mais recentemente, vemos o
presidente da RKO Generale, Frank Shakespeare, integrando o Council for National
Policy. Sobre Shakespeare, sua associação com organizações conservadoras vem de longa
data. Além de membro da Heritage Foundation desde 1979, é atualmente membro do
conselho da fundação conservadora Lynde and Harry Bradley Foundation. Com incursões
no Estado restrito, dirigiu a United States Information Agency - USIA (1969-1973), o
298
402
Órgão do Executivo norte-americano entre outras coisas responsável pelo veículo de propaganda
radiofônica anticomunista Radio Free Europe.
403
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
National Security Council (Clinton Administration), 1993 - 2001. [12/02/1996 - 12/11/1996] [Beijing
Women's Conference]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/41051262>. Acesso em: 17 nov.
2020.
404
Nas palavras de Howell, entidade dedicada à organização de seminários e publicação de livros e boletins
informativos girando em torno da meta expressa de enfatizar o elo entre a tradição judaico-cristã e questões
concernentes à política doméstica e exterior norte-americana.
405
Responsável pela edição do jornal religioso conservador First Things.
299
Democracy teria recebido do consórcio de fundações 260 mil dólares em 1993, 79% de
toda a verba arrecadada pelo IRD, proporção que chegava a 89% durante os seus
primeiros anos de vida. Desde aproximadamente 1965, quando Richard Mellon Scaife
toma sua frente, a Sarah Scaife Foundation teria doado aproximadamente 200 milhões de
dólares para organizações ideológicas conservadoras. Mas os vínculos da Mellon com
essas entidades não ficam por aí, outras grandes multinacionais envolvidas com a
instrumentalização política da religião foram erguidas com o financiamento do Mellon
Bank e geridas por alguns de seus membros. Trata-se, por exemplo, das empresas fixadas
em Pittsburgh, sua cidade sede, Gulf Oil, U.S. Steel, Rockwell, Westinghouse Electric e
Koppers (COLE).
Outra multinacional por trás das “quatro irmãs” é o conglomerado Olin
Corporation, através da John M. Olin Foundation, inaugurada em 1953. Suas várias
subsidiárias, entre elas a fabricante de rifles Winchester, estão instaladas em mais de vinte
países, com clientes em mais de cem (FROM Humble Beginnings to Global Success,
[s.d.]). Segundo dados divulgados pela empresa, ela é mundialmente a maior produtora
de munição, cloro e soda cáustica e a maior fornecedora global de materiais de epóxi.
Presente em todos os continentes, seu quartel general na América Latina é localizado em
São Paulo. Em 1958 vemos seu vice-presidente executivo, William C. Foster, convidado
de honra na conferência Foreign Aspects of U.S. National Security, provando que
também se interessava por armas espirituais, além das espingardas da marca Winchester,
somada ao conglomerado em 1931.
Também a Vick Chemical Company, famosa por suas pastilhas e pomadas que
confortam crianças resfriadas, interessou-se pela luta ideológica de base religiosa. Aberta
em 1890 por Lunsford Richardson, farmacêutico inventor do Vick VapoRub, passou a
ser uma marca sob o conglomerado Procter & Gamble em 1985. Mas antes disso, ainda
segundo o artigo de Howell, a sua Smith Richardson Foundation em meados da década
de 1960 passaria a financiar órgãos conservadores, incluindo os religiosos, sendo também
uma das “quatro irmãs”. O texto nota ainda que Heather Richardson Higgins, neta do
presidente da fundação na década de 1970, R. Randolph Richardson, continua a tradição
familiar de amparo a aparelhos ideológicos conservadores, financiando órgãos como o
Free Congress Foundation, do nosso conhecido Paul Weyrich, por via de outra fundação,
a Randolph Foundation. O que não quer dizer que a Smith Richardson tenha escapado do
controle da família Richardson, ainda carregando o sobrenome o diretor atual. Também
significativo do interesse deste clã e sua empresa por iniciativas conservadoras desde
300
vemos um dos seus mais notórios diretores, Paul McCracken, nos quadros da Laymen’s
Bible Association. McCracken foi um economista com passagem pela Universidade de
Michigan e conselheiro econômico dos governos Eisenhower e Reagan. A Dow Chemical
também aparece como membro do Grupo de Trabalho para Assistência da América
Central em 1983, unindo intelectuais, líderes religiosos e empresários. Vale notar ainda a
presença de Thomas H. Lake, presidente da Eli Lilly and Company, futura parceira da
Dow, na reunião de 1971 sobre política externa com o secretário de Estado Henry
Kissinger e vários líderes religiosos.
Anteriormente conhecida como Standard Oil Company of New Jersey, uma das
sete empresas norte-americanas que detinha o monopólio global petrolífero durante boa
parte do século XX, após 1973 denominada Exxon e desde 1999 ExxonMobil, as raízes
desta multinacional remontam a 1870, quando o grupo Rockefeller fundou a Standard Oil
Company. Desde então a empresa é um truste em constante crescimento por aquisições e
fusões com outras companhias do ramo petrolífero (OUR History. ExxonMobil, 2021).
Atuando nos mercados de extração de petróleo e gás, refino e processamento químico, a
empresa comercializa seus produtos mundialmente sob as marcas Esso, Exxon, Mobil e
ExxonMobil Chemical, e reportou lucro líquido de 6,5 bilhões de dólares em 2019,
funcionando em 45 países (ANUAL Reports, [2020?]). Entrou no Brasil em 1912, sendo
aqui pioneira na exploração de petróleo e gás. Seus produtos químicos começaram a ser
comercializados no país no final da década de 1950 por via da divisão brasileira da Esso.
Instalada nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Paulínia e Curitiba, é atualmente a
maior exploradora estrangeira de petróleo no país, operando numa área de dez mil km2
nas bacias de Santos, Campos e Sergipe-Alagoas (NOSSAS operações, 2020). A exemplo
da Dow Chemical, foi uma das empresas componentes do Grupo de Trabalho para
Assistência da América Central de 1983. Seu ex-presidente Howard C. Kaufmann, à
frente da Exxon entre 1975 até 1985, figura no quadro de conselheiros da Laymen's Bible
Association em 1988.
Fundada em 1898 pelo inventor natural de Ohio, Frank Seiberling, a Goodyear
Tire & Rubber Company tornou-se já em 1916 a maior fabricante de pneus do mundo,
alcançando em 1963 a marca de um bilhão de unidades (HISTORY. Goodyear, [s.d.]).
Atualmente, detém as marcas Dunlop, Kelly, Fulda, Sava e Debica, presente em 61 países
e registrando o lucro líquido de 3,143 bilhões de dólares em 2019 (FINANCIAL Reports,
[s.d.]). Desde 1919 no Brasil, opera a partir das cidades de Americana, reputada como a
maior fábrica de pneus da América Latina, Santa Bárbara, que faz materiais para
302
recauchutagem, e São Paulo, de onde saem pneus para aeronaves (AMERICAS Facilities,
[s.d.]). Seu presidente em 1958, Edwin J. Thomas, participou da conferência Foreign
Aspects of U.S. National Security. Ingressando na Goodyear em 1916, Thomas fez parte
da cúpula da empresa desde 1941, quando eleito presidente, até 1971, data em que se
retirou da Mesa Diretora (EDWIN J. Thomas Dead at 87; Retired Goodyear Chairman,
1987). A Goodyear foi outra empresa representada no Grupo de Trabalho para Assistência
da América Central de 1983.
A Radio Corporation of America - RCA, emissora de rádio e produtora de
aparelhos radiofônicos, televisivos e produtos de comunicação eletrônica de modo geral,
foi fundada em 1919 como uma subsidiária da General Electric, permanecendo nesta
condição até 1932, quando se torna independente. Atualmente, contudo, voltou a ser uma
marca sob a gestão da Technicolor SA. A RCA foi por muitos anos a maior fabricante de
rádios e televisões dos Estados Unidos, tendo também desenvolvido o principal conector
para dispositivos de áudio, que leva o seu nome, usado em diversas partes do mundo e
tornado padrão da indústria até os dias de hoje. Sua figura central durante boa parte do
século XX foi o empresário, referido em várias partes deste trabalho, David Sarnoff
(1891-1971), que ali vestiu as funções de gerente comercial, presidente e chefe da mesa
de administração até sua aposentadoria em 1970. É do seu punho o memorando Program
for a Political Offensive Against World Communism apresentado ao presidente Dwight
Eisenhower em 1955. Como vimos, Sarnoff foi convidado de honra também na
conferência Foreign Aspects of U.S. National Security.
A Raytheon Technologies é uma “companhia aeroespacial e de defesa que fornece
sistemas avançados e serviços para clientes comerciais, militares e governamentais em
todo o mundo” (FACT Sheet, [s.d.]). O conglomerado adquiriu a atual nomenclatura por
via da fusão, em 2020, da Raytheon Company, fundada em 1922 e uma das maiores
produtoras de armas avançadas e material militar dos Estados Unidos, com a empresa
aeroespacial United Technologies Corporation. Mantém sob seu controle as marcas
Collins Aerospace, fabricante de estruturas e sistemas mecânicos para aviões civis e
militares; Pratt & Whitney, produtora de turbinas; Raytheon Intelligence & Space,
manufatureira de sensores e programas computacionais; e Raytheon Missiles & Defense,
uma das maiores fabricantes mundiais de mísseis. Empregando 195 mil pessoas, o
conglomerado declarou um volume de vendas total de 74 bilhões de dólares em 2019. A
Raytheon é uma das maiores fornecedoras de material bélico para as forças armadas
norte-americanas, saindo de suas fábricas o famoso míssil Patriot, liberalmente detonado
303
na primeira Guerra do Golfo. Coerentemente com seu slogan “Nós não prevemos o futuro.
Nós o criamos” (WHAT We Do. Raytheon Technologies, [s.d.]), a Raytheon e suas
subsidiárias têm um amplo histórico de contatos com organizações político-religiosas.
Figura de frente da corporação de 1964 até 1991, Thomas L. Philips esteve presente na
reunião com religiosos e Henry Kissinger sobre política externa em 1971, sendo também
um dos secretários da National Laymen's Association. Sua devoção religiosa é atestada
por seu amigo e conselheiro de Richard Nixon, Charles Colson, convertido ao
evangelicalismo por Philips. Condenado após o escândalo de Watergate, Colson fundaria
a Prison Fellowship, organização cristã internacional direcionada ao auxílio de detentos
e ex-prisioneiros (MARQUAND, 2019).
As fusões que originaram a Raytheon Technologies implicaram na absorção de
outra grande empresa bélica norte-americana que mantinha ligações estreitas com as
iniciativas estudadas neste trabalho, a Rockwell, também ligada ao Mellon Bank,
conforme visto. Fundada como uma fábrica de caminhões militares por Willard Rockwell
em 1919, foi em seu auge a maior fornecedora de veículos e espaçonaves para o programa
espacial norte-americano e uma das principais fabricantes de aviões militares para as
forças armadas desde a Segunda Guerra Mundial. Tornou-se em tempos recentes uma
grande produtora de microprocessadores, componentes eletrônicos para aeronaves e
sistemas de automação fabril (ROCKWELL INTERNATIONAL CORPORATION,
[s.d.]). Foi vendida para a Boeing em 1996 e passou para as mãos da United Technologies
Corporation em 2018, assim integrando-se à Raytheon Technology em 2020. A Rockwell
financiou organizações político-ideológicas cristãs como o Institute on Religion and
Democracy através da sua Lynde and Harry Bradley Foundation, uma das “quatro irmãs”
destacadas pelo artigo de Leon Howell. Originalmente pertencente à empresa de
automação fabril Allen-Bradley, ainda segundo Howell a fundação passara a dedicar
fundos a organizações conservadoras apenas em 1985, quando a Allen-Bradley foi
comprada pela Rockwell International. Neste período, além de receber a injeção de 275
milhões de dólares, a fundação passou a ser gerida por Michael Joyce, até então à frente
da outra “irmã”, John M. Olin Foundation406.
406
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
National Security Council (Clinton Administration), 1993 - 2001. [12/02/1996 - 12/11/1996] [Beijing
Women's Conference]. Disponível em <https://catalog.archives.gov/id/41051262>. Acesso em: 19 nov.
2020.
304
407
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 - 1994. Sin Taxes 2 of 2: Tobacco [3].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/40483701>. Acesso em: 20 nov. 2020.
305
408
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 - 1994. [White House News Reports –
May 30 1995]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/17615890>. Acesso em: 20 nov. 2020.
409
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Counsel to the President (Clinton Administration), 1993 - 2001. Thompson Committee
Minority Report Volume 1 [6]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/41027860>. Acesso em: 20
nov. 2020.
306
petrolíferas dos Estados Unidos, a Koch Industries, seriam outra importante fontes de
recursos para a Triad410.
410
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 - 2001. [1996 Final Minority Report Volume I]
[Binder] [5]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/18514423>. Acesso em: 20 nov. 2020.
411
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. American Council
for Free Asia. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840624>. Acesso em: 21 nov. 2020.
307
Hornet, F-16 Fighting Falcon, EA-18G Growler e F-15 Strike Eagle (BRIDGING the
Generation Gap, 2019).
Ainda no que diz respeito ao comércio de aviões, já foi exposto que o diretor de
relações públicas da National Association of Evangelicals, Bob Dugan, em 1983
defendeu publicamente a venda de aviões para o governo da muçulmana Arábia Saudita,
que encontrava alguma resistência doméstica. Os aparelhos em questão foram naves de
vigilância e abastecimento E-3 Sentry, da norte-americana Boeing. Não foram
encontrados muitos indícios da participação da Boeing no financiamento de organizações
religiosas, mas em 1958 podemos ver seu presidente William M. Allen na plateia da
conferência Foreign Aspects of U.S. National Security, ilustrando o interesse da empresa
na política externa do país e nos possíveis dividendos ali colhidos pela ação religiosa.
Compareceram também Willian E. Knox, presidente da Westinghouse Electric
Corporation, fornecedora do sistema de radar dos E-3 Sentry e erguida com apoio
financeiro e gerencial do Mellon Bank, conforme mencionei.
Já foi também dito que o mais famoso pregador evangélico estadunidense, o
fundamentalista Billy Graham, frequentou base militar do seu país na Coreia do Sul no
calor do conflito peninsular da década de 1950. De forma semelhante, Graham concedeu
sua benção à Guerra do Vietnã e às duas guerras Iraque. Memorando412 do assessor de
Richard Nixon, William F. Rhatican, com o tema “Guerra do Vietnã - Apoio Público”,
relaciona uma série de medidas tomadas pela administração em 11 de maio de 1972,
preocupada em preservar sua base de apoio diante do prolongado conflito. Um dos passos
para este fim aparece listado da seguinte forma: “Billy Graham concordou em pedir aos
seus correligionários para rezarem pelo sucesso do presidente”. Mais tarde, em 16 de
janeiro de 1991, quando o primeiro George Bush anunciou em cadeia nacional a Operação
Tempestade no Deserto, iniciando a Primeira Guerra do Golfo, documentos413 da Casa
Branca registram que o pastor passou aquela noite ao lado do presidente. Alguns anos
depois, o afagado pelo reverendo foi o filho George W. Escrevendo em 18 de dezembro
de 2003 para assegurá-lo dos seus “contínuos apoio e rezas”414, Graham não descuidou
412
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Richard M.
Nixon's Returned Materials Collection, 1969 - 1974. WHSF: Contested, 7-46. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/26145127>. Acesso em: 21 nov. 2020.
413
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
562653 [2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/77828787>. Acesso em: 21 nov. 2020.
414
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
601487. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/119650691>. Acesso em: 21 nov. 2020.
308
415
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
538440. Disponível em <https://catalog.archives.gov/id/122414926>. Acesso em: 21 nov. 2020.
416
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
536140 [3]. Disponível em <https://catalog.archives.gov/id/82578980>. Acesso em: 22 nov. 2020.
309
417
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
536004 [2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578952>. Acesso em: 22 nov. 2020.
310
ao corpo estatal oficial dos Estados Unidos, seriam o Council on Foreign Relations, o
Commitee for Economic Development, a Comissão Trilateral e o Council for Latin
America (após 1981 America’s Society/Council of the Americas). Observando a
recorrente presença de membros destas organizações em outras de feitio semelhante,
Dreifuss (1986, p. 93) identificou uma “verdadeira pirâmide de poder global”.
Congregando empresários de grosso trato, intelectuais e agentes do Estado restrito
engajados num projeto hegemônico comum, de maneira pouco surpreendente observamos
muitos dos seus integrantes também transitando em iniciativas que buscaram anexar
ações religiosas dentro e fora dos Estados Unidos ao rol de artifícios disponível para a
consecução das mesmas metas. Nas próximas páginas mostrarei que o topo desta
pirâmide também esteve por trás da concretização do Partido da Fé Capitalista, embora
contasse em sua base com pastores, missionários e intelectuais religiosos no lugar de
economistas e diplomatas.
Lançado em 1921, o Council on Foreign Relations foi uma das primeiras
associações devotadas a este fim. Aproximando empresários, intelectuais, militares e
burocratas estatais, é um fórum permanente devotado a refletir as questões político-
econômicas de interesse norte-americano no contexto internacional. Nas palavras de
Dreifuss (1986, p. 34), busca “analisar, formular, acompanhar e avaliar iniciativas e
diretrizes estratégicas (privadas e públicas) indispensáveis para sustentar a crescente
projeção do capitalismo norte-americano”. A partir da década de 1940, no processo de
consolidação da liderança estadunidense sobre o bloco capitalista, teve a organização
papel destacado na idealização de uma nova ordem mundial onde as demandas industriais
e financeiras daquele país passariam a reger o concerto político e econômico mundial.
Compunha tal projeto, por exemplo, a criação de um sistema financeiro internacional a
fim de estabilizar a economia planetária, entre outras coisas facilitando projetos
capitalistas em áreas periféricas. Esgotada após duas décadas, em princípios dos anos
1970 coube novamente ao CFR planejar novas bases para essa ordem, que precisaram
levar em conta a emergência política e econômica do Japão e de uma Europa reconstruída
e a necessidade de conter países periféricos que esboçavam uma fuga de sua esfera de
influência. Exemplos deste último caso são o aumento súbito do preço do petróleo
provocado de forma coordenada por nações árabes, a vitória do Vietnã do Norte na guerra
contra o Sul e ensaios socialistas em países latino-americanos como o Chile. Tais
preocupações redundariam num “Projeto para os Anos 80” (DREIFUSS, 1986, p. 85),
desenhado no interior do CFR, com regras para as relações entre as potências capitalistas
311
418
Fundado em Montevidéu em 1941, o Conselho Interamericano de Comércio e Produção - CICYP tinha
como função a integração das duas américas em torno dos pressupostos da livre iniciativa empresarial.
314
O Mellon Bank foi membro da Americas Society na década de 1980 e seu vice-
presidente, Arthur B. Van Buskirk, aparece como membro diretor do Commitee for
Economic Development em 1961.
A Olin Mathieson Chemical Company foi membro da Americas Society nos anos
1980 e compôs a direção do Commitee for Economic Development nos decênios
anteriores. Seu vice-presidente, William Chapman Foster, o mesmo que atendera à
conferência Foreign Aspects of U.S. National Security, foi não apenas dirigente da
organização, como também participou do Comitê de Pesquisa e Diretrizes em 1958 e do
comitê Cooperação para o Progresso na América Latina em 1961. Sua subsidiária até
1989, a farmacêutica E. R. Squibb & Sons também participou da Americas Society nos
anos 1980.
A Vick Chemical é membro da Americas Society na década de 1980.
O presidente da Chrysler, Lynn Alfred Towsend, compôs o Council for Latin
America nos anos 1970 e a Americas Society nos 1980. Seu antecessor, Lester Lum
Colbert, fizera parte da direção do Commitee for Economic Development da década de
1960.
A Dow Chemical se fez representar no Council for Latin America nos anos 1960
e 1970 (seu presidente, Carl A. Gerstacker, foi membro do Conselho Diretor na década
de 1970), permanecendo na Americas Society nos anos 1980. Robert W. Lundeen,
diretor, trabalhou no conselho diretor do Commitee for Economic Development na
década de 1980 e Paul W. McCracken, como já visto membro da Laymen's National Bible
Association, representou os Estados Unidos na Comissão Trilateral.
A Exxon frequentou a Americas Society na década de 1980, com seu diretor e
vice-presidente sênior Maurice E. I. Loughlin e o conselheiro de relações públicas Peter
B. Trinkle. Fez parte do Conselho Diretor do Commitee for Economic Development com
seu diretor, Clifton C. Garvin Jr., e do comitê de 1973 ligado ao CED, Fornecendo o
Sistema Monetário Mundial, com seu vice-presidente executivo, Emilio G. Collado, além
dos subcomitês Reforma do Sistema Monetário Internacional; Relações econômicas entre
países industrializados e menos desenvolvidos, de 1981, com o vice-presidente sênior
Jack F. Bennet; e Empresas Transnacionais e Países em Desenvolvimento, do mesmo
ano, frequentado pelo economista chefe de seu Departamento de Planejamento
Corporativo, James W. Hanson. A Exxon aparece ainda na Comissão Trilateral com
Guido di Paliano, diretor na Itália, e J. K. Jamieson, representando os Estados Unidos.
315
A Goodyear emprestou ao Council for Latin America nos anos 1960 o seu
presidente Richard V. Thomas, ali permanecendo nas décadas de 1970 e 1980. A empresa
também contribuiu com o Commitee for Economic Development, fazendo parte do
conselho diretor em princípios dos anos 1980 o vice-diretor Robert E. Mercer.
A Radio Corporation of America - RCA, de David Sarnoff, participou do
Commitee for Economic Development nos anos 1960 com seu presidente John L. Burns.
O presidente da Raytheon, Thomas L. Philips, que vimos na National Bible
Association e reunindo-se com Kissinger e líderes religiosos em 1971, foi membro do
Conselho Diretor do Commitee for Economic Development nos anos 1970. Já a Rockwell
International, absorvida pela primeira, aparece no Council for Latin America nos anos
1970, representada pelo presidente da diretoria Willard F. Rockwell Jr., e na Americas
Society na década de 1980, na figura de James S. Calvo, diretor de desenvolvimento de
marketing e negócios da Latin America Rockwell lnternational. Na década de 1970, a
empresa também figurou no Commitee for Economic Development, sendo o diretor
James W. Coultrap integrante do seu Conselho Diretor.
A United States Steel forneceu seu diretor Edewin H. Gott para o Council for Latin
America no final dos anos 1960, permanecendo ligada à organização nas duas décadas
seguintes. A empresa aparece também na diretoria do Commitee for Economic
Development nas décadas de 1960, 1970 e 1980, com o presidente da diretoria Roger M.
Blough, o diretor Edwin H. Gott e o vice-diretor de administração e chefe do setor
financeiro W. Bruce Thomas, respectivamente.
A RJR Nabisco fez-se representar na Americas Society por seu presidente, James
O. Welch, membro do Conselho de assessores da organização em princípios dos anos
1980. Sua subsidiária do ramo do tabaco desde 1985, a R. J. Reynolds, por sua vez, esteve
na Comissão Trilateral com Archibald K. Davis, membro do conselho internacional e
representante dos Estados Unidos, e Shinkichi Eto, integrante do mesmo conselho, mas
representando o Japão.
Assim, podemos dizer que pelo menos alguns dos membros do topo da “pirâmide
de poder”, detectada por Dreifuss pela superposição de membros nas inúmeras
organizações da hegemonia norte-americana, também agiram para transformar a religião
organizada na “arma do espírito” proposta pelo pastor Edwin T. Dahlberg em 1958.
Veremos agora as ligações destes indivíduos e empresas com associações ativas no Brasil
na década de 1960 que participaram do aprofundamento da internacionalização
316
econômica, política e cultural do nosso país proposto pelo Commitee for Economic
Development.
5 - Conclusão
PARTE III
A SUCURSAL BRASILEIRA DO CONSÓRCIO IMPERIALISTA
EMPRESARIAL-RELIGIOSO
321
CAPÍTULO 7
Estímulos sociais do avanço do Partido da Fé Capitalista no Brasil
1 - Introdução
419
Sociólogo pelo Instituto Latinoamericano de Doctrina Y Estudios Sociales (mestrado) e pela Harvard
University (doutorado), foi pesquisador visitante nesta Universidade norte-americana e professor na
Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, diretor do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento -
Cebrap, atuando também no Consejo Latino-Americano de Ciencias Sociales - CLACSO. Experiente na
área de Ciência Política, com ênfase em Políticas Públicas. (FARIA, 2000).
420
Doutora em História Econômica pela Universidade de São Paulo - USP, foi professora do curso de
História da Universidade Federal Fluminense - UFF entre 1975 e 1999. Atualmente é professora do
Programa de Pós-graduação em História - PPGH, da mesma Universidade. Seus principais temas de
pesquisa são: Estado, Brasil República, Agricultura, História, Poder e Classe Dominante Agrária,
Intelectuais, Políticas Públicas, Questão Agrária e Saber e Poder (MENDONÇA, S. 2021).
322
pela explosão dos bens de consumo duráveis, bens intermediários e de capital, que
cresceram em média 15,3%, 10,5% e 12,8%, respectivamente, saltando o percentual de
domicílios urbanos de 26,35% em 1940 para 37,13% em 1950 e 68,9% em 1980 (FARIA,
1984, p. 186 e 188; SANTOS, 2009, p. 31).
A acelerada e concentrada urbanização na segunda metade do século é evidente
também ao olharmos a conformação das cidades. Aquelas com vinte mil habitantes, que
abrigavam por volta de 15% da população em 1940, passam a acolher 28,43% dos
brasileiros em 1960 e 51% em 1980, estando na região Sudeste a maioria (60%) dos seus
residentes. Já as cidades de 100 mil habitantes ou mais, apenas 18 em 1940, saltam para
142 em 1980; as de quinhentos mil ou mais, apenas duas em 1940, somam 14 em 1980 e
as de mais de um milhão de habitantes, duas em 1960 e cinco em 1970, somam dez em
1980 (SANTOS, 2009, p. 77-83). Como pano de fundo, acontece a implantação daquilo
que Milton Santos421 (2009, p. 38) chamou de “meio técnico-científico-informacional”,
caracterizado pelo uso da ciência e da técnica no remodelamento do território a fim de
torná-lo propício a realização das atividades produtivas modernas que dependem da
rápida circulação de informação.
Nas quase três décadas em que se desenrola o despontar pentecostal que Freston
(1993) chamou de “segunda onda”, encerrada com o advento do “neopentecostalismo”
em finais da década de 1970, serão os anos 1950 que apresentarão maior incremento anual
de trabalhadores urbanos, na ordem de 6,31%. Número que irá se manter em patamares
similares, ainda que em ligeira queda, pelas duas décadas subsequentes, enquanto a
população economicamente ativa dedicada à labuta rural cairá de 59,9% para 54% nos
anos 1950, para 44,3% em fins dos anos 1960, e 29,9% em 1980 (FARIA, 1984, p. 193 e
221). Em números absolutos, contudo, o ponto de inflexão na transição do Brasil rural
para o urbano está na década de 1960, quando o aumento da população urbana finalmente
se equipara ao da população rural, ultrapassando-o na década seguinte. Quatro unidades
da federação, porém, já nos anos 1960 veem suas populações rurais crescerem em
magnitudes inferiores às urbanas: Minas Gerais, Rio de Janeiro, o Distrito Federal e São
Paulo, este último permanecendo na década seguinte como um dos estados onde o
encolhimento da população rural será mais acentuado (SANTOS, 2009, p. 34-35).
421
Um dos mais importantes geógrafos brasileiros, crítico do fenômeno de integração econômica mundial
ao qual muitos se referem sob o termo “globalização” e preocupado com o processo de urbanização em
países pobres. Foi professor da Universidade de São Paulo - USP entre 1983 e 1997.
325
os de saúde, como catalizadoras das novas formas religiosas abraçadas pela população na
segunda metade do século passado (CAMPOS, 1996, p. 93).
A hipótese da simbiose pentecostal com os problemas trazidos pelas más
condições de vida, que se multiplicam neste momento, é reforçada pelo sólido estudo de
Andrew Chesnut (1997). À procura das razões para o estrondoso sucesso do
pentecostalismo no Brasil e América Latina, o norte-americano realizou pesquisa de
campo na cidade de Natal, berço do pentecostalismo brasileiro, realizando noventa
entrevistas com frequentadores de igrejas pentecostais. Os dados reunidos lhe mostraram
que a razão principal da conversão religiosa foi o desejo de resolver problemas de saúde
diretamente relacionados às más condições de vida. Solução oferecida prodigiosamente
através das cerimônias de cura espiritual, presentes no pentecostalismo brasileiro desde o
início, conforme os diários do fundador da Assembleia no Brasil, o sueco Daniel Berg
(CHESNUT, 1997, p. 9), que confirmam a importância desse procedimento nas
conversões dos belenenses desde princípios do século XX. Medicação espiritual, conclui
o pesquisador, que se dispõe a tratar a doença numa ampla acepção do termo, ou seja,
para além das chagas físicas, incluindo “as mais comuns expressões das aflições sociais
presentes na periferia urbana”, como o alcoolismo, problemas conjugais e desgastes
mentais. Se as sessões de cura espiritual remendam corpos maltratados, os rituais de
exorcismo expurgam fantasmas de consciências atormentadas. As entrevistas revelaram,
assim, que a conversão ocorre predominantemente quando um processo de adoecimento,
seja físico ou psicológico, atinge grau crítico (1997, p. 52).
As informações reunidas atestam, ainda, a concentração geográfica do
pentecostalismo nas periferias, inchadas pelo processo, desencadeado após os anos 1960,
de inserção da Amazônia ao circuito capitalista internacional com a instalação de grandes
empresas mineradoras e madeireiras, que teriam desalojado contingentes
tradicionalmente ligados ao mundo rural, agora empurrados na direção das cidades
(CHESNUT, 1997 p. 13). Conclusão corroborada pelo fato de que 75,1% dos pentecostais
entrevistados não eram nascidos em Belém, sendo 60.2% do seu total proveniente do
interior do Pará (CHESNUT, 1997, p. 21), e pela distribuição geográfica do público
pentecostal naquela cidade. Isto porque, comparando a disposição dos templos da
Assembleia de Deus com a renda média dos bairros da cidade, constatou-se que, ao
contrário das CEBs, “que atraem seguidores de bairros mais antigos, as igrejas
pentecostais florescem nas baixadas e áreas invadidas em expansão desde a década de
50” (CHESNUT, 1997, p. 17). De fato, ainda em princípios dos anos 1990, “nenhum
328
422
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. A Posição da Igreja católica Apostólica
Romana em Relação às demais Religiões ou Seitas. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.QQQ.82001191. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/82001191/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_82001191_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2021.
329
Brasil se alastrava com velocidade, sobretudo entre os trabalhadores mais pobres. Para o
Serviço, os mais propensos a “adotar religiões não católicas” estavam nas “camadas mais
desfavorecidas do meio urbano”, afluindo especialmente para a umbanda e para as igrejas
pentecostais, ambas com “nítida preferência sobre as demais religiões”.
Outras conclusões, porém, podem ser extraídas do documento. A primeira delas é
que, na década de 1970, a umbanda se apresentava como uma das principais concorrentes
do pentecostalismo na corrida por adeptos, daí talvez derivando parte da agressividade
desse último para com as religiões afro-brasileiras. A segunda é que o nervo central da
vigilância ditatorial monitorava a erosão católica diante dos pentecostais, o que reforça
uma das hipóteses desta tese, a de que o Estado brasileiro, sobretudo o ditatorial a partir
de dado momento francamente hostil à Igreja Católica, estimulou essa expansão. De
maneira semelhante, outro papel423 confidencial, desta vez um Relatório Especial de
Informações sobre a situação religiosa no país, formulado em setembro de 1983 pelo
Centro de Informações do Exército - CIE, associa o avanço pentecostal nos anos 1960
com o fato da Igreja Católica ter enveredado “por novos rumos na sua ação pastoral”.
Aqui muito provavelmente se referiam os agentes do governo brasileiro ao crescimento
de grupos progressistas no interior desta Igreja, que muita preocupação causariam à
ditadura, como veremos em futuros capítulos.
Em termos absolutos, segundo dados do IBGE (ESTATÍSTICAS do Séc. XX.
populacionais, sociais, políticas e culturais. Religião. População presente recenseada,
segundo o estado conjugal, religião, nacionalidade e alfabetização — 1872-1970, [s.d.]),
a população evangélica total do país progrediu de 1.074.857 em 1940 para 1.741.430 em
1950, 2.824.775 em 1960 e 4.814.728 em 1970. Números que representam um incremento
de 62% nas décadas de 1940 e 1950, e 70% na década de 1960. Por outro lado, como já
foi dito, estima-se o crescimento especificamente pentecostal de 75% entre 1955 e 1960
e 100% de 1960 a 1970 (CORTEN, 1996, p. 138). Números semelhantes são apresentados
por Dreher (2017, p. 511), que sublinha o maior ritmo de crescimento pentecostal em
comparação às outras igrejas evangélicas. Assim, se os primeiros cresceriam 101% entre
1960 e 1970, todo o campo evangélico aumentou em apenas 44% no mesmo espaço de
tempo. De fato, tanto no Brasil como no restante da América Latina, a ascensão do
423
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Protestantismo, Progressismo e
Ecumenismo, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86059710.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86059710/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86059710_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2021.
330
3 - Ascensão das principais organizações pentecostais no Brasil dos anos 1950 e 1960
424
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Avaliação da Conjuntura. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.85051630. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/85051630/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85051630_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2021.
425
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Intelligence Handbook
(Classified) BRAZIL. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP85-00671R000300020001-
8. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/docs/CIA-RDP85-00671R000300020001-8.pdf>.
Acesso em: 07 abr. 2021.
331
alterações no quadro social e econômico nacional tenham lhe conferido, também ali, novo
ímpeto.
Os números referentes a São Paulo exprimiriam para Santos (2009, p. 59) um
fenômeno de redistribuição nacional da população pobre que, ao longo do século XX,
aflui para as grandes metrópoles, em especial a capital paulista, recebendo o Rio de
Janeiro apenas por volta da metade dos migrantes que para lá se dirigiram. Assim, não é
fortuito terem sido fundadas em São Paulo as principais organizações pentecostais do
período, como as já mencionadas Igreja do Evangelho Quadrangular (1951) e Brasil para
Cristo (1955) e a posterior Igreja Deus é Amor (1962). Tais grupos, diz Freston (1993, p.
66 e 82), foram especialmente capazes de se adaptar ao meio urbano, ao contrário dos
mais tradicionais, justamente por não se verem presos a tradições antiquadas, podendo
“inovar com técnicas modernas e uma nova relação com a sociedade”. Paradigmática a
esse respeito seria a Igreja do Evangelho Quadrangular, formada no ambiente moderno
da Costa Oeste norte-americana e perita em reproduzir seu proselitismo no mais
importante meio de comunicação eletrônico do período, o rádio.
Florencio Galindo (1995, p. 90) é mais um que associa o avanço pentecostal na
segunda metade do século ao progresso da miséria na América Latina, assinalando que
essa “segunda onda”, apesar de não usar o termo, seria intensificada na década de 1960
como resultado da piora nas situações materiais de vida por todo o continente. Sua
condição de teólogo católico, entretanto, o leva a acrescentar mais dois impulsores ao
fenômeno: a falta de atenção pastoral da Igreja Católica, que começa a perder público
num processo que se mantém até hoje, e a ocorrência do “auge do fundamentalismo
militante nos EUA”, que enviará ao sul levas sem fim de missionários.
426
Chesnut (1997), porém, leu o manuscrito e nele baseia seu estudo sobre a Assembleia de Deus em Belém.
333
cidade de Pindamonhangaba - SP. O dossiê, cuja autoria não é revelada, mas que presumo
ter saído do punho de membros da Assembleia de Deus, conclui que foi graças a essa
célula inicial que “hoje podemos ver institutos bíblicos e faculdades de teologia
espalhados por todo esse nosso Brasil”. Contraditoriamente, suas últimas linhas deixam
de lado a versão da designação divina de Pindamonhangaba, lamentando não ter sido o
IBAD fundado na capital paulista pela “ignorancia e falta de visão dos lideres das
Assembléias de Deus nos anos 1950 e 1960” (SIC), cuja falta de apoio forçou o seu
deslocamento para o norte do estado. A escolha de Pindamonhangaba, entretanto, pode
referir-se a outros fatores, também mundanos. Além de situar-se entre as duas maiores
metrópoles brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro, a cidade iniciou em finais dos anos
1950 um forte e ininterrupto período de industrialização, acumulando o tipo de
proletariado urbano tão aberto à pregação pentecostal. Assim, segundo o censo de 2010
a população evangélica em Pindamonhangaba atingia a marca de 24,48% (TABELA 2103
- População residente, por situação do domicílio, sexo, grupos de idade e religião -
Município = Pindamonhangaba –SP, [2010?]), superior à média nacional de 22%
(NOTÍCIAS - Censo 2010: número de católicos cai e aumenta o de evangélicos, espíritas
e sem religião, 2012).
A despeito da permanente influência escandinava e norte-americana, entretanto, a
nacionalização da direção da Assembleia de Deus em Belém se daria em 1950, quando o
primeiro brasileiro, Francisco Pereira do Nascimento, assume o posto de pastor-
presidente. Pouco depois, a Igreja faz sua primeira incursão radiofônica, mimetizando a
estratégia de comunicação das novas pentecostais instaladas no Sudeste, como a Igreja
do Evangelho Quadrangular. Em 1955, portanto, o missionário norte-americano Carlos
Hutgren estrutura a Rádio Marajoara, pondo no ar o programa A Voz do Evangelho
(CHESNUT, 1997, p. 39).
Conforme Chesnut (1997, p. 42-43), em finais da década seguinte, sob a
presidência do pastor Paulo Machado, eleito em 1968, terá início um processo de
institucionalização que redundará numa progressiva burocratização administrativa da
porção nortista da Igreja. Um dos seus reflexos será a abertura do Seminário da
Assembleia de Deus em Belém, em 1973, para a formação de quadros dotados de um
melhor e mais homogêneo embasamento teológico, deixando para trás os dias em que
“um pastor caboclo sem educação formal mas encarnando o Espírito Santo poderia
facilmente subir ao topo do pastorado da Assembleia”.
335
427
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Protestantismo, Progressismo e
Ecumenismo, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86059710.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86059710/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86059710_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2021.
336
A IEQ foi uma das novas pentecostais a aportar no Brasil na década de 1950,
dando impulso à segunda onda, trazida pelos missionários e ex-atores Harold Williams e
Raymond Boatright, que em 1951 iniciam uma caravana de tendas itinerantes pelo país,
movimento batizado de Cruzada Nacional de Evangelização. Antes disso, porém, os
norte-americanos já ensaiavam seu projeto evangelístico no interior de igrejas mais
antigas, pregando em templos presbiterianos na capital paulista e interior do Paraná, fato
ilustrativo do processo, em marcha desde os anos 1950, de “vigorosa penetração do
pentecostalismo no interior do protestantismo histórico brasileiro” (CAMPOS, 1996, p.
95-97). Logo havendo desentendimentos, começaram, entretanto, a valer-se de espaços
próprios, ainda que num primeiro momento não passassem de barracas de lona.
A princípio instalada no bairro operário do Cambuci em São Paulo, a IEQ viria a
se fixar em 1954 em Santa Cecília428 e na cidade de São João da Boa Vista, no Centro-
Leste do estado. O movimento cedo chegou aos pontos mais distantes do país, registrando
um estudo429 do Conselho de Segurança Nacional de julho de 1961, sobre atividades de
conversão de indígenas, que em 1959 a Cruzada Nacional de Evangelização já mantinha
missões amazônicas. De fato, os próprios estatutos brasileiros da igreja falavam em
428
Outrora bairro de alto poder aquisitivo, Santa Cecília encontrava-se em processo de franca decadência
nos anos 1950, abandonado pela população abastada e sem atrair, tampouco, a classe média.
429
ARQUIVO NACIONAL. Estado Maior das Forças Armadas. Sem título. Código de Referência: BR
DFANBSB 2M.0.0.349, v.4. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0349_v_04/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0349_v_04_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2021.
337
430
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho Quadrangular Prece
Poderosa BA. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81021200. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/81021200/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81021200_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2021.
338
A Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo foi fundada pelo pernambucano Manoel
de Mello em São Paulo em 1956. Com passagem pelas duas maiores organizações
pentecostais norte-americanas no Brasil, a trajetória do pastor nordestino joga luz sobre
o processo de nacionalização dessa religião, que frequentemente, a exemplo do que
acontecerá em agremiações posteriores, como a Igreja Universal do Reino de Deus, se
resume à aplicação de uma base teológica e ideológica concebida nos Estados Unidos
fundida com elementos culturais nacionais.
431
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Protestantismo, Progressismo e
Ecumenismo, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86059710.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86059710/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86059710_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2021.
339
Trabalhador da construção civil, Mello iniciou carreira religiosa nos anos 1940
como pregador da Assembleia de Deus. Segundo informações do relatório432 do CIE de
1983, tendo angariado ampla experiência em campanhas de evangelização da Assembleia
em Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, no começo da década de 1950 passa a
colaborar com a Igreja do Evangelho Quadrangular, atuando numa tenda em “um bairro
popular da cidade de São Paulo”, atraindo milhares de pessoas, “encantadas com as curas
que conseguia”. Após passagem pelo Paraná, em 1955 desliga-se também da IEQ para
fundar seu próprio empreendimento, a Brasil para Cristo, que inicialmente também
funcionava sob tendas de lona em praças públicas, expandindo-se sobretudo no estado de
São Paulo. Já em princípios dos anos 1960, entretanto, obtivera sucesso suficiente para a
construção de um grande templo no bairro de Pompéia em São Paulo.
Antenado com seu tempo e afinado com as técnicas da IEQ, a propaganda
radiofônica foi talvez o eixo principal do crescimento da Brasil para Cristo. Leonildo
Campos (1996, p. 88) comenda a eloquência de Mello, que “usava o rádio com notável
desenvoltura”, mantendo seu programa A Voz do Brasil para Cristo por décadas no ar.
Andrew Chesnut (1997, p. 37), por sua vez, também nota o grande carisma do pregador-
chefe, com imensa facilidade comunicativa em sua fala rústica e sagacidade ao substituir
a trilha sonora roqueira do culto Quadrangular, que mimetizava em suas tendas, por
“ritmos sertanejos”.
Segundo Freston (1993, p. 93), entre as novas pentecostais abertas no Brasil na
década de 1950, a Brasil para Cristo seria a de maior sucesso, conquistando grande
atenção do público e da mídia. A alegação encontra embasamento nas estatísticas trazidas
pelo documento433 do CIE de 1983. Ali, para além das dominantes Assembleia de Deus
e Congregação Cristã do Brasil, donas como vimos de 11,1% e por volta de 25% dos
evangélicos brasileiros entre 1960 e 1970, aparecem percentuais atribuídos a “outras”
pentecostais. Estas, no momento resumidas sobretudo à Brasil para Cristo, à IEQ e à
Igreja Pentecostal Deus Amor, somariam em 1960 4,5% de todos os evangélicos, mais
432
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Protestantismo, Progressismo e
Ecumenismo, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86059710.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86059710/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86059710_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2021.
433
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Protestantismo, Progressismo e
Ecumenismo, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86059710.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86059710/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86059710_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2021.
340
que dobrando esses números em 1970, quando atingiriam 11,4%. Na falta de estatísticas
confiáveis sobre a Igreja do Evangelho Quadrangular nesta época, e fiando-me nas
palavras de Chesnut e Freston sobre o seu déficit em relação às outras pentecostais,
concluo que a Brasil para Cristo e a Deus é Amor foram as maiores responsáveis por esse
crescimento.
Mais recente das pentecostais de segunda onda, a Deus é Amor foi fundada em
1962 pelo filho de agricultores paranaenses David Martins Miranda. Inicialmente
funcionando em Vila Maria, logo é realojada para a Praça João Mendes, no Centro de São
Paulo, o que, para Freston (1993, p. 92), significaria uma mudança de estratégia de atração
de novos membros. Agora concentrada na região central e seus transeuntes e não mais
num bairro que, embora operário, ligava-se às horas de lazer e de descanso, procuraria a
igreja inserir-se “nas brechas do mundo do trabalho e da rua”. Adiantando em alguns anos
as conclusões434 de Chesnut (1997) sobre a atração do pentecostalismo sobre os pobres
urbanos brasileiros, Freston (1993, p. 93) sugeriu que o código moral da Deus é Amor,
rigoroso mesmo em comparação com outras pentecostais, serviria para “colocar a vida
profissional e financeira nos eixos” daqueles às voltas com males como o alcoolismo, um
dos muitos interditos da igreja de Miranda. Como decorrência, ainda aos olhos de Freston,
a “miséria é mais visível em nos seus cultos do que nos de qualquer das outras grandes
igrejas pentecostais”.
Esse rigoroso código de conduta, para Chesnut (1997, p. 38) traço comum às mais
antigas igrejas pentecostais, como a Assembleia de Deus, o teria levado a enxergar na
Deus é Amor uma fusão de alguns dos principais elementos das três ondas pentecostais.
Assim, o ascetismo da primeira vaga acompanha o entusiasmo radiofônico, típico da
segunda, levando Miranda o proselitismo eletrônico “a um grau que nenhum outro
pregador pentecostal jamais alcançara”435, ao mesmo tempo em que se antecipava traços
de igrejas mais recentes, como a IURD, trazendo para os cultos elementos do catolicismo,
434
Este, porém, como vimos, examinou a Assembleia de Deus, e não a Deus é Amor.
435
Segundo Leonildo Campos (1996, p. 38), o entusiasmo de Miranda pelo proselitismo radiofônico era
tamanho que em finais dos anos 1980 o seu programa Voz da Libertação era transmitido por mais de
quinhentas estações de rádio, algumas pertencentes à própria Igreja.
341
da umbanda e do candomblé. Assim, além das curas espirituais, a Deus é Amor oferecia
exorcismos em profusão, expulsando de corpos extáticos “Tranca-Ruas” e outras
entidades afro-brasileiras. Como Manoel de Mello fizera antes e Edir Macedo faria
depois, Miranda teve enorme êxito em adaptar o substrato ideológico pentecostal ao gosto
dos trabalhadores brasileiros, componente importante do sucesso dessa religião.
A Igreja Pentecostal de Nova Vida foi fundada em 1960 no Rio de Janeiro pelo
missionário canadense Robert McAlister, segundo Mariano (2014, p. 39 e 52), dono de
“muitos contatos no exterior”, tendo pastoreado em igrejas norte-americanas antes de
instalar-se no Brasil “com apoio financeiro externo”. Nascimento436 (2019, posição 477-
481) sustenta que McAlister teria ainda percorrido o país nos anos 1950 com a Cruzada
Nacional de Evangelização, futura Igreja do Evangelho Quadrangular. A exemplo desta,
a Nova Vida foi outra pioneira do proselitismo radiofônico, mantendo desde os primeiros
dias o programa A Voz de Nova Vida. Durante muito tempo valendo-se do auditório da
Associação Brasileira de Imprensa - ABI para seus cultos, veio a inaugurar o primeiro
templo apenas em 1964, no bairro carioca de Bonsucesso, e sua grande sede em 1971, em
Botafogo.
Suplantada pela Igreja Universal e outras que melhor aplicaram seu receituário
teológico à realidade brasileira, seu crescimento parece ter sido muito vagaroso. Em 2010
o IBGE contava em apenas 90.568 a sua membresia (TABELA 137 - População residente,
por religião, [2010?]).
436
Jornalista com passagem por publicações como os jornais O Globo, O Estado de São Paulo e Folha de
São Paulo, além das revistas IstoÉ e Piauí.
342
Também nesse mais recente momento da expansão, a pobreza urbana atuou como
decisivo catalizador, continuando a ser o público principal das novas igrejas os
trabalhadores de baixa renda. Fato constatado por Elizete da Silva (2001, p. 14) em
pesquisa de campo junto aos membros da Igreja Universal do Reino de Deus em Feira de
Santana, Bahia; por Ricardo Mariano437 (2014, p. 12), que investigou a membresia da
mesma igreja na Grande São Paulo; e pelas palavras do bispo da IURD, Marcello Crivella,
que credita à miséria africana o grande sucesso do seu empreendimento naquele
continente (PAIXÃO, 1999, p. 46). Não bastasse, a pesquisa do ISER mencionada no
capítulo 2 mostra que 63% dos membros da IURD sobrevivem com até dois salários
mínimos. Dados também corroborados por estudo438 confidencial da Polícia Militar de
Minas Gerais, em janeiro de 1992, abordando igrejas suspeitas de “explorar a credulidade
pública”, sobretudo as que sob a Teologia da Prosperidade punham nova ênfase na coleta
do dízimo. Para a PM-MG o seguidores dessas igrejas se caracterizariam, pelo “Baixo
poder aquisitivo”, “submetidos a aflitivas doenças, desejo incontido de se livrar da
miséria e alcançar prosperidade”, tratando-se enfim de um “público ansioso, desesperado,
carente e que sempre está sob o aguilhão da necessidade, do sofrimento físico e
espiritual”. A conversão evangélica brasileira permaneceu, portanto, também nas três
últimas décadas do século XX impulsionada pelo crescimento da pobreza urbana, ainda
437
Mariano (2014, p. 12) conclui que os setores mais pobres “alheios a sindicatos, desconfiados de partidos
e abandonados à própria sorte pelos poderes públicos -, têm optado voluntária e preferencialmente pelas
igrejas pentecostais”.
438
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem título.
Código de Referência BR DFANBSB H4. MIC, GNC.MMM.920016796. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/920016796/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_920016796_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 fev. 2021.
346
que Leonildo Campos (1996, p. 97) note que nesta etapa o pentecostalismo deixou de
permanecer circunscrito a esse grupo social, atingindo estratos médios através da
televisão, com a adoção de “novas estratégias empregadas pelos tele-evangelistas norte-
americanos desde os anos 50”.
Em termos numéricos, dados consolidados nos anuários estatísticos do IBGE
(CATÁLOGO, [s.d.]) indicam o contínuo avanço da população evangélica brasileira nas
décadas de 1970, 1980 e sobretudo na de 1990. Partindo de 4.814.728 em 1970, chega a
7.885.846 em 1980, 13.189.284 em 1991 e 26.184.841 em 2000. Em termos percentuais,
temos, portanto, um crescimento de aproximadamente 64% na década de 1970, 67% na
de 1980, e estrondosos 98% na de 1990. Simultaneamente, é evidente nas estatísticas o
grande poder de atração sobre a população urbana empobrecida das organizações
pentecostais, que nas últimas décadas do século XX passam em grande parte a aderir à
fórmula de sucesso lançada pelas pioneiras “neopentecostais”, como a Igreja Universal
do Reino de Deus.
Corten (1996, p. 138), estima o crescimento pentecostal em 80% na década de
1970 e 170% entre 1980 e 1992. Não há dados anteriores a 1991 publicados pelo IBGE
sobre a população pentecostal, mas o número apurado naquele ano (TABELA 137 -
População residente, por religião, [2010?]), 8.179.706, e o contabilizado em 2000,
17.975.249, sustenta a hipótese de que este é o grupo de mais rápido crescimento na
segunda metade do século XX, representando 62% de todos os nossos evangélicos em
1991 e 68% em 2000, crescendo aproximadamente 220% neste decênio. A vitalidade
pentecostal, muito sustentada pela adequação ao ambiente urbano moderno com suas
problemáticas específicas, é ainda atestada pelo poder de arrancar adeptos de outros
grêmios religiosos, apurando pesquisa do Instituto de Estudos da Religião - ISER em
1994 que 61% dos novos convertidos vêm do catolicismo e 16% das religiões afro-
brasileiras (FERNANDES, 1998, p. 36).
Vejamos agora como ganham impulso neste momento as principais organizações
religiosas aqui chegadas a partir dos anos 1970. No ramo pentecostal, a mais importante
delas é a “neopentecostal” Igreja Universal do Reino de Deus – IURD (1977) que
juntamente com a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976), Comunidade da
Graça (1979), Igreja Internacional da Graça de Deus (1980), Igreja Cristo Vive (1986),
Renascer em Cristo (1986) e Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo (1994) encenariam
a terceira onda pentecostal (MARIANO, 2014, p. 32). Destas, o foco da análise será a
IURD, que verá ainda como se deram neste período as principais pentecostais aqui já
347
A Igreja Universal do Reino de Deus inicia seu meteórico percurso em 1977 nos
subúrbios do Rio de Janeiro. Suas raízes, porém, remontam ao ano de 1963, quando Edir
Macedo passa a interessar-se pelo pentecostalismo, seduzido pelo programa de rádio do
pastor Robert McAlister, Voz da Nova Vida, no ar todas as manhãs na Rádio Copacabana
(NASCIMENTO, 2019, posição 466-469). Conforme mencionado, Macedo passaria uma
larga temporada na Igreja de McAlister, onde acumulou experiência e ambição para
iniciar seu próprio empreendimento. Pretendia popularizar o pentecostalismo já com
toques “neopentecostais” praticado pela Nova Vida, de fato uma igreja de modesto
crescimento e com penetração predominante entre a classe média. Julgava o proselitismo
de McAlister pouco efetivo em imantar novos adeptos, buscando, ao lado do grupo que
com ele saíra dali, fundar uma igreja com “um discurso mais contundente”, aprofundando
também o combate à umbanda e ao candomblé (NASCIMENTO, 2019, posição 466-469).
Sendo assim, com R. R. Soares, Roberto Augusto Lopes e Samuel e Fidélis Coutinho,
funda em 1975 a Cruzada do Caminho Eterno, onde permanecem os irmãos Coutinho
para os outros três amigos fundarem em 1977 a Igreja Universal do Reino de Deus, a qual
Soares, por sua vez, abandona em 1980 para montar seu próprio projeto.
Atenta aos novos tempos, a IURD teria como algumas de suas características
principais, além da introdução das teologias da Prosperidade e do Domínio, a fusão de
elementos do pentecostalismo de primeira e segunda onda com elementos da umbanda,
adaptados ao sistema televisivo de comunicação (CHESNUT, 1997, p. 45). Ainda que a
cura espiritual continue importante, outras práticas dividem o protagonismo no arsenal
litúrgico iurdiano, como as sessões de exorcismo, que esconjuram exus afro-brasileiros e
têm destaque na sua programação. Outra inovação seria o afrouxamento do código de
conduta, despido de restrições comuns em outras pentecostais, como o uso de maquiagem
e prescrições rígidas sobre cortes de cabelo, por exemplo (CHESNUT, 1997, p. 46).
De modestos princípios, a igreja inicia atividades numa funerária desativada no
bairro popular da Abolição, Rio de Janeiro. Seu despontar, contudo, foi extraordinário. O
rápido crescimento, ao lado das inúmeras controvérsias em que se envolveu nas décadas
348
de 1980 e 1990, legou um vasto acervo documental escrito pelos serviços de inteligência
federal, rico material para a reconstituição da sua trajetória.
Relatório439 confidencial da Agência Central do Serviço Nacional de Informações
-SNI, de agosto de 1989, relatava que naquela altura a igreja já atingira a marca de um
milhão de adeptos e 580 templos em todo o país, além de quatro nos Estados Unidos e
um no Uruguai. O relatório chamava atenção também para o “vasto patrimônio”
acumulado, como dez emissoras rádios, entre elas a Rádio Copacabana, no Rio de Janeiro,
que detinha a 4ª maior audiência entre as emissoras AM no estado, a Rádio Uirapuru, de
Fortaleza, e a Rádio Bahia, de Salvador. No mais, registra-se a posse da empresa UNITEC
- Engenharia e Empreendimentos, “que tem a finalidade de construir igrejas”, e a Gráfica
Universal, onde passavam pelo prelo as publicações iurdianas. O relatório do SNI
encontra-se anexado a documento da Divisão de Segurança e Informações do Ministério
da Justiça, que investigava as ações da igreja, em particular as compras de emissoras,
segundo o papel feitas por “testas-de-ferro” e custando milhões de dólares de procedência
desconhecida. É destacado, ainda, que o trabalho jornalístico nestas emissoras passava a
sofrer cerceamento após a compra, também suspeitando-se, de maneira um tanto ingênua,
“o uso desse meio de comunicação para aliciamento de adeptos”.
A voracidade com a qual a Universal se lançava a essas aquisições traduz a
inequívoca sinergia entre o avanço iurdiano e as comunicações eletrônicas. Seus
programas, diz Nascimento (2019, posição 948-951), com sessões de cura, exorcismo e
promessas de prosperidade, eram em número de 27 ainda em 1983, ano em que a IURD
alcança mais um marco, veiculando o programa O Despertar da Fé em rede nacional pela
TV Bandeirantes. O Know How para a realização dessas produções seria adquirido nos
Estados Unidos, onde Edir Macedo passou a viver após 1986, assimilando “técnicas e
estratégias” de pregadores televisivos (CAMPOS, 1996, p. 91), fato que ilustra, mais uma
vez, a transferência de métodos e doutrinas formulados no espaço norte-americano para
as organizações evangélicas brasileiras, vinculadas, quando não institucionalmente, como
no caso da 100% brasileira IURD, ao menos ideologicamente às organizações norte-
americanas pertencentes ao Partido da Fé Capitalista.
439
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus, IURD.
SE141 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.89071864. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/89071864/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_89071864_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2021.
349
440
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Veículos de Comunicação Social, UCS,
Jornais, Rádios e Televisões sob Influência de Seitas Evangélicas. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.CCC.90019323. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/90019323/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_90019323_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2021.
441
Com muitos programas religiosos em sua grade, a TV Rio operou de 1988 a 1991, quando foi vendida
para a TV Record, da Igreja Universal do Reino de Deus. Conforme outro documento do SNI datado de
1988, a participação acionária da Igreja Batista na TV RIO teria se viabilizado com a ajuda da organização
capitaneada por Billy Graham, famoso pastor fundamentalista norte-americano, a Billy Graham
Association. ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Evangelico do
PMDB. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020041. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020041/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020041_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
350
442
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4.MIC, GNC.III.990009747. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/iii/990009747/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_iii_990009747_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2021
351
443
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Seita Igreja Unificação ou
Associação do Espirito Santo para Unificação do Cristianismo Mundial 4.6.1. Código de Referência: BR
DFANBSB V8/MIC/GNC/GGG/81003201. Arquivo Nacional. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/81003201/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_81003201_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2021.
444
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Dossiê. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível
em:<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFAN
BSB_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 mar 2021.
352
“moonitas”. Cinco anos depois, documentação do SNI445 indicava que estes já dispunham
de unidades em 41 cidades de São Paulo e penetração em 17 outros estados.
Como visto na Parte II, A Renovação Carismática Católica - RCC teve início num
encontro ocorrido em fevereiro de 1967 na Universidade de Duquesne em Pittsburgh,
Estados Unidos. Seu preceito fundamental é a revalorização nos meios católicos dos dons
do Espírito Santo, sendo por isso ela frequentemente rotulada como “pentecostalismo
católico”.
A despeito de seus artífices procurarem inseri-la num amplo processo de
renovação da Igreja Católica deflagrado pelo Concílio Vaticano II, a influência do
pentecostalismo em seu grande sucesso na segunda metade do século XX é destacada por
pesquisadores como Mariano (2014, p. 12). A despeito, também, de em sua página
eletrônica oficial (HISTÓRICO da RCC, 2011) a Renovação refutar a ideia de que tenha
se alastrado pela ação de religiosos norte-americanos, sustentando que brotou de maneira
natural e simultânea em diversas partes do mundo, a sua implantação no Brasil teve como
protagonistas padres estadunidenses como Harold Joseph Rahm, Edward John Dougherty
e Edward Joseph Vogel, cujos nomes foram aportuguesados para Haroldo Rahm, Eduardo
Dougherty e João Batista Vogel, respectivamente. Também pondo em dúvida a
espontaneidade do movimento brasileiro, em capítulo anteriores vimos como o
cristianismo carismático foi mundialmente cultivado pela Full Gospel Business Men’s
Fellowship International, organização formada por empresários religiosos de todo o
mundo fundada nos Estados Unidos em 1951 e comandada pelo pastor da Assembleia de
Deus David du Plessis.
De todo modo, a RCC principia por aqui pouco após a fundação norte-americana,
ainda em princípios dos anos 1970. Ainda segundo a sua página oficial no Brasil, foi em
Campinas - SP que Harold Rahm e Edward Dougherty primeiramente atuaram. Já em
1970 está no Paraná, levada pelo padre Daniel Kiakarski, que dela tomara ciência em
445
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Causa no Brasil. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87060643. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87060643/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87060643_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 20201.
353
visita aos Estados Unidos no ano anterior; em Minas Gerais no ano de 1972, graças a um
ciclo de retiros e formação de grupos de oração efetuados por Dougherty; em Goiás em
1973, levada pelo padre George Kosicki, “que havia muito participava ativamente da
Renovação nos Estados Unidos”; e no Mato Grosso em 1973, pelas mãos do norte-
americano Clemente Krug. Também em 1973, diante da “extensão que tomava a
Renovação” no país, é realizado em Campinas - SP o I Congresso Nacional da Renovação
Carismática no Brasil, acontecendo sua segunda edição no ano seguinte.
Simultaneamente, o movimento crescia por todas as regiões, induzido no Norte por Frei
Paulo, da diocese de Santarém; no Sul de Minas Gerais com Mauro Tommasini, da
Arquidiocese de Pouso Alegre; e no Centro-Oeste com Edward Joseph Vogel, sobre o
qual sabemos um pouco mais graças a documento446 do SNI de janeiro de 1971. Nascido
em 1920 em Bradford, Pensilvânia, veio para o Brasil em novembro de 1952. Segundo o
Serviço, desde o início do movimento carismático o padre visitou os Estados Unidos duas
vezes, em 1969 e em 1970, desempenhava a função de pároco na cidade goiana de
Quirinópolis e era membro da ordem de São Francisco da Reconciliação.
Ainda conforme a página eletrônica da organização, a década de 1980 vê a sua
consolidação institucional, com presença em todo o território nacional e grande destaque
na mídia. Sintoma desse robustecimento institucional, em 1980 Edward Dougherty funda
a Associação do Senhor Jesus - SDJ para angariar verbas, com a venda de material
religioso, para a realização de programas televisivos. A iniciativa é um sucesso e, no
mesmo ano, é lançado o programa Anunciamos Jesus, que em 1986 atingia 60% do
território nacional. Em 1990 a RCC eleva seus projetos midiáticos a outro patamar,
inaugurando em Valinhos - SP o Centro de Produções Século XXI, “que possui três
grandes estúdios de TV”. Outra iniciativa midiática foi a Comunidade Canção Nova,
lançada em 1974 em Lorena - SP, que em 1980 adquiriu uma rádio em Cachoeira Paulista
e em 1989 uma concessão de TV. A Rede Canção Nova viria a ser o maior canal católico
do país, transmitido em todo o território nacional e mesmo fora dele, como na Itália e
Portugal.
Vemos, portanto, que, a exemplo das demais organizações religiosas com
crescimento explosivo neste período, as comunicações eletrônicas foram fundamentais
446
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. João Batista Vogel. Código de Referência:
BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.71025115. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/71025115/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_71025115_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
354
para a expansão da RCC. Com efeito, a Polícia Militar de São Paulo frisava em relatório447
de 1990 que “Os meios de comunicação merecem especial atenção dentro da RCC”,
sendo a organização naqueles tempos responsável por programas diários e semanais,
“além da produção e locação de vídeos para a televisão”, com destaque especial para o
programa Anunciamos Jesus, transmitido em 26 canais de TV.
Ainda segundo a página da RCC, seu maior crescimento acontece na década de
1990, quando teria atingido 3.800.000 adeptos, sem deixar de frisar que o número
representava “o dobro dos católicos das comunidades eclesiais de base (CEBs)”. Os dados
parecem plausíveis, uma vez que o SNI estimava, ainda em 1981, seus seguidores em
“mais de um milhão”448 e crescendo “de maneira vertiginosa”. Já a Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República449 sustentava em inícios de 1998 que os adeptos
da RCC corresponderiam a 4% da população, concentrados no estado de São Paulo,
sobretudo em cidades do interior, na Baixada Santista e na região da Grande São Paulo 450.
Ao contrário de outras organizações religiosas aqui estudadas, a RCC não teve
como foco principal de dispersão a população de baixa renda, sendo um fenômeno
inicialmente circunscrito à classe média. O fato foi reconhecido, em junho de 1991, pelo
padre Edênio Valle, presidente da Conferência dos Religiosos do Brasil, que descreveu a
Renovação Católica como “um movimento branco, de primeiro mundo, que atinge muito
a classe média brasileira, que estava relativamente distanciada dos quadros de sustentação
da Igreja Católica”451. Ressalvava ele, porém, que “O desafio da Igreja no século XXI é
447
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB.H4.MIC.GNC.EEE 900023981. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900023981/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_900023981_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
448
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Grupos Religiosos. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.82001595. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/82001595/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_82001595_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
449
A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República foi criada pelo decreto n. 99.244, de
10 de maio de 1990. Dotada de amplas atribuições, algumas de suas funções eram funcionar como
Secretaria-Executiva do Conselho de Governo; desenvolver estudos e projetos de utilização de áreas
indispensáveis à segurança do território e opinar sobre o seu uso; fornecer subsídios para as decisões do
presidente da República; cooperar no planejamento, execução e acompanhamento da ação governamental;
coordenar a formulação da Política Nacional Nuclear e supervisionar sua execução; salvaguardar os
interesses do Estado e coordenar, supervisionar e controlar projetos e programas que lhe forem atribuídos
pelo Presidente da República. A Secretaria herdou também, divididas com a Polícia Federal, atribuições
antes a cargo do Serviço Nacional de Informações – SNI, extinto em março de 1990.
450
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.CCC.990021519. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021519/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021519_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
451
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB H4.GNC.EEE.910025102. Disponível em:
355
não continuar Européia, ela tem que se tornar Asiática, Africana e Latino-americana”
(SIC). É possível, entretanto, que em tempos recentes a RCC tenha fortalecido sua
presença entre os mais explorados. Ao menos é o que insinua em sua página oficial, onde
é dito que estaria chegando “às camadas trabalhadoras dos bairros populares”.
5.4 – A Igreja Pentecostal Brasil para Cristo após meados da década de 1970
No anos 1970 e 1980 a Brasil para Cristo obteve estrondoso sucesso radiofônico,
traduzido em 280 programas diários, irradiados por 250 emissoras em meados dos anos
1980 (ASSMANN, 1986, p. 129). O relatório do CIE de 1983 credita em grande parte ao
rádio a expansão dessa igreja, contando que Manoel de Mello mantinha programas diários
nas rádios Tupi, Rádio América e Indústria Paulista, campanha embalada também por
grandes encontros em cinemas na capital paulista. Outro dado de relevo trazido pelo CIE
toca a composição da membresia da Brasil para Cristo que, ao contrário de outras
pentecostais, “Não atrai apenas a população dos estratos mais inferiores, mas também
consegue conquistar pessoas dos estratos sociais mais elevados”, segundo os militares
graças a uma maior abertura ao mundo terreno, “não se mantendo como um grupo
fechado, em oposição à sociedade”. Leonildo Silveira Campos (1996, p. 88), no entanto,
alega que os seguidores dessa organização se concentravam “nos bairros operários pobres
da zona leste de São Paulo, reduto de imigrantes nordestinos”.
Seja como for, essa marcha vitoriosa foi abruptamente obstaculizada em finais da
década de 1980, quando Manoel de Mello é afastado da direção da Igreja, que entra numa
fase de decadência, não mantendo o ritmo de crescimento. Assim, apesar de não existirem
dados oficiais anteriores a 2010, segundo o IBGE a organização chegou àquele ano com
relativamente modestos 196.665 membros (TABELA 137 - População residente, por
religião, [2010?]).
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/910025102/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_910025102_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
356
De acordo com o SNI, em finais de 1984 a Igreja Deus é Amor já mantinha seis
estúdios de gravação, uma produtora de discos, uma gráfica e uma extensa rede de
emissoras de rádio, ocupadas em “divulgar os princípios de sua igreja” 452, com destaque
especial para programas com sessões de cura espiritual. Em outro papel, o Serviço
sustenta que a compra das rádios, fundamental para o aumento da membresia, se fazia
com grande auxílio dos adeptos, que David Miranda “incitava”453 a comprar carnês de 24
prestações. Alguns anos antes, em 1979, a expansão das atividades da Igreja permitiram
a construção de uma grande sede, em são Paulo, com 25.726 metros quadrados, segundo
Miranda o maior templo evangélico do Brasil.
Ilustrando a vitalidade do empreendimento, em 1989 a Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República informava a realização de uma grande
concentração no Mineirão. Atualmente o quarto maior estádio do Brasil, capaz de receber
sessenta mil pessoas, ao que parece, houve superlotação, assinalando a Secretaria que,
infelizmente, “um rapaz faleceu no gramado”454.
Sua expansão parece, portanto, ter prosseguido em bom ritmo ao longo da década
1990. Ainda que não haja informações no censo do IBGE para o ano 2000, em 2010 a
organização contava com 845.383 seguidores (TABELA 137 - População residente, por
religião, [2010?]), presidida por David Miranda até sua morte em 2015.
452
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação da Igreja Pentecostal Deus e Amor
no RS. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.84010489. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/84010489/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_84010489_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 mar. 2021.
453
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Irregularidades no Conteudo
Programatico da Radio Itai LTDA, Porto Alegre RS. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.GGG.85012529. Acesso em: 19 mar. 2021.
454
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Sem Título. Código de referência: BR
DFANBSB V8 MIC PTR DIT 0513. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/ptr/dit/0513/br_dfanbsb_v8_mic_ptr
_dit_0513_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 mar. 2021.
357
residente, por religião, [2010?]), ou seja, cerca de 30% de toda a população evangélica
brasileira, que o Instituto calculava em aproximadamente 28 milhões.
Amplificando com vultosos investimentos no rádio a atração sobre as camadas
pobres em crescimento, a Assembleia viu seu ritmo de expansão acelerar-se nas últimas
décadas do século XX. A base em Belém, por exemplo, diz Chesnut (1997, p. 135),
esforçava-se a reforçar sua presença no país e exterior, com a constante abertura de novas
unidades. Com acesso aos arquivos da Igreja, o pesquisador revela que entre 1968 e 1991
a Assembleia de Belém teria despachado 97 casais de missionários para dentro e fora do
país, alcançando o Piauí e o interior amazonense, neste caso a fim de recrutar indígenas.
Chesnut (1997, p. 36) acredita ter sido na década de 1970 que a IEQ começa a
apresentar crescimento expressivo, quando a proporção de pastores estrangeiros teria se
reduzido em comparação aos seus primeiros dias, obstáculo para a construção de pontes
sólidas com o público brasileiro. Sua hipótese encontra respaldo na documentação, que
mostra uma expansão acelerada neste decênio, puxada por uma segunda geração de
pregadores, já brasileiros.
Nessa época a presença da Igreja se consolida na região Norte, coordenada em
1973, desde Belém-PA, pelo missionário Josué Bengston 455, “paulista de origem
sueca”456, ajudado pelo colega Pedro Antipas. Chamava atenção da agência belenense do
SNI a grande quantidade de pessoas atraídas pela dupla para o primeiro templo da IEQ
na cidade, no bairro da Pedreira, chegando a quinhentas nos sermões de domingo.
Conforme o Serviço, a Igreja mantinha na cidade também um programa radiofônico,
como é de praxe em todo o lugar onde se instala, chamado Prece Milagrosa. Segundo
455
Em 2016, quando era deputado federal pelo PTB e presidente da Igreja do Evangelho Quadrangular no
Pará, durante a votação que aprovou a abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff,
Bengston dedicou à “família Quadrangular” o seu voto pelo “sim”. Pouco depois, em junho de 2017, foi
condenado a cinco anos e seis meses de prisão por corrupção passiva, no caso conhecido como “Operação
Sanguessuga”, que envolveu o desvio de verba pública destinada à compra de ambulâncias, pena que não
cumpriu por ser maior de 70 anos (DEP. Josué Bengston é condenado por corrupção passiva, 2017).
456
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades Religiosas na Area 119Z.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.78111881. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/78111881/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_78111881_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2021.
358
outro documento457, coube a Bengston levar a IEQ ainda para as maiores cidades da
Bahia, como Serrinha, Alagoinhas, Ilhéus, Itabuna, Itapetinga, Jeguié, Vitória da
Conquista e Feira de Santana, onde em 1976 haveria 13 templos.
Outro grande agente dessa difusão foi o ex-cabo da Marinha Francisco Epifânio
Rocha de Almeida, que ao longo da década de 1970 ofereceu pelos quatro cantos do país
“curas milagrosas de doenças e transformações de vida”458. Exemplo do processo de
formação de quadros pentecostais nacionais, Francisco, que chegara a cursar seminários
franciscanos no Ceará e na Paraíba, abandona o catolicismo para estudar no Instituto
Pentecostal do Rio de Janeiro e depois no Instituto Bíblico Quadrangular do Brasil,
chegando a estagiar nos Estados Unidos antes de ser ordenado ministro da IEQ em São
Paulo. A partir daí, “percorreu 14 estados” angariando almas, fundando e consolidando a
IEQ em Santa Catarina e no Ceará, “Deixando templos edificados em dezenas de
municípios” e respondendo também pela implantação de “obras assistenciais e
educacionais”, sobretudo nas capitais. Chegou a Salvador em abril de 1976, atraindo
milhares de pessoas, fato notado pelo Ministério da Marinha, que acompanhava de perto
as atividades do ex-membro, inclusive sua prisão no mesmo ano, “o que motivou uma
enorme passeata de fiéis até a Secretaria de Segurança Pública”. Ainda conforme a
Marinha, o pontapé inicial do trabalho de fixação da IEQ na cidade foi um programa
diário na Rádio Sociedade da Bahia. Em 1981, registrou o SNI que a Igreja já contava
com 29 templos no estado, 18 em Salvador e o restante no interior, número que “vem
aumentando a cada dia” 459.
Conforme dossiê460 do Centro de Informações da Polícia Federal, Epifânio,
contudo, entraria em choque com seus superiores num caso expressivo das tendências
centrífugas do pastorado brasileiro, que frequentemente partia para empreendimentos
457
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Religioso. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.PPP.81001969. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/PPP/81001969/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_PPP_81001969_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2021.
458
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Religioso. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.PPP.81001969. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/PPP/81001969/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_PPP_81001969_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2021.
459
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho Quadrangular. Prece
Poderosa. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81019991. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/81019991/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81019991_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2021.
460
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho Quadrangular Prece
Poderosa BA. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81021200. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/81021200/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81021200_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2021.
359
461
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho Quadrangular. Prece
Poderosa. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81019991. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/81019991/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81019991_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2021.
462
A razão da intimação fora um “telegrama suspeito” que enviara ao missionário Benedito Batista, em Rio
Branco - AC, falando de “Dinheiro Urgente – Avião”, seguido dos escritos “vão complicar Polícia CND
documento te compromete”. O pastor justificou o estranho telegrama argumentando que ele se referia a um
menor de idade deixado por Benedito Batista, antes de sua ida para a Amazônia, na casa de um membro da
Igreja, sem qualquer auxílio financeiro, sendo este o “dinheiro” mencionado no telegrama. Falava-se de
polícia apenas para “amedrontar” o missionário, a sigla CND se referiria a Conselho Nacional de Diretores
da Igreja e o documento comprometedor se tratava de papel comprovando que a guarda do menor cabia ao
missionário.
360
igreja do evangelho quadrangular, cuja sede no Brasil é São Paulo, recebe orientação
Americana”463.
A expansão Quadrangular parece não ter perdido ímpeto nas décadas seguintes.
Em princípios de 1987, notava o SNI que a IEQ contava com adeptos em todos os estados,
“elevando-se bastante o número dos mesmos”464. Leonildo Campos (1996, p. 88), por sua
vez, sustenta que em 1991 ela manteria “mais de três mil igrejas organizadas, contando
com aproximadamente dez mil pastores”. Como vimos, segundo o IBGE, a Igreja
chegaria ao ano 2000 com o número expressivo de 1.318.805 seguidores, colocando-a
entre as maiores pentecostais do país.
Para além dos catalizadores acima, outros dois fatores tiveram importância
significativa na ascensão em terras brasileiras de novas agremiações religiosas
conservadoras e vinculadas ao universo norte-americano. Falo da vigorosa campanha
efetuada por essas organizações contra outras manifestações de fé, como o catolicismo e
as religiões afro-brasileiras, e elementos do sentimento religioso popular que facilitaram
a abertura de corações e mentes para expressões religiosas importadas.
463
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DES – Delegacia de Ordem Política e
Social do Espírito Santo. Aroldo Pereira dos Santos. Código de Referência: BR ESAPEES DES.0.INV,
DPES.30.
464
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho Quadrangular.
Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.III.87007665. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/III/87007665/BR_DFAN
BSB_V8_MIC_GNC_III_87007665_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2021.
465
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. A Posição da Igreja católica Apostólica
Romana em Relação às demais Religiões ou Seitas. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.QQQ.82001191. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/82001191/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_82001191_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2021.
361
Macedo como a principal origem desses ataques, que não poupavam também o
catolicismo, como ilustrado pelo famoso episódio do “chute na santa”466.
Em julho de 1989 a Superintendência da Polícia Federal em Goiás emitiu um
pedido de busca para confirmar denúncias feitas contra a IURD. Conforme o documento,
católicos, espíritas e umbandistas acusavam-na de “desrespeito, agressão física aos fiéis
e depredação de templos dessas religiões” 467. No mesmo ano, no Rio de Janeiro, o
deputado estadual Átila Nunes, representando seguidores de religiões afro-brasileiras,
pediu a abertura de inquérito policial para a investigação de ataques a terreiros468.
Segundo Nunes, após o início da ação policial, tanto ele como o presidente da
Confederação Nacional da umbanda e Cultos Brasileiros teriam passado a receber
ameaças de morte. Também na Bahia, berço do candomblé, a IURD desferia golpes
contra as religiões de matriz africanas. Foi o que ocorreu, por exemplo, em Salvador em
agosto de 1989, quando milhares de adeptos da Igreja de Macedo foram às ruas para
denunciar um hipotético sacrifício de crianças em terreiros469, episódio que será visto
melhor no capítulo 9.
A extensiva campanha iurdiana contra as religiões afro-brasileiras era constatada
pelo próprio SNI que, em um dos muitos relatórios sobre a Igreja, sintetizava as suas
metas gerais como “combater as drogas, o umbandismo, as magias negras em geral, o
espiritismo e as idolatrias da Igreja Católica”470. Exemplar dessas disposições, frisava o
Serviço a crença de que práticas como a incorporação de espíritos seriam “coisa do diabo”
e a oposição ao “uso de velas aos mortos” e aos santos católicos. Em outro lugar, o SNI
reflete sobre o constante trabalho de conversão, notando que a Igreja permanecia sempre
466
Em 12 de outubro de 1995, no programa O Despertar da Fé na Rede Record de Televisão, o pastor
Sérgio Von Helder aplicou chutes a uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida.
467
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus -
Dossiê. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.89012868. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/89012868/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_89012868_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.
468
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus -
Dossiê. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89017556.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/89017556/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89017556_d0001de0003.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.
469
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus de
Itinga, Faz Protesto Contra as Religiões Afro Brasileiras, em Salvador BA. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.PPP.89010798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/PPP/89010798/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_PPP_89010798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021.
470
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação da Igreja Universal do Reino de
Deus. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.89012965. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/89012965/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_89012965_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.
363
aberta a membros de outras religiões, “que com o transcorrer do tempo, passam por
doutrinamento, até a sua conversão e total dedicação aos ensinamentos, tornando-se
ardorosos defensores e divulgadores da instituição evangélica” 471. Destacava também o
Serviço a intolerância exibida por muitos iurdianos, dando como exemplo fato acontecido
em São Luís - MA em março de 1989, quando pastores teriam mobilizado seguidores
para uma “ruidosa e violenta manifestação religiosa”, a fim de obstruir a procissão
católica do Senhor Morto. Descambando numa batalha campal, foi necessária a
intervenção da Polícia Militar para conter o conflito, onde o pastor Sebastião Calheiros
de Oliveira terminou detido. Na delegacia, negando acusações de estímulo a atos
violentos, firmou pé na intolerância aos católicos, dizendo que o objetivo da marcha foi
“demonstrar, publicamente, que os seguidores da Igreja Universal Cultuam o Deus vivo
e não fazem celebrações ao Senhor Morto”.
Outra agressão ocorreu na capital carioca, em janeiro de 1999, nos festejos do dia
do padroeiro da cidade, São Sebastião. Durante a celebração de missa na Catedral
Metropolitana, “um grupo de pessoas, vestido de calça preta e camisa branca, roupas
normalmente usadas por seminaristas católicos”472 infiltrou-se despercebido entre os
presentes para “distribuir panfletos ironizando a conduta dos católicos reverenciando São
Sebastião, em especial condenando o uso da imagem de santos”. A Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República supunha que a ação coubera a membros da
IURD, lembrando que durante o Natal de 1998 publicações oficiais da Igreja traziam
inúmeras agressões às “tradições católicas”, prenunciando “uma onda de provocações”,
na qual se encaixava o recente incidente.
Conforme o IBGE, ainda que se mantenha como a maior Igreja no Brasil, a
expansão da membresia católica entre 1991 e 2000 mal acompanhou o crescimento
vegetativo da população, havendo inclusive decréscimo de números totais entre 1991 e
2010 (TABELA 137 - População residente, por religião, [2010?]).
471
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus -
Dossiê. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.89004476. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/89004476/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_89004476_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 mar. 20201.
472
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.CCC.990021611. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021611/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021611_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.
364
473
Rolim (1995, p. 148) destaca o insucesso do catolicismo tradicional em proporcionar espaços públicos
de adoração, ali circunscritos ao batismo, ao matrimônio e à missa de sétimo dia.
365
simpatia”, recebendo “tratamento de irmão” num culto que “é produzido por todos e não
assistido pela maioria”.
Também impressionado com a facilidade do alastramento pentecostal na América
Latina, Dreher (2017, p. 472) supõe que grande parte desse sucesso se relacione com as
“raízes negras do movimento”, impressas desde a gênese na Los Angeles de princípios
do século XX. Delas proveriam “sua liturgia oral, a participação de todos na reflexão, na
oração pública e nas decisões”, ingredientes formadores de uma “espiritualidade de
reconciliação”, reconfortante sobretudo para grupos sociais excluídos. Simultaneamente,
do “fato de que o pentecostalismo surgiu em uma igreja negra de periferia, assumindo a
tradição oral da cultura negra” (DREHER, 2017, p. 476) decorreria a sua maior difusão
em países com menor tradição literária em comparação com a oral, para o estudioso traço
comum na Latino-América. Concordando com Rolim (1994), Dreher (2017, p. 483)
chega inclusive a compreender o pentecostalismo ao sul do continente como um
movimento de “renovação da religião popular”, “grande herdeiro dos valores e práticas
da cultura popular católica”, uma espécie de “catolicismo popular de substituição”
abraçado pelo “povo simples” em resposta à denegação de sua religiosidade pelo
catolicismo oficial e protestantismo histórico.
7 – Conclusão
alguns outros, que certamente operaram para a construção desse quadro, são mencionados
em outras partes do próprio estudo de Chesnut (1997, p. 75, 77).
O primeiro deles seria a militância impetuosa na conquista de novos seguidores,
sem paralelo na umbanda e no catolicismo, como no caso de visitadoras, que circulam
por hospitais apresentando aos enfermos as possibilidades da cura espiritual, e das
campanhas de evangelização em espaços públicos ou “porta a porta”. Conhecedores dos
dilemas de seu público, os pentecostais da IURD, por exemplo, distribuem panfletos
oferecendo soluções para “vício, finanças, desemprego, doença, nervosismo, depressão
ou brigas familiares” (CHESNUT, 1997, p. 78). O segundo seria o estímulo estrangeiro
à implantação e disseminação desta fé por todo o mundo, constituindo-se, sem dúvida,
numa grande vantagem pentecostal em nosso “mercado de almas”. Um terceiro trunfo
seria o persuasivo e de longo alcance proselitismo radiofônico e televisivo, inovação
importada e da qual as religiões afro-brasileiras estão excluídas, ainda que os católicos
ali encontrem algum espaço. Por fim, uma quarta vantagem, a ser discutida no próximo
capítulo, foi o apoio que essas organizações receberam do Estado brasileiro para sua
implantação e disseminação ao longo da segunda metade do século XX.
368
CAPÍTULO 8
Indutores políticos da expansão do Partido da Fé Capitalista no Brasil
1 – Introdução
474
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Comportamento das Editoras e Livrarias
Catolicas e Protestantes. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.88014528.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/OOO/88014528/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_OOO_88014528_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.
370
1960, por exemplo, baseavam sua atividade política na vertente evangélica dessa
Teologia, por sua vez influenciada pela “Teologia da Revolução”, concebida pelo
presbiteriano Richard Shaull e difundida em grande parte pelo seminário teológico de São
Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Com passagens pelo Seminário Teológico da Igreja
Presbiteriana do Brasil em Campinas - SP e pela Universidade de Princeton, Shaull foi o
“grande pensador teológico” (DREHER, 2017, p. 479-480) do ISAL – Igreja e Sociedade
na América Latina, movimento baseado em Montevidéu no interior do qual aconteceram
prolíficos debates sobre a Teologia da Libertação e os laços de dependência da América
Latina frente aos Estados Unidos. Um dos seus principais trabalhos foi o livro As
Transformações Profundas à Luz de uma Teologia Evangélica, publicado em 1966, onde
procurou interpretar, partindo do evangelho, “as tendências revolucionárias na América
Latina”. Outros expoentes da Teologia da Libertação evangélica, segundo Dreher (2017,
p. 480), foram Emilio Castro, Júlio de Santa Ana, José Miguez Bonino e Rubem A. Alves.
Também nas lutas campesinas a presença evangélicos teve destaque,
especialmente nas décadas de 1970, 1980 e 1990 (ALMEIDA, F. e PEDLOWSKI, 2018,
p. 234-239). As CEBs no oeste do Paraná e em outras partes do Sul, por exemplo, teriam
sido organizadas sobretudo por religiosos reunidos em torno da Igreja Evangélica da
Confissão Luterana no Brasil - IECLB. Muitos deles, inclusive, trabalhando lado a lado
com católicos, chegaram a ocupar cargos na Comissão Pastoral da Terra, cujo
ecumenismo já foi destacado na Parte I. Foi o caso de Gernote Kirinus, Werner Fucks,
Inácio Lemke e Sergio Sauer.
Evangélicos participaram também da concepção daquele que viria a se tornar o
maior movimento de trabalhadores rurais brasileiros em tempos recentes, o Movimento
dos Trabalhadores Rurais sem Terra - MST. Em seus momentos embrionários, em finais
da década de 1970 e início da de 1980, destacam-se Gernote Kirinus e Werner Fuchs, que
ministraram cursos de formação política, prestaram assessoria e promoveram inúmeros
debates sobre a Reforma Agrária em acampamentos, presentes também “nos debates e
nas reuniões que levaram à oficialização do MST” (ALMEIDA, F. e PEDLOWSKI, 2018,
p. 241). Já Milton Schwantes teria desempenhado importante papel na formação política
dos primeiros membros do MST por via do periódico Palavra na Vida (PNV), editado
pelo Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (Cebi). No mais, evangélicos teriam também
ajudado na costura das inúmeras porções do movimento, dispersas pelo país, auxiliando
a sua unificação desde o Sul até o Nordeste e a Amazônia (ALMEIDA, F. e
PEDLOWSKI, 2018, p. 241-242). Além deles, outros luteranos, como Leonildo Gaede,
371
Roberto Zwesth, Silvio Meinke, Carlos Arthur Dreher, e Gunter Wolff, teriam importante
papel na organização do campesinato em torno das lutas pela posse da terra. Almeida e
Pedlowski (2018, p. 244) chegam mesmo a visualizá-los como “intelectuais orgânicos”
do proletariado rural, ou seja, “sujeitos diretamente ligados a uma classe social,
responsabilizando-se pela construção do projeto da classe a que se vincularam (ou
atuando junto aos movimentos sociais)”.
Não surpreende, portanto, que, conforme mostra a documentação, setores
evangélicos também tenham sido alvo da vigilância estatal, ainda que em menor grau.
Em janeiro de 1983, por exemplo, a Superintendência Regional no Estado do Paraná do
Departamento de Polícia Federal formulou o relatório475 Atuação das Igrejas
Protestantes, onde destacava a adesão de alguns setores “à denominada linha
progressista”, com destaque para as igrejas Metodista, Anglicana, Luterana e
Presbiteriana Independente. Mencionava-se especialmente as atividades dos sacerdotes
Almir dos Santos, anglicano, e Ari Knebelkamp, luterano, na cidade de Londrina. O
reverendo Almir patrocinava desde 1978 encontros de jovens anglicanos no Paraná, São
Paulo e Mato Grosso do Sul, enfatizando sua mais recente edição, o II Encontro de Jovens
da Igreja Episcopal do Brasil, “estudos de problemas sociais brasileiros”. Também sob os
seus auspícios, a Igreja Anglicana fazia desde 1982 “um trabalho de catequese infantil,
tendo como objetivo a “educação libertadora”’. Não bastasse, dizia a Polícia, o reverendo,
ao lado do marista Teófilo Bacha Filho, protagonizou ato religioso durante um Dia
Nacional de Luta, realizado pelo Diretório Central de Estudantes da Fundação
Universidade Estadual de Londrina - FUEL em agosto de 1977. Esteve também na
primeira reunião do Comitê em Defesa dos Estudantes e Docentes, organizada contra atos
tidos como arbitrários da Reitoria da FUEL em dezembro de 1978, “que contou com a
presença de vários esquerdistas locais”. Santos tivera a petulância, ainda, de se posicionar
publicamente a favor da Constituinte em artigo publicado pela Folha de Londrina em
outubro de 1980, declarando que ela “Servirá para pôr fim a este estado de transição, que
por sinal já dura muito tempo - e está dando para desconfiar...”. O luterano Ari
Knebelkamp, por seu turno, recebeu atenção da Polícia ao declarar “que acha desumano
475
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia Federal. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB ZD.0.0.0015A.0007.d0004. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_zd/br_dfanbsb_zd_0/br_dfanbsb_zd_0_0/br_
dfanbsb_zd_0_0_0015a/br_dfanbsb_zd_0_0_0015a_0007/br_dfanbsb_zd_0_0_0015a_0007_d0004.pdf>.
Acesso em: 15 mar. 2021.
372
não deixar claro aos migrantes (agricultores que foram levados para Rondônia por
colonizadoras e projetos de colonização do INCRA) “as dificuldades e as imensas
barreiras que terão de enfrentar”’. Reparava-se também que a Igreja Luterana da cidade
de Cascavel, em 1983, faria ações conjuntas com a Comissão Pastoral da Terra e com o
Movimento dos Agricultores sem Terra do Oeste do Paraná. Já quanto aos metodistas, foi
registrado que uma das moções aprovadas no XIV Concílio Regional da Igreja, dizendo
respeito ao “problema da violência nos presídios brasileiros”, seria encaminhada ao
ministro da Justiça pedindo providências, e que outra, a ser enviada para a Polícia
Rodoviária e o DETRAN, revelava preocupação com o “gravíssimo” problema social da
precariedade do transporte de trabalhadores rurais “boias frias” na região.
Não se pode esquecer, também, a significativa adesão de setores católicos
brasileiros ao programa conservador foco deste trabalho. É inquestionável, por exemplo,
a contribuição de vasta porção desta Igreja ao movimento que desembocou no golpe de
1964. Ao mesmo tempo, o engajamento social do catolicismo, consubstanciado na sua
versão da Teologia da Libertação e nas Comunidades Eclesiais de Base, na visão de
alguns analistas (LÖWY, 2008, p. 1), permaneceria circunscrito à periferia da instituição
católica, conseguindo apenas ocasionalmente atingir a cúpula, por exemplo ao se fazer
ouvir em Conferências Episcopais no Brasil. Leonilde Servolo de Medeiros (1989, p.
111), por sua vez, enfatiza que iniciativas católicas em favor da justiça social no campo,
como as CEBs476 e a Comissão Pastoral da Terra - CPT477, partiam de setores detentores
de uma “concepção sobre a relação fé e vida que não era necessariamente compartilhada
pela Igreja como um todo”.
Sintomático deste fato, em telefonema de 2007 ao cônsul geral norte-americano,
um dos mais importantes dirigentes católicos do país, o cardeal Odilo Pedro Scherer,
comunica que a “Teologia da Libertação perdeu alguma de sua força e significado nos
recentes anos e não causa mais um sério problema”478. Ainda em 2007, o líder católico
aparece em documentação do Consulado Geral dos Estados Unidos em São Paulo que
relatava a sua recente promoção a arcebispo. Ali, notava-se que Scherer fazia parte de
476
Medeiros (1989, p. 113) as qualifica como “eixo de organização dos trabalhadores” situado na base da
CPT. Já Michel Löwy (2008, p. 1) ressalta a conexão da Teologia da Libertação com as CEBs, concebidas
como um novo tipo de Igreja, alicerçada sobretudo na vida comunitária e apresentando-se assim como
alternativa ao individualismo capitalista.
477
Criada em 1975, Medeiros (1989, p. 111) destaca o trabalho de assessoria prestado pela CPT aos
trabalhadores rurais em luta pelo avanço da reforma fundiária.
478
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Sao Paulo’s Archbishop on Social Issues. Canonical
ID: 07SAOPAULO855_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/07SAOPAULO855_a.html>. Acesso em: 11 jan. 2020.
373
“uma nova geração de bispos católicos brasileiros que, sob a influência do Papa João
Paulo II, ajudou a reduzir a influência da Teologia da Libertação na Igreja brasileira” 479.
Cabe mencionar, também, a história de Joseph Kiyonaga, agente da CIA
destacado para o Brasil em princípios dos anos 1960, levantada por Vicente Gil da Silva
(2020, p. 178-180). Dedicado a recrutar membros da classe dominante para a luta
anticomunista coordenada a partir dos Estados Unidos, conforme sua esposa, Bina Cady
Kiyonaga, a Igreja Católica recebera especial atenção do espião. Ali, teria importância
vital o “padre “Marco”’480, dono de mandato parlamentar na Câmara federal, que
mantinha Joseph “a par do que acontecia no Congresso brasileiro” (SILVA, Vicente,
2020, p. 181). O norte-americano travaria, ainda, contatos frequentes com outro padre-
agente, de nome desconhecido, mas que seria ligado à liderança do Partido Comunista
Brasileiro - PCB em São Paulo. Outro funcionário da CIA em ação no Brasil, Tim Hogan,
a cargo da organização de fazendeiros e grupos sindicais, também indicou a Igreja
Católica como importante ponto de sustentação de suas ações (SILVA, Vicente, 2020, p.
183).
A parceria entre a CIA e integrantes do clero católico era também frutífera na
interferência em eleições. Nas de 1962, por exemplo, procurou-se recrutar padres
dispostos a “participar de operações da agência durante o processo eleitoral” (SILVA,
Vicente, 2020, p. 647). O arcebispo de Goiás, Dom Fernando Gomes Santos, foi um que
manteve frequentes contatos com a CIA, através do agente Thomas J. Barrett Jr. Membro
da Aliança Eleitoral da Família - ALEF, organismo da CNBB voltado para influenciar
aquele pleito, Santos informou ao norte-americano que sua organização, além de valer-se
de estações de rádio, preparava-se para criar no interior do país escolas com programas
para orientação eleitoral (SILVA, Vicente, 2020, p. 648).
Não obstante, e sintomático da significativa influência que o grupo progressista
adquirira no interior desta igreja nas décadas de 1970 e 1980, a maioria da documentação
dos serviços de segurança e informação da ditadura de 64 indica os católicos como o
grupo a ser preferencialmente vigiado. Em maio de 1975, por exemplo, o SNI investigava
as ações do padre Renato Roque Barth, que acabara de instalar uma Comunidade Eclesial
de Base na cidade mato-grossense de Diamantino. Aqui, o juízo feito pelos militares é
479
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Sao Paulo Gets New Archbishop. Canonical ID:
07SAOPAULO250_a. Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/07SAOPAULO250_a.html>.
Acesso em: 17 dez. 2020.
480
Esta pesquisa, entretanto, não foi capaz de verificar a identidade do Padre “Marco”, podendo ser este
apenas um codinome.
374
481
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Renato Roque de Barth Padre
Comunidades Eclesiais de Base. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.MMM.81001994.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/MMM/81001994/BR_D
FANBSB_V8_MIC_GNC_MMM_81001994_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 mar. 20201.
482
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades Religiosas na Area 119Z.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.7811188. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/78111881/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_78111881_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2021.
483
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Religioso SE143 AC. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.89072051. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/89072051/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_89072051_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2021.
375
484
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Os Estados Unidos Contra as Igrejas na
America Latina. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.82006975. Disponível em:
376
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/82006975/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_82006975_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 mar. 20201.
485
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Relatório Rockefeller. A Subversão
Comunista e a Segurança do Hemisferio. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.69008956. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/69008956/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_69008956_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2021.
377
486
Eram eles Roger W. Fontaine, que viria a ser conselheiro de Ronald Reagan para assuntos latino-
americanos; o general Gordon Summer, chefe do Conselho de Segurança Nacional; L. Francis Bouchez,
David C. Jordan, Lewis Tabs e Ronald F. Docksai. O papel foi formulado para o laboratório de ideias
privado Conselho de Segurança Interamericana Inc., em Washington, DC.
378
produção simbólica a fim de pôr em ação uma “indústria da conscientização” 487. Não
passaria ela, portanto, de “uma doutrina política disfarçada de crença religiosa, que tem
um significado contra o Papa e contra a livre empresa, a fim de debilitar a independência
da sociedade ante o controle estatista”.
Rolim (1994, p. 141-142) destacou a importância desses escritos como base para
uma política externa norte-americana hostil à Teologia da Libertação e seus
simpatizantes, acrescentando que à formulação dos documentos Santa Fé I e II teria
precedido um “Plano Banzer”, em alusão ao ditador Hugo Banzer Suárez, elaborado na
Bolívia em 1975 mas sobre o qual não entrega maiores detalhes. Em sua ótica, todas essas
iniciativas partiriam do pressuposto de que a Igreja Católica deixara de ser um aliado
confiável, recomendando-se portanto uma “campanha intensiva de difusão das igrejas
evangélicas conservadoras”, ataques aos religiosos de esquerda e estratégias para dividir
e cooptar as hierarquias eclesiásticas.
Refletindo muitas disposições presentes nesses documentos, os arquivos da CIA,
malgrado a sua política de disponibilização restritiva, estão repletos de informações sobre
o olhar norte-americano para os religiosos progressistas latino-americanos. O relatório
secreto Liberation Theology: Religion, Reform, and Revolution488 (Teologia da
Libertação: Religião, Reforma e Revolução), formulado em abril de 1986, sintetiza os
debates ocorridos no interior de uma conferência realizada no outono de 1985 pela
Diretoria de Inteligência (atualmente conhecida como Diretoria de Análises), órgão da
CIA responsável por fornecer informações sobre segurança nacional aos altos escalões
do governo norte-americano. Propunha-se o evento a “explorar a conexão entre a
Teologia da Libertação e o crescimento da instabilidade política no Terceiro Mundo”,
sendo de “particular preocupação” o seu uso deliberado por grupos marxistas com o fim
de “promover mudanças revolucionárias”. Surgindo como um grande movimento político
em finais da década de 1960, ao se mostrar “abertamente anti-ocidental”, identificando
“os Estados Unidos e o capitalismo como os principais responsáveis pelo
empobrecimento do Terceiro Mundo”, a Teologia impulsionaria “movimentos
487
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Altamiro Pires Borges, em
Vitoria ES. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.90019563. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/90019563/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_90019563_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.
488
CENTRAL INTELIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Liberation Theology: Religion,
Reform, and Revolution. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP97R00694R000600050001-9. Disponível em:
<https://www.cia.gov/library/readingroom/document/cia-rdp97r00694r000600050001-9>. Acesso em: 15
abr. 2020.
379
489
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Latin America Review.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP87T00289R000200910001-7. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87t00289r000200910001-7>. Acesso em: 11 mar.
2021.
490
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Latin America Review.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP87T00289R000200940001-4. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87t00289r000200940001-4>. Acesso em: 11 mar.
2021.
380
491
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Liberation Theology: Religion,
Reform, and Revolution. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP97R00694R000600050001-9. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp97r00694r000600050001-9>. Acesso em: 11 mar. 2021.
492
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Latin America Review.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP87T00289R000301570001-3. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87t00289r000301570001-3>. Acesso em: 11 mar.
2021.
381
493
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Latin America Review.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP87T00289R000200910001-7. Central Intelligence
Agency – CIA. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp87t00289r000200910001-7>. Acesso em: 11 mar. 2021.
382
494
Instituída em 1934 com a participação de membros das igrejas Congregacional Presbiteriana do Brasil,
Presbiteriana Independente, Metodista e Luterana, então as maiores denominações não católicas por aqui,
a Confederação Evangélica do Brasil foi uma das primeiras tentativas de criação de um movimento
ecumênico no país. Após 1950, tendo absorvido inovações teológicas que buscavam atualizar o
protestantismo, reinterpretando os ideais da Reforma no contexto dos problemas da atualidade, a CEB, a
partir do seu Departamento de Ação Social e do Setor de Responsabilidade Social, passou a promover
conferências e reflexões que punham em questão o papel social da Igreja. Passa então a receber forte
oposição de “grupos conservadores fundamentalistas” (CUNHA, 2011, p. 122), contrários ao modernismo
teológico, com sua interpretação crítica da Bíblia, e de parcela da alta hierarquia religiosa avessa à proposta
de maior envolvimento social da Igreja. A crise se agudiza com a associação destes segmentos àqueles à
frente da ditadura instaurada em 1964, intensificando a perseguição e a censura aos membros da CEB e
suas atividades. Como decorrência, ela definha até ser totalmente esvaziada ainda na década de 1960.
383
495
Segundo Chesnut (1997, p. 148), nos momentos que consolidaram o golpe de Estado, o presidente da
Assembleia de Deus de Belém, Alcebíades Vasconcelos, enviara telegrama congratulando o general Castelo
Branco, que o respondeu com palavras gentis.
384
que “metessem fogo” 496, isto é, organizassem os “Grupos de Onze”’497. O pastor teria
também “mantido correspondência” com Leonel Brizola após o golpe.
De todo modo, diante do progressivo distanciamento da CNBB, expresso por
exemplo pela denúncia dos crimes cometidos pelo Estado contra populações rurais
amazônicas, o regime aproximou-se de várias lideranças da Assembleia de Deus. Em
Belém, por exemplo, a partir de Jarbas Passarinho, que ocupando a cadeira de ministro
da Educação não teve dificuldades para transferir recursos sob a forma de subvenção
social a projetos educacionais, foi construído um sistema de canalização de verbas que
passava pelo governador do Pará, Alacid Nunes, e pelo assembleiano, deputado federal
pela ARENA, Antonio Teixeira. Por via deste circuito, a partir de 1968 e até o final do
regime, a igreja foi agraciada com generosas ajudas financeiras, favores políticos e
holofotes, fornecendo como contrapartida “votos, apoio ideológico, e legitimação divina
ao projeto autoritário” (CHESNUT, 1997, p. 150).
O grande aumento de concessões de verbas públicas para a Assembleia de Deus,
sobretudo endereçadas a seus projetos educacionais, é confirmado pelos papéis do Estado
restrito, não apenas na região amazônica, mas em diferentes pontos do país, sem limitar-
se também ao Executivo federal. Seguem apenas alguns exemplos dos muitos indícios de
favorecimento ali encontrados.
Relação das prestações de contas do estado de Pernambuco, até 1964 governado
pelo adversário Miguel Arraes, substituído à força em abril daquele ano por Paulo Pessoa
Guerra, do PSD e logo depois ARENA, mostra que nos anos de 1960, 1961, 1962 e 1963
não houve nenhuma transferência de valores para projetos da Assembleia de Deus.
Contudo, já em 1964 vemos a quantia de 40 mil cruzeiros novos fornecida para o
“Educandário Assembléia de Deus” 498; em 1967 nova doação para o mesmo educandário,
desta vez somando duzentos cruzeiros novos; em 1968 de quinhentos e em 1969 o mesmo
valor, mas desta vez endereçado para a própria Igreja “Assembléia de Deus”.
496
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Jesuino da Silva Lima. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.84009070. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/84009070/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_84009070_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2021.
497
Os Grupos dos Onze eram células de onze militantes, distribuídas por todo o país, criadas em 1963 pelo
então deputado federal Leonel Brizola para organizar campanhas em favor das reformas de base.
498
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem título. Código de Referência: BR
DFANBSB 1M.0.0.3464. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/3464/BR_DFANBSB_1M_0_0
_3464_d0011de0041.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2021.
385
499
A CGI foi um órgão criado por decreto de setembro de 1968 no interior do Ministério da Justiça. Sua
meta era a investigação de casos de corrupção em todos os níveis do Poder Executivo.
500
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem título. Código de Referência: BR
DFANBSB 1M.0.0.7185. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/7185/BR_DFANBSB_1M_0_0
_7185_d0012de0012.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2021.
501
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.10. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0010/BR_DFANBSB_JF_E
BG_0_0010_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2021.
386
federal, mas também os poderes locais. Pelo menos é o que indicam os arquivos do
Gabinete Pessoal do Presidente da República, que trazem frequentes congratulações aos
ditadores empossados pelo movimento de 1964. Uma série de cartas502 destinas a Ernesto
Geisel entre abril e maio de 1974, por ocasião de sua posse, mostra entusiasmados votos
de apoio de membros da Assembleia de Deus em todo o país.
Paulo Leivas Macalão, presidente da importante divisão de Madureira, comunicou
em telegrama que ministros de vários estados reunidos na convenção anual que ocorria
no bairro carioca enviavam seus cumprimentos, preces e desejo de sucesso ao novo
presidente. O pastor Sebastião Vieira de Souza, presidente da Assembleia de Deus na
Zona da Mata de Minas Gerais, da mesma forma, pedindo que fossem aceitos os votos
“deste que muito vos admira”, parabenizava Geisel em nome de “toda a Igreja Evangélica
Assembléia de Deus” da região, acrescentando que seus membros teriam jejuado e rezado
pelo “bom êxito” do novo presidente, “certos de que Deus escolheu V. Excia para esta
importante missão”. Moisés Marques da Silva, pastor em Arari - Maranhão, por sua vez,
desculpava-se por não ter escrito antes para repetir os mesmos salamaleques.
Assegurando que não o fizera por “indeferência”, dizia ter convocado sua igreja para “um
culto em ação de graça, e interceção” (SIC) em favor do governante.
Não circunscritas a ocasiões especiais, como a posse presidencial, a troca de
gentilezas prosseguiu no ano seguinte, quando Etuvino Adiers, diretor do jornal A Voz
Pentecostal em Porto Alegre, vinculado à seção de Madureira, encaminhou a Geisel um
exemplar do folhetim, que acabara de ser lançado na capital gaúcha. Em sua carta, o
religioso falava das incertezas que envolveram o lançamento do periódico, aliviadas
apenas pela constatação “que Deus, servindo-se do Governo da Revolução de Março, do
qual Vossa Excia. é o mais firme esteio, está abençoando nosso querido Brasil e já
podemos entrever o raio glorioso dum futuro promissor” 503.
Em novembro de 1975 foi a vez de Abigail Carlos de Almeida, pastor presidente
da Assembleia de Deus em Ceres, Goiás, escrever504 a Geisel comunicando o aniversário
502
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.60. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0060/BR_DFANBSB_JF_E
BG_0_0060_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.
503
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.172. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_jf/ebg/0/0172/br_dfanbsb_jf_ebg_0_0172_d
0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.
504
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.231. Disponível em:
387
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0231/BR_DFANBSB_JF_E
BG_0_0231_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 20201.
505
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.109. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0109/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0109_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.
506
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.120. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0120/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0120_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.
507
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.256. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0256/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0256_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.
508
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Congresso Nacional de Mocidades das
Igrejas Evangelicas Assembleias de Deus de Mato Grosso. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.MMM.82002758. Disponível em:
388
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/MMM/82002758/BR_D
FANBSB_V8_MIC_GNC_MMM_82002758_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2021.
509
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.276. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0276/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0276_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.
389
510
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.103. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0103/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0103_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2021.
390
511
Trata-se da dissertação de mestrado de Richard Pace defendida em 1983 na Universidade da Flórida
denominada The Churches of Poverty: Religion’s Role in Distributing Aid in a Shantytown of Belém (As
Igrejas da Pobreza: o papel da religião na distribuição de auxílio numa comunidade pobre de Belém). Esta
tese não obteve acesso ao trabalho, fiando-se nas informações repassadas por Chesnut. Sendo assim, não
foi possível determinar qual eleição é abordada pela pesquisa. Possivelmente a de 1978, uma vez que após
1979, com a volta do regime político multipartidário, a ARENA Passou a chamar-se PDS. Esta hipótese é
reforçada pelo fato do partido oposicionista ser mencionado como MDB e não PMDB, nome que a legenda
ostentava na eleição de 1982. É possível, também, que se trate de fato das eleições de 1982 e que tenha
passado despercebido por Chesnut a mudança de nomenclatura dos dois partidos.
512
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Convenção Geral das Igrejas Evangelicas
Assembleias de Deus em Anapolis GO. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.85009756. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/85009756/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_85009756_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.
391
de retribuir tais favores, mostrando as suas atas que, pouco após o recebimento das
benesses, Paulo Machado organizou eventos em homenagem ao governador,
“comemorado como o melhor que o estado jamais tivera” (CHESNUT, 1997, p. 158). Da
mesma forma, o prefeito Fernando Coutinho Jorge, do PMDB, eleito em 1985, teria
fornecido vastos fundos para a construção do Templo Central da Assembleia, ajuda
arranjada pelo vereador Sebastião Bronze, presbítero da igreja.
Durante o governo de José Sarney, a Assembleia de Deus participará de
aproximações com o Executivo, trocando apoio pela direção da secretaria da
Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, caso que envolveu também
parlamentares da Igreja Universal do Reino de Deus e que veremos melhor adiante. Além
disso, toda a bancada evangélica, no interior da qual a Assembleia de Deus era maioria,
será beneficiada por transferências de verbas governamentais para a revitalização da
Confederação Evangélica do Brasil - CEB, em 1986 aparelhada por muitos dos pastores
desta bancada e que funcionará como articuladora das candidaturas evangélicas. Além
disso, teve amplo destaque na imprensa nacional a série de concessões daquele governo
para emissoras de rádio evangélicas, como vimos nos capítulos passados um dos
principais sustentáculos da expansão dessas igrejas. Tais fatos, porém, serão melhor
explorados no capítulo seguinte.
Nas eleições presidenciais de 1989, a exemplo de todas as igrejas pentecostais e
de boa parte das evangélicas, a Assembleia apoiara firmemente a candidatura de Fernando
Collor de Mello, em púlpitos e nas páginas do Estandarte Evangélico (CHESNUT, 1997,
p. 158). Chesnut (1997, p. 158) chega mesmo a falar numa “estratégia pentecostal para
eleger Collor” diante da iminente vitória de Lula, candidato do Partido dos Trabalhadores,
“um socialista e amigo da Igreja Católica progressista”. A queda de Collor, entretanto,
não parece ter sido um grande revés para a Igreja, que continuou a receber benesses
estatais sob Itamar Franco, cujo ministro das Comunicações, Hugo Napoleão, teria
facilitado a concessão para a Rádio Guarujá, comprada pela Assembleia em 1993
(CHESNUT, 1997, p. 156). Da mesma forma, a Igreja aproximou-se dos governos de
Fernando Henrique Cardoso, sendo os deputados assembleianos Benedito Domingos e
Salatiel Carvalho alguns dos mais envolvidos em sua reeleição em 1998. Já de Luiz Inácio
Lula da Silva, a Assembleia apenas se aproximou em seu segundo mandato, prestando
apoio a José Serra na eleição de 2002. A Igreja permaneceu, portanto, um importante ator
no âmbito do Estado restrito por toda a Nova República.
392
513
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DES – Delegacia de Ordem Política e
Social do Espírito Santo. Delegacia de Ordem Política e Social do Espírito Santo. Código de Referência
BBR ESAPEES DES.0.MR.12.
514
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho Quadrangular Prece
Poderosa BA. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81021200. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/81021200/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81021200_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2021.
515
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DES – Delegacia de Ordem Política e
Social do Espírito Santo. Arquidiocese de Vitória. Código de Referência: BR ESAPEES DES.0.MR.4.
393
Catedral. Ali teria sido visto, também, “um cartaz com os dizeres: “Solidariedade ao povo
da Nicaragua”’ (SIC) exibindo um guerrilheiro empunhando fuzil. Após a missa, a
multidão partiu para a Assembleia Legislativa acompanhada de políticos locais, que
“atacaram frontalmente o Governo do Estado e o regime vigente”.
A IEQ se notabilizou também em seu pioneirismo partidário, sendo uma das
primeiras organizações pentecostais a eleger representantes para cargos públicos. O
pastor e presidente da Confederação Pentecostal do Brasil, Geraldino dos Santos, foi
eleito vereador na capital paulista em 1964 e deputado estadual em 1967. Autorizando-o
a concorrer no pleito municipal, a direção nacional da IEQ justificava a candidatura como
um atendimento “ao insistente apelo dos pentecostais”516, certa de que no exercício do
mandato o pastor “defenderá a obra evangélica e a nação da tirania comunista”, deixando
bem claro em que lado do espectro político a Igreja se colocava em tempos ditatoriais.
Já nos anos de redemocratização, a IEQ foi outra Igreja que empreendeu grandes
esforços eleitorais para abocanhar posições no Estado restrito. Conforme Freston (1993,
p. 211), reunida em convenção em 1985, a Igreja decide apresentar candidatos oficiais
para as vindouras eleições. A partir daí, elegeu para a Câmara Federal dois deputados em
1986, Mário de Oliveira (PMDB) e Jaime Paliarim (PTB), e reelegeu Mário de Oliveira
em 1990 e 1994, desta vez pelo PPB, e em 1998.
Nas eleições majoritárias, a IEQ tem se posicionado de maneira semelhante às
demais pentecostais, invariavelmente aproximando-se de candidatos conservadores. Em
1989, por exemplo, ainda que não tenha apoiado expressamente nenhum candidato no
primeiro turno, condenou “o voto em candidatos comprometidos com o “marxismo ateu”’
(FRESTON, p. 255), abraçando Fernando Collor de Mello com vigor no segundo turno.
Um dos seus principais nomes no Estado restrito, desde os anos 1980, é o pastor Guaracy
Batista da Silveira, atualmente ao PSL, que assumiu a função de senador em 2018, eleito
em 2014 para a suplência de Katia Abreu.
516
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 1M.0.0.6357. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/6357/BR_DFANBSB_1M_0_0
_6357_d0009de0018.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2021.
394
Ao longo das décadas de 1960 e 1970 Manoel de Mello, líder máximo da Brasil
para Cristo, ensaiou diversas aproximações com o clero progressista, tendo da mesma
forma se apresentado em mais de uma oportunidade como crítico do regime de 1964.
Segundo Leonildo Campos (1996, p. 88), entretanto, muitas dessas ações seriam mero
“jogo de cena”, “uma estratégia de marketing para vender a sua imagem e conseguir
recursos para a igreja”. A hipótese é sustentada pela documentação apenas em períodos
mais recentes, mostrando Manoel de Mello e sua Igreja, a partir dos anos 1980, com uma
postura simpática ao governo Figueiredo e alinhando-se com partidos conservadores.
Em outubro de 1982517, o deputado federal Airton Esteves Soares, líder do Partido
dos Trabalhadores na Câmara, denunciou Manoel de Melo ao Conselho Mundial de
Igrejas - CMI, órgão ecumênico naquela altura frequentado sobretudo pelo clero
progressista, por mobilizar sua Igreja em favor do partido governista PDS. A exemplo de
outras pentecostais, argumentava também o deputado que a Brasil para Cristo aderia à
campanha de agressão à Igreja Católica, organizando uma grande concentração no estádio
do Pacaembu em São Paulo contra as comemorações do dia de Nossa Senhora Aparecida.
A mão de Melo, de fato, parecia estender-se para a ditadura em março de 1982,
quando o religioso posta amistoso telegrama para o presidente de fato João Figueiredo.
Em nome da Igreja, Melo parabenizava o general “pela sua coragem e oportunidade” 518
em recente pronunciamento contra a obscenidade, manifestando que sua agremiação já
estava participando dessa “proclamada cruzada”, desejando que Deus guardasse vossa
excelência, família e governo “pelos quais estamos em oração”.
A inocuidade contestatória da Brasil para Cristo foi também atestada pela agência
de Curitiba do SNI em informe confidencial de abril de 1982. Examinando a Igreja de
forma geral e em específico sua atuação no Paraná, o Serviço era taxativo ao informar
que “Não foi detectado, até o momento, possíveis vinculações de caráter político-
ideológico dos membros da diretoria da Igreja. Também, não há registros negativos à
atuação da entidade e de seus membros diretores” 519. Em 1985, Melo é novamente citado
517
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Resenha Politica do Interior Paulista.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.82012946. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/82012946/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_82012946_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
518
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.83. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0083/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0083_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
519
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Evangelica Pentecostal o Brasil
para Cristo. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.82002543. Disponível em:
395
pelo SNI como um líder religioso crítico à Teologia da Libertação, tendo dito que ela
“não é fiel às Escrituras Sagradas, no plano transcendental”520.
Outro sintoma do alinhamento da Brasil para Cristo com forças politicamente
conservadoras, e com seus pares pentecostais reunidos na bancada evangélica, foi o
apoio521 fornecido pela Igreja a parlamentares dessa bancada nas eleições de 1986, como
o membro da Assembleia de Deus Matheus Iensen, eleito pelo PMDB do Paraná.
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/82002543/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_82002543_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
520
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Principais Assuntos no Campo
Psicossocial em OUT 84. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.85016674.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/85016674/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_85016674_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
521
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatos Eleitos que Receberam o Apoio
da Igreja No Parana, SS14 ACT. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.87006992.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/87006992/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_87006992_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
522
ARQUIVO NACIONAL. Conselho de Segurança Nacional. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB N8.0.AGR, LGS.270. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_N8/0/AGR/LGS/0270/BR_DFANBSB_
N8_0_AGR_LGS_0270_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
396
523
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação da Igreja Pentecostal Deus E
Amor em Porto Alegre RS, Exploração da Credulidade Popular. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.GGG.84010295. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/84010295/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_84010295_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
397
Rádio Itaí, declarando que ela “será decidida em Brasília” 524. Passaria o caso para a
direção geral do DENTEL que, após ouvir as partes envolvidas, orientaria o departamento
regional para a cassação ou não da rádio.
A concessão presidencial, entretanto, não foi retirada e nem, tampouco, a Itaí se
privou de irradiar programas com curas espirituais, sendo multada pela Secretaria de
fazenda Saúde e Meio Ambiente do Rio Grande do Sul em março de 1985 pela promoção
de “métodos não reconhecidos pela ciência médica”525. A última informação sobre o caso
fornecida pela documentação figura em amplo relatório de maio de 1993 da Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República sobre os inúmeros percalços legais de
David Miranda e sua Igreja. Ali é dito que o procurador do pastor contestou a multa do
governo do Rio Grande do Sul, “alegando falta de competência jurídica daquela
Secretaria para aplicar multas, pois tal competência, segundo ele, pertencia ao Governo
Federal, como concessionário dos serviços de telecomunicações” 526.
A Rádio Itaí continua em funcionamento nos dias atuais, ainda sob a posse da
Igreja, tendo inclusive modificado seu nome para Rádio Itaí Deus é Amor.
524
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Irregularidades no Conteudo
Programatico da Radio Itai LTDA, Porto Alegre RS. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.GGG.85012529. Acesso em: 19 mar. 2021.
525
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confirmação de Multa a Radio Itai, por
Acordão do TJE. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.85012949. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/85012949/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_85012949_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
526
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB V8 MIC PTR DIT 0513. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/ptr/dit/0513/br_dfanbsb_v8_mic_ptr
_dit_0513_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
398
527
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 1M.0.0.3192. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/3192/BR_DFANBSB_1M_0_0
_3192_d0005de0060.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2021.
528
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Arquivo Nacional. Código de
Referência: BR DFANBSB 1M.0.0.3192. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_1m/0/0/3192/br_dfanbsb_1m_0_0_3192_d0
023de0060.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2021.
399
Não se pode dizer que as relações da IURD com a ditadura foram amistosas.
Pentecostais tardios, inaugurando uma série de práticas proselitistas e aprofundando a
monetização de outras já comuns, como as sessões de cura, a Universal começa a se
expandir no exato momento em que o regime dos generais se desagrega rapidamente. A
organização não foi integrada, portanto, em programas de sustentação ideológica, tal
como outras pentecostais mais antigas, recebendo neste período a desconfiança do Estado
restrito ao invés de afagos e benesses. Tais desentendimentos parecem em grande parte
reportar-se à ênfase na Teologia da Prosperidade e no correspondente impulso
arrecadatório dos cultos, não sendo impossível também que o “pé atrás” da ditadura tenha
relação com as origens pobres de Edir Macedo e seus sócios. Dossiê encontrado nos
arquivos do Serviço Nacional de Informações – SNI, mostra a vigilância constante e o
mau juízo que o regime fazia do empreendimento. Retrocedendo a maio de 1981, poucos
anos desde a fundação da Igreja, o dossiê contém documento da Delegacia de Polícia
Fazendária do Departamento de Polícia Federal comunicando abertura de investigação
sobre denúncias de contrabando dirigidas a Edir Macedo e ao pastor José Cabral
Vasconcelos. Ambos estariam trazendo dos Estados Unidos “diversas mercadorias” 529
529
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus.
Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89017556. Disponível em
400
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/89017556/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89017556_d0001de0003.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2021.
401
em 1989 sobre queixas de ex-seguidores que, após doarem o que tinham e não tinham,
não receberam as dádivas divinas prometidas. Paralelamente, o Ministério Público
Federal manteve seu olho sobre as atividades da IURD durante boa parte da década de
1990, interessado no processo de conversão do não tributável dízimo, através de
manobras cuja licitude é suspeita, em capital investido em vasto número de atividades
lucrativas.
Mas a despeito da resistência, Edir Macedo, desde os primeiros dias de sua Igreja,
alimentou planos para frequentar o Estado restrito. Segundo seu biógrafo Gilberto
Nascimento (2019, posição 139-140), os planos verbalizados livremente pelo “bispo” não
se restringiam à acumulação de riqueza material, completando-se na penetração do
universo partidário a fim de atingir um “patamar superior na estrutura de poder”. Não é
fortuito, assim, que a Igreja Universal seja uma das pentecostais cujas incursões na
disputa partidária se deu em menor tempo após a fundação, já em 1982 a Igreja lançando
candidatos a funções legislativas. Não demorou, dessa forma, para que a IURD fosse
acolhida pela República brasileira, o que se deu já nos primeiros anos da
redemocratização, sendo o marco inicial desse processo a eleição de Roberto Augusto
Lopes, cofundador da IURD, para o cargo de deputado federal em 1986. Influente no seio
da bancada evangélica, Lopes parece ter sido o seu principal interlocutor com José
Sarney. Documento530 formulado pelo Serviço Nacional de Informações, conta como o
pastor conseguiu o favor do presidente em troca de apoio de algumas igrejas evangélicas
ao seu governo. A parceria foi firmada em julho de 1987, envolvendo a nomeação de
Jeremias Soares de Oliveira para a direção da Superintendência do Desenvolvimento da
Pesca - SUDEPE, confirmada a Lopes por ligação telefônica de Sarney. Selada a aliança,
mesmo instado por seu partido, o PTB, a assinar documento reivindicando eleições diretas
em 1988, o deputado iurdiano declinara “em razão de compromissos já firmados com o
Governo Federal” 531. No mais, após a nomeação de Oliveira, Lopes e o restante dos
530
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0002de0002.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2021.
531
As negociações passaram primeiramente pelo ministro da Agricultura, o também evangélico Iris
Rezende, que deu o sinal verde para o seu prosseguimento com Sarney. Pastor da Assembleia de Deus em
Alecrim – RN, Jeremias Soares de Oliveira era também 4° suplente de deputado federal pelo PMDB do
Rio Grande do Norte e ex-delegado regional do trabalho naquele estado. O SNI teceu um perfil lisonjeiro
de Jeremias, que, no campo ideológico, seria “Integrado com os mais sadios princípios democráticos”, no
psicossocial fora “distinguido com a medalha “amigo da Marinha”’ e no político tinha posicionamento
favorável ao governo. ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar
402
533
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4.MIC,GNC.CCC.990021497. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021497/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021497_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2021.
534
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.DIT.920076033. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/920076033/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_920076033_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2021.
404
535
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.CCC.990021496. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021496/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021496_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
536
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2021.
405
537
O fundador da Igreja da Unificação, o empresário Sun Myung Moon, chegou inclusive a ser processado
nos Estados Unidos por sonegação de impostos.
538
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seita Moon em Belo Horizonte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.86012256. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ooo/86012256/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ooo_86012256_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
539
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. Processo
DICOM n. 16.618. Código de Referência: BR RJANRIO TT.0.JUS, PRO.343. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_TT/0/JUS/PRO/0343/BR_RJANRIO_TT
_0_JUS_PRO_0343_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
406
540
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2021.
541
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. Processo
DICOM n. 16.618. Código de Referência: BR RJANRIO TT.0.JUS, PRO.343. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_TT/0/JUS/PRO/0343/BR_RJANRIO_TT
_0_JUS_PRO_0343_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
542
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Causa no Brasil. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87060643. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87060643/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87060643_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
407
543
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Seita Igreja Unificação ou
Associação do Espirito Santo para Unificação do Cristianismo Mundial 4.6.1. Código de Referência: BR
DFANBSB V8/MIC/GNC/GGG/81003201. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/81003201/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_81003201_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2021.
544
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
408
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em 03 mar 2021.
545
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em 03 mar 2021.
546
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. Processo
DICOM n. 16.618. Código de Referência: BR RJANRIO TT.0.JUS, PRO.343. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_TT/0/JUS/PRO/0343/BR_RJANRIO_TT
_0_JUS_PRO_0343_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
409
coração se encha da mágoa e desespero que transborda das mães que estão pelo NOSSO
Brasil afora sem seus filhos”.
O DOPS, todavia, se ocupou, de fato, do caso. Conforme matéria do jornal Folha
da Tarde, a Igreja da Unificação chegou a ser investigada por ordem de Romeu Tuma,
diretor da divisão paulista. O delegado, entretanto, já iniciou os trabalhos alegando ter
informações que, a exemplo do que acontecera com outra organização conservadora, a
Tradição Família e Propriedade - TFP, a Igreja da Unificação poderia estar sendo alvo da
“fúria de setores esquerdistas” 547, não passando os fatos brasileiros de “repetições do que
já aconteceu em outros países, especialmente depois que o ditador cubano Fidel Castro
declarou ver naquele movimento religioso-filosófico o único inimigo, em termos
ideológicos, que lhe causa temor”.
A ditadura, assim, se fez de surda às vozes populares e Figueiredo manteve sua
inércia, motivado não apenas pela pressão norte-americana, mas por interesses políticos
do regime. Ao longo dos anos de 1981 e 1982 parece ter havido um estreitamento de laços
entre a Igreja da Unificação e o Estado brasileiro. Em amplo dossiê 548, documento da
Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores de setembro
de 1981 informa que os brasileiros Nuno Linhares Velloso, chefe da Divisão de Assuntos
Políticos da Escola Superior de Guerra, e Antonio Aggio Junior 549, editor do jornal
paulista Folha da Tarde, atenderiam à IV World Media Conference, evento concentrado
no papel da mídia no combate ao comunismo organizado pela Igreja da Unificação em
outubro daquele ano em Nova Iorque. Os convidados teriam suas despesas pagas pela
News World Communications Inc., empresa de comunicação fundada em 1976 na mesma
cidade por Sun Myung Moon, líder da Igreja da Unificação. O mesmo papel revela que a
empresa fizera convites para diplomatas brasileiros na embaixada de Washington e no
consulado de Nova Iorque. O dossiê traz ainda outro texto, da embaixada do Brasil em
547
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
548
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2021
549
Conforme Beatriz Kushnir (2004), O jornal Folha da Tarde pertencia ao grupo Folha de São Paulo.
Mantendo um corpo de redatores com tendências progressistas até o golpe de 1964, durante o regime
autoritário o periódico teve seus quadros à esquerda expurgados pelos proprietários Octávio Frias e Carlos
Caldeira, substituídos por nomes com estreitas relações com os órgãos repressivos do governo, entre eles
Antonio Aggio Junior, nomeado editor chefe.
410
Seul datado de novembro de 1982, falando sobre a realização ali da V World Media
Conference, com a participação de 270 pessoas, entre intelectuais, jornalistas e
autoridades, vindas de 74 países. É informado que o Brasil foi representado novamente
pelo jornalista Antonio Aggio Junior e pelo dirigente da ESG Nuno Linhares Velloso, ao
lado desta vez do integrante do DOPS de São Paulo, órgão que como vimos investigava
a Igreja, Carlos Antonio Guimarães550.
O dossiê traz, ainda, informe do SNI de dezembro de 1982, dando conta da
realização de um Seminário de Filosofia e Teologia para Professores Universitários em
Canela - RS, em outubro daquele ano e promovido pela Associação Internacional
Cultural, subsidiária da Igreja da Unificação, alegando que Clóvis Oliveira, delegado de
Polícia em Belém - PA que investigou a Igreja em inquérito sobre aliciamento de
menores, “participou do encontro como convidado especial”. O papel não traz
informações aprofundadas sobre o evento, mas matéria divulgada pelo Jornal de Minas
em 27 de agosto de 1981, e transcrita em edição do mesmo ano do periódico
unificacionista Mundo Unificado, reporta a realização de outro “Congresso de
Professores” no Hotel Nacional no Rio de Janeiro, que, a despeito do propósito declarado
de debater Teologia, “no bojo dos debates, foram aventadas e discutidas estratégias para
enfrentar e derrotar o comunismo nas Igrejas e nos colégios”. Sobre esse último evento,
veremos mais no próximo capítulo.
Em Porto Alegre em julho de 1981, documento não assinado, porém emitido por
um “Grupo Combate à Omissão”, muito provavelmente vinculado à Seita Moon, uma vez
que o papel se encontra em outro amplo dossiê do SNI sobre a organização, e ao que
parece endereçado ao próprio Serviço, relata ações universitárias contra a influência da
esquerda no meio estudantil. Dizia o escrito que, desde 1980, criara-se um grupo de
universitários devotados ao estudo de teóricos ultraliberais, como “Milton Friedman,
Friedrich Hayek, Von-Mises, Bhöm-Bawerk”551 e “técnicas de enfrentamento de
totalitários”. A carta concluía com uma proposta de aliança, manifestando o desejo de
“manter contato com V. Sa., pois cremos ser esta uma hora para lutarmos pela
democracia”. O nome do destinatário, infelizmente, permanece em branco, mas
550
Provavelmente se trata de Carlos Antônio Guimarães Sequeira, delegado do DOPS que, ao lado de
Antônio Aggio Júnior, acumulava a função de editor internacional do jornal Folha da Tarde.
551
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Causa Internacional, Washington DC
Atividades. Unificacionismo, Unification Moviment. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.CCC.81005027. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/81005027/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_81005027_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
411
552
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
República Nacional da China. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.REX.IPS.91. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_z4/rex/ips/0091/br_dfanbsb_z4_rex_ips_009
1_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
412
553
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. Processo
DICOM n. 16.618. Código de Referência: BR RJANRIO TT.0.JUS, PRO.343. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_TT/0/JUS/PRO/0343/BR_RJANRIO_TT
_0_JUS_PRO_0343_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
554
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. II Convenção Panamericana da CAUSA
Internacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.85051420. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/85051420/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85051420_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
555
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Causa no Brasil. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87060643. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87060643/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87060643_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
413
556
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatos Eleitos que Receberam Apoio
da Igreja. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.87005996. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/87005996/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_87005996_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
557
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
558
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Causa no Brasil. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87060643. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87060643/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87060643_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
414
como o PMB, PSC, PDC, PPB e outras que têm afinidade com os principais suportes da
doutrina defendida pela Causa: o nacionalismo e o anti-comunismo”. Talvez não por
acaso, portanto, alguns desses partidos tenham sido os principais responsáveis pela
eleição de candidatos da dita bancada evangélica. O PDC, por exemplo, elegeu em 1986
os assembleianos Gidel Dantas e Sotero Cunha; em 1990 Francisco da Silva, da
Congregação Cristã no Brasil e o mórmon Moroni Torgan. Já o PPB emplacou em 1998
os assembleianos Salatiel Carvalho e Amarildo Martins da Silva; o iurdiano Wagner
Salustiano; Francisco Silva da Congregação Cristã; Mario de Oliveira, da Igreja do
Evangelho Quadrangular; Lamartine Posella, da Igreja Batista; e o luterano Hugo Biehl.
Conforme outro documento confidencial do SNI, Fausto Auromir Lopes Rocha seria
membro diretor da Confederação Evangélica do Brasil - CEB, organização que, como
vimos, foi expurgada de seus quadros progressistas após o golpe de 1964. Como
secretário de desburocratização de São Paulo entre 1981 e 1982, dizia o Serviço, Rocha
formulou em abril de 1981 projeto aprovado pelo governador Paulo Maluf que reconhecia
a Igreja da Unificação “como de utilidade pública” 559.
O último documento produzido pelo Estado brasileiro a respeito da Igreja da
Unificação localizado na base de dados eletrônica do Arquivo Nacional é um relatório
confidencial, intitulado “Atividades da Seita Moon em Goiás” 560, redigido pela Secretaria
de Assuntos Estratégicos da Presidência da República em junho de 1996. O papel conta
sobre um grande evento planejado pela organização na cidade de Goiânia na mesma data,
destacando como principais representantes da Igreja no estado os pastores Romilton
Amaral e Paulo Carvalho. Mas seu conteúdo mais importante é um diagnóstico sobre os
planos da Igreja para o Brasil naquele momento. Segundo a Secretaria, buscavam os
“moonitas” “a aproximação com grupos evangélicos” a fim de “cooptar maior número de
lideranças e fiéis”. Tal fato, contudo, não é novidade, uma vez que eventos realizados
pela Igreja ao redor do mundo, conforme vimos no capítulo 3, e no Brasil, que veremos
adiante, se diziam ecumênicos e eram, de fato, frequentados por religiosos de diversas
procedências. O papel informa, porém, que também a mais nova estrela pentecostal do
559
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confederação Evangélica do Brasil, CEB.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020924. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020924/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020924_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
560
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
BR DFANBSB H4 MIC.GNC.RRR 990014702. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/990014702/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_rrr_990014702_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
415
561
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Renovação Carismatica Catolica do Brasil.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.82011500. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/82011500/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_82011500_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
562
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Levantamento dos Campos Militar,
Politico, Economico, Psicossocial e Subversão na Area do IIEX, no Periodo de 01 a 31 MAI 83. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.83014573. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/83014573/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_83014573_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar 2021.
416
563
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Congregação Nova Jerusalem. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.86003509. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/86003509/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_86003509_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
564
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. XIII Congresso Brasileiro de Comunicação
Social UCBC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.84016567. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/84016567/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_84016567_an_01_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
565
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Boletim Agencia Ecumenica de Noticias.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.88016052. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/88016052/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_88016052_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
417
Notava a matéria a reserva da CNBB, afinal, a Igreja brasileira já tinha sua linha pastoral
bem clara, o “compromisso objetivo com os empobrecidos”. O novo programa, por outro
lado, além de exibir um tom mais espiritualista, seria financiado por “grandes empresários
norte-americanos e europeus”, sendo o embaixador dos Estados Unidos na Santa Sé, o
nosso conhecido Frank Shakespeare566, “um dos que mais apoiam a nova cruzada”. A
despeito da indisposição da CNBB, entretanto, “As “escolas de evangelização” já estão
sendo instaladas em várias regiões brasileiras, preparando quadros para a nova cruzada”.
Um dos grupos católicos mais afetados pelo acachapante despontar da RCC,
paralelo à perda de espaço também para pentecostais e evangélicos em geral, foram as
Comunidades Eclesiais de Base - CEBs. Tentativas de reação foram esboçadas, contudo,
a partir de julho 1997, quando ocorreu um encontro nacional de delegados das CEBs,
vigiado com zelo pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
sob Fernando Henrique Cardoso. Tentou-se ali, analisar “os métodos com os quais
cristãos pentecostais, católicos e evangélicos estão conquistando cada vez mais
adeptos”567, postulando-se a “necessidade de serem efetivadas as alterações na atuação
das CEBs” (SIC) a fim de revitalizá-las e dar-lhes novo relevo na superação das injustiças.
Entre as experiências apresentadas, os agentes estatais sublinharam “o envolvimento de
integrantes dessas Comunidades com o movimento de ocupação de terrenos nas periferias
urbanas”. Em fevereiro de 1998, a mesma Secretaria frisava em outro papel a diferença
entre a RCC e as CEBs. Para ela, “a RCC diverge e confronta com as CEBs”568 em vista
de os membros da primeira “declinarem do coletivismo, não envolverem questões
religiosas com as sociais, renunciarem a militância política, dedicando-se tão somente
para desenvolverem alto controle moral no âmbito da família, dos costumes, da
sexualidade” (SIC).
566
Como visto no capítulo 6, além de presidente da empresa RKO Generale, Shakespeare foi membro da
associação conservadora Council for National Policy, do laboratório de ideias Heritage Foundation e do
conselho da Lynde and Harry Bradley Foundation, fundação com um amplo histórico de financiamento de
organizações religiosas conservadoras nos Estados Unidos. No governo norte-americano, desempenhou os
cargos de diretor da United States Information Agency - USIA e do Board of International Broadcast,
responsável pelas emissões radiofônicas da Radio Free Europe, além de embaixador em Portugal e no
Vaticano.
567
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência: BR DFANBSB H4.MIC,GNC.GGG.980019076. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ggg/980019076/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ggg_980019076_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
568
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.CCC.990021519. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021519/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021519_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
418
Além do diálogo entre a RCC e o regime, destacado pelo arcebispo José Maria
Pires, a documentação não traz maiores informações das relações entre a RCC e o regime
militar, mas há outros indícios de que ela tenha sido amigável, pelo menos no que se
refere a alguns dos seus setores. É o que sugere, por exemplo, telegrama569 enviado pelo
padre Alírio Pedrini a Ernesto Geisel em setembro de 1974 agradecendo a escolha do
senador Antônio Carlos Konder Reis, ex-membro da UDN e naquele momento filiado à
ARENA, para governador biônico de Santa Catarina. Alírio Pedrini é listado na página
oficial da RCC como um grande divulgador do movimento na década de 1970.
A exemplo de outras organizações religiosas conservadoras, a RCC lançou-se com
afinco à disputa partidária. Para o Legislativo federal, em 1990, lançou 15 candidatos
pelas legendas PFL, PMDB, PSC e PSDB, entre eles Osmânio Pereira de Oliveira, um
dos líderes do movimento no Brasil, que saiu pelo PSDB de Minas Gerais. Em grande
evento realizado pela RCC em junho de 1990, o XII Cenáculo da Igreja Católica,
Osmânio justificou a recente inserção partidária da organização atribuindo-a, de forma
um tanto demagógica, visto não ser este o foco da atuação da RCC segundo os próprios
serviços de inteligência do Estado brasileiro, a um “chamado” 570 para “provocar
mudanças nas estruturas da sociedade”. A informação consta em informe confidencial da
Polícia Militar de São Paulo, que relata também que futuros candidatos da RCC já
estavam sendo preparados para concorrer às eleições municipais de 1992. As
candidaturas, ao que tudo indica, se apresentavam como resposta aos setores progressistas
da mesma Igreja Católica, tendo integrantes de grupos de oração da RCC nas eleições
presidenciais de 1989 protestado “contra a utilização da política partidária na Igreja
Católica”571. Uma das queixosas foi Maricy Trussardi, esposa do presidente da
Associação Comercial de São Paulo, o empresário Romeu Trussardi, que reclamou do
“uso do púlpito como palanque eleitoral em igrejas do Estado de São Paulo”. Tendo entre
seus fundadores muitos católicos progressistas, sobretudo oriundos das CEBs, cabe
569
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.56. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0056/BR_DFANBSB_JF_E
BG_0_0056_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
570
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência: BR DFANBSB H4.MIC,GNC.EEE.900023981. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900023981/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_900023981_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
571
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.EEE.900023963. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900023963/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_900023963_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
419
lembrar que nas eleições de 1989 boa parte da Igreja Católica aderiu à candidatura do PT,
com Luiz Inácio Lula da Silva, contra Fernando Collor de Mello.
Essa significativa inclinação de setores católicos pelo Partido dos Trabalhadores
surge também em documento de dezembro de 1988, onde o SNI reparava na grande
participação partidária de padres em tempos recentes, notando que “os sacerdotes
optantes pela política, em sua quase totalidade, identificam-se com a “Teologia da
Libertação”, consideram-se “progressistas” e, com raras exceções, buscam o Partido dos
Trabalhadores (PT) como opção partidária” 572. Em outro lugar, o SNI relatava ainda que
o candidato do PT contaria com a preferência de diversos líderes católicos, como as irmãs
Deyse Darce e Cecília Pousa, de Pernambuco e Alagoas; Paulo Evaristo Arns, arcebispo
de São Paulo; Mauro Morelli, bispo de Duque de Caxias - RJ; Pedro Casaldáliga, bispo
de São Félix - MT; Tomás Balduíno, bispo de Goiás; Waldemar Rossi, da Coordenação
Nacional da Pastoral Operária em São Paulo; o padre Dionísio, coordenador da Comissão
Pastoral da Terra no Amazonas; Erwin Krautler, bispo do Xingu - PA; Lelis Lara, bispo
de Itabira e de Coronel Fabriciano - MG; o padre Darci Luiz Marin, membro da revista
Vida Pastoral; os freis Betto e Leonardo Boff; João Bergese, bispo de Guarulhos - SP;
Benedito Albuquerque, bispo de Itapipoca - CE; José Rodrigues de Souza, bispo de
Juazeiro – BA; e de órgãos católicos como a Pastoral Operária de Sapopemba - SP; a
Pastoral da Moradia da Arquidiocese de São Paulo; o Movimento Fé e Política; o
Movimento de Educação de Base – MEB; a Comissão de Justiça e Paz em São Paulo; o
Movimento Popular de Saúde em Cuiabá - MT; e a Comissão Pastoral da Terra - CPT da
Arquidiocese de Olinda e Recife - PE573.
Não parece ter demorado, entretanto, para que as porções católicas conservadoras,
como a RCC, ultrapassassem os progressistas em seus esforços partidários. Enquanto
clérigos esquerdistas, segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência de
Fernando Henrique Cardoso, começavam a se organizar para eleger representantes nas
eleições de 1998, fazendo planos para pedir votos aos fiéis, conforme Amaury Castanho,
572
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos nas Eleições
Municipais de Nov 88. SE142 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88068868.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/88068868/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_88068868_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
573
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação Política de Grupos Religiosos.
SE143 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.90073651. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/90073651/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_90073651_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
420
574
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.GGG.980019214. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ggg/980019214/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ggg_980019214_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
575
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.CCC.990021609. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021609/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021609_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
576
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armada. Sem título. Código de Referência: BR
DFANBSB 2M.0.0.349, v.4. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0349_v_04/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0349_v_04_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 fev. 2021.
421
pelo major Fonseca Hermes577, que procedera a Inquérito Policial Militar na região do
Rio Içana, próximo à fronteira colombiana no Amazonas, o Conselho preferiu minimizá-
las, taxando-as de uma campanha contra evangélicos norte-americanos “não isenta de
jacobinismo acanhado e por vezes suspeito”. Mais que isso, fez questão de sublinhar o
“lado positivo do trabalho dos missionários”, que desempenhariam importante papel de
povoamento da Amazônia e de “pacificação e integração do índio à civilização”.
Recomendava apenas um melhor trabalho de orientação e fiscalização, pelo Serviço de
Proteção aos Índios, desse “auxílio”, que não convinha recusar.
A presença de missionários estrangeiros, em grande parte evangélicos,
permaneceria portanto em alta ao longo das décadas seguintes, fato confirmado pelo
Centro de Informações do Exército, que em relatório de julho de 1987, onde rebatia
acusações do bispo progressista Ivo Lorscheiter de que o governo brasileiro estaria
dificultando a entrada de missionários católicos, sustentava que “O Brasil possui um dos
maiores percentuais de missionários estrangeiros” 578. Argumentava-se que uma “falta de
vocações” impeliria a vinda dos estrangeiros, inclusive progressistas, e que de 1981 a
1985 foram pedidos 1.705 vistos de entrada, cujo “índice de restrição” foi de apenas 1,3%.
Mas, a despeito das palavras do Exército sobre a não discriminação entre católicos
e evangélicos nas concessões de vistos, o governo brasileiro conservou uma explícita
predileção pelos segundos, conforme expresso em documento confidencial de junho de
1987 da Divisão de Segurança e Informações do Ministério do Interior. Além de atestar
a manutenção do interesse estatal na presença missionária na Amazônia, que como vimos
vinha pelo menos desde 1961, “insubstituível quanto à dedicação, à permanência e ao
baixo custo” 579
, dizia-se que as missões católicas, “normalmente sob influência da
Teologia da Libertação, procuram a conscientização do índio para seus direitos”,
contestando frequentemente as disposições do governo e da FUNAI. Além disso,
“Exacerbam a reivindicação pela terra indígena”, conferindo “importância secundária à
577
O militar constatou a presença de missionários sem visto de entrada no Brasil e a desnacionalização de
áreas fronteiriças, onde o único idioma falado, além dos indígenas, era o inglês.
578
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades do Movimento Religioso,
Problemas Fundiarios e Indigenas, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.87062555. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87062555/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87062555_d0001de0003.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.
579
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio.
Seminário Funai/Missões Religiosas Amazonas e Roraima. Código de Referência: BR DFANBSB
AA3.0.MRL.16. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/MRL/0016/BR_DFANBSB_AA
3_0_MRL_0016_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.
422
católicas e evangélicas. Tratando da condição imposta pelo Banco Mundial - BIRD para
a liberação de empréstimos: maiores medidas para a proteção do meio ambiente, o papel
contém um anexo sobre a presença de organizações estrangeiras na Amazônia, entre elas
missões religiosas. Segundo a Presidência, as católicas, marcadas pela simpatia à
Teologia da Libertação, buscariam o “isolamento do índio” 580, compreendido como única
forma de preservá-lo física e culturalmente. Distanciamento que garantiria também a
posse da terra, “superdimensionada” aos olhos da Presidência, porém necessária, segundo
os religiosos, para o crescimento demográfico, razão pela qual os padres defenderiam “a
intocabilidade dos recursos naturais em terras indígenas”. Já as missões evangélicas, por
outro lado, teriam em comum “a característica de não contestar a política indigenista
oficial”. Tal como os órgãos de inteligência da ditadura, a Presidência situa as
persistentes, porém “não confirmadas”, denúncias contra missionários evangélicos na
“constante disputa pelo espaço de atuação”. Acusações como “descaracterização étnica
dos grupos indígenas ao impor novos valores morais”, fomentar a alienação “à medida
que não conscientiza o índio politicamente, favorecendo a sua exploração pela sociedade
envolvente”, e “trabalhos de prospecção mineral, de contrabando e de espionagem”,
algumas delas, como vimos, ventiladas desde princípios dos anos 1960.
O número de missões estrangeiras em áreas indígenas multiplicou-se, portanto, de
forma descontrolada nas últimas décadas do século XX, pairando sobre muitas as
suspeitas de praxe. Puderam elas contar, todavia, com a complacência do Estado
brasileiro para manter suas atividades com o mínimo de obstáculos.
580
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4.MIC,GNC.DIT.910075843. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075843/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075843_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2021.
581
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Summer Institute of Linguistics, SIL.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86054288. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86054288/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86054288_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 fev. 2021.
424
Instituto Linguístico de Verão, vista no capítulo 4, vem para o Brasil em 1959, quando
assinou um acordo de colaboração técnico-científica com o Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. No documento, antropólogos do Museu
encaminham ao governo parecer elencando as razões para pleitearem o término do
acordo, trazendo uma série de informações sobre as atividades do SIL.
O motivo alegado para o tratado foi a carência em 1959 de quadro de pessoal
nacional habilitado a pesquisar as línguas indígenas. Ficava obrigado o Instituto
Linguístico de Verão, portanto, a prover cursos para a formação de linguistas brasileiros
e produzir descrições gramaticais de diferentes idiomas, material a ser encaminhado para
o Museu Nacional que, por sua vez, forneceria “serviços e espaços” para facilitar o
trabalho do SIL. Segundo os antropólogos, o acordo continha termos bastante
desfavoráveis ao Museu Nacional, como o que lhe vedava “qualquer direito de ingerência
ou controle” sobre o fornecimento de resultados e as ações da organização norte-
americana junto aos nativos, tendo a comunicação sido ainda mais dificultada após 1969,
com a mudança da sede do SIL do Rio de Janeiro para Brasília. Quanto à formação de
professores, disseram os antropólogos que, de fato, a entidade ofereceu cursos no Museu
Nacional até 1970, quando a pós-graduação em Linguística da UFRJ foi transferida para
a Faculdade de Letras. Já sobre a produção das gramáticas, foi alegado que, apesar de ter
sido entregue estudos sobre cerca de 50 línguas, em muitos casos havia “uma
desproporção entre o tempo de campo dos pesquisadores e a extensão e qualidade dos
resultados”, faltando, por exemplo, gramáticas pedagógicas e dicionários de línguas que
estariam sendo estudadas pelo SIL havia muitos anos. Sustentando haver condições
presentes para que brasileiros levassem a diante o trabalho e denunciando o mero papel
de receptor relegado ao Museu Nacional, pedia-se o cancelamento do acordo e uma
revisão de futuros tratados de cooperação científica, que deveriam levar em conta não
apenas o aspecto linguístico, “mas o conjunto da atividade desse Instituto junto aos grupos
indígenas do país”.
Em paralelo ao tratado com o Museu Nacional, o Instituto Linguístico de Verão
travou acordos com outras universidades brasileiras e com a Fundação Nacional do Índio
– FUNAI entre 1969 e 1977. Como vimos, ao longo da década de 1970 a organização foi
alvo de inúmeras denúncias em diversos países do mundo, não acontecendo diferente no
Brasil, fato que redundou na interrupção de vários convênios, inclusive com a própria
FUNAI, e que pode ter motivado os professores da UFRJ a tentarem fazer o mesmo. Em
princípios da década de 1980, contudo, se discutia a retomada das atividades do SIL no
425
582
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação do Summer Institute of Linguistics,
SIL. SE143 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.90073621. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/90073621/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_90073621_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2021.
426
tenham sido obstadas, sendo a Asas de Socorro inclusive reconhecida como entidade de
utilidade pública pelo decreto federal 86.871 de 1982.
Ativa no Brasil até hoje, a SAS, representante da organização norte-americana
Mission Aviation Fellowship, baseada em Fullerton, Califórnia, chegou ao país em 1955
pelas mãos dos missionários Harold e Elsie Berk, implantando-se na cidade goiana de
Anápolis. Com o propósito de atingir populações indígenas isoladas, fornecendo suporte
aéreo para diferentes grupos missionários evangélicos, a organização inicia suas
atividades em 1956, chegando até os povos Xavante, Bororo, Nambiquara e Parecis, no
Mato Grosso. Em 1959 a SAS inicia longa parceria com o grupo Missão Novas Tribos
do Brasil, em Roraima, e em 1969 recebe do governo brasileiro, através do Conselho
Nacional de Telecomunicações - CONTEL, licença para instalar um serviço de rádio em
Boa Vista - RR, abrindo em 1976 uma base de operação em Manaus - AM. No final do
século, apesar dos percalços, a SAS alega estar “mais presente na região amazônica”
(NOSSA História. Asas de Socorro, [s.d.]) do que nunca, valendo-se de aviões anfíbios
para aumentar sua capacidade logística.
Já a Missão Novas Tribos do Brasil, subsidiária da New Tribes Mission, fundada
em Chicago em 1942 pelo missionário Paul Fleming e posteriormente sediada em
Sanford, Flórida, penetra no Brasil em 1953, instalando-se em Vianópolis - GO. Também
inteiramente controlada por estrangeiros, alguns dos seus primeiros missionários foram
Olga Dorozowsky, Carl e Cora Taylor, Byron e Jeanne Russel, Mary Jeans Bowman,
Ruth Halk, Rudy Ficek, William Neufeld, Otto e Dreda Austel, Adalberto e Madalena
Denelsbeck, Abraão Kopp e Joe Moreno, que começam trabalho de evangelização com
os povos Pacaas Novos em Rondônia. Logo em seguida, o grupo atinge os Baniua,
Coripaco, Nyengatu, Kaingang, Karajá e Marubo. A organização orgulha-se de ter
estabelecido 102 igrejas em áreas indígenas, mantendo atualmente 480 missionários em
contato com 45 etnias em todas as regiões do país. De maneira um tanto contraditória,
sustenta que todos os povos atingidos “têm a sua identidade étnica e cultural preservada”
(NOSSA História. Missão Novas Tribos do Brasil, [s.d.].), embora conheçam “a Palavra
de Deus e o amor de Cristo alcançou o coração de muitos deles”. Em tempos mais
recentes, sua base foi movida para a cidade goiana de Anápolis, próximo portanto à
parceira SAS. Segundo a Polícia Federal583, apesar de ser um órgão interdenominacional,
583
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Missão Novas Tribos do Brasil Stanton
Roy Donmoyer e Outros Vianopolis Go. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.86053719. Disponível em:
427
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86053719/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86053719_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
584
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Suspeita de Trafico de Toxico Missão
Novas Tribos do Brasil, Asas do Socorro. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.LLL.81001241. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/81001241/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_81001241_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
585
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Contrabando de Pedras Preciosas para os
Estados Unidos. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.85010198. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/85010198/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_85010198_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
428
estelionato e de declaração falsa para ostentação de passaporte” 586. Além das recentes
denúncias, Calvares responderia a um processo de falsidade ideológica, estando também
indiciado em outros nove inquéritos por estelionato. Sua ficha criminal, porém, não
parava por aí. Informe de 1983 da Polícia Militar de Goiás anexo ao dossiê contava que
ele fora preso em 1968 por posse ilegal de arma; em julho de 1970 por passar-se por
agente da Polícia Federal; em agosto e setembro do mesmo ano por furto e ao ser autuado
em flagrante delito, cumprindo quatro meses de prisão; sendo encarcerado, novamente,
em 1971 por “briga e arruaça”.
Em depoimento à Polícia Federal em agosto de 1985, Calvares alegou ter
realizado cinco vendas para Mark Edward Lewis entre 1984 e 1985, sempre recebendo
como pagamento cheques de bancos norte-americanos. O depoente dizia desconhecer o
envio clandestino do material para os Estados Unidos, uma vez que Lewis “sempre dizia
ao declarante que venderia as pedras no Brasil para aquisição de peças de avião para a
instituição Asas de Socorro”. Ainda sobre as transações, alegou Calvares ter emitido notas
fiscais, embora essas fossem invariavelmente recusadas pelo comprador, e que lhe
passara despercebido o fato do endereço do norte-americano, constante nas notas, ser do
estado estrangeiro de Kentucky. Tendo Lewis partido para os Estados Unidos e
revelando-se seus cheques sem fundo, Calvares contratara os serviços do advogado,
também norte-americano, Charles See Hayes para cobrar os valores devidos. Hayes,
entretanto, teria entrado em acordo com Lewis e ambos passaram a acusar a Embraime e
seu advogado, Ibrahim Abi-Ackel, de tráfico. Diante de todos esses fatos, a Asas do
Socorro desmentiu publicamente, em matérias de jornais anexas ao dossiê, seu
envolvimento com o caso. Um dos dirigentes brasileiros, Edésio de Oliveira, disse que os
únicos contatos da organização com Calvares aconteceram já havia algum tempo, tendo
o empresário procurado os missionários para reparos em seu avião, serviço regularmente
oferecido pela oficina da SAS. Oliveira negava também relações com Mark Lewis, “salvo
aquelas que decorrem de sua condição de filho de um dos líderes da Asas de Socorro,
Paul Lewis”, apesar de Calvares ter declarado que Mark se apresentara como supervisor
da organização. A ligação da Embraime com a Asas do Socorro, no entanto, é atestada
pelo próprio SNI em outro dossiê587, de outubro de 1985, que registra que a empresa fizera
586
Uma cópia da procuração está anexada ao dossiê.
587
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Sociedade Asas de Socorro.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86054790. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86054790/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86054790_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
429
uma doação à SAS em janeiro daquele ano, portanto em data bem próxima à declaração
de Edésio, de peças de aeronaves no valor de quase seis milhões de cruzeiros.
No mesmo dossiê, consta relatório da Divisão de Política Fazendária da Polícia
Federal que enumera denúncias feitas à SAS desde 1962. Notava o papel que as “áreas
em que normalmente opera, estão localizadas em reservas indígenas e áreas de garimpo”.
Tratava-se sobretudo da região denominada Surucucu, dentro de uma reserva Yanomami
em Roraima. Contava-se que levantamentos sobre as ações da organização tinham sido
feitos em 1984 pelo Departamento Nacional de Telecomunicações - DENTEL, que
recomendara ao Conselho de Segurança Nacional “uma investigação mais acurada” do
grupo. Isso porque fora constatado um intenso movimento de aviões, a implantação de
um robusto sistema de telecomunicações, a presença de uma grande quantidade de
estrangeiros, “inclusive, ao que tudo indica, dirigindo efetivamente a entidade e as
atividades em locais remotos”, além de um “aparente desvirtuamento das finalidades da
Sociedade”. Sobre a estrutura administrativa da SAS, chamava atenção da Polícia Federal
o fato de que, apesar do seu presidente ser sempre um brasileiro, este mantinha procuração
com amplos poderes em nome dos membros norte-americanos, e que o secretário-geral
“sempre foi um norte-americano desde a sua fundação”, sendo este “quem praticamente
gere a Sociedade”. Os agentes federais estavam, enfim, convencidos da “associação da
entidade “Missionária” com o contrabandista Antônio Calvares”, segundo eles evidentes
tanto pelas doações de Calvares como pelo fato de que, segundo o próprio, a SAS sempre
avalizava os cheques emitidos por Lewis. Argumentava-se, ainda, que desde muito a SAS
“chama a atenção de funcionários das estatais que circulam pela Amazônia”. Como por
exemplo o antropólogo Terri Vale de Aquino, membro da Comissão pró-índio do Acre e
coordenador de assuntos indígenas na Fundação Cultural do Estado, que “por várias vezes
alertou as autoridades brasileiras para o envolvimento dos missionários com o
contrabando de minérios”, denunciando que os indígenas “chegam a ajudá-los,
inocentemente, “no embarque de sacos de material colhido na floresta camuflado com
areia”’. Terri teria sugerido inclusive “a intervenção do Exército e Aeronáutica para
impedir que o grupo Asas do Socorro e a missão novas tribos “continuem
contrabandeando pedras preciosas para os Estados Unidos e envolvendo os índios nessa
operações criminais e nocivas ao país”’ (SIC). Mais adiante, a PF relata contados mantido
com fonte anônima, um “piloto acostumado a sobrevoar a área do Surucucu”, que
informara que apesar da reserva indígena na região ser fechada aos brancos, os aviões da
SAS circulavam sem problemas. Aeronaves modernas, capazes de pousar em pistas
430
pequenas e com autonomia suficiente para deixar o Brasil. Informava o piloto, também,
ter notado locais “sem vegetação natural”, não aparentando ser resultado de
deslizamentos e/ ou queimadas, suspeitando da execução de pesquisas geológicas na área,
riquíssima em cassiterita, ouro, diamantes e outros metais. Outro fato que despertava a
sua desconfiança seria a constante vigilância dos aviões da organização no hangar próprio
mantido do aeroporto de Boa Vista, único completamente fechado em toda a região, sob
o olhar de segurança privada que impediria “a aproximação de curiosos”.
Conforme matéria publicada pelo Jornal de Brasília em 27 de agosto daquele ano,
anexa a outro amplo dossiê da Divisão de Segurança e Informações do Ministério das
Relações Exteriores sobre as denúncias a órgãos missionários estrangeiros, líderes da
etnia Tikuna reunidos em Brasília endossaram as acusações, sustentando que tanto a SAS
como a MNTB impediam frequentemente brasileiros de entrar na em áreas próximas ao
rio Ituí, no estado do Amazonas, de onde saíam semanalmente aviões carregados de
pedras, acrescentando que fazia anos “que eles carregam pedras lá das terras dos
marubo588”589. Em outra matéria, de 25 de agosto, o Jornal de Brasília acusou o ex-
ministro da justiça Ibrahim Abi-Ackel, suspeito de cumplicidade no contrabando, de ter
facilitado a concessão da autorização para que a SAS funcionasse em terras amazônicas
como entidade filantrópica sem fins lucrativos, apesar de parecer desfavorável do
Conselho de Segurança Nacional. Ackel terminaria, entretanto, inocentado das acusações.
Finalmente, as atividades amazônicas da SAS tiveram uma interrupção temporária agosto
de 1985 por ordem do presidente da FUNAI, Gerson da Silva Alves, assim
permanecendo, contudo, apenas até 1988.
Também a Missão Novas Tribos do Brasil estava sob a mira da Polícia Federal
em finais de 1985. Em informe confidencial do Centro de Informações da PF de outubro
daquele ano, era destacada a coincidência de a MNTB somente atuar “em regiões que
possuem recursos naturais aproveitáveis economicamente” 590, estranhando-se também o
588
Etnia que habita as margens dos rios Curuçá e Ituí, na Terra Indígena Vale do Javari no estado do
Amazonas, próximo à fronteira com o Acre.
589
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
590
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Missão Novas Tribos do Brasil Stanton
Roy Donmoyer e Outros Vianopolis Go. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.86053719. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86053719/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86053719_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
431
591
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores, Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
592
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Sociedade Asas do Socorro, SAS, SE132
AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86060054. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86060054/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86060054_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
432
católicos teriam conseguido infiltrar “alguns de seus quadros de maior projeção”. Mas a
influência do CIMI não se restringiria aos órgãos do Executivo, também no Congresso
estaria movendo pesada campanha ideológica desde 1982, através do deputado federal da
etnia Xavante Mário Juruna. O propósito desses atos de “infiltração, de pressão e de
insuflação exercidos contra os missionários protestantes” seria a “destruição gradual das
missões protestantes, a diluição de sua assistência às comunidades indígenas e a negação
de sua presença da parte das lideranças comunais silvícolas”. Voltando-se
especificamente para a SAS, dizia-se que “nada há configurado em desabono aos
interesses nacionais, em especial no concernente ao comportamento desses religiosos
segundo os ditames da Política indigenista”. Muito pelo contrário, para a DSI, “Ao
contrário de determinadas entidades católicas, tem-se observado que as missões religiosas
protestantes, voluntariamente, costumam mostrar de modo transparente as suas estruturas,
os seus objetivos e os seus meios de ação”.
Já o SNI, em documento de setembro de 1986, também se fazia de surdo aos
pareceres negativos emitidos por outros órgãos do Executivo, como a própria Polícia
Federal, alegando haver preconceitos, uma “ideia generalizada, comum até a nível de
órgãos de segurança” 593, que tenderiam a atribuir a organizações como a MNTB e a SAS
suspeitas de contrabando, de destruição da cultura indígena e da “prestação camuflada de
serviços de inteligência para a CIA”. No fundo, alegações vazias, difundidas por
“antropólogos, indigenistas de fora e de dentro dos quadros da FUNAI, compromissados
com o chamado “indigenismo autêntico”’. Por outro lado, destacava-se a necessidade de
manutenção das atividades da MNTB e da SAS, em razão de a FUNAI não ter “recursos
orçamentários e muito menos, a nível de pessoal, condições para assumir os encargos e
os trabalhos desenvolvidos pelas Missões na Amazônia”, sustentando haver uma “grande
dependência, em alguns casos vitais, do índio para com a MNTB, que conta na região
com o decisivo apoio logístico aéreo mantido pela organização “Asas do Socorro”’. Eram
mencionadas palavras do superintendente da FUNAI em Manaus - AM, o “sertanista”
Sebastião Amâncio da Costa, que, além de julgar “meritório” o trabalho da MNTB,
alertava para o fato de que o órgão “não “subverte o índio”, como é o caso de algumas
organizações de fortes condicionamentos político-ideológicos, integradas por indivíduos
593
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Comunidades Indigenas assistidas pela
Missão Religiosa Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.LLL.86006629. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/86006629/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_86006629_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
433
radicais, que “procuram induzir os índios a conflitos com colonos, autoridades e até
mesmo com a própria FUNAI”. Amâncio recomendava, inclusive, que se aumentasse o
número de comunidades indígenas assistidas pela MNTB.
O favor estatal para com os missionários evangélicos estrangeiros era admitido
pelo próprio Comando Militar da Amazônia, que chamava atenção para “uma
complacência e até mesmo apoio das autoridades municipais, estaduais e federais com
relação a estes missionários”594. Relatório de 1974 do CMA arrolava, assim, uma série de
críticas baseadas em “relatórios, operações de tropa, operações de informações, buscas
etc.”, constatando “que a obra de missionários estrangeiros, se não é nociva, pelo menos
nada de construtivo apresenta, senão a pregação da Bíblia que normalmente estes
“abnegados” fazem com a tradução para o dialeto indígena”. Reconhecendo não possuir
naquele momento “confirmação tácita” de muitas das irregularidades atribuídas aos
missionários, notava-se, porém, o seu zelo em “manter afastados os curiosos da região
onde operam”, e que, de fato, muitos encontravam-se ilegalmente no país, figurando entre
eles, ainda, muitos pesquisadores que poderiam servir às supostas operações de garimpo
ilegais. O CMA lamentava também a total falta de fiscalização de suas ações,
argumentando que
594
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Estrangeiros em Territorio
Brasileiro. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.74085577. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/74085577/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_74085577_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2021.
595
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Comunidades Indigenas assistidas pela
Missão Religiosa Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.LLL.86006629. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/86006629/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_86006629_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
434
represálias dos setores progressistas, pois eram “contra a linha de atuação” da Comissão
Pró-Índio do Acre – CPI/AC e do CIMI, “por comprometerem na visão dos mesmo,
dentro de um processo de convencimento, retaliativo, a política indigenista do Governo,
a desestabilização social e emocional do índio, “por via de tantas pressões e mudanças
bruscas de natureza político-ideológica”’ (SIC). Reunião que ocorreu no âmbito de uma
excursão de reconhecimento a áreas indígenas no Acre e na Amazônia, entre 7 e 12 de
setembro de 1986, de representantes do SNI, da Divisão de Segurança e Informações do
Ministério do Interior e da Assessoria de Segurança e Informações596 da FUNAI. Viagem
que contou com a assistência de missionários da MNTB e que serviu para o SNI concluir
sobre a necessidade “de se imprimir algumas correções de rumos” ao missionarismo no
país, referindo-se, entretanto, apenas aos católicos, “porque a estratégia de ocupação de
espaços que está sendo gradativamente levado a termo pelo CIMI e CPI, precisa ser
neutralizada” (SIC).
Sendo assim, não apenas as atividades dos missionários prosseguiriam nos anos
seguintes, como seus laços com o Estado restrito se aprofundariam. Em maio de 1988,
documento assinado pelo secretário executivo da Asas de Socorro, Eldon R. Larsen,
mostra que a organização abrira outra frente de trabalho, o “projeto AMDE” 597, iniciado
em junho de 1985 com o fito de levar assistência médica e odontológica para “povos
carentes em regiões de difícil acesso”. Informando a ampliação do programa ao longo de
1987, com um decorrente aumento de despesas, o grupo se encontrara com a coordenação
da Secretaria Especial de Ação Comunitária- SEAC, órgão da Presidência da República
voltado, entre outras coisas, para estimular a canalização de recursos federais para
trabalhos de assistência junto a órgãos governamentais, mas também empresas e
organizações privadas. Pretendia a SAS incluir o AMDE “entre 20 projetos assistenciais
que serão visitados por técnicos do governo visando a destinação de verbas”, justificando
a necessidade da ajuda governamental pela “defazagem no sustento deste trabalho
assistencial” (SIC), impossível de ser mantido apenas com as doações de particulares.
596
Durante a ditadura, as assessorias de segurança e informação - ASI eram seções instalados em diversos
órgãos do poder Executivo Federal, como empresas estatais, autarquias e Universidades, ligadas
diretamente às divisões de Segurança e Informações de cada ministério e, a partir delas, ao Serviço Nacional
de Informações - SNI. Cuidavam, sobretudo, de vigiar a dissidência política no interior desses órgãos.
Diante da manifesta desconfiança da cúpula governamental a funcionários da FUNAI, não surpreende,
portanto, que tenham sido apenas os membros da ASI deste órgão a participar da expedição.
597
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 2M.0.0.155, v.3. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0155_v_03/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0155_v_03_d0006de0014.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
435
598
Presidente da FUNAI de maio de 1986 a setembro de 1988, quando foi nomeado por José Sarney
governador de Roraima. Desde 1995 tem acumulado sucessivos mandatos de senador por aquele estado,
nomeado ministro da Previdência Social em 2005 e do Planejamento em 2016. Segundo matéria publicada
pelo jornal El País em 24 de maio de 2016, enquanto presidente da FUNAI, Jucá teria autorizado os
indígenas a celebrarem contratos com empresas madeireiras “para que a mata nativa fosse explorada, o que
segundo especialistas ampliou o ritmo da degradação ambiental nas reservas”, além de facilitar a “venda e
permuta de madeiras nobres apreendidas para as próprias madeireiras em troca de serviços e benfeitorias
nos territórios indígenas”. Teria ele ainda reduzido o tamanho da áreas de reserva dos povos Yanomami,
revisto para patamares inferiores aos estabelecidos pela própria FUNAI no passado (ALESSI, 2016).
599
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Summer Institute of Linguistics. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.ENI.210. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0210/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0210_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.
600
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio.
Atuação em área indígena da Missões Novas Tribos do Brasil - MNTB - Volume II. Código de Referência:
BR DFANBSB AA3.0.MRL.14. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/MRL/0014/BR_DFANBSB_AA
3_0_MRL_0014_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
436
4 - Conclusão
601
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075798/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
602
Como vimos, entretanto, a documentação mostra que a Polícia Federal investigava a MNTB pelo menos
desde 1985.
603
Bispo da diocese de Roraima muito ativo na defesa dos direitos indígenas.
437
Tal parceria se mostrou mais evidente nos anos ditatoriais, quando se verifica uma
relação simbiótica entre o regime empresarial-militar e múltiplas organizações religiosas
estrangeiras. Puderam religiosos conservadores, portanto, contar com o auxílio e a
complacência do Estado brasileiro, que por todo o período recorreu a critérios políticos,
muitas vezes em prejuízo dos técnicos604 e legais, para nortear seu trato com tais
organizações. Relação cooperativa que persistiu após a derrocada do regime, que, diga-
se de passagem, teve uma sobrevida sob a forma de um “entulho autoritário”
perfeitamente ilustrado pelo funcionamento até o final da década de 1980 do Serviço
Nacional de Informações. Órgão que, mostra a documentação, continuou até seus últimos
dias imiscuindo-se na política burocrática oficial voltada para o universo religioso. De
todo modo, no contexto da redemocratização, as organizações religiosas conservadoras
conseguiram reconfigurar sua forma de inserção no Estado restrito, reforçando a presença
nos Três Poderes e conferindo nos púlpitos, aos governos civis, a mesma legitimação e
sustento que muitas delas proveram à ditadura, continuando a receber desses governos
dádivas para a preservação de sua expansão.
Nos anos 1990, provavelmente seguindo as prescrições do Relatório Santa Fé II,
o conservadorismo religioso projeta-se decididamente através dos meios de comunicação
em massa, com periódicos impressos, uma vasta rede de rádios, programas televisivos e
inclusive uma emissora de televisão, a Rede Record. Em paralelo, a Renovação
Carismática Católica se lança no espaço da mídia eletrônica com a mesma disposição,
expondo seu catolicismo desligado de reflexões sociais e projetado para contrapor-se aos
setores progressistas da CNBB em todas as mídias, controlando muitos veículos de
comunicação eletrônicos. No meio estudantil, outro espaço onde urgia combater a
“campanha comunista”, a Igreja da Unificação se fez presente com publicações voltadas
para esse público e organizando grupos de estudo dedicados a intelectuais conservadores
604
Como por exemplo expresso pelo já mencionado parecer emitido por antropólogos do Museu Nacional,
que trazia críticas à qualidade técnica dos trabalhos do Instituto Linguístico de Verão com povos indígenas.
Tais deficiências eram conhecidas pelo menos desde finais dos anos 1970 pelo governo brasileiro e não se
circunscreviam ao país. Telegrama da embaixada do Brasil no México informava ao Ministério das
Relações Exteriores em agosto de 1979 que o ministro da Educação mexicano se queixara que, apesar de
manter 300 doutores em linguística no país por quarenta anos, o SIL apresentou como resultado o
levantamento de apenas vinte idiomas, sem ter formado sequer um único linguista nacional. O mesmo
dossiê que traz o telegrama exibe relatório do Ministério do Interior de janeiro de 1978, mencionando que
levantamentos da FUNAI sobre as atividades do SIL constataram uma “grande morosidade nos trabalhos
linguísticos e, inclusive, possíveis atividades fora do objetivo do que fora acordado”. ARQUIVO
NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores. Summer Institute
of Linguistics. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.ENI.210. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0210/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0210_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.
438
605
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem título. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 mar 2021.
439
606
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Summer Institute of Linguistics Draws Criticism.
Código de referência 1975BOGOTA06132_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975BOGOTA06132_b.html>. Acesso em: 17 mar. 2021.
440
CAPÍTULO 9
Os fóruns do Partido da Fé Capitalista no Brasil
1- Introdução
para os mesmos fins. Lott expusera a este último o desejo de criar uma organização
educativa secreta de cunho anticomunista, conseguindo para tanto a simpatia de Macedo
Soares, que propôs, contudo, que num segundo momento a nova organização precisaria
vestir uma “outra fachada” pública, a fim de operar com maior facilidade. Teria nascido
dessa forma a Sociedade de Estudos Interamericanos – SEI, em momento impreciso de
meados da década de 1950.
Tendo como público-alvo setores influentes da classe dominante, como lideranças
religiosas, a SEI dialogaria com esses formadores de opinião, por exemplo, a partir de
boletins com tiragem aproximada de três mil cópias. Conforme Vicente Gil da Silva
(2020, p. 398), um dos destinatários do material foi o cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro,
dom Jaime de Barros Câmara. Outros indícios do contato próximo de religiosos com o
SEI, sublinhados pelo historiador, são as palavras do adido trabalhista do consulado norte-
americano de São Paulo, Jack Liebof, que, em princípios da década de 1960, dissera que
a SEI desfrutava do “apoio da hierarquia da Igreja Católica” (SILVA, Vicente, 2020, p.
594).
Já René Dreifuss (1981) expôs como empresários brasileiros e norte-americanos,
articulados em organizações sem fins declaradamente lucrativos, como o Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais - IPES e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática - IBAD,
intervieram na política brasileira em princípios dos anos 1960, pretendendo voltar a
opinião pública contra o governo Goulart, desestabilizá-lo e reunir o empresariado em
torno de um projeto que pressupunha uma maior internacionalização da economia.
Os dados trazidos pelo pesquisador mostram ainda que ações no campo religioso
figuravam no leque de manobras às quais as organizações brasileiras recorriam para
influenciar mentes em favor das suas metas econômicas, inalcançáveis caso não
encontrassem amparo no âmbito das ideias, inclusive entre a classe trabalhadora. Apesar
de não se deter no tema, Dreifuss (1981, p. 189) informa existir na estrutura do IPES de
São Paulo um Grupo Especial de Conjuntura – GEC, que produzia estudos conjunturais
regulares sobre quatro áreas de ação, a política, a psicológica, a econômica e a de relações
exteriores. Tendo como função precípua a coordenação de facções conspiratórias do
Exército e o fornecimento de suas análises para outros setores do IPES, além de outras
organizações com as quais o IPES dialogava, como Sociedade de Estudos
Interamericanos – SEI vista acima, o GEC procurava, ainda, “penetrar nos sindicatos, nas
organizações estudantis, movimentos camponeses, Igreja e mídia”. Também por via de
publicações de cunho explicitamente propagandístico para “criação de barreiras
442
influência crescente das esquerdas no Estado restrito. Num momento em que o Estado,
que se democratizava, via seu poder de coerção relativamente desidratado, uma maior
articulação entre os setores conservadores passou a ser demandada pela necessidade de
incremento das instâncias produtoras de consenso. O panorama era certamente agravado
pela crescente força dos movimentos sociais e do clero progressista, sendo igrejas e
clérigos conservadores chamados a ampliar seus esforços na contenção de ambos e na
manutenção de estruturas sociais preservadas com zelo pelo regime de 64. Assim, o SNI
dirá, em dossiê de 1986 a respeito da crescente influência da Igreja da Unificação, suas
associações ideológicas paralelas, e declarados planos de apoio a candidatos para a
vindoura Constituinte, que “Com a redemocratização, em curso na América Latina, a
Seita passou a vislumbrar a oportunidade de se fazer influir na política dos países onde
atua”607.
Ou seja, as décadas finais do século XX são caracterizadas, para historiadores
como Virgínia Fontes (2010, p. 320), por uma “complexificação do padrão da dominação
burguesa no Brasil” que, ao mesmo tempo em que mantinha em funcionamento boa parte
das estruturas autoritárias onipresentes em nossa história contemporânea, somaria ao seu
repertório “novas modalidades de convencimento”. Os eventos narrados a seguir inserem-
se neste último propósito.
607
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Igreja da Unificação em
Curitiba PR, SS14 ACT. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.87007026. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/nnn/87007026/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_nnn_87007026_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
608
Durante a maior parte do século XX esse foi o nome completo da Igreja da Unificação, exibido, por
exemplo, em suas publicações oficiais, como a revista Mundo Unificado.
444
continente. Convite609 de maio de 1983 para conferência que aconteceu em junho daquele
ano em Denver, Colorado, enviado pela CAUSA Internacional, apêndice da Igreja da
Unificação estudado no capítulo 3, ao cônsul-geral brasileiro, Carlos Eduardo Alves de
Souza, esclarece de forma cristalina os planos hegemônicos das organizações
comandadas pelo reverendo Moon. Segundo os organizadores Leonard Chas Brown Jr. e
Warren Richardson, as atividades da CAUSA, “fundeadas por interesses empresariais
conectados com a Igreja da Unificação”, dedicavam-se a disseminar uma “visão de
mundo” norteada por uma “filosofia teocêntrica”, “ecumênica em seu apelo”. Pretendia-
se, portanto, não a conversão a igrejas específicas, mas “prover a fundação para a
cooperação daqueles que aceitam Deus contra o inimigo comum, o comunismo”, projeto
que não deixava o Brasil de fora.
609
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
610
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito Santo para
Unificação do Cristianismo Mundial. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.81001953. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0001de0005.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2021.
445
reuniu apenas cinquenta pessoas, procurando promover “um intercâmbio dinâmico entre
as novas ideias do Unificacionismo e os conhecimentos e experiências dos
participantes”611, a fim de traçar “uma estratégia mais firme para o futuro” diante dos
“desafios que as Américas enfrentam hoje em dia”. Ali falaram Paul Perry, identificado
como “investigador da CAUSA Internacional”, e Thomas Ward, diretor acadêmico. Os
temas debatidos foram “Alternativas sociopolíticas para o homem do século vinte”,
“Crítica filosófica e científica e alternativa ao materialismo dialético”, “Quão inevitável
é a revolução marxista nas Américas” e “Implicações práticas do Unificacionismo”.
Outros eventos no exterior contando com brasileiros, como visto nos capítulos 3
e 8, foram a IV e a V World Media Conference, realizadas Nova Iorque em outubro de
1981 e em Seul no mesmo mês de 1982 e direcionadas especificamente para a imprensa.
Conforme a documentação, compareceram, além do jornalista do grupo Folha de São
Paulo Antonio Aggio Júnior, o dirigente da Escola Superior de Guerra, Nuno Linhares
Velloso, e o policial do DOPS de São Paulo, Carlos Antonio Guimarães, ao lado da nata
conservadora mundial. Organizado pela empresa de mídia controlada pela Igreja da
Unificação, News World Communication, o propósito declarado dessas conferências foi
a discussão das “barreiras ideológicas, éticas e políticas à liberdade de imprensa
internacional”612. Mas, levando em conta a ostensiva agenda política da Igreja, bem como
o perfil dos brasileiros convidados, todos ligados a órgãos conservadores de informação,
pode-se supor que o que se pretendia era a articulação de um esforço midiático
internacional anticomunista.
Vista no capítulo 3, a Décima Conferência Internacional sobre a Unidade das
Ciências, em Seul em novembro de 1981, reuniu religiosos, intelectuais e empresários de
várias partes do mundo, entre eles dez brasileiros, com destaque para Mário de Mari,
empresário da construção civil e ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado do
Paraná (FIEP); Saturnino Dadam, então deputado estadual em Santa Catarina pelo partido
governista PDS; Cesário Morey Hossri, professor da Universidade de Taubaté e da Escola
Internacional de Sofrologia de Barcelona e, mais tarde, do SENAI; Alfonso Trujillo
611
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
612
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
446
613
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espírito Santo para a
Unificação do Cristianismo Mundial. Arquivo Nacional. Código de referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.81001953. Disponível em: <
http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0002de0005.pdf > e
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0004de0005.pdf>. Acesso em: 30 set. 2020.
614
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Realização da Setima Conferencia Mundial
Da CAUSA Internacional em Toquio e Seul. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.84009632. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/rrr/84009632/br_dfanbsb_v8_mi
c_gnc_rrr_84009632_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
447
615
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja da Unificação. Objetivos e
Atividades nos EUA e America Latina. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.84041774. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/84041774/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_aaa_84041774_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
448
616
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
617
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Convenção Panamericana da Organização
Causa Internacional, Seita Moon. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.84041944.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/84041944/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_84041944_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
449
presbiteriano Manoel Peres Sobrinho; Josué Alves Ribeiro Chagas, oficial do Exército;
Aécio Falvio Silveira Coutinho, coronel da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais;
Hermógenes Coelho Júnior, diretor do Departamento de Estradas e Rodagem de Goiás;
Carlos Danilo Costa Côrtes, jornalista; Ari de Cristian, Major do Exército; Rubem José
Ferreira, coronel da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, e dirigente da CAUSA no
Estado; Anésio de Lara Campos Júnior, presidente da Ação Integralista Brasileira; Lino
Rocha, jornalista e assessor de Imprensa do governo de Pernambuco; Lenildo Tabosa
Pessoa, jornalista no Estado de São Paulo e no Jornal da Tarde; Mário de Mari,
empresário e naquela altura presidente do Movimento Brasileiro de Alfabetização -
MOBRAL618 em Curitiba-PR; Hugo di Primo Paz, empresário e professor da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul; e Nuno Linhares Veloso, professor da Escola
Superior de Guerra. Assistido por indivíduos de vários países das duas Américas, o
evento, cuja lista completa de participantes figura em documento619 do Centro de
Informações do Exterior – CIEX620, foi brindado também por proeminentes norte-
americanos. Entre eles destacam-se o brigadeiro-general Robert Richardson II; Philip
Sanchez, presidente da empresa Woodside Inc. e ex-subsecretário de Estado no governo
Gerald Ford; Osborne Scott, pastor da Igreja Batista do Brooklyn; Cleon Skousen,
membro da John Birch Society, associação anticomunista, ultraliberal e reduto
fundamentalista, vista no capítulo 4; David Sullivan, assistente legislativo do Senado; e
o comandante da Marinha Lloyd Bucher.
As atividades da Igreja da Unificação se desdobraram em ainda outras
organizações paralelas em funcionamento no Cone-Sul, como a Associación Pro-Unidad
Latino-Americana - AULA, criada em 1983 e chefiada pelo diplomata colombiano José
Maria Chaves. Até 1986 a AULA realizara três grandes conferências, a primeira em Paris,
em 1984, a segunda em Roma, em 1985, e a mais recente na capital latino-americana do
618
Inaugurado em março de 1968, com o MOBRAL a ditadura pretendia abafar outras iniciativas
alfabetizadoras inspiradas nos métodos projetados por Paulo Freire, opositor do regime de 1964.
619
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Uruguai Participantes do Congresso da
Confederação para a Associação e Unidade das Sociedades Americanas ou Causa Internacional. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.84043228. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/84043228/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_aaa_84043228_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
620
Fundado em 1966, o CIEX era um braço do SNI no Ministério das Relações Exteriores.
450
621
Sem Título. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB IE.0.0.24. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_ie/0/0/0024/br_dfanbsb_ie_0_0_0024_d0003
de0009.pdf>. Acesso em 25 mar. 2021.
622
Atividades da CAUSA no Brasil. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.86018726. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/eee/86018726/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_eee_86018726_d0001de0001.pdf>. Acesso em 25 mar. 2021.
623
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Internacional CAUSA Brasil.
Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.LLL.87007278. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/lll/87007278/br_dfanbsb_v8_mi
c_gnc_lll_87007278_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 24 mar. 20201.
451
624
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seita Moon em Belo Horizonte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.86012256. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ooo/86012256/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ooo_86012256_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
625
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espírito Santo para a
Unificação do Cristianismo Mundial. Código de referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.81001953. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0004de0005.pdf>. Acesso em: 04 abr. 2021.
626
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito Santo para
Unificação do Cristianismo Mundial AESUCM do Reverendo Moon, Atividades no Rio Grande do Sul.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.87014949. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ggg/87014949/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ggg_87014949_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
452
627
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito Santo para
Unificação do Cristianismo Mundial. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.81001953. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0001de0005.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2021.
628
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. II Convenção Panamericana da CAUSA
Internacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.85017130. Disponível em: <
http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/85017130/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_EEE_85017130_an_01_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2021.
453
629
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível
em:<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFAN
BSB_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2021.
630
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Causa Internacional, Washington DC
Atividades. Unificacionismo, Unification Moviment. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.CCC.81005027. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/81005027/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_81005027_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
631
Organização dedicada a atuar junto à comunidade estudantil e acadêmica.
632
ARQUIVO NACIONAL. Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. Informe No 351/A2-IV
COMAR: Associação do Espírito Santo para Unificação do Cristianismo Mundial. Código de Referência:
BR DFANBSB VAZ.0.0.12383. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_VAZ/0/0/12383/BR_DFANBSB_VAZ_
0_0_12383_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
633
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conferencia da Associação do Movimento
da Unificação do Podo para a Salvação da Patria, Curitiba PR. SE143 AC. Arquivo Nacional. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88067311. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/88067311/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_aaa_88067311_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2021.
634
René Dreifuss (1989, p. 93) registra que a Associação funcionava em nosso país ao menos desde 1987.
635
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Causa Internacional, Washington DC
Atividades. Unificacionismo, Unification Moviment. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.CCC.81005027. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/81005027/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_81005027_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
454
possui agentes coreanos entre as colônias radicadas em São Paulo, Rio de Janeiro e
Assunção, no Paraguai”636. Em 1986 a documentação637 indica que a CAUSA
Internacional já mantinha, ao que parece havia dois anos, uma representação própria no
Brasil denominada Associação Internacional CAUSA Brasil, com sede na Rua Galvão
Bueno, 470, no bairro paulistano da Liberdade, próximo, portanto, da sede da Igreja da
Unificação, que funcionava na Rua Tamandaré, 533, no mesmo bairro.
Em entrevista coletiva, resumida pelo Correio Brasiliense em matéria638 transcrita
na edição de 1981 da revista Mundo Unificado, publicação oficial da Igreja da Unificação
no Brasil, alguns dos seus dirigentes, como o norte-americano Mose Durst, falaram sobre
a razão de ser de algumas dessas organizações. Caberia à Associação Mundial de
Assistência e Amizade promover ações filantrópicas, como a distribuição de “alimentos,
roupas e medicamentos”639. A Associação Internacional para a União das Religiões teria
como meta promover o “diálogo e a cooperação entre diferentes grupos religiosos”, por
via de “várias reuniões ecumênicas”. A Associação Internacional Cultural concentrou-se
nos ambientes acadêmico e estudantil, fornecendo bolsas de estudo e realizando
conferências para professores. Já a Associação Internacional para Liberdade e Paz
objetivava a publicação de “literatura que critica o comunismo” e a realização de
conferências voltadas para alertar sobre “o perigo do comunismo”, trabalho realizado nos
demais continentes “através de outras organizações”. Presidente da Igreja da Unificação
das Américas, Durst resumia a presença do órgão no Brasil da seguinte forma: “Há muitos
anos atrás os brasileiros fizeram uma grande campanha contra a febre amarela no Brasil;
agora os unificacionistas, liderados pelo Reverendo Moon, estão fazendo uma campanha
apara eliminar uma febre perigosa, que é a febre do comunismo”.
636
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Cultura. Arquivo
Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.82013036. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/82013036/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_82013036_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2021.
637
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Causa no Brasil. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87060643. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87060643/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87060643_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
638
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
639
Conforme René Dreifuss (1989, p. 93), em fins da década de 1980 a Associação mantinha creches e
distribuía “alimentos a populações carentes, num trabalho de penetração ideológica e busca de
legitimação”.
455
640
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. Processo
DICOM n. 16.618. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR RJANRIO TT.0.JUS, PRO.343.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_TT/0/JUS/PRO/0343/BR_RJANRIO_TT
_0_JUS_PRO_0343_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
641
Squizzato ostentava, ainda, o título de bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo - USP, e pós-
graduações em Administração e Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas e Pela USP.
642
As metamorfoses e frequentes mudanças de nomenclaturas parecem ter atendido a uma estratégia de
dissimulação, diante da imprensa e do público em geral, das atividades dessas organizações, dificultando
também a sua associação à Igreja da Unificação, cuja reputação no Brasil e em outras partes do mundo,
como vimos, não era das melhores.
456
643
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Jose Francisco Squizzato,
representante no Brasil da Causa Internacional. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.EEE.82011590. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/82011590/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_82011590_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2021.
644
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. CARP, Colegiado Academico para a
Reflexão de Principios. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.86017645. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/86017645/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_86017645_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2021.
645
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades do Movimento de Unificação
do Reverendo Sun Myung Moon. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.82005740.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ggg/82005740/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ggg_82005740_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
457
646
ARQUIVO NACIONAL. Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. Informe No 734/A-2/IV
COMAR: Associação Internacional para Liberdade e Paz. Código de Referência: BR DFANBSB
VAZ.0.0.17734. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_vaz/0/0/17734/br_dfanbsb_vaz_0_0_17734_
d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
458
“A Visão de Valores dos Estudantes para o século XXI”647, e o patrocínio a uma miríade
de atividades culturais e esportivas648.
No Brasil, o CARP publicava um folheto, o Informativo CARP, a CARP
Magazine649 e o jornal Tribuna Universitária. Inicialmente editado pela AILPA em algum
momento de 1983, chegando à tiragem de cem mil exemplares em 1985, a Tribuna era
presidida por Leornes Ferreira da Silva, diretor da Igreja da Unificação em João Pessoa –
PB, e tinha a colaboração do general Jarbas Passarinho, nome de peso do regime de 1964
e grande viabilizador da estratégia de fortalecimento das organizações religiosas
conservadoras no Brasil. Outros envolvidos foram o então membro do Ministério Público
Luiz Antônio Fleury Filho; o padre Emir Calluf; o intelectual católico Felipe Rinaldo
Queiroz de Aquino; o então advogado e atual desembargador Roy Reis Friede; e o
estudante de filosofia da Universidade Federal do Paraná - UFPR, José Carlos Lauter,
“líder do movimento CARP naquele Estado”.
Além de divulgar as ações do CARP e artigos de intelectuais conservadores, o
veículo parece ter dedicado grande espaço à propaganda explicitamente política. A edição
n. 3, por exemplo, refere-se à União Democrática Ruralista – UDR650 “como sendo uma
organização legal e composta de homens bem-intencionados” 651 que manteria o governo
bem-informado “através de relatórios mensais” enviados ao SNI. Juízo coerente com uma
das funções primordiais do órgão que deu origem ao CARP, a AILPA, que procurava
647
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Igreja da Unificação em
Curitiba PR, SS14 ACT. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.87007026. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/nnn/87007026/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_nnn_87007026_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
648
O CARP patrocinava, por exemplo, uma Mostra de Arte Brasileira, um Festival CARP da Música
Brasileira, um Grupo Musical CARP, torneios esportivos, a Academia WONHWA-DO de arte marcial
unificada, um clube de atletismo, e concursos de beleza para jovens universitários de ambos os sexos em
âmbito nacional, realizando atividades de doutrinação com os participantes. Outros eventos realizados eram
ciclos de debates, a Conferência unificada para Estudantes Universitários – COESU e a Convenção
Nacional CARP, a Convenção Internacional CARP.
649
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Colegiado Acadêmico para a Reflexão de
Principios, CARP. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.85017492. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/eee/85017492/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_eee_85017492_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
650
Fundada em 1985, a UDR é um grupo de Lobby favorável aos interesses dos grandes proprietários de
terra. Uma de suas principais bandeiras no interior da Constituinte de 1987 foi a inviabilização de propostas
para uma ampla Reforma Agrária no país.
651
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Igreja da Unificação em
Curitiba PR, SS14 ACT. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.87007026. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/nnn/87007026/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_nnn_87007026_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
459
652
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito Santo para a
Unificação do Cristianismo Mundial Seita Moon. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.86018091. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/86018091/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_86018091_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
653
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito Santo para a
Unificação do Cristianismo Mundial Seita Moon. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.86057528. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86057528/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86057528_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
460
o lançamento do Folha do Brasil, jornal com tiragem inicial de cinquenta mil exemplares.
O caso foi debatido pelo Conselho de Segurança Nacional que, preocupado com o avanço
do complexo de organizações da Igreja, cujo radicalismo não lhe era estranho, assinalava
“que os extremismos são perniciosos, ainda que se trate de movimentos chamados de
direita”654, recomendando ao governo Sarney que se opusesse à iniciativa, uma vez que
“a Constituição veda a propriedade e a administração de empresas jornalísticas aos
estrangeiros”. Já aos “órgãos de informação”, o Conselho pedia que fossem examinados
“possíveis envolvimentos com grupos estrangeiros” de outros órgãos de imprensa,
inclusive eletrônica. Não obstante, o jornal chegou a circular em 1987, tendo como editor-
chefe o mesmo Leornes Ferreira, responsável pelo Tribuna Universitária do CARP, com
contribuições especiais de outros importantes unificacionistas, como José Oswaldo de
Meira Penna, e bancado pela empresa Notícias do Brasil Comunicações LTDA
pertencente à Igreja da Unificação. Seu número II contava ainda com artigos de Sandra
Cavalcanti, deputada federal pelo PFL, Austregésilo de Athayde, presidente da Academia
Brasileira de Letras, e de jornalistas do Estado de São Paulo, como Waldo Claro, que
assinou o artigo “A Cuba que o Brasil finge não ver”655. Não pude verificar até quando a
publicação sobreviveu, mas noto que atualmente há em atividade um jornal digital com o
mesmo título com claras inclinações de extrema direita. Apesar de trazer uma aba
intitulada “Quem Somos” (QUEM Somos. Folha do Brasil, [s.d.]) em sua página, a
sessão permanece vazia, não trazendo qualquer informação sobre o veículo, figurando ali
apenas uma “Página de Exemplo” padrão da plataforma WordPress onde a página é
construída. O único dado disponível sobre seus artífices é uma inscrição no canto inferior,
atribuindo sua posse a outro veículo de imprensa, a FDR, Economia Simplificada, por
sua vez propriedade da Gridmidia, empresa com sede em Recife - PE e Orlando, Flórida.
As origens obscuras do jornal saltam aos olhos, ainda, ao repararmos que ele foi um dos
órgãos de imprensa incentivadores de atos antidemocráticos sobre os quais o ministro do
Supremo Tribunal Federal – STF, Alexandre de Morais, pediu às redes sociais, em junho
de 2020, dados sobre o financiamento.
654
ARQUIVO NACIONAL. Conselho de Segurança Nacional. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB N8.0.PSN, IVT.91. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_n8/0/psn/ivt/0091/br_dfanbsb_n8_0_psn_ivt
_0091_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
655
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Circulação em São Paulo do Jornal Folha
do Brasil, da Associação Internacional CAUSA Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.87019444. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/eee/87019444/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_eee_87019444_an_03_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
461
656
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Jose Francisco Squizzato,
representante no Brasil da Causa Internacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.82011590. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/82011590/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_82011590_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2021.
657
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
462
falaram ali os membros da CAUSA Internacional Paul Perry e Thomas Ward; Lev
Navzorov, dissidente russo que fugira para os Estados Unidos em 1971; o padre católico
polonês, Sebastian Matczak; o coronel Bo Hi Pak, braço direito do reverendo Moon; e o
brasileiro José Francisco Squizzato. Discursaram eles sobre os temas: “História do
Comunismo”, “O New York Times e a Desinformação”, “Materialismo Histórico”,
“Materialismo Dialético”, “Significado do Unificacionismo no Mundo de Hoje”,
“Estratégia do Comunismo no Brasil”, “Teologia da Libertação” e “Implicações Práticas
do Unificacionismo”.
Apesar de todo o segredo, o SNI tinha total ciência do acontecimento, registrando
em relatório, parte de outro dossiê, que o encontro no Othon foi precedido de mais um,
em julho de 1981, no Hotel Nacional, havendo “planos para novos seminários no
Brasil”658. O Serviço contou os convidados em aproximadamente duzentos, colhendo
relatos de dois participantes do primeiro encontro, mantidos anônimos. Um deles
resumira o propósito do seminário como “lançar a semente do Movimento de Unificação
a um grupo de intelectuais brasileiros” e conscientizar sobre a “necessidade de uma
integração indiscriminada de religiões”, de acordo, portanto, com a meta declarada da
Igreja da Unificação: contribuir na aglutinação de um movimento religioso conservador
mundial. Reforçava o SNI a natureza sigilosa do evento, observando ter sido a imprensa
proibida de entrar no hotel e que “os telefones eram vigiados e havia controle na entrega
e devolução de crachás”. Além disso, “os participantes dispunham de segurança pessoal
quando se ausentavam do local para passeio”, sendo reiteradamente orientados a manter
“sigilo sobre os assuntos tratados”.
Listada nominalmente pelo SNI, a audiência do encontro de julho de 1981
continha sobretudo membros de quadros dirigentes de instituições de ensino superior de
norte a sul do país, denotando o interesse em atrair setores da intelligentsia nacional. Ao
lado deles, encontramos também alguns religiosos, empresários e funcionários da
ditadura, grupos que a Igreja também pretendia imantar ao Partido da Fé Capitalista, todos
com passagem, estadia e alimentação inteiramente pagos. Ao que parece, muitos não
658
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito Santo para
Unificação do Cristianismo Mundial. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.81001953. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0001de0005.pdf> e <
http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0004de0005.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2021.
463
tinham uma ideia precisa do teor do evento, acompanhando os convites apenas currículos
sumários dos expositores e o título das falas. Reparo que o encontro ocorreu alguns meses
antes da série de denúncias feitas à Igreja da Unificação receberem grande cobertura
midiática, sendo plausível que boa parte da plateia desconhecesse a Igreja e suas
organizações paralelas. De fato, dias depois, o professor Luis Alberto Peluzzo, da
Universidade MacKenzie, segundo matéria de 17 de agosto de 1981 do jornal O Globo
constante no mesmo dossiê do SNI, denunciou que a Igreja da Unificação pretenderia
estabelecer no cone-sul uma “República Unificacionista”, acrescentando a matéria que
“quase todos” os presentes se sentiram enganados, queixando-se do nível primário das
conferências. Muitos deles se distanciariam, assim, da opinião expressa pelo SNI no
dossiê, que via um excelente “nível cultural e intelectual” em todos os falantes, doutores
em Filosofia ou Teologia. Entretanto, ainda que boa parte dos convidados tenha sido
refratária às ideias expostas, alguns voltariam a aparecer em reuniões semelhantes,
demonstrando o sucesso dos unificacionistas em cooptar parte da intelectualidade e do
Estado restrito brasileiros.
Entre os acadêmicos presentes, listados pelo SNI, vemos uma predominância das
Ciências Humanas, desde muito alvo de ataques da direita organizada. Alguns dos de
maior projeção foram Adalice Maria de Araújo, chefe do Departamento de Artes da
Universidade Federal do Paraná; Alboni Marisa Dudeque Pianovski, chefe do
Departamento de Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Tuiuti; Alfonso
Trujillo Ferrari, sociólogo; Antônio Beraldo de Almeida, chefe do Departamento de
Psicologia da Educação e Orientação Educacional da Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras de Presidente Venceslau; Arlindo Bernart, diretor da Faculdade de Ciências
Jurídicas de Blumenau; Armando Biondo Filho, chefe do Departamento de Física e
Química da Universidade Federal do Espírito Santo; Biágio B. Dante Chiappetta, diretor
da Faculdade Olindense de Administração; Cesário Morey Hossri, chefe do
Departamento de Psicologia da Universidade de Taubaté; Darci Dusilek, diretor do
Departamento de Estudos Teológicos e Filosóficos da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro; Djalma Monteiro Colombi, secretário executivo da Universidade de Taubaté;
Egídio José Romanello, diretor executivo da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
Tuiuti; Evaldo Macedo de Oliveira, chefe do Departamento Administrativo da Fundação
da Universidade de Brasília; Flávio de Braga, diretor da Escola de Sociologia e Política
de São Paulo; Francisco Martins, vice-diretor da Faculdade de Tecnologia da
Universidade de Brasília; George Browne do Rego, pró-reitor para assuntos acadêmicos
464
659
De tendências progressistas e muito respeitado no meio teológico, em entrevista transcrita pelo SNI ao
jornal O Globo em 17 de agosto de 1981, alguns dias após a realização do seminário, talvez movido por
um ecumenismo ingênuo, Velasques refutou as acusações feitas à Igreja da Unificação a respeito dos seus
agressivos métodos de recrutamento. Segundo ele “o que tem sido denunciado como lavagem cerebral é
um processo utilizado por todas as religiões, incluindo a Católica Romana, muito evidente nos cursilho e
nas comunidades de base, e pelos protestantes, especialmente os pentecostais”. ARQUIVO NACIONAL.
Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. Processo DICOM nº 16.618. Código de
Referência: BR RJANRIO TT.0.JUS, PRO.343. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_rjanrio_tt/0/jus/pro/0343/br_rjanrio_tt_0_jus_pro_034
3_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 abr. 2021.
466
660
Em termos da composição religiosa, publicação editada pela Igreja em 1983, intitulada A Igreja da
Unificação e o Reverendo Sun Myung Moon, estimava que 40% dos unificacionistas seriam “protestantes”,
entre os quais os mais numerosos seriam os batistas, com 7,9%, os metodistas, com 7,2%, e os
presbiterianos, com 5,25%. Além deles, 36% seriam católicos, 5,6% judeus, 3,4% budistas, 0,7% mórmons
e 0,3% muçulmanos. ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seita do Reverendo
Moon Manaus AM. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/lll/86006643/br_dfanbsb_v8_mi
c_gnc_lll_86006643_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
661
Historiador britânico de imenso prestígio na primeira metade do século XX. Imprimia grande
importância a aspectos religiosos no processo de ascensão e decadência de grandes civilizações do passado,
recebendo por isso muitas críticas de seus pares após os anos 1960. Em 1936 recebeu um pedido de Adolf
Hitler para entrevistar o líder nazista em Berlim. Após o encontro, Toynbee defendeu junto ao governo
britânico a cooperação com o regime de Hitler, oferecida pelo ditador.
467
662
É possível que se trate do mesmo evento, cuja programação fora dividida em dias e locais diferentes.
663
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
468
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em 20 mar. 2021.
664
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito Santo para
Unificação do Cristianismo Mundial AESUCM do Reverendo Moon, Atividades no Rio Grande do Sul.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.87014949. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ggg/87014949/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ggg_87014949_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
665
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. CAUSA Internacional, CAUSA Brasil,
DV42 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86058650. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86058650/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86058650_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
469
José Ferreira, segundo o SNI666 participante do golpe de 1964, que alertou a plateia sobre
a urgência em se ampliar o combate ao comunismo no Brasil no contexto do fim do
regime militar, uma vez que “os militantes da esquerda não mais estão infiltrados no
governo, ao contrário, estão no governo”667. Alguns dos conferencistas foram a professora
universitária Maria José Gonçalves Resende, cuja fala intitulada “Marxismo - Análise e
Crítica” procurou apresentar princípios marxistas acompanhados de um juízo sobre os
“Erros de Marx”; José Cândido de Castro668, professor de Filosofia e ex-padre jesuíta,
que indicou o “deusismo”669 pregado pelos unificacionistas como melhor arma contra o
marxismo, capaz de agregar inteiramente o campo religioso, uma vez que “toda e
qualquer pessoa pode ser adepta de tal ideologia, independentemente da religião que
professe, pois o “deusismo” não comunga (apenas) com as falsas religiões, tais como, por
exemplo, que se baseia na “Teologia de Leonardo Boff e Cia”’; Alejandro Mateesco
Franco, romeno naturalizado brasileiro, professor da Faculdade João Paulo II da
Arquidiocese do Rio de Janeiro, desligado do Instituto Metodista Bennet “por motivos
ideológicos” e representante da CAUSA no Rio de Janeiro, discursou sobre “Aspectos do
Comunismo Russo”; Benedito Honório da Silva, assessor chefe da Assessoria de
Segurança e Informações do MEC e assistente da Procuradoria Geral da Paraíba, proferiu
a palestra “Comunismo X Mundo Livre”; Hilton Guedes Alcoforado, membro da
CAUSA em Pernambuco, discorreu sobre as Constituições brasileiras, concluindo com
comentário sobre a Constituinte prestes a se realizar, alertando para “as manipulações e
influência das “esquerdas”’; e José Raimundo, jornalista da TV Paraná e integrante da
CAUSA, que se apresentou como “ex-guerrilheiro” e fez um apanhado sobre o contexto
político pré-golpe de 64, avaliando cada um dos governos militares, elogiando Castelo
666
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seita Moon em Belo Horizonte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.86012256. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ooo/86012256/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ooo_86012256_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
667
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. CAUSA Internacional, CAUSA Brasil,
DV42 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86058650. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86058650/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86058650_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
668
Também conforme o SNI, Castro participara do golpe de 1964. O serviço indicava, ainda, que o membro
da CAUSA recebia uma “mesada” do empresário Marcos Valle Mendes, da Construtora Mendes Júnior, no
valor de 10 mil cruzados. ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seita Moon em Belo
Horizonte. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.86012256. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ooo/86012256/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ooo_86012256_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
669
Em meados dos anos 1980, a Igreja da Unificação parou de se referir a sua doutrina como
“unificacionismo”, passando a chamá-la de “deusismo”, de forma mais coerente com sua proposta
ecumênica.
470
670
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. II Convenção Panamericana da Causa
Internacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.85051420. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/85051420/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85051420_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
471
Sebastian Labo; o bispo evangélico chileno Juan Andrés Vasquez del Valle; e o teórico
político-teológico Willard Cleon Skousen, membro da organização fundamentalista John
Birch Society. A ala jornalística foi representada por Pedro Joaquim Chamorro, dono do
jornal nicaraguense direitista La Prensa, sendo a oposição aos sandinistas e outros
socialistas centro-americanas encorpada por Omaida Correia, presidente do Comitê pró-
democracia do Panamá/Nicarágua. Também tiveram a palavra os terroristas membros da
organização Comandos L, responsável por inúmeros atentados em Cuba, Antonio Cuesta
del Valle e Anthony Garnet Bryant.
Além deles, teve participação destacada o embaixador José Oswaldo de Meira
Penna, como vimos contribuinte de outras iniciativas do complexo de organizações da
Igreja da Unificação pelo mundo. No jantar de abertura, Penna teria falado que a
realização do evento precisou vencer um “patrulhamento ideológico”, e que “é preciso
combater os inimigos das sociedades abertas, hostilizar os socialistas-marxistas
totalitários e manter nossa terra como uma sociedade livre e aberta, segundo nossa visão
moral do que deva ser uma sociedade democrática”. Nos debates, lamentou a
“defasagem” no desenvolvimento cultural brasileiro na América Latina diante de países
como o Chile e a Costa Rica, “mais politizados”. Desinteressado em camuflar
preconceitos, exemplificava o atraso político brasileiro pela presença de “um cantor semi-
analfabeto e um índio”671 na Câmara Federal. Criticou ainda a “organização da nova
Constituição” e os empréstimos do governo brasileiro à Polônia e à Nicarágua,
esbravejando que assim estaríamos “indiretamente financiando a guerrilha Sandinista”.
Por último, declarou que a falha dos “governos militares” foi ter reproduzido erros de
gestões anteriores, como “empreguismo, nepotismo e corrupção”.
Essencialmente concentradas na suposta doutrinação anticomunista e na discussão
de ações contrárias, as palestras tiveram como temas, segundo programação anexa ao
dossiê do SNI, “O Expansionismo Comunista e o Ocidente”, “Ideologia Marxista: Visão
Geral e Crítica”, “Materialismo Histórico e Dialético”, “Teorias Econômicas Marxistas”,
“O Imperialismo e a Terceira Internacional”, “Confusão no Sistema de Valores do
Ocidente” e “Cosmovisão da Causa”. Já as sessões de debates intitularam-se “A Luta pela
Democracia nas Américas”, “A Resposta dos Cristãos ao Comunismo” e “Caminhos para
o Desenvolvimento Econômico”.
671
Referia-se, provavelmente, aos deputados Agnaldo Timóteo e Mário Juruna, ambos eleitos em 1983
pelo PDT, partido de oposição à ditadura.
472
Ortodoxa do Brasil; Ivan Dutra Moraes, bispo diocesano de Belo Horizonte; Raul Lima
Neto, pastor evangélico e futuro deputado estadual em Minas Gerais; Wilton de Araújo
Sampaio, secretário executivo da Convenção Igrejas Batistas Nacionais do Estado de
Minas Gerais; Dimas Alves de Souza, pastor batista; e Guaracy Batista da Silveira, 1º
pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular no Norte do Brasil, presidente da Associação
Comercial do CEASA do Pará e deputado estadual pelo PDS.
Militares também apareceram em certo número na figura de José Leopoldino e
Silva, tenente-coronel da reserva; Antonio Leite de Araújo, general da reserva; José Lopes
Bragança, general de divisão; Rubens José Ferreira, coronel da reserva da Polícia Militar
de Minas Gerais; Gustavo Adolpho Engelke, capitão-de-mar-e-guerra; José Farias de
Souza Filho, capitão da Polícia Militar do Estado da Paraíba; Marcílio Pio Chaves,
coronel da Polícia Militar do Estado da Paraíba; e Cesar Augusto Soares de Souza, capitão
de fragata e assessor empresarial.
Membros da imprensa presentes foram Antônio Eustáquio Rodrigues Cassimiro,
que em 1993 fundaria o jornal Gazeta do Oeste em Divinópolis - MG; Carlos Danilo
Costa Côrtes, do Diário do Paraná; Francisco das Chagas de Oliveira, diretor do Jornal
do Piauí e do jornal Opinião; Antônio Barroso Pontes, escritor e jornalista no
conglomerado de mídia Diários Associados; e Maviel Horistônio de Oliveira, jornalista
paraibano agraciado em 1982 com diploma de colaborador emérito do Exército.
Os intelectuais convidados foram Cesário Morey Hossri, professor da
Universidade de Taubaté e do SENAI; Fernando Menezes Xavier, do Departamento de
Administração da Universidade de Fortaleza - UFC; Nelson Figueiredo, presidente da
Liga da Defesa Nacional672; Antônio Carlos Belfort de Carvalho, professor de
Odontologia e suplente de vereador em Teresina - PI; e Nilson Nogueira de Melo,
professor de Medicina na Universidade Federal de Campina Grande – PB.
Estavam ali, também, alguns líderes sindicais, expressando a relativa penetração
do Partido da Fé Capitalista também neste meio. Compareceram Roberto Ferreira,
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Goiânia e Cyro Siqueira Filho, diretor do
Sindicato dos Cirurgiões Dentistas.
Além dos acima, cidadãos de outros 22 países, sobretudo latino-americanos,
afluíram ao Maksoud Plaza. Sua identificação, infelizmente, não é possível, pois seus
primeiros nomes aparecem abreviados no relatório do SNI. O Jornal do Brasil, contudo,
672
Fundada em 1916, a Liga buscava fomentar o sentimento patriótico com campanhas cívicas, vindo a ser
declarada órgão de interesse público pela ditadura em novembro de 1970.
476
673
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.237. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_z4/dpn/pes/pfi/0237/br_dfanbsb_z4_dpn_pes
_pfi_0237_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
674
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Ciclo de Conferencias da CAUSA Brasil.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.86012852. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ccc/86012852/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ccc_86012852_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
675
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Folheto Causa Brasil, Introdução ao
Deusismo e Informativo CAUSA Brasil, Edição Especial. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.LLL.86006712. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/lll/86006712/br_dfanbsb_v8_mi
c_gnc_lll_86006712_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
477
676
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Realização em São Paulo, SP, em JUL 87,
de Seminario Promovido pela CAUSA Brasil, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.87063285. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063285/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063285_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
677
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
BR DFANBSB H4 MIC.GNC.RRR 990014702. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/990014702/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_rrr_990014702_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
478
678
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conferencia da Associação do Movimento
da Unificação do Podo para a Salvação da Patria, Curitiba PR. SE143 AC. Arquivo Nacional. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88067311. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/88067311/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_aaa_88067311_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 ag. 2021.
479
679
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87064320.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87064320/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87064320_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
680
A publicação já circulava antes da oficialização do movimento, tendo o seu primeiro número sido
lançado em finais de 1983. Neste momento a autoria da revista era creditada a uma certa Fundação pró-
Brasil, passando a apresentar-se como veículo oficial da ABDD apenas nesta edição n. 16, de fevereiro de
1985.
681
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.85050880. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/85050880/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85050880_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
682
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87064320.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87064320/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87064320_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
683
Ex-chefe do Departamento de Contrainformações e Contrapropaganda do CIE, com destacada atuação
na tentativa de sabotagem da candidatura de Tancredo Neves (CASIMIRO, 2016, p. 70).
481
684
Era “especialista em informações com passagem pelo SNI” (CASIMIRO, 2016, p. 70).
685
Uma vez que o regulamento do Exército proibia a participação de membros da ativa em atividades
políticas, muitos dos integrantes militares da ABDD aparecem em seus estatutos com ocupações fictícias.
Assim, os coronéis Arlene Amorim, José Augusto Netto e José Leopoldino e Silva figuravam como
professor de Educação Física, economista e técnico em administração, respectivamente.
686
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.GGG.85012590. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/85012590/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_85012590_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
482
comunista sobre a cultura francesa, por sua vez grande inspiradora de intelectuais, artistas
e estudantes brasileiros, respirando aliviado ao enxergar a bancarrota comunista diante de
fatos recentes, como o a renúncia a um “socialismo humano” e a volta a “métodos
econômicos ortodoxos” pelo governo francês; totalmente desprovido de autocrítica,
Luciano Cabral Duarte procurou sustentar a incompatibilidade entre religião e política,
mas apenas no que diz respeito ao clero progressista, engajado numa “martelante
conscientização política dos católicos na linha do socialismo”; Jarbas Passarinho
comentava sobre o programa Guerra nas Estrelas687, anunciado pelo presidente norte-
americano Ronald Reagan, comemorando que “se esse programa for bem sucedido
tornará vulnerável a União Soviética”; José Oswaldo de Meira Penna criticava a
“Esquerdigreja popular”, caricaturizando o clero progressista e sobretudo Leonardo Boff,
grandes promotores de confusão na Igreja Católica brasileira; Jorge Gerdau, presidente
do Grupo Gerdau, frisava a natureza antidemocrática do socialismo, que submetia as
dimensões econômica e política a um mesmo “código moral/cultural e coletivo”,
enquanto a plena democracia demandaria a separação não só dos poderes, mas também
da economia e da moral e cultura688, afirmando, ainda, que “O grande fiscal do
crescimento econômico é o mercado, aprovando ou rejeitando os produtos, frutos de
necessidades humanas”, missão que “não cabe à burocracia”, cuja rigidez em suas normas
“impede uma nova opção de consumo, gerando entraves de toda ordem”; e o jornalista
Alexandre Garcia assinou artigo onde criticava projetos para eliminar as moradias oficiais
concedidas a ministros, prevendo como consequência um necessário aumento de seus
salários. A revista trazia ainda transcrição de editorial do Jornal da Tarde sobre o suposto
acirramento das divisões internas da esquerda brasileira, sustentando que “agitadores do
PT, as pastorais da terra, as comissões de justiça e paz, os maoístas do PC do B e os
inocentes úteis do movimento universitário, travam uma verdadeira batalha pelo
monopólio das forças totalitárias no Brasil”.
Avaliando o número 18, de abril de 1985, o SNI comentava que o veículo primava
por propagar “uma mensagem anticomunista e democrática”689. A edição abria com a
687
O projeto pretendia a construção de uma rede de interceptação de armas nucleares, em seu percurso fora
da atmosfera da Terra, constituída de radares, satélites e armas modernas. Não prosperou, contudo, devido
ao alto custo e indisponibilidade dos meios tecnológicos para a sua efetivação.
688
Como referência teórica, Gerdau mencionava Michael Novak, ligado ao Institute on Religion and
Democracy, confirmando, mais uma vez, a penetração das ideias propagadas por esse laboratório de ideias
entre a classe dominante brasileira.
689
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.85050880. Disponível em:
483
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/85050880/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85050880_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
690
É possível que se trate de um pseudônimo, pois, ao contrário do verificado com os demais articulistas,
a matéria não trazia nenhuma informação sobre sua identidade.
691
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.85010134. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/85010134/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_85010134_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
484
falecido. À reflexão dos jovens brasileiros era dedicada a citação: “Não se deixe
instrumentalizar por ideologias. Seja cada vez mais democrata e faça, realmente, da sua
convicção democrática, o seu escudo e instrumento de luta, em favor do Brasil”.
Invocava-se o espírito do presidente morto, portanto, para somá-lo, sem possibilidade de
réplica, ao esforço anticomunista da ABDD.
No miolo da publicação, destacavam-se o bispo Luciano Cabral Duarte que, em
“O Ecumenismo do Sofrimento”, discursava sobre as agruras dos homens de fé
perseguidos na União Soviética, narradas no livro Les Martyes dans les Pays de L'Est (Os
Mártires nos Países Orientais), sublinhando “os métodos satânicos que o comunismo
emprega para a destruição da fé”; Amaury de Souza Mello, escritor, filósofo, advogado,
que, em “A CNBB e o aumento da criminalidade”, acusava o clero progressista de incitar
a ação de grupos criminosos; o articulista do Estado de São Paulo, Lenildo Tabosa
Pessoa, em “Nos Bastidores de Itaici” celebrando a derrota do clero progressista na última
assembleia da CNBB, com a substituição de dom Hélder Câmara no arcebispado de
Olinda e Recife; José Oswaldo de Meira Penna, que o texto “O Novo Itamarati”
comemorava a indicação de Olavo Setúbal, presidente do Banco Itaú, para o Ministério
das Relações Exteriores, esperando “a eliminação do social-estatismo” na política
externa, não se furtando também, em nota, de destacar a “frustração” do clero progressista
com os últimos atos do Vaticano.
Além da revista, conforme previsto em seus estatutos, a ABDD patrocinava
encontros e conferências. Um evento deste tipo ocorreu, por exemplo, em outubro de
1987 na antiga sede carioca do Clube da Aeronáutica, de acordo com documento do
Centro de Informações da Aeronáutica - CISA. Anunciada pela ABDD como “a primeira
de uma série de palestras que terão o objetivo de levar os presentes à meditação sobre os
destinos políticos vividos pelo país no momento em que está sendo elaborada a nova
Constituição”692, o professor da ESG Jorge Boaventura de Souza e Silva falou sobre “A
Conjuntura Atual e a Constituinte” para duzentas pessoas, público superior ao esperado,
pois “muitos espectadores estavam de pé”. O eixo da palestra foi o pensamento do teórico
italiano Antonio Gramsci, que no Brasil basearia “todo trabalho político desenvolvido
pela esquerda” engajada, portanto, numa luta de longo prazo e concentrada no “domínio
692
ARQUIVO NACIONAL. Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. Informacao N° 83/A-
2/III COMAR: Debate na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Código de Referência: BR DFANBSB
VAZ.0.0.22859. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_VAZ/0/0/22859/BR_DFANBSB_VAZ_
0_0_22859_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2021.
485
693
Vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), o Colégio Interamericano de Defesa,
instalado em território norte-americano, foi fundado em 1962, fornecendo cursos de pós-graduação a
militares e funcionários governamentais de alto escalão. Visa principalmente a maior integração entre essas
porções da classe dominante dos países do continente americano.
486
694
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87064151.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87064151/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87064151_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
695
Comumente referido como Caso Para-Sar, sigla para Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento, trata-se
de um plano concebido pelo brigadeiro em 1968 para a realização de vários atentados terroristas que se
pretendia creditar à esquerda. Felizmente, o paraquedista Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, apelidado
Sérgio Macaco, não apenas desobedeceu as ordens de Burnier para pôr o plano em curso, como também o
denunciou a outras lideranças da Aeronáutica. Infelizmente, entretanto, o brigadeiro atravessou
praticamente ileso o processo que se seguiu, podendo continuar sua carreira conspiracionista, por exemplo,
487
nos eventos da ABDD na década de 1980. Sérgio Macaco, por outro lado, terminaria afastado das forças
armadas.
696
Os Destacamentos de Operação Interna - Centros de Operações e Defesa Interna - DOI- CODI eram
órgãos de repressão e tortura controlados por membros das forças armadas em contato estreito com
instituições policiais de fins semelhantes, como os DOPS, de responsabilidade das polícias civis estaduais.
697
A Scuderie Detetive Le Cocq foi uma associação frequentada por policiais cariocas acusada de executar
centenas de pessoas entre 1964 e 2000.
698
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Realização em São Paulo, em 11 Nov 87,
de Palestra Proferida por Jorge Boaventura, Integrante da Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87064324.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87064324/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87064324_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2021.
699
Trata-se de um projeto de partido, financiado pela Igreja da Unificação, que não teve continuidade.
488
Flávio Galvão, editorialista do jornal O Estado de São Paulo; Carlos Tavares, também
jornalista do “Estadão”; os brigadeiros reformados Márcio Coqueiro e Roberto Brandini;
e Luis Maciel Júnior, coronel da aeronáutica. Também conforme informações do SNI, a
ABDD estaria próxima de implantar um núcleo na capital paulista, onde promoveria, em
breve, palestra com José Oswaldo de Meira Penna.
O último vestígio documental da ABDD legado pelo Poder Executivo é um livreto
distribuído em meados de 1988 em parceria com outras três entidades conservadoras, a
União Nacional de Defesa da Democracia, a Ação Democrática Renovadora e a União
Cívica Feminina. Chamada Alerta à Nação em Defesa da Democracia, a publicação trazia
críticas ao estado atual da Assembleia Nacional Constituinte, que dizia estar dominada
por uma minoria interessada “em perturbar, em confundir, em desagregar e em destruir a
estrutura nacional para, sobre seus escombros, erigir a figura de um monstro - o
totalitarismo despótico, escravocrata e imperialista da “esquerda” - que se alimenta da
liberdade e da dignidade humana”700. Na visão ali expressa, a esquerda manobrava para
controlar os trabalhos constituintes, neles imprimindo medidas que redundariam em
sérios prejuízos para o país. Entre elas, condenava-se “a supressão de qualquer tipo de
censura”, sob o manto da “chamada liberdade de manifestação cultural”, que levaria à
imoralidade, licenciosidade e “corrupção da juventude”; o direito de voto para o jovem
de 16 anos, “alvo fácil da manipulação de políticos inescrupulosos”; “a extensão
irresponsável do direito de greve aos trabalhadores de serviços essenciais e aos
funcionários públicos”, causando “inquietação e agitação” e prejuízo para as atividades
produtivas; “o aumento do prazo de licença remunerada para a gestante, acompanhada
da, até ridícula, concessão de licença remunerada para o marido”, uma demagogia que
causaria desemprego; o estabelecimento de regras, preocupadas com a preservação
ambiental, para a exploração de recursos naturais, “posicionamento ultra-chauvinista” e
“em frontal prejuízo do desenvolvimento”; “a despropositada limitação dos juros
bancários”; “as reformas Agrária e Urbana”, propostas em “termos altamente polêmicos”
e “geradoras de lutas de classes”; e as “insidiosas tentativas das minorias extremadas”
para alterar as funções das forças armadas, “procurando limitar sua ação à defesa contra
o inimigo externo, excluindo, portanto, sua efetiva participação no campo da Segurança
700
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. União Nacional de Defesa da Democracia,
Divulgação de Livreto. SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88067393.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/88067393/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_88067393_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2021.
489
701
O Sistema Nacional de Informações e Contrainformações - SISNI foi uma malha de órgãos de
espionagem construída pela ditadura. Ele era composto pelo Serviço Nacional de Informações - SNI e suas
agências regionais, pelas divisões de segurança e informações - DSI, pelas assessorias de segurança e
informações - ASI, pelo Centro de Informações do Exército - CIE, pelo Centro de Informações da Marinha
- CENIMAR, pelo Centro de Informações da Aeronáutica - CISA e pelo Centro de Informações do Exterior
- CIEX. Interconectadas, essas organizações intercambiavam informações de todos os tipos com muita
frequência, sendo os seus documentos, em grande parte disponibilizados digitalmente pelo Arquivo
Nacional e matéria prima principal da Parte III deste trabalho, riquíssima fonte para o estudo da nossa
História recente.
702
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Campanha contra o SISNI, SE122 AC.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87064289. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87064289/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87064289_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 29 mar 2021.
490
Pelo menos segundo o SNI704 e em inícios dos anos 1980, o Laboratório de ideias
conservador Institute on Religion and Democracy – IRD não possuía um representante
no Brasil. Isso não quer dizer, contudo, que o país tenha se mantido fora do seu alcance,
chegando mesmo a receber um dos seus membros mais notórios, o intelectual católico
Michael Novak705 em uma série de conferências.
Em maio de 1985 o norte-americano falou para um grande público no Auditório
do Jornal Folha de São Paulo, atraindo o interesse do SNI, que, entre outras coisas,
703
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.85050880. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/85050880/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85050880_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
704
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Instituto Sobre Religião e Democracia,
IRD. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.84010468. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/84010468/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_84010468_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.
705
Novak contribuía também para outro laboratório de ideias conservadoras, o American Enterprise
Institute - AEI.
491
706
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Principais Acontecimentos do Campo
Psicossocial em MAI 85. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.86017584. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/86017584/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_86017584_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.
707
Fundado em 1980 e constituído em grande parte por seguidores da Igreja Católica, o sindicato foi uma
organização de oposição à influência soviética na Polônia.
708
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Ministério do Exército. Código de
Referência: BR DFANBSB 2M.0.0.44, v.1. Disponível em:
492
do Exército, que aproveitou para fixar em papel algumas de suas críticas à Teologia. Para
tanto, foi trazido à baila Michael Novak, que em seu livro Será a Liberdade? -
questionamento da Teologia da Libertação “interroga se o método de análise marxista da
economia trouxe, dentro da TL, algum benefício aos pobres do Terceiro Mundo”.
Responderia o norte-americano que nenhum progresso material pode ser observado,
acrescentando o CIE, por sua vez, “que também nada no campo espiritual”. Não
satisfeitos, os militares sacaram ainda outro autor, Ricardo Vélez Rodriguez, “filósofo” e
professor da Universidade Gama Filho, no Rio de janeiro, que em entrevista ao Estado
de São Paulo subscreveu as críticas do norte-americano à Teologia da Libertação,
somando ainda outras, “em particular à análise da economia utilizada pela TL”.
Em julho de 1990, o professor da Escola Superior de Guerra - ESG, Jorge
Boaventura de Souza e Silva, como vimos também membro da ABDD, aludiu o
pensamento de Novak em fala no IV Simpósio de Estudos Estratégicos, realizado pelo
Estado-Maior das Forças Armadas na capital carioca. Encontro que, além do Brasil, foi
integrado por intelectuais da Argentina, Uruguai e Paraguai, estes últimos apenas como
observadores. Com fala intitulada “Estratégia Subversiva e Atividades Contrárias às
Forças Armadas dos Países Envolvidos” 709, Silva citava o pensador estrangeiro, para
quem “o fenômeno mais preocupante dos nosso dias é o da prevalência das ideias sobre
os fatos, mesmo quando estes as desmintam frontalmente”. Falava o brasileiro sobre a
facilidade com a qual “as maiorias” são assim influenciadas, referindo-se à “tremenda
capacidade dos meios modernos de comunicação e das sofisticadas técnicas à sua
disposição de influir sobre a opinião volúvel das massas, quase sempre conduzidas,
menos pelas vias do raciocínio do que pelos caminhos da emoção”. Indo ao cerne da
questão, usava como exemplo o fato de que “até há poucos meses, dominava a imaginação
e o sentimento, sobretudo das nossas juventudes estudantis, o fascínio, a verdadeira magia
da propaganda dita socialista”, facilmente refutável se, ao invés de cederem aos impulsos,
tais jovens observassem os fatos, que mostram que as “sociedades mais prósperas” não
estavam no bloco socialista.
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0044_v_01/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0044_v_01_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.
709
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. IV Simpósio de Estudos Estratégicos -
Meio ambiente. Código de Referência: BR DFANBSB 2M.0.0.70, v.6. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0070_v_06/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0070_v_06_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.
493
710
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 2M.0.0.474, v.1. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0474_v_01/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0474_v_01_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2021.
711
Imposto em dezembro de 1968, o AI-5 suspendia uma série de direitos individuais previstos na
Constituição, abrindo a porta para inúmero abusos cometidos pelas forças policiais e militares contra a
população, como torturas, prisões arbitrárias, assassinatos e desaparecimentos forçados.
712
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.REX.IBR.2. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/REX/IBR/0002/BR_DFANBSB_Z4
_REX_IBR_0002_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2021.
713
Órgão que precedeu o Centro de Informações da Aeronáutica – CISA.
714
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conduta Irregular de Diplomatas MRE.
Henrique de Souza Gomes e Outros. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.69014195. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/69014195/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_69014195_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2021.
495
715
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Grupo de Extrema Direita
em Goias Cid Albernaz de Oliveira e Outros. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.83006611. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/rrr/83006611/br_dfanbsb_v8_mi
c_gnc_rrr_83006611_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
497
716
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Realização da Setima Conferencia Mundial
Da CAUSA Internacional em Toquio e Seul. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.84009632. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/rrr/84009632/br_dfanbsb_v8_mi
c_gnc_rrr_84009632_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
498
Dos mesmos dois eventos participou Bonifácio José Tamm de Andrada, escritor
e político que, como deputado federal, acumulou desde 1979 dez mandatos consecutivos
pelo estado de Minas Gerais. Tendo dedicado sua vida à direita partidária, passou pelas
legendas ARENA, PDS, PTB, PSDB e DEM.
Outro político interessado nas atividades da Igreja da Unificação foi Saturnino
Dadam, deputado estadual em Santa Catarina entre 1975 e 1978 e deputado federal entre
1986 e 1990 pelo PDS. Na iniciativa privada foi assessor jurídico da empresa de
engenharia ENERCONSULT, subsidiária da multinacional Arcadis, sediada na Holanda.
Dadam participou da Décima Conferência Internacional sobre a Unidade das Ciências em
Seul em 1981 e das conferências da CAUSA Internacional acontecidas no Rio de Janeiro
no mesmo ano.
Também de inclinações explicitamente direitistas, o político, empresário e
jornalista Herbert Levy, deputado federal por São Paulo com diversos mandatos desde
1947 até 1987, passando pelos partidos UDN, ARENA, PDS, PFL e PSC, esteve em mais
de um dos eventos aqui estudados. Tendo comparecido na II Convenção Panamericana
da CAUSA Internacional, realizada em São Paulo em 1985, reafirmou seu interesse em
iniciativas deste tipo ao aparecer na conferência A Conjuntura Nacional e a Constituinte,
do professor Jorge Boaventura Souza e Silva, realizada pela Associação Brasileira de
Defesa da Democracia na mesma cidade em 1987. Com imenso currículo empresarial,
atuou como diretor da Construtora Camargo Pacheco; diretor-Superintendente da
Panameuro; fundador e diretor-superintendente do Banco da América S.A.; fundador e
diretor-presidente da Indústria Brasileira de Meias; fundador e diretor da Sunbeam
Anticorrosivos do Brasil e da Ibratex; fundador e presidente da firma Empreendimentos
de Produção; presidente do Conselho de Administração do banco Itaú; vice-presidente do
Conselho Administrativo da Itausa - Investimentos Itaú; membro do conselho Fiscal da
Casa Anglo-Brasileira Mappin, e diretor da Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro
- SANBRA. Foi ainda um dos fundadores dos jornais Gazeta Mercantil e Notícias
Populares, professor da Escola de Sociologia e Política da Universidade de São Paulo –
USP e membro do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais - IPES. Como vimos no
capítulo passado, sua eleição para deputado federal fora financiada pela CAUSA Brasil.
Cesar Augusto Soares de Souza, capitão de fragata e assessor empresarial,
trabalhou no Centro de Informações da Marinha - CENIMAR e foi chefe da Agência
Central do Serviço Nacional de Informações – SNI (CASIMIRO, 2016, p. 71). Além de
ter participado da II Convenção Panamericana da CAUSA Internacional em São Paulo
499
717
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Realização da Setima Conferencia Mundial
Da CAUSA Internacional em Toquio e Seul. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.84009632. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/rrr/84009632/br_dfanbsb_v8_mi
c_gnc_rrr_84009632_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
718
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seita Moon em Belo Horizonte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.86012256. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ooo/86012256/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ooo_86012256_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
500
6 - Conclusão
Empreendimento que foi seguido de perto por porções do Estado ditatorial que se
retirava, aliadas também a empresários, intelectuais e religiosos, muitos dos quais em
contato próximo com as associações subsidiárias da Igreja da Unificação. Este foi o caso
da Associação Brasileira de Defesa da Democracia - ABDD, que tinha no líder José
Oswaldo de Meira Penna um grande elo com os empreendimentos ideológicos do
reverendo Moon, dentro e fora do Brasil.
No plano estritamente religioso, o feitio realmente ecumênico dessas iniciativas é
constatado ao voltarmos os olhos para suas listas de participantes e contribuintes. Vemos,
assim, que as ações da Igreja da Unificação atraíram com sucesso evangélicos de vários
tipos, como metodistas, luteranos, presbiterianos, batistas, pentecostais da Igreja
Universal do Reino de Deus e da Igreja do Evangelho Quadrangular, além de grupos não
evangélicos, como mórmons e católicos romanos e ortodoxos.
Outros aparelhos ideológicos religiosos, ecumênicos ou não, contudo, operavam
no Brasil desde a década de 1950, diferenciando-se dos aqui abordados por se
concentrarem na conversão religiosa, sobretudo da classe trabalhadora, não se propondo
a abrir amplos espaços de contato com frações da classe dominante e o Estado restrito.
Mais um diferencial foi a proveniência predominantemente estrangeira, sobretudo norte-
americana, de seus líderes, conectados, assim, aos fóruns de planejamento e discussão
instalados fora do Brasil vistos na Parte II. Isso não quer dizer, contudo, que não tenham
contado com o auxílio e a simpatia do Estado restrito e de parcelas da classe dominante
brasileira para a sua instalação e funcionamento, como vimos no capítulo passado. Tais
organizações, que enquadro da categoria de “braços executivos” no Brasil do Partido da
Fé Capitalista, tema principal deste trabalho, será assunto do capítulo seguinte.
503
CAPÍTULO 10
Os braços executivos do Partido da Fé Capitalista no Brasil
1 - Introdução
2 – Igrejas
719
Vista com maiores detalhes na Parte II.
720
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Intelligence Handbook
(Classified) BRAZIL. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP85-00671R000300020001-
8. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/docs/CIA-RDP85-00671R000300020001-8.pdf>.
Acesso em: 07 abr. 2021.
721
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 94; Brazil; The
Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200080016-0. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/docs/CIA-RDP01-00707R000200080016-0.pdf>. Acesso em: 07
abr. 2021.
722
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Theopilo Normundo Karkle Outros. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.76110301. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/76110301/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76110301_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.
505
“ir à Inglaterra e passar por países da “Cortina de Ferro”’ difundindo sua religião. Já Bill
Burkett “possuiria uma organização clandestina na URSS, que promoveria a distribuição
de Bíblias e pregaria religião nos países comunistas”, estando de passagem no Brasil
“fazendo conferências”, como a realizada no grande templo da Assembleia em São
Cristóvão, Rio de Janeiro, dali seguindo para Manaus - AM. Já Teophilo Karkle
conseguira visto recente para entrar nos Estados Unidos, de onde partiria para o país
socialista com sua esposa, Ruth Alice Nelson Karkle, provavelmente encontrando com
os outros dois em algum ponto do percurso.
O anticomunismo da Assembleia brasileira é também atestado por Chesnut (1997)
em seu extenso trabalho baseado nos arquivos da divisão paraense da organização. Ao
lado da Igreja Católica, havia muito denunciada como a principal responsável pelo atraso
brasileiro, a nossa Assembleia de Deus, desde 1935, apontava o dedo para os soviéticos,
antecipando-se em dez anos à Guerra Fria. Naquele ano saiu o artigo Bolchevismo
Batalhando contra o Cristianismo no periódico oficial da Igreja no Brasil, o Mensageiro
da Paz (Chesnut, 1997, p. 41). Mais recentemente, sobre o pano de fundo da Revolução
Cubana e da guerrilha contra a ditadura de 1964, a militância anticomunista assembleiana
teria se intensificado, chegando a Igreja, como visto no capítulo 8, a “fornecer votos e
legitimação religiosa ao projeto autoritário” (Chesnut, 1997, p. 41) “em troca de recursos
estatais”.
A relação da Assembleia brasileira com organizações religiosas conservadoras
norte-americanas vem à tona também em parcerias com entidades missionárias como a
Youth with a Mission - YWAM, conhecida por aqui como Jovens com Uma Missão -
JOCUM. Fundada em 1960 pelos norte-americanos Loren e Darlene Cunningham,
vinculados à Assembleia de Deus, com o propósito de atrair jovens para o trabalho
evangélico de conversão religiosa intercontinental, a Youth with a Mission chegou ao
Brasil em 1975 pelas mãos dos também estadunidenses Jim e Pamela Stier. Conforme a
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República723, em fevereiro de 1992,
a organização, que além da evangelização desenvolve trabalhos assistencialistas em
países pobres, valeu-se do Templo Central da Assembleia de Deus, em São Luís - MA,
para uma campanha de arrecadação para desabrigados da guerra civil em Angola.
723
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.QQQ.920005184. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/qqq/920005184/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_qqq_920005184_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
506
Conforme a socióloga Sara Diamonds (1990, p. 206), a YWAM é uma das maiores
agências missionárias norte-americanas, no ano de 1985 mantendo 1.741 agentes ao redor
do mundo. Conservando elos próximos com a direita cristã estadunidense, a YWAM
“enxerga seu papel como uma força terrestre contra a Teologia da Libertação”, tendo o
fundador Loren Cunningham, a partir de 1988, passado a incluir elementos da Teologia
do Domínio no “treinamento ideológico” de seus missionários.
Em finais dos anos 1970 e início dos 1980, a cisão do meio religioso entre
conservadores e progressistas estava na ordem do dia também entre evangélicos,
engendrando a criação de associações como o Conselho Latino-Americano de Igrejas -
CLAI e a Confraternidade Evangélica Latino-Americana - CONELA. A Agência
curitibana do SNI acompanhava de perto a situação, assinalando que “os evangélicos
estão se organizando em torno de dois pólos divergentes, um representando a ala
conservadora tradicional da Igreja e o outro, mais recente, representado por liberais
progressistas engajados na doutrina da teologia libertadora do homem” 724. Este último,
concentrado na CLAI, tinha como um dos principais articuladores brasileiros o pastor e
jornalista Roberto Vicente Themundo Lessa, secretário do sínodo de São Paulo da Igreja
Presbiteriana Independente que, ao lado da Igreja Metodista, da Luterana, da Cristã
Reformada, da Brasil para Cristo725 e da Evangélica Árabe, seria o principal grêmio
religioso brasileiro vinculado à CLAI. A conservadora CONELA, por outro lado, segundo
Lessa, “enfeixa o que há de mais reacionário, antiecumênico, conservador e divisionista
no espírito do protestantismo continental”, com potencial para “se tornar um covil de caça
às bruxas, do macartismo latino-americano e da visão do comunismo por toda a parte”.
Segundo o SNI, que as considerava as três mais conservadoras igrejas brasileiras,
integrariam a CONELA as igrejas “Presbiteriana do BRASIL, Batista e Igreja Assembleia
de Deus”. Um dos seus grandes artífices nacionais seria o pastor anglicano Robinson
Cavalcanti, professor de Ciência Política na Universidade Federal de Recife - UFPE. Sua
Igreja é exemplar da cisão progressistas/conservadores, uma vez que, apesar do papel
proeminente de Cavalcanti na CONELA, conforme o SNI outros anglicanos brasileiros
integrariam o CLAI.
724
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conselho Latino Americano de Igrejas.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.82002928. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/82002928/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_82002928_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.
725
Fato que se insere nas atitudes contestatórias tomadas pela Igreja e seu líder, Manoel de Mello, às vezes
interpretadas como “demagógicas”, conforme visto no capítulo 8.
507
726
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Veiculos de Comunicação Social, UCS,
Jornais, Radios e Televisões sob Influencia de Seitas Evangelicas. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.CCC.90019323. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/90019323/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_90019323_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.
727
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Campanha Pro Reforma Agraria Radical
PC do B. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.LLL.82002210. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/82002210/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_82002210_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
508
Em novembro de 1981, por exemplo, a Polícia Militar de Minas Gerais acompanhou ato
realizado por trabalhadores rurais em Montes Claros - MG em protesto contra a violência
da qual eram alvo, evento apoiado pelo “Clero progressista, Partidos de Oposição e outras
entidades”728. O relatório da PM registrou várias intervenções, entre elas a de um pastor
não identificado da Assembleia de Deus de Belo Horizonte - MG. Dizia ele que ‘“o povo
deve ser paciente, conforme Deus manda, mas que não deve aceitar nenhuma injustiça,
como vem ocorrendo em todo o Estado”’. Continuando, falou que Deus ‘“quer que
façamos justiça”’, ‘“Deus manda e o povo segue”’. Nos anos seguintes, assembleianos
continuariam lutando pela posse da terra naquele estado, conforme visto em relatório da
Coordenação Geral de Segurança da Secretaria de Estado da Segurança Pública de Minas
Gerais de setembro de 1987. O papel versava sobre queixa de pecuaristas do triângulo
mineiro, liderados por Udelson Nunes Franco, presidente local da União Democrática
Ruralista - UDR, sobre a invasão da fazenda Sertãozinho em Capinópolis, propriedade de
Rubens de Andrade Horta. Depois de disperso o acampamento pela polícia, alguns de
seus membros foram levados à delegacia para prestar depoimento. Interrogados, Aparício
Teodoro de Lima, Divino Aparecido de Lima, Leonor Teodora de Lima e Maria Divina
de Lima disseram que ali se fixaram para ‘“fazer pregação da palavra de Deus, pois são
crentes da Igreja Assembléia de Deus”’729 e que ‘“têm direitos sobre aquelas terras, pois
há mais de 50 anos seus ancestrais ocuparam aquela área de 120 alqueires, que foram
recebidas, segundo eles, após a libertação dos escravos”’.
Em setembro de 1990, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República de Fernando Collor de Mello discorria sobre outro acampamento de
trabalhadores rurais, desta vez despejados da gleba Piauí, em Nova Xavantina - MT.
Concentrados nas margens do rio das Mortes, os trabalhadores bloquearam a ponte
Ministro João Alberto, na rodovia BR-158, com a ajuda da Central Única dos
Trabalhadores - CUT, do Partido dos Trabalhadores e do deputado estadual José
Arimatéia, do PSDB, membro da Assembleia de Deus local730.
728
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Ato Público Promovido por Trabalhadores
Rurais em Montes Claros MG. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.82005797.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/OOO/82005797/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_OOO_82005797_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
729
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Invasão de Terras, SS13 ABH. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.87013304. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/OOO/87013304/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_OOO_87013304_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
730
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB H4.MIC, GNC.MMM.900009183. Disponível em:
509
A Congregação Cristã do Brasil não se destaca como uma das mais atuantes
igrejas conservadoras brasileiras, em grande parte por manter um perfil discreto,
conforme vimos no capítulo 7, preferindo pregar em ambientes fechados, avessa a
intervenções em logradouros públicos. Em termos partidários, sua ação é também
praticamente nula. Isso não significa, entretanto, que não ostente fortes traços
conservadores, como a tendência a se afastar das lutas sociais, um pendor para o
fundamentalismo teológico e forte moralismo nos costumes. O seu “evangelismo de porta
fechadas”, da mesma forma, não a impede de participar de iniciativas missionárias, forma
por via da qual chegou ao país, presente em aldeias indígenas, como se verá.
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/900009183/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_900009183_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
731
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4.MIC, GNC.DIT.990081135. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/980081135/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_980081135_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
510
Curitiba - PR, dando entrevistas onde conciliava o evangelho com preceitos comunistas,
por exemplo, declarando “que Jesus foi o primeiro revolucionário que tivemos” 732 ao
libertar o povo, opondo-se aos poderosos, de forma parecida com o que o PCB pregava.
O caso provocou grande mal-estar na direção Quadrangular, que por via do vice-
presidente nacional, Eduardo Zdrojenski, prontificou-se a informar que Veríssimo não
falava pela Igreja, já que não fora “ordenado pela Convenção Nacional para o exercício
do ministério sagrado e pastoral, ficando eclesiasticamente incluído na categoria de mero
aspirante ao ministério, tendo sido, no entanto, já também excluído destas funções”.
Incisivo sobre as teses de Teixeira da Costa, Zdrojenski garantia que “a Igreja do
Evangelho Quadrangular não as endossa, pois contrariam frontalmente os genuínos
ensinamentos bíblicos, que pregam o amor, a paz e a concórdia entre todos os homens”.
Dea mesma forma, em agosto de 1986, em manifesto publicado em editorial no
Jornal Realidade Cristã, controlado pela Igreja no estado do Paraná, a IEQ se declarou
publicamente contrária ao reatamento diplomático do Brasil com Cuba, interrompido 22
anos antes por decisão do governo empresarial-militar. Lamentando a decisão do primeiro
presidente brasileiro pós-ditadura de 64, dizia-se que “Cuba nada tem a oferecer ao Brasil
como mercado ou modelo, a não ser os mais de 25 comunistas integrantes da embaixada
cubana que passarão dentro de alguns dias a fazer parte da história política brasileira” 733.
De maneira hipócrita, visto a simpatia que os chefes da Igreja nutriam pelo regime que
terminara no ano anterior, ostensivamente verbalizada, por exemplo, pelo pastor-político
Guaracy Silveira, conforme veremos no próximo capítulo, os quadrangulares atacavam a
“ditadura cubana” reparando que “O Brasil nada tem de aprender desse tipo de regime,
de que já teve gosto semelhante e indigesto durante 20 anos”.
732
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Entrevista de Verissimo Teixeira da Costa
ao Jornal Folha de Londrina, Londrina PR, FEV 86. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.86006370. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/86006370/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_86006370_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
733
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Posicionamento Contrario ao Reatamento
de Relações Diplomaticas Brasil Cuba, Igreja do Evangelho Quadrangular, Curitiba PR, AGO 86. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.86006670, Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/86006670/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_86006670_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
511
734
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.940078188. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940078188/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940078188_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2021.
735
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Coordenadoria Ecumenica de Servico
CESE. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.78112021. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/78112021/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_78112021_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2021.
736
Conforme o SNI, tanto a CESE quanto o CPID eram vinculados ao Conselho Mundial das Igrejas –
CMI.
737
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades do Conselho Mundial das
Igrejas CMI, no Brasil Consulta Latino Americana sobre Corporações Transnacionais. Código de
512
A Igreja Pentecostal Deus é Amor, em sua ênfase nas curas espirituais e obtenção
de favores divinos mediante contribuições monetárias, pode ser compreendida, junto a
boa parte do ramo pentecostal, como um mecanismo de reforço da hegemonia capitalista.
Se prestaria ela, portanto, ao fornecimento de soluções espirituais a problemas sociais,
como a doença e o desemprego e à naturalização da ideia de que o dinheiro seria o lastro
principal das relações humanas e entre o homem e a divindade. Amplificada por uma
ampla rede de templos e emissoras de rádio, a ideologia embutida nas pregações da Deus
é Amor tem grande penetração entre a classe trabalhadora, especialmente acometida pelos
problemas para os quais oferece seus remédios místicos.
O conservadorismo da Deus É Amor é ilustrado por documento da Agência
Regional do SNI em São Paulo de setembro de 1976, sobre o seu líder David Miranda,
que, apesar de exprimir desconfiança quanto às suas práticas dizimistas, assegura que
“Nada se consigna de negativo até a presente data nos arquivos desta AR, sobre as
atividades políticas e ideológicas do nominado”738.
A Igreja Universal do Reino de Deus destaca-se por ser a principal introdutora das
teologias da Prosperidade739 e do Domínio740 no país, doutrinas que, como vimos,
ampliaram as possibilidades hegemônicas pró-capitalistas do discurso religioso após
finais da década de 1970. Embalada pelo novo receituário ideológico, foi estrondoso o
sucesso da IURD, seguida de perto por outras organizações que também o aplicaram,
como a Deus é Amor, a Igreja Internacional da Graça de Deus, a Igreja Mundial do Poder
de Deus e, em maior ou menor grau, setores de todas as demais organizações evangélicas,
que, conforme também vimos, passam a abraçar as novas doutrinas. Pouco mais de uma
década após sua fundação, a Igreja arrastava dezenas de milhares de seguidores para
cultos coletivos, como o que teve lugar no Maracanã em dezembro de 1988, com
frequência de 150 mil pessoas estimada pelo SNI. Curas espirituais, exorcismos e
promessas de fartura eram liberalmente ministradas, seguidas de reiterados pedidos para
que o fiel desse “a melhor contribuição que puder”741, novidade que causou perplexidade
aos órgãos de vigilância e instituições internacionais, como o Instituto Cristão de
Pesquisas - ICP, baseado na Califórnia. Em finais da década, o ICP, tal como os
funcionários do SNI, buscava melhor compreender o fenômeno IURD, ambos
preocupados com o “desvirtuamento da atividade religiosa” por “entidades, que mais se
caracterizam como sociedades com fins lucrativos e não verdadeiramente de utilidade
pública”.
O impulso monetizador da religião sob os ventos da Teologia da Prosperidade,
desdobrado em práticas novas e absolutamente heterodoxas, era motivo de estranhamento
para os órgãos governamentais, sobretudo em episódios que testavam os limites das
regras legais, como o ocorrido em Campos dos Goitacazes - RJ em maio de 1989. No dia
18 daquele mês, a polícia deteve Jocelino Gomes da Silva, que tentara repassar uma
cédula falsa no valor de cinquenta cruzados novos. Inquirido, o homem revelou que
recebera a nota numa filial da IURD, das mãos do pastor Jailton Vieira, que as oferecia
“afirmando ser “dinheiro bento”’742, e que era esperado que aqueles que o recebiam
739
A sinergia entre a Teologia da Prosperidade e o capitalismo foram vistas nas partes I e II deste escrito.
740
Além da prática dos exorcismos e os atritos com outras religiões, como as afro-brasileiras, seu principal
reflexo foi decidida entrada da IURD na política partidária, espaço privilegiado para o desenrolar da batalha
pelo mundo terreno contra as forças demoníacas, que será melhor tratada no capítulo seguinte.
741
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89017110. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/89017110/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89017110_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021.
742
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Apreensão de Cedulas Falsas de Cinquenta
Cruzados Novos, Jocelino Gomes da Silva, Campos RJ. SE13 ARJ. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.CCC.89017930. Disponível em:
514
retornassem à Igreja, num futuro próximo, outras notas do mesmo valor, porém
verdadeiras. Resolvendo a polícia visitar o templo apontado como origem do “dinheiro
bento”, grande quantidade de notas falsas foram, de fato, encontradas.
Esses agressivos métodos arrecadatórios, que aparecem em quantidade expressiva
dos relatórios do SNI, bem como a inculcação dos preceitos da Teologia da Prosperidade,
foram investigados também pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República em relatório de maio de 1990, sobre a ação da Igreja de Macedo na região
metropolitana de Recife - PE. Conforme o papel, ao final dos cultos fazia-se chegar às
mãos da membresia envelopes para depósito de doações com os dizeres ‘“aos que me
honram, honrarei, porém os que me desprezam, serão desmerecidos”’743 e ‘“honra ao teu
senhor com teus bens e com as primícias de toda tua renda, e se encherão fartamente os
teus celeiros”’.
Mas a Teologia da Prosperidade é muito mais do que apenas um fundamento
teológico capaz de ampliar as receitas dizimistas, ela é uma doutrina disposta a estimular
a adesão da classe trabalhadora ao modo de produção capitalista em suas cores
contemporâneas. Assim, o empreendedorismo individual aparece nos púlpitos da
Universal como requisito para a recepção das benesses materiais prometidas, o que, dada
a origem social da maioria dos adeptos e os traços particulares do capitalismo brasileiro,
pode ser um grande incentivo à informalidade do mercado de trabalho. O Teólogo Hugo
Assmann (1986, p. 107, 166 e 167), preocupado com as funcionalidades políticas dessa
teologia, observava o estímulo do Estado norte-americano à multiplicação de
televangelistas da prosperidade, fenômeno que via se repetir no Brasil da década de 1980.
Um dos mais importantes, o pentecostal Jimmy Swaggart, aparecia regularmente na Rede
Bandeirantes, logo seguido do programa O Despertar da Fé, da Igreja Universal,
ilustrando a continuidade teológica e doutrinária que atravessa ambos os países.
O embate com as religiosidades afro-brasileiras, coberto no capítulo 7, muito
justificado pela Teologia do Domínio, é enquadrado por líderes populares como aspecto
de uma campanha ideológica, de teor conformista, que visa também arrebatar para a
IURD membros de outras organizações populares. Disputa que transpareceu, por
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/89017930/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89017930_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021.
743
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.III.900008920. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/iii/900008920/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_iii_900008920_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021.
515
744
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus de
Itinga, Faz Protesto Contra as Religiões Afro Brasileiras, em Salvador BA. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.PPP.89010798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/PPP/89010798/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_PPP_89010798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021.
516
745
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.940077535. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940077535/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940077535_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
746
Evidentemente não se pode descartar, porém, a possibilidade de que a avaliação do SNI, desfavorável
aos movimentos sociais, tenha sido tendenciosa.
517
Justino (2021, p. 42), os baianos respondiam pela “segunda receita no ranking nacional”
da Igreja, ali conduzida pelo pastor Paulo Roberto Vieira Guimarães, “uma das mais bem
polidas pratas da casa” e depois por Carlos Alberto Rodrigues747. Naquele estado, a Igreja
repetia alguns dos ingredientes de sua bem-sucedida expansão carioca: a absorção de
seguidores das religiões afro-brasileiras748, sob cerrado ataque, ao lado da construção de
uma abrangente malha radiofônica. Assim, tal como o Maracanã, o estádio da Fonte
Nova, em Salvador, foi palco de abarrotados festivais de fé onde Edir Macedo exortava
o público a caprichar nas doações “para comprar uma emissora de rádio em Salvador,
assim como seus fiéis cariocas o haviam contemplado com a Rádio Copacabana”.
A IURD prosseguiu preocupando organizações de trabalhadores negros também
fora de Salvador. Foi o caso da Frente Negra Nacional - FNN, cujos passos eram vigiados
pelo SNI, que nos legou relatos de discussões havidas em seu interior. Conforme o
Serviço, em agosto de 1989, o coordenador do Núcleo de Educação do Instituto de
Pesquisas das Culturas Negras - IPCN/RJ, Jorge Cândido, teria externado preocupação
com as ações autoritárias da Igreja no estado do Rio Grande do Sul, em especial com o
fato de que alguns dos seus membros ostentariam “identificações nazistas nos braços”749.
Como vimos, as organizações paralelas nascidas no interior da Igreja da
Unificação foram importantes pontos de contato e articulação do cristianismo
conservador no Brasil. Interessado no projeto, que segundo também vimos teve
frequência de sua Igreja, presente em encontros organizados pelos unificacionistas, Edir
Macedo contribuiu com iniciativas próprias, costuradas com outras lideranças
evangélicas direitistas. A fim de melhor organizar ações conjuntas de teor político-
ideológico, nasceu o Conselho Nacional de Pastores do Brasil - CNPB, anunciado por
Macedo em megaevento na capital carioca em 1992 750 como um projeto de unificação de
747
Próximo de Macedo e um dos integrantes mais antigos da IURD, Rodrigues é lembrado por Mário
Justino (2021, p. 63) por seu estilo agressivo de gestão e eficiência na coordenação dos esforços dizimistas.
A fim de incrementar a rentabilidade da igreja baiana, por exemplo, teria ele passado o percentual do dízimo
de 10 para 30%, além de criar um carnê com prestações mensais chamado “Pacto da Comunidade”. Sua ida
para a Bahia, em 1985, prendera-se à necessidade de alavancar as rendas da Igreja num momento em que,
além de quitar as prestações da compra da Rádio Bahia, a Igreja esforçava-se para a comprar todos os
imóveis onde operava por todo o Brasil.
748
Noto que o Rio de Janeiro e a Bahia, berço da umbanda e do candomblé, são historicamente espaços
onde religiões afro-brasileiras atingiram maior sucesso.
749
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Reunião da Frente Negra Nacional.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89018615. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/89018615/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89018615_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021.
750
Trata-se de protesto contra a recente prisão do pastor, reunindo meio milhão de seguidores.
518
751
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNG.DIT.940077329. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940077329/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940077329_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
519
evangélicas em todo o planeta numa Marcha Internacional para Jesus, para a Secretaria
“revelando o componente universalista dos movimentos evangélicos”.
No Brasil não é fortuita a apropriação do Dia da Independência pelo recrudescido
evangelicalismo militante baseado na Teologia do Domínio, originado nos Estados
Unidos antes de se tornar um fenômeno mundial. Conforme o estadunidense Chris
Hedges (2006, p. 11), “como todos os movimentos totalitários”, em sua terra o
dominionismo busca apropriar-se não apenas da linguagem religiosa, mas também da
patriótica e de todas as histórias de um povo, “para negar a validade das histórias
diferentes das deles próprios”. A conexão entre o movimento norte-americano e setores
evangélicos brasileiros vem às claras ao vermos que o dominionismo na sede capitalista
do norte, além de um movimento ideológico, é também partidário. Retirando seu nome
do livro do Gênesis, em que Deus aparece conferindo aos homens o domínio sobre a
criação, o movimento dedica-se a “politizar a fé” (HEDGES, 2006, p. 11) e a fundar um
mundo teocrático, preceitos que afloram nas associações cristãs partidárias norte-
americanas vistas na Parte II, que conseguem grande aceitação popular ao prometer “uma
renovação” (HEDGES, 2006, p. 21) e “uma moralizada nação cristã”, palavras comuns
também na boca da nossa bancada evangélica. Sua meta seria a tomada dos três Poderes
para a viabilização de reformas ultraliberais que os reduziriam “à proteção dos direitos de
propriedade e à segurança doméstica” (HEDGES, 2006, p. 12), com a entrega a grupos
privados, muitos dos quais participados por igrejas, de todas as demais funções a cargo
do Estado restrito. Repetido nas palavras do iurdiano Renato Suhett, ainda conforme
Hedges (2006, p. 145), outro componente retórico importantíssimo do dominionismo,
aqui e nos Estados Unidos alimentado por mazelas sociais e pela disseminação do terror,
é o palavreado beligerante e a ideia de uma guerra perene contra os batalhões do demônio,
desenrolada também no plano material. Prega o dominionismo ainda a “obediência cega
a uma hierarquia masculina que frequentemente alega ser porta-voz de Deus” (HEDGES,
2006, p. 13), a intolerância contra outros grupos religiosos, e o “desdém pela investigação
racional, intelectual”, elementos também presentes entre as organizações religiosas
conservadoras no Brasil.
Em junho de 1994, alguns meses portanto antes das eleições para presidente da
República, governadores, e legislativos estaduais e federais, a CNPB organizou outro
megaevento, nas palavras da Secretaria melhor caracterizado como um “grande comício
520
político”752. Trazendo por volta de quatrocentas mil pessoas, o ato ocorreu no Rio de
Janeiro, no Monumento aos Mortos da II Guerra Mundial, localização atípica para
eventos religiosos (e políticos), tendo a Associação Nacional dos Veteranos da Força
Expedicionária Brasileira - FEB se manifestado contrariamente à cessão do espaço, que
todavia acabou concedido pelo Comando Militar do Leste.
Com a presença de candidatos ao governo do Rio de Janeiro, dos quais apenas
Marcello Alencar, do PSDB, permaneceu até o fim, “considerado como o candidato que
receberá apoio dos evangélicos”, o acontecimento foi prestigiado por outros atores do
Estado restrito. Estavam ali Iris Rezende, ex-governador goiano e evangélico; Davi
Noguchi Quindere, deputado estadual do PDT e membro da Igreja Batista; Francisco
Dornelles, deputado federal candidato a reeleição e importante quadro de apoio ao
governo de Fernando Henrique Cardoso; José Maria de Mello Porto, presidente do
Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro - TRT/RJ; e José Nader, presidente da
Assembleia Legislativa do estado.
Com mais de uma hora de duração, de especial importância foi o discurso de Edir
Macedo. Reverberando noções dominionistas acima expostas, o líder declarou que “as
próximas eleições serão disputadas por candidatos de Deus e do diabo, cabendo aos
protestantes apontarem o candidato certo”, “pois queremos transformar este país”.
Indeciso quanto a quem apoiar no primeiro turno do pleito presidencial 753, dizia ele não
estar ali “para promover nenhum político”, apesar de enfatizar “que não votaria no
candidato do PT”, Luiz Inácio Lula da Silva. Ao término, os presentes foram estimulados
a fazer as habituais doações e “os organizadores do evento cobraram contribuição dos
vendedores “ambulantes” presentes”.
Segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República754,
interessado em fortalecer seu conglomerado hegemônico religioso-midiático frente a
752
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.950078559. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/950078559/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_950078559_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
753
Conforme a Secretaria, a CNPB cogitava apoiar o candidato do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, ou
o do PMDB, Orestes Quércia. ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência
da República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.940078073.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940078073/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940078073_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2021.
754
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.960079049. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079049/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_960079049_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
521
755
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.960079086. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079086/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_960079086_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
522
estados”756. No Rio de Janeiro, inclusive, seria criado um curso supletivo a fim de formar
voluntários para as aulas do Ler e Escrever, em paralelo a outras iniciativas, como “cursos
para empresários dos ramos de lingerie e perfumes”. O papel do Estado, contudo, não era
completamente negligenciado, compreensivelmente, em vista do explícito interesse
iurdiano em ocupar a máquina pública, assunto que será melhor tratado no capítulo
seguinte. O que se propunha, porém, eram convênios entre a administração pública e a
Igreja, abrindo maiores espaços para a presença desta última na educação, de maneira
semelhante ao tentado pela direita cristã norte-americana, que se esforçava em arrancá-la
das mãos do Estado com a destruição das escolas públicas em favor das confessionais.
Encabeçado por Paulo Souto, do PFL, o governo da Bahia, por exemplo, mantinha
parcerias com a ABC traduzidas no programa Aja Bahia, “voltado para ministrar cursos
de computação”.
Antes de encerrar essa seção, é cabida uma observação sobre a organização interna
da IURD, eficiente em podar dissenções entre as bases. Construída sobre uma rígida e
autocrática estrutura hierárquica, que tem em seu cume Edir Macedo, a IURD parece
apresentar níveis de coesão ideológica bem superiores, por exemplo, aos da Assembleia
de Deus e mesmo da Igreja do Evangelho Quadrangular, não havendo na documentação
qualquer indício da participação de iurdianos em movimentos de oposição à orientação
política da cúpula. Não os vemos, assim, em organizações populares, como o MST, que
conta com a simpatia de alguns assembleianos, ou militando por partidos explicitamente
situados à esquerda.
Em Pernambuco, por exemplo, uma das primeiras paradas de Mário Justino
quando ainda era apenas um obreiro, dizia o líder estadual, pastor Carlos Magno, que o
dinheiro dos templos não deveria ser mexido, sob nenhuma hipótese, em especial para
“dar aos “pidões” que infestavam os cultos” (JUSTINO, 2021, p. 34). Leia-se, aos
trabalhadores rurais sem-terra que seguiam para a capital em busca de auxílio das igrejas
para o atendimento de necessidades básicas. Assim, as “dezenas de homens, mulheres e
crianças que vinham a nós diariamente” (JUSTINO, 2021, p. 35) deveriam, nas palavras
da missionária Cordélia, esposa de Magno, procurar a Igreja Católica, pois ‘“Aqui, a única
ajuda que oferecemos é a espiritual”’. E assim era feito.
756
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.CCC.990021609. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021609/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021609_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
523
757
Essa hegemonia manifesta-se na conquista pelo Founders de células batistas, primeiro em território
norte-americano e depois no brasileiro. Como dito na parte II, fizeram isso com ações coordenadas para a
tomada de posições-chave na hierarquia da Igreja e na neutralização dos não alinhados com a sua linha
ideológica.
524
758
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Evangelico do PMDB. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020041. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020041/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020041_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
759
O documento não traz maiores informações sobre a Good News, mas é possível que se trate da emissora
religiosa de rádio Boas Novas, fixada em Belém do Pará e atualmente pertencente à Assembleia de Deus.
525
“caça às bruxas” ditatorial, batistas mais conservadores passaram inclusive a delatar seus
irmãos pertencentes a partidos simpáticos ao socialismo ou “apenas por discordarem da
ortodoxia ou dos métodos eclesiásticos” (SILVA, E. 2017, p. 142).
Mais recentemente, o conservadorismo político batista se reflete no apoio a
candidatos à direita do espectro político e em candidaturas próprias comprometidas com
as forças da preservação, tendo a Igreja eleito a segunda maior quantidade dos deputados,
atrás apenas da Assembleia de Deus, que a partir de 1987 viriam inaugurar o embrião da
bancada evangélica. Freston (1993, p. 243) chegou mesmo a afirmar que os batistas
seriam o grupo religioso brasileiro mais influenciado pela Nova Direita Cristã norte-
americana.
Mas isso não quer dizer que a preeminência conservadora entre os batistas seja
inconteste, permanecendo vozes, ainda que minoritárias, dispostas a romper os laços com
o fundamentalismo militante norte-americano, como o próprio Alexandre de Carvalho
Castro, o também teólogo Fábio Py de Murta Almeida e a pastora Odja Barros.
760
Órgão fundado na Holanda em 1948 congregando sobretudo setores fundamentalistas de diferentes
igrejas. Opõe-se ao mais progressista World Council of Churches (Conselho Mundial de Igrejas).
526
oficial ao regime de 1964. Em livro que pretende esmiuçar “a história sombria da Igreja
Presbiteriana do Brasil”, João Dias de Araújo (2010, p. 95) chega a mencionar que ela
“foi a mais envolvida e comprometida com o governo militar por causa das ligações da
igreja com a classe média e do prestígio político que ela gozava nos meios políticos e
militares”.
Conforme Elizete da Silva (2017, p. 139), o anticomunismo foi importante
motivador da adesão presbiteriana ao regime de 1964, repetindo-se nesta igreja as
perseguições havidas no meio batista, com delações de companheiros de fé “vistos como
progressistas ou marxistas ateus”. A aliança foi cedo selada em ações como a do pastor
Israel Gueiros761, que em programa de rádio veiculado em Recife no dia 31 de março teria
agradecido a Deus pelos movimentos golpistas que se iniciavam, celebrando em apoio às
forças armadas culto de ação de graças na Igreja Presbiteriana Fundamentalista daquela
cidade (SILVA, E. 2017, p. 139).
Noto, porém, que o presbiterianismo se divide em diferentes igrejas, e que me
refiro apenas às igrejas Presbiteriana do Brasil e Presbiteriana Fundamentalista do Brasil.
A Igreja Presbiteriana Independente, separada desde 1903, foi inclusive listada pelo SNI,
conforme vimos no capítulo 8, como um incômodo reduto do clero progressista. No
âmbito partidário, da mesma forma, registro que o deputado federal Lysâneas Maciel,
eleito em 1986, era um presbiteriano progressista não alinhado com a bancada evangélica.
761
A liderança de Gueiros entre os presbiterianos fundamentalistas brasileiros transparece, também, no
desempenho da função de 1º vice-presidente do Internacional Council of Churches.
527
762
Esta pesquisa não obteve maiores informações sobre a Fundação Amor a Deus.
763
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Projeto Evangelização 2000 SE143 AC.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.89071367. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/89071367/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_89071367_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
764
Como visto no capítulo 8, o empresário e embaixador norte-americano na Santa Sé, Frank Shakespeare,
envolvido em outras iniciativas para a instrumentalização política da religião aqui estudadas, foi um dos
principais defensores do Evangelização 2000, que contou também com o apoio papal.
765
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.DIT.940077867. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/910025102/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_910025102_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
766
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Publicações Religiosas, Cadernos de
Estudos Numero 04 da Pastoral Universitaria, PU, e Boletim Numero 07 do Serviço Franciscano de
Justiça, Paz e Ecologia do Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.89017599.
Disponível em:
<https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/Pesquisa_Livre_Painel_Resultado.asp?v_CodReferencia_id=1931
422&v_aba=1>. Acesso em: 09 mar. 2021.
528
2000. Consta ali que algumas de suas iniciativas principais seriam a criação de Centros
de Juventude, “para capacitar jovens e evangelizar”; de Escolas de Evangelização, “para
capacitar doutrinal, pastoral e praticamente os evangelizadores”; a publicação mundial de
anuários de homilias e do boletim Evangelização 2000, já lançado pela Editora Loyola; e
o já mencionado Lumen 2000, projeto de evangelização eletrônica “utilizando três
satélites” para emissões de rádio e TV.
Segundo o boletim, alguns dos patrocinadores da ofensiva, além da fundação
Amor a Deus, seriam a empresa norte-americana Global Media e a multinacional Big Ben
Corporation767. A sua porção sul-americana, a ser conduzida pelo Conselho Episcopal
Latino-Americano - CELAM, já disporia de financiamento de seis milhões de dólares,
doados por “organizações da Alemanha Ocidental”, pelo Lumen 2000 e pelo Grupo
Empresarial Cisneros, da Venezuela. Dono de um conglomerado de mais de oitenta
empresas, Gustavo Cisneros teria patrocinado em 1988 o Congresso de Teologia de
Caracas, “consagrado a denunciar a Teologia da Libertação e os bispos que aderiram”.
Com o dinheiro, tencionava a CELAM colocar em órbita o “primeiro satélite católico
latino-americano”. Na sede em Bogotá já funcionaria um supercomputador, a ser ligado
em rede com outros dois em São Paulo e Buenos Aires, a fim de criar um “Banco
Continental de Dados”, alimentado, por exemplo, com “informações sobre os Teólogos
da Liberdade, seus escritos, viagens e contatos internacionais”.
O financiamento empresarial das atividades da RCC também parece ter se
repetido no Brasil. Segundo documento da Polícia Militar de São Paulo, a Associação do
Senhor Jesus, órgão que produzia programas de televisão para os carismáticos, era
“mantida por sócios espalhados em todo o Brasil que com suas contribuições conseguem
não apenas manter a produtora mas ainda comprar espaços nas principais cidades do
País”768. Como vimos, a organização tinha também seguidores relacionados a círculos
empresariais, como Maricy Trussardi, ligada à Associação Comercial de São Paulo.
Conforme percebe-se, o programa Evangelização 2000, bem como a expansão da
RCC na América Latina, sustentou-se largamente na mídia, fato reconhecido pelo próprio
767
O boletim não traz maiores informações sobre a Global Media e a Big Ben. É possível, todavia, que esta
última seja o Big Ben Group, empresa europeia de entretenimento digital.
768
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.EEE.900023981. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900023981/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_900023981_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
529
769
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Projeto Evangelização 2000 SE143 AC.
Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.89071367. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/89071367/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_89071367_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
770
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. James Wright, Serviço Paz e Justiça da
America Latina, Santa Fe: Uma Estrategia para a America Latina nos Anos 90. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89018518. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/89018518/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89018518_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2021.
771
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.940077867. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940077867/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940077867_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
530
772
Diamonds não especifica de quais grupos fala, mas segundo indicam os documentos estatais e outra
bibliografia aqui consultada, trata-se de setores carismáticos, pentecostais, batistas e não-denominacionais,
pertencentes ao movimento fundamentalista ou ao menos fortemente influenciados por ele, sobretudo em
seus mais recentes postulados, como a Teologia do Domínio.
531
maioria desses missionários articulados em torno de “missões de fé” 773, ou seja, entidades
interdenominacionais “que, organizadas empresarialmente, canalizam imensos recursos
para os missionários”. Ainda segundo o Serviço, tais grupos preocupavam sobretudo a
Igreja Católica, que via seu público encolher, mas também as igrejas não católicas mais
antigas, como a Luterana, Presbiteriana e Metodista.
773
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações . Movimento Evangelico do PMDB. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020041. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020041/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020041_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
774
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Evangelismo sem Fronteiras. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.76106437. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/76106437/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76106437_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2021.
532
lugares como México, Porto Rico e Venezuela, com transmissões direcionadas para o
bloco soviético; publicar material em português e alemão, para brasileiros em geral e
colonos alemães, “com notícias de perseguições, torturas e situação geral de cristãos na
Cortina de Ferro”; e patrocinar “conferências, palestras e exibições de filmes vindos do
exterior, objetivando conscientizar os brasileiros do sofrimento dos cristãos nos países
dominados pelo comunismo”.
775
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Evangelismo sem Fronteiras. Arquivo
Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.76106437. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/76106437/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76106437_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 30 mar. 20211.
776
Era ele também dirigente da Igreja Congregacional. Ao seu lado, tinha o pastor Walter de Castro Souza,
vice-presidente, e o reverendo Erasmo Preste Souza, secretário executivo.
777
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Evangelismo sem Fronteiras. Arquivo
Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.76106437. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/76106437/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76106437_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 30 mar. 20211.
533
778
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Igreja Evangelica dos
Irmãos. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.83002813, Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/83002813/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_83002813_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 30 mar.
534
sustentava que o pensador alemão, cristão quando jovem, passou a manifestar ódio por
Deus, “chegando a escrever poemas como se estivesse possuído por Satanás”.
Mas as publicações da Voz dos Mártires não circulavam apenas em igrejas
evangélicas. Em agosto de 1983, algumas delas chegaram à Chácara do Torto, enviadas
a João Figueiredo por Erich Ostermoor. Naquele “momento de grande tensão em nossa
pátria”779, talvez referindo-se o alemão à campanha Diretas Já, que desde meados daquele
ano contagiava a sociedade brasileira em torno da proposta de eleições diretas imediatas
para presidente da República, o religioso enviava material impresso “à título de
comunicação, com nossas altas autoridades” (SIC). Tratava-se dos três últimos
informativos da Voz dos Mártires, além dos livros Cristo em Cadeias Comunistas, Cristo
ou a Bandeira Vermelha e Era Karl Marx um Satanista?
Em janeiro de 1985, a organização emitiu ofício circular anunciando, entre outras
coisas, mudança de sede para Curitiba, seu novo quartel general continental, e a
aposentadoria de Erich Ostermoor, tornado presidente honorário. O substituía o chileno
Adam Noé Alvear Maturana, pastor pentecostal na Igreja Apostólica Unicista780, alçado
a presidente sul-americano da Voz dos Mártires. Naquela altura, dizia-se, o órgão já
atuava em sessenta países, insistindo em não ter “cor denominacional”781, ou seja,
colaborando com todas as igrejas evangélicas. Informava-se, ainda, os preparativos para
a iminente realização de uma 1ª Convenção Sul-Americana, cujos convidados especiais
seriam o secretário mundial, Hans Braun, e a integrante dos comitês Internacional e da
Suíça, Hedi Fluri. Anunciava-se, também para breve, uma “sessão aberta a todos os
Pastores, Presbíteros e Oficiais de Igrejas” onde seriam “apresentados e discutidos planos
de trabalho da instituição em todo o território nacional”. O ofício encontra-se anexo a
documento da Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia Federal informando
que Maturana adquirira “à vista” a mansão na Rua Cecília onde funcionava a Voz dos
Mártires. Outro dado interessante: o chileno “Quando fiscalizado, com relação a sua
situação de estrangeiro no País, forneceu panfletos sobre a atuação que exerce contra o
779
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.274. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0274/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0274_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2021.
780
Atualmente conhecida como Igreja de Deus no Brasil.
781
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia Federal. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB ZD.0.0.0041a.0009.d001. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_zd/br_dfanbsb_zd_0/br_dfanbsb_zd_0_0/br_
dfanbsb_zd_0_0_0041a/br_dfanbsb_zd_0_0_0041a_0009/br_dfanbsb_zd_0_0_0041a_0009_d0002.pdf>
Acesso em: 30 mar. 2021.
535
comunismo e, colocou-se à disposição para exibir filmes relativo a essa ideologia, tanto
para a Polícia Federal como para o SNI” (SIC), sugerindo a sensação de que a sua
condição de pregador anticomunista seria suficiente para lhe desembaraçar de qualquer
problema com os serviços de imigração. Também deixando clara sua posição na disputa
que dividia o campo religioso brasileiro, em outra ocasião o pastor criticara com
veemência a Teologia da Libertação, apelidada de “Teologia da Escravidão”782.
Atualmente, a organização continua funcionando a partir do Paraná, mas agora da
cidade de Colombo. Seu nome mudou para MAIS – Missão em Apoio à Igreja Sofredora.
Apesar de morto em 2001, os escritos de Richard Wurmbrand continuam influenciando
novas gerações de religiosos conservadores. Em novembro de 2020, por exemplo, seu
livro Marx e Satã783 foi relançado pela Editora Monergismo. Alguns meses depois, em
14 de abril de 2021, causou certo alvoroço nas redes sociais a videoconferência Karl Marx
era Satanista?, onde o padre Pedro Paulo, que se apresenta como exorcista da
Arquidiocese de Florianópolis, e a historiadora presbiteriana e deputada estadual pelo
PSL em Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo784, apresentaram o livro de
Wurmbrand para um grande público785.
782
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Primeira Convenção Sul Americana de A
Voz dos Martires, em Curitiba PR. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.85005683.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/85005683/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_85005683_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2021.
783
Trata-se, provavelmente, do mesmo Era Karl Marx um Satanista?, presenteado por Erich Ostermoor
para João Figueiredo e que vimos circulando em igrejas em 1983.
784
Antifeminista e seguidora do ideólogo ultradireitista Olavo de Carvalho, em 2013 Campagnolo acionou
na Justiça sua orientadora no curso de Mestrado, a docente Marlene de Fáveri, da Universidade do Estado
de Santa Catarina - UESC, acusando-a de perseguição ideológica. Fáveri pediu afastamento da função de
orientação, o que não impediu, contudo, a reprovação de Campagnolo pela banca de professores que julgou
sua dissertação Virgindade e Família: mudança de costumes e o papel da mulher percebido através da
análise de discursos em inquéritos policiais da Comarca de Chapecó. Eleita deputada estadual em 2018,
realizou campanhas nas redes sociais estimulando a denúncia de docentes não alinhados com suas posições
políticas. A queixa contra a professora da UESC terminou arquivada pela Justiça de Chapecó-SC, que a
julgou improcedente.
785
Até 26 de abril de 2021, o vídeo somava mais de 24 mil visualizações no YouTube.
536
por aqui, ainda em caráter informal, alguns dias após do golpe de Estado de 1º de abril de
1964, fundada em Brasília - DF pelos missionários norte-americanos Richard Alan Cape
e Ella Mattie Cape. Alguns anos depois, a “força missionária” 786 foi incrementada pela
chegada de Eugene Nelson Bunt e Grace Anna Bunt, vindo o primeiro a ser diretor
executivo em maio de 1977, quando sua fundação foi formalizada em cartório.
Embora interdenominacional e “autônoma”, o papel enviado ao MRE declarava
vinculação com a organização norte-americana Gospel Fellowship Association Missions,
que mantinha “missionários trabalhando em onze países no mundo”. Fundada em 1940,
a Gospel Fellowship exibia nítido perfil fundamentalista, assim como sua filial brasileira,
declarando que seu missionarismo, sobretudo em tempos recentes, move-se por “uma
grande preocupação” a respeito da “tendência de ‘neo-evangelismo’ e ‘neo-ortodoxia’ e
a transigência das juntas das missões por todo o mundo”. Missões que, se no passado
“ocuparam uma posição firme nos grandes fundamentos da fé e obediência à Palavra de
Deus”, em muitos casos agora associavam-se “com indivíduos ou organizações” sem
fidelidade para com “esses fundamentos da fé”. A organização surge, portanto,
capitaneada pelo pastor fundamentalista Bob Jones Sr., pretendendo aglutinar “cristãos
ortodoxos e nascidos de novo” diante do crescimento do “modernismo e liberalismo” nos
Estados Unidos. Posteriormente, ex-alunos da Universidade fundamentalista Bob Jones
“e outros amigos do Fundamentalismo” manifestaram o desejo de prolongar as suas ações
ao redor do mundo, recomendação aprovada pelo Conselho Administrativo da Gospel
Fellowship Association em maio de 1961, dando partida ao envio de missionários para o
exterior.
A Sociedade declarava pretender evangelizar a população brasileira com “rádio e
filmes, revista e literatura” e sobretudo uma rede de “obreiros” em contato com “as igrejas
fundamentais”, ou seja, identificadas com seus pressupostos ideológicos, e com todos os
aqueles “que não estão envolvidos num compromisso com a apostasia”, leia-se com o
clero progressista. Trabalho que compreendia o encaminhamento de recém-convertidos
para essas “igrejas fundamentais” e, onde não houvesse nenhuma, a fundação de “uma
igreja firme, independente e local com a base bíblica”.
786
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Igreja. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.ENI.95. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0095/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0095_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2021.
537
meios intelectuais” (ITIOKA, 1981, p. 8). Assim, Robert Young inicia em 1957 os
trabalhos de implantação de uma representação da CIEE por aqui, a ABU, neste momento
encontrando resistência de outra entidade religiosa estudantil já em atividade, a
Associação Cristã de Acadêmicos. Desentendimento que se reportaria, ao que parece, ao
fato de esta última, que entraria em declínio com o golpe de 1964, ser praticante do
modernismo teológico, chocando-se com as ideias fundamentalistas infiltradas na
Aliança.
O trabalho iniciado por Young foi reforçado em 1958 com a vinda de Ruth
Siemens, em cujo apartamento a primeira sede da ABU veio a funcionar. No mesmo ano,
a organização realiza um primeiro acampamento com estudantes de todo o país em
Campos de Jordão - SP. Neste período, outros estrangeiros a contribuir foram Stacey
Woods, secretário da CIEE, e John White, coordenador dos grupos latino-americanos da
organização (ITIOKA, 1981, p. 12). Também em 1958, acontece um congresso da CIEE
na Bolívia, marcando o início do processo de infiltração e conexão do movimento em
âmbito latino-americano, sendo o Brasil representado por Lucas Blanco de Oliveira,
advogado paulista, e Lydia Polech, estudante de letras curitibana (ITIOKA, 1981, p. 12-
13).
Em paralelo, tinha continuidade a difusão da ABU, com a instalação de núcleos
em Goiânia, Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, ali iniciada pela própria Ruth Siemens
em 1961. No ano seguinte, a organização se oficializa como um movimento nacional em
congresso reunindo representações de 11 cidades de São Paulo, Paraná, Espírito Santo,
Minas Gerais e Goiás (ITIOKA, 1981, p. 14). A fim de produzir literatura religiosa, em
1963 firma-se parceria com a Missão Batista Conservadora para a criação da Junta
Editorial Cristã, trabalho supervisionado por Russel Shedd (ITIOKA, 1981, p. 19).
O crescimento da ABU não foi afetado pelo golpe de 1964, parecendo encontrar
melhores bases para se expandir com a perseguição da esquerda religiosa e do
modernismo teológico. Em 1965 Hans Burki, secretário da CIEE e do movimento
estudantil suíço, percorre o Brasil com Ruth Siemens realizando conferências em
faculdades de 12 cidades e, em 1966, realiza-se o Primeiro Seminário de Capacitação de
Líderes Estudantis em Lima, Peru, evento que se repetiu em 1971, quando o Brasil foi
representado por Neuza Itioka, do núcleo paulista da ABU (ITIOKA, 1981, p. 21). Já em
1967, inicia-se a preparação de líderes estudantis em São Bernardo do Campo, nos limites
do Seminário Presbiteriano Conservador, “com a presença” (ITIOKA, 1981, p. 23) de
Paul Little, diretor de Evangelização e Missões da CIEE nos Estados Unidos, e frequente
539
contribuição de Hans Burki, iniciativa que se repetiria em outras partes do Brasil nos anos
seguintes.
O período entre 1973 e 1975 foi especialmente proveitoso para a ABU. Se em
1972 o seu número de núcleos era 26, em 1975 ela já estava presente em 120 faculdades
(ITIOKA, 1981, p. 63). Com franqueza, a própria Itioka (1981, p. 64) reconhece que esse
crescimento se deu em grande parte pela ação ditatorial nos meios estudantis, abrindo um
contexto de “tranquilidade do ambiente universitário sem greves, sem passeatas”, tendo
os “militantes de ideologias” desaparecido com a repressão deflagrada pelo Ato
Institucional n. 5. Instaurava-se entre os estudantes, assim, uma “filosofia hedonista,
pragmática, materialista”, ao lado do “espírito desenvolvimentista do Brasil grande”.
Ambiente que, por outro lado, não oferecia as respostas espirituais ansiadas pelos
estudantes, que a ABU se prontificava a fornecer. Sintomático desse crescimento, em
1976 a organização realiza um Primeiro Congresso Missionário em Curitiba - PR.
Outro grande congresso aconteceu em fevereiro de 1983 em Florianópolis – SC,
sendo monitorado pelo SNI, que, nada vendo de errado, se limitou a registrá-lo,
arquivando uma cópia dos estatutos da ABU. A despeito da vigilância, porém, a Aliança
podia contar com a simpatia da comunidade de informação, conforme registrou em outro
papel a Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Aeronáutica em setembro
de 1972, quando investigava a distribuição dos seus folhetos nas Universidades.
Avaliavam os agentes que “o movimento, que visa atingir os universitários com a
mensagem salvadora - segundo a concepção do Evangelho de Jesus Cristo - é bom”787,
nada constando contra ele também na Polícia Federal em São Paulo, Brasília e Rio Grande
do Norte e tampouco no DEOPS de São Paulo.
Guardados pelo SNI, os estatutos em vigor em princípios dos anos 1980 oferecem
outras informações sobre o funcionamento e propósitos da Aliança. Com sede no bairro
paulistano de Vila Clementino, ela definia-se como “um movimento estudantil” 788,
evangélico, porém “interdenominacional”, portanto “sem vínculo formal” com nenhuma
787
ARQUIVO NACIONAL. Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. Resposta Pedido de
Busca N. 174/DIS-COM: Aliança Biblica Universitaria do Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB
VAZ.0.0.4543. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_VAZ/0/0/04543/BR_DFANBSB_VAZ_
0_0_04543_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.
788
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Aliança Biblica Universitaria do Brasil,
ABUB. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.83003823. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/83003823/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_83003823_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.
540
A organização missionária estudantil Campus Crusade for Christ, aberta por Bill
Bright em 1951 na Universidade da Califórnia, não poupou o Brasil em suas ações
541
789
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Cruzada Estudantil e Profissional para
Cristo. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.LLL.80001019. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/80001019/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_80001019_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2021.
790
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Cruzada Estudantil e Profissional para
Cristo. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.LLL.80001019. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/80001019/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_80001019_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2021.
791
Na data em que o documento foi escrito, calculava-se em 1.400 o número de pessoas treinadas pela
Cruzada.
542
792
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seminario sobre Sindicalismo, Realizado
na Sede do Jornal Hora Extra, em Volta Redonda RJ. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.86055420. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86055420/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86055420_an_01_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2021.
543
salvadorenho era descrito por membros da Crusade como “uma luta pela liberdade do
povo com democracia, contra o domínio tirânico do comunismo”.
A análise de Huntington, entretanto, não despreza a importância do envolvimento
da classe dominante local, indicando que as campanhas da Crusade em El Salvador foi
em parte paga por engarrafadores locais do refrigerante Pepsi, um dos setores mais
poderosos da burguesia daquele país. Segundo o texto, a simpatia angariada pelos
religiosos norte-americanos diante dessa classe reportar-se-ia à função de desmobilização
ideológica da população, “organizando-a em um “bloco apático”’; à ênfase em profecias
e na vontade divina sobre os fatos terrestres, assim minimizando “a responsabilidade
humana pelo violento conflito político da região”; e à sua utilidade, consciente ou não,
em neutralizar setores religiosos resistentes à política do governo Reagan para a América
Central, uma vez que a direita religiosa passara a propagandear sua versão do cristianismo
como a única neutra, atribuindo máculas ideológicas ao progressismo teológico.
A campanha “Esta é a Vida”, originada em princípios dos anos 1970 e muito
financiada por grandes capitalistas estadunidenses, é denunciada como um “ambicioso
plano político”, formulado por Bill Bright em parceria como o membro do Partido
Republicano John Conlan, unindo a ampla rede interdenominacional construída pelo
primeiro com as conexões do segundo com a direita partidária norte-americana. Por via
dela, em El Salvador e em outros países, a Crusade procurava tornar-se um movimento
de bases, convertendo os setores populacionais dominados ao seu programa e construindo
condições para uma expansão geométrica e autossustentável. Em El Salvador, por
exemplo, entre 1978 e 1980, segundo a própria Crusade, 120 mil pessoas teriam sido
recrutadas para a participação em trabalhos de evangelização porta-a-porta e em ações de
conversão em massa, como por exemplo grupos de jovens armados de megafones em
logradouros públicos. Segundo Huntington, outra participante dessa frente político-
religiosa, também dedicada às bases, seria a Assembleia de Deus, para onde afluiriam
muitos dos convertidos pela Crusade, que, conforme exposto, não se organizava como
uma Igreja, mas sim um movimento interdenominacional de apoio a diversas igrejas
evangélicas conservadoras.
Voltando ao Brasil, chama atenção a coincidência entre as atividades da
encarnação nacional da Crusade, descritas pelo SNI, e aquelas narradas pela matéria. Falo
especificamente da ênfase no trabalho de bases como eixo principal da expansão
numérica e de alcance ideológico. Outro ponto de interesse é a menção da Assembleia de
Deus como uma das principais agremiações parceiras da Crusade na América Central,
544
levando a crer que fossem dos assembleianos muitas das igrejas, segundo o SNI,
participantes das campanhas do grupo em Manaus. Lembro que a região Norte foi o berço
desta Igreja no Brasil, ali contando desde cedo com grande número de seguidores e
templos.
Em nosso país, o slogan internacional, “Já Encontrei”, batizou uma grande
campanha nos anos 1980, presente em “todos os meios de comunicação massivos da
época” (NOSSA História. CRU, [s.d.]), onde por uma semana a frase foi insistentemente
divulgada, desacompanhada de maiores explicações. Findo esse espaço de tempo, se
revelou o que havia sido encontrado: “Já encontrei uma nova vida em Jesus Cristo, você
também pode encontrá-la. Solicite seu folheto grátis”. Sob o formato de um teasing793, a
CEPC invadia o imaginário do brasileiro armada das mais modernas táticas publicitárias
norte-americanas.
Prosseguindo com suas atividades de base, cada vez mais amparadas em
avançados recursos informacionais, a organização realizou em 1985, no interior da
campanha Explo 85, “uma ação global de treinamento, onde simultaneamente cristãos de
diversas partes do mundo, incluindo 5 capitais no Brasil, foram treinados via satélite em
estratégia de evangelismo e edificação” (NOSSA História. CRU, [s.d.]). Outro grande
chamariz foi o filme Jesus, de 1979, financiado pela Crusade e pelo empresário Nelson
Bunker Hunt794, “exibido nas praças, cinemas, rádios e TV, mudando a vida de brasileiros
em todo país”.
A última informação sobre sua história brasileira, contida na página nacional da
organização, dá conta de que ela atualmente continua se valendo do folheto As 4 Leis
Espirituais, distribuído desde 1970 e com tiragem de mais de um milhão de exemplares,
para sensibilizar brasileiros a respeito da “mensagem do evangelho de Jesus Cristo”.
793
Jargão publicitário, o teasing é uma tática propagandística que compreende a repetição de slogans sem
que se revele, a princípio, a quem e a o que eles se referem, buscando estimular a curiosidade pública, assim
ampliando o alcance de uma campanha de divulgação.
794
como visto em capítulos anteriores também envolvido com outros aparelhos impulsores da politização
conservadora do cristianismo.
545
Princípios - CARP, que segundo relatório de agosto de 1989 da Polícia Militar de São
Paulo atuava sobretudo na Universidade de São Paulo - USP, na Universidade Mackenzie,
na Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP, no Centro Universitário FMU e na
Faculdade Cásper Líbero.
Além do CARP, o mesmo relatório menciona outras organizações religiosas ativas
neste meio. Conforme a PM-SP, a Opus Dei, ala direitista da Igreja Católica, atuaria na
Escola Politécnica e no Instituto de Matemática e Estatística da USP; a Sociedade
Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade - TFP795, concentrava-se na
doutrinação de estudantes primários e secundaristas; e a organização Meninos de Deus 796
teria penetração na USP, na PUC/SP, na Fundação Armando Alvares Penteado e em
escolas públicas, divulgando sua doutrina em “panfletos e cartazes” 797. Também
imiscuídas na USP estariam a Igreja de Cristo de Boston e a Igreja Maranata, enquanto
na FMU a mais presente seria a Igreja Mórmon.
795
Organização fundada por católicos leigos em 1960 com declarados fins anticomunistas.
796
Representação brasileira do The Family International - TFI, movimento fundado na Califórnia em 1968
sob a nomenclatura original de Teens for Christ (Adolescentes por Cristo) e posteriormente The Children
of God (As Crianças de Deus).
797
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Seitas Junto ao Meio
Estudantil. SE14 ASP. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.89022436. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/89022436/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_89022436_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2021.
546
798
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 2M.0.0.349, v.4. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0349_v_04/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0349_v_04_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
799
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio. Ações
da Funai no sentido de delimitar e demarcar as áreas indígenas : Betânia, Lago do Beruri, Macarrão,
Évare I, Évare II, São Leopoldo, Feijoal, Bom Intento, Santo Antônio, onde viviam os Tikuna. Código de
Referência: BR DFANBSB AA3.0.DTI, DTR.73. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/DTI/DTR/0073/BR_DFANBSB
_AA3_0_DTI_DTR_0073_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
800
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.CCC.98002100. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/980021122/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_980021122_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
547
801
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio.
Encaminhamento de dados, ocorrências nas Delegacias e Postos Indígenas para ASI em resposta à
solicitação ou com objetivo de disseminar informação. Código de Referência: BR DFANBSB
AA3.0.DAI.84. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/DAI/0084/BR_DFANBSB_AA
3_0_DAI_0084_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
802
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DF ANBSB H4,MIC GNC.III.910009447. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/910009447/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_910009447_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
548
803
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio.
Programa Guarani/MS - Vol. I. Código de Referência: BR DFANBSB AA3.0.DTI, DCI.42. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/DTI/DCI/0042/BR_DFANBSB_
AA3_0_DTI_DCI_0042_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
804
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
549
denominação também se via representada junto aos povos originários pela Sociedade
Evangelizadora Baptist Mid-Missions, pela Missão Batista Conservadora do Brasil e pela
Associação dos Batistas para o Evangelismo Mundial.
Segundo a documentação, outras igrejas também em contato com indígenas são a
Igreja Wesleyana dos Estados Unidos, por via da Missão dos Wesleyanos do Brasil, e a
Pilgrim Holiness Church of New York, aqui representada pelas missões da Igreja de
Peregrinos.
805
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio.
Conselho Indigenista Missionário - CIMI. Código de Referência: BR DFANBSB AA3.0.MRL.2.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/MRL/0002/BR_DFANBSB_AA
3_0_MRL_0002_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
806
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Questão Indigena: Resoluções
Recomendações Emanadas de Eventos sobre Comunidades Indigenas e Ecossistemas da Amazonia que
550
missão permanente da Assembleia junto aos Xokleg, próxima a outra da pequena Igreja
Pentecostal Filadélfia.
Mas o missionarismo indígena assembleiano no Sul não se restringia ao estado de
Santa Catarina. No ano seguinte, o SNI nota a presença de uma missão dessa Igreja no
município gaúcho de Tenente Portela, área de muitos conflitos entre indígenas e
posseiros, não tendo o Serviço, entretanto, dados sobre o posicionamento da Assembleia
nesses atritos807. Além de Tenente Portela, onde era comandada por Severo Pereira dos
Santos, em outro documento o SNI informa que a Igreja estava também no município de
Miraguaí, capitaneada por Cirilo da Costa, mantendo nas duas localidades seis capelas
“dentro das áreas indígenas”808 e “destinadas exclusivamente à formação espiritual dos
índios”. Quanto à tática de infiltração assembleiana, dizia o documento que membros da
própria comunidade eram ordenados “diáconos” pelas lideranças da Igreja que, assim
estabelecendo bases nas aldeias, “somente as visitam por ocasião de grandes
solenidades”.
Também aos indígenas mato-grossenses a Assembleia chegava. Em julho de 1981
a agência regional do SNI fez um levantamento em postos da Funai com o fim de “detectar
a atuação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI); da Comissão Pastoral da Terra
(CPT); e verificar a origem de problemas fundiários”809. Como vimos no capítulo
passado, tanto o CIMI como a CPT eram vistos com antipatia pelo Estado brasileiro por
contestarem a política indigenista oficial e protegerem de maneira tida como excessiva a
posse da terra indígena. De maneira contrastante, o SNI do Mato Grosso não tecia
nenhuma crítica sobre a Assembleia de Deus, cuja presença era registrada no posto Buriti
ao lado da também pentecostal Congregação Cristã do Brasil e da Igreja Evangélica da
América do Sul. Limitava-se o documento a anotar que ali não fora “detectada a presença
de elementos do CIMI, da CPT, e nem de políticos”. Cravado no município de
Sidrolândia, o posto era habitado por 1.156 pessoas da etnia Terena.
Em setembro de 1987, o Instituto de Planejamento Econômico e Social - IPEA,
junto com outros órgãos, formulou um Plano de Proteção do Meio Ambiente e das
Comunidades Indígenas - PMACI com algumas informações sobre o estado dos povos
originários na Amazônia. Por via dele sabemos que pelo menos desde esse momento, ao
lado do Instituto Linguístico de Verão e da Missão Novas Tribos do Brasil, a Assembleia
de Deus mantinha uma missão entre os ameríndios Deni, no município de Itamarati - AM.
Havendo posseiros ameaçando as terras indígenas, desta vez a presença do CIMI era
também confirmada810.
Em meados de 1988, indagado pelo diretor da Administração Regional de Boa
Vista - RR da FUNAI, Raimundo Nonato da Silva, sobre as áreas de atuação da Igreja no
estado e as atividades desenvolvidas, o presidente da Assembleia em Roraima, Fernando
Granjeiro de Menezes, informou que a Igreja se fixara junto a indígenas em 12 diferentes
localidades do estado. Revelando a repetição do mesmo padrão de enraizamento local
descrito para o Rio Grande do Sul, três dos oito religiosos atuantes nessas missões eram
indígenas. Trata-se de dois pastores e um evangelista das etnias Macuxi e Wapixana. Já
sobre os trabalhos levados a cabo pela Igreja, novamente não se mencionava nenhum de
cunho assistencial. Segundo letra do presidente assembleiano, eles consistiam em
evangelismo pessoal com visitas às casas dos indígenas; cultos públicos e orações,
alegadamente solicitados pelos próprios; reuniões de oração; batismos em águas; e
cerimônias fúnebres. O documento figura num dossiê da Assessoria de Segurança e
Informações da FUNAI que contém, ainda, material sobre a presença da Assembleia no
estado do Amazonas, onde atuaria junto aos Tikuna na margem direita do rio Solimões811.
O estado amazônico do Pará, berço brasileiro da Assembleia, evidentemente
também contava com missões indígenas. É o que conta papel do Estado Maior das Forças
810
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de Referência BR
DFANBSB 2M.0.0.303,v.4 d0001de0001. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_2m/0/0/0303_v_04/br_dfanbsb_2m_0_0_03
03_v_04_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
811
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio.
Missões/Missionários - Volume II. Código de Referência: BR DFANBSB AA3.0.MRL.20. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/MRL/0020/BR_DFANBSB_AA
3_0_MRL_0020_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021
552
Armadas de julho de 1989, narrando que a Igreja estaria instalada com nativos em
municípios como Almeirim812.
Apesar do sucesso em se fixar como um movimento de bases em muitos povoados,
a Igreja não deixou de encontrar resistência. Em 1991, por exemplo, indígenas das etnia
Javaé denunciaram à FUNAI a presença ilegal de religiosos na aldeia Canoanã, na Ilha
do Bananal em Tocantins. Preocupada com a possibilidade de que se repetissem ali casos
de suicídios coletivos, a Fundação enviou uma antropóloga. Conforme apurado, as
missões na ilha haviam iniciado fazia mais ou menos oito meses, envolvendo as
pentecostais Congregação Cristã do Brasil e a Assembleia de Deus, estando esta última
inclusive em processo de entrada em outras aldeias do estado. De acordo com a
antropóloga, a Congregação chegara a levantar um templo na localidade, pouco
frequentado, em virtude da “resistência de vários membros daquela comunidade em
conceder livre trânsito aos pastores não índios e seus cooperadores”813. Não muito
distante, em Barreira do Pequi, uma igreja em construção fora destruída pelos nativos.
Destacando os problemas sociais, culturais e econômicos trazidos pelas missões, a
profissional concluía que os Javaé, porém, vinham “tentando resistir à nova cultura que
lhes está sendo imposta, em uma tentativa de manter a sua cultura religiosa e resguardar
a sua identidade cultural”. Entre os interditos forçados pelos religiosos, proibia-se a
participação em festas, inclusive as tradicionais, e o casamento com pessoas não
convertidas à Igreja.
Mas se os técnicos da FUNAI não mantiveram um olhar acrítico sobre as ações
da Assembleia, outras porções do Estado restrito permaneceram nos anos 1990 alinhadas
com o modelo proposto pelas missões evangélicas em oposição ao que pretendiam, por
exemplo, os católicos reunidos no CIMI. O fato, já visto no capítulo 8, no que diz respeito
à Assembleia de Deus transparece nas palavras do governador de Roraima, Ottomar de
Sousa Pinto, ditas no interior da Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Câmara
dos Deputados daquele estado em 1991 para averiguar aeroportos clandestinos e a ação
de missões estrangeiras em áreas de garimpo. Comentando a mobilização de indígenas
812
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 2M.0.0.273, v.1. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0273_v_01/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0273_v_01_d0002de0063.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
813
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNR.RRR.910013998. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/910013998/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_rrr_910013998_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
553
814
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 2M.0.0.340, v.2. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0340_v_02/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0340_v_02_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
815
O encontro pretendia dar prosseguimento a negociações para a renovação do convênio da organização
com a FUNAI, interrompido em 1977.
816
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Summer Institute of Linguistics. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.ENI.210. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0210/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0210_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.
554
817
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação do Summer Institute of Linguistics,
SIL. SE143 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.90073621. Disponível em:
555
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/90073621/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_90073621_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2021.
818
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
556
819
Trata-se de um grande conglomerado de empresas aeroespaciais e bélicas norte-americanas.
820
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
821
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075798/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
557
822
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075798/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
823
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
824
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075798/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
825
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio.
Informações relativas às atividades do CIMI, Missão Evangélica da Amazônia, Missão Anchieta, Instituto
Missionário e Linguístico Shekinah e Província Carmelitana de Santo Elias. Código de Referência: BR
DFANBSB AA3.0.DAI.18. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/DAI/0018/BR_DFANBSB_AA
3_0_DAI_0018_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
558
826
Conforme a página oficial do Shekinah, o Peniel foi o “primeiro instituto bíblico fundado no Brasil com
a finalidade específica de preparar teologicamente missionários para evangelizar os povos transculturais
menos alcançados” (NOSSOS Ministérios, [s.d.]).
827
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
559
828
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
560
829
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Sociedade Asas de Socorro.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86054790. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86054790/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86054790_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
561
830
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075798/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
831
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
562
Sediada em São Paulo pelo menos desde princípios da década de 1970, a MIB
entrou no radar do SNI em maio de 1977, quando convidou o presidente de fato Ernesto
Geisel para um evento em Serra Negra - SP reunindo “300 líderes missionários”832. A
conferência teve falas do psicólogo evangélico Jay Adams, fundamentalista pai da técnica
de psicoterapia religiosa conhecida como nouthetic counseling, que, repelindo as ciências
laicas psicológicas e psiquiátricas, propõe a Bíblia como fundamento para o tratamento
de problemas mentais; e do pastor batista Mark Corts, adepto da Teologia do Domínio
que tem em seu nome obras como The Truth about Spiritual Warfare: Your Place in the
Battle Between God and Satan (A Verdade sobre a Guerra Espiritual: o seu lugar na
batalha entre Deus e Satã).
Os objetivos declarados da MIB seriam “prestar serviços, sem fins lucrativos, às
missões evangélicas em geral, aos pastores e missionários evangélicos, bem como às
instituições e igrejas evangélicas no Brasil”. Expressando claramente alianças com
setores religiosos fundamentalistas, os seus estatutos de 1972 vedavam a adesão daqueles
que não subscrevessem uma série de preceitos, como a leitura literal da Bíblia, devendo
seus membros aceitar a “plena e divina inspiração das Escrituras, sua infalibilidade, sua
única e final autoridade em assuntos de fé e prática”. O quadro de dirigentes no Brasil,
constituído de 15 religiosos, tinha sete estrangeiros, dos quais quatro eram norte-
americanos, “Carlos” Taylor; “Paulo” Overholt, Edgar Hallock e “Richardo” Sturz; dois
canadenses, “Reginaldo” Hoover e Eunice Johnson; e um inglês, David Glass. O controle
estrangeiro se manteria na década seguinte, mostrando os estatutos registrados em junho
de 1984 que, na época, presidia a organização um certo Alan Gary Gordon.
Um ano depois, Richard Sturz escreve em nome da MIB para o Ministério das
Relações Exteriores solicitando visto temporário, devidamente concedido, para o coreano
David Dong Jin Cho participar de sua Conferência Anual, que ocorreria em São Paulo,
“com a participação de missionários de todo o mundo evangélico”833. Pastor presbiteriano
e líder missionário, durante a conversão comunista da Coreia Norte, Cho fugira em
832
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Missão Informadora do Brasil. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.81005593. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/81005593/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_81005593_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2021.
833
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, VIS.289. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/VIS/0289/BR_DFANBS
B_Z4_DPN_PES_VIS_0289_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2021.
563
Para Delcio Monteiro de Lima (1991, p. 131-136) a Visão Mundial faria incursões
ideológicas em nosso país desde princípios da década de 1960, pregando o
anticomunismo especialmente em parceria com pentecostais na região Nordeste. Papel
datado de 1993 encontrado nos arquivos da Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, entretanto, indica o ano de 1950 835 como marco inicial de suas
operações, embora a Visão Mundial do Brasil apenas fosse formalizada em 1975.
A afirmação de Lima encontra respaldo no que vimos na Parte II, onde a World
Vision aparece como uma das primeiras associações religiosas expulsas do Laos e do
Vietnã, suspeita de cooperação com a CIA. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, no
entanto, pelo menos no que diz respeito ao Brasil, há uma inflexão na sua maneira de agir
que o historiador Zózimo Trabuco836 atribui à ascensão de partidários da Teologia de
834
Trata-se da organização Servindo aos Pastores e Líderes ou Serviço de evangelização para a América
Latina - SEPAL, segundo Galindo (1996, p. 380) braço na América Latina da entidade missionária
internacional Overseas Crusade. Atualmente, sua representação no Brasil conta com dirigentes formados
no seminário teológico fundamentalista norte-americano Fuller Theological Seminary, como o presidente
e o vice-presidente do seu Conselho de Governança, Jairton Melo e Douglas Lamp.
835
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.MMM.980016967. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/980016967/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_980016967_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2021.
836
Historiador pela Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS, com mestrado pela Universidade
Federal da Bahia - UFBA e doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, é professor de
História do Brasil e História Indígena na Universidade Federal do Oeste da Bahia - UFOB e do Programa
de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da mesma Universidade. Interessado na história
religiosa brasileira, investigou em seu mestrado o Instituto Bíblico Batista do Nordeste, enquanto sua tese
564
Informações mais detalhadas são trazidas pelo jornal das Assembleias de Deus, o
Mensageiro da Paz. Arquivado pelo SNI e datando de julho de 1985, seu número 1.179
indicava que em meados da década de 1980 a Visão Mundial do Brasil punha em marcha
“361 projetos sociais”839 em benefício de mais de 32 mil crianças. Iniciativas que
pretendiam “atender às necessidades básicas” da população infantil, prestando auxílio
médico, nutricional e educacional, mas sem descuidar da “promoção dos valores
cristãos”. Sediada em Belo Horizonte, a VM recebeu do governo mineiro em 1976 o título
de organização de utilidade pública. Em 1983 foi a vez do governo federal, por via do
MEC, com o qual desenvolvia 253 projetos conveniados, comendá-la como entidade de
fins filantrópicos. Um ano depois, coube ao Ministério do Trabalho nomeá-la como de
utilidade pública.
Mas o proselitismo não parece ter sido o foco exclusivo naqueles anos. Em maio
de 1990, por exemplo, a Visão Mundial do Brasil patrocinou em Goiânia um Congresso
Nacional de Pastores e Líderes, com mais de 150 religiosos e coordenado por Dídimo de
Freitas, pastor da Igreja Presbiteriana Maranatha. Debatendo temas de interesse dos
partidários da Teologia de Missão Integral, os ali reunidos concluíram que ‘“A Igreja
deve atuar na religião, na política, na economia, na sociedade, buscando alcançar o
homem como um todo”’840. Quanto aos povos indígenas, decidia-se que com eles deveria
haver uma maior aproximação. Neste caso, porém, se a Visão Mundial faria o mesmo que
o restante das organizações evangélicas estrangeiras, a justificativa era formulada em
termos mais próximos dos propugnados, por exemplo, por órgãos indigenistas católicos
conduzidos pelo clero progressista, conforme vimos relatado pelos serviços de repressão
da ditadura. Assim, defendia a VM que a presença evangélica precisava adquirir o
“sentido de ajudá-los a defender o seu direito sobre a terra e de se preservarem como
raça”.
Em junho do mesmo ano, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República escreveu que a Visão Mundial também se interessava pelos dilemas do mundo
rural, atuando como “mediadora nos conflitos pela posse da terra, que envolvem
839
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. O Mensageiro da Paz, Casa Publicadora
das Assembleias de Deus, CPAD. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.85012503.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/85012503/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_85012503_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2021.
840
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.RRR. 900013167. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/900013167/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_rrr_900013167_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2021.
566
841
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da \"Visão Mundial\". Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.90015628. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/OOO/90015628/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_OOO_90015628_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2021.
842
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC MMM.900009112. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/900009112/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_900009112_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2021.
567
República de Fernando Collor, que a incluiu numa lista de “pessoas e entidades ligadas
ao Governo Paralelo843 do Partido dos Trabalhadores”844.
Em novembro de 1990 temos outro indicativo da nova disposição combativa da
VM. Naquele momento, a Secretaria acumulava material sobre uma frente ampla em prol
da maior participação popular na Constituinte do Distrito Federal, articulada por dezenas
de organizações populares, como a Central Única dos Trabalhadores - CUT, a Associação
Brasileira de Reforma Agrária, o Movimento Nacional de Direitos Humanos e vários
sindicatos. As fileiras da iniciativa eram engrossadas também pela Visão Mundial 845.
Retratada como “uma organização humanitária cristã” interessada no
“desenvolvimento integral de pessoas e comunidades empobrecidas”, que buscava
“encorajar as comunidades necessitadas a unirem-se, refletir sobre seus problemas e
encontrar soluções adequadas”, tendo como meta final a “auto-suficiência”, a VM parece
ter também incomodado Fernando Henrique Cardoso. Em 1995, informava a Secretaria
de Assuntos Estratégicos da Presidência da República que, em seminário ocorrido em
agosto, Manfred Grellert não poupou críticas ao modelo econômico abraçado pelo
governo, para ele um programa neoliberal que “concentra e marginaliza ainda mais os 30
milhões de miseráveis que o País contabiliza”846.
Na base de dados digital do governo federal disponibilizada pelo Arquivo
Nacional, o último registro referente à Visão Mundial a mostra junto a trabalhadores
rurais sem terra em passeata de abril de 1998. O caso ocorreu nos limites de Wanderlândia
e Araguaína - TO, em comemoração do Dia Internacional de Luta Camponesa e em
recordação ao aniversário de dois anos do Massacre de Eldorado dos Carajás847. Com o
apoio de diversos movimentos sociais, entre as faixas que emolduravam a manifestação
843
O Governo Paralelo foi uma organização criada pelo PT em julho de 1990 e comandada pela cúpula do
partido com vistas a acompanhar de perto as ações do governo Collor e formular propostas alternativas.
844
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.EEE.900024387. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900024387/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_900024387_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2021.
845
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4, MIC GNC.DIT.910075075. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075075/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075075_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2021.
846
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.MMM.980016987. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/980016987/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_980016987_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2021.
847
Trata-se do assassinato pela Polícia Militar de dezenove trabalhadores rurais sem-terra, ocorrido em
abril de 1996 em Eldorado do Carajás, no estado do Pará. A ação se deu em resposta à ocupação da fazenda
Macaxeira.
568
podia-se ver uma, assinada pela Visão Mundial, dizendo: “Desemprego. O Brasil precisa
acabar com esta vergonha”848.
848
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.RRR.990015117. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/990015117/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_rrr_990015117_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2021.
849
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.27. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0027/BR_DFANBSB_JF_E
BG_0_0027_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2021.
850
ARQUIVO NACIONAL. Telecomunicações Brasileiras Sociedade Anônima. (011.ASI-TB.1974).
Código de Referência: BR DFANBSB CZ.ASI.0.11. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_CZ/ASI/0/0011/BR_DFANBSB_CZ_A
SI_0_0011_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2021.
569
de opressão dos ricos sobre os pobres”, assim golpeando “todas as religiões” enquanto
aproveitavam, também, para fazer ataques velados ao governo. A EMBRATEL se referia
especialmente ao escrito de Jorge França, publicado na revista A Crítica, onde eram
questionadas as relações íntimas do pastor com o governo dos Estados Unidos e a origem
das vultosas somas empregadas na divulgação da sua passagem, alardeada em “televisão,
rádio e esquemas publicitários de rua”. Mencionava-se, também, artigo publicado no
jornal O Globo, em 29 setembro de 1974, de autoria não identificada e com teor
meramente factual, incomodando talvez por destacar a notória amizade do religioso com
Richard Nixon, que renunciara fazia apenas alguns meses em face do escândalo de
corrupção Watergate.
De volta ao Brasil no final de janeiro de 1978, a nova visita era organizada por
uma equipe da Billy Graham Evangelistic Association, que projetava um público de 250
mil pessoas para a aparição na capital paulista. Segundo informações da embaixada norte-
americana na cidade, que teria avaliado como propícia a data sugerida pela equipe, “Logo
após o Natal, antes do carnaval, e anterior à posse do novo governo” 851, a Association
contava também com membros nacionais. Tratava-se de Volney Archero Faustini, pastor
e candidato a deputado estadual pela ARENA.
Outro que deu as caras foi o ultraconservador Carl McIntire, que vimos no capítulo
3 recomendando ao presidente Harry Truman o uso de armas nucleares contra a Coreia
do Norte. Esteve ele em excursão pela América do Sul em agosto de 1981, visitando
Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru, Uruguai e Brasil. De acordo com o SNI, o
reverendo repetiu em nossas terras declarações semelhantes às feitas no Chile, onde tecera
críticas à Teologia da Libertação. Notava ainda o Serviço que, em visitas a membros da
ditadura Pinochet, como o ministro secretário-geral Júlio Bravo Valdés, McIntire
externou opinião “favorável ao Governo do Chile, em atenção à sua linha
anticomunista”852, acrescentando que os recentes “ataques” da comunidade internacional
ao país seriam “orquestrados pelo comunismo e seus aliados”, como os praticantes da
Teologia da Libertação. O SNI informava também que o passeio pelo Cone-Sul teve
financiamento de igrejas vinculadas ao Internacional Council of Churches, como a
851
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Billy Graham Crusade in Sao Paulo. Canonical
ID:1978SAOPA03106_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978SAOPA03106_d.html>. Acesso em: 26 abr. 2021.
852
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Karl Mc Intire. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81018733. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/81018733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81018733_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2021.
570
chilena Presbiteriana Nacional Fundamentalista, sendo razoável supor, assim, que uma
das que bancaram sua vinda ao Brasil foi a Igreja Presbiteriana Fundamentalista, que tinha
como figura de destaque, como vimos, o pastor Israel Gueiros, também vice-presidente
do ICC.
Também nos visitou mais de uma vez o televangelista pentecostal Alpha Rex
Emmanuel Humbard, mais conhecido como Rex Humbard. Segundo a embaixada norte-
americana em Brasília, em julho de 1978, enquanto o religioso atraía multidões em
aparições públicas e ganhava holofotes midiáticos, sua esposa foi acometida de uma
indisposição súbita, sendo-lhe oferecido tratamento no Hospital das Forças Armadas em
Brasília, onde passou por uma verificação de saúde completa853. No ano seguinte, o “Rei
Alfa” tentou participar de uma inauguração presidencial com representantes
governamentais de outros países, negociada pelo embaixador Robert M. Sayre com
assessores do chefe do Cerimonial do Ministério das Relações Exteriores, João Carlos
Pessoa Fragoso. O pedido, porém, lamentava Sayre, foi declinado em função de
“limitações de espaço”854.
5 - Elos empresariais
853
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Hospitalization of Evangelist's Wife. Canonical
ID:1978BRASIL05783_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978BRASIL05783_d.html>. Acesso em: 26 abr. de 2021.
854
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Presidential Inauguration. Canonical
ID:1979BRASIL00875_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979BRASIL00875_e.html>. Acesso em: 26 abr. de 2021.
571
855
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.85050880. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/85050880/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85050880_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
856
Também conforme Gilberto Nascimento (2019, posição 5268-5273), Edir Macedo é sócio da empresa
B.A. Empreendimentos e Participações Ltda, que, por sua vez, é dona de 49% das ações do Banco Renner.
573
857
Conforme a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, segundo apurado por
auditores do Tesouro Nacional, o sobrinho de Edir Macedo e ex-prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo
Crivella, foi “um dos beneficiários do dinheiro da Igreja Universal para a compra da TV Record de São
José do Rio preto/SP e de Franca/SP”. ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.920076229. Disponível em:
,http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/920076229/br_dfanbsb_h4_mi
c_gnc_dit_920076229_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2021.
858
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR ANBSB H4,MIC GNC.CCC.990021317. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021317/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021317_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2021.
574
859
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.960079081. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079081/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_960079081_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2021.
575
860
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência Br DFANBSB H4,MIC GNC.CCC.990021303. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021303/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021303_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2021.
576
empresa RKO Generale e membro do conselho da Lynde and Harry Bradley Foundation,
fundação vinculada à empresa de tecnologia Allen-Bradley Company, posteriormente
comprada pela Rockwell International. A RCC pôde contar com o patrocínio também do
Grupo Empresarial Cisneros, conglomerado venezuelano, da Global Media, do Big Ben
Group, e, no Brasil, ao que tudo indica, de membros da Associação Comercial de São
Paulo.
As empresas listadas acima não foram, porém, de forma alguma, as únicas que
apoiaram a ascensão de religiosos conservadores. Conforme veremos no capítulo 12, o
estudo das fontes de financiamento das campanhas dos parlamentares evangélicos na
Câmara de Federal revela que essa bancada contou com o apoio de dezenas de outras
corporações, sobretudo ligadas ao setor agropecuário e construtor.
6 - Conclusão
CAPÍTULO 11
Das Câmaras municipais à Constituinte: “Irmão Vota em Irmão”
1 -Introdução
861
A carta pode ser vista como um manifesto pela conciliação de classes. Ao mesmo tempo em que dizia
querer levar adiante a Reforma Agrária, declarava a necessidade de “uma política dirigida a valorizar o
agronegócio”. Enquanto propunha soluções econômicas mais criativas para o país, supostamente afastando-
se da heterodoxia neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, falava no “respeito aos contratos e obrigações
do país”. Enquanto falava em justiça social, sublinhava ser preciso tornar o país mais competitivo no
mercado internacional, insinuando a necessidade de mais reformas previdenciárias e trabalhistas.
Declarava, enfim, que o PT tinha debaixo do braço um projeto de governo apoiado por uma “vasta
coalizão”, formada também por “religiosos dos mais variados matizes ideológicos” e por “Parcelas
significativas do empresariado” (NUNES, 2018).
862
Teólogo pelo Seminário Evangélico Teológico de Cuba, educador cristão pelo Seminário Teológico
Presbiteriano McCormick (Chicago, EUA) e filósofo pela Universidade de Havana, dedica-se à História da
religião. (CEPEDA, Rafael; CARRILLO, Elizabeth; GONZÁLEZ, Rhode; HAM, Carlos E., 1996, p. 288)
863
Socióloga pela Universidade de Havana. (CEPEDA, Rafael; CARRILLO, Elizabeth; GONZÁLEZ,
Rhode; HAM, Carlos E., 1996, p. 288)
864
Formanda em Química pela Universidade de Havana, é obreira na Igreja Cristã Pentecostal. (CEPEDA,
Rafael; CARRILLO, Elizabeth; GONZÁLEZ, Rhode; HAM, Carlos E., 1996, p. 288)
581
865
Teólogo pelo Seminário Evangélico Teológico de Cuba, é pastor e secretário nacional da Igreja
Presbiteriana Reformada em Cuba (CEPEDA, Rafael; CARRILLO, Elizabeth; GONZÁLEZ, Rhode;
HAM, Carlos E., 1996, p. 288)
866
Chesnut não consegue enxergar, porém, que reforçar o “status quo” no Brasil significa obrigatoriamente
alinhar-se com os interesses da nossa classe burguesa, em muito afinados com o de parceiros estrangeiros,
artífices do Partido da Fé Capitalista desde a década de 1950.
582
entre os governos do Partido Republicano que, conforme vimos na Parte II, em muito
favorecem e são favorecidos pela direita religiosa. De maneira semelhante, no caso da
Assembleia de Deus no Pará, como constatado também por Chesnut (1997), essa relação
tem se dado historicamente com as porções mais reacionárias e conservadoras de nosso
Estado restrito: a ditadura de 1964 e representantes civis determinados a preservar a
ordem social e econômica estabelecida. Sendo assim, no Brasil e nos Estados Unidos, a
troca de favores entre o Executivo e tais agremiações refere-se mais a um reforço mútuo
de posições do que simples “toma lá, dá cá”.
Não se trata, portanto, de negar as relações amistosas entre a máquina
governamental brasileira e tais igrejas, uma vez que estas têm, de fato, se valido do poder
público em benefício próprio para alimentar sua expansão, mas de indicar que a
constatação dessas relações, melhor compreendidas como cooperativas, não basta para
abordar integralmente o problema. É também preciso notar que essa parceria não é recente
e que ela se baseia grandemente num projeto de país e de mundo partilhado entre a classe
dominante brasileira e porções conservadoras cristãs em ação por aqui, conforme
demonstrado no capítulo 8. Assim, desde muito antes da Constituição, tais líderes
religiosos foram escolhidos como alguns dos parceiros preferenciais por terem se
mostrado inclinados a contribuir para a consolidação do programa político emanado das
nossas cúpulas econômicas e aplicado pelas partidárias.
Questiono também a suposta ausência de articulação entre a direita religiosa norte-
americana e a brasileira, ilustrada por Freston (1993, p. 211) através do caso da IEQ.
Reparo que o sociólogo menciona apenas que a decisão dos quadrangulares brasileiros de
apresentar candidatos à Constituinte aconteceu “contrariando a orientação do presidente
norte-americano”, Rolph McPherson, sem indicar a proveniência dessa informação. Não
encontrei material que possa confirmá-la ou não, mas obtive, como será visto adiante,
documentação comprovando que o mesmo McPherson, ainda em 1964, abençoou a
candidatura do pastor quadrangular Geraldino Campos867 à Câmara de São Paulo.
Outra divergência entre esta pesquisa e as conclusões de Freston (1993, p. 180)
reside na ideia de que 1986 representa o momento inicial de um sistemático interesse
partidário pentecostal, praticamente inexistente em épocas mais remotas. Embora de fato
ausentes do legislativo federal, detectei a presença de políticos pentecostais nos
legislativos locais já desde pelo menos a década de 1960, sugerindo que o seu despontar
867
Geraldino já era vereador em São Paulo, eleito em outubro de 1963.
583
partidário na Constituinte, ainda que de fato impulsionado por um maior esforço partido
das cúpulas dessas igrejas, foi também a culminância de um processo, preparado nas
décadas precedentes, que teve como ponto de partida as esferas municipais. A conclusão
é reforçada pelo fato de que alguns pentecostais eleitos em 1986 já eram deputados
federais em legislaturas anteriores, como Mario de Oliveira e José de Oliveira Fernandes,
ou provinham dos legislativos estaduais e municipais, como Antônio da Conceição Costa
Ferreira e José Viana dos Santos. Já quanto aos outros grupos evangélicos, como os
batistas, um número ainda maior dos constituintes eleitos em 1986 possuíam experiência
política anterior. Em outras palavras, não nego que este ano tenha representado uma
inflexão na participação partidária pentecostal e de religiosos conservadores de um modo
geral, mas é preciso ter em conta que este aprofundamento do interesse político-partidário
de religiosos não surgiu do nada, sustentando-se numa projeção de pastores a cargos
eletivos que, iniciada décadas antes, indica o engajamento prévio dessas igrejas.
Assim, distanciando-me das conclusões de Freston e Chesnut, neste capítulo e no
próximo, procurarei mostrar que as igrejas conservadoras de procedência norte-
americana, sobretudo as pentecostais, mas também outras como a Batista e a
Presbiteriana, vêm guiando sua ação partidária de modo a atender interesses econômicos
de empresários estadunidenses e de seus sócios brasileiros; que essa ação precede a data
de 1986, tendo sido lentamente preparada desde pelo menos a década de 1960; e que o
fazem sintonizadas com o debate político ocorrido nos fóruns norte-americanos e
brasileiros estudados nos capítulos 3 e 9.
Farei isso traçando um perfil desses parlamentares, com destaque para as suas
ligações com o empresariado, e estudando os seus votos não em matérias de interesse
religioso, onde há consenso sobre a coesão da bancada evangélica, mas sim em
importantes decisões econômicas desejadas pelo capital. Acredito, enfim, que estava no
caminho certo o sociólogo Antônio Flávio Pierucci (1996, p. 178), que, observando a
presença política evangélica nas décadas de 1980 e 1990, concluiu que “A direita hoje
torna-se uma “nova direita” justamente por injetar no conservadorismo socioeconômico
revigorada ênfase nas teses conservadoras ou restauracionistas em matéria sexual”.
Esta tese de modo geral, e este capítulo, de maneira específica, procura fornecer
subsídios para a questão levantada pelo mesmo Pierucci em 1996 (p. 166) e que naquele
momento ainda não tinha “elementos suficientes de evidência”: “se o fenômeno da
bancada evangélica conservadora em Brasília inscreve-se num contexto de ação
584
868
Não se deve inferir, entretanto, que a influência partidária de agremiações religiosas conservadoras se
limite à bancada evangélica. Como vimos no capítulo 8, a Igreja da Unificação esteve por trás das eleições
de parlamentares laicos como Guilherme Afif Domingos e Herbert Levy, ao mesmo tempo em que a
Renovação Carismática Católica, que colocará padres conservadores no Congresso, também não deixou de
facilitar o sufrágio de conservadores não ordenados, como Francisco Dornelles, deputado federal pelo Rio
de Janeiro.
585
869
O evangelicalismo seria um movimento teologicamente conservador, filho do puritanismo, do pietismo
e do avivalismo (TRABUCO, 2015, p. 63-64). O fato de alguns dos seus setores terem procurado
desenvolver ações políticas progressistas levou autores como Rubem Cesar Fernandes, citado por Trabuco,
a rotulá-lo de “fundamentalismo de esquerda”.
870
Para Trabuco (2015, p. 370), a Teologia de Missão Integral “dividiu os setores conservadores do
protestantismo em uma ala fundamentalista, majoritária, e outra evangelical”.
586
Embora a grande visibilidade da bancada evangélica a partir dos anos 1980 induza
a percepção de que o envolvimento partidário de religiosos conservadores no Brasil seja
fenômeno recente, este não foi o caso. Aqui e no resto do mundo, numa ação que vejo
como coordenada e que ostenta as mesmas características gerais, a ingerência de líderes
religiosos no universo partidário remonta há décadas. Se nos Estados Unidos o seu marco
inicial foi a formalização da Moral Majority em 1979, vimos que clérigos e intelectuais
religiosos conservadores já mantinham contatos frequentes com membros do Estado
restrito desde pelo menos o princípio da Guerra Fria. No Brasil, Rolim (1995, p. 153)
indica o contexto das revoluções em Cuba e na Nicarágua e o golpe de Estado de 1964
como o marco inicial de um “deslocamento do fundamentalismo pentecostal para a órbita
política”, frisando que a Assembleia de Deus guardava na “sua aparente apoliticidade
871
Um traço dos praticantes da Teologia da Missão Integral, entretanto, é a rejeição do ponto de vista
assumido por este trabalho, uma vez que “se distanciaram das críticas ao pentecostalismo como uma nova
estratégia do imperialismo” (TRABUCO, 2015, p. 342). O fato pode explicar, em parte, as atitudes de Paul
Freston, que, como visto no capítulo 1, procurou aproximar o Partido dos Trabalhadores com essas igrejas.
587
uma posição conservadora, que é uma posição política, fazendo eco com as demais
Assembleias de Deus latino-americanas”.
A presença de evangélicos não pentecostais na política partidária, e a mobilização
de rebanhos religiosos em torno de sua eleição, é fenômeno ainda mais antigo. Conforme
destacado por Elizete Silva (2017, p. 133-134), ainda nos anos 1940 vemos metodistas,
presbiterianos e batistas instalados no Poder Legislativo. A historiadora constata, por
exemplo, que na década de 1950 o pastor batista Ebenézer Gomes Cavalcante e o
presbiteriano Basílio Catalá já circulavam na Assembleia baiana. Eleitos pela
conservadora União Democrática Nacional - UDN, “comungando o anticomunismo e o
americanismo dos políticos tradicionais udenistas”, ambos tiveram seus mandatos
viabilizados por votações maciças de “irmãos”.
Batistas e presbiterianos, conforme vimos os dois principais grupos viabilizadores
do movimento fundamentalista, permanecem, portanto, desde muito atuantes na política
partidária brasileira. A novidade introduzida nos anos 1960 foi a chegada de um terceiro
grupo de religiosos conservadores, os pentecostais, que paralelamente ao seu avassalador
processo de instalação e multiplicação, iniciarão um lento caminho também na política
partidária. Trata-se, sugere a documentação, de um processo, maturado com o tempo, de
projeção nacional de lideranças político-religiosas regionais, daí a escalada da presença
pentecostal a partir das câmaras de vereadores, já nos anos 1960, em direção aos
legislativos estaduais e federais, este último passo consolidado apenas na década de 1980.
A Assembleia de Deus, por exemplo, apoia candidatos às legislaturas municipais
pelo menos desde princípios dos anos 1960. Conforme Chesnut (1997, p. 147), após quase
cinquenta anos de distanciamento partidário, a Igreja inicia sua trajetória nesse campo em
1962, quando Antônio Teixeira, um “próspero imigrante português” e assembleiano
desde 1947, é eleito deputado estadual do Pará. Passando para a ARENA após o golpe de
64, já em 1962 Teixeira teria aberto os cofres públicos para a sua Igreja, aproximando-se
do deputado federal Gabriel Hermes Filho, industrial eleito pela UDN, e do senador
Edward Cattete Pinheiro, do Partido Trabalhista Nacional - PTN. Alega Chesnut (1997,
p. 147) que ambos teriam facilitado a transferência de centenas de milhares de dólares
(em cruzeiros, é claro) para projetos educacionais da Igreja. O pacto pressupunha a
transferência de votos dos fiéis da Assembleia, que a partir de então, conforme visto no
capítulo 8, gozaria de um ininterrupto fluxo de verbas estatais, intensificado pela ditadura
e preservado pelos governos democráticos mais recentes.
588
872
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 1M.0.0.2819. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/2819/BR_DFANBSB_1M_0_0
_2819_d0005de0032.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
589
873
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 1M.0.0.6357. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/6357/BR_DFANBSB_1M_0_0
_6357_d0009de0018.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2021.
874
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatos as Eleições de 15 Nov 76.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.76095368. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/76095368/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76095368_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.
875
Não foi possível localizar maiores informações sobre o programa.
876
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Grupos Religiosos IN 4.6.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.83013846. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/83013846/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_83013846_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.
877
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Evangelico do PMDB. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020041. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020041/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020041_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
590
iniciaram sua penetração política já na década de 1960, seguindo para a Câmara Federal
em tempos mais recentes, sugerindo um processo, amadurecido com o tempo, de projeção
nacional de lideranças político-religiosas regionais878. Além das causas políticas e
econômicas sublinhadas na Parte I, essa marcha em direção à administração federal
provavelmente se liga à evolução natural desse processo de maturação e projeção.
Embasando esta conclusão, notou retrospectivamente a Secretaria de Assuntos
Estratégicos da presidência da República que a “década de 70 registrou um crescimento
sem precedente das Seitas Pentecostais no país. Conscientes da força política adquirida,
elas passaram a buscar representação própria”879, deixando de “recorrer a políticos de
Igrejas Protestantes tradicionais - como a Presbiteriana e a Batista - para defender seus
interesses”. Ou seja, a intensificação da partidarização pentecostal da década de 1980
reflete a simultânea consolidação do enraizamento dessas organizações em solo
brasileiro, que naquela altura mantinham seguidores suficiente e pastores adequadamente
populares para emplacar um número maior de candidaturas.
Assim, já em 1982 sublinhava o SNI que das 177 cadeiras na Câmara Municipal
de São Paulo dez estavam ocupadas por evangélicos “ou pessoas de formação
evangélica”880, e que o vereador Gilberto Nascimento Silva, da Assembleia de Deus,
eleito pelo MDB, conquistou quase quarenta mil votos, vindo a ser o 11º mais votado. Já
na Câmara estadual, seis evangélicos se faziam presentes: Álvaro Alfredo Fraga Moreira,
do PDS, membro da Igreja Presbiteriana do Brasil; Ary Kara José, do PMDB, da Igreja
Presbiteriana Independe; Ademar de Barros, do PDS, metodista; Fausto Auromir Lopes
Rocha, do PDS, batista; Manoel Moreira de Araújo, do PMDB, membro da Assembleia
de Deus; e Carlos Alberto Eugênio Apolinário, do mesmo partido e Igreja. Já no
Congresso nacional, chamava-se atenção para a presença de três evangélicos enviados
por São Paulo: Francisco Dias Alves, da Igreja Presbiteriana Conservadora, eleito pelo
PMDB com quase oitenta mil votos; Rafael Gióia Martins Júnior, um batista do PDS; e
Estevam Galvão de Oliveira, metodista filiado ao PDS.
878
Como por exemplo no caso de Geraldino dos Santos, que, antes de deputado estadual, foi vereador em
São Paulo. Outro bom exemplo é o batista Fausto Auromir Lopes Rocha, deputado estadual pela Arena em
1978 e 1982 e eleito deputado federal em 1986, como vimos com o apoio financeiro da Igreja da Unificação.
879
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.EEE.900023963. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900023963/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_900023963_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
880
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Grupos Religiosos IN 4.6.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.83013846. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/83013846/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_83013846_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.
591
Sem fazer qualquer tipo de juízo, o SNI limitava-se a registrar o avanço político
evangélico. O mesmo, contudo, não pode ser dito sobre a ala católica progressista, objeto
do mesmo documento, responsável por constantes “críticas à política governamental”
sobretudo nos temas “Lei de Segurança Nacional”; “Eleições de Nov. 82”, “Mordomias”;
“Índios”; “Posseiros”; “Ausência de participação do trabalhador na vida nacional”;
“Desemprego”; “Falsificações de cunho ideológico”; “Comunicação Social”; “Reforma
Agrária”; “Direitos Humanos”; e “Lei dos Estrangeiros”. Tais demandas continuariam
“tendo como instrumento eficaz de propulsão as Comunidades Eclesiais de Base (CEB),
ao lado da Comissão de Justiça e Paz (CJP)”.
Se em 1963 José Quirino de Freitas Filho creditava sua eleição à popularidade
obtida como secretário da Assembleia de Deus e Geraldino dos Santos justificava o
lançamento de sua candidatura pelo “insistente apelo dos pentecostais”881, em princípios
dos anos 1980 as igrejas pentecostais continuaram apoiando firmemente candidatos
próprios com campanhas ostensivas no interior de templos. Segundo informado em
novembro de 1982 pela Delegacia em Juiz de Fora da Polícia Federal, o líder da Igreja do
Evangelho Quadrangular, Mariano Júnior, após culto, “pediu alguns minutos de atenção
aos ouvintes, fazendo em seguida propaganda política” para os candidatos a deputado
federal e estadual, pelo PMDB, Mário de Oliveira e Antônio Alves. Distribuindo
panfletos, o pastor dissera “Estes são irmãos, por que votar em um estranho?!” 882. Ainda
em novembro de 1982, a IEQ de Juiz de Fora distribuía um folheto com o título “Eleição”,
onde insinuava um paralelo entre o pleito que se aproximava e a eleição divina dos
cristãos para a salvação espiritual do mundo. Dizia o papel:
881
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 1M.0.0.6357. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/6357/BR_DFANBSB_1M_0_0
_6357_d0009de0018.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2021.
882
ARQUIVO NACIONAL. Delegacia de Polícia Federal em Juiz de Fora (Minas Gerais). Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB HE.0.IVT.0071. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_he/0/ivt/0071/br_dfanbsb_he_0_ivt_0071_d0
001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.
592
Anexa ao mesmo dossiê, numa “Carta Aberta” ao povo mineiro distribuída por
Mário de Oliveira, este se apresentava como confiável para o depósito do voto, afinal,
“Ninguém melhor do que um homem de minha condição de Pastor de Almas, para
conhecer de perto os problemas do povo”. Comprometia-se a contribuir nos “muitos
muros por edificar no campo da saúde, da educação, do mercado de trabalho, da justiça
social” “e principalmente na defesa dos ideais do povo cristão evangélico do Brasil,
muitas vezes marginalizados, não consultados, e desprezados na hora das grandes
decisões do interesse evangélico brasileiro” (SIC).
Formado em Teologia pelo Instituto Brasileiro do Evangelho Quadrangular em
1986, o pastor Oliveira acumula sucessivos mandatos de deputado federal, até hoje
atuando no interior da bancada evangélica. Com passagem pelo PMDB, PP e PPB,
presentemente vincula-se ao PSC. Foi presidente nacional da Igreja do Evangelho
Quadrangular entre 1996 e 2008; diretor e redator da Revista Quadrangular; secretário
executivo estadual da IEQ; e fundador das Casas de Recuperação para Mulheres e Jovens
Viciados da Igreja do Evangelho Quadrangular em Belo Horizonte - MG. É também
membro do Conselho Nacional de Diretores da Igreja do Evangelho Quadrangular. Em
2013, o STF abriu inquérito para apurar suspeitas de seu envolvimento em ameaça, desvio
de recursos públicos, corrupção de testemunhas, sonegação fiscal e tentativa de
homicídio.
Em princípios dos anos 1980, o PDS foi a sigla predileta de políticos pentecostais
e evangélicos conservadores de maneira geral, situação que mudaria rapidamente ao
longo do decênio com a sua deterioração e a escalada meteórica do PMDB. Essa filiação
é visível entre muitos dos parlamentares religiosos destacados pelo SNI em 1982 e no
total comprometimento que a sigla recebia de algumas igrejas, como por exemplo a
obscura883 Igreja pentecostal Assembleia dos Santos, sediada em Belo Horizonte, cujo
líder, o “patriarca” Amantino Ribeiro Neto, lançou-se a governador nas eleições de 1982.
Buscando reforçar sua intimidade com os cabeças do regime, Amantino escreveu
para João Figueiredo em setembro de 1982, agradecendo recorrentes visitas do ditador a
883
Poucas informações sobre esta Igreja foram apuradas na pesquisa bibliográfica e documental.
593
Minas Gerais e renovando votos de confiança na sua “capacidade administrativa” 884 “para
deter com urgência a maneira selvagem da oposição fazer política”. No mesmo ano
corriam eleições municipais, e para estas a Assembleia dos Santos também apresentava
candidatos pelo PDS, como Petrônio da Silva Gomes e José Vitoriano Diniz. Este último
escreveu para Amantino em trinta de agosto pedindo uma maior ajuda do patriarca “no
sentido de conseguirmos número maior de votos” pois “a vitória do Partido será sempre
a vitória do grande brasileiro João Figueiredo”.
Importante quadro do PDS no estado, Amantino foi o nome do partido para a
eleição ao executivo de Belo Horizonte alguns anos depois, em 1988. Segundo o SNI, a
aproximação do PDS com os evangélicos significava “uma tentativa da direção partidária
com a finalidade de se conseguir um melhor desempenho nas urnas”885 num estado onde
o partido encontrava-se enfraquecido.
Além das ligações com o mundo partidário, saltam aos olhos outras características
da Assembleia dos Santos em comum com as demais organizações religiosas pentecostais
surgidas no período. Prenunciando a criação de milícias religiosas, como os Gladiadores
do Altar, grupos de jovens com treinamento de inspiração militar dispostos a travar
batalhas pela IURD, a Igreja foi acusada em 1995 de formar um “grupamento paramilitar”
(POLÍCIA apreende nove fardas em igreja evangélica, 1995). Conforme noticiado pela
Folha de São Paulo, a polícia de Minas Gerais apreendeu “fardas e adesivos”, guardados
pelo “patriarca”, que indicariam a criação de uma milícia privada. Amantino, porém,
respondera que estaria, sim, organizando um “Grupamento Evangélico de Guarda Civil”,
com a ajuda de “pessoas da igreja que são ex-policiais”, mas que se tratava de organização
legal, já registrada, aguardando apenas a concessão de alvará de funcionamento. Em
1991, contudo, o pastor já havia sido condenado a um ano de prisão “por formar uma
guarda mirim e entregar armas de fogo para crianças e adolescentes”, caso que não passou
despercebido pelas esferas governamentais superiores. Em maio daquele ano, escreveu a
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República que os soldados mirins
do “patriarca” costumavam desfilar pelas ruas do bairro belo-horizontino de Pompéia “em
884
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Código de Referência: BR
DFANBSB JF.JBF.0.103. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0103/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0103_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.
885
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Convenção Municipal do Partido
Democratico Social, PDS MG. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.88013927.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ooo/88013927/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ooo_88013927_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.
594
886
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.OOO.910016254. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ooo/910016254/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ooo_910016254_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
887
Talvez querendo frisar supostas qualidades, Amantino se apresentava como “Adamantino”, termo se
significa resistente, rígido.
888
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.MMM.920016796. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/920016796/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_920016796_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
595
889
Ainda que provavelmente não fossem maioria no partido, conforme Trabuco (2015, p. 258), o PMDB
recebeu bom número de religiosos progressistas.
596
890
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Publicações sobre o Posicionamento do
Deputado Federal João de Deus Antunes, PDT. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/87014365/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_87014365_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
891
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/87063733/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_aaa_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 28 maio 2021.
892
Com a exceção da parlamentar Benedita da Silva. Esta, embora membro da Assembleia de Deus, logo
afastou-se da bancada evangélica. Outro “ponto fora da curva” foi o também assembleiano José Fernandes,
eleito pelo PDT.
597
ao montante dos candidatos católicos, dos quais 47,37% lançaram-se pelo PT893. No que
se refere ao total de candidatos religiosos em todos os partidos, entretanto, o SNI indica
já em 1988 uma prevalência evangélica, de 44,23% contra 36,54% de católicos. Notava-
se também que “a maioria optou pela vereância” 894, 59,61%, enquanto 36,54% foram
candidatos às prefeituras. Já entre os pentecostais membros da bancada evangélica em
1987, é possível observar que o PMDB trouxe sete deles, tendo logo atrás o PFL e o PTB,
ambos com três cada um, e o PDC, com dois deputados. Prevalecem, portanto, partidos
que podem ser caracterizados como centro-direita (PMDB, PDC895) e direita (PFL896,
PTB897).
Vindo a conformar-se como o partido governista por excelência, o vínculo de
muitos políticos evangélicos ao PMDB pode ser compreendido como sintoma do
interesse dessas igrejas em permanecerem em contato com as esferas governamentais
superiores. Preferência que se remete, também, ao fato de ter a legenda se tornado de
longe o maior partido político do país898, com amplo espaço de propaganda eleitoral
gratuita no rádio e na TV.
A robusta estrutura eleitoral do PMDB contava inclusive, em estados como Goiás,
com um Movimento Democrático Evangélico - MDE, segundo o SNI um “órgão de
cooperação partidária, regido pelo Programa e Código de Ética do PMDB/GO” 899. Em
termos concretos, ali se procurava “Defender os interesses e ideais da comunidade
893
De fato, 69,23% de todos os candidatos religiosos do PT eram católicos, dos quais 61,54% eram padres.
894
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos nas Eleições
Municipais de Nov 88. SE142 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88068868.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/88068868/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_88068868_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
895
O Partido Democrata Cristão - PDC foi fundado em 1985 por Mauro Borges Teixeira, político goiano
egresso do PMDB. Um dos seus membros mais proeminentes foi José Maria Eymael, como vimos eleito
deputado federal por São Paulo em 1986 com o apoio da Igreja da Unificação. Foi extinto em 1993 quando
fundiu-se ao PDS para originar o Partido Progressista Reformador - PPR.
896
O Partido da Frente Liberal - PFL foi fundado em 1985 a partir de defecções do PDS, partido de
sustentação da ditadura em seus últimos dias.
897
A legenda Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, o mais importante partido de tons populares pré-1964,
foi objeto de disputa entre Leonel Brizola e Ivete Vargas. Esta última acabou se dando melhor diante da
Justiça eleitoral, imprimindo à recente edição do PTB uma orientação completamente diferente da
pretendida por Brizola, vindo a abrigar expoentes da direita política, como Jânio Quadros e Roberto
Jeferson. Sob o comando da sobrinha de Getúlio Vargas o partido voltou a funcionar em 1981.
898
Nas eleições para os governos estaduais de 1986 o PMDB obteve uma vitória acachapante, vencendo
em todos os estados do país, exceto em Sergipe, onde Antônio Carlos Valadares, do PFL, foi o eleito.
899
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Posse da Executiva Regional do
Movimento Democratico Evangelico do PMDB GO. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.88011816. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/88011816/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_88011816_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
598
900
Sobre ele pouco pôde ser apurado, mas constatei que, atualmente, Jacó compartilha na rede social
Facebook material de extrema direita, por exemplo pedindo um novo golpe militar e a extinção do Partido
dos Trabalhadores.
901
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos nas Eleições
Municipais de Nov 88. SE142 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88068868.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/88068868/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_88068868_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
902
O documento não esclarece quais igrejas compõem esse grupo, mas, por eliminação, imagino que ele se
refira às protestantes históricas.
599
903
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confederação Evangélica do Brasil.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020924. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020924/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020924_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
904
Ilustrativo de sua grande circulação, o livro recebeu cinco edições, segundo informações colhidas na
página da Academia Evangélica de Letras do Brasil. Posteriormente relançado em versão compacta e
atualizada, teria tido mais três edições.
600
Billy Graham, entidade organizadora das turnês do batista fundamentalista por todo o
mundo, fato também significativo de suas conexões com porções internacionais do
Partido da Fé Capitalista, expresso também pelas muitas vezes que representou o Brasil
nas convenções internacionais da Gideões Internacionais, fundada nos Estados Unidos
em 1899 e dedicada a distribuição gratuita de Bíblias em mais de duzentos países905.
Segundo a página da Gideões, seus membros restringem-se a “homens de negócios
cristãos e profissionais acima de 21 anos, ou homens de negócios e profissionais
aposentados” (FREQUENTLY Asked Questions, [s.d.]). E por falar em negócios, de
acordo com a Academia Evangélica de Letras, formado em Administração Bancária e
Financeira, na PUC, e em Administração de Recursos Humanos, na FGV - RJ, Sylvestre
atuara, também, como “executivo de grupos financeiros e empresariais” (CADEIRA 40,
[s.d.]). Atualmente, é professor da Escola Bíblica Dominical do Templo Central da
Assembleia de Deus em Curitiba - PR.
Dona do maior número de parlamentares evangélicos eleitos em 1986 e, como
vimos, emplacando deputados estaduais desde ao menos 1962, a Assembleia de Deus foi
ponta de lança no alargamento do espaço partidário pentecostal. Para tanto, somavam-se
à iniciativa de Josué Sylvestre ações de outros líderes assembleianos, como o presidente
da Igreja de Belém, Paulo Machado, que durante culto no Templo Central apresentou dois
candidatos oficiais da Igreja à Câmara federal, Eliel Rodrigues e Mario Freitas,
enfatizando a importância do voto em fiéis nas eleições de 1986 (CHESNUT, 1997, p.
154).
Papel importante na alavancagem partidária evangélica, articulando as diferentes
igrejas interessadas, teve a ressurreta Confederação Evangélica do Brasil - CEB. Fundada
em 1934 e praticamente abandonada após atravessar muitas dificuldades nos anos
ditatoriais, a organização foi revitalizada em 1986, quando, segundo o SNI, “a
comunidade evangélica sentiu que era chegado o momento de unir forças com vistas a
uma representação constituinte legítima”906. Uma nova diretoria foi eleita em junho de
1987, composta de muitos evangélicos recém-eleitos, como Gidel Dantas, seu presidente;
Salatiel Souza, o 1º vice-presidente; Fausto Auromir Lopes, 3º vice-presidente; Daso
905
A organização destaca-se pela doação de Bíblias a hotéis. Quem nunca se deparou com um exemplar do
livro na mesa de cabeceira de habitações onde se hospedou?
906
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confederação Evangelica do Brasil, CEB
Gidel Dantas Queiroz e Outros. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.88004262.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/88004262/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_88004262_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
601
907
De acordo com Zózimo Trabuco (2015, p. 294), apesar de manter em seus quadros muitos protestantes
históricos, a nova CEB era hegemonizada “pelas lideranças pentecostais, principalmente da Assembleia de
Deus”.
908
A LBA foi uma organização de assistência fundada em 1942. Na ditadura, foi transformada em fundação,
passando a se vincular ao Ministério do Trabalho e Previdência Social. Durante a Constituinte, a LBA ainda
era um órgão do Estado restrito brasileiro, ligada ao Ministério da Previdência Social. Foi extinta em 1995.
909
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confederação Evangelica do Brasil, CEB
Gidel Dantas Queiroz e Outros. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.88004262.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/88004262/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_88004262_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
910
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da CAUSA no Brasil. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87060643. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87060643/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87060643_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
602
tempo, promover uma cruzada para expulsar ‘marxistas’ dos cargos ocupados no governo
federal e nas administrações estaduais”. Mas as incursões partidárias unificacionistas não
se resumiram ao financiamento de candidaturas, compreendendo também a organização
de encontros frequentes com mandatários de diversos partidos na década de 1980,
conforme visto no capítulo 9. Ainda, grupos de jovens unificacionistas procuravam
influenciar constituintes, segundo revelado pelos líderes de um dos tentáculos da Igreja,
a Associação do Movimento da Unificação para a Salvação da Pátria – AUSP, em jantar
com representantes do governo do Paraná em abril de 1988911.
911
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conferencia da Associação do Movimento
da Unificação do Povo para a Salvação da Patria, Curitiba PR. SE143 AC. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88067311. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/88067311/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_aaa_88067311_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2021.
603
912
Dirigido e composto por trabalhadores de inúmeras entidades sindicais, o DIAP procura acompanhar a
atividade legislativa no Brasil no que diz respeito sobretudo à transformação em norma das reivindicações
da classe trabalhadora. Neste espírito, a organização atribuiu a cada um dos constituintes notas que
refletiriam sua adesão aos interesses dos assalariados no interior da Assembleia. Tais notas foram
publicadas no livro Quem foi quem na Constituinte: nas questões de interesse dos trabalhadores (DIAP,
1988).
604
913
Oliveira morreu em 21 de outubro de 2020, quando cumpria o mandato de senador, vitimado pela
epidemia de COVID-19. Segundo matéria divulgada pelo G1, portal de notícias do Grupo O Globo, em
seus últimos meses de vida manifestou-se contra o isolamento social, medida recomendada pela
Organização Mundial de Saúde - OMS para a contenção da epidemia, e a favor do medicamento
Cloroquina, sem eficácia para o tratamento da doença (SENADOR morto por Covid, Arolde de Oliveira
defendia uso de cloroquina e era contra o isolamento, 2020).
914
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
915
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Perfil da Constituinte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87061031/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87061031_d0003de0003.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
605
916
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
917
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Perfil da Constituinte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87061031/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87061031_d0002de0003.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
606
918
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
919
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
607
920
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0002de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
921
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Perfil da Constituinte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87061031/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87061031_d0001de0003.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
922
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Perfil da Constituinte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87061031/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87061031_d0002de0003.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
608
923
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
609
1979. Conforme o SNI, teve “o apoio de quase todos os grupos religiosos - não católicos
- do Estado”924, exibia “tendências à direita” e era conhecido por seu anticomunismo.
Membro das subcomissões da Questão Urbana e Transporte e da União, Distrito Federal
e Território, teve nota 5,25 atribuída pelo DIAP. Votou contra a limitação do direito de
propriedade privada, a remuneração superior para o trabalho extra, a jornada semanal de
quarenta horas, a estatização do sistema financeiro e a criação de um fundo de apoio à
reforma agrária (GIDEL DANTAS DE QUEIROS, [s.d.]).
A adventista Eunice Mafalda Michiles, antes de debutar na Câmara federal, foi
deputada estadual no Amazonas pela ARENA, entre 1974 e 1978, suplente de senadora
em 1978 e senadora em 1979. Do governador amazonense do PDS, José Lindoso, foi
secretária do Trabalho e Serviço Social e diretora do Departamento de Assistência da
Previdência Social. Com ficha ideológica limpa, tinha apenas uma observação no campo
psicossocial: os serviços de inteligência registravam que em 1973 ela se manifestou
favorável ao divórcio. Notava-se também uma falha administrativa, em 1964 fora
exonerada do cargo de professora da rede estadual do Amazonas, “com base no AI-1”925,
por ter falsificado documentos “para fins de prestação de contas”, quando trabalhou no
Departamento de Assistência e Previdência Social de Maués - AM, demissão revertida
em 1972 pela Justiça do Amazonas. Sua carreira política em muito se sustentaria no
“apoio da classe evangélica” e nas conexões de seu marido, Darcy Michiles, ex-deputado
estadual. Manifestava-se “contra o aborto e favoravelmente a um programa de
planejamento familiar cristão”. Votou contra a limitação do direito de propriedade
privada, a remuneração superior para o trabalho extra, a soberania popular, a proibição
do comércio de sangue e a desapropriação de propriedade produtiva, também
concordando com a participação das multinacionais onde o capital nacional fosse
insuficiente (EUNICE MAFALDA MICHILES, [s.d.]). Obteve apenas 1,5 em seu
trabalho constituinte segundo o DIAP.
924
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
925
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
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Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
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Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
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Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
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Ruralista no Rio de Janeiro e Espirito Santo. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
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Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
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Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.8706373.
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Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
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614
939
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.8706373.
Disponível em:
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ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Publicações sobre o Posicionamento do
Deputado Federal João de Deus Antunes, PDT. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.GGG.87014365. Disponível em:
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ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_87014365_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
615
várias cidade gaúchas e nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Goiás. Em
janeiro de 1987 escreveu ao general Edson Boscacci Guedes, do Comando Militar do Sul,
manifestando interesse em alargar o espectro de atuação das forças armadas, na
contramão do que se propunha ao longo do processo de redemocratização. Dizia que “o
chamado “retorno aos quartéis”’ significaria um “isolamento social, contraproducente à
idéia de integração da sociedade”, sugerindo, ao contrário, “uma ampliação generosa” do
papel social das forças armadas, constituídas por uma “elite cultural” imprescindível para
a condução dos assuntos nacionais. Participando da Subcomissão dos Direitos dos
Trabalhadores e dos Servidores Públicos da Comissão da Ordem Social na Constituinte,
teve nota 6,0, no DIAP. Votou contra a limitação do direito de propriedade privada, a
estabilidade no emprego, a estatização do sistema financeiro, a proibição do comércio de
sangue, a criação de um fundo de apoio à reforma agrária e a desapropriação da
propriedade produtiva (ANTUNES, JOAO DE DEUS, [s.d.]).
Outro adepto da Assembleia de Deus, José de Oliveira Fernandes, antes de eleger-
se pelo PDT em 1986, foi prefeito de Manaus em 1979 e deputado Federal pela Arena em
1978, candidato mais votado do partido no estado, e em 1982 pelo PDS. Acumulava
ampla experiência administrativa no Amazonas, atuando como assessor financeiro e
diretor-geral do Departamento de Estradas e Rodagens - DER, entre 1970 e 1971 e em
1975, e secretário dos Transportes no governo de Enoque Reis, da ARENA, entre 1975 e
1979. Ideologicamente irreparável, teria passado do PDS para o PDT apenas para
“ampliar seu espaço político”941 e disputar as eleições de 1982 para o governo do
Amazonas. De maneira surpreendente, sua atuação constitucional em matérias
econômicas e trabalhistas se mostrou muitas vezes divergente da do restante da bancada.
Votou a favor da limitação do direito de propriedade privada, da remuneração superior
para o trabalho extra, da jornada de trabalho de quarenta horas, do turno ininterrupto de
seis horas, do aviso prévio proporcional, da nacionalização do subsolo, e da
desapropriação da propriedade produtiva (JOSE DE OLIVEIRA FERNANDES, [s.d.]).
Apesar disso, sua nota no DIAP não foi estelar, marcando apenas 6,25.
O também assembleiano José Viana dos Santos fora vereador pelo PMDB em Ji-
Paraná, Rondônia, entre 1977 e 1978, onde presidia o Diretório Municipal do partido,
941
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.8706373.
Disponível em:
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616
942
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Irrestrito ao Presidente Sarney. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.8706373. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
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943
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Irrestrito ao Presidente Sarney. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.8706373. Disponível em:
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944
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Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020924. Disponível em:
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ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020924_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
617
945
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Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.8706373.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
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946
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.8706373.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
618
Deus”947, também “apoiado por outras seitas evangélicas”. Fato atestado pelo
Departamento de Polícia Federal de Santa Catarina, que o relaciona como um dos
religiosos eleitos com forte apoio de suas congregações. Segundo a PF, apesar de novato
na política, o pastor, ativo na cidade de Navegantes - SC, “contou com o apoio de
aproximadamente 50% dos fiéis dos quase 100 mil que frequentam sua Igreja” 948. Foi
membro da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher na
Constituinte e votou contra a limitação do direito de propriedade privada, a estabilidade
no emprego público, a remuneração superior para o trabalho extra, a jornada semanal de
quarenta horas, a nacionalização do subsolo e a desapropriação da propriedade privada
(ORLANDO CAMILO PACHECO, [s.d.]). Auferiu junto ao DIAP a nota 1,0.
O pastor assembleiano Salatiel Souza Carvalho foi outro que teria tido “votação
maciça de setores protestantes”949. Por seu carisma, foi escolhido pelo PFL “para atuar na
linha de frente da verdadeira guerra ideológica” contra a candidatura de Miguel Arraes a
governador de Pernambuco em 1986. Segundo o SNI, Carvalho chegou mesmo a afirmar
na TV que Arraes “defenderia a luta armada como instrumento de conquistas sociais”,
referindo-se a escritos que o ex-governador produzira na década de 1960. A polêmica
teria projetado Carvalho ainda mais entre o público conservador local, significando “um
reforço de sua votação”. Tal experiência eleitoral lhe valeria, mais tarde, a função de
“coordenador nacional da campanha de Collor entre os evangélicos” (MARIANO e
PIERUCCI, 1996, p. 203). Ainda conforme o mesmo papel do SNI, sua vitoriosa
campanha se baseou “numa dialética antimaterialista e cristã”. Reeleito em 1990, dois
anos depois a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República o
descrevia como defensor dos interesses empresariais e religiosos, observando ainda que
era sócio da Rádio Maranata, em Recife - PE, de propriedade do seu sogro, o também
947
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.8706373.
Disponível em:
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da Igreja no Parana, SS14 ACT. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.87006992.
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949
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.8706373.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0002de0002.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
619
Aos olhos do SNI, alguns dos principais feitos dos evangélicos na Constituinte
foram a manutenção do ensino religioso nos currículos escolares, “a derrota da pretensão
das esquerdas de excluir o terrorismo dos crimes inafiançáveis”951, a inclusão no
preâmbulo da Constituição da declaração que a sua aprovação se dava sob a proteção de
Deus, e a rejeição da proposta de inclusão da pena de morte no código legal brasileiro 952.
Mais interessante para esta tese, porém, é a constatação, pelo próprio SNI, que “Os
evangélicos defendem, também os princípios que colocam, de um modo geral, o cidadão
mais importante que o Estado, como no liberalismo clássico”. O órgão notava ainda a
oposição tenaz que o grupo oferecia ao clero progressista, para os evangélicos equivocado
em “abordar questões de ordem ideológica, utilizando “palavras de ordem”, como se fosse
um sindicato, o que pode culminar com a mudança do sistema democrático e o
fechamento da própria Igreja, em decorrência de uma eventual mudança de regime” 953.
Neste ponto, vibravam eles a cansada corda do autoritarismo ateu socialista, bandeira
950
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.940077568. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940077568/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940077568_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
951
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confederação Evangelica do Brasil, CEB.
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020924. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020924/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020924_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
952
Neste ponto, a ação política dos religiosos conservadores no Brasil distingue-se da dos norte-americanos,
não sendo a abolição da pena de morte uma bandeira das organizações político-religiosas estudadas na Parte
II. Como hipótese, imagino que essa diferença possa reportar-se à distinta composição do público
evangélico nos dois países, apresentando os brasileiros poder aquisitivo muito inferior aos norte-
americanos, sendo, portanto, alvos majoritários da coerção estatal. Noto também que diversas igrejas
conservadoras brasileiras, como a Igreja Universal do Reino de Deus, conforme vimos no capítulo 8,
desenvolvem projetos pastorais em penitenciárias, dali retirando porção substancial de sua membresia.
953
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em: <
http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf >. Acesso em: 04 maio 2021.
620
954
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/87063733/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_aaa_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 28 maio 2021.
955
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Jeremias Soares de Oliveira. SS11 ARE.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.III.88008123. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/III/88008123/BR_DFAN
BSB_V8_MIC_GNC_III_88008123_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
622
para o PMDB em 1986, fato se deveu à ligação com o deputado Vigolvino Wanderley
Mariz, seu amigo íntimo, e com o governador Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo,
ambos também saídos do partido de sustentação da ditadura em direção ao de sustentação
do governo Sarney. Quando nomeado em 1986, atuava como assessor dos constituintes
da bancada evangélica que, desde a formação do bloco, “estariam gestionando para que
o mesmo assumisse um cargo nos escalões superiores do Governo Federal”.
5 – Conclusão
indicando conexões com setores empresariais, impõe que seja revista a versão segundo a
qual o voto evangélico em questões econômicas oscilou ao sabor de conchavos e
interesses pontuais. Não parece, em absoluto, ter sido este o caso. Impressão que as três
legislaturas seguintes, que veremos a seguir, apenas reforça.
624
CAPÍTULO 12
O retorno do voto direto e a consolidação da presença do Partido da Fé Capitalista
no Estado restrito
1 – Introdução
956
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos nas Eleições
Municipais 88, SS14 ABH. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.88014545.
Disponível em:
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ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos nas Eleições
Municipais de 15 Nov 88, Santa Catarina e Parana, set 88. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.88007815. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/88007815/BR_DF
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ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos nas Eleições
Municipais de Nov 88. SE142 AC. Disponível em:
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626
959
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos nas Eleições
Municipais, em Cuiaba MT e Campo Grande MS. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.MMM.88007941. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/88007815/BR_DF
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960
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação de Religiosos nas Eleições
Municipais de Nov 88. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.88016511. Disponível
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<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/88016511/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_88016511_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
961
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação de Religiosos nas Eleições
Municipais de Nov 88. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.88007087. Disponível
em:
627
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/88007087/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_88007087_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
962
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Pronunciamento de Parlamentares
Paraenses Quando da Votação da Emenda Figueiredo, Humberto Rocha Cunha e Outros. SS15. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.84004724. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/84004724/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_84004724_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
963
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conjuntura Politica no Estado do Para.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.86005885. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/kkk/86005885/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_kkk_86005885_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
964
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Primeira Convenção Regional do Partido
Democrata Cristão no Para, Eleição do Diretorio e da Comissão Executiva Regionais. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/88006675/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_88006675_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
628
965
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Centenário da Abolição em Belem PA.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.88006604. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/88006604/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_88006604_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
966
Ao contrário, Almeida demonstra que ele é um aspecto estrutural de uma dada sociedade, integrado à
sua organização econômica e política, uma vez que as instituições e alicerces ideológicos dessa sociedade,
como a filosofia, a ciência política, e as teorias do direito e da economia, “mantêm, ainda que de modo
velado, um diálogo com o conceito de raça” (ALMEIDA, S. 2019, posição 127-128). Sendo assim, seria o
racismo “a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum
tipo de anormalidade” (ALMEIDA, S. 2019, posição 132-133), como sugere o religioso quadrangular.
629
desses candidatos sairia pelo PMDB, sendo os restantes, por volta de um terço, filiados
ao PDS, PDT e PFL967. A preferência pelo PMDB surge também nas ações de Guaracy
Silveira, que, conforme outro papel do SNI, pressionava os candidatos de sua Igreja em
Ananindeua - PA “a não se candidatarem à prefeitura Municipal por outros partidos
políticos, que não sejam o PDC, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e outros,
perfilados como linha auxiliar do PMDB”968.
Já a Igreja Universal do Reino de Deus prosseguia em seus primeiros avanços
eleitorais, tendo emplacado em Salvador - BA o vereador Domingos Antônio Martins
Bonifácio, pelo PDC. Segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República o “Bom Domingos”969, “vice-presidente nacional da IURD”, teria sido
sufragado “basicamente com votos de seguidores da Igreja Universal”.
967
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Boletins Aconteceu no Mundo Evangelico.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.88016421. Acesso em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/88016421/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_88016421_d0001de0001.pdf>. Disponível em: 08 maio 2021.
968
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação de Religiosos nas Eleições
Municipais de Nov. 88. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.88006861. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/88006861/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_88006861_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
969
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB H4,MIC GNC.PPP.910011515. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ppp/910011515/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ppp_910011515_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 maio 2021.
630
Mello, do PRN, mais do que para qualquer outro. Assim, já no primeiro turno, o SNI
reparava numa “Preferência nos meios evangélicos pentecostais”970 por Fernando Collor
de Mello, o único que a poucas semanas das eleições contava com o apoio declarado desse
segmento, pelo menos no que dizia respeito ao distrito federal, região em que o
documento se concentrava.
Entre a Igreja Universal do Reino de Deus, por outro lado, o apoio a Collor foi
inequívoco e de primeira hora, tal como a franca hostilidade ao PT. Diante do crescimento
de Lula da Silva no segundo turno, Edir Macedo teria inclusive apelado para o dom
pentecostal da revelação para inflar a candidatura do “caçador de marajás”, que ameaçava
perder fôlego. Após jejuns e súplicas de iluminações, o Espírito Santo o teria indicado
Fernando Collor como o preferido de Deus, enquanto Lula não passaria de um Diabo
barbudo (TRABUCO, 2015, p. 349). O apoio entusiasmado da IURD compreendeu
inclusive convites a Collor para a participação em programas de rádio, panfletagens em
igrejas e cânticos como “O diabo na corda bamba, vamos collorir” (SILVA, E. 2002, p.
13). Também Mário Justino (2021, p. 97) confirma o furor iurdiano naqueles dias.
Testemunha ocular, conta o ex-pastor que durante o pleito de 1989 os cultos religiosos
“haviam se transformado em comícios eleitorais com o púlpito transformado em palanque
onde se revezavam os candidatos próprios da Igreja e os que eram apoiados pelo bispo”.
Abertas as urnas, o êxito de muitas dessas candidaturas teria confirmado a impressão de
que Macedo, de fato, era “um líder com extraordinário poder sobre seus seguidores”.
Já a Assembleia de Deus chegou a travar aproximações com Paulo Maluf, do PDS.
Sua presença foi documentada pelo SNI no Encontro das Escolas Bíblicas do Templo da
Igreja Assembleia de Deus, “onde cerca de 500 pastores de todo o País o receberam com
palmas e gritos de “aleluia, aleluia”’971. Apesar de conversas também terem ocorrido com
Ulysses Guimarães e Leonel Brizola, “o convite a Maluf foi especial, de acordo com um
dos pastores presentes”. Ali, o filho de libaneses Paulo Salim Maluf, ex-prefeito nomeado
pela ditadura em 1969, eleito governador por voto indireto em 1978 e candidato do regime
para as eleições presidenciais indiretas de 1985, “falou sobre sua identificação com os
970
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação Política de Grupos Religiosos.
SE143 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.90073651. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/90073651/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_90073651_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
971
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Resenha Política de 03 de Outubro de
1989. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.90073270. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/90073270/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_90073270_d0001de0004.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
631
evangélicos e, em tom emocionado, assegurou que sua maneira de orar todos os dias é
trabalhando, quando aproveitou para enumerar as obras realizadas em São Paulo”.
No segundo turno, contudo, os assembleianos foram com Fernando Collor. Anos
depois, o presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, José
Wellington, revelou que, diante da possível vitória de Lula, sua Igreja operou um
movimento nacional em prol do candidato do PRN. Manoel Ferreira, líder do Ministério
de Madureira, também se engajou, não poupando críticas a Lula, taxado de comunista e
portador de um programa de governo inspirado na Albânia (MARIANO e PIERUCCI,
1996, p. 205).
Já a Igreja do Evangelho Quadrangular limitou-se no primeiro turno a instruir seus
seguidores a evitarem os candidatos de esquerda Roberto Freire, do PCB; Lula, do PT;
Brizola, do PDT; e Mário Covas, do PSDB (TRABUCO, 2015, p. 350), formando nítida
opção por Fernando Collor no segundo turno. O pastor Daniel Marins e deputado estadual
em São Paulo, por exemplo, enviou mala direta para quase dois milhões de eleitores com
o texto 10 razões para não votarmos em Lula, pedindo voto para o cristão Fernando
Collor e enfatizando o radicalismo do petista, sua simpatia pela luta armada e tendência
a cercear as liberdades religiosas (TRABUCO, 2015, p. 353).
Mas apesar da posição oficial da Igreja, vozes dissonantes não deixaram de se
fazer ouvir, ainda que concentradas nos níveis hierárquicos inferiores. Foi o caso do
pastor Antônio Carlos Miranda, da IEQ de Assis - SP, que em entrevista ao jornal A
Gazeta de Assis, em agosto de 1989, dizia-se preocupado “com o perigo de um confronto
mais agressivo entre os presidenciáveis”972, que poderia dificultar a transição
democrática. Miranda tinha “medo de um novo golpe, idêntico ao violento golpe militar
de 64”. Entre os presidenciáveis, o único que recebia restrições do pastor era Roberto
Freire, do PCB, por ter-se declarado ateu, reparando, porém, que ‘“é melhor um ateu
honesto do que um religioso falso”’.
Outras igrejas evangélicas também se manifestaram favoravelmente a Collor. A
Igreja de Cristo, por exemplo, representada no Congresso Nacional por Gidel Dantas,
realizou grandes eventos partidário-religiosos no Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. O
próprio Dantas percorreu esses estados ao lado de seu irmão, Gineton Dantas de Queirós,
972
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Catolica e as Eleições Presidenciais.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.89022704. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/89022704/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_89022704_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
632
973
Os deputados eleitos em 1986, para a 48ª Legislatura, iniciaram seu mandato em 1º de fevereiro de 1987,
quase dois anos após o início do primeiro governo civil depois do golpe de 1964, em 15 de março de 1985.
Sendo assim, seus mandatos apenas terminaram em janeiro de 1991, um ano após o segundo governo civil,
de Fernando Collor de Mello. O mandato de Collor, entretanto, fora definido pela Constituição de 1988
com a duração de cinco anos, o que fez com que o fim da legislatura empossada em 1991 coincidisse com
o término do governo de Itamar Franco, vice-presidente que assumiu após a aprovação do impeachment de
Collor pelo Congresso em finais de 1992. A partir da 50ª legislatura, iniciada em princípios de 1995, porém,
os mandatos dos deputados federais passariam a coincidir com os dos presidentes da República, que tiveram
seus mandatos reduzidos para quatro anos pela emenda constitucional de revisão n. 5, aprovada em junho
de 1994.
634
974
Eleito em 1990 e nas duas subsequentes legislaturas.
975
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.QQQ.900004753. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/qqq/900004753/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_qqq_900004753_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
635
Estadual”, e do pastor Samuel de Castro Sá, do PSC, vereador em São Luís desde 1988.
Também a deputado estadual concorreu Edivaldo Holanda Braga, do PSC, “membro
influente da Igreja Batista” e candidato derrotado à prefeitura de São Luís em 1988. Os
batistas lançaram ainda o pastor Francisco das Chagas Barbosa Brandão, pelo PDC,
partido em que presidia o diretório regional.
No Ceará, o pastor Gidel Dantas tentava a reeleição, tendo trocado o PMDB pelo
PDC, legenda que, como temos visto, crescia na preferência dos políticos religiosos. A
mudança de sigla, no entanto, não dizia muita coisa, pois, como também vimos, segundo
o pastor-político quadrangular Guaracy Silveira, o PDC não passaria de “linha auxiliar”
do PMDB. À Câmara federal concorriam também o vereador, radialista e pastor da
Assembleia de Deus, Pedro Ribeiro Filho, pelo PSDB; Othoniel Silva Martins, pastor
presbiteriano e ex-conselheiro da CEB, do mesmo partido; Carlos Magno de Miranda,
pastor e dirigente da sede cearense da Igreja Universal do Reino de Deus, do PMDB; e o
bispo da Igreja Mórmon, Moroni Torgan, delegado da Polícia Federal e ex-secretário
estadual de Segurança Pública no governo de Tasso Jereissati, concorrendo pelo PDC. Já
para o Legislativo estadual candidatava-se Elpídio Nogueira Moreira, diácono da Igreja
Batista, filiado ao PSDB.
Após o pleito, em outro papel976 prosseguiu a Secretaria sua radiografia eleitoral.
Olhando a Bahia, destacava que a Igreja Universal do Reino de Deus emplacara o
deputado federal, Luiz Moreira da Silva, do PTB, “eleito com expressiva colaboração de
adeptos”977, e a deputada estadual Zelinda Novaes e Silva, no mesmo partido, “com cerca
de 12 mil votos, oriundos, na sua maioria, de fiéis da Igreja Universal”.
No Mato Grosso do Sul, o integrante da bancada evangélica, Levy Dias,
presbiteriano, teve sucesso em alçar voos mais altos. Elegendo-se para uma vaga no
Senado, pelo PST, acreditava a Secretaria que ele capitalizara sua “grande penetração
junto à Comunidade Evangélica”. Não teve a mesma sorte Elias Fernando Fontoura
Vieira, pastor auxiliar e vice-presidente da Igreja Assembleia de Deus de Belém, que quis
ser deputado federal pelo PST. Também da Assembleia de Belém, outro que tentou a
976
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.MMM.900009147. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/900009147/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_900009147_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
977
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.PPP.910011515. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ppp/910011515/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ppp_910011515_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 maio 2021.
636
Câmara federal sem sucesso foi Ademar Antônio da Silva, apesar de contar com “apoio
integral da comunidade evangélica” de Novo Mundo - MS, bem como de “parcela
considerável” dos seguidores de outras congregações. Já no Legislativo estadual,
concorreu pelo PRN Antônio Ferreira da Cruz Filho, mais um da Assembleia de Belém,
também agraciado “com apoio da Comunidade Evangélica do Estado”. Caso interessante
foi a candidatura de Ibrahim Amin Yeha, do PL, membro não da Assembleia de Belém,
como vimos incentivadora de longa data da participação eleitoral de pastores, mas do
ministério de Madureira, que segundo a Secretaria não pôde dispor do apoio oficial da
Igreja, pois, o presidente daquele ministério, Eliseu Feitosa de Alencar, embora não se
opusesse a candidaturas de companheiros de fé, não permitia campanhas eleitorais em
seus púlpitos. Por último, o batista Ozéias Luiz Pereira concorreu à reeleição na câmara
estadual pelo PST, procurando “firmar sua base de sustentação política junto aos
evangélicos”.
No Mato Grosso, o pecuarista Jaime Veríssimo Campos, candidato a governador
e coordenador da campanha de Fernando Collor de Mello em 1989, segundo a Secretaria
também vinha “tendo o apoio da Comunidade Evangélica em sua campanha”, terminando
eleito ainda no primeiro turno. Naquele estado, ao Legislativo federal candidatava-se pelo
PFL, também com o apoio evangélico, Itsuo Takayama, da Assembleia de Deus de
Belém, acompanhado dos também assembleianos e pefelistas Alacir Vieira Cândido e
Benedito Pinto da Silva, candidatos a deputado estadual. Também à Câmara estadual, a
Igreja Batista lançou Deuslírio Ferreira, do PRN, e a Adventista Luiz Mário do
Nascimento, do PDC.
A Secretaria notava, porém, uma dificuldade dos líderes evangélicos em
emplacarem seus candidatos nos dois Mato Grossos, onde ainda prevaleceria a ideia de
que “a política não foi feita para o crente”. Outro obstáculo seria a “falta de união
existente entre as Igrejas Evangélicas” dali.
Para o Rio Grande do Sul não temos os nomes de todos os candidatos, mas a
Secretaria informa que foram 14 evangélicos pleiteantes no Legislativo federal, com
apenas dois eleitos. Trata-se de João de Deus Antunes, reeleito, e Manoel Maria dos
Santos, “a maior autoridade da Igreja do Evangelho Quadrangular no Estado” 978. Vice-
978
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.GGG.900018007. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ggg/900018007%20/br_dfanbsb
_h4_mic_gnc_ggg_900018007%20_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
637
979
Dono do Grupo Onogás, que além do engarrafamento e distribuição de gás atua no setor bancário por
via da Onogás Crédito, Onofre financiaria a carreira política de sua esposa, Lídia Quinan, eleita deputada
federal e membro da bancada evangélica.
980
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.RRR.900013290. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/900013290/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_rrr_900013290_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
981
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.RRR.900013339. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/900013339/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_rrr_900013339_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
638
982
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.CCC.910020224. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/910020224/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_910020224_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
983
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.PPP.910011515. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ppp/910011515/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ppp_910011515_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 maio 2021.
639
984
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.EEE.900024207. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900024207/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_900024207_d0001de0001.pdf>. Acesso: em 09 maio 2021.
985
Fio-me, por exemplo, em lista publicada pelo jornal Folha de São Paulo, em 17 de setembro de 1995,
com os parlamentares naquele momento integrantes da bancada evangélica. Muitos dos quais já
frequentavam a Câmara desde 1991 e continuaram o fazendo na legislatura iniciada em 1999
(EVANGÉLICOS no Congresso, 1995).
640
seguem são precisas e extensas o suficientes para a análise das linhas gerais da atuação
evangélica na Câmara federal.
Na 49ª legislatura, eleita em finais de 1990, a bancada evangélica sofreu um
decréscimo, trazendo 23 parlamentares, número que subiu para 24 em maio de 1991, com
a posse de Eliel Rodrigues na vaga do deputado Manoel Ribeiro, do PMDB paraense.
Entre os reeleitos, além de Rodrigues, a bancada teve Costa Ferreira; Antônio
Jesus; João de Deus Antunes, que mudara para o PDS; Manoel Moreira; Matheus Iensen,
agora no PTB; Salatiel Carvalho; Mário de Oliveira, desta vez pelo PRN; Orlando
Pacheco; Arolde de Oliveira; Eraldo Tinoco; Fausto Auromir Lopes Rocha, que migrara
para o PRN; e Naphtali Alves de Souza.
Pela Igreja Universal do Reino de Deus, a que ganhou maior espaço, debutaram
Alberto Felipe Haddad Filho, pelo PRN - SP; Aldir Cabral, PTB-RJ; Luiz Moreira, PTB-
BA; e Odenir Laprovita Vieira, PMDB-RJ. A Assembleia de Deus manteve sua maioria,
reelegendo sete parlamentares e trazendo os novatos Benedito Domingos, PP-DF, e
Valdenor Guedes, PTB-AP. Outros estreantes foram Francisco da Silva, PDC-RJ, da
Congregação Cristã do Brasil; os luteranos Paulo Bauer, PDS-SC; Werner Wanderer,
PFL-PR; Hugo Biehl, PDS-SC; e o mórmon986 Moroni Torgan, PDC-CE.
A bancada ainda receberia um esforço esporádico do deputado constituinte Milton
Barbosa, suplente empossado em agosto de 1992. Barbosa, porém, passou pouco tempo
na Câmara, licenciado por longos períodos.
Em termos partidários vemos um recuo do PMDB. Se levarmos em conta as
palavras de Guaracy Silveira, porém, que indicam o PTB e o PDC como partidos de “linha
auxiliar” do PMDB, os que gravitam em torno deste partido ainda são maioria, somando
11 parlamentares no total. O PFL, cuja árvore genealógica remete ao PDS e à ARENA,
agremiações sustentadoras da ditadura, continua bem representado, com seis deputados.
A grande novidade, contudo, é a vinculação de três desses deputados ao novo Partido da
Reconstrução Nacional - PRN, do recém-eleito presidente Fernando Collor de Mello. A
maioria da bancada vinculava-se, portanto, a grupos políticos sustentadores dos últimos
três governos federais, atestando a sua vocação governista no interior de um Estado
restrito dominado em todo o período pelo empresariado.
986
Apesar da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias não ser considerada uma denominação
evangélica, Torgan votou em bloco com o resto da bancada evangélica e aparece como seu membro,
inclusive, na página oficial da Câmara dos Deputados (FRENTE Parlamentar Evangélica do Congresso
Nacional, 2015).
641
987
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075829. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075829/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075829_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 maio 2021.
988
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075776. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075776/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075776_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 maio 2021.
989
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.960079105. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079105/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_960079105_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
642
evangélicos que faziam parte do Bloco da Economia Moderna, que será melhor visto
adiante.
Também iurdiano, dizia a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República que a eleição de Luiz Moreira da Silva se dera “com expressiva colaboração
de adeptos”990. Empresário, médico e militar, tinha em seu currículo a presidência da
Associação Baiana de Medicina e a vice-presidência da Associação de Pequenos e
Microempresários da Bahia. Formou-se em 1966 pela Escola de Aperfeiçoamento de
Oficiais do Exército, chegando a presidir o Conselho Permanente de Justiça do Exército.
Eleito pelo PFL baiano, tinha proximidade com Antônio Carlos Magalhães, tendo
dirigido o Departamento Nacional de Telecomunicações da Bahia entre 1985 e 1990. É
descrito pelo DIAP (2002, p. 65) como “Adepto da economia de mercado”, “contrário à
reforma agrária” e favorável ao ensino superior privado com “bolsas para os alunos
carentes”.
O pastor Odenir Laprovita Vieira, descrito na página da Câmara dos Deputados
como comerciário, empresário e agricultor (LAPROVITA Vieira, [s.d.]), era outro nome
da IURD. Ainda segundo a Câmara, Vieira fora também militar, constando o exercício
da função de paraquedista do Exército em data indeterminada. Já na edição de cinco de
junho de 1992 do jornal Tribuna da Imprensa, é apontado como diretor, e elo de Edir
Macedo com esta empresa, da Unifacturing/Uniparticipações, atuante no mercado de
compra de duplicatas e que em 1991 teria comprado o Banco Dime, que “segundo
informações que circulam no mercado financeiro de São Paulo” (RELIGIOSO já tem o
seu banco, 1992, p. 5) passara ao controle do líder da Universal. Envolvido também nas
negociações para a compra da Rede Record, no momento de sua eleição presidia a IURD
e dirigia a Rádio Copacabana, de propriedade da Igreja. Já a Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República o descrevia como “Pastor evangélico e
empresário, defende os interesses de indústrias, religiosos e do setor de comunicações”991.
Outro entusiasta da pauta liberalizante, em abril de 1994, nas discussões no Congresso
sobre privatizações e a quebra de monopólios estatais, “criticou a falta de investimentos,
990
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.PPP.910011515. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ppp/910011515/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ppp_910011515_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
991
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075829. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075829/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075829_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
643
992
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Código de Referência: BR DFANBSB H4,TXT CEX.1968. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/txt/cex/1968/br_dfanbsb_h4_txt_cex_196
8_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
993
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075827. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075827/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075827_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
994
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075829. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075829/br_dfanbsb_h4_
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644
995
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075450. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075450/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075450_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
996
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075704. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075704/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075704_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 maio 2021.
645
997
Após a reabertura ilegal da estrada em 1997, a UNESCO colocou o Parque Nacional do Iguaçu na lista
de patrimônios mundiais em risco, dali removido apenas em dezembro de 2001 com o seu fechamento
definitivo.
998
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.NNN.910009096. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/nnn/910009096/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_nnn_910009096_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
999
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075829. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075829/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075829_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
1000
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DF ANBSB H4,MIC GNC.DIT.940078119. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940078119/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940078119_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
646
legislação mais dura contra o tráfego de entorpecentes”1001 e que votara contra o governo
Collor na maioria das votações até então.
1001
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075829. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075829/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075829_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
1002
Uma das medidas integrantes do pacote de estabilização econômica batizado como Plano Collor 1, em
16 de março de 1990 o governo federal bloqueou, pelo prazo de um ano e meio, quantias superiores a 50
mil cruzados depositadas em cadernetas de poupança e contas correntes. Com isso, pretendia-se limitar o
dinheiro circulante, visando frear a inflação. A medida não apenas não logrou êxito como redundou em
graves prejuízos para boa parte da população, privada de suas economias.
1003
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075772. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075772/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075772_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021; e ARQUIVO NACIONAL.
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075031/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075031_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
1004
A secretaria, entretanto, parece ter esquecido Naphtali Alves de Souza, que não aparece nas listas.
647
8 - As eleições de 1994
1005
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075829. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075829/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075829_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 maio 2021.
1006
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.PPP.910011515. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ppp/910011515/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ppp_910011515_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 maio 2021.
1007
Cotação em 16 de outubro de 1991, data provável da redação do documento.
1008
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.950078736. Disponível em:
648
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/950078736/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_950078736_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
1009
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.940077267. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940077267/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940077267_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
1010
Vemos aqui a continuidade da retórica ventilada no interior dos encontros financiados pela Igreja da
Unificação, nos documentos Santa Fé I e II e no relatório Rockefeller, segundo a qual as esquerdas
manteriam uma ofensiva ideológica em vários níveis. É um prenúncio também de uma bandeira hasteada
com progressiva intensidade pela extrema direita brasileira em tempos mais recentes, por exemplo alegando
a presença de propaganda política no interior das salas de aula a fim de cercear a liberdade de expressão de
professores e professoras e imprimir ao ensino brasileiro seu próprio viés ideológico.
1011
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.950078736. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/950078736/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_950078736_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
649
1012
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.950078803. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/950078803/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_950078803_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
1013
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.960079184. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079184/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_960079184_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
1014
Conforme Zózimo Trabuco (2015, p. 357), a Associação Evangélica Brasileira - AEVB, dirigida por
Fábio, foi uma importante organização ligada à Teologia da Missão Integral, “preocupada com a
representação dos evangélicos diante da opinião pública após os escândalos da bancada evangélica na
Constituinte e no apoio à eleição de Collor”.
650
inaceitável que se faça política em nome da fé ou da igreja” 1015. Os encontros com Fábio,
segundo a Secretaria em número de 15 apenas nos últimos dois anos, teriam levado a
campanha petista a intensificar aproximações com evangélicos em comitês a eles
dedicados, ativos desde a campanha de 1989.
A despeito desses esforços, o voto evangélico migrou, em sua maioria, para
Fernando Henrique Cardoso. Pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha entre 16 de
agosto e cinco de setembro de 1994 mostrou a preferência pelo tucano de 40,3 % dos
evangélicos, contra 18,6 % de Lula, obtendo o primeiro vantagem ainda maior entre os
pentecostais, 41,9 % contra 17,4 % (PIERUCCI e PRANDI, 1996, p. 227). Aqui, salta
aos olhos o fato de ambos os candidatos terem recebido entre os evangélicos um
percentual de votos menor do que aquele conseguido entre população total, 54,24%,
contra 27,07%. Do lado de FHC, uma explicação provável é o fato de Orestes Quércia,
como vimos apoiado pela Assembleia de Deus, ter atingido 8,3 % na pesquisa dos votos
evangélicos, quase o dobro dos 4,38% somados pelo TSE, havendo também muitos
indecisos, 13,8%. Já para Lula, a diferença certamente reporta-se à sua grande rejeição,
que chegou a 51,7% entre todos os evangélicos e 55,1% no meio pentecostal (PIERUCCI
e PRANDI, 1996, p. 236).
Tal como fizeram com Collor, os parlamentares religiosos foram leais aliados do
programa econômico liberalizante anunciado já nos primeiros momentos do governo
Fernando Henrique Cardoso. Conforme o Jornal do Brasil de 11 de abril de 1995, a
bancada evangélica visitara o presidente no dia anterior “para dar seu apoio às reformas
constitucionais” (LANCE-Livre, 1995, p. 6).
Conseguindo bons resultados no último pleito, o grupo aumentou para,
aproximadamente, 28 representantes. Em termos partidários, há desta vez uma grande
heterogeneidade, ainda que circunscrita ao universo de partidos conservadores, sem a
supremacia de qualquer legenda. O PFL e o PP são os preferidos, fazendo cada um seis
1015
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.940078073. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940078073/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940078073_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
651
deputados evangélicos, seguido de perto pelo PMDB, com cinco, e pelo PPR, com quatro.
Em termos confessionais, permanece a superioridade da Assembleia de Deus, que
contribuiu com nove deputados, enquanto a Igreja Universal do Reino de Deus crescia
rapidamente, elegendo outros seis, e os batistas continuavam fortes, com cinco membros.
Alto também foi o índice de reeleição, tendo voltado ao congresso 14 deputados
evangélicos. Foram eles Benedito Domingos, que passara para o PPB; Costa Ferreira;
Salatiel Carvalho, agora no PP; Valdenor Guedes, que mudara para o mesmo partido;
Laprovita Vieira, também agora pelo PP; Luiz Moreira, desta vez pelo PTB; Aldir Cabral,
que que passara também ao PTB; Francisco Silva, agora pelo PP; Mário de Oliveira,
idem; Eraldo Tinoco; Arolde de Oliveira; Hugo Biehl, que passou para o PPR; Paulo
Bauer, que trocou o PDS pelo PPR; e Werner Wanderer. Os estreantes foram os
assembleianos Carlos Apolinário, PMDB-SP; João Iensen, PTB-PR; Philemon
Rodrigues, PTB-MG; Raimundo Santos, PPR-PA; e Silas Brasileiro, PMDB-MG; os
iurdianos Paulo de Velasco, PSD-SP, Wagner Salustiano, PPR-SP, e Jorge Wilson,
PMDB-RJ; os batistas Carlos Magno, PFL-SE, Herculano Anghinetti, PSDB-MG, e
Lamartine Posella, PP-SP. A Igreja Presbiteriana fez os deputados Elias Abrahão, PMDB-
PR; José Carlos Lacerda, PPR-RJ; e Lídia Quinan, PMDB-GO. Um último estreante foi
Ildemar Kussler, PSDB-RO, mas sobre a sua filiação religiosa as fontes jornalísticas são
desencontradas, ora sugerindo que fosse membro da Assembleia de Deus, ora luterano.
A Câmara dos Deputados descreve a ocupação principal de Carlos Apolinário
como “Empresário” (CARLOS Apolinário, [s.d.]). De fato, o deputado era dono de uma
fábrica de produtos plásticos e posteriormente de empresas de rádio. Iniciou sua vida
política em 1983 como deputado estadual em São Paulo pelo PMDB, reeleito até 1995.
Na Câmara federal, foi vice-líder do PMDB entre 1995 e 1999, desempenhando o mesmo
papel no bloco formado pelo PMDB, PSD, PSL e PSC em 1996. Membro da Assembleia
de Deus, segundo o dicionário biográfico do CPDOC-FGV, a eleição de Apolinário em
1982 valeu-se do slogan “se Deus é por nós, quem será contra nós?” (CARLOS
ALBERTO EUGENIO APOLINARIO, [s.d.]). O mesmo dicionário repara que, apesar
de ligado ao líder político paulistano Orestes Quércia, Apolinário “alinhou-se ao governo
de Fernando Henrique Cardoso nas principais propostas de emendas constitucionais
encaminhadas ao Congresso pelo Palácio do Planalto em 1995”. Em entrevista a eles
concedida em maio de 1992, quando ainda era deputado estadual em São Paulo, Mariano
e Pierucci (1996, p. 207) destacam a aversão de Apolinário à esquerda e a sua participação
na eleição de Fernando Collor. Uma vez que “a esquerda no mundo todo proíbe a
652
liberdade religiosa”, Collor seria o candidato natural contra Lula, posto que “Os
evangélicos preferem muito mais viver num barraco e poder dizer que Cristo Salva, a
morar numa mansão e não poder dizer que Deus existe” (SIC).
Filho do ex-deputado federal Matheus Iensen, João Iensen começou como
deputado estadual no Paraná em 1991. Em 1994 resolveu concorrer para o Legislativo
federal, cargo ao qual o pai não tentara se reeleger, dele herdando, além do nome,
provavelmente muitos votos. Conforme a página da Câmara, era empresário do ramo
radiofônico, tal como o pai, aparecendo desde 1976 como sócio-cotista do Sistema Iensen
de Comunicações, empresa por trás da rádio evangélica Marumby (JOÃO Iensen, [s.d.]).
O pastor assembleiano Philemon Rodrigues inicia sua vida partidária em 1986
como diretor administrativo da Secretaria de Educação de Minas Gerais no governo de
Hélio Garcia, do PMDB. Prosseguiu empregado em cargos de confiança do governo
mineiro na gestão de Newton Cardoso (1987-1991) e no segundo mandato de Hélio
Garcia (1991-1995).
A carreira partidária do cantor da Assembleia de Deus, Raimundo Santos,
começou em 1984, quando assumiu a função de assessor jurídico da Prefeitura de
Paragominas - PA até 1986. Em seguida, foi deputado estadual no Pará pelo PFL em 1987
e em 1991, desta vez pelo PRN. Naquela Câmara, foi vice-líder do PFL entre 1987 e 1989
e do PRN entre 1989 e 1993. Advogado, representou o banco Bamerindus em
Paragominas entre 1985 e 1987 e foi presidente da Associação Comercial, Agrícola e
Pastoril da mesma cidade entre 1984 e 1986 (RAIMUNDO Santos, [s.d.]). Investigando
a aceitação do primeiro Plano Collor entre líderes partidários em abril de 1990, a
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República dissera que Raimundo
Santos, então na Assembleia Legislativa do Pará, era um dos parlamentares “que se
manifestam de forma incisiva em favor do plano”1016.
Conforme a página da Câmara administrador de empresas, agricultor, empresário
e pecuarista, o assembleiano Silas Brasileiro iniciou na política como prefeito da cidade
mineira de Patrocínio em 1989 (SILAS Brasileiro, [s.d.]). A Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência o descreveu como membro da Bancada ruralista “muito
1016
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.KKK.900007738. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/kkk/900007738/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_kkk_900007738_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 maio 2021.
653
ligado ao setor cafeeiro”1017. Também o DIAP (2002, p. 170) atestava que, durante seu
mandato, o “Grande cafeicultor de Patrocínio” votou com a bancada ruralista. Em tempos
mais recentes assumiu inclusive os cargos de diretor executivo e posteriormente
presidente do Conselho Nacional do Café. Em 2003 passou a atuar como secretário da
Agricultura Pecuária e Abastecimento no governo de Minas Gerais sob Aécio Neves, do
PSDB, indicado por Arlindo Porto, do PTB, ex-ministro da agricultura de Fernando
Henrique Cardoso. Como se verá adiante, o parlamentar tinha fortes ligações também
com o setor empreiteiro.
O pastor da Igreja Universal Paulo de Velasco, segundo a página da Câmara,
acumulava as funções de relações públicas, advogado, comunicador e empresário. Seu
primeiro mandato foi como deputado estadual em São Paulo pelo PST entre 1991 e 1995.
Transferindo-se para o PSD ainda em 1991, foi segundo vice-presidente da Executiva
Nacional deste partido em 1994, por ele também elegendo-se deputado federal no mesmo
ano. Passaria posteriormente para o PRONA, onde foi membro da Comissão Diretora
Regional Provisória em São Paulo, conseguindo um segundo mandato na Câmara federal
em 1998. Pouco depois, transfere-se para o PSL, partido do qual foi vice-líder entre 2000
e 2002. No ramo empresarial, foi diretor da empresa INTERPLAN, entre 1985 e 1989;
gerente de treinamento e comercial da Gold Invest, Indústria e Comércio de Ouro S.A.,
entre 1986 e 1987; e superintendente comercial da Zurich Trade do Brasil S.A., em 1987.
Já como comunicador, trabalhou em várias rádios e TVs no Rio de Janeiro, passando após
1987, quando torna-se pastor da IURD, a concentrar-se nos órgãos de informação da
Igreja. Assim, atuou de 1988 a 1989 na Rádio Copacabana; foi debatedor e comentarista
político no programa Record em Notícias; e diretor administrativo e financeiro da Rede
Record de Rádio e TV em 1990 (DE Velasco, [s.d.]). Conforme o dicionário biográfico
do CPDOC-FGV, Velasco foi, também, diretor do Lions Club do Brasil e vice-presidente
da Sociedade Pestalozzi (PAULO CESAR MARQUES DE VELASCO, [s.d.]),
organização filantrópica baseada em São Paulo que tem na Rede Record de Televisão
uma grande apoiadora.
O Iurdiano Wagner Salustiano, outro cuja ocupação atribuída pela página da
Câmara é a de “Empresário”, debutou no mundo partidário nas eleições de 1994, vindo a
1017
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.MMM.990017269. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/990017269/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_990017269_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 maio 2021.
654
ser vice-líder do PPR em 1995; do PPB, entre 1995 e 1997 e em 1999; e do Bloco PPB/PL,
entre 1996-1997 (WAGNER Salustiano, [s.d.]). O CPDOC-FGV acrescenta que
Salustiano era membro da direção estadual da IURD em São Paulo, além de coordenador
político da Igreja naquele estado. Teria cabido a ele a decisão de negar o apoio da
agremiação religiosa à Francisco Rossi, do PDT, nas eleições de 1996, aderindo à
candidatura de José Serra, do PSDB (VAGNER AMARAL SALUSTIANO, [s.d.]). Serra,
porém, não iria para o segundo turno e, entre Luiza Erundina, do PT, e Celso Pitta,
afilhado político de Paulo Maluf e candidato pelo PPB, ao que parece a preferência da
IURD recaiu sobre o último, que terminaria vitorioso. É o que sugere documento da
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, que em meados de 1999
examinava suspeitas de corrupção na Anhembi Turismo e Eventos, empresa pública
vinculada à Prefeitura de São Paulo. Conforme o papel, por volta de 15 funcionários
estavam prestes a ser indiciados por suspeitas de corrupção, entre eles Laércio do Amaral
Salustiano, Walter Salustiano e Andressa Salustiano, irmãos e filha do deputado federal.
Todos eram suspeitos de ser “fantasmas na Anhembi”, tendo Laércio revelado, em
depoimento, que foi indicado ao cargo de assessor técnico 2 da Anhembi por Paulo Maluf
em 19961018 “como uma espécie de recompensa por ter ajudado em sua campanha
eleitoral”1019. No Congresso, o DIAP (2002, p. 356) descreveu Wagner Salustiano como
um “governista” que “apóia incondicionalmente as teses e propostas de FHC” (SIC).
Último iurdiano debutante, Jorge Wilson de Matos se prestou, na Câmara, ao
papel de vice-líder do PMDB entre 1999 e 2001; do bloco PMDB/PSD/PRONA, entre
1998 e 1999; e do bloco PMDB/PTN, em 1999. Segundo matéria da Folha de São Paulo,
seu filho, Jorge Wilson de Matos Júnior, foi um dos iurdianos empregados por Aldir
Cabral em 1995, quando este ocupava o cargo de secretário estadual de Trabalho e Ação
Social do governo do Rio de Janeiro. Júnior chefiou o posto de Niterói do Sistema
Nacional de Empregos - SINE do Rio de Janeiro (FILHO, 1996).
O médico batista Carlos Magno Costa Garcia entrou na política em 1983,
empossado prefeito de Estância - SE pelo PDS, partido de sustentação da ditadura. Em
1990 faz-se deputado estadual naquele estado, agora pelo PFL. Em julho de 1995, a
1018
Prefeito de São Paulo entre 1993 e 1997, Maluf, não pôde se candidatar naquela eleição, trabalhando
para eleger seu sucessor, Celso Pitta. Provavelmente é a essa “campanha eleitoral” que Laércio do Amaral
Salustiano se refere.
1019
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.EEE.990026300. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/990026300/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_990026300_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 maio 2021.
655
1020
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.970079883. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/970079883/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_970079883_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 maio 2021.
1021
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.PPP.980011873. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ppp/980011873/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ppp_980011873_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 maio 2021.
656
suplente. Naquele espaço, foi vice-líder do PPB entre 1997 e 1999. É autor do livro O
Céu na Terra: um projeto de conquista (São Paulo: Naós, 1998) (LAMARTINE Posella,
[s.d.]), panfleto em defesa da tutela evangélica sobre a sociedade em geral.
O pastor da Igreja Presbiteriana Central Elias Abrahão, antes de entrar no
Legislativo, foi secretário municipal do Meio Ambiente em Curitiba, entre 1986 e 1988,
na prefeitura de Roberto Requião, do PMDB; coordenador do Meio Ambiente da
Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado do Paraná, entre 1989 e 1990, no
governo de Álvaro Dias, do PMDB; e secretário de Educação do Estado do Paraná, entre
1991 e 1994, nas gestões de Requião e Mário Pereira, ambos também do PMDB. Na
Câmara federal foi vice-líder do mesmo partido entre 1995 e 1996 e do bloco
PMDB/PSD/PSL/PSC, em 1996 (ELIAS Abrahão, [s.d.]).
O “Empresário” presbiteriano José Carlos Lacerda começou a frequentar o Estado
restrito em 1970, eleito vereador no Rio de janeiro pela ARENA. Transferindo-se para o
MDB, foi reeleito vereador e posteriormente empossado como deputado estadual.
Aderindo ao PFL, foi feito vice-prefeito da cidade fluminense de Duque de Caxias em
1988. Entre 1996 até sua morte em 1997, foi secretário de Desenvolvimento da Baixada
Fluminense e Municípios Adjacentes do governo do estado do Rio de Janeiro sob Marcelo
Alencar, do PSDB, permanecendo por pouco tempo, portanto, na Câmara federal (JOSÉ
Carlos Lacerda, [s.d.]).
Também presbiteriana, a “Empresária” Lídia Quinan não tinha experiência
partidária prévia. Não obstante, em Brasília, foi vice-líder do bloco PMDB/PSD/PSL
entre 1997 e 1999. É listada pela página da Câmara como vice-presidente da distribuidora
de gás em Goiânia - GO, Grupo Onogás, e da organização financeira Onocrédito S.A.
Quinan aparece ali também como membro do Conselho Consultivo do órgão patronal
Associação Comercial e Industrial de Goiás (LÍDIA Quinan, [s.d.]).
Ildemar Kussler também chegava “verde” ao Congresso. Na Câmara, cumpriu
apenas a metade do mandato, renunciando em janeiro de 1997 para assumir a prefeitura
de Ji-Paraná - RO. Sua vinculação religiosa não está clara, constando no dicionário
biográfico do CPDOC-FGV que foi professor na Universidade Luterana do Brasil, em Ji-
Paraná, mas aparecendo como membro da Assembleia de Deus em outros lugares
(KUSSLER, ILDEMAR, [s.d.]).
mais se preocupar com investimentos, que competem à iniciativa privada. Portanto, tem
de investir em saúde, educação, segurança e transporte”1022 e que ele e seus colegas de
partido entendiam “que os monopólios estatais devem realmente ser flexibilizados”.
A proposta foi, novamente, acolhida de maneira unânime pelos evangélicos, com
as mesmas ausências da votação anterior.
A PEC 6/95, aprovada em segundo turno na Câmara por 360 a 129, em vinte de
junho de 1995, e transformada na Emenda Constitucional n. 9 de 1995, avançou o
esvaziamento da Petrobrás e a maior abertura da economia brasileira ao capital
estrangeiro. Punha-se fim ao monopólio da estatal na exploração do petróleo em solo
nacional, permitindo à União contratar empresas privadas para as atividades de pesquisa
e extração e para o refino, a importação, a exportação e o transporte marinho de petróleo,
gás e derivados.
Desta vez não houve unanimidade. Apesar da maioria esmagadora da bancada
votar a favor, três membros se manifestaram contra, Philemon Rodrigues, Paulo de
Velasco e Elias Abrahão. João Iensen faltou à votação e os outros três deputados
evangélicos ausentes nas votações anteriores assim permaneceram pelas mesmas razões.
Mas apesar das discordâncias, nenhum parlamentar evangélico participou dos
debates que precederam a votação. Apenas dois deles pediram a palavra naquela sessão
legislativa, ambos para tratarem de outras questões.
José Carlos Lacerda manifestou-se para divulgar o livro Medicina Familiar: base
para um sistema de saúde no Brasil, assinado por Mário Barreto Corrêa Lima e editado
pela Escola Superior de Guerra - ESG, sugerindo uma possível ligação do deputado com
esse órgão. Segundo apresentado por Lacerda, uma das propostas principais do livro era
fazer frente ao problema da insuficiência de recursos públicos para o atendimento médico
das “populações carentes” a fim de garantir o cumprimento de “alguns dos Objetivos
Nacionais Permanentes” entre eles a “Paz Social e a própria Segurança Nacional”1023.
1022
Aqui vemos ecoar na boca do pastor iurdiano um dos principais argumentos de teóricos econômicos
liberais para o encolhimento do Estado: a suposta maior eficiência em atender os serviços básicos à
população quando liberado de investir nos setores produtivos, uma das razões alegadas para a venda das
empresas estatais.
1023
Tais Objetivos Nacionais Permanentes foram formulados pela Escola Superior de Guerra no interior de
sua Doutrina de Segurança Nacional. A DSN tem suas raízes na Guerra Fria, em muito baseando-se na
ideia de uma guerra total que levava em conta conflitos no campo ideológico dividindo o mundo entre áreas
de influência dos Estados Unidos e da União Soviética. A DSN teve importância fundamental para os
governos ditatoriais pós-64, tanto no que diz respeito à política interna como externa. Sua menção por
Lacerda indica a afiliação do parlamentar evangélico à linha doutrinária autoritária formulada pela ESG e
aplicada pela ditadura.
660
Arolde de Oliveira aproveitou para pronunciar-se sobre a PEC 3/95, que retirava
o monopólio estatal nas telecomunicações. Exortou os deputados a se “ocupar,
imediatamente, em dar consequências práticas a essa decisão” (DIÁRIO DO
CONGRESSO NACIONAL. Ano L, n. 103, 1995), ou seja, pedia celeridade na produção
de uma Lei Ordinária para “regulamentar a desregulamentação do setor de
telecomunicações”. Sobre a PEC, dizia que ela veio para remover empecilhos
constitucionais a “medidas modernizadoras”, permitindo a transição “do atual modelo
estatizado e monopolista para esse novo modelo de competição”. Frisou, ainda, que o
“setor industrial, que gera mais de cem mil empregos diretos e indiretos”, plenamente
preparado para a competição, alcançava “elevados níveis de produtividade”, praticando
“as normas internacionais de controle de qualidade”. Defendia também a necessidade de
revisão da estrutura tarifária corrente, em atenção à “remuneração do capital investido”,
a fim de “estimular investimentos”. Almejava, portanto, a construção de condições para
que vigorasse “um sistema de preços justo e estável, com a mínima interferência por parte
do poder concedente para que os efeitos da competição sejam os mais positivos
possíveis”. Mas seria apenas em dezembro de 1996 que o governo encaminharia ao
Congresso um projeto para a Lei Geral de Telecomunicações, sob a forma do PL
821/1995, que buscava regular a nova organização das telecomunicações e fixar
condições para a privatização do sistema Telebrás. Aprovado, transformou-se na Lei n.
9.472, endossada por Fernando Henrique em 16 de julho de 1997.
Em 17 de julho de 1996, a Câmara dos deputados aprovou em segundo turno, por
318 votos a 136, a PEC 33/1995, transformada na Emenda Constitucional n. 20 em 1998.
Assim, possibilitava-se a Reforma da Previdência, uma das prioridades do governo FHC,
que supunha haver um desequilíbrio nas contas públicas pondo em risco a confiança do
mercado financeiro com o Brasil, assim ameaçando a estabilização monetária. Para o
trabalhador, a reforma dificultou o acesso à aposentadoria ao instituir o tempo de
contribuição, no lugar do tempo de serviço, como fator principal para os cálculos, além
de firmar idades mínimas para a sua concessão no setor público. Abriu-se caminho,
também, para a futura instituição de um Regime de Previdência Complementar para o
setor público, que forneceu à iniciativa privada, por via de empresas financeiras, a
oportunidade de gerir e extrair lucros de fundos de pensão.
Novamente, a medida foi amplamente abraçada pelos políticos evangélicos, deles
recebendo apenas dois votos contrários, de Raimundo Santos e Francisco Silva. Não
votaram novamente e pelas mesmas razões, Aldir Cabral, Eraldo Tinoco e Lamartine
661
Posella, além de José Carlos Lacerda, que faltou. Nenhum evangélico pediu a palavra
nesta sessão legislativa (DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1996).
Outra importante medida do primeiro mandato de FHC foi a Reforma
Administrativa, aprovada em 1998, que procurou, entre outras coisas, eliminar a
estabilidade dos servidores públicos de acordo com avaliações de desempenho. No
entanto, o presidente não conseguiu a aplicação prática da nova norma, pois a PEC previa
a produção de uma lei complementar pelo Congresso para regular tais avaliações, que não
chegou a sair do papel.
A reforma foi enviada pelo Executivo ao Congresso sob a forma da PEC 173/95,
aprovada em segundo turno na Câmara em 19 de novembro de 1997, por 354 votos contra
134, e tornada a Emenda Constitucional n. 19 em quatro de junho de 1998.
Desta vez, novamente, não houve unanimidade. A esmagadora maioria da
bancada, porém, endossou a emenda de Fernando Henrique, com apenas dois votos
contrários, de Benedito Domingos e Philemon Rodrigues. Não votaram Eraldo Tinoco,
ainda licenciado, Ildemar Kussler, que renunciou em janeiro de 1997, e os faltantes Costa
Ferreira e Elias Abrahão.
O deputado Carlos Magno chegou a entregar à presidência da Câmara “declaração
de voto em separado contra a quebra da estabilidade do servidor público” (DIÁRIO DA
CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1997). O fez por acreditar que da “instabilidade resulta
forçosamente a insegurança dos servidores e, daí, a vulnerabilidade a pressões de natureza
política ou administrativa”. Não deixou, contudo, de manifestar seu apoio à Emenda,
“providência importante no contexto da reforma do Estado”, e aos seus pressupostos, uma
“Nova visão” onde “a prioridade até então admitida na execução é substituída por uma
postura reguladora”, redefinindo a ação estatal, que se retirava das atividades econômicas
e, por isso, poderia ser “fundamentalmente centrada nos aspectos sociais”. Para todos os
efeitos, então, a emenda que viabilizou a mudança não deixou de receber seu voto
favorável.
Assembleia de Deus, sobretudo das bases, e sua cúpula. Examinando aquelas eleições,
em particular o êxito de pessoas “identificadas”1024 com o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra - MST, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República destacava a eleição para a cidade de Bom Jesus da Selva do padre José Ribamar
Silva Moraes Filho, “simpatizante do MST”, com participação em ações de ocupação de
terra. Chocando-se com a orientação predominantemente favorável à grande propriedade
rural da direção assembleiana e seus representantes em Brasília, bem como a típica
aversão aos católicos progressistas, o padre Ribamar teve como vice-prefeito uma
“liderança da comunidade ligada à Igreja Assembléia de Deus”, o pastor Pedro Fernandes
da Silva.
A Igreja Universal do Reino de Deus, por seu turno, “que nunca omitiu ser uma
de suas estratégias de crescimento no País a conquista do poder político” 1025, mantinha
esforços eleitoreiros, preparando pastores-candidatos a todo o vapor. Em princípios de
1996, por exemplo, filiou mais de dez deles ao PTB do Rio Grande do Sul, “com vistas
ao lançamento de candidaturas às eleições municipais”. Em Belo Horizonte, notava a
Secretaria, os esforços da IURD converteram-se em grandes resultados, fazendo a
vereadora mais votada, Maria Helena Alves Soares, do PFL. Com a eleição de Soares, a
bancada evangélica na cidade aumentava para oito membros (EVANGÉLICA é campeã,
1996, p. 10).
Também se mexiam os batistas. Em janeiro de 1996, o presidente da Aliança
Batista Mundial, pastor Nilson Fanini1026, um dos maiores interessados no projeto
partidário evangélico, ambicionando a Presidência da República nas próximas eleições,
dizia em matéria do Jornal do Brasil que parlamentares evangélicos mantinham
articulações para “uma aliança entre várias igrejas” (RAMOS, 1996, p. 3) com o fim de
lançar candidatos às prefeituras e, no futuro, para os governos estaduais e federal.
Conforme Fanini, que lançou o slogan “Ano 2000, maioria evangélica no Brasil”,
“candidatos agnósticos não devem administrar o país, porque faltariam a eles valores
cristãos, como a solidariedade humana”.
1024
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.QQQ.990005498. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/qqq/990005498/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_qqq_990005498_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
1025
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.GGG.980018844. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ggg/980018844/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ggg_980018844_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
1026
Conforme vimos no capítulo 8 frequentador da Escola Superior de Guerra.
663
11 – As eleições de 1998
1027
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.CCC.990021609. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021609/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021609_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
1028
A frase é uma adaptação eleitoreira do versículo bíblico constante no Evangelho de João “Conhecereis
a verdade, e a verdade vos libertará”. Segundo matéria do Estado de Minas em fevereiro de 2020, a
apropriação da frase pela direita partidária permanece aos dias de hoje, liberalmente proferida pelo
presidente Jair Bolsonaro para criticar as denúncias a ele feitas pela imprensa. Também durante as eleições
de 2018, “a frase era amplamente usada por ele e candidatos da base eleitoral” (MENDONÇA, Ana, 2020).
664
Refletia a Secretaria que, para o debate político em 1998, as questões que seriam
priorizadas pelas igrejas, não apenas as evangélicas, mas também a Católica, eram o
desemprego e a educação. Da parte da IURD, a abordagem do desemprego
desconsiderava motores sociais, situando sua solução no plano espiritual, à semelhança
do que fazia na mesma época a direita religiosa norte-americana, conforme vimos na Parte
II, e coerentemente com os princípios da Teologia da Prosperidade. Assim, preocupada
com os altos índices de desemprego no bairro paulistano de Santo Amaro, onde estava a
sua catedral, a Igreja de Macedo promovia uma ‘“Corrente dos Doze Bispos, de fé e
oração, em favor da vida financeira de todos os trabalhadores e contra o desemprego que
assola o povo”’. Já quanto à educação, a IURD ancorava-se mais na realidade material,
ainda que a solução proposta residisse não na democratização da educação pública, mas
na filantropia cristã, por via das ações desenvolvidas pela Associação Beneficente Cristã
- ABC, vistas no capítulo anterior, encampadas por mandatários conservadores como
Paulo Souto, o pefelista governador da Bahia.
No que se refere ao pleito presidencial, as negociações entre FHC e a IURD foram
estorvadas por multas conferidas pela Receita Federal à TV Record e à própria Igreja1029.
De qualquer forma, o coordenador político e futuro deputado federal, Bispo Rodrigues,
encontrou Fernando Henrique no mesmo mês de junho para barganhar ao menos a
neutralidade iurdiana. Como contrapartida, os evangélicos pediam uma maior
participação das suas instituições em convênios com o governo para a liberação de verbas
para obras de assistência social, naquele momento concentrados nas instituições católicas
(FRANCO, 1998, p. 3). De maneira inédita, entretanto, essa neutralidade parece ter sido
concedida também ao candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, pois, em finais de maio
de 1998, Edir Macedo se encontrara com Lula “para fechar um pacto de não agressão”
(LOPES, 1998, p. 4).
A Assembleia de Deus, por outro lado, já em 28 de setembro de 1997, manifestava
apoio à reeleição de FHC. Convidado para o encerramento do 2º congresso Mundial das
Assembleias de Deus, em São Paulo, Fernando Henrique foi ovacionado por seiscentos
mil evangélicos. Na ocasião, segundo o Jornal do Brasil, José Wellington Bezerra,
1029
Conforme o JB, a Rede Record foi multada em 118 milhões, a Igreja Universal em 98 milhões e o
próprio Edir Macedo em seis milhões. Segundo Gilberto Nascimento (2019, posição 3545), a multa teria
sido aplicada em 3 de julho de 1997 “com base nas atividades financeiras da igreja entre 1991 e 1994”.
Além de Macedo, Marcelo Crivella fora outro multado, em 51 mil reais. A IURD recorreu, alegando
imunidade tributária, e conseguiu a redução da multa pelo Conselho de Contribuintes da Receita para 39,9
milhões. Questionada pelo Ministério Público Federal, a revisão da multa segue em disputa até os dias de
hoje.
665
1030
Iniciada em junho de 2006, a CPI dos Sanguessugas investigou a compra superfaturada de ambulâncias
descoberta por operação homônima da Polícia Federal. Conforme apurado, o esquema para desvio de verbas
667
iniciara no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. A bancada evangélica se destacou entre os
deputados investigados, sendo alguns de seus integrantes apontados inclusive como líderes do esquema.
Da bancada eleita em 1998, foram investigados Almeida de Jesus, Bispo Rodrigues, Reginaldo Germano,
Wanderval Santos, Cabo Júlio, Amarildo Martins da Silva, Neuton Lima, Nilton Capixaba, Raimundo
Santos, Josué Bengston, Lino Rossi e João Caldas da Silva, muitos dos quais terminaram condenados (CPI
dos Sanguessugas divulga lista com 57 parlamentares investigados por fraudes, 2006).
668
O batista Lino Rossi foi eleito pela primeira vez em 1996, vereador de Cuiabá-
MT. Conforme o DIAP (2002, p. 131), em sua ação parlamentar, era “fiel à orientação do
governo FHC”.
O pastor e cantor batista Magno Malta entrou na política em 1992, vereador em
Cachoeiro do Itapemirim - ES, pelo PTB. Em seguida, fez-se deputado estadual por
aquele estado em 1994 e federal em 1998. Em Brasília foi líder do bloco PL/PSL em 2000
(MAGNO Malta, [s.d.]). Chegando a senador em 2002, sua trajetória é ilustrativa do
processo de projeção nacional de líderes religiosos a partir da realidade local.
O presbiteriano Euler Morais passa a se aplicar na política partidária em 1992,
quando foi coordenador evangélico na campanha para a prefeitura de Goiânia.
Economista, doutorou-se pela University of Lancaster, na Inglaterra. Assina ampla
bibliografia, versando principalmente sobre a agropecuária (EULER Morais, [s.d.]). Sua
afinidade com a economia rural provavelmente lhe rendeu o cargo de coordenador-geral
da Secretaria Nacional de Reforma Agrária do Ministério da Agricultura, em 1990, no
governo de Fernando Collor de Mello. Já entre 1991 e 1992, foi diretor-geral do Instituto
de Desenvolvimento Agrário de Goiás, em Goiânia, e, de 1992 a 1994, diretor de reforma
agrária e assentamento rural da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de
Goiás, em ambos os casos no governo de Iris Rezende (ROSSI, LINO, [s.d.]).
João Caldas foi vereador em Ibateguara - AL em 1983, prefeito daquela cidade
em 1989 e deputado estadual por Alagoas em 1995 (JOÃO Caldas, [s.d.]). Conforme o
DIAP (2002, p. 31) era “empresário da área de comunicação e produtor rural”, fazendo
parte da bancada ruralista.
O Presbítero da Assembleia de Deus, Antonio Cruz, assumiu em agosto de 2001
por ocasião da morte do deputado Flávio Derzi. Foi vice-líder do PP em diversas
oportunidades entre 2006 e 2010. Começou na vida partidária como vereador em Campo
Grande - MS em 1989 (ANTONIO Cruz, [s.d.]).
O “Empresário” assembleiano Carlos Nader, presidente do PFL em Barra Mansa
- RJ, assumiu em outubro de 2001, eleito para a suplência em 1998 (CARLOS Nader,
[s.d.]).
O pastor assembleiano Milton Barbosa é um velho conhecido. Foi deputado
constituinte em 1987 e, em seu perfil, traçado páginas atrás, consta que se saiu mal nos
trabalho constituintes na avaliação do DIAP, além de ser considerado de direita até pelo
SNI. Nesta legislatura passa a frequentar a Câmara em 2000, eleito suplente.
672
de Lei n. 2.058, de 1999). Tal contrato se firmaria num “acordo ou convenção coletiva de
trabalho, negociadas pelos sindicatos representantes das categorias econômicas e
profissionais” diretamente com as empresas. O parlamentar sustentava que a meta
primária do projeto era “flexibilizar as regras de contratação de trabalhadores para
permitir a ampliação da oferta de novos empregos”, supondo que “a atual legislação
laboral dificulta um melhor entendimento entre capital e trabalho, criando amarras
injustificáveis que tolhem a possibilidade de pactos que permitam novas formas de
contratação” que propiciariam “uma maior oferta de novos postos de trabalho”. Apelava-
se, enfim, para o recorrente argumento segundo o qual um excesso de normas e encargos
estatais para a formalização das relações de trabalho obstaria o pleno emprego, facilitado
pela liberalização dessas relações.
Com efeito, segundo dados do DIAP (2002, p. 170), os setores agrícola e
empreiteiro foram os maiores doadores nas campanhas de Brasileiro em 1998, recebendo
o deputado generosas ajudas da CBPO Engenharia, da Cooperativa Agropecuária do Alto
Parnaíba e da empresa de produtos agrícolas Bolsa de Insumos de Patrocínio Ltda. A
adesão de Silas Brasileiro aos interesses do setor agrícola foi expressa, também, pelo
deputado Giovanni Queiroz, em audiência ocorrida na sessão legislativa do dia 18 de
junho de 2002 versando entre outras coisas sobre a introdução da cultura de transgênicos
no Brasil. Ali, Queiroz retratou Brasileiro como “o expoente maior da defesa da tese de
que temos que abrir nosso mercado e o Brasil para o momento de avanço do setor agrícola,
que passa, indiscutivelmente pela questão dos transgênicos” (DIÁRIO DA CÂMARA
DOS DEPUTADOS, Ano LVII, n. 082, 2002).
Assemelhava-se ao PL de Silas Brasileiro o requerimento 23/2001, de 15 de maio
de 2001, enviado à Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e
Serviço pelo deputado Gerson Gabrielli, batista e pefelista. Sugeria-se “a realização de
ciclo de debates para discutir a Desoneração da Folha de Pagamento, com Juristas,
representantes do Governo, das Centrais Sindicais, da Indústria, do Comércio, dos
Transportes, de Serviços e das Entidade Patronais” (BRASIL. Requerimento n. 23/2001).
Sintonizado com a solidariedade anticomunista da direita religiosa norte-
americana com a ilha de Taiwan, vista na Parte II, e com interesses empresariais
transnacionais, o assembleiano Salatiel Carvalho, por via do Requerimento 57 de 2002,
pedia ao Ministério das Relações Exteriores que ao escritório de representação comercial
de Taiwan no Brasil fosse concedido status diplomático. O pedido entrava em choque
com o fato de o Brasil não reconhecer Taiwan como um país em separado da China
674
1031
ARQUIVO NACIONAL. Conselho de Segurança Nacional. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB N8.0.PSN, IVT.91. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_n8/0/psn/ivt/0091/br_dfanbsb_n8_0_psn_ivt
_0091_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
675
contou no pleito que ocorreria apenas dali a alguns meses. Ele pode ser expressão,
também, de um traço que o Partido dos Trabalhadores e seus aliados traziam de maneira
progressivamente pronunciada: um pragmatismo disposto a atender interesses do capital
em troca de resultados muitas vezes questionáveis. A mudança de atitudes do PT em finais
do segundo mandato de FHC é reparada pelo próprio DIAP (2002, p. 10). Segundo o
Departamento, convencido de que chegara “a sua vez de assumir a Presidência da
República”, o PT “modificou alguns pontos de vista sobre matérias em votação”, trocando
o “confronto pelo entendimento” e contribuindo “enormemente na construção do
consenso, já que os outros partidos de oposição, numericamente menores, ficaram sem
condições de sozinhos fazer o enfrentamento”.
Outra matéria sensível que passou pela Câmara nesse período foi a Medida
Provisória n. 35, de 27 de março de 2002, estipulando o novo valor do salário mínimo em
duzentos reais, em lugar dos 180 em vigor. Dessa vez, entretanto, o PT apresentou tenaz
resistência às pretensões de FHC. Mas apesar dos esforços da oposição, que pretendia um
aumento maior, o novo valor foi aprovado pelos deputados em 18 de junho daquele ano.
Segundo o parlamentar petista Paulo Paim, o governo teria manobrado para
reduzir ao máximo o reajuste do mínimo, que, se aprovada a MP, seria 11,2% inferior ao
do ano precedente, além de, também a exemplo de 2001, deixar de fora aposentados e
pensionistas, cujo aumento salarial seria ainda menor. Diante deste quadro, o PT
propunha um substitutivo formulado pela Comissão de Trabalho, de Administração e
Serviço Público, que tinha como redator o próprio Paim, garantindo a elevação do mínimo
ao patamar de cem dólares, conforme prometido em campanha por Fernando Henrique
Cardoso, valor a ser estendido também aos aposentados e pensionistas.
O substituto, entretanto, nunca foi apreciado, sendo a MP aprovada tal como
apresentada pelo governo. Os resultados numéricos dessa votação, contudo, não constam
no Diário da Câmara dos Deputados. Ao que parece, ela se deu apenas por contraste,
registrando o Diário da Câmara dos Deputados apenas o seguinte pronunciamento do
presidente da Câmara, Aécio Neves: “Aqueles que forem pela aprovação permaneçam
como se acham” (DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Ano LVII, n. 082, 2002).
Após uma “pausa”, Aécio apenas sentenciou que a Medida Provisória estava “Aprovada”.
É inviável, portanto, mensurar a adesão da bancada evangélica, ainda que
possamos deduzir que tenha sido alta, estando boa parte dela ainda integrada formalmente
à base parlamentar governista, apesar dos recentes atritos com a Igreja Universal do Reino
de Deus. É fato, também, que nenhum parlamentar evangélico se manifestou
677
conciliação prévia” dentro das empresas, “com poderes para conciliar e dar quitação a
toda e qualquer demanda trabalhista”. Assim, o trabalhador ficava impedido de acionar a
Justiça do Trabalho caso não tivesse previamente passado por essas comissões. Na
prática, segundo o DIAP (2002, p. 14), forçava-se “uma conciliação privada, sob pressão
do empregador”. Desconsiderando as ausências, 26 membros da bancada foram
favoráveis, votando contrariamente apenas Paulo de Velasco, Agnaldo Muniz e Eber
Silva.
O PL 4.811/98, votado em novembro de 1999, determinava que “os futuros
servidores públicos que não fizerem parte das chamadas carreiras exclusivas de Estado
serão contratados pela CLT, não terão direito à negociação coletiva, terão seus reajustes
definidos por lei, poderão ser livremente demitidos e não terão direito à estabilidade no
emprego”, na prática pondo abaixo a estabilidade do emprego público. A bancada
evangélica se posicionou majoritariamente a favor do projeto, lhe oferecendo 24 votos
contra oito contrários e um bom número de ausências.
A flexibilização da CLT, proposta pelo PL 5.483/01, votado em dezembro de
2001, rachou a bancada evangélica, ainda que tenha prevalecido o apoio à matéria.
Conforme o DIAP (2002, p. 13), o projeto permitiria que “todos os direitos previstos em
lei” pudessem ser “reduzidos ou eliminados desde que haja negociação coletiva e,
portanto, concordância do sindicato”. Estavam aí incluídos as férias de trinta dias, o 13º
salário, a duração da jornada de trabalho, e o repouso semanal remunerado, por exemplo.
Apoiado por vinte deputados evangélicos, foi rejeitado por outros 15, tendo vários deles
se ausentado. Além do teor altamente impopular da matéria, a proximidade das eleições
de 2002 e a deterioração do apoio popular e parlamentar ao governo FHC podem ter
contribuído para a adesão relativamente mais baixa da bancada ao pleito do governo.
evangélica dobrou de tamanho, partindo de três para seis vereadores, cinco deles
pertencentes à Igreja de Edir Macedo (ABSALÃO, 2000, p. 6).
O resultado deveu-se a um planejamento que precedeu em meses a realização do
pleito de outubro. Já em março de 2000, o Jornal do Brasil notava que a IURD se
preparava para “repetir a ofensiva eleitoral bem sucedida em 1998” (NOEL, 2000, p. 2).
Para tanto, sua tática consistia em “destinar número determinado de templos a cada
candidato e fazer, nos cultos, os pastores de cabos eleitorais”.
14 – As eleições de 2002
uma “Comissão de Política Nacional” da mesma Igreja1032, provendo “um princípio ético
e político agora muito mais eficaz” (DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Ano
LVII, n. 082, 2002) e permitindo “a instrumentalização de todos os fiéis para apresentar
o Parlamentar, o político recomendado pela instituição”. Encarregado de presidir a
Comissão Política estava o pastor Ronaldo Fonseca, eleito em 2011 deputado federal por
Brasília.
Costurado com alguma dificuldade pelo candidato a vice, o empresário José de
Alencar, Lula conseguira, entretanto, o apoio do Partido Liberal - PL, que concentrava
grande número de evangélicos, sobretudo da Igreja Universal do Reino de Deus1033.
Conforme noticiado pela Tribuna da Imprensa em junho de 2002, “Os bastidores da
aliança do PL com o PT foram muito mais turbulentos do que se noticiou” (QUESTÃO
de fé, 2002, p. 2), tendo a porção evangélica do partido resistido à proposta em função da
“vinculação forte com a igreja católica” de Lula. A questão apenas foi resolvida com um
ultimato de Alencar, que ameaçou retirar-se do partido se o acordo não saísse.
A disputa do voto evangélico pelo petista incluiu também encontros com diversas
lideranças religiosas e a aproximação com o pentecostal Anthony Garotinho, derrotado
no primeiro turno, que angariou a preferência de boa parte deste público. Segundo o
Jornal do Brasil de 12 de outubro de 2002, na reta final da campanha, em eventos
organizados por Garotinho, pelo bispo Rodrigues, coordenador da bancada evangélica e
membro da IURD, e por “petistas evangélicos”, Lula intensificava contatos com pastores,
“que recomendarão aos fiéis que votem nele” (BREVE, 2002, p. A-3).
Em outra matéria do JB, antecipando a eleição de Lula, Rodrigues anunciava uma
mudança na atuação partidária dos evangélicos, que tencionariam, agora, “priorizar uma
pauta voltada aos excluídos” (CARNEIRO, 2002, p. A-8), inaugurando aquilo que
chamou de “socialismo de resultados”.
Os resultados dos consecutivos governos do PT são objeto de um debate que não
cabe nessas páginas. Entretanto, parece ser ponto pacífico que não se tratou de um
governo socialista, não havendo entre 2003 e 2016, por exemplo, propostas de profundas
1032
Como vimos, a Assembleia de Deus, formada por diferentes ministérios autônomos, tem na sua
Convenção Geral um importante ponto de encontro entre as múltiplas e independentes Igrejas. Da fala de
Neuton Lima se depreende que uma das principais funções da Comissão de Política Nacional da
Assembleia, da mesma forma, seja a integração dessas igrejas em torno de um programa político-eleitoral
mais ou menos unificado.
1033
Nos anos finais do governo de FHC, diversos deputados evangélicos trocaram seus partidos pelo PL,
como o batista Magno Malta e o principal articulador político da Igreja Universal do Reino de Deus, Bispo
Rodrigues. Outros iurdianos que passaram para o PL foram os deputados, reeleitos em 2002, Almeida de
Jesus, Paulo Gouvêa, Wanderval Santos e Oliveira Filho.
681
1034
Em 1990 as exceções foram o iurdiano Alberto Felipe Haddad Filho, o Bebeto Haddad, “dono de usina,
fabricante de bebida”, destacado como tendo uma das campanhas mais caras do estado de São Paulo,
estimada em por volta de um milhão de dólares, o “representante da área rural”, Hugo Biehl, e o “empresário
da área de alimentação”, Paulo Bauer, ambos luteranos eleitos por Santa Catarina, também com campanhas
girando em “mais de um milhão de dólares” (DIAP – INFORMATIVO MENSAL, 1990).
682
informações entregues ao TSE, a partir das quais o DIAP se orientou. Não há informações
suficientes para embasar uma explicação consolidada, mas minha hipótese é que a
comprovada realização de campanhas durante cultos religiosos, numa vasta rede de
templos que concentram regularmente grande número de pessoas, implique no
barateamento dessas campanhas. Há também a possibilidade de que os valores declarados
simplesmente tenham sido subdimensionados.
Em segundo lugar, em grande parte dos casos, segundo o DIAP, os dados do
financiamento simplesmente não foram disponibilizados pelo TSE 1035, sugerindo graves
falhas na prestação de contas dessas campanhas. Sobre este último ponto, uma outra
observação é cabida: na legislatura iniciada em 1999, que teve, como vimos, um grande
aumento da representação parlamentar da Igreja Universal do Reino de Deus, são
justamente os eleitos por essa Igreja que, em sua maioria, apresentam esse problema em
suas contas de campanha1036. Por último, um número não desprezível de eleitos apontou
a si mesmo e outras pessoas físicas como os financiadores1037.
Sendo assim, vejamos quem são os principais bancadores dos candidatos
evangélicos.
Em valores absolutos, o setor agrícola foi o que mais investiu. A maior doadora
foi a Usina Caeté S.A., pertencente ao grupo Carlos Lyra, envolvido em atividades
sucroenergéticas em Alagoas. Em 1998, a Usina doou a exorbitante quantia de
aproximadamente 260 mil dólares1038 para a campanha de João Caldas da Silva. A
Cooperativa Agropecuária do Alto Paranaíba presenteou a campanha de 1998 de Silas
Brasileiro com 24.840 dólares, enquanto a Bolsa de Insumos de Patrocínio Ltda.,
negociadora de produtos agrícolas, contribuiu com 16.560 dólares para a mesma
campanha. Já a Cafeeira Espírito Santo Ltda., transferiu 12.418 dólares para Nilton
Capixaba, também em 1998. Werner Wanderer, por sua vez, recebeu no mesmo ano 8.278
dólares da Cooperativa Central Regional Iguaçu Ltda – COTRIGUAÇU (DIAP, 2002, p.
31, 170, 213 e 297).
1035
Sobre 15 dos 42 evangélicos não há dados sobre a fonte de financiamento para a campanha de 1998.
1036
Dos 14 eleitos pela IURD naquele pleito, sete não tiveram os seus dados de financiamento divulgados.
São eles o Bispo Rodrigues, Almeida de Jesus, Valdeci Paiva, Aldir Cabral, Jorge Wilson, Luiz Moreira e
Paulo Gouvêa. Outro iurdiano, Jorge Pinheiro, não consta no levantamento, provavelmente por erro do
DIAP. Sendo assim, apenas seis deles têm os dados de financiamento disponíveis (DIAP, 2002).
1037
Seis em 1994 e sete na campanha de 1998
1038
Valores aproximados. Para chegar a eles usei a cotação da moeda americana de 31 de dezembro de
1998.
683
Quase empatado, temos o setor de construção. Aqui a mais generosa foi a CBPO
Engenharia, que em 1998 forneceu 31.886 dólares para Amarildo Martins, 4.139 para
Salatiel Carvalho e 41.394 para Silas Brasileiro. Em seguida, a Construtora Norberto
Odebrecht repassou 8.278 (cotação de dezembro de 19981039) dólares para a campanha de
Luiz Moreira em 1994, 11.176 para Carlos Magno no mesmo ano e 4.139 para Salatiel
Carvalho em 1998. A Inepar S.A Indústria e Construções doou 41.394 dólares para
Werner Wanderer em 1998, a Andrade Gutierrez forneceu 33.942 dólares para Amarildo
Martins em 1998, a JC Construções e Comércio LTDA doou 24.836 dólares para Silas
Câmara em 1998, a Construtora Greca LTDA repassou 23.180 para Oliveira Filho no
mesmo ano, a Técnica Nacional de Engenharia - TENENGE deu 16.557 para Amarildo
Martins e 4.139 para Salatiel Carvalho em 1998, a COESA Engenharia forneceu 12.418
a Wagner Salustiano em 1998, a Sólida Engenharia deu 8.278 para Salatiel Carvalho em
1994, a CALDART Engenharia doou 6.622 a Paulo Bauer no mesmo ano e a Construtora
Ilha repassou para o mesmo parlamentar e na mesma data a quantia de 4.139 dólares
(DIAP 2002, p. 170, 213, 228, 356 e 372) (DIAP, 1998, p. 86, 244 e 332).
Bem próximo esteve o setor varejista, que contribuiu com mais de 274 mil dólares
por via de inúmeras empresas, muitas das quais de pequeno e médio porte, como
farmácias e posto de gasolina. Listarei aqui apenas as que forneceram os maiores
montantes. A Modelar LTDA, empresa do comércio de móveis pertencente ao Grupo
Onogás, de Onofre Quinan, transferiu par a esposa deste último, Lídia Quinan, a
assombrosa quantia de 134.737 dólares em 1998. O Supermercado Moreira deu 57.951
dólares a Euler Morais em 1998, a Pharmacia Artesanal, que lida com medicamentos de
manipulação em São Paulo, doou 24.836 dólares em 1994 para Carlos Apolinário e a
empresa de comércio de móveis A Provedora repassou em 1998 12.032 a Gerson
Gabrielli, que recebeu no mesmo ano contribuição no valor de 9.934 da Dismel
Distribuidora de Material Elétrico (DIAP, 2002, p. 57, 108 e 110) (DIAP, 1998, p. 345).
O setor bancário vem em seguida. Aqui, novamente, o Grupo Onogás é campeão,
tendo doado, novamente para Lídia Quinan, através da empresa Onocrédito, nada menos
que 151.667 dólares em 1998. O Banco Itaú contribuiu com 24.836 para Eraldo Tinoco
em 1994, que no mesmo ano ganhou 16.557 do Banco Econômico. A Golden Cross
Seguradora, por sua vez, doou à campanha de Werner Wanderer o mesmo valor de 16.557
dólares também em 1994. (DIAP, 2002, p. 110) (DIAP, 1998, p. 76 e 231).
1039
Os valores seguem a cotação do dólar de 1998 e não de 1994, uma vez que a publicação do DIAP que
contém os dados sobre o financiamento foi lançada em 1998.
684
16 – Conclusão
685
Procurei demonstrar nesta seção que a bancada evangélica na Câmara federal teve
atuação providencial para a reforma neoliberal do Estado restrito brasileiro proposta por
Fernando Collor de Mello e completada por Fernando Henrique Cardoso. Em matérias de
interesse do capital, que significaram uma acentuada liberalização da nossa economia e
abertura externa, a bancada contribuiu de maneira quase unânime, sobretudo até o fim do
primeiro mandato de FHC. Paralelamente, a partir do perfil individual de cada
parlamentar e das prestações de contas de suas campanhas, vemos de maneira mais nítida
a sua conexão com diferentes setores empresariais. Combinados com o que foi
apresentado no capítulo passado, os dados indicam, portanto, que a hipótese de um
oscilante fisiologismo dessa bancada, supostamente norteador de sua orientação
econômica, não se sustenta, havendo desde a Constituinte uma sistemática adesão às
matérias legislativas de interesse do empresariado, com quem, além do mais, seus
membros mantém laços estreitos.
Ao mesmo tempo, vimos como a penetração partidária de segmentos religiosos
conservadores, apesar de intensificada durante a Constituinte, foi um projeto perene,
iniciado em meados do século passado, em constante aceleração e cultivado com método
e fartos recursos pelas diferentes igrejas. Esse projeto, concebido a partir das cúpulas
eclesiásticas, buscou, muitas vezes com sucesso, conforme interpretado pelos órgãos de
inteligência do Estado brasileiro, converter membresias em “currais eleitorais”, fazendo
de púlpitos palanques, de cultos comícios e de templos espaços de aglomeração para a
distribuição dos únicos santinhos ali tolerados, os eleitorais.
686
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Nós somos um império agora, e quando agimos, nós criamos a nossa própria
realidade” (SUSKIND, 2004). Ouvidas pelo jornalista Ron Suskind de conselheiros do
presidente George W. Bush em outubro de 2004, as palavras sintetizam a sensação,
partilhada pelos círculos governamentais, do pleno domínio estadunidense não apenas
sobre a realidade material, mas também sobre a totalidade do mundo simbólico, que
acabariam se confundindo. Com efeito, desde que o país ensaiou os primeiros passos
como líder do mundo capitalista, após a Segunda Guerra Mundial, a manipulação de
consciências é componente básico de sua geopolítica. Operação sistematizada em
princípios da década de 1950 sob a forma de uma guerra psicológica e de propaganda,
desenrolada também no campo religioso.
Recebendo grande impulso no governo de Dwight Eisenhower (1953-1961), uma
das primeiras manifestações desse programa foi a abertura, em 1954, da Foundation for
Religious Action in the Social and Civil Order - FRASCO, apadrinhada pelo presidente
e à qual seguiram-se outras iniciativas semelhantes, como a conferência Foreign Aspects
of U.S. National Security de 1958. Abriam-se, assim, espaços de articulação de
empresários com seus prepostos no Estado restrito e no campo intelectual e religioso,
estes últimos envolvidos num esforço ecumênico, com papel destacado de evangélicos
norte-americanos, para o planejamento de uma estratégia que pressupunha o uso da
religião para o reforço da influência global estadunidense e contenção do avanço
socialista.
Como resultado, em 1963, vemos o chefe do Conselho de Planejamento Político
do Departamento de Estado, Walt Whitman Rostow, relatar o grande avanço na
participação de organizações privadas no combate externo ao comunismo, de maneira
semelhante ao que propunha o empresário David Sarnoff em memorando enviado a
Eisenhower em 1955, que pedia “contramedidas”1040 e “métodos”, “inovadores, não-
convencionais, ousados e flexíveis” de propaganda, a serem empregados tanto pelo
governo como por grupos privados para “tornar a nossa verdade tão efetiva e mais
produtiva que a mentira de Moscou”.
1040
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Subcomitee to Investigate the Administration of the Internal Security Act and Other Internal Security Laws
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