Você está na página 1de 806

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

RODRIGO DE SÁ NETTO

O PARTIDO DA FÉ CAPITALISTA
organizações religiosas e o imperialismo norte-americano na segunda metade do século
XX

NITERÓI, RJ
2022
RODRIGO DE SÁ NETTO

O PARTIDO DA FÉ CAPITALISTA
ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS E O IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO NA
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História da Universidade
Federal Fluminense, como requisito
parcial para a obtenção do título de doutor
em História.

Orientadora:
Prof.ª Dr.ª Virgínia Maria Gomes de Mattos Fontes

Niterói, RJ
2022
RODRIGO DE SÁ NETTO

O PARTIDO DA FÉ CAPITALISTA
ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS E O IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO NA
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História da Universidade
Federal Fluminense, como requisito
parcial para a obtenção do título de doutor
em História.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Virgínia Maria Gomes de Mattos Fontes - UFF
Orientadora

___________________________________________________
Prof. Dr. Bernardo Kocher - UFF

___________________________________________________
Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto - UEFS

___________________________________________________
Prof. Dr. Fabio Py Murta de Almeida – UENF

___________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Mariano - USP

Niterói, RJ
2022
A todos os que lutam pela fundamental e universal emancipação humana
AGRADECIMENTOS

Em certa medida um trabalho coletivo, a materialização desta tese não prescindiu


da contribuição de diversas pessoas.
Não posso, assim, deixar de agradecer à professora Virgínia Fontes, cuja atenção
minuciosa e agudas observações em muito contribuíram para elevar sua qualidade. De
maneira semelhante, foram indispensáveis os comentários e sugestões de meus colegas
do Grupo de Trabalho e Orientação – GTO.
Deixo o meu obrigado, também, para o Arquivo Nacional, que em momento
algum opôs obstáculos ao exercício do direito, previsto em lei, de me ausentar para a
aplicação integral a este trabalho, cuja imensa dificuldade tornaria inexequível a sua
concretização de outra forma. Agradeço ainda mais especialmente a todos os meus
colegas de Arquivo, que mantêm em funcionamento uma das mais ricas bases de dados
documentais do mundo, facilmente acessível pela rede mundial de computadores, fato de
importância crítica para esta pesquisa, levada a cabo em tempos pandêmicos.
Agradeço também a Heloísa, Ruriko, Claudio e Letícia, pela amizade e
fornecimento de uma não menos valiosa rede de apoio num momento crucial da
realização deste escrito.
Como não poderia deixar de ser, a minha gratidão vai também para os meus
amores Cecília, Lúcia, Regina, Heliene e Yara, cuja mera existência bastou para tornar
mais suportável as infindáveis horas na frente do computador.
Por último, agradeço ao meu pai, que, mesmo ausente, inspirou as páginas
seguintes com histórias dos seus dias na Igreja Batista do subúrbio carioca em tempos
ditatoriais.
Nós somos um império agora, e quando agimos, nós criamos a nossa própria realidade

Um assessor anônimo de George W. Bush


RESUMO

Esta tese investiga o despontar mundial de organizações religiosas norte-americanas,


como igrejas pentecostais e entidades missionárias interdenominacionais, após meados
do século XX, relacionando-o com o lançamento de uma guerra psicológica e de
propaganda, concebida pelos Estados Unidos em princípios dos anos 1950 a fim de conter
a influência global soviética e reforçar seu domínio sobre o mundo capitalista. Será visto,
também, como esse projeto foi abraçado pelo Estado e pelo empresariado no Brasil, num
contexto em que tais associações encontram campo propício para sua instalação e
disseminação, não apenas em função da proteção a elas conferidas pelos setores
dirigentes, mas também em virtude de novas características impressas à sociedade
brasileira ao longo do processo de integração econômica internacional do país.
Organizações que serão tratadas, partindo de formulações de Antônio Gramsci, como
aparelhos privados de hegemonia que, coligados, operaram mundialmente como um
partido, com seu proselitismo instilando consenso favorável aos interesses capitalistas no
plano da sociedade civil, enquanto, na esfera do Estado restrito, prestaram apoio a
governos conservadores e produziram políticos engajados no avanço de programas
economicamente liberais. No panorama da crescente internacionalização do capital, com
preeminência daquele sediado nos Estados Unidos, transformando o imperialismo num
capital-imperialismo, essa coligação religiosa ecumênica, porém liderada sobretudo por
porções evangélicas, atuou na progressiva consolidação do domínio norte-americano
sobre o Brasil e o mundo na segunda metade do século passado. Tais conclusões são
baseadas em pesquisa documental em arquivos governamentais brasileiros e norte-
americanos. Já as balizas temporais da tese têm em seu limite inferior o ano de 1945,
marcando o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da dominação estadunidense sobre
o mundo ocidental, indo até 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso,
que assinala a conclusão da reforma da economia brasileira em bases liberais, que contou
com grande contribuição da bancada evangélica.

Palavras-Chave: Brasil. Estados Unidos. Século XX. Capitalismo. Imperialismo.


Igrejas.
ABSTRACT

This thesis investigates the worldwide emergence of American religious organizations,


such as pentecostal churches and interdenominational missionary entities, after the mid-
twentieth century, relating it to the launch of a psychological and propaganda war,
conceived by the United States in the early 1950s in order to contain Soviet’s global
influence and strengthen its dominance over the capitalist world. It will also be seen how
this project was embraced by the State and the business community in Brazil, in a context
in which such associations found a favorable field for its installation and dissemination,
not only due to the protection conferred by the ruling sectors, but also due to new
characteristics assumed by the Brazilian society throughout the process of international
economic integration of the country. Organizations that will be treated, as formulated by
Antonio Gramsci, as private devices of hegemony that, together, operated worldwide as
a party, with their proselytism instilling consensus favorable to capitalist interests in the
civil society sphere, while, in the sphere of the restricted state, they provided support to
conservative governments and produced politicians engaged in the advancement of
economically liberal programs. In the outlook of the growing internationalization of
capital, with preeminence of that based in the United States, transforming imperialism
into a capital-imperialism, this ecumenical religious coalition, but led mainly by
evangelical groups, contributed to the progressive consolidation of American dominance
over Brazil and the world in the second half of the last century. These conclusions are
based on documentary research in Brazilian’s and North American’s government
archives. The time limits of the thesis begins in 1945, marking the end of World War II
and the beginning of American domination over the Western world, going until 2002, the
last year of Fernando Henrique Cardoso's government, which marks the completion of
the reform of the brazilian economy on a liberal basis, which had a great contribution of
evangelical politicians.

Keywords: Brazil. United States. Twentieth century. Capitalism. Imperialism. Churches.


Sumário

Introdução ............................................................................................................................................ p. 17

PARTE I - RELIGIÃO E IMPERIALISMO: FATOS BÁSICOS E TEORIA

Capítulo 1 - Organizações religiosas: fatos básicos e o ponto de vista marxista


1 - Introdução ......................................................................................................................................... p. 27
2 - Protestantes ou evangélicos?............................................................................................................... p. 27
3 - Organizações político-religiosas no Brasil e Estados Unidos: dados essenciais ............................... p. 30
3.1 - Uma nota sobre o fundamentalismo cristão..................................................................................... p. 31
3.2 - Os pentecostais................................................................................................................................ p. 39
3.3 - Agências missionárias baseadas nos Estados Unidos...................................................................... p. 47
3.4 - A década de 1970: terceira onda pentecostal e novos membros do Partido da Fé Capitalista ....... p. 50
4 - A religião sob um prisma marxista .................................................................................................... p. 52
4.1 - Karl Marx, Max Weber, a religião e o capitalismo ........................................................................ p. 52
4.2 - Marx e a religião, breves reflexões ................................................................................................. p. 56
4.3 - Friedrich Engels, um olhar mais detido sobre o mundo da fé ........................................................ p. 57
4.4 - A atualidade do pensamento marxista e engelsiano sobre a religião ............................................. p. 59
4.5 - As organizações religiosas componentes do Partido da Fé Capitalista segundo um prisma teórico
marxista................................................................................................................................................... p. 61
5 - A contribuição de Antonio Gramsci: O aparelho privado de hegemonia Partido da Fé Capitalista.. p. 63
5.1 - Conexões empresariais dos aparelhos hegemônicos religiosos ...................................................... p. 68
5.2 - Decisores, formuladores e gerentes ................................................................................................. p. 69
5.3 - Por que falar num Partido da Fé Capitalista?.................................................................................. p. 71
5.3.1 - Quem faz parte desse Partido? ..................................................................................................... p. 72
6 - Conclusão .......................................................................................................................................... p. 78

Capítulo 2 - Um partido para altares e prédios de governo


1 - Introdução .......................................................................................................................................... p. 80
2 - O reino do capital ............................................................................................................................... p. 80
2.1 - Um “capital-imperialismo” ............................................................................................................ p. 81
2.2 - A Bíblia do reino do capital ............................................................................................................ p. 84
2.3 - Multinacionais da fé ........................................................................................................................ p. 88
2.4 - Oligopólios religiosos ..................................................................................................................... p. 92
3 - O Partido da Fé Capitalista na sociedade civil: o proselitismo hegemônico capitalista .................... p. 94
3.1 - Anos 1950 e 1960: desorganizar e preservar .................................................................................. p. 95
3.2 - Anos 1970 em diante: um credo popular para o capital ................................................................. p. 102
4 - O Partido da Fé Capitalista no Estado restrito .................................................................................. p. 109
4.1 - Santinhos evangélicos ................................................................................................................... p. 109
4.2 - O Estado restrito como arena de lutas classistas ........................................................................... p. 115
5 - Conclusão ......................................................................................................................................... p. 120

PARTE II - O PARTIDO DA FÉ CAPITALISTA NOS ESTADOS UNIDOS E DALI PARA O


MUNDO

Capítulo 3 - As raízes norte-americanas da religião politicamente organizada


1 - Introdução ........................................................................................................................................ p. 123
2 - Guerra religiosa: desdobramento de uma guerra psicológica e de propaganda ................................ p. 124
3 - Os anos 1950 e 1960, a ameaça vermelha e o embrião do Partido da Fé Capitalista
............................................................................................................................................................... p. 126
3.1 - A Foundation for Religious Action in the Social and Civil Order ................................................ p. 127
3.2 - A conferência Foreign Aspects of U.S. National Security e o lançamento de uma “arma do espírito”
............................................................................................................................................................... p. 134
3.3 - A classe empresarial esboça princípios para um ataque ideológico, o Programa para uma Política
Ofensiva contra o Comunismo Mundial de David Sarnoff .................................................................... p. 139
3.4 - Os Corpos da Paz .......................................................................................................................... p. 141
4 - Anos 1970, a reconfiguração da direita religiosa ............................................................................. p. 142
5 - Anos 1980 e 1990, consolidação de um “neofundamentalismo” ...................................................... p. 146
5.1 - O Council for National Policy ...................................................................................................... p. 146
5.2 - A CAUSA International: unificando intelectuais, religiosos e empresários pelo planeta
............................................................................................................................................................... p. 150
5.3 - O clube de empresários cristãos Laymen's National Bible Association ....................................... p. 155
5.4 - O governo Reagan reforça o foco nas organizações associativas na guerra ideológica
............................................................................................................................................................... p. 157
5.4.1 - O Grupo de Trabalho para Assistência da América Central ...................................................... p. 158
6 - Conclusão ........................................................................................................................................ p. 162

Capítulo 4 - Os braços executivos do Partido da Fé Capitalista nos Estados Unidos e resto do mundo
1 – Introdução ........................................................................................................................................ p. 163
2 – As metamorfoses do Partido da Fé Capitalista ................................................................................. p. 164
3 – Principais grupos que estruturam o Partido da Fé Capitalista .......................................................... p. 166
3.1 - Os fundamentalistas ...................................................................................................................... p. 167
3.2 - Os pentecostais ............................................................................................................................. p. 177
4 - Principais organizações executoras do Partido da Fé Capitalista .................................................... p. 182
4.1 - As igrejas ...................................................................................................................................... p. 182
4.1.1 - A Assembleia de Deus ............................................................................................................... p. 183
4.1.2 - A Igreja do Evangelho Quadrangular ........................................................................................ p. 196
4.1.3 - A Igreja da Unificação (“Seita Moon”) ...................................................................................... p. 199
4.1.4 - A Convenção Batista do Sul ....................................................................................................... p. 201
4.1.5 - A Igreja Presbiteriana ................................................................................................................ p. 203
4.1.6 - A Igreja Católica e sua Renovação Carismática ........................................................................ p. 204
4.2 - Organizações interdenominacionais nos EUA .............................................................................. p. 206
4.2.1 - A “alternativa conservadora” National Association of Evangelicals ......................................... p. 207
4.3 - Organizações religiosas dedicadas à política partidária ............................................................... p. 210
4.3.1 - A Moral Majority ....................................................................................................................... p. 220
4.3.2 - A Christian Coalition ................................................................................................................. p. 223
4.3.3 – Focus on the Family (Foco na Família) e Family Research Council (Conselho de Pesquisa da
Família) ................................................................................................................................................. p. 231
4.4 - Organizações missionárias interdenominacionais ........................................................................ p. 236
4.4.1 - O Summer Institute of Linguistics (SIL International - Instituto Linguístico de Verão) ........... p. 237
4.4.2 - Christian and Missionary Alliance ............................................................................................. p. 246
4.4.3 - A Campus Crusade for Christ .................................................................................................... p. 249
4.4.4 - Outras agências missionárias auxiliares da hegemonia capital-imperialista norte-americana ... p. 251
4.5 - Laboratórios de Ideias ................................................................................................................... p. 253
4.5.1 - O Institute on Religion and Democracy ..................................................................................... p. 254
5 - Conclusão ........................................................................................................................................ p. 255

Capítulo 5 - O Departamento de Estado e os usos políticos da “liberdade religiosa”


1 - Introdução ........................................................................................................................................ p. 257
2 - Mais “liberdade religiosa” para quem? ............................................................................................ p. 262
2.1 - O caso soviético: direitos humanos, religião e Guerra Fria ........................................................... p. 264
2.2 - Malawi: liberdade religiosa como índice de alinhamento político................................................. p. 267
2.3 - Países europeus socialistas ............................................................................................................ p. 269
2.3.1 - Romênia: dinheiro e religião contra a influência soviética ......................................................... p. 271
2.3.2 - Polônia: os católicos entram em cena ......................................................................................... p. 276
2.3.3 - Checoslováquia: a Carta 77 e a liberdade religiosa ................................................................... p. 278
2.4 - Coréia do Sul: fundamentalistas contra o Norte............................................................................. p. 279
3 - Conclusão ........................................................................................................................................ p. 285

Capítulo 6 - Quem banca o Partido da Fé Capitalista?


1 - Introdução ........................................................................................................................................ p. 286
2 - Empresas e indivíduos assíduos em múltiplas organizações religiosas que sustentam a hegemonia
capitalista norte-americana ................................................................................................................... p. 287
2.1 - Indivíduos de destaque ................................................................................................................. p. 287
2.2 - Empresas mais interessadas na ação político-religiosa global ..................................................... p. 296
3 - Elos com a indústria armamentista ................................................................................................... p. 306
4 - Laços do complexo empresarial e religioso por trás do Partido da Fé Capitalista com outras organizações
globais da hegemonia norte-americana ................................................................................................. p. 309
4.1 - A conexão brasileira ...................................................................................................................... p. 316
5 - Conclusão ........................................................................................................................................ p. 319

PARTE III
A SUCURSAL BRASILEIRA DO CONSÓRCIO IMPERIALISTA EMPRESARIAL-RELIGIOSO

Capítulo 7 – Estímulos sociais do avanço do Partido da Fé Capitalista no Brasil


1 - Introdução ........................................................................................................................................ p. 321
2 - O país na segunda onda pentecostal (1951-1977) ............................................................................. p. 323
2.1 - Precariedade de vida, urbanização e expansão das igrejas pentecostais na segunda onda ............ p. 326
3 - Ascensão das principais organizações pentecostais no Brasil dos anos 1950 e 1960 ....................... p. 330
3.1 - A Assembleia de Deus .................................................................................................................. p. 331
3.2 - A Congregação Cristã do Brasil .................................................................................................... p. 335
3.3 - A Igreja do Evangelho Quadrangular ............................................................................................ p. 336
3.4 - A Igreja Pentecostal o Brasil para Cristo ...................................................................................... p. 338
3.5 - A Igreja Pentecostal Deus é Amor ................................................................................................. p. 340
3.6 - A Igreja Pentecostal de Nova Vida ................................................................................................ p. 341
4 - O Brasil na 3ª onda pentecostal (pós-1977) ...................................................................................... p. 341
5 - A expansão de organizações religiosas conservadoras após meados dos anos 1970 ....................... p. 345
5.1 - A Igreja Universal do Reino de Deus ............................................................................................ p. 347
5.2 - A Igreja da Unificação ou “Seita Moon” ....................................................................................... p. 351
5.3 - A Renovação Carismática Católica ............................................................................................... p. 352
5.4 - A Igreja Pentecostal Brasil para Cristo após meados da década de 1970 ..................................... p. 355
5.5 - A Igreja Pentecostal Deus é Amor após meados da década de 1970 ............................................ p. 355
5.6 - A Assembleia de Deus após meados da década de 1970 ............................................................... p. 356
5.7 - A Igreja do Evangelho Quadrangular após meados da década de 1970 ........................................ p. 357
6 - Outros indutores sociais da expansão religiosa conservadora .......................................................... p. 360
6.1 - Embates com as religiões afro-brasileiras, o catolicismo e o espiritismo ..................................... p. 360
6.2 - Aspectos da religiosidade popular brasileira ................................................................................. p. 364
7 - Conclusão ........................................................................................................................................ p. 365

Capítulo 8 - Indutores políticos da expansão do Partido da Fé Capitalista no Brasil


1 - Introdução ....................................................................................................................................... p. 368
2 - O clero progressista e a Teologia da Libertação sob a mira estatal ................................................ p. 368
3 - Organizações religiosas conservadoras e o Estado brasileiro na segunda metade do século XX .... p. 381
3.1 - A Assembleia de Deus .................................................................................................................. p. 382
3.2 - A Igreja do Evangelho Quadrangular ............................................................................................ p. 392
3.3 - A Igreja Pentecostal Brasil para Cristo ......................................................................................... p. 393
3.4 - A Igreja Pentecostal Deus é Amor ................................................................................................ p. 395
3.5 - A Igreja Pentecostal de Nova Vida ............................................................................................... p. 397
3.6 - A Igreja Universal do Reino de Deus ............................................................................................ p. 399
3.7 - A Igreja da Unificação (“Seita Moon”) ......................................................................................... p. 404
3.8 - A Renovação Carismática Católica .............................................................................................. p. 415
3.9 - Agências missionárias estrangeiras na Amazônia ........................................................................ p. 420
3.9.1 - O Instituto Linguístico de Verão (Summer Institute of Linguistics) ......................................... p. 423
3.9.2 - A Missão Novas Tribos do Brasil e Sociedade Asas de Socorro ............................................... p. 425
4 - Conclusão ........................................................................................................................................ p. 436

Capítulo 9 - Os fóruns do Partido da Fé Capitalista no Brasil


1- Introdução ......................................................................................................................................... p. 440
2 - O complexo ideológico organizado pela Igreja da Unificação ....................................................... p. 443
2.1 - Brasileiros em eventos patrocinados pela Igreja da Unificação fora das américas ........................ p. 444
2.2 - A integração anticomunista interamericana .................................................................................. p. 446
2.3 - A inserção brasileira do unificacionismo ...................................................................................... p. 450
2.3.1 - O Colegiado Acadêmico para a Reflexão de Princípios – CARP .............................................. p. 455
2.3.2 - Incursões midiáticas do grupo Igreja da Unificação .................................................................. p. 459
2.3.3 - A CAUSA chega ao Brasil ......................................................................................................... p. 461
2.3.4 - A Associação do Movimento da Unificação para a Salvação da Pátria – AUSP ...................... p. 478
3 - A Associação Brasileira de Defesa da Democracia ......................................................................... p. 479
4 - O Institute on Religion and Democracy no Brasil ............................................................................ p. 490
5 - Principais articuladores brasileiros da aliança religiosa conservadora pró-capitalista ..................... p. 493
6 - Conclusão ........................................................................................................................................ p. 501

Capítulo 10 - Os braços executivos do Partido da Fé Capitalista no Brasil


1 - Introdução ........................................................................................................................................ p. 503
2 - Igrejas .............................................................................................................................................. p. 503
2.1 - A Assembleia de Deus ................................................................................................................. p. 503
2.2 - A Congregação Cristã do Brasil ................................................................................................... p. 509
2.3 - A Igreja do Evangelho Quadrangular ............................................................................................ p. 509
2.4 - A Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo .................................................................................... p. 510
2.5 - A Igreja Pentecostal Deus É Amor ................................................................................................ p. 512
2.6 - A Igreja Universal do Reino de Deus ........................................................................................... p. 512
2.7 - A Igreja Batista ............................................................................................................................. p. 523
2.8 - A Igreja Presbiteriana ................................................................................................................... p. 525
2.9 - A Renovação Carismática Católica .............................................................................................. p. 526
3 - Organizações missionárias interdenominacionais ........................................................................... p. 529
3.1 - Evangelismo sem Fronteiras ......................................................................................................... p. 531
3.2 - A Missão A Voz dos Mártires ...................................................................................................... p. 532
3.3 - A Sociedade Evangélica do Brasil ................................................................................................. p. 535
3.4 - Organizações missionárias interdenominacionais em ação no mundo estudantil ......................... p. 537
3.4.1 - Aliança Bíblica Universitária – ABU ......................................................................................... p. 537
3.4.2 - A Campus Crusade for Christ .................................................................................................... p. 540
3.4.3 - Outros grêmios religiosos conservadores em contato com estudantes ....................................... p. 544
3.5 - O missionarismo entre nossos povos originários ........................................................................... p. 545
3.5.1 - A Igreja Assembleia de Deus .................................................................................................... p. 549
3.5.2 - O Instituto Linguístico de Verão (Summer Institute of Linguistics) ......................................... p. 553
3.5.3 - A Missão Novas Tribos do Brasil (New Tribes Mission) ......................................................... p. 555
3.5.4 - A Sociedade Asas de Socorro (Mission Aviation Fellowship) .................................................. p. 559
3.5.5 - A Missão Evangélica da Amazônia – MEVA ............................................................................. p. 560
3.5.6 - A Missão Informadora do Brasil - MIB ...................................................................................... p. 561
3.5.7 - A Visão Mundial (World Vision) .............................................................................................. p. 563
4 - Visitas de evangelistas norte-americanos ao Brasil ......................................................................... p. 568
5 - Elos empresariais ............................................................................................................................. p. 570
6 - Conclusão ........................................................................................................................................ p. 576

Capítulo 11 - Das Câmaras municipais à Constituinte: “Irmão Vota em Irmão”


1 - Introdução ....................................................................................................................................... p. 578
2 - A esquerda religiosa organizada .................................................................................................... p. 584
3 - Anos 1960 e 1970: a gestação de um Partido da Fé Capitalista também em sentido literal ............ p. 586
3.1 - Os políticos religiosos e o PDS, herdeiro da ARENA ................................................................. p. 592
4 - Anos 1980: sai de cena a ditadura, cresce o PMDB e amplia-se o protagonismo pentecostal ....... p. 595
4.1 - Surge a bancada evangélica .......................................................................................................... p. 599
4.2 - A bancada evangélica na Constituinte .......................................................................................... p. 602
4.3 - O voto dos constituintes evangélicos ........................................................................................... p. 619
4.4 - Um “apoio irrestrito” ao governo Sarney ..................................................................................... p. 621
5 - Conclusão ........................................................................................................................................ p. 622

CAPÍTULO 12 – O retorno do voto direto e a consolidação da presença do Partido da Fé Capitalista


no Estado Restrito
1 - Introdução ........................................................................................................................................ p. 624
2 - Eleições municipais de 1988 ............................................................................................................ p. 624
3 - As eleições presidenciais de 1989 ................................................................................................... p. 629
4 - O primeiro ano do governo Collor e a bancada evangélica ............................................................. p. 632
5 - Eleições gerais de 1990 .................................................................................................................... p. 633
6 - A bancada evangélica empossada na Câmara federal em 1991 ...................................................... p. 639
6.1 - A renovada bancada evangélica e o governo Collor ..................................................................... p. 646
7 - Eleições Municipais de 1992 ........................................................................................................... p. 647
8 - As eleições de 1994 .......................................................................................................................... p. 647
9 - A bancada evangélica e o primeiro mandato de FHC ...................................................................... p. 650
9.1 - Principais votações na Câmara dos Deputados .............................................................................. p. 656
10 - Eleições municipais de 1996 .......................................................................................................... p. 661
11 - As eleições de 1998 ....................................................................................................................... p. 663
12 - A bancada evangélica e o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso ............................... p. 665
12.1 - A bancada evangélica e os principais debates na Câmara federal entre 1999 e 2002 ................ p. 672
12.2 - O voto evangélico e os trabalhadores no segundo mandato de FHC ......................................... p. 677
13 - Eleições municipais de 2000 .......................................................................................................... p. 678
14 - As eleições de 2002 ....................................................................................................................... p. 679
15 - Principais financiadores da bancada evangélica ............................................................................ p. 681
16 - Conclusão ...................................................................................................................................... p. 684

Considerações Finais .......................................................................................................................... p. 686

Bibliografia ......................................................................................................................................... p. 695


17

Introdução

Em carta1 de 21 de maio de 1979, Aroldo Pereira dos Santos, presidente estadual


da Igreja do Evangelho Quadrangular, convidava o delegado Adão Rosa, da Delegacia
Especializada de Ordem Política e Social - DEOPS, para uma “concentração de fé”.
Realizado em junho do mesmo ano, o evento era dedicado aos capixabas e especialmente
a “todos os Governos e Autoridades Civis e Militares do Estado do Espírito Santo e da
Nação Brasileira”, enfatizando o pastor que “todas as autoridades na Terra são ministros
de Deus”. Em 2010 o religioso viria a ser assessor parlamentar do deputado estadual
Euclério Sampaio. Quatro anos depois, organizações religiosas elegem mais de setenta
deputados federais, alcançando mais de oitenta nas eleições de 2018 e emplacando em
2016 o prefeito da segunda maior cidade do país.
Segundo Antonio Gramsci (2001, v. 3, p. 244), a ideia de um Estado laico
retrocede ao final do século XVIII, tendo como um dos seus primeiros reflexos, durante
a Revolução Francesa, a separação entre o Estado e a Igreja Católica e a proposição de
cultos à Razão e a um Ser Supremo, genérico e portanto independente de qualquer
instituição religiosa. A observação é encontrada no verbete Armas e religião do seu
caderno carcerário número seis, onde, conforme sugere o título, Gramsci reflete sobre o
que considerava os dois principais sustentáculos dos Estados modernos: o consenso e a
força. Metades indissociáveis de um “Estado ampliado” que se prolongaria para além das
estruturas burocráticas oficiais, englobando também organizações particulares. Ideia
simbolizada por um centauro, cujas metades animalesca e humana referem-se às
dimensões em que o poder de dominação classista é produzido: o aparelho propriamente
estatal e o universo das associações voluntárias. Assim, ao tentar substituir por uma
religião estatal a Igreja Católica, a mais influente organização associativa daquele
momento, Robespierre e companhia procurariam acumular todo o poder político na
burocracia governamental, forjando uma total “identidade entre Estado e sociedade civil”
(GRAMSCI, 2001, v. 3, p. 244).
A reflexão gramsciana serve para ilustrar a importância da religião na construção
do consenso, desde tempos remotos, quando as igrejas se confundiam quase totalmente
com a sociedade civil, como na França pré-revolucionária, até a Itália de princípios do
século XX, onde conservava grande influência e por isso era objeto de frequente atenção

1
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DES – Delegacia de Ordem Política e
Social do Espírito Santo. Eventos Religiosos. Código de Referência: BR ESAPEES DES.0.MR.12.
18

do intelectual. De maneira semelhante, no Brasil contemporâneo uma significativa e


crescente parcela dessa importância parece manter-se. Falo não mais apenas da religião
católica, pedra nos sapatos jacobinos e do teórico italiano, mas também e principalmente
do evangelicalismo norte-americano, crescentemente abraçado pela classe trabalhadora a
partir da segunda metade do século XX. Fato que se desenrola num contexto de
complexificação de nossa sociedade civil, com o surgimento de influentes organizações
associativas, como as religiosas, destacando-se numericamente as pentecostais.
Paul Freston2 (1993) distingue a trajetória do pentecostalismo no Brasil em três
fases. A primeira, circunscrita ao mundo agrário do Norte e Nordeste, retrocede à década
de 1910, com a fundação por missionários estrangeiros da Congregação Cristã do Brasil
e da Assembleia de Deus. Torna-se um movimento urbano e em franca expansão apenas
em sua segunda fase, entre 1950 e 1977, quando novamente estrangeiros trazem a Igreja
do Evangelho Quadrangular (1951), ex-membros da Assembleia de Deus fundam a Brasil
para Cristo (1955) e é inaugurada a Igreja Pentecostal Deus é Amor (1962), todas na
cidade de São Paulo. Em contínua ascendência, metamorfoseia-se nos anos 1970,
somando ao seu repertório ideológico as teologias do Domínio e da Prosperidade e
abrindo uma terceira fase. Cabe frisar que todas essas etapas sofrem impulsos do exterior,
relacionando-se as duas primeiras a fluxos do missionarismo estrangeiro, o segundo bem
mais intenso que o primeiro, e a terceira a novidades doutrinárias vindas dos Estados
Unidos3.
Dada a relativamente pequena evolução numérica do evangelicalismo no Brasil
durante a primeira dessas fases, o marco inicial desta pesquisa são os anos 1950, momento
de acelerada expansão do pentecostalismo4, concomitante à intensificação dos esforços
missionários de religiosos fundamentalistas e seus simpatizantes, fatos relacionados com
a disputa de influência entre as duas potências que travaram a Guerra Fria e as propostas
de mudanças sociais trazidas por setores cristãos latino-americanos.

2
Cientista social, historiador, antropólogo e especializado em estudos latino-americanos e do cristianismo.
É professor nas Universidades canadenses Balsillie School of International Affairs e Wilfrid Laurier
University e distinguished senior research fellow no Institute for Studies of Religion da norte-americana
Baylor University. Seus temas de pesquisa são sociologia da religião; religião e política; religião e
globalização; protestantismo e pentecostalismo. (FRESTON, 2014).
3
Galindo (1995, p. 192) relata que o movimento dito “neopentecostal”, caracterizado pela introdução da
Teologia da Prosperidade, surge nos EUA na década de 1960. Já Mariano (2014, p. 151) situa a sua eclosão
na década de 1970 pois, ainda que elementos seus já pudessem ser observados no culto pentecostal desde
a década de 1940, ele apenas se organiza num movimento doutrinário mais tarde, quando a Teologia da
Prosperidade é abraçada por grupos carismáticos norte-americanos.
4
Estima-se que em nosso país os pentecostais tenham crescido na ordem de 75% de 1955 a 1960; 100% de
1960 a 1970; 80% na década de 1970 e 170% entre 1980 e 1992 (CORTEN, 1996, p. 138).
19

O fenômeno aqui estudado, e ao qual chamarei de Partido da Fé Capitalista,


entretanto, não se limita ao grupo pentecostal, apesar de seu predomínio numérico no
mundo capitalista periférico. Falo de um consórcio religioso conservador ecumênico que
envolve não apenas porções das diversas igrejas evangélicas, mas também católicos,
mórmons, testemunhas de Jeová e unificacionistas, por exemplo. Partido de terras norte-
americanas, ele se desenrola num quadro histórico de reorientação da política externa
estadunidense para a América Latina e de deslanche daquilo que Virgínia Fontes 5 (2010)
chamou de capital-imperialismo. Por via de um proselitismo hegemônico capitalista, e de
um engajamento político que em muito antecede a formação da bancada evangélica no
Congresso Nacional, agremiações religiosas atuaram em terras brasileiras, sobretudo nos
últimos 70 anos, de modo a assegurar expansão da lógica capital-imperialista junto aos
seus sócios nacionais, assim reforçando o domínio da burguesia norte-americana sobre a
economia brasileira. Ações inseridas num projeto hegemônico global, formulado
conjuntamente pelo empresariado, a intelectualidade e funcionários estatais norte-
americanos, sendo múltiplas organizações de fé chamadas a dele participar.
Tal iniciativa, lançada na década de 1950, consiste num programa permanente,
organizado e patrocinado em sua maior parte pela classe dominante norte-americana e
seu Estado, articulado ao deslanche de uma sistemática guerra psicológica e de
propaganda, idealizada para manter a influência econômica e ideológica norte-americana
sobre a América Latina. Tal como expresso com notável lucidez no relatório final de
comitê do Senado norte-americano que em 1976 investigou os excessos dos órgãos de
inteligência do país, como a cooperação entre a CIA e missionários fixados no exterior,
o Partido da Fé Capitalista também não foi “produto de um único partido, administração
ou homem, mas se desenvolveu enquanto a América erguia-se para se tornar uma
superpotência durante uma Guerra Fria Global” (SENATE Select Committee to Study
Governmental Operations with Respect to Intelligence Activities, [s.d.]). Da mesma
forma, este trabalho abordará ações contínuas, que transcendem governos,
desempenhadas por um Estado ampliado desde muito frequentado pelo empresariado e
suas associações, que nele imprimem determinações ligadas à expansão mundial de seus
interesses.

5
Historiadora e filósofa, é professora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio - EPSJV, do
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense e da Escola Nacional
Florestan Fernandes - MST. Desenvolve trabalhos nas áreas Teoria e Filosofia da História, Epistemologia,
História do Brasil República e História Contemporânea (FONTES, 2021).
20

Sustento que a progressiva presença em países pobres de religiosos conservadores,


sobretudo evangélicos, se conecta com esse programa hegemônico, também facilitado
pelos Estados periféricos no contexto da sua inserção subalterna na economia capitalista
global. Programa que tem como uma de suas principais marcas o fato de desdobrar-se,
complementando-se, tanto no âmbito da sociedade civil como no do governo político.
Sofrendo metamorfoses ao longo da segunda metade do século XX, ajustando seu corpo
doutrinário e forma de atuação aos diferentes momentos das lutas de classes no Brasil e
no mundo, a militância de agremiações religiosas conservadoras incidiria sobre esses dois
níveis.
No primeiro, aquilo que chamo de proselitismo hegemônico capitalista instilaria
o consentimento das relações de exploração entre os trabalhadores, obstando a
organização autônoma em ações que viessem a desafiá-las. Nos países capitalistas
subalternos, assume ele as formas de um arraigado anticomunismo, desdobrado numa
generalizada repulsa às esquerdas; do incentivo à obediência às autoridades, mesmo em
Estados repressivos, como o Brasil ditatorial; do desestímulo às iniciativas que busquem
alterar o quadro socioeconômico vigente; e de rituais que transportam para o plano
extraterreno a solução de problemas sociais.
Sucintamente, o que esse proselitismo procura é obscurecer a percepção dos
fatores determinantes das condições de vida da classe trabalhadora, operação que, cabe
observar, ainda que seja realizada muitas vezes indiretamente, como o fazem todas as
religiões, cujas cosmovisões se veem às voltas com a contingência de explicar e, ao fazê-
lo, justificar a posição social de seus seguidores6, ocorreu também e predominantemente
de maneira deliberada. Fato bem ilustrado pela recente Teologia da Prosperidade, 100%
made in USA, que desloca retoricamente os conflitos de classes para a dimensão divina,
onde forças demoníacas travariam a satisfação de necessidades materiais. A produção de

6
Para o sociólogo e filósofo Otto Maduro (1980, p. 172), “uma igreja tende a desempenhar, a maior parte
do tempo, uma função conservadora, sobretudo nas sociedades de classes com estrutura de dominação
consolidada ao longo de um processo de muitas gerações”, fato que se refere ao interesse eclesiástico em
conservar um público o mais amplo possível. Daí, tem-se a “produção de um discurso religioso
suficientemente ambíguo para satisfazer todas as frações sociais que solicitam seus serviços religiosos, e
impedir a defecção em massa de setores de uma classe social qualquer (dominante ou subalterna)”. Enfim,
“um discurso unitário e ambíguo, que tem como uma das principais e inevitáveis funções conservadoras
ocultar, deslocar e superar simbolicamente, na transcendência, os conflitos sociais inerentes a toda
sociedade de classes”. Já Antonio Gramsci via a religião como um sistema de convicções frequentemente
relacionado a valores já estabelecidos e, por isso, conformado à preservação do arranjo social vigente.
Afinal, “novas convicções das massas populares são extremamente débeis, notadamente quando estas novas
convicções estão em contradição com as convicções (igualmente novas) ortodoxas, socialmente
conformistas de acordo com os interesses das classes dominantes” (GRAMSCI, 1999, V. 1, p. 110).
21

força de trabalho disciplinada e precarizada seria o resultado dessa campanha ideológica,


que apenas sucede na medida em que consegue minar as possibilidades organizativas dos
trabalhadores, fechando as portas para a construção e disseminação de formas de ver o
mundo desafiadoras do arranjo social vigente.
Já no segundo nível, onde esse programa hegemônico se completa, vemos o
universo da política estritamente estatal progressivamente frequentado por religiosos
interessados na impulsão dos interesses da camada empresarial liderada por setores
econômicos norte-americanos e na inserção de forma subalterna da classe trabalhadora
no aparelho governamental. Amistosos com a ditadura implantada em 1964, que
aprofundou a internacionalização da economia brasileira, e participantes das reformas de
cunho neoliberal empreendidas pelos governos brasileiros após a redemocratização,
nossos políticos evangélicos, a exemplo de seus pares norte-americanos, têm emprestado
sua influência a programas econômicos desejados pelo empresariado norte-americano e
seus sócios brasileiros.
Partindo de tais pressupostos, procurarei esboçar uma história do Partido da Fé
Capitalista no Brasil e nos Estados Unidos desde o final da Segunda Guerra Mundial,
quando, no alvorecer da Guerra Fria, iniciam-se no país do Norte os primeiros planos para
combinar ações religiosas à mais ampla campanha ideológica de consolidação de seu
domínio planetário. Fato sentido no Brasil em princípios da década de 1950, por exemplo,
com a aceleração da expansão de organizações religiosas evangélicas partidas dos
Estados Unidos. A pesquisa seguirá até o ano de 2002, momento em que tais organizações
estão firmemente enraizadas entre a população e nos poderes Executivo e Legislativo, em
nível local e nacional, participando do amplo programa de reforma da economia brasileira
em bases liberais, concluso no final do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso.
A tentação de ir além, porém, é grande. No momento em que escrevo (novembro
de 2019), uma virulenta vaga economicamente liberal é encenada em Brasília,
pretendendo aniquilar o que resta dos direitos que a classe trabalhadora organizada
custosamente gravou na Carta de 1988. Novamente, e talvez de maneira ainda mais
decisiva, setores religiosos, dentro e fora do Congresso, encorpam essa onda. Mas a
história do tempo presente, sempre atualizada, impõe desafios incontornáveis para esta
pesquisa, que precisa se conformar a balizas temporais tanto em seu conteúdo como nos
prazos definidos para levá-la a termo.
Ao longo destes capítulos, abordarei, assim, a cooperação entre grêmios
religiosos, empresários e a máquina estatal norte-americana e brasileira, bem como a
22

atuação dessas organizações religiosas no interior das sociedades civis de ambos os


países, buscando consolidar um programa de poder em favor da hegemonia da burguesia
norte-americana e seus sócios brasileiros por toda a segunda metade do século XX. No
Brasil, o trabalho dará ênfase maior à porção pentecostal do Partido, de longe o grupo
evangélico mais numeroso por aqui, mas sem deixar de examinar a participação de outras
igrejas, inclusive de setores católicos. Nos Estados Unidos esse foco recuará um pouco,
inexistindo semelhante predominância pentecostal.
Grêmios religiosos que não serão tratados como estruturas monolíticas e simples
aparatos ideológicos disfarçados de igrejas, mas como espaços onde também aflora o
sentimento religioso legítimo. Fato ilustrado pelo caso do ex-pastor da Igreja Universal
do Reino de Deus, Mário Justino 7, que, ainda menor de idade, abandonou a família em
São Gonçalo - RJ para dedicar-se integralmente à evangelização, inicialmente recebendo
não mais que um teto e um prato de comida. Associações atravessadas também por
contradições e tensões entre as posições de suas cúpulas e a prática de parcelas de suas
bases, como evidente na participação de membros da Assembleia de Deus nas lutas
populares pela posse da terra. A documentação, entretanto, não deixa dúvida de que o
sentido dominante das ações políticas e ideológicas de tais organizações é desenhado por
suas lideranças, que se mostram capazes de hegemonizar, informando ideologicamente,
se não a maioria, hipótese que permanece em aberto em vista da ausência de dados
estatísticos, ao menos grande parte dos seus seguidores.
Ao mesmo tempo, cabe ressaltar que, ao falar num Partido da Fé Capitalista, não
me refiro à totalidade do campo religioso, mas sim a setores específicos desse campo,
embora capilarizados em diversas denominações. Sendo assim, não se pode perder de
vista que, da mesma forma como a coligação ecumênica conservadora aqui descrita
contribui para o reforço da hegemonia mundial norte-americana e para a consecução dos
interesses capitalistas em detrimento dos da classe trabalhadora, outras porções religiosas
almejaram justamente o contrário. Falo, por exemplo, de católicos e evangélicos reunidos
em torno de propostas de organização dos trabalhadores dedicadas à superação da
estrutura de classes em vigor, como aquelas condensadas na Teologia da Libertação.

7
Tendo dedicado sua juventude à Igreja Universal do Reino de Deus, antes de com ela se desencantar e de
ser abandonado em Nova Iorque, após revelar ser portador do vírus HIV, sem sequer o dinheiro da passagem
de volta para o Brasil, Mário Justino sintetizou sua experiência no livro Nos Bastidores do Reino: a vida
secreta da igreja Universal do Reino de Deus (São Paulo: Geração Editorial, 2021).
23

Em termos formais, o escrito está dividido em três partes. A Parte I é dedicada à


necessária reflexão teórica, onde ligarei este objeto aos preceitos aqui adotados. Tratarei,
portanto, de apresentar pressupostos que sustentarão as conclusões tecidas nas etapas
seguintes, trazendo também, e de forma resumida, fatos fundamentais sobre o Partido da
Fé Capitalista no Brasil e no mundo. Serão apresentadas as ideias de Karl Marx, Friedrich
Engels, Max Weber, Antonio Gramsci, Virgínia Fontes e Nicos Poulantzas que
embasarão o exame do fenômeno em seus desdobramentos políticos e culturais no
contexto histórico e geográfico do Brasil e dos Estados Unidos da segunda metade do
século XX.
A Parte II, que juntamente com a III procurará demonstrar com o suporte de fontes
arquivísticas a linha interpretativa esboçada na Parte I, se voltará para a análise dos
processos de concepção e consolidação do Partido da Fé Capitalista nos Estados Unidos.
Serão explorados seus propósitos e raízes, identificando os principais atores envolvidos
na sua construção e consolidação e procurando compreender o feitio de sua atuação
naquele território e na interface internacional. Verei, assim, os fóruns de discussão que
lhe deram origem, as principais organizações que o representam, seus elos empresariais
e as ações do Departamento de Estado norte-americano para abrir em todo o mundo
espaços para a penetração das associações componentes do Partido. Além de bibliografia
recente, minha narrativa se baseará em fontes documentais produzidas pelo governo dos
Estados Unidos e suas agências de inteligência, disponíveis nos bancos de dados da
Central Intelligence Agency - CIA, com papéis sobre atividades de inteligência e
espionagem; WikiLeaks, com documentos diplomáticos; e National Archives and
Records Administration (NARA), trazendo documentos do poder Executivo.
A Parte III, por sua vez, abordará o processo de penetração e enraizamento do
Partido da Fé Capitalista no Brasil, as articulações entre organizações religiosas dentro e
fora do país, a sua aproximação com camadas empresariais e intelectuais, as principais
entidades que o representam e suas relações com a dimensão estritamente estatal. Para
tanto, além da bibliografia, recorrerei aos documentos dos serviços de inteligência do
Estado brasileiro e outras instâncias do Poder Executivo, todos reunidos na base unificada
do Arquivo Nacional denominada SIAN. Nesse universo documental, os papéis mais
úteis para esta pesquisa serão os acumulados pelo Serviço Nacional de Informação – SNI
e pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, que, juntos,
abrangem quase toda a segunda metade do século XX. Além deles, será vista a
documentação produzida pela Assessoria de Segurança e Informações da Fundação
24

Nacional do Índio; pelo Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica; pela


Comissão Geral de Investigações; pelo Conselho de Segurança Nacional; pela Delegacia
de Polícia Federal em Juiz de Fora; pela Divisão de Inteligência do Departamento de
Polícia Federal; pelas Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça e das
Relações Exteriores; pelo Estado-Maior das Forças Armadas; pela Telecomunicações
Brasileiras Sociedade Anônima; e pelo Gabinete Pessoal do Presidente da República.
O uso dessas fontes, entretanto, requer uma ressalva: evidentemente concebidas
para fins diferentes dos desta pesquisa, não raro elas trarão informações fragmentadas
e/ou apenas indiretas. Assim, sempre que possível, procurarei mitigar essa deficiência
agrupando dados trazidos por mais de um documento, bem como buscando preencher
eventuais lacunas com a pesquisa em jornais, páginas de internet e a bibliografia. Aqui e
ali, entretanto, a reconstituição factual dos processos descritos permanecerá
inevitavelmente incompleta.
Acredito, porém, que seja acertada a escolha de fontes pertencentes a órgãos
administrativos oficiais em virtude da interpenetração, que nelas aparece com frequência,
de iniciativas religiosas com setores empresariais e o aparelho estatal, no bojo daquilo
que Gramsci chamou de Estado ampliado, habitat da efetivação de projetos hegemônicos
planejados pelas frações preponderantes da classe dominante em parceria com prepostos
do campo intelectual e burocrático. Sendo o Partido da Fé Capitalista iniciativa deste
feitio, e diante da dificuldade de acesso aos arquivos das múltiplas organizações
religiosas, os papéis governamentais brasileiros e norte-americanos parecem o melhor
caminho para captar o fenômeno.
Apenas recentemente publicado, esse material também oferece a possibilidade de
validar interpretações que procuraram relacionar o movimento religioso aqui descrito
com propósitos geopolíticos e econômicos de instâncias superiores das sociedades norte-
americana e brasileira, mas que careciam de sustentação documental. Espero poder
revigorar esse ponto de vista, que na ausência de amparo comprobatório, foi
desacreditado por muitos estudiosos.
Um deles foi o teólogo e historiador costarriquenho Arturo Piedra Solano (2008,
p. 11-14), que julga ter sido a religião evangélica, desde os primórdios oitocentistas da
sua penetração na América Latina, alvo de preconceitos e equívocos, induzindo a
percepção errônea de que ela participaria dos “planos ocultos das políticas imperialistas
na região”. Visão que teria sido consolidada nas décadas de 1970 e 1980, tomando a forma
de “uma teoria conspiratória que afetou a imagem dessas igrejas”. Inversamente, sustenta-
25

se que a presença missionária se trata, na verdade, de um “movimento interamericano”,


o panamericanismo, que não almejaria outra coisa senão “melhorar as relações entre o
norte e o sul do continente”, ainda que se admita que o interesse norte-americano em
“mudar a imagem que se tinha do país no sul do continente” se combinou com a
disposição dos missionários em desfazer a noção de que seu país seria uma “potência
imperialista”, da qual honestamente discordariam. Também recebe panos mornos a
cooperação entre estes últimos e empresas multinacionais, apenas uma “aproximação
aparente”. Assim, se por um lado é “evidente” que o trabalho missionário aceitou recursos
corporativos, dever-se-ia dar “o benefício da dúvida”, posto que muitos evangélicos “nem
sempre entendiam as repercussões negativas dessas empresas” e tampouco “o poder
político que essas empresas tinham”.
Me parece, porém, que a questão não pode ser compreendida no nível individual,
sendo pouco significativo o fato de que muitos desses religiosos, afirmação inclusive
dificilmente verificável, participaram apenas de maneira involuntária dos esforços
geopolíticos de seu país (o que ademais não anula a sua inserção num projeto de poder).
Resta claro, assim, como se verá nas próximas páginas, que um número significativo deles
foi agente mais ou menos consciente desse imperialismo, trabalhando para a consecução
de propósitos políticos e econômicos traçados no Norte e/ou transmitindo postulados
ideológicos que contribuem para a hegemonia mundial, no sentido gramsciano, do grande
centro capitalista estadunidense.
26

PARTE I

RELIGIÃO E IMPERIALISMO: FATOS BÁSICOS E TEORIA


27

CAPÍTULO 1
Organizações religiosas: fatos básicos e o ponto de vista marxista

1 - Introdução

Neste capítulo introduzirei o núcleo teórico desta pesquisa, preocupando-me


principalmente em situar meu objeto, a influência ideológica de associações religiosas
sobre a organização social do mundo, dentro da linha de pensamento lançada por Karl
Marx e Friedrich Engels e que, acredito, encontrou em Antonio Gramsci bases
interpretativas mais fundas e adaptadas ao tempo presente.
Inicialmente, porém, se faz necessária a apresentação de fatos indispensáveis para
situar o leitor.

2 - Protestantes ou evangélicos?

Uma questão conceitual se impõe na descrição da mais importante porção do


bloco ecumênico que chamo de Partido da Fé Capitalista. Corriqueiramente referidos à
maioria dos cristãos não católicos em países como o Brasil, o que significam os termos
protestante e evangélico?
A palavra protestante, conforme Martin Norberto Dreher8 (2017, p. 496-497), é
polissêmica e de conteúdo variante ao longo da História. Pode-se referir aos “partidos
políticos” formados no interior da igreja cristã ocidental, o católico, aliado ao imperador
Carlos V do Sacro Império Romano-Germânico, aliado do Papa e crítico às propostas de
Martinho Lutero, e um partido protestante, ou seja, formado ao redor dos príncipes
alemães simpáticos ao monge. Posteriormente, o teólogo e filósofo Friedrich Daniel Ernst
Schleiermacher (1768–1834) teria reformulado o conceito, indicando que a característica
principal dos protestantes seria uma inversão da relação entre indivíduo e igreja vigente
no catolicismo. Se ali o contato individual com a divindade dependia primeiramente da

8
Teólogo pela Escola Superior de Teologia - EST e pela Ludwig-Maximilians-Universität München, é
professor na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Ministra as disciplinas Simbologia da
Religião, História das Religiões, Religião e Diálogo Inter-religioso e Imigração e Colonização na América
Latina. Desenvolve pesquisas sobre os temas Ideias e Movimentos Sociais na América Latina e
Colonização e Imigração na América Latina (DREHER, 2020).
28

relação com a igreja, para os protestantes aconteceria o oposto. Já o também teólogo e


filósofo Paul Tillich (1886-1965) indicou haver uma grande pluralidade das formas e da
“realidade religiosa, social, política e cultural” da religião protestante. Sendo assim, seria
impossível, diz Dreher (2017, p. 497), determinar com total precisão o que é o
protestantismo sob o ponto de vista da “história das confissões”.
A palavra evangélico, porém, não é de mais fácil fixação conceitual. Os obstáculos
em caracterizá-la partem, primeiramente, do fato de que ela se liga a duas vertentes, uma
alemã e outra inglesa, cada qual com o seu entendimento próprio do que seria um
evangélico. De todo modo, podemos falar de maneira simplificada que, nos Estados
Unidos nas décadas finais do século XX, a palavra evangelical9 “é sinônimo de
conservador e adversário de tudo quanto cheira a liberalismo, modernismo e
ecumenismo” (DREHER, 1997, p. 499). Também referindo-se à realidade norte-
americana, Marsden (1991, p. 160-166), por sua vez, agrupa um conjunto de crenças
essenciais que caracterizariam esse grupo. São elas, a doutrina Reformada da autoridade
final da Bíblia; o caráter histórico real do trabalho de salvação divino conforme gravado
nas escrituras; a salvação e a vida eterna por via da função redentora de Jesus Cristo; e a
importância do evangelismo, das missões e de uma vida espiritualmente transformada.
Os seguidores desses preceitos, contudo, formariam um universo extremamente amplo e
variado, englobando igrejas do Movimento de Santidade, pentecostais, metodistas
tradicionalistas, todos os batistas, presbiterianos, as igrejas negras pertencentes a essas
tradições, os fundamentalistas, os pietistas, os confessionalistas luteranos e reformados,
os menonitas, a igreja de Cristo e alguns membros da Igreja Episcopal.
Já no que diz respeito ao Brasil, a pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião
(ISER) Magali do Nascimento Cunha10 visualiza um consenso entre os cristãos não
católicos brasileiros em torno da nomenclatura evangélico para a definição de sua
identidade religiosa. As razões para tanto têm raízes históricas, ligando-se à maneira
como se viam os missionários norte-americanos que introduziram em grande parte a fé

9
Daniel Rocha, (2020, p. 98 e 112) também atesta o conteúdo conservador da palavra “evangélico”, ao
menos nos Estados Unidos, que se remete às primeiras décadas do século XX. Naquele contexto, diante da
divisão do campo protestante entre liberais e fundamentalistas, setores desse último grupo pararam de se
ver como protestantes, supondo que, diante da gravidade do desvio teológico atribuído aos liberais, o termo
não mais serviria para se referir de maneira inequívoca aos verdadeiros cristãos. Passaram, assim, ao lado
de outros grupos não exatamente fundamentalistas, ainda que por eles influenciados, a se denominar
evangelicals ou born again christians (cristãos renascidos). Dessa forma, pode-se dizer que “todos os
fundamentalistas seriam evangelicals, mas nem todos os evangelicals seriam fundamentalistas”.
10
Doutora em Ciências da Comunicação, é jornalista e pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião
(ISER), além de colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas.
29

protestante no Brasil ainda no século XIX. Estes inicialmente se autodenominavam


crentes, buscando uma “identificação que representasse a nova experiência vivida no país
e que demarcasse a negação do Catolicismo oficial e hegemônico” (CUNHA, 2020).
Porém, a despeito da nomenclatura escolhida para uso no Brasil, tais missionários
acumulavam previamente uma outra, a de evangelicals, proveniente de sua filiação ao
conservadorismo protestante, expressando o desejo de “firmar a sua fidelidade ao
Evangelho e não à Ciência ou à razão humana, com as quais protestantes progressistas se
afinavam”. Tais evangelicals, reunidos em torno de organizações missionárias cada vez
mais presentes em partes do mundo como o Brasil, alcançam influência crescente sobre
o nosso panorama religioso ao longo do século XX. Como decorrência disso, há um
processo de adoção pelas igrejas brasileiras do termo evangélico, abandonando-se aos
poucos a designação crente, que acabara adquirindo conotações negativas. Essa
consolidação da palavra evangélico para a referência aos cristãos não católicos brasileiros
seria, ainda, em muito impulsionada pelo crescimento do pentecostais, que com ela se
identificam fortemente. Na prática, assim, segundo Cunha (2020), a palavra protestante
não seria utilizada por esses cristãos para sua própria descrição, circunscrevendo-se
apenas ao mundo da produção acadêmica.
Sendo assim, visando evitar confusões conceituais, e partindo do pressuposto de
que, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, a maior parte dos religiosos temas deste
trabalho, ou seja, conservadores cristãos e não católicos11, membros de igrejas cuja
genealogia retroceda à Reforma Protestante, se reconhecem como evangélicos, esse será
o termo aqui usado para a referência a esse grupo. A palavra protestante, então, será
deixada de lado, exceto nos casos em que ela aparece contida em citações bibliográficas
e documentais e se refira a períodos históricos mais remotos, anteriores ao cisma
fundamentalista.
Não são evangélicas, no entanto, um punhado de igrejas cristãs não católicas
importantes para esta tese. A principal delas é a Igreja da Unificação, vulgarmente
conhecida como “Seita Moon”, erguida sobre uma interpretação bastante heterodoxa da
Bíblia, os escritos do empresário coreano Sun-Myung Moon. Além dela, também não
podem ser caracterizados como evangélicos os Testemunhas de Jeová e a Igreja de Jesus
Cristo dos Santos dos Últimos Dias, ou Igreja Mórmon. Enquanto os primeiros seguem

11
Isso, porém, não impede que, no Brasil, religiosos não católicos progressistas também se reconheçam
como evangélicos, uma vez que, como dito, o termo se refere por aqui a todos os cristãos não católicos
membros de igrejas ligadas à Reforma Protestante, de modo que estes também serão referidos dessa forma.
30

sua própria versão do Novo Testamento, a Tradução do Novo Mundo das Escrituras
Sagradas, publicada em 1950, os últimos não têm como referência principal a Bíblia, mas
o Livro de Mórmon, lançado nos Estados Unidos em 1830 por Joseph Smith, que traria
escritos de profetas da antiguidade judaico-romana supostamente desembarcados na
América do Norte ainda em tempos pré-colombianos.

3 – Organizações político-religiosas no Brasil e Estados Unidos: dados essenciais

Acreditava Gramsci (2001, v. 3, p. 42) que uma nação rica e poderosa traduz sua
influência internacional na exportação de ideologias e associações germinadas naquilo
que comumente compreendemos como sociedade civil, ou seja, fora das suas estruturas
administrativas oficiais, como o Rotary Club, a maçonaria e agremiações religiosas. A
reflexão quase secular parece resistir ao levarmos em conta a vertiginosa marcha de
organizações cristãs norte-americanas para a América Latina, onde colhe crescentes
multidões de adeptos, sobretudo entre a população mais pobre. Fenômeno ligado,
conforme veremos na Parte II, à execução de uma guerra psicológica e de propaganda,
pensada por intelectuais e agentes governamentais norte-americanos, que, no contexto da
Guerra Fria, procurou incluir a religião num rol de empreendimentos ideológicos para
disputar com os soviéticos a simpatia global.
Passarei a ver alguns dos principais atores, envolvidos nesse programa político-
religioso, presentes em terras norte-americanas e no mundo capitalista periférico. No
Brasil, ele é impulsionado sobretudo por grandes organizações pentecostais, que
arrebanham a maioria do nosso público evangélico, ainda que outras associações
religiosas, sobretudo as sediadas nos Estados Unidos, também desempenhem papel
importante, não se podendo menosprezar da mesma forma a participação de setores
conservadores católicos. Frequentando todos esses grupos, fundamentalistas e seus
simpatizantes constituem importante amálgama desse bloco ecumênico, que, apesar de
heterogêneo, não deixa de se orientar por um conjunto de pressupostos comuns.
Tal consórcio, que passa a atuar com força crescente a partir da década de 1950,
faz crescentes esforços proselitistas nos quatro cantos do mundo, enquanto se aproxima
do aparelho estatal onde quer que esteja instalado, numa ação em duas frentes que parece
voltada para a produção de determinados efeitos sociais: o adestramento das camadas
31

populares frente às necessidades do capital, a contenção do movimento socialista e a


alavancagem de políticas públicas interessantes ao empresariado.

3.1 - Uma nota sobre o fundamentalismo cristão

Passarei agora a dedicar algumas palavras ao movimento que, desde o princípio,


tem fornecido boa parte dos quadros e do arcabouço ideológico para o conservadorismo
religioso politicamente organizado nos Estados Unidos e no Brasil. Trata-se do
fundamentalismo, corrente religiosa cujas raízes históricas remontam aos Estados Unidos
de 1875 a 1914, como informado pela historiadora Elizete da Silva12 (2007, p. 185). Sobre
ele lançarei um olhar mais detido na Parte II, convindo, entretanto, destacar aqui suas
linhas gerais.
Consiste ele num movimento teológico interdenominacional, ou seja, com
partidários no interior de inúmeras igrejas evangélicas, inicialmente caracterizado pelo
repúdio às interpretações críticas da Bíblica, surgidas no rastro dos avanços científicos de
finais do século XIX e início do XX que puseram em xeque a sua leitura literal. Na
contramão, postulavam os fundamentalistas a inerrância da Bíblia, para eles válida
inclusive como fonte histórica e referencial científico. Tais noções foram consolidadas na
publicação The Fundamentals: A Testimony to the Truth, coleção de textos redigidos
entre 1910 e 191513, de onde o movimento tira sua nomenclatura, formulados por teólogos
conservadores bancados por empresários como Lyman Stewart, dono da Union Oil
Company, e outros magnatas do petróleo e fazendeiros (GALINDO, 1995, p. 168).
Daniel Rocha14 (2020, p. 94) vê o fundamentalismo como uma reação contra a
modernidade, que se instalava rapidamente nos Estados Unidos em princípios do século

12
Com graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado em História, é professora da Universidade
Estadual de Feira de Santana. Especializada em História das Religiões, desenvolve pesquisas sobre os temas
religião, protestantismo, campo religioso e estudos inquisitoriais articulados principalmente à História do
estado da Bahia e da cidade de Feira de Santana (SILVA, E. 2021).
13
Conforme Karen Armstrong (2009, posição 3442-3443), por volta de três milhões de exemplares do
trabalho foram enviados gratuitamente para “todos os pastores, professores e estudantes de teologia dos
Estados Unidos”.
14
Historiador e cientista da religião pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, é professor do curso de Teologia do Instituto Santo
Tomás de Aquino e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. É especialista em História Contemporânea e da América
e Ciências da Religião, desenvolvendo pesquisas sobre História dos Estados Unidos, História do
protestantismo e fundamentalismo religioso (ROCHA, 2021).
32

XX, “especialmente em suas manifestações no estilo de vida das pessoas nas grandes
cidades e na diminuição da importância das referências religiosas no pensamento e nas
práticas sociais”. Também George Marsden15 (1991, p. 15-16) nota que o ambiente em
que se deu a concepção do fundamentalismo via um acelerado processo de secularização,
onde “dentro de menos de uma geração, vastas áreas do pensamento e da vida acadêmica
americanas foram removidas de toda a referência das considerações bíblicas e
protestantes”. Formidáveis “desafios intelectuais” que não eram, porém, o único motor
dessa secularização, pesando também “intensas migrações para as cidades e a imigração
de pessoas não-protestantes”, que desligaram “muito da vida nacional da efetiva
influência religiosa”.
A reação a este estado de coisas, a princípio, tomou a forma de disputas teológicas
no interior de seminários e entre dirigentes eclesiásticos, opondo teólogos modernos e
conservadores.
Considerando a possibilidade de nela haver erros, os primeiros propunham uma
nova abordagem da Bíblia, aplicando “técnicas de análise próprias da literatura e da
análise das fontes” (ROCHA, 2020, p. 94) e sugeriam o abandono de dogmas arraigados,
diante da necessidade compatibilização do texto sagrado com as últimas descobertas
científicas16. Passava-se também ao questionamento da “historicidade dos milagres e de
vários episódios narrados no texto bíblico”, agora interpretados sob uma “perspectiva
mitológica”.
Por outro lado, teólogos conservadores, sobretudo os reunidos no presbiteriano
Seminário Teológico de Princeton, em Nova Jersey, trataram de “reafirmar algumas
“verdades essenciais”’, como “a infalibilidade e ausência de erros no texto bíblico; a
imaculada concepção e o nascimento virginal de Cristo; a morte expiatória na cruz; a

15
Historiador e filósofo norte-americano, foi professor no Calvin College, na Duke Divinity School, e na
University of Notre Dame. Seu tema de pesquisa principal é a interface do cristianismo com a sociedade
norte-americana.
16
Falo aqui, sobretudo, do darwinismo. A nova teoria minaria os princípios básicos da religião em dois
pontos cruciais, em primeiro lugar ao pôr em xeque a precisão do texto bíblico, por exemplo ao sugerir que
a idade da Terra seria muito maior do que a atribuída pelas escrituras, e por inverter a relação entre fé e
ciência, colocando esta última como parâmetro fundamental ao qual a primeira precisaria se adequar.
Assim, se os avanços científicos dos século XVIII e princípios do XIX haviam “descoberto alguns dos
maravilhosos e intricados projetos de Deus para o universo” (MARSDEN, 1991, p. 36), sugerindo que uma
tão complexa ordem não poderia dispensar um arquiteto racional, o darwinismo estabelecia, ao contrário,
que o acaso, indicado como motor fundamental das mudanças evolutivas, melhor explicaria a organização
do mundo material. Além do mais, muitos dos divulgadores do darwinismo apresentavam-se como ateístas
declarados, vistos, assim, como uma ameaça por teólogos conservadores norte-americanos, que passaram
a crer que a disseminação do darwinismo “contribuiria para a erosão da moralidade americana”
(MARSDEN, 1991, p. 59).
33

ressurreição corporal de Jesus; e a realidade objetiva dos milagres”. Cuidaram, enfim, de


“definir cuidadosamente o que supunham ser a posição tradicional da Igreja com relação
à Bíblia” (MARSDEN, 1991, p. 37), reiterando a absoluta infalibilidade do texto “tal
como originalmente inspirado pelo Espírito Santo”.
Viam a teologia liberal como uma “porta de entrada para que a modernidade e
seus vários “demônios” (os modernismos) levassem os homens a criarem um mundo que
desaprendeu a ver Deus como seu eixo fundante” (ROCHA, 2020, p. 95). Amarguravam-
se com as recentes e profundas mudanças sociais nos Estados Unidos, “um processo em
que essa outrora nação escolhida por Deus havia virado as costas para os valores sobre os
quais foi construída”, urgindo, assim, mover uma batalha contra a “cultura dominante
engendrada pelo modernismo”.
Falamos, portanto, de um esforço de recuperação da “identidade cristã bíblica”
(GALINDO, 1995, p. 169) norte-americana, o que nos leva a outro importante traço do
movimento: a idealização dos Estados Unidos como o espaço onde os verdadeiros valores
cristãos puderam se reproduzir e, por isso, nação divinamente eleita para liderar a
humanidade. Na visão de Marsden (1991, p. 10), trata-se da adaptação de uma “versão
protestante do ideal medieval de “Cristandade”’, consubstanciada na crença que valores
cristãos sejam o amálgama daquela sociedade, “fornecendo uma sólida base de
moralidade e cidadania”, princípios que norteiam o comportamento social e individual,
sem os quais “a democracia seria impossível e a nação cairia na ruína e tirania”. De
maneira complementar, em termos econômicos o fundamentalismo se alinhará com o
espectro liberal, aproximação, conforme veremos na Parte II, produzida historicamente
ao longo do século XX.
O movimento abraça, enfim, valores que se acreditava ameaçados por uma
modernidade que, além da crítica bíblica, trouxe novos e estranhos comportamentos, além
do ateísmo socialista. Sobre este último ponto, explica Marsden (1991, p. 59) que o
anticomunismo fundamentalista ganha fôlego na segunda década do século XX, diante
da Primeira Guerra Mundial, para muitos teólogos conservadores sintoma da
degenerescência civilizacional de um Ocidente onde os costumes tradicionais eram
abandonados com rapidez. Decadência que também trouxera a Revolução Russa,
espalhando o medo da “disseminação de um sistema político abertamente ateísta”.
34

Inicialmente distantes da política partidária17 por compreender a existência


humana como etapa de preparação individual para o retorno iminente de Jesus Cristo,
único capaz de remediar as injustiças do mundo, após meados do século XX passam a se
envolver progressivamente com temas terrenos. Participarão, portanto, das perseguições
lideradas pelo senador Joseph McCarthy na década de 1950, também disputando o resto
do planeta com o bloco comunista e as forças reformadoras dos costumes. Farão isso com
pregações, projetos missionaristas e influenciando ideologicamente o campo religioso,
sobretudo, mas não apenas, evangélico.
Disposição que ganha ímpeto ainda maior desde meados da década de 1970,
quando estreitam relações com as estruturas partidárias norte-americanas18 por via de
organizações como a “Moral Majority”, fundada pelo pastor batista Jerry Falwell19 e por
intelectuais religiosos economicamente liberais como Paul Weyrich. Pretensamente
donos de uma autoridade moral em falta, opuseram-se aos difusores de inovações vistas
como corrosivas aos valores e instituições de sua preferência, como a família
monogâmica e heteronormativa. Declararam-se, portanto, dedicados a confrontar forças
sociais supostamente desagregadoras numa guerra cultural que passou a se desdobrar
também na arena partidária. Assim, a Moral Majority e as organizações que lhe
sucederam, por via de campanhas públicas, atividades lobistas e apoio a candidaturas,
impulsionaram uma dupla pauta moral-econômica, oposta à legalização do aborto, aos
anticoncepcionais, aos direitos dos homossexuais e à igualdade dos sexos, e favorável a
demandas de interesses empresariais, englobando a ampla desregulamentação da
economia e a saída do Estado de setores potencialmente lucrativos, como a Educação e a
Saúde.
Importa notar, contudo, que a direita religiosa não deve ser vista como mera
repetidora de um programa político-econômico partido das porções superiores da camada
empresarial, havendo, ao contrário, uma parceria derivada de uma coincidência de
interesses. Assim, Daniel Rocha (2020, p. 93 e 101) sublinha que o fundamentalismo é
capaz de elaborar “conteúdos próprios sobre a política”, “compreendida a partir de um
universo sacralizante de referência”. Assim, contribuíram sobremaneira para trazer o

17
Conforme Marsden (1991, p. 1), se no surgimento do movimento, por volta dos anos 1910 e 1920, o tema
que mais mobilizava os fundamentalistas foi a polêmica em torno da nova visão científica que se firmava,
especialmente no que toca a Teoria da Evolução de Charles Darwin, posteriormente as questões políticas
vem a ser o seu principal interesse.
18
O fizeram incentivados pelo novo contexto econômico mundial, pelo quadro de efervescência social da
década anterior e pelo advento da Teologia do Domínio, que será melhor vista adiante.
19
Sobre ele e sua organização, falarei mais na Parte II.
35

conservadorismo, após anos de desprestígio, de volta ao centro do debate político e


acadêmico, redundando na situação atual, onde ele é visto como “uma perspectiva
plausível para se interpretar o mundo e para se pensar o presente e o futuro dos Estados
Unidos”.
No Brasil, acredito que contribuição semelhante coube às organizações religiosas
conservadoras, a maioria das quais provindas dos Estados Unidos, aqui implantadas com
rapidez crescente após a década de 1950. Dessa forma, muitos dos traços da atuação
política do fundamentalismo organizado, como a defesa de preceitos morais
conservadores, a tentativa de alçar à categoria de lei seus princípios religiosos e a plena
liberalização dos mercados, são reproduzidos por grupos religiosos envolvidos em nossa
política partidária, como é o caso da bancada evangélica20 em Brasília.
A similitude e proximidade temporal21 de ambos os fenômenos torna inevitável a
indagação: no Brasil, teria a direita cristã norte-americana, constituída sobretudo por
fundamentalistas, alguma espécie de influência sobre essa interseção entre política, no
seu sentido restrito, e religião? Em 1996, a coincidência programática e cronológica entre
a bancada evangélica e seus pares norte-americanos assombrava o sociólogo Antônio
Flávio Pierucci22 que, embora sem elementos documentais para atestar a possível
interconexão, não hesitou em afirmar que entre ambos “as semelhanças e o parentesco
são mais que evidentes” (PRANDI e PIERUCCI, 1996, p.166). Na mesma direção, a
hipótese central desta tese é que, sim, são fenômenos interligados, argumento que será
desenvolvido em outros capítulos. Por ora, vejamos o que dizem alguns dos principais
pesquisadores do tema que, de forma unânime, identificam ligações, se não institucionais,
certamente ideológicas.
Sobre as relações entre o fundamentalismo e a Igreja Batista, importante pilar do
conservadorismo religioso no Brasil e grande fornecedora de quadros para a bancada

20
É preciso, porém, fazer uma ressalva sobre a qualificação “evangélica” a ela atribuída, que poderia
transmitir a ideia de se tratar de uma representação relativamente equânime das inúmeras denominações
presentes no Brasil. Este não é o caso em absoluto, há nela uma crescente preponderância pentecostal desde
a legislatura 1991-1994, quando 15 dos seus 24 parlamentares eram vinculados a denominações deste feitio.
21
O despontar partidário da direita religiosa nos Estados Unidos localiza-se no final da década de 1970. No
Brasil, conforme se verá, desde a década de 1960 políticos pentecostais descrevem um movimento de
entrada na política partidária, que desde muito já contava com representantes de outras denominações
evangélicas. Ganhando força ao longo dos anos, a presença partidária evangélica consolida-se em meados
dos anos 1980, momento de formação da bancada evangélica, que reunirá expressivo número de
pentecostais e batistas, entre membros de outras denominações.
22
Sociólogo e filósofo, foi professor do Departamento de Sociologia da USP, Universidade em que se
doutorou. Especialista em Sociologia da Religião e Teoria Sociológica Alemã, foi experiente também em
Sociologia Urbana e Sociologia Política com foco em comportamento eleitoral (PIERUCCI, 2012).
36

evangélica, recorro ao teólogo batista Alexandre de Carvalho Castro (2003) que,


preocupado com o domínio da facção fundamentalista Founders Conference na norte-
americana Convenção Batista do Sul e sua influência sobre os batistas brasileiros, acusa
a cúpula de sua Igreja de manipulação ideológica. Reflete-se ela na publicação seletiva
de trabalhos teológicos e na deliberada reprodução de clichês a fim de naturalizar um
ideário que busca atrelar artificialmente a fé evangélica atual ao calvinismo, com sua
concepção de predestinação, e ao conceito de “destino manifesto”23, segundo o qual Deus
elegera os protestantes norte-americanos para a conquista religiosa do mundo.
Antônio Gouvêa Mendonça24 (2002, p. 13) também visualiza o acoplamento
político-ideológico de setores evangélicos do Brasil e dos Estados Unidos. Para ele, a
pregação de alguns pastores brasileiros, ao repetir a retórica fundamentalista
estadunidense, descola-se completamente da nossa realidade social, remetendo-se ao
entrelaçamento entre a religião e a história específico daquele país. Circularia entre
agremiações pentecostais, por exemplo, a ideia do retorno a um modelo de civilização
cristã que nunca existiu aqui, pois refere-se àquela dos Pais Peregrinos norte-americanos.
No que diz respeito aos pentecostais, o cientista da religião25 Daniel Rocha e o
sociólogo Mauro Passos26 sustentam que o elo doutrinário entre o fundamentalismo e este

23
O teólogo enxerga o Destino Manifesto como uma das mais influentes filosofias de História do ocidente.
Abraçado com fervor pelo movimento fundamentalista, ele mantém “uma ligação quase umbilical com a
ideia de que a conquista insaciável faz parte do destino traçado por Deus” (CASTRO, 2003, p. 58). Segundo
esses princípios, os colonos norte-americanos seriam herdeiros do calvinismo, predestinados a civilizar “os
territórios que a Providência Celestial lhes oferecia” (CASTRO, 2003, p. 55). Decorrente disso, a fuga
puritana para a América do Norte foi reinterpretada como “êxodo para a Terra Prometida” (CASTRO, 2003,
p. 56), o massacre indígena como reedição de processos de purificação étnica descritos pelo Velho
Testamento e a expansão territorial norte-americana como resultado de uma “predestinação”, conceito
calvinista que também legitimou a ganância e a concentração de riquezas. Em termos cronológicos, diz ele,
o tal “destino manifesto” foi primeiramente mencionado em 1845 pelo escritor e político J. O’Sullivan para
justificar a anexação de vastos territórios mexicanos, reemergindo regularmente ao longo da História norte-
americana para validar ações imperialistas. Para o senador republicano Albert Beveridge, eleito em 1899,
entusiasmado articulador da preeminência internacional norte-americana, por exemplo, “Deus havia
predestinado o povo norte-americano como nação escolhida para salvar o mundo” (CASTRO, 2003, p. 57).
24
Teólogo pela Faculdade de Teologia da Igreja Presbiteriana Independente e filósofo pela Universidade
de São Paulo, onde também se doutorou em Sociologia. É professor da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, membro do corpo editorial da Numen - Revista de Estudos e Pesquisa da Religião (UFJF), da
Estudos de Religião (UMESP) e da REVER (PUC-SP). Seu principal tema de trabalho e pesquisa é a Ciência
da Religião (MENDONÇA, 2007).
25
O professor de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Frank
Usarski, esclarece que a Ciência da Religião é uma disciplina empírica, voltada para a investigação
sistemática da religião em todas as suas manifestações. Seu requisito fundamental é “o compromisso de
seus representantes com o ideal da neutralidade frente aos objetos de estudo”, não cabendo questionamentos
sobre a ‘“verdade” ou a “qualidade” de uma religião”, sendo todas elas, metodologicamente, abordadas
como “sistemas de sentido formalmente idênticos”, “princípio metateórico que distingue a Ciência da
Religião da Teologia” (USARKI, 2002).
26
Filósofo, teólogo e historiador da Educação pela Università Pontificia Salesiana de Roma – UPS, é
pedagogo e antropólogo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atua como professor e
pesquisador do Centro de Estudos da Religião Pierre Sanchis, do Departamento de Sociologia e
37

grupo, de onde parte a maioria dos pastores políticos brasileiros desde as duas últimas
décadas do século XX, retrocede à gênese de ambos (PASSOS e ROCHA, 2012, p. 266).
Nesta visão, o pentecostalismo desembarcado no Brasil na década de 1910, quase
simultâneo ao nascimento do fundamentalismo, traria em seu DNA muito da conjuntura
que forjou os dois movimentos em solo norte-americano, imprimindo-lhes aspectos
comuns. Assim, conservaria o pentecostalismo nacional, até o presente, “elementos
culturais e práticas ligadas ao seu contexto original”.
Já o teólogo Fernando Albano27 (2011, p. 108) assinala a proximidade da teologia
pentecostal com a fundamentalista, daí seu feitio dogmático, traduzido numa leitura
literalista da Bíblia. Avaliação reforçada por Paulo Donizéti Siepierski28 (2008, p. 74),
para quem tanto o fundamentalismo quanto o pentecostalismo pregariam a obediência
inflexível a um conjunto comum de prescrições bíblicas, além da infalibilidade do texto
bíblico em sua forma literal.
Em solo norte-americano, essa conexão permaneceria ao longo do século XX, não
deixando de exercer influência sobre os pentecostais aqui instalados. Conforme Florencio
Galindo29 (1996, p. 400), no país do Norte a aproximação ideológica reforçou-se durante

Antropologia da UFMG, é pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e


Tecnológico - CNPQ, professor e pesquisador visitante do mestrado do IPT e UTAD do Instituto
Politécnico de Tomar, em Portugal (PASSOS, 2021).
27
Mestre e doutor em Teologia pelo Instituto de Pós-Graduação das Faculdades EST, é licenciado em
Ensino Religioso pela Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE e graduado em Curso Livre de
Teologia pela Faculdade Refidim, Joinville, onde é professor e pesquisador dos temas Teologia pentecostal,
Teologia sistemática, Pneumatologia, Cristologia, Teologia e esfera pública (ALBANO, 2021).
28
Teólogo pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo e historiador pela Universidade de São Paulo -
USP, cursou, sem concluir, mestrado no famoso Seminário fundamentalista norte-americano, Fuller
Theological Seminary. Doutorou-se em filosofia pelo também norte-americano Southern Baptist
Theological Seminary e fez pós-doutorado, na mesma área, na University of Notre Dame. Sua trajetória
formativa mostra que conhece de perto o evangelicalismo norte-americano, inclusive sua vertente mais
conservadora. No Brasil, trabalhou como pesquisador na Fundação Joaquim Nabuco, onde coordenou o
curso de licenciatura em História. Foi professor, pró-reitor de extensão e diretor do Departamento de
História na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Fundou e presidiu a Associação
Brasileira de História das Religiões (ABHR). Atualmente leciona Filosofia na Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) e desenvolve pesquisas sobre Filosofia, Literatura e
o sagrado (SIEPIERSKI, 2020).
29
Clérigo vicentino, tem licenciatura pela Pontifícia Comissão Bíblica de Roma, órgão do Vaticano
fundado em 1902 e cujas atribuições originais incluíam a crítica de interpretações bíblicas desviantes,
“opiniões erradas em matéria de Sagrada Escritura” (PONTIFÍCIA Comissão Bíblica, [2014?]) aos olhos
da ortodoxia católica, e doutorado em Teologia. Atuou como diretor do Centro de Coordenação da
Federação Bíblica Católica - FEBIC para a América Latina e membro do Secretariado Geral da divisão
alemã da mesma instituição. Entidade internacional criada em 1969, cabe à FEBIC zelar pelo cumprimento
das recomendações bíblicas do Concílio Vaticano II, especificamente no que diz respeito à coordenação e
desenvolvimento de atividades bíblicas e pastorais junto às igrejas locais (History ...the origins of the
Catholic Biblical Federation, [2019?]). Foi ainda responsável pelo Departamento de Documentação e
Publicação da Ação Episcopal Adveniat, organização baseada na Alemanha, fundada em 1961, e voltada
para a subvenção do “trabalho pastoral da Igreja Católica na América Latina e no Caribe” (PROYECTOS
subvencionados por Adveniat, [2019?]).
38

a Grande Depressão, que unira pentecostais e fundamentalistas no alívio dos problemas


trazidos pela pobreza, favorecendo a absorção pelos primeiros de princípios emanados
pelos últimos. Ideias que passam a ser propaladas em sermões e manuais, como os
publicados pela Gospel Publishing House, da pentecostal Assembleia de Deus, que
lançou nos Estados Unidos cerca de duzentas obras fundamentalistas entre 1924 e 1928
(GALINDO, 1996, p. 195). Marsden (1991, p. 70-71), por sua vez, indica que, mesmo
que durante os primeiros anos do fundamentalismo os pentecostais tenham se mantido
apenas na “periferia” do movimento, uma maior aproximação30 teve lugar durante a
década de 1940, quando se associaram aos “fundamentalistas positivos”31 liderados pelo
batista Billy Graham.
Assim, ao longo da segunda metade do século XX as ligações entre os dois grupos
cresceriam incessantemente, levando à articulação de esforços missionaristas globais.
Conforme Galindo (1996, p. 340), na década de 1960 os pentecostais chegam mesmo a
adquirir preponderância dentro do amplo concerto evangélico que compunha o
missionarismo fundamentalista na América Latina. Tal ocorreria no seio de uma
“estratégia de evangelização a fundo”32, lançada em 1961 pela Missão Latino-Americana,
organização interdenominacional norte-americana com sede na Costa Rica que teria como
meta a conversão religiosa da população em geral e, sobretudo, da classe dominante. De
forma semelhante, o sociólogo Tomás Bamat (1986, p. 49) destaca uma grande presença
pentecostal no movimento missionarista de cariz fundamentalista na América Latina.
Missões que seriam inclusive a maior causa da dispersão continental do pentecostalismo.
Haveria, então, uma coincidência de valores e crenças, possuindo a religiosidade
pentecostal um “forte substrato fundamentalista” (ROCHA, 2011, p. 595), o que sugere
que muitos pentecostais atuais partilhem de uma visão de mundo bastante inspirada pelos
preceitos fundamentalistas. Bandeira comum entre fundamentalistas e pentecostais
brasileiros, por exemplo, seria a intensa oposição à liberalização dos costumes. Sob o

30
Importantes diferenças teológicas chegaram, contudo, a dificultá-la nas décadas anteriores, uma vez que
o pentecostalismo se caracteriza mais pela oralidade, emotividade e por uma fé aplicada à solução dos
problemas comezinhos dos seres humanos, enquanto o fundamentalismo seria essencialmente fundado na
tradição escrita, na preservação de um sistema de verdades eternas materializado no texto bíblico.
31
Fundamentalistas positivos são aqueles que se mantiveram dispostos a estabelecer contatos com as
diversas denominações, buscando, ao mesmo tempo, estender sua influência social, em contraposição aos
fundamentalistas estritos ou separatistas, que após o período de descrédito em que caiu o movimento, desde
finais da década de 1920, procuraram, ao contrário, evitar holofotes públicos enquanto retiravam-se de suas
denominações originais para fundar suas próprias igrejas, seminários etc. Os positivos ganham força na
década de 1940, articulando-se em torno de organizações ecumênicas como a National Association of
Evangelicals - NAE.
32
Falarei mais sobre essa estratégia adiante neste capítulo.
39

mesmo pretexto brandido pelos fundamentalistas norte-americanos: a “defesa da família”,


pastores brasileiros atacam o direito ao aborto, o sexo fora do casamento, a pornografia,
as drogas, a secularização do Estado, o ensino do evolucionismo e os homossexuais.
Abraçam, enfim, a “pauta moral” da direita cristã norte-americana, também prestando
apoio a programas economicamente liberais, como o executado pelos governos de
Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso.
Ironicamente, outro importante facilitador do nexo entre fundamentalistas norte-
americanos e porções evangélicas brasileiras deve-se à demonizada modernidade. Trata-
se da massificação eletrônica da pregação religiosa, recurso habilmente instrumentalizado
por pastores estadunidenses desde a década de 1920, quando organizações como a Igreja
do Evangelho Quadrangular passam a frequentar as ondas do rádio. Dada a grande
influência cultural norte-americana, foi uma questão de tempo para que programas de
rádio e TV desse feitio chegassem ao Brasil33, colocando os nossos evangélicos em
contato com o arcabouço ideológico fundamentalista ali embutido (ROCHA, 2011, p.
594). Não surpreende, portanto, terem sido erguidas sobre intensa programação de rádio
e televisão as maiores instituições religiosas conservadoras no Brasil atual, caso, por
exemplo, da Igreja Universal do Reino de Deus.
Por último, é necessário observar que a influência fundamentalista no Brasil não
se resume aos batistas e pentecostais, destacados devido aos seus grandes números de
seguidores e influência partidária, pois, como já foi dito, o fundamentalismo é um
movimento interdenominacional, ou seja, presente no interior de inúmeras instituições
evangélicas. Setores presbiterianos brasileiros, por exemplo, serão profundamente
influenciados por essas ideias que, devo lembrar, foram lançadas por teólogos norte-
americanos desta denominação. Falo sobretudo da Igreja Presbiteriana Fundamentalista
do Brasil, cujo pastor Israel Gueiros, próximo ao líder fundamentalista ultrarradical, Carl
McIntire, defendeu energicamente o golpe de Estado de 1964.

3.2 – Os pentecostais

33
Essa perícia no uso dos meios de comunicação eletrônica seria providencial, também, no sucesso eleitoral
dos pentecostais (ROCHA, 2011, p. 595).
40

Maior grupo evangélico em nossas terras, este trabalho atribuirá grande ênfase aos
pentecostais, sobre os quais falarei mais nos próximos capítulos, cabendo adiantar,
contudo, algumas das suas características principais.
A despeito da proposição central desta tese, que procura enxergar o
pentecostalismo praticado pelas grandes igrejas atuais como um aparato de poder
conectado à lógica do capital em sua dimensão imperialista, as origens do movimento são
francamente populares. Sua descaracterização reflete a intenção do modo de produção
capitalista de consumir tudo o que floresça em suas margens, buscando converter mesmo
manifestações originais e espontâneas partidas da classe trabalhadora em ferramentas
para a sua manutenção. Afinal, como supõe Otto Maduro34 (1980, p. 108-109), “a
dinâmica da dominação exerce suas limitações e orientações também sobre a leitura, a
interpretação e as definições oficiais originadas da mensagem fundadora” de uma
religião, num “processo de submissão do campo religioso à dinâmica da dominação de
classe” resultante “do interesse objetivo das classes dominantes em conseguir consolidar
sua dominação e instaurar sua hegemonia”.
Resultado de efervescentes movimentos religiosos populares norte-americanos ao
longo do século XIX, o formato básico do pentecostalismo foi fixado entre 1901 e 1906
pelos pastores Charles Fox Parham, no Kansas, e William Joseph Seymour, na Califórnia.
Remete a estes tempos a formação da “espinha dorsal” teológica e litúrgica do
pentecostalismo: a ideia de batismo no Espírito Santo, rito de iniciação manifestado no
dom de falar em línguas estranhas, e a adaptação de diversos elementos da religião e
cultura africana, traduzidos em coreografias, acompanhamentos musicais, testemunhos
orais, visões, êxtases, a crença na indissociabilidade entre corpo e alma e práticas
xamânicas.
Parham foi um pastor que abandonara o metodismo por acreditar no então
heterodoxo preceito teológico da cura espiritual, que viria a se tornar também central na
liturgia pentecostal. Teria sido ele o primeiro a conectar os transes e manifestações
extáticas comuns nos encontros pentecostais com a ideia do batismo no Espírito Santo.
Experiências interpretadas como semelhantes àquelas dos apóstolos de Cristo, segundo a

34
Filósofo e sociólogo venezuelano, desde 1992 é professor de Cristianismo Mundial e Cristianismo
Latino-americano na norte-americana Drew University. Seu trabalho se concentra sobretudo “na
interrelação de tradições religiosas”, em especial daquelas propugnadas pelas igrejas cristãs, e “os anseios
de liberação entre os povos economicamente, racialmente, culturalmente, e/ou sexualmente oprimidos”
(OTTO Maduro, 2007).
41

Bíblia tocados pelo Espírito Santo durante a festa de Pentecostes, daí a nomenclatura da
nascente religião.
Pouco depois, coube ao filho de ex-escravos educado na religião Batista, William
Joseph Seymour, que aprendeu sobre o batismo no Espírito Santo na escola bíblica de
Parham em Topeka, Kansas, dar uma forma mais acabada aos elementos africanos já
presentes no movimento. Palco das suas pregações, a Azuza Street em Los Angeles foi
um laboratório onde “traços da tradição negra” eram recolhidos e impressos no nascente
pentecostalismo (CAMPOS, 2005, p. 112). Dreher (2017, p. 473) também vê a
importância da cultura negra na religiosidade de Seymour, aflorando na introdução da
música africana nas liturgias, “fato que merece destaque em uma época em que tal tipo
de música era considerado impróprio para o culto cristão”.
Há consenso sobre o fato de ser o pentecostalismo uma manifestação religiosa
preferida sobretudo pelos trabalhadores mais pauperizados35. Na literatura especializada,
encontramos as organizações pentecostais angariando uma maioria de devotos entre elas,
fato empiricamente observável no Brasil atual, como veremos. Florencio Galindo (1995,
p. 190-191), por exemplo, o define como a religião dos pobres e iletrados, se alastrando
primeiramente entre “minorias marginalizadas” nos Estados Unidos do século XIX e
depois principalmente na América Latina, África e em países asiáticos pobres. Daí
proviria um de seus principais traços, seria ele um “tipo de cristianismo desinteressado
na doutrina e centrado no emocional, na vivência do sobrenatural”, caracterizado
sobretudo por experiências extáticas36.
Leonildo Silveira Campos37 (2005, p. 105-106) remete-se ao cenário social dos
Estados Unidos do Século XIX, que dera lugar ao Movimento de Santidade, uma

35
Esse poder de atração de algumas religiões sobre determinados grupos sociais é notado também por
análises de cunho marxista interessadas no fenômeno religioso. A preferência de camadas mais
economicamente desfavorecidas da classe trabalhadora pelo pentecostalismo parece compatibilizar-se, por
exemplo, com o teorizado por Otto Maduro (1980, p. 100), que supõe que a posição do indivíduo numa
sociedade de classes “implica necessidades, interesses, expectativas, costumes, esquemas perceptuais,
formas tradicionais de expressões e padrões comportamentais que divergem dos de qualquer outra posição
de classe no seio da mesma sociedade”. Como resultado, o sucesso de uma religião irá naturalmente “variar
significativamente de uma classe social para outra no seio de uma mesma época e sociedade”.
36
Teólogo ligado ao Vaticano, a prudência nos aconselharia a colocar em perspectiva as categorizações de
Galindo, que talvez careçam de adequada isenção. Mas olhares distantes do púlpito católico parecem
convergir com o essencial da avaliação do padre colombiano.
37
Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, graduou-se em Teologia pela Faculdade de Teologia
da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, e em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Mogi Cruzes. Fez mestrado em Administração pela Universidade Metodista de São Paulo, onde também
se doutorou em Ciências da Religião. Desenvolve pesquisas sobres os temas: estudos interdisciplinares do
campo religioso, protestantismo, pentecostalismo, comunicação religiosa, religião e política e novos
movimentos religiosos (CAMPOS, 2017).
42

subdivisão dos eventos conhecidos como Segundo e Terceiro Grande Despertar38, a fim
de explicar o porquê de o pentecostalismo mostrar-se avesso “ao intelectualismo, à
teologia e às instituições teológicas formadoras de um clero esclarecido”. Atravessando
o torvelinho social do contexto pós-Guerra de Secessão, agitado pelas tensões raciais
exacerbadas pelo fim da escravidão, crise na agricultura do Sul, grandes migrações para
o Norte industrializado, e imigração de trabalhadores brancos pobres europeus, tais
movimentos religiosos, onde o embrião pentecostal foi gestado, tiveram que haver-se com
questões prementes da vida prática, originado rituais concentrados nos problemas do dia
a dia e regras sociais seguras e inflexíveis.
Em vista do que foi dito, cabe agora apresentar sucintamente os fundamentos da
teologia pentecostal. Muitos dos seus pontos principais já foram descritos, mas vejamos
o que os próprios praticantes têm a dizer. Segundo o teólogo pentecostal Gary B. McGee39
(1996, p. 12), nela é central a ideia de que os dons concedidos pelo Espírito Santo, como
a habilidade de falar em outras línguas, fazer profecias, receber revelações e praticar a
cura espiritual, permaneceriam sendo distribuídos no presente, não se circunscrevendo ao
cristianismo primitivo, como postulam outras correntes cristãs. Tais fenômenos teriam
sido testemunhados, por exemplo, em movimentos reavivalistas cristãos ocorridos em
diferentes épocas e lugares, como na Índia da década de 1860.
Condição para a manifestação desses dons, o batismo no Espírito Santo é,
portanto, uma das bases da teologia pentecostal. A origem do conceito retrocede ao
mencionado ciclo religioso ocorrido nos Estados Unidos no século XIX, especificamente
às ideias gravadas no livro A Short Account of Christian Perfection, do metodista John
Wesley. Ali, fala-se sobre a necessidade da busca de uma “segunda obra da graça”, uma
“segunda benção” (MCGEE, 1996, p. 12) posterior à conversão, a fim de evitar a natural
inclinação humana ao pecado. Circulando entre os partícipes do Movimento de Santidade

38
Série de movimentos reavivalistas ocorridos nos Estados Unidos. Os reavivalismos são processos de
renovação religiosa, nas palavras de Alderi de Souza Matos (2006, p. 27), “atividades voltadas para a
promoção de uma vida espiritual mais intensa e fervorosa”. O primeiro fenômeno deste tipo importante
para esta pesquisa foi o reavivalismo protestante, conhecido nos Estados Unidos como Primeiro Grande
Despertar, ocorrido entre as décadas de 1730 e 1740 na Inglaterra e suas colônias e que teve John Wesley,
o pai do metodismo, como um dos principais atores. Restritos aos Estados Unidos, aconteceram outros
movimentos semelhantes, por lá referidos como Segundo e Terceiro Grande Despertar.
39
Doutor pela Universidade de Saint Louis, McGee foi professor de História da Igreja e Estudos
Pentecostais na Assemblies of God Theological Seminary, faculdade afiliada ao Conselho Geral das
Assembleias de Deus. Fundado em 1973, um dos preceitos básicos expostos em sua página da internet
sugere inclinações fundamentalistas: a crença de que “a Bíblia é a inspirada, infalível e autorizada palavra
de Deus” (WHAT We Believe. Assemblies of God Theological Seminary, [s.d.]).
43

a partir de círculos metodistas que dele tomaram parte, a ideia acabou acolhida por outros
grupos, com o tempo assumindo a forma do batismo no Espírito Santo.
Embora a maioria dos envolvidos na Santidade duvidasse da atualidade do dom
de falar em outras línguas, acreditava-se na disponibilidade de outros que viriam a compor
o repertório teológico pentecostal, como a cura divina (MCGEE, 1996, p. 14). Seria o
acréscimo das falas em línguas estranhas ao batismo no Espírito Santo que faria o
pentecostalismo descolar-se do Movimento de Santidade, passando a ser uma linha
teológica independente nos últimos anos do século XIX e princípios do XX. Neste
momento, Charles Fox Parham define como pedra angular do pentecostalismo a ideia de
que a primeira manifestação do batismo no Espírito Santo seria a habilidade de falar em
outras línguas, após ter recebido a dádiva junto com outros membros da Santidade
reunidos na Escola Bíblica Bethel, em Topeka, Kansas (MCGEE, 1996, p. 16-17).
Esse ritual, onde os iniciantes entram transe com fervorosas orações coletivas,
para Francisco Cartaxo Rolim40 (1994, p. 23) definiria os moldes da comunicação
pentecostal com a divindade (Espírito Santo), fundada não na leitura e interpretação
bíblica, mas na experiência extática e emocional. Outra característica impressa ao
movimento por esse preceito, ainda mais importante para esta pesquisa e confirmada pelo
intelectual pentecostal Gary B. McGee (1996, p. 16), seria a sua predisposição
expansionista, uma vez que muitos dos primeiros pregadores pentecostais se
convenceram que a concessão da habilidade em falar em outras línguas exprimiria a
vontade divina de “equipá-los com idiomas humanos identificáveis (xenolalia) para que
pudessem anunciar o Evangelho noutros países, agilizando assim a obra missionária”.
Ao lado do falar em outras línguas, outros dons presenteados pelo Espírito Santo
seriam as visões, profecias, exorcismos e, sobretudo, a cura espiritual. A habilidade de
remediar pela fé os problemas do corpo e da alma foi, pelo menos até o advento da
Teologia da Prosperidade em finais dos anos 1970, a característica dessa religião mais
atrativa às camadas sociais desassistidas. Não à toa, o início do arranque pentecostal no
Brasil nos anos 1950 acontece em paralelo ao multiplicar de tendas onde curandeiros
bíblicos ofereciam seus préstimos. Em paralelo, o próprio formato da liturgia pentecostal,
acompanhada de música, dança, palmas, louvores, transes, êxtases e testemunhos, oferece
amplas oportunidades catárticas aos mais deprimidos pelas dificuldades da vida. Para

40
Ex-frade dominicano, Cartaxo Rolim doutorou-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo -
USP e foi professor da Universidade Federal Fluminense - UFF, tendo desenvolvido pesquisas no âmbito
da Sociologia da Religião.
44

Galindo (1996, p. 191), portanto, a acessibilidade do pentecostalismo e o indiscutível


alívio que proporciona para aflições sentidas com mais intensidade pelos pauperizados
explicariam o sucesso dessa religião em territórios ao sul da linha do equador.
O mesmo teria ocorrido em seus princípios norte-americanos, quando arrebatou
especialmente os trabalhadores mais desfavorecidos. Ali, partilhavam dessa fé, prática,
acessível, alegre, catártica e focada na solução dos problemas humanos mais básicos,
sobretudo operários, agricultores, imigrantes e negros, a quem o pentecostalismo fornecia
conforto e disposição para o enfrentamento das dificuldades cotidianas (GALINDO,
1996, p. 191). Nesse momento um movimento ainda integralmente popular, não se
diferenciariam socialmente os próprios líderes, quase todos trabalhadores de parcos
recursos materiais, realidade que mudaria radicalmente ao longo do século, ao menos no
que diz respeito ao pentecostalismo dos brancos.
Sobre a cisão racial acima mencionada, cabem agora algumas palavras.
Retrocedendo aos primeiros dias da religião, às reuniões promovidas pelo afro-americano
William Joseph Seymour em Los Angeles, e destacando a composição multirracial
daquela audiência, Rolim (1994, p. 23) nota que para os negros o encontro tivera o
significado adicional de uma “comunhão étnica” que, acreditava-se, seria mantida e
expandida. Essa aproximação é confirmada pelo historiador norte-americano George
Marsden41 (1991, p. 42-43), que a relaciona a aspectos do Movimento de Santidade,
influenciado pelos ensinamentos de John Wesley e que teria como valores centrais as
“responsabilidades com relação aos pobres”, além da “purificação pessoal”.
Características ainda mais pronunciadas no interior do pentecostalismo, “a única porção
do protestantismo racialmente integrada”, que atraía a população pobre sem fazer
qualquer distinção de cor. Dreher (2017, p. 473), por sua vez, comenta que na Igreja de
Seymour em Los Angeles buscava-se “a igualdade entre bispos brancos e operários
negros, entre professores brancos e lavadeiras negras, aos quais se acrescentavam
asiáticos e mexicanos”. Assim, o mesmo Dreher (2017, p. 475) enxerga “algo de
subversivo” na infância do pentecostalismo, que desafiava a segregação onde quer que
ela fosse institucionalizada, promovendo contatos interraciais sem se preocupar com a
“lei humana”.
Não obstante, tensões raciais não deixaram de pulsar no interior da nova religião
desde o seu início, explícitas nas relações de seus fundadores. De acordo com Dreher

41
Historiador e filósofo, é professor emérito de História da University of Notre Dame. Tem ampla pesquisa
sobre a influência do cristianismo na sociedade norte-americana.
45

(2017, p. 473), em sua condição de homem negro, Seymour apenas pôde assistir as
preleções de Parham “através da porta entreaberta”. O próprio Parham, ainda segundo
Dreher (2017, p. 473-474), era um simpatizante da Ku Klux Klan preocupado em
justificar teologicamente a hierarquia racial que grassava no Sul dos Estados Unidos.
Sustentaria ele, por exemplo, a validade contemporânea da divisão dos povos, expressa
em passagens bíblicas, segundo a qual o poder espiritual “pertence aos hebreus, aos
judeus e aos diversos descendentes das dez tribos”, estando neste último grupo os anglo-
saxões, junto com os alemães, dinamarqueses, suecos, hindus, japoneses e indo-japoneses
no Havaí. Já os “negros, malaios, mongóis e indígenas” permaneceriam pagãos aos dias
de hoje.
Diante de pressões sociais e do preconceito das igrejas mais antigas, que
“ridicularizaram o movimento por causa do status social de seus integrantes” (DREHER,
2017, p. 473), a experiência interracial inaugurada em Los Angeles foi obstaculizada e a
expectativa de abolição da segregação pelo caminho religioso não se confirmou. Assim,
já a partir de 1908 os pentecostais se separariam, organizando-se em torno de igrejas
exclusivamente negras e brancas, essas últimas “completamente adaptadas às leis raciais
do Sul dos Estados Unidos” (DREHER, 2017, p. 475).
Freston (1993, p. 67) chama atenção para a velocidade dessa divisão, consolidada
no espaço de uma década, que teve como um dos seus marcos a saída de pastores brancos
da Church of God in Christ, predominantemente negra, para fundar a Assembleia de
Deus, então “quase que exclusivamente branca”. Cisma confirmado por Gary B. McGee
(1996, p. 18), segundo o qual, enquanto os pentecostais americanos teriam se concentrado
nos ensinamentos do fundador branco Parham, os afro-americanos, por outro lado,
reportam-se sobretudo às reuniões de Seymour, delas enfatizando o significado de
“reconciliação entre as raças e o derramamento do poder sobre os tiranizados”.
Separação que, assim, não foi apenas racial, mas também teológica. Rolim (1994,
p. 23) informa que entre os negros permaneceria uma leitura em que a luta racial se
mesclaria com a boa nova do batismo no Espírito Santo, originando a interpretação de um
Jesus Cristo negro, herói dos oprimidos, ao mesmo tempo em que as agremiações
pentecostais negras se tornaram espaço de gestação de líderes da luta racial.
Conforme Dreher (2017, p. 474), um dos principais nomes recentes do
pentecostalismo negro foi Arthur Brazier, que nos anos 1960 “criticava abertamente o
governo de seu país por tolerar a destruição, quando permitia a opressão de 30 milhões
de pessoas negras e latinas”, e era adversário incansável do “mito da supremacia moral e
46

intelectual dos brancos”. De forma coerente, entre os tradicionais carismas pentecostais,


como a cura divina e o falar em outras línguas, Brazier arrolava também os dons
“demonstração, da organização e da publicação”, cuja importância para movimentos
contestatórios é evidente. Brazier seria, enfim, grande fonte de inspiração para outros
pastores, que buscaram “acentuar a peculiaridade da cultura negra”, sugerindo que fossem
negros muitos personagens bíblicos, inclusive Jesus. Ao mesmo tempo, rejeitavam
figuras como o maior líder fundamentalista do século XX, Billy Graham, cuja pregação
era tida como “ideologia branca, burguesa, sem significado para negros pobres”,
distanciando-se também do pré-milenarismo42, comum entre grande parte dos
evangélicos em meados do século XX, assim rejeitando a espera passiva da volta de Jesus
Cristo à Terra, preceito que em nada contribuía para a resolução dos problemas dos mais
pobres. Fatos que indicariam um movimento de “retorno dos pentecostais negros às suas
origens” (DREHER, 2017, p. 475), causador de grande apreensão à porção branca do
movimento.
A divisão racial do pentecostalismo mantem-se no presente, havendo agremiações
formadas quase que exclusivamente por negros, como a Church of Our Lord Jesus Christ
of the Apostolic Faith, fundada em Nova Iorque em 1919, e a já mencionada Church of
God in Christ, que retrocede ao ano de 1907 e à cidade de Memphis no Tennessee. Sendo
assim, segundo Rolim (1994, p. 23), a modalidade de pentecostalismo que germinou no
Brasil e no restante da América Latina, importada por missionários brancos, foi a
cultivada em solo norte-americano pela facção de pele clara43, que teria retido da
experiência fundadora apenas preceitos teológicos básicos e aspectos formais, como a
maneira de realizar os cultos e as orações, e pouco do teor sociopolítico. Como

42
Conforme Marsden (1991, p. 40) o pré-milenarismo dispensacionalista foi a escatologia preferida de
alguns dos primeiros grupos fundamentalistas a se organizarem nos Estados Unidos, com o passar do tempo
vindo a influenciar outros setores evangélicos. Segundo o dispensacionalismo, a História humana é dividida
em sete eras. Em cada uma delas, a humanidade foi testada, falhando invariavelmente em satisfazer a
divindade, terminando todas essas etapas com o catastrófico juízo divino. A primeira delas teria visto a
expulsão de Adão e Eva do Paraíso, a segunda o Dilúvio e a terceira a queda da Torre de Babel, por exemplo.
Atualmente viveríamos a sexta era, também fadada a terminar mal, com sete anos de guerras e desastres
após os quais Jesus Cristo voltaria para instalar em Jerusalém um reino de mil anos (daí o termo
milenarismo). A crença dispensacionalista se basearia numa leitura literal da Bíblia, o que explica sua
grande acolhida entre fundamentalistas e simpatizantes (o movimento fundamentalista será visto em mais
detalhes nas próximas páginas e na Parte II).
43
Asserção atestada pelo intelectual da Assembleia de Deus Gary B. McGee (1996, p. 18), que escreveu
serem os estadunidenses de pele clara, armados dos postulados de Parham sobre a iminência do Juízo Final
e o poder evangelístico pentecostal, os que empreenderiam agressivos esforços para levar seu evangelho
“até os confins da Terra”.
47

decorrência, o nosso pentecostalismo, já nas primeiras décadas do século XX,


reproduziria quase exclusivamente apenas esses aspectos sacrais.
De fato, foram estrangeiros de pele clara que introduziram o pentecostalismo no
Brasil, fundando a Assembleia de Deus em Belém do Pará em princípios do século XX.
A religião, entretanto, teria que esperar até a década de 1950 para ganhar vulto, se
popularizando pelas ondas do rádio no embalo da nossa urbanização. Desde então, faz
enorme sucesso sobretudo entre os crescentes contingentes de pobres urbanos, rodeados
de mazelas que esta religião, surgida entre pessoas com problemas semelhantes, terá
facilidade em confortar.
Creio, contudo, que a popularização do rádio, se certamente ajudou, não foi o mais
importante motor da expansão pentecostal e fundamentalista no Brasil que, não por acaso,
acontece a partir da década de 1950. Como veremos, o fenômeno foi impulsionado pelo
surgimento da Guerra Fria, pelo lançamento, a partir do território norte-americano, de
uma ofensiva ideológica internacional no bojo de uma guerra psicológica e de
propaganda, e por uma série de mudanças nas relações do nosso país com os Estados
Unidos. Mudanças que compreenderam uma abertura ao capital estrangeiro, imaginada
como solução para a crise econômica de princípios da década de 1950, fato que teria
levado ao aprofundamento da nossa dependência externa durante o governo de Juscelino
Kubitschek (MENDONÇA, S. 2003, p. 51). Aproximação que ganharia novo fôlego em
1959 com a Revolução Cubana, cujo impacto forçaria uma reorientação da política norte-
americana para a América Latina, ocorrendo então um “estreitamento das relações entre
os governos do hemisfério, entre as empresas transnacionais e o grande capital local”
(DREIFUSS, 1986, p. 108) em busca da integração econômica e do combate às esquerdas.
Tais processos, entretanto, serão melhor descritos em capítulos futuros.

3.3 – Agências missionárias baseadas nos Estados Unidos

Em termos práticos, a difusão do pentecostalismo no Brasil, bem como da fé


evangélica de maneira geral, coube em grande parte a missionários estrangeiros, que
assomam em bandos crescentes após meados do século, algumas vezes bancados por suas
48

próprias igrejas e outras vinculados a agências missionárias norte-americanas44 reunindo


membros de diferentes igrejas.
Ponto de inflexão na intensidade do fluxo evangélico em direção ao Brasil e à
América Latina, a época viu um grande incremento no financiamento dessas atividades.
Sobretudo no que diz respeito aos pentecostais, que em seus modestos primórdios
bancavam com recursos próprios as aventuras ultramarinas, diferentemente dos
evangélicos tradicionais, já então “mantidos por agências e instituições interessadas na
expansão do campo religioso norte-americano” (CAMPOS, 2005, p. 105). De todo modo,
o enraizamento destes grupos religiosos mistos foi extremamente bem-sucedido,
contabilizando o jornalista Delcio Monteiro de Lima45 (1991, p. 138-139) 59
organizações interdenominacionais vindas dos Estados Unidos em funcionamento no
Brasil no final de 1986.
Muitos desses organismos se aplicarão na conversão de grupos sociais específicos,
como estudantes, caso da Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo - CEPC e da
Aliança Bíblica Universitária - ABU, e indígenas, alvos sobretudo da Missão Novas
Tribos do Brasil (New Tribes Mission) e do Instituto Linguístico de Verão (Summer
Institute of Linguistics). Outros, contudo, buscarão atrair a população em geral, como a
Sociedade Evangélica do Brasil, a Missão A Voz dos Mártires e a Evangelismo sem
Fronteiras. Todos eles, importantes braços do Partido da Fé Capitalista, serão vistos
detidamente nas partes II e III. Por ora, cabe notar a grande influência fundamentalista
nesses espaços, redundando na reprodução de muitos dos traços principais deste
movimento, como o anticomunismo, desdobrado em apoio mais ou menos aberto a
ditaduras, e na aproximação com a classe dominante local.
André Corten46 (1996, p. 171) observa que o Chile e a Guatemala são dois casos
paradigmáticos, por exemplo, da simbiose entre o pentecostalismo e ditaduras, tratando-

44
Observadores como Galindo (1995, p. 409-410) afirmam que tais organizações seriam financiadas
também por empresas e, inclusive, por fundos estatais norte-americanos, a despeito de se declararem “não-
governamentais”. Em termos religiosos, Antônio Gouvêa Mendonça (2006, p. 107) sublinha que seu feitio
será usualmente fundamentalista e que serão integradas por grande número de pentecostais.
45
Não foi possível localizar maiores informações biográficas sobre o autor, além do fato de ser ele mineiro,
jornalista e assinar os livros Os Demônios Descem do Norte (1987), sobre a influência norte-americana
sobre o Brasil por intermédio das seitas religiosas de lá provenientes; Brasil: o retrato sem retoque (1978),
sobre a situação econômica brasileira; Comportamento Sexual do Brasileiro (1976) e Os Homoeróticos
(1983), ambos sobre sexo; Enquanto o Diabo Cochila (1990), falando das relações da Igreja Católica com
o Estado; Os Sobrinhos de Judas (1992), sobre o empresariado brasileiro e O Peso da Idade: panorama da
velhice no Brasil (1998).
46
Professor de Ciência Política e Análise do Discurso na Universidade de Quebec em Montreal e
pesquisador associado no Instituto de Pesquisa sobre o Desenvolvimento de Paris.
49

se, tanto num país como no outro, não de mero fisiologismo, mas de uma ação coordenada
e apoiada por missionários estrangeiros.
No primeiro, Augusto Pinochet teria se associado com a Igreja Pentecostal
Metodista, conferindo-lhe vantagens materiais antes reservadas aos católicos, após boa
parte destes passarem a oferecer-lhe oposição. De fato, a agência de notícias EFE revelou
em 2011 que o então presidente da Igreja Metodista Pentecostal, Roberto López Rojas,
atuou como agente da Central Nacional de Informaciones - CNI, órgão de inteligência,
repressão e tortura da ditadura chilena (PRESIDENTE de iglesia evangélica chilena fue
agente de la CNI, 2011). A descoberta se sustenta em pesquisa documental em papéis da
Marinha e em entrevista com o próprio religioso, que não apenas confirmou a acusação,
como também declarou orgulhar-se de seu trabalho na CNI. Na mesma direção, Delcio
Monteiro de Lima (1991, p. 66) sustenta que Pinochet teria aberto o país à entrada de
missionários estrangeiros, em grande parte pentecostais e mórmons, conferindo-lhes
vantagens para a abertura de templos e empresas.
Já na Guatemala, Corten (1996, p. 171) informa que, mesmo antes de subir ao
poder pelo golpe militar de 1982, o general Ríos Montt, primeiro governante evangélico
da América Latina, já articulava um discurso fundamentalista crítico à Teologia da
Libertação, sobretudo diante da vitória sandinista na Nicarágua. Andrew Chesnut47 (1997,
p. 145), por sua vez, destaca a grande participação de pentecostais e fundamentalistas na
campanha de contra-insurgência denominada Victoria 82, que teve como um dos efeitos
a expulsão em massa de indígenas, realocados em campos de concentração.
Ainda sobre o ditador guatemalteco, documento secreto produzido pela CIA em
26 de novembro de 1982 conta que o “renascido”48 Rios Montt, agora um ministro da
igreja carismática49 Church of the Complete Word50, seria um dos muitos nativos que

47
Professor de História da América Latina da Universidade da Califórnia, com passagem pela Universidade
de Houston. Em princípios dos anos 1990, passou uma temporada no Brasil, entre Belém e o Rio de Janeiro,
pesquisando sobre o avanço pentecostal no país, concentrando-se no caso da Assembleia de Deus em Belém
– PA. A pesquisa foi publicada em 1997 sob a forma do livro Born Again in Brazil – the pentecostal Growth
and the pathogens of poverty (Renascidos no Brasil – o crescimento pentecostal e os patógenos da pobreza).
48
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. FOIA Collection. President Jose Efrain Rios Montt and
the Spiritual Rebirth of Guatemala. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): 0000720638. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/0000720638>. Acesso em: 15 dez. 2020.
49
Cristãos carismáticos compõem um grande grupo formado por todos aqueles que acreditam na atualidade
dos dons, charismata em grego, concedidos pelo Espírito Santo, conforme descritos no Novo Testamento,
como a habilidade de praticar a cura espiritual, de falar em línguas estranhas e de fazer profecias. Eles estão
distribuídos atualmente entre diversas denominações religiosas cristãs, como as pentecostais e até mesmo
a Católica, ali sob a forma da Renovação Carismática.
50
O mesmo documento avalia que a Church of the Complete Word é um movimento “político e social”.
Revela tratar-se de denominação evangélica proveniente da Califórnia, presente na Guatemala desde 1976,
que cultiva a crença nos dons espirituais do Espírito Santo, como a cura espiritual, o falar em línguas
50

“através da conversão ao protestantismo carismático” teria encontrado inspiração para


melhorar as condições sociais do país, “reflexo de um amplo desenvolvimento social que
ocorreu na Guatemala nas duas últimas décadas”. É sublinhado que, em pronunciamentos
públicos, Rios Montt rechaçou a influência de Estados marxistas como Cuba, Nicarágua
e União Soviética, enquanto “recebe apoio de igrejas norte-americanas” e “está ciente da
influência dos Estados Unidos”. No papel da CIA, enfim, transparece a percepção de que
a ditadura do “renascido” Rios Montt se inseriria num amplo movimento de conversão e
“renascimento” do próprio país, com 22% da população convertida para diversas fés
evangélicas, fato registrado com indisfarçado entusiasmo.

3.4 – A década de 1970: terceira onda pentecostal e novos membros do Partido da


Fé Capitalista

Os anos 1970 foram marcados por um forte revigoramento do cristianismo


conservador militante em âmbito planetário. Além da redefinição do fundamentalismo,
que se torna mais agressivo e passa a querer frequentar o universo partidário norte-
americano, temos o surgimento e/ou a disseminação mundial de novos organismos
religiosos conservadores ligados àquele país.
No que diz respeito ao avanço pentecostal, no Brasil ocorre uma terceira e
arrebatadora fase com a eclosão do chamado “neopentecostalismo”, que se diferencia das
expressões anteriores dessa religião ao importar inovações teológicas dos Estados
Unidos, as teologias da Prosperidade e do Domínio. Ambas lhe forneceriam alguns dos
seus traços principais, conforme Ricardo Mariano51 (2014, p. 36) a “exacerbação da

estranhas e a revelação divina, práticas que, como vimos, constituem os três pilares do rito religioso
pentecostal, sugerindo que, apesar de não se identificar como uma instituição pentecostal, a Church of the
Complete Word se assemelhava a uma em sua liturgia. O papel acrescenta ainda que a instituição “juntou-
se a muitas outras igrejas cristãs fundamentalistas” em atividade missionária no interior rural guatemalteco.
O sucesso destas organizações, diz a CIA, deveu-se “sobretudo em função do auxílio ao campesinato
guatemalteco em aprimorar suas condições sociais ao ensinar-lhe o Espanhol e habilidades voltadas para o
mercado, efetivamente os retirando do seu isolamento rural em direção a uma identidade nacional”.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. FOIA Collection. President Jose Efrain Rios Montt and
the Spiritual Rebirth of Guatemala. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): 0000720638. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/0000720638>. Acesso em: 15 dez. 2020.
51
Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, é professor do Departamento de Sociologia
desta Universidade. Sua área de concentração é a Sociologia da Religião, pesquisando sobretudo os temas:
movimento pentecostal no Brasil; ativismo político-partidário e eleitoral evangélico; teorias sociológicas
da secularização, da laicidade e do secularismo do Estado; debates e conflitos públicos envolvendo a
atuação de parlamentares religiosos e os direitos humanos e de minorias no Congresso Nacional; reação
dos evangélicos ao Novo Código Civil; demonização pentecostal dos cultos afro-brasileiros; Teologia da
51

guerra espiritual contra o Diabo” e a ênfase na possibilidade de acesso a riquezas por via
da fé, além de uma relativamente maior liberalidade em questões de costumes e da adoção
de uma organização institucional em moldes empresariais.
A primeira dessas inovações teológicas, a Teologia da Prosperidade52, idealizada
por intelectuais evangélicos como Kenneth Hagin53, sustenta que as benesses divinas
devidas ao homem incluem a satisfação material. Já a segunda, a Teologia do Domínio,
foi criação do Fuller Theological Seminary54 (MARIANO, 2014, p. 43) e de teólogos
conservadores como Rousas John Rushdoony, pregando que o conflito entre Deus e o
Diabo se daria inclusive no plano material e na arena partidária, daí a justificativa para a
maior presença pentecostal na política.
A mais importante seguidora desses preceitos no Brasil é a Igreja Universal do
Reino de Deus - IURD, fundada em 1977. Em seus púlpitos, abundam promessas de
riquezas dependentes de crescentes contribuições financeiras, seguindo de perto os
pressupostos da Teologia da Prosperidade, enquanto exorcismos e a partidarização de
pastores encarnam os ideais da Teologia do Domínio. Assim, a IURD será um caso
exemplar, também, da intensificação do interesse evangélico em disputar eleições (que
esta pesquisa sustenta que já existia pelo menos duas décadas antes) nos anos 1980. A
despeito do pouco tempo de vida, a Igreja de Edir Macedo elegeu um deputado federal já
na legislatura iniciada em 1987, passando para quatro em 1991, seis em 1995 e 14 em
1999.
Além dos novos pentecostais, a década de 1970 viu a entrada no Brasil e em todo
o mundo capitalista periférico de duas outras importantes organizações religiosas
conservadoras, como veremos, profundamente comprometidas com o programa tema
desse trabalho, a Renovação Carismática Católica e a Igreja da Unificação.

Prosperidade; participação de grupos cristãos conservadores nas eleições presidenciais de 2010 e 2014;
concordata católica; e a Lei Geral das Religiões (MARIANO, 2021).
52
Movimento doutrinário que manteria “íntima conexão com a expansão do televangelismo norte-
americano” (MARIANO, 2014, p. 152), repetindo-se nas TVs e rádios do Brasil. A IURD, por exemplo,
começa sua ascendência com o proselitismo radiofônico, até adquirir a Rede Record de TV em 1989 por
45 milhões de dólares.
53
Com passagem pela Assembleia de Deus, o pastor carismático Kenneth Hagin protagonizou o lançamento
de várias organizações evangelizadoras de alcance mundial, como o Movimento Palavra de Fé, o seu
Kenneth Hagin Ministries e o Centro de Treinamento Rhema.
54
Instituição de ensino teológico bastante influenciada pelo fundamentalismo, Mariano (2014, p. 137) conta
que ela é a principal difusora da Dominion Theology (Teologia do Domínio), sobretudo por via da produção
intelectual do escritor, teólogo e professor Peter Wagner, coordenador da Rede Internacional de Guerra
Espiritual, organização fundada em 1990 também nos Estados Unidos. Ainda conforme Mariano (2014, p.
137), Wagner teria dito em palestra na cidade de São Paulo em 1994 que, uma vez que o comunismo fora
vencido, o islamismo surgia como primeiro inimigo internacional do evangelho.
52

A primeira se trata de uma nova corrente católica iniciada em 1967 nos Estados
Unidos que tem como traços teológicos principais a fé nos dons do Espírito Santo, tal
como fazem os pentecostais, daí ser muitas vezes ser vulgarmente referida como
“pentecostalismo católico”. Muito cedo o catolicismo carismático chega ao Brasil, pelas
mãos de padres norte-americanos que por aqui o espalham já em princípios da década de
1970, ao longo do tempo minando a influência da linha católica progressista que, naqueles
anos, adquiriu certa influência na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB.
Já a Igreja da Unificação, mais conhecida como “Seita Moon”, fundada pelo
empresário sul-coreano Sun Myung Moon em 1954, se lança com ímpeto por toda a
América do Sul em finais da década de 1970. Ali apoiará abertamente ditaduras, também
empreendendo ações anticomunistas e pró-capitalistas, organizando encontros entre
empresários, intelectuais, mandatários e líderes religiosos, a fim de formar uma rede
político-ideológica, e desenvolvendo projetos de doutrinação entre estudantes, com
núcleos de atuação em Universidades, e a população em geral, por via de publicações de
grande circulação.

4 – A religião sob um prisma marxista

Tendo exposto a base factual necessária para a compreensão do tema a ser


desenvolvido, vejamos agora os pressupostos teóricos básicos que nortearão minha
análise e que permitirão a identificação de um consórcio religioso-empresarial mundial,
lançado em meados do século XX e em trajetória ascendente aos dias de hoje, e sua
caracterização como um Partido. O Partido da Fé Capitalista, iniciativa político-
ideológica, com fins econômicos e desdobrada dentro e fora do espaço estritamente
estatal.

4.1 – Karl Marx, Max Weber, a religião e o capitalismo

Propulsora da história, a luta de classes também se desdobra no plano da religião,


que, conforme pensavam Marx e Engels, refletiria as condições práticas, sociais, da vida
humana. Em A Ideologia Alemã, por exemplo, ambos (1976a, p. 84) tratam-na como uma
“produção intelectual”. Já nas Teses sobre Feuerbach é dito que “o próprio “espírito
53

religioso” é um produto social” (MARX, 1976, p. 80). No contexto da filosofia marxista


não é possível falar, então, do fenômeno religioso enquanto uma dimensão independente,
destacada da realidade material, da sociedade particular onde vigora o sistema de crenças
que o sustenta. No mundo atual, portanto, qualquer reflexão sobre a religião deve,
necessariamente, levar em conta as suas relações com o modo de produção capitalista.
Sobre tais conexões, entretanto, o teórico mais frequentemente lembrado é o
sociólogo alemão Max Weber, que em seu A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo sugeriu a relação direta entre certas formas de protestantismo ascético e o
deslanche do capitalismo nos séculos XVI e XVII. Para ele, teria cabido sobretudo ao
calvinismo, ao metodismo, ao pietismo e a um punhado de seitas derivadas do movimento
anabatista o papel de incutir em seus membros comportamentos favoráveis à acumulação
de capital como um fim em si mesma, à retenção de riqueza em sua forma puramente
monetária, uma vez que desligados de todo gozo mundano e consumista. Essa disposição
para o “ganho como finalidade de vida” (WEBER, 2004, posição 68)55, e não mais apenas
para satisfazer as necessidades naturais, seria um traço em comum entre essa ética
ascética protestante e o capitalismo, precisando de um processo educativo induzido pela
religião para se insinuar e se consolidar no universo das práticas humanas, posto que se
trataria de um comportamento contrário à a disposição natural da espécie humana:
“simplesmente viver, viver do modo como está habituado a viver e ganhar o necessário
para tanto” (WEBER, 2004, posição 788). Traço que teria permanecido em vigor na
sociedade contemporânea, agora prescindindo da motivação religiosa, uma vez que,
consolidada a ordem capitalista, mantém-se tão de perto ligado às “condições de vitória
na luta econômica pela existência” (WEBER, 2004, posição 974) que se perpetua
naturalmente56.
Karl Marx, por outro lado, relacionou a eclosão do modo de produção capitalista
sobretudo ao fenômeno que chamou de “acumulação primitiva” (MARX, 2015b, posição
13828), ao qual dedicou um capítulo inteiro do primeiro volume de O Capital, onde

55
A exemplo de outras que aparecerão adiante, a obra foi consultada em formato digital MOBI, sem
numeração de páginas. Por isso, a referência é dada de acordo com a posição em que o trecho se encontra
quando visualizado por um dispositivo Kindle.
56
A esse respeito são exemplares as palavras de Eric Hobsbawm (2001, p. 238), que, mesmo concordando
com Marx e Weber sobre o elo entre a ascese protestante, o espírito do lucro e a gênese capitalista, nota
que, já por volta do final do século XIX, a burguesia europeia teria deixado um pouco de lado os “valores
puritanos que haviam sido anteriormente tão úteis para a acumulação do capital”, valores que, além do
mais, lhe servira como distintivo diante da nobreza, vista como parasitária, e dos trabalhadores, relaxados
e ébrios. Nesse momento, grande parte da classe proprietária já poderia ser adjetivada como ociosa e tão
preocupada em dispender os frutos do seu lucro em atividades prazerosas quanto em garanti-lo.
54

procurou demonstrar ter havido, na fase histórica imediatamente anterior ao capitalismo,


um processo de acumulação de riquezas movido por meios ainda não capitalistas e que
criara as bases para a economia de mercado. A força de maior importância em favor dessa
concentração seria a expropriação por via do colonialismo ultramarino e da subtração dos
pequenos produtores dos seus meios de subsistência, frequentemente imposta pela
violência, particular ou estatal, sendo na ótica marxista a formação de uma massa de
trabalhadores separados dos meios de produção, e por isso sem outra opção de
sobrevivência se não a venda de sua força de trabalho, a condição fundamental para a
partida do sistema capitalista. Assim, escorando-se em vasta pesquisa bibliográfica e
documental, Marx (2015b, posição 13828) conclui que a explicação corrente para a
gênese do modo de produção capitalista não seria mais que uma “anedota do passado”,
segundo a qual a origem da classe proprietária e sua contraparte remeteria à formação
pretérita e espontânea de uma “elite laboriosa, inteligente e sobretudo parcimoniosa” ao
lado de uma ampla massa desprovida do senso de poupança.
Marx, contudo, não deixou de especular sobre a possível conexão entre a
autodisciplina protestante e o capitalismo, mesmo que não tenha ido tão longe a ponto de
concluir se essa seria uma relação de causa ou consequência (LÖWY, 1998, p. 161). O
pensador chegou mesmo a registrar nas páginas dos Grundrisse a impressão de que o
espírito acumulador, com sua dimensão de renúncia à fruição dos prazeres terrenos e
dissipadores, estaria ligado de perto ao puritanismo inglês e ao protestantismo holandês
(MARX, 2015a, posição 3775). Indo além, agora em O Capital, Marx (2015b, posição
19388) também assinala o papel do protestantismo na produção do capital ao transformar
antigos feriados católicos em dias de trabalho e, voltando à hipótese de uma “acumulação
primitiva” como motor principal da gênese capitalista, repara no impulso fornecido pela
conversão protestante da Inglaterra a este processo. O “roubo colossal dos bens da Igreja
Católica” (MARX, 2015a, posição 13960) teria como efeito colateral a espoliação de
vastos contingentes que subsistiam às margens dessas propriedades, lançados agora na
condição de proletários. (LÖWY, 1998, p. 160).
55

A despeito da discordância sobre as origens do arranque capitalista57, conforme


expôs no seu A Jaula de Aço (São Paulo: Boitempo, 2014), Michael Löwy58 sublinha uma
série de convergências entre o pensamento marxista e weberiano, inclusive no que
concerne a relação entre o protestantismo e o capitalismo, discernindo os contornos,
inclusive, de uma espécie de “Marxismo Weberiano”. Sustenta-se, assim, que Weber não
teria se furtado em inúmeras oportunidades de fazer uma “análise crítica do sistema
capitalista” (LÖWY, 2014, p. 29), ainda que bem menos direta e mais “ambivalente” do
que a encontrada em Marx, despojada também de qualquer possibilidade de superação
desse modo de produção, que a Weber parece “inevitável”.
A Ética Protestante, portanto, a exemplo de boa parte do pensamento weberiano,
ambíguo em sua apreciação do sistema capitalista, não traria apenas a tão propalada
dimensão apologética desse modo de produção, também tecendo críticas contundentes,
como a legitimação, “por meio de argumentos religiosos e/ou utilitaristas” (LÖWY, 2014,
p. 36), da distribuição desigual das riquezas. Assim, o calvinismo, além da ética
poupadora tão admirada por Weber, abriria margem para a, por vezes hipócrita,
justificação da acumulação burguesa. Nas linhas da Ética Protestante, é possível entrever,
também, apreciações negativas sobre a exploração do operariado, despojado de todo o
prazer no trabalho e por isso cabendo-lhe convencer que o labor industrial era “desejo de
Deus”; e à irracionalidade inerente ao capitalismo, que transforma a aquisição monetária
em fim da existência humana, comportamento ilógico sob o “ponto de vista das
necessidades materiais dos indivíduos humanos, ou simplesmente da felicidade deles”
(LÖWY, 2014, p. 37). A obra exprimiria, ainda, um amargor pessoal para com a
incontornável impossibilidade do capitalismo de promover a liberdade individual, valor
cultivado pelo sociólogo alemão. Diante do seu inevitável triunfo, submetendo todos os
aspectos da existência humana ao mundo dos objetos, Weber veria a humanidade fadada
a uma prisão inescapável (LÖWY, 2014, p. 57).
Dessa forma, a recorrente interpretação do pensamento weberiano como uma
refutação cabal da obra marxista, para Löwy (2014. p. 24), se deveria mais a uma

57
Conforme Löwy (2014, p. 19), se para Marx o capitalismo moderno origina-se devido à acumulação
primitiva, Weber supõe que tais expropriações e pilhagens, ainda que, de fato, tenham ocorrido, não
explicam a consolidação do capitalismo predominante na atualidade, “baseado numa atividade econômica
legal, metódica e racional, cujos protagonistas são empreendedores inspirados pela ética protestante”,
ligando-se apenas a outras modalidades de capitalismo, que chama de “capitalismo aventureiro” ou
“capitalismo imperialista”.
58
Cientista social pela Universidade de São Paulo - USP e pela Sorbonne, é diretor de pesquisa emérito no
Centre National de la Recherche Scientifique - CNRS em Paris, França.
56

“necessidade premente de uma “refutação científica” do materialismo histórico por parte


de certo setor da Academia” do que a uma incompatibilidade radical entre os pressupostos
teóricos de ambos os autores.
Precisaria ser matizada, ainda, a compreensão corriqueira segundo a qual a Ética
Protestante estipularia de modo inflexível o fenômeno religioso como razão fundamental
para a instalação do modo de produção capitalista. Sublinhando a indicação de
determinantes puramente econômicos em outros escritos de Weber, Löwy (2014. p. 23)
assinala que o próprio sociólogo fazia ressalvas quanto à compreensão de sua Ética
Protestante como uma “interpretação causal “espiritualista” da história”, admitindo que
a Reforma Protestante pudesse ser apenas um componente de um conjunto mais amplo
de causas que trabalharam para o advento desse modo de produção, entre as quais as
estritamente econômicas poderiam figurar, cabendo estudos futuros para a sua
verificação. Finalmente, antes de uma relação de causa e efeito, a dinâmica entre religião
e capitalismo seria melhor compreendida na Ética Protestante como uma espécie de
interação de mão dupla condensada no termo “afinidade eletiva”, carregado do sentido de
“seleção, escolha ativa, da atração recíproca” e “reforço mútuo” (LÖWY, 2014, p. 71-
72).
Seja como for, importa concluir que a contribuição weberiana mais relevante para
este estudo também não se choca com os pressupostos marxistas aqui tomados como
referência principal: o reconhecimento das formidáveis possibilidades de reforço do
modo de produção capitalista trazidas pela religião protestante e evangélica.

4.2 – Marx e a religião, breves reflexões

O interesse do pai do socialismo científico sobre o fenômeno religioso, ainda que


nunca extensamente desenvolvido, retrocede aos seus primeiros escritos. Conforme nota
Mauro Castelo Branco Moura59 (2018, p. 115), já a partir de 1843 nosso pensador dedica
certa atenção à religião, procurando entendê-la como derivada das ações humanas,
influenciado pelo filósofo materialista Ludwig Feuerbach, para quem não seria ela mais
que a projeção do que entendia como a “essência humana”. Para o jovem Marx então,

59
Filósofo, coordena o GT Marxismo da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia - ANPOF e
integra o Comitê Editorial da revista Crítica Marxista. Tem múltiplos trabalhos sobre o pensamento
marxista, Filosofia da Economia, Filosofia da Cultura, Ética e Epistemologia (MOURA, 2021).
57

como também para Feuerbach, a crítica da religião formaria a base de toda a crítica, pois
nela estariam contidos elementos retirados, alienados, do Homem e atribuídos a outra
dimensão, extra-humana, ilusoriamente autônoma, dependendo da restituição destes
elementos ao seu repositório original, através da crítica teológica, a compreensão integral
do ser humano. Desse ponto de partida filosófico, e partilhando da conclusão de
Feuerbach, para quem caberia aos homens e mulheres a concepção da divindade, não o
contrário, Marx interpretará a religião como um fenômeno sempre derivado da realidade
social. Contudo, ainda que Marx inicie sua busca pelo significado dos fenômenos
religiosos na antropologia de Feuerbach, irá além, tomando dela emprestado o conceito
de alienação, mas transportando-o para a crítica à economia política burguesa, ou seja, às
condições que conformam o meio social, elas sim, fontes primevas de múltiplas
alienações no mundo contemporâneo no olhar do amadurecido Marx (MOURA, 2018, p.
123-124).
Para Michael Löwy (1998, p. 158), em A Ideologia Alemã de 1846, texto que teve
a parceria de Engels, já estaria completo o “giro teórico” a que Moura (2018, p. 124) se
refere. Ali, Marx deixaria de ser meramente um discípulo de Feuerbach ao ancorar sua
análise religiosa não mais numa “essência humana”, mas sim na História, inaugurando
uma maneira de analisar a religião que buscará compreendê-la ao lado de outras
manifestações ideológicas conformadas pelas relações sociais, como o direito, a moral ou
as ideias políticas (LÖWY, 1998, p. 158). A maior contribuição de Marx a esse campo
seria, então, inserir a religiosidade no universo da produção humana, soldando a sua
história àquela do “desenvolvimento econômico e social global da sociedade” (LÖWY,
1998, p. 161).

4.3 – Friedrich Engels, um olhar mais detido sobre o mundo da fé

Em busca de subsídios para a melhor compreensão do fenômeno religioso a partir


dos parâmetros traçados pelo dueto de pensadores socialistas, sugere Elizete da Silva
(2007, p. 172) que podemos voltar-nos para a mais abrangente e frequentemente ignorada
contribuição de Engels. Ilustrativa do grande interesse da religião nas páginas de Engels
é a publicação Sobre a Religião, coletânea de textos girando em torno deste tema
assinados pelo pensador e seu parceiro, originalmente publicada na França em 1972. Ali,
não bastasse a predominância dos escritos de Engels sobre aqueles de autoria apenas de
58

Marx ou de ambos conjuntamente, dez contra oito e cinco, respectivamente, os textos do


primeiro possuem uma densidade muito maior, somando 210 páginas contra 90 do punho
solitário do autor de O Capital.
Criado em meio luterano pietista60, seria Engels familiar com a tradição crítica
bíblica alemã inaugurada com o Iluminismo, inserindo-se sua contribuição nessa mesma
linhagem. Suas reflexões religiosas estão espalhadas por uma grande variedade de textos,
como A Guerra dos Camponeses, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico e
Contribuição à História do Cristianismo Primitivo. Trabalhos construídos sobre uma
compreensão da religião como um fenômeno cultural, socialmente produzido, ou seja,
conectado de perto aos contextos históricos, aparecendo o divino invariavelmente como
a criação de uma dada coletividade humana. Asserção convergente com a avaliação de
Marx segundo a qual a crítica teológica é também uma crítica política, ou seja, das
relações sociais de um determinado grupo de homens no tempo e no espaço (SILVA, E.
2007, p. 175). E nem poderia ser diferente, uma vez que as análises engelsianas do
universo religioso, partindo de reflexões conjuntas com Marx, tenderão a enxergá-lo
como uma instância dinâmica afetada pela luta de classes (LÖWY, 1998, p. 162).
É através dessas lentes que mesmo o anticlerical Engels visualiza nos fenômenos
religiosos uma dupla e contraditória potencialidade, de um lado a de legitimar a ordem
social vigente e, de outro, contestá-la e mesmo revolucioná-la (LÖWY, 1998, p. 162).
Esta última potencialidade, entretanto, se refere sobretudo a manifestações religiosas
pretéritas, duvidando Engels da sua permanência no presente. Em seu Ludwig Feuerbach
e o Fim da Filosofia Clássica Alemã (1976, p. 291), por exemplo, disse ele que o
cristianismo após o Iluminismo passara a ser “incapaz de servir no futuro de capa
ideológica às aspirações de qualquer classe progressiva”, “cada vez mais propriedade
exclusiva das classes dominantes, que o utilizam como simples meio de governo para
manterem em idade infantil as classes inferiores”.
Assim, essa convicção sobre as possibilidades da religião em desafiar a ordem
aparecerá em análises referidas a tempos mais remotos, como aos do Império Romano,
onde são traçados paralelos entre o cristianismo primitivo, compartilhado pelas porções

60
Segundo glossário constante na página Navegando pela História da Educação Brasileira, do Grupo de
Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” – HISTEDBR, o pietismo foi um
movimento religioso alemão do final do século XVII, cujo maior expoente foi o fundador da Igreja
Metodista, John Wesley, em resposta aos dogmas da igreja luterana oficial. Um dos seus traços principais
foi “a renovação da piedade com base em um retorno subjetivo e individual ao estudo da Bíblia e à oração”
(PIETISMO, 2006).
59

sociais subalternas, e o socialismo, ambos movimentos contestatórios dos subjugados,


pregando a “libertação próxima da servidão e da miséria” (ENGELS, 1976, p. 353) e
submetidos a sanções pela ordem dominante. De forma semelhante, em as Guerras
Camponesas, o teólogo Thomas Münzer, revolucionário que se desentendera com o
outrora amigo Martinho Lutero, é descrito como um líder popular com um programa
bastante radical, semelhante ao dos comunistas do século XIX e talvez até “mais maduro
em sua racionalidade e nas transformações sociais que reivindicava” (SILVA, E. 2007, p.
179). Ainda sobre Münzer, Elizete da Silva (1996, 130-131) imagina que, aos olhos de
Engels, o embate com Lutero representaria um choque de duas forças opostas, uma
contrária à ordem e a outra preservadora, ocorrido no interior do movimento religioso.
Enquanto o primeiro personificaria o polo progressista, solidário com as lutas da classe
dominada, ao ponto de “identificar o Reino de Deus com as demandas e reivindicações
dos explorados”, uma sociedade livre da propriedade privada e das clivagens de classe,
Lutero situaria a fé e o domínio divino num plano isolado das questões sociais pungentes
do seu tempo.

4.4 – A atualidade do pensamento marxista e engelsiano sobre a religião

Muitos dos preceitos delineados pelos dois pensadores alemães acerca da religião,
sobretudo a sua caracterização como acontecimento eminentemente social, permanecem
válidos entre analistas atuais identificados com a escola de pensamento inaugurada por
ambos. Olhando para o contexto religioso latino-americano de finais do século XX, Otto
Maduro (1980, p. 71), por exemplo, também compreende a religião não como “um
compartimento estanque, isolado, separado, cortado ou sem comunicação com as demais
dimensões da vida” mas sim como “uma realidade socialmente situada num contexto
peculiar”. Disso decorrendo que seus agentes “não se movem no meio de um conjunto
infinito de alternativas na hora de pensar, expressar e/ou praticar sua religião”, ou seja,
que o contexto social onde uma dada religião é praticada conforma em certa medida os
seus rumos.
Da mesma forma, a conexão íntima entre a esfera religiosa e a preservação do
capitalismo continua fazendo parte da constelação teórica a qual recorrem marxistas
contemporâneos. Sugerido pelo duo de pensadores novecentistas, o pressuposto permite
que se veja, aos dias de hoje, vínculos inquebráveis entre a fé cristã e a manutenção do
60

modo de produção capitalista, mesmo onde ele permaneceu apenas de forma residual
(MOURA, 2018, p. 119-120), como em Cuba ou na antiga União Soviética.
O fim da religião, contudo, era projetado por Marx e Engels para um futuro que
se imaginava totalmente expurgado de vestígios capitalistas, quando, livre da exploração
econômica, o Homem poderia, enfim, abandonar a “ilusão sagrada” (SILVA, E. p, 182),
tratamento imaginário para problemas concretos. O século XX, todavia, não viu a
previsão marxista-engelsiana se materializar, havendo, em paralelo, uma revalorização
entre setores marxistas do papel revolucionário a que a religião pode se prestar.
Contrariando Engels, cuja descrença nas capacidades progressistas da religião na
contemporaneidade já vimos, Elizete da Silva (2007, p. 184) acredita que a Teologia da
Libertação, por exemplo, comprovaria a permanência das suas possibilidades socialmente
transformadoras, dessa vez dialogando com o próprio marxismo de maneira “consequente
e criativa” ao tomar-lhe emprestadas ferramentas para a análise do universo social. Sua
consistência teórica, somada a uma comprovada eficiência em organizar e mobilizar
contingentes populares61, motivariam, inclusive, a proscrição pela ortodoxia católica e os
expurgos no campo evangélico.
Simultaneamente, conforme o pensamento de Marx e Engels, não cabe tratar
qualquer formação religiosa como um todo monolítico, lembrando Michel Löwy (1998,
p. 162) que uma das mais importantes contribuições de Engels ao estudo da religião foi
inseri-la na dinâmica que rege o movimento da sociedade, a luta de classes. Assumir que
esse conflito transcorre inclusive no interior da prática religiosa pressupõe, então,
interpretá-la como um “campo de forças cruzado pelos conflitos sociais” (LÖWY, 1998,
p. 162). Reflexos da sobrevivência dessas ideias encontramos, novamente, na obra de
Otto Maduro (1980, p. 76-77), para quem “a ação de qualquer religião está limitada e
orientada pelo modo de produção específico dentro do qual atua”, que “fixa os limites
dentro dos quais uma religião pode operar em seu seio, e traça igualmente as tendências
dentro das quais tal religião pode ali atuar.” Para ele, as balizas da atividade religiosa
estariam dispostas, portanto, na arena das lutas classistas, daí decorrendo que toda religião
é, necessariamente, “atravessada, limitada e orientada por tais conflitos”62 (MADURO,
1980, p. 99).

61
É central na Teologia da Libertação um novo entendimento sobre o papel terreno das camadas pobres,
não mais tidas como “simples objetos de ajuda, compaixão ou caridade” (LÖWY, 2008, p. 1), mas como
agentes principais das necessárias mudanças em direção a um mundo mais justo.
62
Maduro (1980, p. 113, 114 e 151) repara, entretanto, que, apensar de conformado por eles até um certo
ponto, o campo religioso “não se reduz a um mero produto dos conflitos sociais”, mantendo algum nível
61

4.5 – As organizações religiosas componentes do Partido da Fé Capitalista segundo


um prisma teórico marxista

De acordo com o que foi dito, podemos abordar as diversas manifestações


evangélicas, e outras formas religiosas que habitam o Partido da Fé Capitalista, como
espaços onde a luta de classes se desenrola.
Vejamos como exemplo o pentecostalismo, em cujo interior são visíveis sintomas
inequívocos de disputadas classistas. Segundo Rolim (1994, p. 23), ali há a permanência
de grupos ainda ligados às demandas por igualdade racial, que caracterizaram o
movimento em seus primeiros dias, ao lado de outros, controlados por homens brancos,
empenhados num missionarismo expansionista, armados com caras estruturas de
comunicação e engajados no partidarismo de direita.
No Brasil, ainda que o pentecostalismo hegemônico seja muito mais próximo
dessa segunda vertente, divisões e disputas também ocorrem. Sobre a nossa maior
agremiação desse feitio, a Assembleia de Deus, por exemplo, o sociólogo assembleiano
Gedeon Freire de Alencar63 (2019, p. 17) alega que não é possível falar numa única Igreja,
mas em várias, coligadas porém guardando entre si diferenças e mesmo rivalidades.
Quase todas seriam de fato pentecostais, mas a variedade continuaria sendo a tônica,
sendo algumas mais apegadas à tradição enquanto outras já teriam aderido
completamente ao neopentecostalismo, havendo uma nada desprezível heterogeneidade
ritual e teológica. Ao mesmo tempo, conforme veremos, são comuns divergências de
fundo político entre as cúpulas assembleianas e porções de suas bases.
No Congresso Nacional a situação se repete. Ainda que tal acontecimento não
tenha se reproduzido nas legislaturas subsequentes, dada a progressiva coesão do

de “atividade particular própria (autonomia)” onde florescem conflitos específicos que constituem “seu
princípio dinâmico particular”. Ou seja, a religião é uma “realidade parcialmente produzida pelas relações
sociais (incluindo-se aqui as relações conflitivas entre as diversas classes sociais) e, também uma realidade
parcialmente autônoma”.
63
Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará - UECE e pós-graduado em Ciências da
Religião pela Universidade Metodista de São Paulo - UMESP e pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo - PUC/SP, é presbítero da Assembleia de Deus Betesda, em São Paulo, e diretor pedagógico do
Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos - ICEC dessa mesma Igreja. É professor na Faculdade Latino-
Americana de Teologia Integral - FLAM e na Faculdade Teológica Batista de São Paulo - FTB. É ainda
membro da Associação Brasileira de História da Religião e da Rede de Teólogos e Cientistas Sociais do
Pentecostalismo na América Latina e Caribe. Assina o livro Protestantismo Tupiniquim: Hipóteses Sobre
a (não) Contribuição Evangélica à Cultura Brasileira (São Paulo: Arte Editorial, 2005) (ALENCAR, 2021).
62

movimento partidário evangélico, houve sensíveis divergências entre parlamentares


religiosos durante a fundação da bancada evangélica, na legislatura iniciada em 1987. Ali,
a assembleiana Benedita da Silva, os batistas Lysâneas Maciel e Nelson Aguiar e o
presbiteriano Celso Dourado destoariam a tal ponto do restante da bancada que Antônio
Flávio Pierucci chegou mesmo a considerá-los representantes de uma minoritária
“esquerda evangélica” (PRANDI e PIERUCCI, 1996, p. 165).
Outros dados sugestivos da adesão de setores pentecostais à esquerda são
levantados por Paul Freston (1994). Em artigo refletindo sobre a então difícil relação do
Partido dos Trabalhadores - PT com o campo evangélico e procurando demonstrar a
possibilidade da esquerda brasileira travar parcerias com os pentecostais, o intelectual
sustenta que no Chile a maioria dos seguidores pentecostais eram favoráveis a Salvador
Allende, ainda que os dirigentes dessas igrejas não fossem, e que na Nicarágua um terço
dos pastores pentecostais seriam simpáticos à revolução sandinista, adicionando que a
religião crescera ali simultaneamente ao processo revolucionário, nada levando a crer que
o tivesse atrapalhado64.
Este trabalho não dispõe de dados para validar ou não as estimativas de Freston,
ainda que as informações colhidas junto à documentação brasileira indiquem que as
situações descritas não tenham se reproduzido em nosso país ao longo dos anos
ditatoriais. De qualquer maneira, como já dito, a mesma documentação ilustra a
permanência da luta de classes no interior de algumas organizações pentecostais,
mostrando um relativo dissenso entre as orientações políticas emanadas das cúpulas
dirigentes, inequivocamente conservadoras, e parcelas da membresia, eventualmente
inclinadas à esquerda.
Sendo assim, procurarei nas próximas páginas não perder de vista a diversidade,
o dinamismo e os conflitos internos do campo religioso, evitando interpretações
simplistas e unidimensionais dos fenômenos aqui tratados, ainda que certa generalização
seja incontornável diante da necessidade de se isolar forças dominantes no interior das
organizações abordadas e na sua articulação conjunta.
Fiando-me nos estudos de Marx e Engels, que inauguram uma forma de abordar
a religião concentrada nos elos entre as lutas de classe e as mudanças na economia e na

64
Freston, contudo, baseia-se nas conclusões de terceiros, se referindo, no que diz respeito ao papel dos
pentecostais no Chile de Salvador Allende, ao livro de Juan Tennekes, El movimento pentecostal em la
sociedade chilena (Iquique, Ciren, p. 53) e no que trata dos pentecostais na Nicarágua à obra de Roger
Lancaster, Thanks to God and the Revolution (Nova Iorque, Columbia University Press).
63

religião (LÖWY, 1998, p. 170), tentarei, também, não perder de vista as forças sociais
que contribuem para a formatação das manifestações religiosas aqui tratadas: as relações
capitalistas de produção e seus traços específicos locais. Partindo desses pressupostos, e
concordando mais uma vez com o dueto de pensadores, que no Manifesto do Partido
Comunista asseveraram serem as ideias dominantes numa época sempre aquelas da classe
dominante (MARX e ENGELS, 1976b, p. 101), enfocarei a religião estritamente em sua
condição de fenômeno social. Assim, ela será entendida como ligada aos processos
históricos que marcaram o curso do século XX, sem perder de vista que “qualquer grande
alteração histórica das condições sociais arrasta ao mesmo tempo, a alteração das
concepções e das representações religiosas” (MARX e ENGELS, 1976c, p. 110).
Cabe sublinhar, ainda, que esta tese não se concentrará em todo o campo religioso,
mas apenas nas instituições religiosas hegemônicas, com ênfase naquelas sediadas nos
Estados Unidos ou que de lá extraiam muito do seu substrato teológico/ideológico,
especialmente as pentecostais, pela sua maior importância no quadro brasileiro. Chamo
de instituições religiosas hegemônicas as grandes agremiações, que concentram imenso
número de seguidores, recursos materiais, influência social e representação político-
partidária. Estas fornecem os principais quadros do consórcio político religioso fundado
em terras norte-americanas que chamo de Partido da Fé Capitalista e que será aqui visto
em suas múltiplas facetas. Procurando evitar resvalar na teleologia, me esforçarei, ainda,
por observar o Partido da Fé Capitalista não como um plano acabado e com fins
predeterminados, mas como um fenômeno permanentemente ajustado e atualizado ao
longo de um momento histórico que vejo caracterizado pela integração econômica
desigual do mundo periférico, incluindo o Brasil, sob a regência do capital estadunidense.
Assim, a forma de atuação e a composição desse complexo religioso mudarão ao longo
das décadas a fim de responder a novas necessidades do capital, ainda que uma base
programática comum seja mantida desde a década de 1950.
Destaco, ainda, que a maior parte da bibliografia específica consultada evita
articular o avanço mundial da religiosidade de matriz norte-americana com a dinâmica
capitalista, renunciando, da mesma forma, ao uso de bases conceituais explicitamente
marxistas, residindo aqui muito da originalidade deste trabalho.

5 – A contribuição de Antonio Gramsci: O aparelho privado de hegemonia Partido


da Fé Capitalista
64

Para o pensador italiano Antonio Gramsci (2001, v. 2, p. 96 e 99), um dos


principais impactos coletivos da religião é a produção de uma rigorosa união doutrinária.
Complementando essa constatação, e coerentemente à proposta de seus escritos: analisar
as relações humanas no plano social e não especular sobre pulsões místicas, conclui
Gramsci ser de pouca serventia distinguir conceitualmente “religião” de “ideologia” ou
mesmo “política”.
Em tempos mais recentes, a influência social da religião, “meio de ação da
sociedade sobre si mesma”, foi reafirmada por teóricos como Otto Maduro (1980, p. 152-
154). De maneira semelhante ao que acreditava Gramsci, a produção de uma visão de
mundo, uma “cosmovisão”, relativamente homogênea surge nas linhas do pensador
contemporâneo como o principal componente capaz de fazer da religião uma força social
apreciável. Fornecendo parâmetros para a transformação do “socialmente vivido em
socialmente pensado”, num processo de “estruturação da experiência coletiva”, a
cosmovisão religiosa “limita e orienta as possibilidades de produção, reprodução e
transformação das relações sociais”.
Assim, examinar a religião em seu aspecto social e histórico na segunda metade
do século XX em lugares como o Brasil, ponto de vista aqui assumido, implica conectá-
la ao ambiente das relações humanas tais como elas se configuraram no panorama da
conexão dos países periféricos com o processo de consolidação global da hegemonia
norte-americana. Ao fazê-lo, respeita-se um dos pressupostos principais desse trabalho: a
noção de que a religião exerce marcada influência sobre, e é também influenciada pelo,
comportamento dos nossos homens e mulheres nessa quadra histórica. Procurarei, assim,
escapar da concepção liberal que compreende o ser humano como uma entidade abstrata,
a-histórica e cuja ação social é reduzível a leis atemporais.
Afastando-me mais uma vez desta concepção, agora das suas conclusões acerca
da natureza do Estado, parto da perspectiva segundo a qual não há a nítida e contraposta
divisão entre Estado e sociedade civil visível na obra de teóricos como Thomas Hobbes.
Ao contrário, entendo que há uma continuidade complementar entre ambos, que
imbricados originam o que Gramsci chamou de Estado ampliado. Ou seja, o ponto de
vista aqui assumido supõe que o espaço de produção da dominação classista no âmbito
superestrutural, abrangendo a cultura e a política, não compreende apenas o aparelho
governamental propriamente dito, ou Estado restrito. Também no plano composto por
65

organizações voluntárias e particulares desdobram-se relações de poder que travam com


a burocracia estatal uma relação de reforço mútuo, daí a continuidade das duas dimensões.
Esse Estado ampliado, para Gramsci instância indispensável do poder classista
nas democracias modernas, é sustentado sobre doses calculadas de consenso e força, cada
qual remetendo-se em maior grau a uma das suas metades. Assim, caberia o desempenho
da força sobretudo aos órgãos oficiais do governo, sob a forma de um “domínio direto”
(GRAMSCI, 2001, v. 2, p. 20-21). Mas como esse domínio não prescinde de legitimação
ideológica, precisa ser ministrado em porções mais ou menos equivalentes a intervenções
dedicadas ao convencimento, à produção do consenso social, realizadas sobretudo ao
nível dos “chamados órgãos da opinião pública” (GRAMSCI, 2001, v. 3, p. 94), como
jornais e associações diversas, inclusive as igrejas.
Falo aqui da hegemonia, mecanismo de poder fundado na persuasão, e que,
quando exercido pela classe dominante, busca a justificação das relações sociais
correntes, contando para isso com o suporte de órgãos associativos diversos. Entidades
capazes de conformar e disseminar uma determinada visão de mundo relativamente
padronizada e frequentemente sustentada por uma lógica contraditória com as realidades
práticas particulares dos grupos dominados (GRAMSCI, 2001, v. 1, p. 93-94). No caso
específico da dominação burguesa, verificável no mundo Ocidental em todo o período
temporal coberto por esse trabalho, a finalidade desses aparelhos privados de hegemonia
é, portanto, estimular a adesão voluntária dos trabalhadores às diretrizes sociais
formuladas pela porção mais poderosa e organizada do empresariado65, ou seja, ao
modelo de sociedade cuja perpetuação se faz necessária para a continuidade do seu
domínio social e econômico.
Trazendo o que foi dito para o tema deste trabalho, procurarei enfocar as relações
de poder que se desenvolvem no interior das instituições religiosas seguindo o conceito
gramsciano de hegemonia, em seu feitio de dominação burguesa, entendido como
domínio e a direção político e cultural praticados por essa classe social 66 ou parcela dela
sobre seus iguais e sobre a classe trabalhadora, ou seja, a capacidade do grupo de
empresários mais poderosos e melhores articulados de “organizar a sociedade em geral”

65
Falo especificamente da grande burguesia norte-americana e, no caso brasileiro, da classe empresarial
associada e subordinada à primeira.
66
Veremos de perto os nexos entre a classe empresarial e agremiações pentecostais e fundamentalistas, no
Brasil e nos Estados Unidos, nas partes II e III.
66

buscando “criar as condições mais favoráveis à expansão da própria classe” (GRAMSCI,


2001, v. 2, p. 15).
As potencialidades hegemônicas da religião foram notadas pelo próprio Gramsci,
que procurou analisar os elos da Igreja Católica com o fascismo do seu tempo. Inspirados
pelo intelectual italiano, pensadores temporalmente mais próximos mantiveram-se
atentos à possível simbiose entre as organizações de fé e os processos de dominação
ideológica. Recorro, mais uma vez, às análises de Otto Maduro, que, conforme vimos,
compreendem a religião como uma prática moldada pelo ambiente social, por sua vez
conformado pela luta de classes, e capaz também de influir sobre esse ambiente ao moldar
a visão de mundo de significativas parcelas humanas. Devido a essas características, o
campo religioso seria objeto privilegiado da atenção burguesa, sobretudo naqueles
lugares onde ele exerce uma “influência profunda sobre o comportamento de grandes
grupos dessa mesma sociedade” (MADURO, 1980, p. 162). Assim, a aproximação entre
a classe dominante e organizações religiosas almejaria “a produção de práticas e discursos
que legitimem, sacralizem, apresentem como desejada pelas forças sobrenaturais e meta-
sociais essa mesma dominação, essa forma de organização da sociedade mantida e
propugnada pelas classes dominantes”. Da mesma forma, se procurará delas conseguir
também práticas e discursos “que desqualifiquem, contralegitimem, dessacralizem,
apresentem - em suma - como não querido pelas forças sobrenaturais e meta-sociais o
conjunto de indivíduos, grupos e movimentos diretamente ameaçadores da posição
dominante daquela mesma classe”.
Em vista do que foi dito, tratarei as organizações religiosas componentes do
Partido da Fé Capitalista como aparelhos privados de hegemonia por sua militância
político-partidária e por reproduzirem uma ideologia, embutida no proselitismo
religioso67, capaz de alcançar determinados efeitos sociais. Sua ação se desenrola,
portanto, no Estado ampliado, ou seja, em duas frentes complementares, no interior da
burocracia estatal, com a inserção de líderes religiosos no universo partidário, e na esfera
da sociedade civil, com pregações religiosas atravessadas de artefatos ideológicos e
discursos que buscam orientar politicamente seus seguidores.
Para finalizar esta seção, porém, cabem algumas ressalvas. Primeiramente, é
necessário frisar que a grande adesão dos grupos populares a associações hegemônicas

67
Me refiro aos discursos proferidos em tais grêmios religiosos como um proselitismo hegemônico
capitalista. No que consiste essas falas, como elas alcançariam metas hegemônicas e são complementadas
no plano do Estado restrito será visto mais adiante.
67

desse tipo se deve em grande parte a benefícios, tanto de ordem material como
psicológica, por elas fornecidos. Uma das razões68 enumeradas pelo historiador norte-
americano Andrew Chesnut para o grande sucesso dos empreendimentos pentecostais na
América Latina, por exemplo, seria o auxílio prestado a comunidades carentes sob a
forma de redes de apoio para problemas como o alcoolismo, a criminalidade e a
dependência química (PASSARINHO, 2019). Na mesma toada, Wania Mesquita69 (2009,
p. 99) destaca o auxílio de grêmios pentecostais em favelas do Rio de Janeiro na redução
da violência de traficantes contra a população local, negociada por pastores cuja
autoridade moral é reconhecida inclusive pelos criminosos. Já a mais célebre organização
pentecostal do presente, a Igreja Universal do Reino de Deus, sustenta orfanatos, asilos,
cursos de alfabetização, distribui alimentos e agasalhos em favelas, além de financiar
diversas instituições beneficentes (MARIANO, 2014, p. 60).
Portanto, não é realista enxergar as organizações religiosas, ou qualquer outro
aparato ideológico de poder empresarial, apenas como “lavanderias cerebrais” para onde
a classe trabalhadora acorreria acriticamente. Tal adesão também não se dá sem
negociações e conflitos, como o ocorrido em 1988, quando um grupo de ex-seguidores
da Igreja Universal do Reino de Deus entrou na justiça após ter transferido para ela grande
parte dos seus bens, sem receber, contudo, nenhum dos milagres prometidos.
Outra importante ressalva refere-se ao dinamismo do campo religioso, sobretudo
o contemporâneo, impedindo que o tomemos monoliticamente em todo o período aqui
abordado. Um desafio desta pesquisa, portanto, é compreender como relacionam-se com
a minha perspectiva teórica as transformações que o Partido da Fé Capitalista sofreu em
sua composição, doutrina e forma de ação, ajustando-se certamente às diferentes etapas
da luta de classes na segunda metade do século XX, no Brasil e no mundo, e aos diferentes
momentos históricos. Exemplo deste dinamismo foi a emergência do pentecostalismo,
após os anos 1970, como uma das principais forças religiosas na América Latina, por
muito tempo quase que exclusivamente católica, fato certamente impulsionado pelo
aprofundamento da inserção desigual dessa porção do planeta ao capitalismo

68
As outras razões seriam a coesão ideológica do campo evangélico, facilitando a articulação política; o
processo de formação das lideranças religiosas, marcado pela não exigência de maiores qualificações
acadêmicas e pela permissão do casamento; a adoção por essas igrejas, em seus ritos, de práticas mais
condizentes com a cultura local; e, por fim, a identificação de parcelas das classes médias e altas, nos
Estados Unidos e no Brasil, com a agenda moral dessas igrejas, como a condenação do aborto, do ensino
sexual nas escolas e do reconhecimento estatal das uniões homoafetivas (PASSARINHO, 2019).
69
Socióloga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, é professora no programa de Ciência
Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF. Desenvolve pesquisas no âmbito do grupo
Religião e Periferia na América Latina - REPAL (MESQUITA, 2009, p. 89).
68

internacionalizado. Não seria por acaso, assim, que Leonildo Campos (1997, p. 15)
enxerga a IURD voando nos ventos da recente integração econômica e cultural do mundo,
em sua eficiência para angariar adeptos com táticas avançadas de marketing e de
comunicação eletrônica.

5.1 – Conexões empresariais dos aparelhos hegemônicos religiosos

Surgindo inclusive na forma de igrejas (FONTES, 2010, p. 133-134), os aparelhos


privados de hegemonia não se definem apenas pela vontade de conservação da ordem,
como os aqui estudados, “mas pelos laços orgânicos que os ligam às classes sociais
fundamentais” (FONTES, 2010, p. 282). Critério seguro para caracterizá-los seria,
portanto, o levantamento da situação de classe e dos projetos impulsionados por seu grupo
dirigente. Sobre uma das mais influentes porções do Partido da Fé Capitalista, os
fundamentalistas e pentecostais, Assmann (1986, p. 27-28) nos deu algumas pistas ao
registrar a presença de membros da burguesia norte-americana e seus representantes no
Estado restrito em eventos de organizações onde os dois grupos têm posição destacada,
como a National Religious Broadcasters, cujo encontro de 1986 teve “circulação
constante de “lobbies” e personalidades políticas do mais alto nível; uma longa
videomensagem do presidente Reagan”.
A demonstração do vínculo dos principais idealizadores do arcabouço de ideias
abraçado pelas organizações cristãs aqui abordadas com o empresariado será matéria da
Parte II, no que diz respeito aos Estados Unidos, e III, tratando do Brasil. Ali, além de
isolar os principais responsáveis pela articulação internacional do movimento e pela
produção de suas bases ideológicas, ou seja, seus intelectuais orgânicos, verificarei o seu
contato com os órgãos estadunidenses projetados para zelar pela consecução dos
interesses do capital proveniente daquele país em âmbito internacional, alguns dos quais
identificados por René Armand Dreifuss70 (1986).
Perceber como os interesses empresariais são introduzidos nas ações das
organizações membros do Partido da Fé Capitalista será, assim, uma das prioridades desta

70
Historiador e cientista político, foi professor da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e da Universidade Federal Fluminense - UFF. Desenvolveu
trabalhos sobre os temas Estado e governo com ênfase no golpe de 1964 no Brasil e a ação ideológica de
organizações civis na desestabilização do governo de João Goulart.
69

tese. Para tanto, há informações recentemente disponibilizadas pelos arquivos de


instituições governamentais brasileiras e norte-americanas que me permitem ir além de
trabalhos anteriores, que também se propuseram a enxergar a relação dos interesses
burgueses com o proselitismo e a prática partidária de organizações religiosas ligadas ao
universo político e cultural dos Estados Unidos. Muito dessa história, contudo,
permanecerá encerrada nos inacessíveis arquivos destas associações religiosas, alguns
regularmente incinerados, segundo se comenta.

5.2 - Decisores, formuladores e gerentes

Nenhum aparelho privado de hegemonia subsiste sem os que cumprem a função


social de intelectuais. Aqueles que, conectados a todos os grupos sociais, mas sobretudo
ao dominante, trabalham no plano da ideologia para viabilizar o consenso, reportando-se
a fins delineados não por eles, mas pelos dirigentes e dominantes (GRAMSCI, 2001, v.
2, p. 18 e 21). No que diz respeito ao Partido da Fé Capitalista, seus principais intelectuais
orgânicos estão em solo norte-americano, formuladores da doutrina ventilada pelas
organizações que o constituem. Os líderes brasileiros são intelectuais “subalternos”,
responsáveis pela sua adaptação à realidade local, operadores de uma franquia com alto
nível de estandardização, aspecto exemplificado pela importância basilar da norte-
americana Teologia da Prosperidade entre as nossas organizações evangélicas do
presente. Frequentemente tais ideólogos se apresentam como “não-denominacionais”, ou
mesmo “carismáticos”71 (rótulo que abrange todas as organizações que postulam a
permanência presente dos dons conferidos pelo Espírito Santo, subcategoria na qual os
pentecostais se enquadram), desligados de agremiações específicas e assim influenciando
diferentes igrejas. Ilustrativo disso é o fato de que a Teologia da Prosperidade, ainda que
mais presente entre os pentecostais, foi acolhida por partes da maioria das denominações
evangélicas, acredita Mariano (2014).
Tais intelectuais, como o escritor e pregador carismático Kenneth Hagin, um dos
principais idealizadores da Teologia da Prosperidade, e Edir Macedo, maior adaptador
brasileiro dessa doutrina, preencheriam as funções identificadas por Gramsci (2001, v. 2,

71
Conforme Marsden (1991, p. 77), os carismáticos são o principal grupo evangélico recente nos Estados
Unidos, tendo inclusive sobrepujado numericamente os fundamentalistas. Em finais da década de 1970,
19% de todos os norte-americanos se identificariam como carismáticos ou pentecostais.
70

p. 21) de ‘“prepostos” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da


hegemonia social e do governo político”, inclusive enquadrando-se os políticos
evangélicos brasileiros em ambas as categorias.
No que tange a cooptação de líderes religiosos para projetos hegemônicos da
burguesia, são também úteis as análises de Otto Maduro (1980, p. 162-163), que,
pensando nas organizações religiosas e concordando em essência com Gramsci, sugere
que todo grupo que almeja alcançar a direção social, “se orienta para a aliança com os
setores quantitativa e/ou qualitativamente mais influentes na organização e no
desenvolvimento dessa mesma sociedade”. As maneiras através das quais a classe
hegemônica busca integrar lideranças religiosas ao seu projeto ideológico também foram
objeto de reflexão do teórico, que enumerou cinco tipos de estratégias normalmente
usadas.
Em primeiro lugar estão “estratégias estritamente econômicas”, onde se tenta
“criar nexos econômicos com as categorias mais altas do respectivo clero” para, assim,
incorporá-lo “à forma de organização econômica da sociedade propugnada por essas
classes” e, ao mesmo tempo, “criar obrigações contratuais - mais implícitas que explícitas
- que gerem um sentimento de dívida”. Assim, não seria meramente acidental a formação
de uma camada de líderes religiosos conservadores que são também empresários, como
muitos televangelistas norte-americanos e os líderes das maiores igrejas evangélicas
brasileiras, como Edir Macedo, Silas Malafaia e Nilson Fanini. Podemos dizer que se
refere a essas estratégias, da mesma forma, o frequente perdão de dívidas tributárias de
igrejas outorgado pelo Estado restrito brasileiro. Igrejas que, ademais, desde a
Constituição de 1946 são beneficiárias de imunidade fiscal.
Existem, também, “estratégias jurídico-políticas”, onde o que se procura é “criar
mecanismos legais que propiciem o desenvolvimento das tendências religiosas mais
favoráveis à sua própria estratégia hegemônica”. Nesse caso, podemos arrolar, como
exemplo, as facilidades conferidas pelo Estado brasileiro à penetração de entidades
missionárias norte-americanas, cujo acesso a aldeias indígenas é franqueado desde pelo
menos a década de 1950, por via da celebração de convênios com órgãos governamentais;
a recusa, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, de se estabelecer regras mais
duras para regular os ruídos provocados por templos religiosos; e a aprovação de emenda
constitucional, proposta pelo deputado federal iurdiano Laprovita Vieira e posteriormente
71

reapresentada e aprovada por lideranças do PSDB e mesmo do PT, para permitir a entrada
de capital estrangeiro em órgãos de comunicação72.
Lança-se mão, ainda, de “estratégias educativo culturais” que “procuram criar (ou
fortalecer) processos culturais e instituições educacionais que favoreçam a difusão das
ideias mais em consonância com seus próprios interesses, procurando irradiar para o clero
aqueles processos e incorporá-los à direção dessas instituições”. Neste ponto, como
veremos, é ilustrativa a participação de empresários e religiosos conservadores nas
publicações da Associação Brasileira de Defesa da Democracia; as frequentes concessões
de verbas a instituições educativas religiosas pelo Estado brasileiro, como ocorrido com
aquelas sob controle da Assembleia de Deus em Belém conforme exposto por Chesnut
(1997)73; e o avanço do ensino religioso nas escolas públicas. Nos Estados Unidos,
processo semelhante ocorre com o robustecimento da educação ministrada por
organizações religiosas em detrimento da pública, pleiteado pela direita cristã daquele
país.
Recorre-se, também, a “Estratégias repressivas” que “tentam impor - em certos
casos - a adesão externa dos cidadãos às religiões favoráveis à manutenção da ordem”.
Aqui, insiro a repressão estatal ao cristianismo progressista, incidente sobretudo sobre os
adeptos da Teologia da Libertação, enquanto, conforme se verá, seguidores de
organizações de fé conservadoras contaram com a simpatia de um Estado que, sobretudo
durante a ditadura de 1964, chegou até mesmo a desviar os olhos de graves indícios de
atividades ilícitas por eles praticadas.
Por último, haveria também “estratégias familiares”, dispostas a “criar nexos de
parentesco com as categorias mais altas do clero”. Esta pesquisa, porém, não pôde
verificar a aplicação deste tipo de estratégia pela impossibilidade de se atestar
documentalmente se esse ou aquele casamento se funda sobre ela.

5.4 - Por que falar num Partido da Fé Capitalista?

72
Veremos, por exemplo, que o interdito a ele imposto pela carta de 1988 quase impediu os projetos
midiáticos de organizações religiosas como a Igreja da Unificação, e que o Serviço Nacional de
Informações - SNI acreditava haver a presença de capital empresarial norte-americano por trás da compra
de emissoras de rádio por igrejas desde finais dos anos 1980.
73
Fatos que serão vistos melhor na Parte III.
72

Num entendimento mais abrangente e não literal do que seria um partido,


observando a abundância de associações privadas ideologicamente relevantes que
povoam as sociedades modernas, Gramsci (2001, v. 3, p. 253) concluiu que na atualidade
“ninguém é desorganizado e sem partido”. O plano não estritamente estatal é, nessa visão,
habitat de grande número organizações, muitas de adesão voluntária, entre as quais
destaca-se um número reduzido, de maior influência e capacidade aglutinadora, que
constitui o “aparelho hegemônico de um grupo social sobre o resto da população”,
frequentemente conseguindo transportar demandas e projetos para o interior do Estado
burocrático. Como consequência dessa potencialidade de engajar vastos contingentes ao
redor das ideias que ventila e inseri-las em programas de governo, muitos aparelhos
privados de hegemonia funcionariam, na prática, como verdadeiros partidos, ainda que
circunscritos formalmente ao plano da sociedade civil.
Pelo que foi dito, e em face da relativamente grande homogeneidade ideológica e
teológica74 e do formidável poderio acumulado nas últimas décadas pelas organizações
religiosas ligadas ao ambiente cultural norte-americano, traduzido na capacidade de
organizar ideologicamente multidões e de, a partir daí, catapultar representantes para o
Estado restrito, onde a função hegemônica iniciada no plano do proselitismo religioso se
completa, tratarei essa rede de associações religiosas como um partido, o Partido da Fé
Capitalista.

5.3.1 – Quem faz parte desse Partido?

Falo aqui de uma coligação religiosa internacional ecumênica. No mundo


periférico, porém, ele é constituído sobretudo pelas grandes organizações pentecostais,
embora tenha representantes de todas as agremiações evangélicas, da igreja católica e de
outras entidades religiosas, como a Igreja da Unificação. Já nos Estados Unidos os
pentecostais conservam grande importância, mas a liderança do movimento é dividida
mais equilibradamente entre as maiores organizações evangélicas, em menor grau

74
Desde o princípio, os diversos grêmios pentecostais, por exemplo, mantinham pontos doutrinários em
comum, como a prática da fala em línguas estranhas, da cura espiritual e o afastamento dos problemas
terrenos, traduzido na tendência à conservação das estruturas políticas e sociais em vigor. Após os anos
1970, Mariano (2014, p. 166) relata uma certa homogeneização pentecostal sob o mais recente formato
“neopentecostal”, que teria se infiltrado até nas organizações mais antigas, como a Igreja Quadrangular, a
Brasil pra Cristo e a Assembleia de Deus.
73

agregando católicos, mórmons e até judeus. Esse assunto será melhor abordado nas partes
II e III deste trabalho, mas por ora cabe ver um pouco mais de perto as especificidades do
caso brasileiro.
No Brasil, as associações pentecostais, há décadas em crescimento acelerado, são
sem dúvida as mais relevantes em termos ideológicos e partidários. Em número de
seguidores, as primeiras informações oficiais detalhadas publicadas sobre os grêmios
pentecostais constam no censo do IBGE de 2010 (2012b). Em primeiro lugar viria a
Assembleia de Deus, com 12.314.410 membros; seguida pela Congregação Cristã no
Brasil, com 2.289.634; pela Igreja Universal do Reino de Deus, com 1.873.243; Igreja do
Evangelho Quadrangular, com 1.808.389; Igreja Deus é Amor, com 845.383; Igreja
Pentecostal Maranata, com 356.021; O Brasil para Cristo, com 196.665; Comunidade
Evangélica, com 180.130; Casa da Benção, com 125.550; e Igreja Nova Vida, com
90.568. Tais números, acrescidos de 5.267.029 seguidores pentecostais distribuídos em
inúmeras outras pequenas igrejas, somam 25.370.484 de brasileiros, ou 60% de todo o
público religioso protestante/evangélico. Para as quatro maiores organizações, temos
também dados do censo de 2000, dentro da baliza temporal definida para este trabalho
(2002). Segundo ele, naquela altura a Assembleia de Deus tinha 8.418.140 seguidores, a
Congregação Cristã no Brasil 2.489.113, a Igreja Universal do Reino de Deus 2.101.887
e a Igreja do Evangelho Quadrangular 1.318.805.
Já em termos de representação partidária, a coisa muda um pouco de figura. Ainda
que o predomínio da Assembleia de Deus se confirme, entre as grandes pentecostais do
censo de 2010 apenas têm presença de peso a Igreja Universal do Reino de Deus, cujo
crescimento no Legislativo Federal se aproxima e mesmo ultrapassa a Assembleia (na
legislatura iniciada em 1999), e a Igreja do Evangelho Quadrangular, mesmo que a
Congregação Cristã do Brasil (1995 a 1999) e a Igreja Pentecostal Maranata (1999 a
2003) também tenham eleito pequeno número de representantes. Na 50ª legislatura, de
1995 a 1999, por exemplo, a Assembleia de Deus fez nove deputados federais, a Igreja
Universal do Reino de Deus seis, e a Congregação Cristã do Brasil e a Igreja do
Evangelho Quadrangular um. A despeito do resultado modesto da IEQ para esta
legislatura, coloco a agremiação no rol das pentecostais com peso político em virtude do
engajamento precoce. Já na década de 1960 ela fazia incursões partidárias, elegeu dois
constituintes em 1986, e tem presença no Congresso em todas as eleições desde então.
Sendo assim, acredito que a espinha dorsal do Partido da Fé Capitalista no Brasil,
olhando para o número de seguidores e representantes na política partidária, sejam os
74

pentecostais, sobre os quais a Parte III deste trabalho se concentrará, entre eles sobretudo
a Assembleia de Deus, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja do Evangelho
Quadrangular. Outras igrejas deste tipo, como a Deus é Amor, O Brasil para Cristo, e a
Igreja Nova Vida, mesmo que com menor aprofundamento, serão também observadas,
em vista do seu importante papel na popularização do pentecostalismo no país. Demais
membros de peso do Partido da Fé Capitalista, como as igrejas da Unificação, Batista,
Presbiteriana e Católica, esta última por meio de uma de suas mais recentes subdivisões
conservadoras, a Renovação Carismática, também receberão atenção especial. Ainda
outros componentes não pentecostais do imenso leque de agremiações de fé participantes
do Partido, como os adventistas, mórmons, testemunhas de Jeová e grupos judaicos,
aparecerão pontualmente, em maior grau no caso norte-americano e em menor no
brasileiro. Falo, portanto, de uma iniciativa de escopo mundial, disposta a envolver
diferentes organizações religiosas em torno de um projeto político conservador e pró-
capitalista desenhado em linhas gerais nos Estados Unidos.
Em termos organizativos, a gigante Assembleia de Deus, por exemplo, conta com
órgãos centrais independentes para a coordenação das suas múltiplas filiais, inclusive no
que toca a estratégia partidária. Os três maiores são a Convenção Geral das Assembleias
de Deus no Brasil, a Convenção Nacional das Assembleias de Deus Ministério de
Madureira e a Convenção da Assembleia de Deus no Brasil. Segundo informações
retiradas da página eletrônica da primeira, uma das suas prioridades atuais seria a
implantação de “um projeto de desenvolvimento de sua participação mais ativa na
sociedade” (HISTÓRIA da CGADB, [s.d.]). Para tanto, criou-se um “Conselho Político”
a fim de tocar o projeto “Cidadania AD Brasil”, cujo propósito declarado é desenvolver
a consciência política nas lideranças assembleianas, além de gerenciar o “lançamento de
candidatos oficiais da denominação nos pleitos eleitorais em todo Brasil”. O órgão teria
em sua convenção de 2015, inclusive, mobilizado quarenta mil pastores para a obtenção
de assinaturas para a fundação de uma nova legenda, o Partido Republicano Cristão –
PRC, que seria a sigla oficial da igreja, embora tenha sido proposta a filiação do restante
da bancada evangélica. Já a Convenção Nacional das Assembleias de Deus no Brasil -
Ministério de Madureira - CONAMAD é uma dissidência da Convenção Geral cujo
presidente vitalício é o bispo primaz Manoel Ferreira, do Partido Social Cristão - PSC do
Rio de Janeiro. A Convenção da Assembleia de Deus no Brasil, por sua vez, é a mais
recente divisão nacional, capitaneada por Samuel Câmara, presidente da Assembleia de
Deus em Belém, primeiro ministério fundado no Brasil em princípios do século XX. De
75

importância capital na disseminação das assembleias por todo o país e com grande
aproximação com o nosso Estado restrito desde a ditadura de 1964, a Assembleia de
Belém será vista de perto na Parte III.
Enquanto nos Estados Unidos a articulação ecumênica necessária para o
funcionamento do Partido da Fé Capitalista se inicia em princípios dos anos 1950 75, no
Brasil a integração entre essas múltiplas igrejas tem sido institucionalizada em data mais
recente. Na margem cronológica inferior deste trabalho, os anos 1950, o que havia era a
Confederação Evangélica do Brasil – CEB, fundada “com o objetivo de construir uma
identidade protestante nacional” (ALMEIDA, 2016, p. 68) e de “promover trabalhos e
reflexões sobre os desafios pastorais, a ação missionária e de serviço ao próximo”. Após
1955, a organização foi espaço de importantes debates que procuraram refletir os
problemas estruturais do país, data em que passa a funcionar em seu interior uma
Comissão de Igreja e Sociedade, posteriormente transformada no Setor de
Responsabilidade Social da Igreja, reunindo líderes de inúmeras denominações. A CEB,
porém, foi esvaziada nos anos 1960 ao entrar em atrito com a ditadura instalada em 1964.
Reinaugurada em 1986, passa, contudo, a ostentar características bem diferentes, servindo
de espaço de articulação evangélica sobretudo no que diz respeito a questões partidárias,
tendo em seus quadros dirigentes inúmeros membros da recém instaurada bancada
evangélica no Congresso Nacional.
Em 1993 há a fundação de outro órgão representativo das organizações
evangélicas hegemônicas, o Conselho Nacional de Pastores do Brasil, presidido pelo
bispo da Assembleia de Deus Manoel Ferreira e com grande participação da Igreja
Universal do Reino de Deus.
Mais recentemente, em 2018, fundou-se em São Paulo - SP a União Nacional das
Igrejas e Pastores Evangélicos – UNIGREJAS com a finalidade declarada de “trabalhar
para o crescimento evangélico no Brasil e no mundo” (SOBRE o Unigrejas, [s.d.]) e que
tem como presidente o bispo Eduardo Bravo, da Igreja Universal do Reino de Deus. Por
muito tempo acusada de isolacionismo, a IURD passou, assim, a mover esforços para essa
integração, realizando também congressos com bispos de diferentes denominações em
sua sede, o faraônico Templo de Salomão.

75
Ela foi conseguida por via de grandes fóruns reunindo sacerdotes de diferentes igrejas, empresários,
intelectuais laicos e membros do governo norte-americano e por uma multiplicidade de organizações
religiosas interdenominacionais. Tais espaços serão vistos na Parte II.
76

Um dos principais pontos de integração entre as porções religiosas conservadoras


no Brasil, entretanto, foi patrocinado por uma organização religiosa estrangeira, a Igreja
da Unificação, que, após princípios da década de 1980, promoverá inúmeros encontros
entre essas frações religiosas, membros da intelectualidade e do empresariado brasileiro,
como veremos detidamente na Parte III.
Por seu turno, a integração entre a intelectualidade fundamentalista cristã norte-
americana e brasileira, além da convivência em igrejas, programas missionaristas e fóruns
internacionais, se dá em grande parte por intermédio de órgãos como o Ministério Verbo
da Vida, conectado ao Kenneth Hagin Ministries, órgão estadunidense fundado pelo pai
da Teologia da Prosperidade que coordena uma série de outras instituições para a
educação de pastores e missionários de várias denominações em quase todos os estados
brasileiros. Entre elas, destacam-se organizações de ensino teológico ligadas à
Rhema, “escola bíblica de caráter interdenominacional que já formou mais de 50 mil
alunos ao redor do mundo” (O que é o Rhema? [s.d.]), fundada em 1974 em Tulsa,
Oklahoma, também por Kenneth Hagin. São elas o Centro de Treinamento Bíblico
Rhema, a Escola de Ministros Rhema e a Escola de Missões Rhema. Ao Ministério Verbo
da Vida, sediado em Campina Grande - PB, cabe ainda a importante função de
supervisionar as atividades do Rhema em Angola, Argentina, Chile, Japão e Portugal,
sugerindo a importância dos intelectuais religiosos brasileiros, associados aos norte-
americanos, na exportação da ideologia religiosa daquele país para o resto do mundo.
Sobre a associação subordinada de brasileiros a este projeto, é exemplar a formação da
diretoria do Ministério, que tem dois norte-americanos nas posições mais elevadas, o
presidente Guto Emery e o vice-presidente Jan Wright, e brasileiros em todas as demais,
como Renato Gaudard e João Roberto Albuquerque, diretor e vice-diretor executivo
(QUEM Somos. Ministério Verbo da Vida, [s.d.]).
Outra instituição congênere é a Faculdade Teológica Sul Americana (FTSA),
fundada em 1994 em Londrina - PR e reconhecida pelo MEC em 2000, escola evangélica
associada ao norte-americano Fuller Theological Seminary, aberto em 1947 pelo pastor
batista fundamentalista Charles E. Fuller e, segundo Mariano (2014, p. 40), importante
na idealização da Teologia do Domínio. A FTSA recebe estudantes de diferentes grêmios
religiosos. Pentecostais, como João Vitor Oliveira, “líder dos adolescentes da igreja
Evangélica Assembleia de Deus em Palmeira das Missões-RS” (JOÃO Vitor Oliveira,
Faculdade Teológica Sul Americana, 2019), mas também presbiterianos e batistas,
entre outros.
77

O que foi dito nos parágrafos anteriores me leva a visualizar um projeto de


integração e homogeneização político-ideológica do campo evangélico norte-americano
e brasileiro, consolidando a presença do Partido da Fé Capitalista no nosso país. Essa
homogeneização se daria de acordo com diretrizes emanadas de organizações político-
religiosas norte-americanas, que veremos em detalhe na Parte II, conectadas a igrejas,
organizações missionárias ativas em nosso país e às instituições acima. Também
facilitaria essa integração a presença nessas instituições, tanto na qualidade de professores
como de alunos, de intelectuais religiosos não denominacionais, mas que realizam
pregações, palestras e atividades missionárias em parceria com diversas denominações
evangélicas. Um deles é Antonio Carlos Barro, fundador da Faculdade Teológica Sul
Americana, que em seu blogue expressa repúdio ao vínculo exclusivo a instituições
religiosas específicas:

O meu total e absoluto desprezo pelo denominacionalismo que mata o espírito


do Reino de Deus. Quando a frase extra Ecclesiam nulla salus foi dita a
respeito da Igreja Católica, o que não se sabia é que ela era também uma
profecia a respeito da igreja protestante no Brasil
(DENOMINACIONALISMO, [s.d.]).

O cristianismo não denominacional, contudo, não constitui novidade, existindo


desde tempos remotos. Mas parece importante notar que grande parte dos intelectuais
evangélicos, formuladores e dissipadores de novas doutrinas, sobretudo norte-
americanos, são não denominacionais, o que facilitaria o contato com todo o campo. Da
mesma forma, o “desprezo” externado pelo pastor Antônio Carlos não o impede de
receber em sua faculdade estudantes de variadas denominações, como as pentecostais.
A integração do campo cristão conservador brasileiro, sob a liderança das
principais organizações constituintes do Partido da Fé Capitalista, não tem se dado,
contudo, sem lutas e disputas. Exemplar disso foi a tentativa de fundação de um órgão
representativo dos evangélicos não alinhado à liderança das grandes organizações: a
Associação Evangélica Brasileira (AEVB). A instituição, cujos estatutos exprimiam a
vontade de “melhorar a imagem pública dos evangélicos, arranhada pela bancada
evangélica na Constituinte e pelas técnicas financeiras de algumas igrejas pentecostais
novas” (FRESTON, 1993, p. 133), foi perdendo importância por questões internas e pelo
embate com a Igreja de Edir Macedo, a despeito de certo sucesso inicial, impulsionado
pela prisão preventiva do “bispo” e pelo impeachment de Fernando Collor (FRESTON,
1993, p. 134), presidente ostensivamente apoiado pela Universal.
78

A própria história das nossas grandes organizações pentecostais é pontuada de


cismas e conflitos. A fundação da Igreja Universal do Reino de Deus se deve a um caso
destes, o rompimento de Edir Macedo com a Igreja de Nova Vida do missionário
canadense Robert McAlister, entidade que, segundo Mariano (2014, p. 51), adiantou
muitas das práticas que fizeram o sucesso da IURD, como o combate espiritual e o dízimo
como caminho para a prosperidade. Adepto de primeira hora, Edir Macedo decide em
1975 afastar-se em favor de um projeto evangelístico próprio, considerado agressivo
demais pelos antigos companheiros (Mariano, 2014, p. 55). Pouco depois, foi a vez da
IURD ter o seu próprio cisma. Em 1980, um dos seus fundadores, Romildo Ribeiro
Soares, separa-se para fundar a sua Igreja Internacional da Graça de Deus. A Igreja de
Nova vida sofreria ainda uma segunda e mais grave ruptura em 1993, dividida entre o
Conselho de Ministros das Igrejas de Nova Vida do Brasil e a União das Igrejas Nova
Vida.
A disputa de espaço com os católicos também rendeu encarniçadas lutas entre os
grandes grêmios pentecostais e a Igreja romana. A Congregação Cristã no Brasil, segunda
maior organização pentecostal dos dias atuais, por exemplo, aparece em 1964 em papéis
do Departamento de Ordem Política e Social – DOPS de Minas Gerais, um dos principais
braços repressivos da ditadura, solicitando auxílio policial para a promoção de batismos
na cidade de Paraisópolis, de onde alega ter sido expulsa por católicos76.

6 - Conclusão

Vimos como o movimento fundamentalista cristão é um dos carros-chefes do


conservadorismo religioso ufanista norte-americano. Observamos da mesma forma a sua
aproximação com o pentecostalismo, progressivamente influenciado por ele e que teria
tomado a dianteira da ofensiva missionarista norte-americana para o mundo periférico.
Vimos também como a religião, segundo Marx, Engels, Gramsci e pensadores por eles
inspirados, é um rico campo para a luta de classes e disputada por movimentos opostos
favoráveis à conservação ou à modificação das estruturas sociais. Partindo de tal
pressuposto, esse trabalho se preocupará com os usos da religião pelas forças da

76
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Delegacia de Ordem Política e Social.
Código de referência: BR MGAPM,XX DMG.0.0.1603.
79

conservação, enquadrando as mais poderosas e influentes organizações religiosas


sediadas nos Estados Unidos ou inspiradas por pregadores norte-americanos como
aparelhos privados de hegemonia. Conceito cunhando por Antônio Gramsci para
expressar o papel político desempenhado através da propagação de uma determinada
visão de mundo, uma ideologia, por entidades voluntárias. Neste caso, falo da iniciativa
posta em marcha pela classe dominante norte-americana e seus sócios por todo o planeta
para fazer de igrejas globalizadas, porém institucionalmente e/ou ideologicamente ligadas
àquele país, palanque para a popularização de ideias que favorecem o domínio político e
econômico do capital norte-americano. Ação organizada e dissimulada que contém metas
econômicas e políticas, cabendo assim visualizar as agremiações que a perpetuam como
um partido. O Partido da Fé Capitalista.
80

CAPÍTULO 2
Um partido para altares e prédios de governo

1 – Introdução

Tendo introduzido no capítulo passado a base conceitual e factual que formará a


espinha dorsal teórica deste trabalho, nesta parte me disponho a expandi-la, sobretudo
com reflexões mais atuais, de modo a melhor apreender os processos sociais específicos
que ele examinará, recorrendo a contribuições de teólogos, sociólogos, antropólogos e
teóricos marxistas, como Virgínia Fontes e Nicos Poulantzas. Assim, buscarei refletir
sobre como a ação hegemônica dos grêmios religiosos reunidos sob o Partido da Fé
Capitalista se efetiva no mundo concreto na segunda metade do século XX. Tendo como
foco a realidade brasileira, procurarei analisar como essa campanha hegemônica se
integraria ao formato imperialista contemporâneo. Serão vistas, também, suas ações nos
campos ideológico e partidário, entendidas como complementares.

2 - O reino do capital

Segundo Gramsci (2001, v. 3, p. 55, grifo nosso), a condição de grande potência


desfrutada por um país seria expressa “pela possibilidade de imprimir à atividade estatal
uma direção autônoma, que influa e repercuta sobre outros Estados: a grande potência é
potência hegemônica, líder e guia de um sistema de alianças e de pactos com maior ou
menor extensão”. Tal reflexão descreve com acuidade a posição dos Estados Unidos no
concerto mundial pós-Segunda Guerra. É possível dizer que o Estado restrito norte-
americano é dotado de uma “direção autônoma”, ou seja, relativamente homogênea e
independente dos indivíduos e grupos que se alternam em seus postos mais elevados, e
representando de maneira regular os interesses dos setores dominantes, alçados à
categoria de prioridades nacionais, e que suas ações repercutem fortemente por todo o
globo. O processo foi observado por Dreifuss (1986), que reparou como as classes
hegemônicas daquele país, visando a própria expansão, por dentro e por fora do Estado
restrito, projetou internacionalmente seus planos mundiais de organização econômica,
81

por exemplo ensejando a formação de uma rede de associações patronais por todo o
mundo. Isso foi possível com a emergência do país enquanto potência ocidental vitoriosa
da Segunda Guerra Mundial, líder portanto de um sistema de pactos e habilitado a impor
a aliados e derrotados um novo arranjo econômico e político que, mesmo acomodando
em certa medida os interesses de alguns deles, tinha como fim último a consecução dos
seus próprios. Veremos agora as características contemporâneas do imperialismo e como
o Partido da Fé Capitalista pode cumprir função acessória no seu reforço.

2.1 – Um “capital-imperialismo”

Ao longo da segunda metade do século passado, Virgínia Fontes (2010, p. 156-


157) visualiza modificações no feitio do imperialismo, que precisará se adequar a um
novo arranjo mundial marcado pela necessária convivência entre antigos concorrentes
sob um sistema de alianças político-econômicas, liderado pelos Estados Unidos, que se
propunha a contrapor-se ao também emergente bloco soviético. Surgiria, neste momento,
uma “organização internacional imperialista explicitamente direcionada para conter tanto
iniciativas revolucionárias nos planos domésticos, quanto as fortes probabilidades de
guerras interimperialistas, deslocando-as para terceiros países”. Tudo isso sobre o pano
de fundo, num primeiro momento, da consolidação mundial do capital monopolista,
atuante por todo o planeta via multinacionais sediadas nos países centrais, mas com
participação de capitais de variadas nacionalidades, e mais tarde num contexto de uma
ainda maior concentração de capitais.
Esse recente “capital-imperialismo” (FONTES, 2010, p. 14), cujas características
principais, relacionadas com a inédita intensidade de sua expansão, seriam o predomínio
do capital monetário, levando ao desligamento da propriedade capitalista de bases
materiais fixas e à galopante demanda por valorizações ampliadas desse capital “etéreo”
e onipresente, de nacionalidade múltipla mas principalmente controlado pelos países
centrais, acarretando enorme pressão sobre as atividades produtivas e expropriações de
variados tipos
É ele fundado sobretudo na pressão econômica e em estratégias de persuasão das
camadas inferiores para garantir a contínua valorização de massas multinacionais de
capital que transitam aceleradamente por todo o globo. Sua ação política é levada adiante
por “frentes móveis de atuação internacional” (FONTES, 2010, p. 320) formadas por
82

instituições governamentais e privadas, sobretudo seguindo o modelo das norte-


americanas, conectadas em nível capilar à sociedade civil. Ligação realizada por
aparelhos privados de hegemonia que se propõem à organização e direção tanto dos
setores burgueses como dos populares, “malhas tecidas por entidades cosmopolitas
voltadas para o convencimento, tentando dissuadir a classe trabalhadora pela repetição ad
nauseam de que este [o capitalismo] é o único modo de existência possível” (FONTES,
2010, p. 14).
No Brasil, a presença de tais organizações associativas começa a se sentir com
maior ímpeto a partir do golpe de 1964, que favorece um processo de expansão da
sociedade civil concentrado nos aparelhos ligados aos interesses patronais, por outro lado
inibindo pela repressão a organização autônoma dos trabalhadores. Mas, de forma distinta
aos países capitalistas centrais, onde tais aparelhos hegemônicos se reproduziam com
rapidez já neste momento, no Brasil ditatorial o processo tem ritmo mais lento, pois
apenas a partir da década de 1980 se expandirá a nossa sociedade civil de forma acelerada
e, mais importante, seletiva (FONTES, 2010, p. 264), sendo as organizações arquitetadas
pela burguesia as multiplicadas de maneira exponencial. Neste contexto, o da
redemocratização, os mecanismos de convencimento têm importância revigorada, com a
relativa redução da ação coercitiva estatal, e avançarão sobre todo o espaço social,
manifestando-se sob a forma de variadas organizações não estatais, como sindicatos,
escolas, órgãos de mídia e, também, igrejas.
Função primordial dessa “pedagogia da hegemonia” seria corroer por dentro
incipientes organizações populares, buscando neutralizar manifestações das lutas de
classes já em sua origem. Como efeito secundário, a multiplicação desses aparelhos
terminaria contribuindo para “espraiar a dinâmica do capital em todos os espaços
organizativos”, expandindo geometricamente as possibilidades de aplicações lucrativas
requeridas em escala ineditamente ampliada.
No Brasil, penso ser possível encaixar a expansão de organizações cristãs
conservadoras vindas dos Estados Unidos, ou inspiradas pelo contexto religioso daquele
país, nesse processo mundial de difusão e aprofundamento do capital-imperialismo
conduzido pelos norte-americanos, que, segundo veremos na Parte II, a fomentaram
intencionalmente para estes fins. Não seria por acaso, então, que ambos os fenômenos, o
novo tipo de imperialismo e a expansão evangélica mundial, teriam sua largada no pós-
Segunda Guerra. Após 1950, a “segunda onda” da expansão pentecostal no Brasil e o
novo ímpeto da atividade missionária na América Latina inserem-se portanto na
83

renovação do interesse dos Estados Unidos pela região, num momento em que a potência
do Norte procurou integrar subalternamente as economias do mundo periférico e afastá-
las do bloco socialista.
Essa, contudo, foi apenas a etapa inicial da contínua e acelerada expansão
evangélica no Brasil, permanecendo ele uma religião minoritária, ainda que crescente, até
os anos 1980. Nesse ínterim, porém, ele não teria deixado de funcionar de maneira
semelhante a outros aparelhos privados da hegemonia burguesa que começam a surgir,
procurando desarticular, dentro de suas ainda pequenas possibilidades, as lutas sociais
populares e produzir trabalhadores mais propensos a acatar a exploração patronal por via
de um proselitismo que desencorajava a ação social direta e oferecia curas espirituais para
males terrenos. Crescendo em paralelo ao ascenso das lutas populares no país, mas sem,
contudo, sofrer a mesma repressão que as organizações ligadas a elas, tais aparelhos
ideológicos/religiosos encontrarão terreno propício para seu florescer, atraindo crescente
público, que ali encontra alívio para um acúmulo de descontentamentos, mostrando-se,
por outro lado, formidável ferramenta para o desvio dessa energia para fins incapazes de
fazer avançar as lutas da classe dominada. Não se furtaram tais organizações religiosas,
também, de se aproximar do Estado restrito brasileiro, em parcerias que favoreceram o
seu crescimento, também endossando mudanças sociais e econômicas como as postas em
marcha pela ditadura de 1964, com quem colaborou77.
Concluída a instalação do capitalismo monopolista no Brasil pelos anos
ditatoriais, sob o pano de fundo da redemocratização e da disseminação acelerada dos
aparelhos privados de hegemonia burguesa, a onda evangélica sofre um novo e ainda mais
intenso impulso, representado sobretudo pelo surgimento do pentecostalismo das
teologias da Prosperidade e do Domínio e de novas agremiações de crescimento sem
precedentes. A atualização do proselitismo pentecostal, com a ênfase na resolução
espiritual de problemas financeiros, e a mudança de comportamento com relação ao
mundo social e partidário, revalorizado como espaço de intervenção do “povo de Deus”,
também estariam atreladas ao novo momento do capitalismo. Nessa etapa de maior
amadurecimento das relações capital-imperialistas, prosseguirão os grêmios pentecostais
brasileiros a estimular a desarticulação da classe trabalhadora, assumindo sua pregação
feições mais condizentes com o novo momento social e econômico, assim abarcando
novos problemas trazidos pela plena instalação de uma sociedade tecnologicamente

77
Esse assunto será abordado de maneira mais aprofundada na Parte III.
84

modernizada e devotada ao consumo. Ao mesmo tempo, essas igrejas irão se inserir com
maior ímpeto no Estado restrito, reproduzindo o que fizera a direita religiosa norte-
americana, porção norte do Partido da Fé Capitalista, ali fazendo avançar78 pautas
econômicas de interesse de um capitalismo multinacionalizado porém hegemonizado
pelos Estados Unidos. Em paralelo, produzirão nas duas partes do Estado ampliado, e de
maneira ainda mais eficiente, força de trabalho docilizada. O farão equipadas com uma
teologia que parece transportar a própria lógica capitalista para a esfera religiosa e lotando
câmaras legislativas, fóruns e palácios de governo por todo o país.

2.2 - A Bíblia do reino do capital

Chegando em números redobrados no Brasil desde princípios da década de 1950,


evangélicos conservadores não experimentaram grandes dificuldades impostas pelo
Estado restrito ou pela classe dominante para se fixar. Como dito, suponho que essa
trajetória ascendente foi embalada pelos ventos da nossa integração subalterna ao capital-
imperialista e à consolidação do nosso capitalismo monopolista, uma vez que na mesma
data inicia-se um longo processo de instalação de multinacionais com as quais o
empresariado nativo formará elos societários, ainda que subordinadamente.
O golpe de 1964 altera o quadro político nacional, privilegiando certas frações
desse empresariado cujos interesses estão entrelaçados com o capital estrangeiro. Nesse
contexto, a ditadura atuará de maneira a favorecer uma já mencionada ampliação seletiva
da sociedade civil acolhendo as associações representativas dos interesses dessas porções
burguesas. Como já antecipado, também, as organizações religiosas conservadoras
provindas do norte, cujo florescer foi também estimulado pelo Estado restrito79 brasileiro,
como veremos na Parte III, podem ser enquadradas nesse conjunto de aparelhos
hegemônicos. Mantendo no espaço da sociedade civil ações ideológicas inclinadas para
a conservação da ordem, sua expansão encontra caminho livre nos anos ditatoriais.
Em paralelo, opera-se a repressão das organizações populares. Ilustrativo disto é
a grande presença, entre os documentos dos serviços de inteligência do regime, que serão
abordados na Parte III, de papéis mostrando rigorosa vigilância e repressão sobre os

78
Isso será matéria da Parte III.
79
Documentação que indica a cooperação entre pentecostais e o Estado ditatorial brasileiro será abordada
na Parte III.
85

praticantes da Teologia da Libertação, sobretudo após o início da década de 1970. Cabe


adiantar, entretanto, que também eram vigiadas as atividades de evangélicos
conservadores, como os pentecostais. Contudo, ao contrário do que era corriqueiro no
primeiro caso, os documentos oficiais trazem agora frequentes “nada consta” ideológicos.
Papel de março de 1982 do Serviço Nacional de Informações – SNI80, por exemplo,
constatava não existir “registros sobre quaisquer envolvimentos político-ideológicos ou
prática de ilícitos”81 da Igreja Pentecostal Unida, organização norte-americana que
pretendia nacionalizar uma aeronave para uso em atividades missionárias na Amazônia,
afirmação que, na Parte III, veremos repetidas em papéis tratando de diversas outras
organizações religiosas conservadoras, inclusive aquelas sobre as quais pairavam graves
denúncias criminais, como a Igreja da Unificação.
A razão para essa simpatia reside, conforme indica a documentação, sobretudo
em características do proselitismo hegemônico capitalista desta fase que, como veremos,
primava em desencorajar ações dispostas a desafiar o arranjo social vigente, ao mesmo
tempo em que estimulava um respeito literalmente dogmático pelas autoridades,
contrapondo-se ao pregado por porções religiosas progressistas, às quais o regime
procurou neutralizar. No momento em que se consolida o “processo de conversão capital-
imperialista” (FONTES, 2010, p. 207) brasileiro, entre 1945 e 1965, pregações como as
executadas pelas organizações religiosas evangélicas vindas dos Estados Unidos não
poderiam deixar de assumir um caráter hegemônico afinado com os interesses do capital.
Durante este período, a dominação burguesa não deixou de se valer de
intervenções ideológicas, desempenhadas por novas organizações civis, como o
complexo IPES/IBAD examinado por Dreifuss (1981, p. 337). Porém, nota o mesmo
Dreifuss que seu sucesso foi apenas parcial, falhando tais aparelhos privados de
hegemonia em forçar o caminho para a plena abertura da economia brasileira às empresas
multinacionais apenas na base do convencimento, tornando imprescindível, do ponto de

80
Instituído em junho de 1964 e vinculado diretamente à Presidência da República, o Serviço Nacional de
Informações - SNI tinha como finalidade a supervisão e coordenação das atividades de informação e
contrainformação, sobretudo a respeito de questões que o regime via como de interesse para a segurança
nacional, como as ações dos opositores políticos. Cabia ao SNI, também, manter o Executivo informado
sobre fenômenos sociais e políticos relevantes e atuais.
81
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Pentecostal Unida do Brasil Solicita
Autorização para Nacionalizar Hidroavião. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.82025249. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/82025249/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_82025249_d0001de0001.pdf >. Acesso em: 20 dez. 2020.
86

vista da dominação burguesa, o reforço da coerção estatal após 196482. Teriam tais
aparatos ideológicos, portanto, um papel secundário nesse processo, o que me parece
poder ser dito também sobre as então incipientes organizações evangélicas
conservadoras.
Nesse primeiro momento, a função hegemônica delas seria, assim, desmobilizar,
com sucesso relativo, face às suas forças ainda modestas, uma classe trabalhadora que,
além de razoavelmente organizada, era “tendencialmente anti-imperialista, e que
identificava de maneira direta o imperialismo à atuação avassaladora dos Estados
Unidos” (FONTES, 2010, p. 207), país pintado em cores muito mais agradáveis pelos
grupos religiosos aqui enfocados. Concluso o processo de atrelamento brasileiro ao
capital-imperialismo, na segunda metade da década de 1960 e na primeira da de 1970, e
combinando-se à repressão ditatorial, é provável que o proselitismo hegemônico
capitalista ventilado por essas porções religiosas em expansão tenha contribuído para a
abertura de um ambiente social favorável ao incremento da acumulação demandado pela
nova conformação global do capitalismo, incutindo a obediência às autoridades e
contendo tensões sociais com a oferta de alívio espiritual para males decorrentes do
incremento da exploração da classe trabalhadora.
O segundo momento do proselitismo hegemônico capitalista, encarnado
sobretudo pelo pentecostalismo armado das teologias da Prosperidade e do Domínio, por
sua vez, parece se combinar com a situação de plena consolidação do capital-
imperialismo num Brasil de finais da década de 198083, onde multidões de aparelhos
privados de hegemonia agem no “apagamento retórico das classes sociais” (FONTES,
2010, p. 15) buscando disponibilizar crescentes contingentes, docilizados e despojados
de direitos e de entidades organizativas, para a extração de mais-valor crescentemente
aprofundada. Aparelhos, enfim, dedicados a instilar o consentimento das relações de
dominação vigentes ao “interiorizar relações sociais existentes como necessárias e
legítimas” (FONTES, 2010, p. 137), sendo este, por exemplo, um possível efeito da
Teologia da Prosperidade, que projeta a pobreza e a sua superação na dimensão dos
desígnios divinos.

82
Violência que se deveu também ao imperativo de frear o grande incremento das atividades organizativas
da classe trabalhadora.
83
Essas teologias fazem parte do repertório teológico pentecostal desde meados dos anos 1970, aparecendo,
por exemplo, nas pregações da pequena Igreja de Nova Vida. Porém, ganham impulso apenas em fins da
década seguinte, com a ascensão da Igreja Universal do Reino de Deus. Fundada em 1977, a IURD passaria
a se organizar como um grande movimento nacional já em meados dos anos 1980.
87

A relação próxima entre a fase atual do capitalismo e a Teologia da Prosperidade


é percebida inclusive por alguns intelectuais pentecostais. Sociólogo e presbítero da
Assembleia de Deus, Gedeon Freire de Alencar (2019, p. 16) não hesita em declarar que
ela seria irmã siamesa do neoliberalismo, “Um não existiria sem o outro”, admitindo a
ligação de todas as teologias com contextos históricos e sociais específicos. Indo além, e
adotando um posicionamento crítico semelhante ao dessa pesquisa, Alencar (2019, p. 15)
supõe inclusive que setores do pentecostalismo atual não apenas reproduziriam como
também intensificariam as “opressões sociais” ao fornecer-lhes uma “marca espiritual”,
agindo de maneira deletéria também ao impulsionar uma pauta moral que incentiva o
machismo e discriminações sexuais e ao estimular a “apatia nas lutas sociais” e o
individualismo, fixando-se na resolução de problemas pessoais e não coletivos.
Momento maior da expansão evangélica no Brasil, Fontes (2010) enxerga nos
anos 1990 um esforço, da parte dos referidos mecanismos de convencimento na sociedade
civil também em franca multiplicação, em apartar a pobreza de suas causas estruturais,
içada a uma “urgência genérica” (FONTES, 2010, p. 276). O fim desta operação seria
ocultar as desigualdades sociais e as causas estruturais da miséria, tratada, ao invés, como
um fato pontual e passível de também pontual correção. Aqui a sinergia entre as
organizações religiosas que abordo e os amplos movimentos do capital parece mostrar-se
novamente. Afinal, não oferecem, por exemplo, as organizações pentecostais adeptas da
Teologia da Prosperidade todo um receituário acabado para a superação da pobreza, mero
“acidente” espiritualmente retificável?
Outro cruzamento das práticas contemporâneas de amplificação de extração de
mais-valor e a religião pode ser ainda notado na grande vulgarização da “forma da
autoexploração traduzida pelo empreendedorismo” (FONTES, 2010, p. 293).
Terminologia batida em especializações universitárias e socialmente naturalizada, o tal
“empreendedorismo individual” é item frequente dos cultos pentecostais
contemporâneos. No púlpito, o tino negocial é apresentado como virtude a ser cultivada
para a plena recepção da prosperidade divina, e os crentes “são aconselhados a deixar de
ser meros empregados. Recebem incentivos para abrir negócios e se tornar patrões”
(MARIANO, 2014, p. 163). Complementarmente, as principais igrejas pentecostais no
Brasil realizam cultos e reuniões concentrados na orientação de um público de
empresários e almejantes.
88

2.3 - Multinacionais da fé

Outra característica desse capitalismo de nova qualidade que toca de perto o meu
tema consiste na potencialidade de induzir a formação e o fortalecimento de burguesias
nativas nos países periféricos. Trata-se de resultado inevitável de uma “socialização do
processo de produção em escala internacional” (FONTES, 2010, p. 206), que pressupõe
a produção e gerenciamento de trabalhadores despossuídos em nível local pelos Estados
e burguesias subalternos, e do processo correlato de exportação de capital que permite a
participação do empresariado local nas multinacionais que passam a funcionar por aqui,
mesmo que na qualidade de sócios minoritários. Integradas aos fluxos mundiais de
valorização de capitais, essas burguesias operacionalizarão, com o apoio dos seus
Estados, o necessário processo expropriatório e de intensificação da exploração de mais-
valia das populações locais e até mesmo de outras e mais fracas burguesias periféricas.
Fundamental, contudo, na caracterização dessas burguesias capital-imperialistas
periféricas, repito, é a associação subordinada ao capital dos países centrais, no referido
processo de entrelaçamento da propriedade em estado puro, decorrendo daí o fato de que
a expansão econômica de determinada burguesia periférica sobre outros países trará
necessariamente nela acoplada interesses dos países capitalistas centrais (FONTES, 2010,
p. 209). Tal seria a natureza da inserção capitalista presente do Brasil que, ainda segundo
Fontes (2010, p. 14), procuraria em décadas recentes atingir a condição de país capital-
imperialista subordinado.
É claro que a formulação de Fontes se refere sobretudo a atividades “econômicas”
no sentido mais comum da palavra, ou seja, a presença de empresas de capital misto, mas
sediadas em países periféricos, em outros países também periféricos, como por exemplo
o fez a empreiteira Odebrecht no continente africano. Contudo, acredito que podemos
espraiar a lógica central do seu raciocínio para o caso das organizações religiosas
vinculadas ao espaço norte-americano em ação no Brasil. Afinal, parece evidente, por
exemplo, que o cinquentenário florescer pentecostal, induzido por pessoas e organismos
estrangeiros, terminou recentemente por estimular o surgimento local de uma camada
burguesa ligada a esse tipo de aparelho hegemônico: a sua milionária liderança.
Sobre ela, matéria publicada pela revista Forbes em 2013 (ANTUNES, 2013)
relaciona os cinco líderes evangélicos mais ricos do Brasil. Encabeçando a lista está Edir
Macedo, líder máximo da Igreja Universal do Reino de Deus, que acumulava naquela
data 950 milhões de dólares, colocando-o na 39ͣ posição no ranking composto por todos
89

os empresários brasileiros, também publicado pela Forbes naquele ano (VAZ, 2019), logo
atrás de Liu Ming Chung, vice-presidente e CEO da fabricante de papel Nine Dragon
Paper, e à frente do dono da CVC Turismo, Guilherme Paulus. No ranking de pastores,
atrás de Macedo vem Valdemiro Santiago, ex-membro da IURD e atual líder da Igreja
Mundial do Poder de Deus, com 220 milhões; Silas Malafaia, proeminente na Assembleia
de Deus, com 150 milhões; Romildo Ribeiro Soares, também proveniente da IURD e
atual dono da Igreja Internacional da Graça de Deus, com 125 milhões; e o casal Estevam
Hernandes Filho e Sônia Haddad Morais Hernandes, líderes da Igreja Apostólica
Renascer em Cristo, acumulando 65 milhões.
Abro aqui espaço para uma observação. Na primeira fase cronológica abarcada
por este estudo, 1950 até 1977, com raras exceções, como os pastores David Miranda, da
Igreja Pentecostal Deus e Amor, e Manoel de Mello e silva, da Brasil para Cristo84, não
é possível falar em grandes empresários pentecostais brasileiros. A instalação e
manutenção de aparelhos privados de hegemonia pentecostais nesse período coube quase
que inteiramente à burguesia e às igrejas norte americanas, às quais esses aparelhos se
ligavam em termos ideológicos e financeiros, uma vez que a sua expansão mundial se deu
por doações individuais e corporativas daquele país, chegando mesmo alguns autores
(GALINDO, 1995; LIMA, 1991) a suspeitar do apoio econômico de agências oficiais do
Estado norte-americano. Se enquadra neste caso a Igreja do Evangelho Quadrangular,
sediada na Califórnia e trazida para o Brasil pelo também californiano Harold Edwin
Williams, e organismos missionários dispersos pelo país.
Já no segundo período que abordo, 1977-2002, essa burguesia pentecostal nativa
aparece de forma inequívoca, com a rápida formação das fortunas de líderes do
pentecostalismo recente, todos originários do proletariado, como Edir Macedo, Romildo
Ribeiro Soares e Valdemiro Santiago.
Em ambos os momentos, ainda, o funcionamento dessas organizações autóctones
enquanto aparelhos privados hegemônicos burgueses não parece ter sido idealizado e
mantido diretamente pelo empresariado brasileiro, sendo a totalidade da burguesia
pentecostal brasileira formada a partir de indivíduos provindos da nossa classe
trabalhadora que responderam a impulsos ideológicos vindos de fora, no rastro da
integração cultural e econômica brasileira ao capitalismo multinacional hegemonizado

84
Essas duas são as mais importantes organizações pentecostais nativas deste período. Seus líderes, não
obstante terem se tornado após um par de décadas também donos de uma vasta estrutura, que compreendia
inclusive emissoras de rádio, são provenientes das camadas mais pauperizadas da classe trabalhadora.
90

pelos Estados Unidos. Sua presença e disseminação no território nacional, entretanto,


parece ter sido desde o princípio amplamente tolerada pelo empresariado nativo, naquela
altura sobretudo de fé católica, e estimulada pelo Estado brasileiro. Na primeira etapa,
entretanto, seu crescimento em termos financeiros sustentou-se em grande parte no apoio
externo, complementado progressivamente pela extração do dízimo, na medida em que
essas organizações criavam raízes. Recentemente, por outro lado, o dízimo assume
importância cada vez maior, vindo nas últimas décadas do século XX a se constituir no
grosso da sua arrecadação85, vencida a etapa inicial de transplante dessa planta
estrangeira.
Refletindo sobre o enorme sucesso de líderes pentecostais brasileiros, sem
paralelo em outras partes da América Latina, imagino, assim, que essa burguesia
pentecostal nativa nada produziu de novo, mas foi a mais competente na adaptação do kit
teológico/ideológico, importado dos Estados Unidos, à realidade da periferia, daí serem
as organizações brasileiras pentecostais, por exemplo, algumas das maiores do mundo.
Sobre este último ponto, convém dedicar algumas linhas à diferenciada e
impressionante pujança dessas organizações no Brasil quando comparadas àquelas em
atividade nos Estados Unidos. Já vimos que as três maiores igrejas deste tipo em
funcionamento em nosso país por volta de 2013 são a Assembleia de Deus, com
12.314.410 membros; a Congregação Cristã no Brasil, com 2.289.634; e a Igreja
Universal do Reino de Deus, com 1.873.243, somando um total de 16.477.287 seguidores.
Número esmagadoramente superior ao reunido pelas três principais instituições
pentecostais norte-americanas, a Church of God in Christ, com por volta de 5.500.000
membros; a Assembleia de Deus, com 2.900.000; e a Pentecostal Assemblies of the
World, com 1.500.000, contabilizando um total de 9.900.000 seguidores (RAINER,
2013).
Além dos dados numéricos, outras duas especificidades brasileiras saltam aos
olhos. Em primeiro lugar o fato de a Assembleia de Deus, uma das mais tradicionais
pentecostais norte-americanas, possuir mais que o dobro de adeptos nos Brasil que em
sua terra de origem. Em segundo lugar, o fato de que a principal dessas igrejas nos Estados

85
As vastas fortunas desses dirigentes religiosos, erguidas com o dízimo, passam também a ser aplicadas
em outros ramos produtivos, como emissoras e bancos. David Miranda foi um dos precursores em
investimentos deste tipo, dono de várias rádios pelo brasil. Esse movimento, contudo, obedece em grande
parte ao imperativo de atrair mais fieis para os templos, assim incrementando a arrecadação dizimista.
Numa etapa posterior, e segundo matéria da Exame, se daria a chegada dessa burguesia pentecostal a setores
produtivos sem relação direta com o “negócio” religioso. Edir Macedo, por exemplo, dono de emissoras de
rádio e da TV Record desde 1989, em 2009 teria comprado 49% do Banco Renner (VAZ, 2016).
91

Unidos, a Church of God in Christ, faz parte do “pentecostalismo negro”, como vimos
sem representação no Brasil e de feitio distinto ao praticado pelas dominadas por brancos.
Voltando a esse ponto, a separação racial pentecostal do princípio do século XX teve
como palco principal essas duas igrejas, com a saída de por volta de 300 pastores de cor
branca da Church of God in Christ para formar a Assembleia de Deus. Sendo a encarnação
brasileira desta última a maior e mais antiga organização pentecostal por aqui, confirma-
se a asserção de estudiosos como Rolim (1994) sobre a predominância do pentecostalismo
de matriz racial predominantemente branca no país.
E por que as organizações pentecostais brasileiras seriam maiores que suas
congêneres e matrizes norte-americanas? A razão para tanto se prende a fatores internos
e externos. Em primeiro lugar ao fato de o pentecostalismo ser uma corrente religiosa
muito presente no missionarismo fundamentalista norte-americano, maior propulsor do
movimento evangélico brasileiro após meados do século XX. Em segundo lugar, destaco
que muitas grandes organizações evangélicas norte-americanas, distintamente das
brasileiras, são não-denominacionais, ostentando o simples rótulo de “evangélicas”. Por
último, teríamos aspectos intrínsecos à sociedade brasileira, cuja pobreza urbana,
ambiente propício para a expansão do pentecostalismo, é estrutural e muito maior que a
norte-americana. Assim, me parece que o tamanho das organizações pentecostais
brasileiras se refere, além de outros fatores endógenos e exógenos que serão vistos nas
partes II e III, também ao tamanho da nossa miséria, recentemente inflada pelo
aprofundamento das expropriações de direitos e patrimônios ao qual a população vem
sendo submetida. Sobretudo em tempos da Teologia da Prosperidade, que, conforme
Elizete da Silva (2001, p. 14), com seu Deus dispensador de riquezas atrai multidões de
“homens e, sobretudo mulheres pobres e desamparadas, órfãos e viúvas de políticas
sociais públicas esquecidas pelo Estado neoliberal”. Homens e mulheres provenientes em
sua maior parte das camadas mais pobres, muitos desempregados, alguns pertencentes à
classe média pauperizada, todos “em busca de alternativas de sobrevivência” (SILVA, E.
2001, p. 14). Na mesma direção vão as palavras de Marcelo Crivella, sobrinho de Edir
Macedo e um dos grandes responsáveis pelo sucesso da Igreja Universal do Reino de
Deus na África. Justificando a sua longa e exitosa estadia naquele continente, disse o
pastor “Nós vamos onde há sofrimento. Crescemos mais nos países pobres, onde sobra
gente sofrendo” (PAIXÃO, 1999, p. 46).
Concluindo, essas imensas organizações pentecostais brasileiras parecem
reproduzir a lógica capital-imperialista, desempenhando papel subimperialista,
92

semelhante ao que fizeram empresas brasileiras, com filiais por toda a América Latina e
boa parte da África, sendo a periferia, portanto, o habitat de sua incontida reprodução. A
relação desse fenômeno com os interesses dos países centrais, além da evidente
disseminação mundial de uma ideologia formulada em terras norte-americanas e em
contato com os valores e interesses ali hegemônicos, consiste, novamente, na capacidade
da atuação político-ideológica dessas organizações em interferir no cenário social desses
países, abrindo caminho para a melhor consecução dos interesses cada vez mais globais
de um capital a ser valorizado em regime urgente. Fazem isso ao desorganizar a classe
trabalhadora, reforçar seus laços de dominação e ao impulsionar os interesses
empresariais. Tanto por via do proselitismo hegemônico capitalista como promovendo a
penetração, no Estado restrito das repúblicas periféricas, das diretrizes propagadas pela
porção norte do Partido da Fé Capitalista, intimamente ligada à classe dominante norte-
americana, como se verá na Parte II.

2.4 - Oligopólios religiosos

Pesquisadores como Almeida (2006, p. 112), isolam outra importante


característica do evangelicalismo de cunho pentecostal: o fato de ele se expandir “pela
negação e assimilação do universo simbólico das religiões afro-brasileiras” reduzido à
figura do Diabo. Exemplar disso são as chamadas “sessões de descarrego”, que ocorrem
semanalmente em templos da Igreja Universal do Reino de Deus. Referido também à
antiga prática católica do exorcismo, o descarrego consiste em cerimônias de expulsão de
entidades diabólicas que mantêm grande similaridade com os rituais de “desobsessão”
típicos da umbanda (NASCIMENTO, 2019, posição 4733-4737).
Em seu caderno carcerário número 1, Gramsci (2001, v. 1) aproxima as noções de
“cultura popular” e “senso comum”, quer dizer, a maneira de pensar acrítica e
fragmentada, composta por elementos culturais ligados a distintos contextos históricos e
sedimentados numa forma amplamente partilhada e mais ou menos espontânea de
compreender a realidade que, apesar de relativamente incoerente, não deixa de preservar
algo daquilo que, grosso modo, consistiria em uma “sabedoria popular”. Ou seja, um
conjunto de disposições finamente conectado à satisfação das questões sociais práticas.
Os cultos afro-brasileiros certamente conservam muito daquilo que Gramsci
identificou como “religiosidade popular”, podendo talvez inclusive ser interpretados
93

como formulações populares melhor acabadas, consequentes e de feitio contra-


hegemônico, cabendo a outras pesquisas aprofundarem esse ponto. De todo modo, me
parece convincente a hipótese de que a apropriação e a deturpação pentecostal do ideário
religioso afro-brasileiro consistem numa tentativa de reforçar a hegemonia do setor
capitalista aqui dominante. O faria trazendo para o interior das organizações religiosas
hegemônicas moldadas a partir dos Estados Unidos e submetendo à lógica capitalista
manifestações culturais que se mantinham marginais em relação a ela.
Isso me remete ao que já foi dito sobre o próprio pentecostalismo original, com o
passar do tempo reelaborado no contato com a ideologia hegemônica em seu país de
origem. Vimos que em seus primórdios era ele uma religiosidade produzida por e para a
população empobrecida, inclusive com o feitio de um manifesto de igualdade racial, ao
menos aos olhos dos seguidores negros. Não obstante, com o passar dos anos, se
embranqueceu, travou contatos cada vez mais intensos com o fundamentalismo e com a
classe dominante, passou a tratar a aquisição monetária como objeto privilegiado de
interação com o Divino e adentrou a esfera da política partidária portando uma cartilha
de valores ferrenhamente conservadores e trabalhando para garantir o atendimento dos
interesses econômicos empresariais. Partindo do pressuposto já delineado de que a
religião é também ideologia, e que o espaço social em que ela é produzida é cruzado pelas
lutas sociais, trata-se aqui apenas de constatar que, como qualquer outra manifestação
cultural, ela sofre a infiltração de interesses capitalistas, podendo ser manipulada de modo
a afetar as disposições interiores dos seus seguidores de acordo com fins predeterminados.
Em outras palavras, acredito ser plausível que as organizações pentecostais, em
sua extrema intolerância para com outras manifestações religiosas, cujos rituais e práticas
não deixam de absorver, busquem sequestrar esses elementos úteis e saudáveis da cultura
popular, consolidados nas religiões de matriz africana, conferindo-lhes uma nova
formulação que ao mesmo tempo os violenta e adultera. Esse assimilação procura não
apenas neutralizar outras manifestações religiosas populares, mas também subverter o seu
sentido, submetê-las aos princípios da lucratividade e enquadrá-las no interior de uma
visão de mundo que naturaliza e reforça o modo de produção em vigor e a dominação
classista que o garante. O culto pentecostal contemporâneo extrairia, então, elementos de
diversas práticas religiosas tradicionais brasileiras, às quais se sobrepõe num processo
semelhante à concentração empresarial monopolística, para traduzir e melhor comunicar
seu teor importado num jogo de expropriação simbólica.
94

Esse fenômeno parece convergir com o teorizado por Otto Maduro (1980, p. 108)
a respeito do eventual auxílio de organizações religiosas à consolidação hegemônica de
um grupo social dominante. Chama ele atenção para o fato de que quando uma classe ou
fração de classe detém a hegemonia, ou seja, a direção do conjunto social, por longo
espaço de tempo, “tal processo de dominação terá profundo impacto sobre as religiões”,
traduzido, por exemplo, no aniquilamento de “todo “elemento” religioso” que represente
um “obstáculo ou perigo para a consolidação do poder da classe”; no favorecimento da
criação e disseminação “de todos os elementos religiosos que forem claramente
convergentes com a consolidação do poder da classe dominante”; e na reestruturação “de
maneira mais adequada à nova situação de dominação de todos aqueles elementos
religiosos que não forem diretamente obstacularizadores da consolidação do poder da
classe dominante”. Assim, é possível que o processo de erosão da popularidade das
religiões afro-brasileiras, bem como do catolicismo e do evangelicalismo progressistas,
em paralelo à acelerada pentecostalização e multiplicação de outras formas/organizações
religiosas conservadoras sob influência norte-americana, refira-se ao processo de
consolidação da hegemonia do setor empresarial brasileiro associado ao capital
estadunidense, iniciado nos anos JK e aprofundado na ditadura, momentos-chave na
penetração e alastramento dessas religiões no país.

3 - O Partido da Fé Capitalista na sociedade civil: o proselitismo hegemônico


capitalista

Diante dos pressupostos teóricos acima, cabe, agora, ver mais a fundo como as
ações de organismos religiosos conservadores no Brasil redundam, no mundo concreto,
num reforço à hegemonia capital-imperialista de setores empresariais norte-americanos e
seus sócios brasileiros.
Em primeiro lugar, voltarei minha atenção à dimensão essencialmente cultural das
intervenções hegemônicas das agremiações cristãs abordadas. Ou seja, às suas ações
exteriores ao Estado restrito, que compreendem sermões, eventos religiosos, publicações
e declarações públicas, entre outras iniciativas semelhantes. Aquilo, enfim, que chamo de
proselitismo hegemônico capitalista. Incidindo sobre uma das metades do Estado
ampliado, a sociedade civil, a ação hegemônica do Partido da Fé Capitalista, aqui iniciada,
se completará na segunda metade, o interior da máquina burocrática governamental, por
95

via da sua crescente participação na política partidária. Vejamos, agora, como ela ocorre
no mundo exterior ao aparelho estritamente estatal, para, em seguida, analisarmos sua
execução no interior deste último.

3.1 - Anos 1950 e 1960: desorganizar e preservar

O momento que assiste ao início86 da expansão evangélica no Brasil, as décadas


de 1950 e 1960, foi uma época em que a organização da classe trabalhadora
experimentava crescente incremento. No plano ideológico, o nacionalismo econômico,
que frequentemente resvalava em antiamericanismo, compunha variados projetos para
solucionar os graves problemas do país87, que viam no imperialismo a principal barreira
ao desenvolvimento e animavam a classe média e boa parte dos trabalhadores de baixa
renda. Entre o proletariado urbano, podemos citar como manifestações dessa espiral
organizativa o crescente poder de pressão dos sindicatos operários, o vigor do movimento
estudantil e da produção cultural de cunho contestatório e mesmo um maior interesse pela
política partidária. Já no campo, entidades como as Ligas Camponesas e a Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG procuravam avançar pautas
ligadas ao mundo do trabalho rural, como a reforma agrária e a extensão de direitos já
conquistados pelos trabalhadores urbanos.
Ativas no mundo rural e nas periferias urbanas, um fenômeno que interessa de
perto esta tese foram as Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, associações da Igreja
Católica que, aproximando-se das camadas sociais inferiores, buscavam conjugar o
proselitismo bíblico com ações e reflexões para atender questões materiais urgentes,
ponto de vista consolidado pela doutrina da Teologia da Libertação88. Surgidas em

86
Ainda que as primeiras organizações pentecostais tenham sido implantadas no país na década de 1910, o
movimento mantém-se pouco significante, em termos numéricos e espaciais, até a década de 1950, quando
número crescente de missionários estrangeiros se transferem para o Brasil e a popularização do rádio
imprime alcance muito maior aos discursos de lideranças que souberam usar essa inovação para atingir
novos públicos, tornando o pentecostalismo um fenômeno de alcance nacional.
87
Um dos polos ideológicos produtores do pensamento econômico nacionalista, diz Sonia Regina de
Mendonça (2003, p. 71), teria sido o Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, fundado em 1955.
No pensamento isebiano, encampado de maneira pouco crítica por porções da intelectualidade de esquerda,
a burguesia nacional surgia como portadora de interesses incompatíveis com o capital estrangeiro,
pendendo, portanto, para um “projeto de industrialização autônoma”, o que ao fim e ao cabo terminaria por
forjar a crença de que ela desempenharia um “papel de liderança em uma ampla aliança política que iria
envolver as massas urbanas e o campesinato na luta contra o capital estrangeiro”.
88
Segundo Michael Löwy (2008, p. 1-2) são componentes principais da Teologia da Libertação: a acusação
de ordem moral e social do capitalismo, visto como pecado estrutural por sua inerente injustiça; uso do
96

meados dos anos 1960, as CEBs tiveram relativamente largo alcance entre as populações
mais pobres ao longo dessa década e a de 1970. Tanto as CEBs como outra importante
organização religiosa interessada na organização de trabalhadores rurais, a Comissão
Pastoral da Terra – CPT, segundo Fábio Py de Murta Almeida89 e Marcos Antonio
Pedlowski90 (2018, p. 239-240), apesar de católicas, tinham no ecumenismo um traço
importante. Ainda conforme ambos, um dos eixos principais de ação da CPT foi o auxílio
a paróquias rurais, postas em contato com as CEBs, visando sobretudo “romper o
isolamento do campo”. Em termos práticos, procurava-se estimular a participação dos
pequenos agricultores em ocupações de terra a fim de pressionar o avanço do debate
público acerca dos latifúndios improdutivos.
Tais ações religiosas auxiliares da luta dos trabalhadores ilustram uma ideia
apresentada no capítulo passado: o desenrolar da luta de classes no interior do campo
religioso. Assim, tal como setores católicos latino-americanos procuraram imprimir à
instituição romana uma direção mais afinada com os interesses dos mais pobres, o mesmo
pode ser dito sobre parcelas de outros grêmios cristãos, inclusive os mais envolvidos com
o projeto de hegemonia burguesa tema deste trabalho91. Assim, não surpreende o fato de

arcabouço teórico marxista para a compreensão da pobreza; a preferência pelos pobres e o engajamento na
luta social para a sua emancipação; o desenvolvimento das CEBs entre os pobres como proposta de um
novo tipo de Igreja e alternativa ao individualismo capitalista; e a idolatria de valores e conceitos, como o
consumismo, a riqueza, o poder, a segurança nacional, o Estado e os exércitos, como principal adversária
da religião. Já Reginaldo Prandi (PRANDI e PIERUCCI, 1996, p. 259) entende que os católicos praticantes
da Teologia da Libertação “acreditam que o mundo é socialmente injusto, onde o homem é explorado pelo
homem, e que cabe à religião transformá-lo por meio de um estilo de militância religiosa que se confunde
com a prática política, deixando de lado as questões íntimas que atormentam o indivíduo”.
89
Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-RIO, é professor do
Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais - PPGPS da Universidade Estadual do Norte Fluminense
- UENF. Desenvolve pesquisas sobre religião, Estado e políticas sociais na Amazônia e migrações e
religiões nos assentamentos do MST (ALMEIDA, F. 2021).
90
Geógrafo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e doutor em Environmental Design and
Planning pela Virginia Polytechnic Institute and State University (Virginia Tech), é professor do
Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico da Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF.
Pesquisa sobretudo os temas: reforma agrária, mudanças da cobertura vegetal e uso da terra na Amazônia,
e os impactos sociais e ambientais do uso de agrotóxicos na agricultura brasileira (PEDLOWSKI, 2021).
91
De forma resumida, qualquer análise científica dos fenômenos sociais não pode perder de vista a sua
natureza multifacetada. Isso não quer dizer, porém, que não seja possível extrair conclusões gerais sobre as
instituições humanas, como essa pesquisa pretende fazer com setores evangélicos, supondo que o efeito
predominante das ações dessas instituições são o resultado de um somatório de forças, frequentemente
opostas, que se debatem em seu interior. Minha hipótese, portanto, é que a correlação de forças desigual
vigente, por exemplo, nas grandes organizações pentecostais, em grande parte hierarquizadas e dirigidas
por bispos milionários conectados ao empresariado brasileiro e norte-americano, termina por conferir a elas
uma direção mais favorável aos interesses da classe patronal que dos trabalhadores. Com bases formadas
sobretudo pela classe trabalhadora, entretanto, contradições continuarão pulsando em seu interior.
Tentativas de mitigá-las oferecerão conforto psicológico/religioso e ações filantrópicas a fim de amenizar
os piores efeitos da privação material. Transbordando ocasionalmente em ações desafiadoras do arranjo
social vigente que entram em choque com a orientação emanada das cúpulas, a contenção das demandas
sociais dessa classe será manejada com contínua dificuldade pelas lideranças.
97

Leonilde Servolo de Medeiros92 ter revelado ao sociólogo Fabio Alves Ferreira93 (2016,
p. 236) que, em pesquisa de campo junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem
Terra – MST, constatou a presença de templos pentecostais na maioria dos assentamentos.
O mesmo Ferreira afirma ainda ter ouvido do coordenador do MST, Jaime Amorim, que
sem a ajuda de companheiros pentecostais muitas ocupações não seriam possíveis. Regina
Reyes Novaes94 (2001, p. 70) também sublinha a participação de evangélicos em
movimentos de trabalhadores rurais na década de 1960, inclusive em funções dirigentes
nas Ligas Camponesas, fato que seria confirmado pelos escritos do seu líder de maior
projeção, Francisco Julião.
Mas voltando à descrição do contexto social brasileiro das primeiras décadas da
segunda metade do século XX, é possível dizer que o surto da organização popular
progressista se chocou com uma intensificação do avanço evangélico, iniciado nos anos
1950. Incidiu ele mormente sobre o cenário urbano, num quadro de crescente êxodo rural
em face do processo de industrialização acelerada, mas sem deixar de se fazer sentir no
interior, onde pastores e missionários passarão a atuar, inclusive, junto às populações
indígenas isoladas, conforme documentado95 pelos serviços de informação do regime de
1964. Mariano (2014, p. 39), por exemplo, destaca que nos anos 1950 “as principais
inovações teológicas e institucionais” componentes do movimento pentecostal “passaram
a vir, cada vez mais celeremente, dos EUA”.
Ao lado da chegada de inúmeras organizações missionárias interdenominacionais,
como a Missão Novas Tribos do Brasil, aberta em 1953, a Aliança Bíblica Universitária
– ABU, iniciada em 1957, e o Instituto Linguístico de Verão, que aqui desembarca em
1959, acontece neste momento aquilo que Freston (1993) chamou de “segunda onda” da

92
Cientista política e social, é professora do Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ.
Coordena o Núcleo de Pesquisa, Documentação e Referência sobre Movimentos Sociais e Política Públicas
no Campo da UFRRJ, onde é membro do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura. Foi
secretária da Associação Latino-americana de Sociologia Rural - ALASRU e presidente da Rede de Estudos
Rurais. Pesquisa movimentos sociais rurais, políticas fundiárias, assentamentos rurais, dimensões políticas
do agronegócio, relações entre direito e conflitos sociais rurais, e resistência e organização dos
trabalhadores rurais durante o regime militar (1964-1985) (MEDEIROS, 2021).
93
Sociólogo pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE e cientista da religião pela Universidade
Metodista de São Paulo, onde também se graduou em Teologia. Realiza pesquisas sobre pentecostalismo,
reforma agrária, movimentos sociais, teoria do discurso e identidades (FERREIRA, 2021).
94
Cientista social e antropóloga, foi professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro -
PUC-RJ, da Universidade Federal da Paraíba - UFPB e da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Leciona no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
- Unirio. Foi editora da revista Religião e Sociedade; secretária geral da Associação Nacional de
Antropologia - ABA; presidente do Instituto Superior de Estudos da Religião - ISER e do Instituto
Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas – IBASE (NOVAES, 2021).
95
Esses papéis serão vistos de perto na Parte III.
98

expansão pentecostal no Brasil. Fenômeno possibilitado por intensas mudanças no


panorama sociogeográfico que favoreceram tanto o missionarismo estrangeiro,
exemplificado pela instalação de filiais da norte-americana Igreja do Evangelho
Quadrangular (1951), quanto alguns empreendimentos pentecostais autóctones, como a
Brasil para Cristo (1955). Trata-se, ainda segundo Freston (1993, p. 66), do processo de
urbanização e formação de uma “sociedade de massas” possibilitando um novo modelo
de expansão pentecostal, concentrado nas cidades e pregando para multidões de
trabalhadores urbanos empobrecidos para cujos problemas e inquietações, distintos dos
do campo, o pentecostalismo oferecia grande alívio.
O fenômeno não passou despercebido por olhares ainda mais críticos. Francisco
Cartaxo Rolim (1994, p. 142), por exemplo, denuncia a inserção do pentecostalismo num
movimento político conservador movido globalmente pelo fundamentalismo cristão,
assinalando o Brasil como uma das áreas privilegiadas pelo Estado norte-americano na
tática de “instrumentalizar em seu favor organizações evangélicas”. Rolim sugere ter
havido desaceleração do crescimento pentecostal em princípios dos anos 1960, momento
de efervescência dos movimentos sociais reivindicatórios, invertida após 1964. Desde
então, e de maneira ainda velada, se intensificaria a ação política dos pentecostais na
sociedade civil96, que passaram a cobrar de seus membros submissão “às normas e
procedimentos ditados pelo governo militar” (ROLIM, 1994, p. 174). Teriam eles, ainda,
se infiltrando entre as camadas inferiores para sufocar discussões sobre os problemas
sociais e/ou conferir-lhes um direcionamento inofensivo à preservação dos interesses da
classe dominante.
Também atento à aproximação entre pentecostais e ditaduras latino-americanas,
Delcio Monteiro de Lima (1991, p. 93), tal como Rolim, acusou os pentecostais de
desencorajarem reivindicações sociais no contexto brasileiro pós-1964, sublinhando, por
exemplo, que a obediência às autoridades está prevista inclusive nos estatutos da Igreja
do Evangelho Quadrangular. O jornalista afirmou, ainda, que a aproximação da elite
pentecostal com o regime teria começado já em 1964, quando alguns de seus membros
passaram a concorrer a cargos eletivos “encorajados por setores militares hostis à Igreja
Católica” (LIMA, 1991, p. 92). Tais candidaturas são atestadas por documentos dos
serviços de inteligência da ditadura, abordados na Parte III. Os papéis, porém, não trazem

96
Conforme veremos na Parte III, as intervenções políticas pentecostais também se darão, já a partir desse
momento, no campo partidário, com candidaturas para os Legislativos locais de pastores sobretudo da Igreja
do Evangelho Quadrangular e da Assembleia de Deus.
99

dados para confirmar ou negar a hipótese de que o incentivo para o seu lançamento partiu
do governo ditatorial, revelando, contudo, que elas contaram, por exemplo, com a
anuência da presidência norte-americana da IEQ.
Já as missões interdenominacionais são vistas como “veículos de uma expansão
calculada para a América Latina” (LIMA, 1991, p. 138) dirigidos por instituições
fundamentalistas97 e financiados por empresas multinacionais que sustentariam, por
exemplo, missionários pentecostais em Honduras (LIMA, 1991, p. 94). Realizando junto
às populações carentes trabalhos de amparo social sempre atrelados a intervenções
ideológicas, filantropia cuidadosamente manejada para não descambar em ações
contestatórias da ordem, esses organismos funcionariam como ponta de lança da
penetração dos valores culturais, religiosos e econômicos norte-americanos, por eles
apresentados como modelares (LIMA, 1991, p. 141). Tal juízo é partilhado por Antônio
Gouvêa Mendonça (2006, p. 107), que acredita serem essas missões, portadoras de uma
“mensagem religiosa espiritualista e alienante”, interessadas em influenciar a juventude,
alimentando o anticomunismo e sabotando projetos sociais do ramo evangélico
tradicional, como o ensaiado pela Confederação Evangélica do Brasil.
Lima também identifica vínculos de dependência entre as organizações
pentecostais na América Latina e um núcleo decisório norte-americano. A pregação da
Assembleia de Deus, por exemplo, seria orientada e corrigida em matéria doutrinária pelo
Departamento de Missões Estrangeiras, no Missouri, sendo muito semelhante em
qualquer parte e caracterizada por uma interpretação bíblica essencialmente
fundamentalista (LIMA, 1991, p. 70-71). Já a Congregação Cristã do Brasil, reproduziria
o pentecostalismo trazido de Chicago por seu fundador, o ítalo-americano Louis
Francescon, não escapando tampouco desse atrelamento a Igreja do Evangelho
Quadrangular, acompanhada de perto pela sede californiana (LIMA, 1991, p. 82).
Caminho semelhante segue o católico Galindo (1995, p. 316) que, baseado em
estudos98 sobre a relação da religião com o programa geopolítico dos Estados Unidos,
visualiza uma “coalizão político-religiosa” para a concepção de estratégias de “influência

97
Galindo (1995, p. 195 e 246) supõe que o pentecostalismo teria inclusive passado a ser a “forma
predominante” do missionarismo fundamentalista, sua ala de maior influência e, portanto, o grupo com
maior presença entre os missionários que aportam em massa na América Latina neste período.
98
Destaca ele os produzidos pelos centro de pesquisa North American Congress on Latin America -
NACLA, que “pesquisa atividades da política externa dos EUA na A.L.” (GALINDO, 1995, p. 316); o The
Resource Center, que em seu boletim trimestral traz bem documentadas informações, sobretudo
concernentes à América Central; e o Covert Action Information Bulletin, que investiga as atividades da
CIA e grupos associados.
100

ideológica, especialmente sobre e através as forças armadas em todo o continente”. Sua


análise escora-se na hipótese de que a expansão do fundamentalismo é um plano
mundialmente articulado no qual a América Latina é área estratégica. Nesta ótica, a
explosão evangélica dos anos 1950 e 1960, planejada desde o Congresso Missionário
Internacional de Madras (1938)99, onde a América Latina é indicada como prioridade,
teria sido propiciada sobretudo por um revigoramento do fundamentalismo norte-
americano que o estudioso situa na década de 1960. Neste momento, entraria o
movimento numa “nova fase de mobilização” (GALINDO, 1995, p. 170), recebendo
maiores recursos, com incisiva presença nos meios de comunicação eletrônicos e munido
de um projeto de ação político-partidária.
Na ótica de Galindo, diversos fatores contribuiriam para o sucesso da “invasão”
fundamentalista da América Latina. Em primeiro lugar, o grupo apresentaria ali uma
identidade mais homogênea, com maior unanimidade sobre sua forma e fins, alinhando-
se de maneira inquestionável às intervenções armadas norte-americanas e às ditaduras,
vistas como barreira à contaminação pela Revolução Cubana. Teria pesado, também, a
deterioração das condições de vida da população, que rapidamente deixava o campo para
as cidades, ali encontrando novos problemas para os quais a doutrina religiosa importada
oferecia explicações convincentes (GALINDO, 1995, p. 336-379). Por último, Galindo
(1995, p. 340) destaca iniciativas como a estratégia de evangelização a fundo, realizada
em países da América Central por organismos como o Instituto Internacional de
Evangelización a Fondo – IIDEF, mantido pela agência missionária fundamentalista e
interdenominacional Latin America Mission – LAM.
Conforme Virginia Garrard-Burnett100 (1998, p. 108-110), a LAM, apesar de
financiada a partir dos Estados Unidos, mantinha sede em San José, na Costa Rica, por
razões de “logística e credibilidade”. Sua primeira e massiva “cruzada de evangelização”
ocorreu na Guatemala em 1962, com a execução, pelo IIDEF, de um programa de
divulgação em vários níveis, com a aplicação de técnicas de planejamento de negócios e
de marketing, combinando evangelismo porta-à-porta, campanhas na mídia e
programação no rádio e nas igrejas. Sintoma da grande magnitude do programa, apenas
durante essa campanha, com duração de um ano, nativos treinados em técnicas

99
Ocorrido no Colégio Cristão de Madras, na vizinhança de Tambaram, cidade de Madras, Índia, o evento
foi organizado pela organização evangélica ecumênica extinta em 1961 International Missionary Council -
IMC.
100
Professora no Institute of Latin American Studies e no Departamento de História da Universidade do
Texas.
101

evangelizadoras visitaram 250 mil domicílios e meio milhão de Bíblias e um milhão de


folhetos foram distribuídos. Como resultado, 15 mil guatemaltecos teriam se convertido,
número que não pararia de crescer, fato especialmente relevante se considerarmos que
em 1950, mesmo após 75 anos de presença missionária no país, a população evangélica
somava menos de um por cento.
Ao longo dos anos 1960, a LAM levou campanhas semelhantes para todos os
países da América Central. Nesta época, Galindo (1995, p. 342-343) acrescenta que o
programa do Instituto Internacional de Evangelización a Fondo, com ênfase agressiva no
crescimento numérico do evangelicalismo, se tornou “norma” para toda a região.
Paralelamente, firmava-se a liderança pentecostal em seu interior.
Cabe agora perguntar no que, exatamente, consistiam o discurso e a prática dos
evangélicos para cá transferidos com rapidez após 1950, sobretudo a porção pentecostal,
predominante. Vejamos o que dizem os autores. Antônio Gouvêa Mendonça (2006, p. 91)
traça uma linha divisória entre o pentecostalismo e as religiões protestantes tradicionais,
referindo-se ao fato de que, se as últimas operam segundo “grandes princípios dogmáticos
universais transcendentes”, as pentecostais, por outro lado, se interessam sobretudo pelos
problemas imediatos do homem, agindo nas questões práticas da vida, como em sessões
de cura espiritual. Mariano (2014, p. 31) destaca o dom de curar problemas do corpo e da
alma como o componente mais sedutor da teologia pentecostal nos anos 1950 e 1960, a
ele atribuindo em grande parte “a aceleração do crescimento e diversificação institucional
do pentecostalismo brasileiro”. Ao seu lado, o ascetismo, a desvalorização do mundo
terreno e a expectativa de redenção apenas após a morte eram outros eixos da pregação
pentecostal nesse momento (MARIANO, 2014, p. 148). De forma complementar,
Galindo (1995, p. 196) fala que a renúncia pentecostal ao mundo terreno se combina com
um “moralismo apolítico”, resultando na tendência ao distanciamento das reivindicações
sociais, e uma “obsessão anticomunista”, traços agudizados pela “influência doutrinária
do fundamentalismo”.
Autores chamam atenção também para os obstáculos que a dispersão de
evangélicos conservadores ofereceram às CEBs. Ofertando soluções mágicas para
questões terrenas, teria o proselitismo hegemônico capitalista pentecostal esvaziado
projetos caracterizadas pela compreensão da política como algo “decorrente de
proposições teológicas e práticas fundadas numa ética voltada para a racionalização
sistemática entre deus e o mundo” (PRANDI e PIERUCCI, 1996, p. 95). Impressão
partilhada por Galindo (1995, p. 323), que indica a repulsa de grande parte do meio
102

religioso norte-americano à Teologia da Libertação, disposta a relacionar “as práticas da


fé com os problemas do continente”, levando o fundamentalismo cristão a definir-se como
um “movimento teológico-político de linha contrária”.
Enquanto isso, agências missionárias interdenominacionais disseminavam os
princípios fundamentalistas entre estudantes e a população geral. No que tange a sua
presença em territórios indígenas, sua linha de atuação se caracteriza pela assimilação
cultural e contraposição aos projetos missionários de setores religiosos progressistas, cujo
trabalho junto aos povos originários incluíam o auxílio às lutas pela posse da terra. Em
ambos os casos, os organismos missionários tinham como meta primordial enraizar o
evangelicalismo conservador no seio da população brasileira, transformando-o num
movimento de bases101.
Sendo assim, e incidindo sobre um quadro inédito de mobilização dos
trabalhadores, me parecem, portanto, factíveis as interpretações de Antônio Gouvêa
Mendonça (2006), Galindo (1995), Lima (1991), e Rolim (1994), que sugerem ser uma
das metas de evangélicos conservadores vindos para o Brasil naquele momento a
desorganização dessa classe ao desencorajar ações coletiva para a modificação da
realidade social. Tal seria atingido pela transferência retórica das expectativas de
satisfação dos desejos e necessidades humanas para o plano do além-vida, pela
disseminação de artefatos ideológicos concebidos no interior do fundamentalismo norte-
americano, pela oposição a setores religiosos progressistas, e por discursos de
preservação da ordem. Este último ponto é transparente, por exemplo, na já mencionada
fala do quadrangular Aroldo Pereira dos Santos, garantindo ao chefe da DEOPS do
Espírito Santo que “todas as autoridades na Terra são ministros de Deus”102.

3.2- Anos 1970 em diante: um credo popular para o capital

No Brasil e no mundo, o feitio e a forma de atuação do movimento


fundamentalista, do pentecostalismo, e do cristianismo conservador de modo geral, sofre
uma inflexão ao longo dos anos 1970. Não há consenso acadêmico sobre as razões desse
fenômeno, mas acredito que ele se refira à dinâmica das lutas de classes que, após meados

101
Esses processos serão vistos de perto na Parte III.
102
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DES – Delegacia de Ordem Política e
Social do Espírito Santo. Eventos Religiosos. Código de Referência: BR ESAPEES DES.0.MR.12.
103

da década de 1960, tem como importante componente um ainda maior incremento na


organização dos campos populares, crescentemente desafiadores da hegemonia burguesa.
Fato expresso nos Estados Unidos, por exemplo, nas lutas pelos direitos civis, no
movimento da contracultura e em protestos contra a Guerra do Vietnã. No Brasil, a
resistência ao regime ditatorial passa a ser traduzida em grandes e frequentes
manifestações públicas, enquanto ações de guerrilha se espalham por todo o país.
As mudanças na esfera religiosa se articulariam, portanto, com um mais amplo
movimento reacionário partido da classe dominante diante desse cenário. Neste ponto,
parecem elucidativas as palavras de Otto Maduro (1980, p. 105), para quem
transformações na dinâmica do conflito classista, quando a correlação de forças entre os
dois polos sociais passa por alterações, “hão de impor novas limitações e orientações às
religiões operantes no seio de tais classes, obrigando tais religiões a se transformarem”
sob o risco de estagnarem ou mesmo de deixarem de existir. Aqui, a trajetória do
movimento fundamentalista parece ser ilustrativa. Conforme veremos em capítulos
futuros, após sofrer um relativo refluxo durante boa parte da primeira metade do século
XX103, o fundamentalismo se revigora na década de 1950, no contexto da Guerra Fria, ao
participar da campanha anticomunista junto ao Estado norte-americano, ganhando novo
impulso nos anos 1970 em resposta às convulsões sociais e crises econômicas e políticas
que abalaram o país na década anterior. O mesmo Maduro (1980, p. 173) nota, ainda, que
o usual papel conservador desempenhado de forma velada pelas organizações religiosas
durante períodos de estabilidade hegemônica, torna-se explícito em “momentos de crise
hegemônica – quando as classes dominantes perdem o consenso coletivo e se
desenvolvem movimentos sociais autônomos contrários”. Da mesma forma, acredito que
a maior agressividade do discurso e da prática de algumas instituições religiosas na
década de 1970 ligue-se a esse eventual desempenho ostensivo de sua função
conservadora, passando elas a apresentar “um discurso parcializado e unívoco em
oposição aos movimentos opostos à dominação” (MADURO, 1980, p.173).
No caso do fundamentalismo, como vimos no capítulo 1, a década de 1970 viu
não apenas um maior engajamento político-partidário, como também uma importante

103
A hipótese segundo a qual o movimento fundamentalista teria entrado numa fase de decadência em
meados dos anos 1920 tem sido questionada por algumas pesquisas recentes. Ela é, todavia, sustentada por
uma das mais importantes referências sobre o tema, o historiador norte-americano George Marsden. A
despeito do que aconteceu nas décadas que precederam os anos 1950, contudo, parece seguro afirmar que,
nos quadros da Guerra Fria, a retórica anticomunista fundamentalista adquiriu projeção redobrada,
conferindo ao grupo maior exposição pública.
104

inovação teológica que influenciará todo o evangelicalismo conservador, redefinindo a


sua forma de atuação frente ao restante da sociedade: a Teologia do Domínio. Já entre os
pentecostais e carismáticos, onde o dominionismo também terá grande impacto, temos
ainda o advento da Teologia da Prosperidade, favorecendo, no Brasil, o surgimento
daquilo que Freston (1993, p. 66) batizou de “3ª onda”104. Galindo (1995, p. 403) enxerga
nesse novo pentecostalismo a vontade de “construir uma sociedade segundo o modelo
norte-americano”, sobretudo na América Central, onde reforçaria o poderio da classe
dominante, que converte e/ou se alia, enquanto permanece desencorajando os projetos
contestadores dos subalternos, agindo no topo e na base da pirâmide social.
Traduzida, por exemplo, no surgimento de organizações religiosas partidárias
como a Moral Majority e numa maior agressividade na conquista de adeptos, fatos que
não deixaram de se refletir ao sul do continente, há nos Estados Unidos, assim, uma
redefinição na interface entre o conservadorismo cristão e o mundo social mais amplo.
Para o teólogo católico Hugo Assmann105 (1986, p. 22-27), o fenômeno se inscreve no
contexto da “crise de legitimidade do capitalismo em sua fase de definitiva
transnacionalização”, servindo para camuflar mecanismos de exploração então
intensificados e apaziguar tensões próprias do período. Tratava-se de preservar a sensação
popular de segurança, ameaçada pela crise econômica e de valores, esta última trazida
pelos movimentos contestatórios dos anos 1960, que punham a tremer o mundo ocidental,
ambas ameaçando a legitimação do sistema capitalista.
Tal campanha chegaria à América Latina disseminada sobretudo por instituições
privadas, mas com estreitos laços com o governo americano, “vetores de condução da
ofensiva neoconservadora, que se relacionam com o recurso ideológico à religião”
(ASSMANN, 1986, p. 74). Da mesma forma como no norte, o proselitismo por elas
ventilado procuraria dialogar com as inseguranças provocadas pela crise capitalista, aqui

104
Traços fundamentais desse revigorado pentecostalismo, conforme o teólogo Paulo Donizéti Siepierski
(2008, p. 79), seriam a absorção de formas anteriores da religiosidade popular; a constituição de estruturas
comerciais; o abandono de sinais externos de santidade e um apelo ao consumismo e aos mais modernos
métodos de comunicação de massa. Com intensa participação político-partidária, as agremiações
pentecostais mais importantes surgidas nesta época, a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Universal
da Graça de Deus, a Renascer em Cristo e a Comunidade Sara Nossa Terra, teriam como meta declarada
“estabelecer uma nova cristandade por meio da atividade política”.
105
Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, sediada em Roma, foi professor da
Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP; da Universidad Nacional - UNA e da Universidad de
Costa Rica, ambas neste país centro-americano; na Universidad de la Republica de Montevideo - URM e
na Universitat Munster (Westfalische-Wilhelms) - W.W.U.M. Desenvolveu pesquisa nas linhas ética e
educação, comunicação social, e educação na sociedade de conhecimento - mudanças na gênese do sentido
(ASSMANN, 2005).
105

agudizadas pela miséria. Em ambos os casos, porém, essa pregação contribuiria para a
fetichização dos fenômenos sociais, banalizando explicações mágico-religiosas para
problemas mundanos (ASSMANN, 1986, p. 169-172). Sobretudo o mais recente
pentecostalismo, que ao prometer o êxito material pela adesão aos seus preceitos,
desligando assim a pobreza de causas terrenas, reforçaria a crença, cara ao pensamento
liberal, na igualdade de oportunidades de sucesso financeiro (ASSMANN, 1986, p. 96).
Concordando com o essencial da avaliação de Assmann, acredito que nesta
conjuntura, e absorvendo inovações ideológicas provindas de organizações religiosas
norte-americanas, que nos anos 1970 se voltavam para a política partidária e para uma
mais agressiva campanha pela liberalização dos mercados, vejo o proselitismo
hegemônico capitalista, sobretudo o verbalizado pelos pentecostais, também se atualizar.
Tomando fôlego sobretudo no final da década, num quadro de conclusão de um processo
que alguns autores106 denominam de modernização conservadora, ou seja, o da
consolidação do capitalismo monopolístico no país, deixará ele de se ocupar apenas em
desviar os olhos populares dos problemas sociais107. Procurará, agora, também incutir
valores interessantes aos imperativos de expansão do capital, cuja ascendência
inquestionável sobre a sociedade brasileira fora garantida pelos anos ditatoriais.
Essa inflexão do proselitismo hegemônico capitalista pentecostal no Brasil, o
pentecostalismo da prosperidade e do embate partidário, que se infiltrará em maior ou
menor grau entre todas as grandes organizações pentecostais e até em outras fés
evangélicas, significaria em relação à fase anterior, dirá Mariano (2014, p. 8-9), uma troca
do sectarismo e do ascetismo por um imediatismo pragmático e um revigorado interesse
pelo mundo material. Deixa então o movimento pentecostal de ver a experiência terrena
apenas como etapa de expiação e preparo para o além-vida, reinterpretada como campo
privilegiado de uma ação religiosa a partir de então interessada, inclusive, na política
partidária. Despe-se ele, assim, daquela “escatologia pentecostal clássica” (MARIANO,
2014, p. 45) fundada numa espera conformada pelo retorno do messias e que tendia a

106
Segundo Francisco de Oliveira (2003), no contexto da ditadura de 1964, a burguesia nacional teria optado
por um modelo de modernização conservador e desigual, recusando a superação de limites estruturais
impostos à economia dependente da aniquilação do patriarcado rural e o incremento da renda das camadas
sociais inferiores, o que possibilitaria o financiamento interno da expansão do capital. Inversamente, foram
mantidas a concentração da propriedade rural e o estrangulamento da renda dos trabalhadores, optando-se
pelo financiamento externo, com a abertura do Brasil ao capital estrangeiro.
107
Haverá, contudo, uma mudança de estratégia, passando o desestímulo ao afastamento da classe
trabalhadora de suas organizações autônomas a se efetuar não mais pela renúncia ao universo terreno, mas
popularizando um discurso que naturaliza dogmaticamente as relações de exploração por via da inovadora
“Teologia da Prosperidade”.
106

levar “ao apoliticismo, a auto-exclusão da vida social e ao ascetismo intramundano”.


Transição que se prende à mencionada adaptação às terras brasileiras de um novo
arcabouço ideológico formulado no meio evangélico norte-americano e trazido por
pregadores estrangeiros e brasileiros com passagem em seminários e faculdades
teológicas dos Estados Unidos (MARIANO, 2014, p. 40-41). A Graça Editorial,
pertencente a R. R. Soares, dono da Igreja Internacional da Graça de Deus, por exemplo,
teria publicado até o final do século passado 61 livros de teólogos da prosperidade norte-
americanos, como Kenneth Hagin, T. L. Osborn, Gordon Lindsay, Ken Jr, E Fred Price
(MARIANO, 2014, p. 40).
Tendo delineado o seu impacto no meio religioso brasileiro, cabe agora ver o que
vem a ser, exatamente, essa nova teologia. Seu cerne é a releitura do sentido da existência
humana sobre a Terra, agora vista como momento de os verdadeiros cristãos desfrutarem,
como Deus lhes prometera, de “felicidade, prosperidade e abundância” (MARIANO,
2014, p. 149). Tais benesses, incluída a riqueza monetária, apenas seriam entregues
quando cobradas por via de procedimentos prescritos no púlpito pentecostal: não vacilar
na fé, assiduamente frequentar os cultos e pagar dízimos proporcionais ao tamanho da
devoção. Esses retornos, contudo, não são garantidos, dependendo em muito do empenho
pessoal, obstados também pela ação corriqueira do diabo, fundador de toda a miséria. De
forma resumida, na ótica da Teologia da Prosperidade a causa solitária da pobreza é a
dificuldade de reivindicação das bênçãos divinas, que podem ser negadas pela
incompetência em fazê-lo, fraqueza devocional ou sabotagem diabólica. A subjetividade
de tais critérios, abrindo vasto espaço para a justificação das benesses não alcançadas,
mesmo quando solicitadas com os maiores investimentos monetários, me parece crucial
para a fórmula pentecostal contemporânea, por exemplo munindo as agremiações de
argumentos contra as desilusões de seus fiéis, que, não obstante, às vezes transbordam
em acusações de estelionato.
O papel central do Diabo na Teologia da Prosperidade é reeditado em outra
importante contribuição doutrinária norte-americana para a conformação do
pentecostalismo e do movimento evangélico conservador como um todo: a Teologia do
Domínio. Supõe ela haver um estado de guerra entre as forças divinas e diabólicas em
disputa pelo senhorio da humanidade, onde o plano material é o teatro de operações
(MARIANO, 2014, p. 43-44). Assim, ao lado de um Deus que intercede de perto no
cotidiano humano, teríamos um demônio igualmente próximo. Além de complementar a
função alienante da Teologia da Prosperidade, ao encarregar o diabo de produzir a
107

pobreza, outro desdobramento da Teologia do Domínio é a justificação da participação


de organizações religiosas no jogo político-partidário, espaço onde essa batalha mística
também se desenrolaria, estando embutido portanto nessa teologia “um ideário de
dominação sociopolítica” (MARIANO, 2014, p. 44).
Pelo que foi dito, concordo com Pierucci e Prandi (1996, p. 271), para quem o
efeito imediato de pregações como as feitas em templos pentecostais atuais é instilar a
ideia de que a pobreza pode ser completamente erradicada pela observação de um
receituário religioso. E com Mariano (2014, p. 149 e 159), que sugere que elas aplacam
impulsos de consumo insatisfeitos e justificam a opulência de uma minoria, enquanto
circunscrevem as mazelas sociais à esfera espiritual, obra do diabo e sintoma de falta de
fé. Despontaria a pobreza como a falta de diligência no cumprimento de prescrições
espirituais, cujas explicações acabadas para problemas urgentes terminam conferindo
sentido à posição social do adepto e aos obstáculos que enfrenta. Antônio Gouvêa
Mendonça (2006, p. 98) situa-se no mesmo polo interpretativo, compreendendo o atual
culto pentecostal como uma “teologia simples que atribui todo mal, desde doenças até
problemas existenciais e econômicos, a “encostos”, bruxarias e demônios”.
Uma das mais acabadas formulações sobre o problema coube a Assmann (1986,
p. 23), que, munido de um olhar materialista, toca no ponto que me parece ser o principal
para melhor entender a função hegemônica do discurso pentecostal contemporâneo: a
constatação de que a transferência para o plano místico da compreensão e solução de
problemas sociais acaba ensejando um ocultamento dos mecanismos capitalistas de
exploração. Acredito, assim, que a amputação das raízes históricas e da dinâmica do
embate classista dessas causas, ao lado do incentivo ao trabalho, à iniciativa privada e ao
“empreendedorismo”, também presente no culto pentecostal de Prosperidade, procure
produzir a propensão de aceitar como naturais as relações de exploração e as formas
precarizadas de trabalho. Tais pregações parecem querer estimular, ao mesmo tempo, o
desinteresse pelas redes de proteção legal aos trabalhadores e pelos movimentos coletivos
de pressão para a melhoria das condições de vida, ineficazes, uma vez que a única
instância capaz de prover as necessidades humanas seria a divindade dadivosa.
O proselitismo hegemônico capitalista terminaria, assim, esmaecendo a
compreensão do equilíbrio mediado pelo trabalho que existe entre a ordem social e a
natural, entendimento que criaria “os primeiros elementos de uma intuição do mundo
liberta de toda magia ou bruxaria” (GRAMSCI, 2001, v. 2, p. 43), condição para uma
consequente e crítica ação teórico-prática.
108

Cabe notar, ainda, que a inserção da Teologia da Prosperidade aprofunda a


desfiguração do pentecostalismo original, que interesse algum trazia sobre a dimensão
material da vida e que, tampouco, se prestava à justificação, sequer velada ou acidental,
do modo de produção em vigor, não tendo seus praticantes originais, em nenhuma
ocasião, associado a riqueza material à elevação espiritual.
Já foi dito que as teologias que caracterizam o pentecostalismo atual influenciam
também parcelas de todo o campo evangélico e até mesmo do católico, sendo dispensável
acrescentar, portanto, que religiosos não pentecostais também articulam o proselitismo
hegemônico capitalista. Esse proselitismo, entretanto, não se efetiva apenas através do
afastamento das questões sociais, propugnado, por exemplo pela Renovação Carismática
Católica e por grupos pré-milenaristas em atividade no Brasil antes da década de 1970, e
das pregações que exprimem os princípios das teologias da Prosperidade e do Domínio,
ainda que isso ocorra na maior parte das vezes. Há também um conjunto de outras
organizações religiosas filiadas ao Partido da Fé Capitalista cujo conteúdo pró-capitalista
de suas pregações é mais explícito.
A principal delas parece ser a Igreja da Unificação, mais conhecida como “Seita
Moon”, que, em todo o mundo, e também no Brasil após o início da década de 1980,
empreenderá consideráveis e declarados esforços para a popularização de princípios
amistosos ao capital. O fará em contato com setores populares, como estudantes, mas
também articulando e instruindo grupos sociais influentes em torno de um projeto
anticomunista e economicamente liberal. Entre estes últimos, terão destaque líderes
religiosos de múltiplas denominações108, chamados a participar dos eventos que a
organização patrocinou, sobretudo na década de 1980, como evangélicos de diversos
tipos, inclusive pentecostais, e até mesmo católicos, fatos que serão melhor vistos nas
partes II e III.
Agirão de forma semelhante outras associações chegadas ao Brasil nos anos 1970,
como uma série de organismos missionários interdenominacionais com pregações de
cariz fundamentalista transbordantes de anticomunismo e apologéticas do capitalismo.
Algumas das mais importantes delas são o Evangelismo sem Fronteiras, a Missão A Voz
dos Mártires, a Sociedade Evangélica do Brasil, a Cruzada Estudantil e Profissional para

108
A composição religiosa variada das reuniões arranjadas pela Igreja da Unificação, bem como das que
deram origem à iniciativa tema deste trabalho, ocorridas nos Estados Unidos desde a década de 1950 e que
serão vistas na Parte II, mostram de forma clara o caráter ecumênico do Partido da Fé Capitalista.
109

Cristo - CEPC e a Missão Informadora do Brasil - MIB. Todas serão também melhor
abordadas em outras partes deste trabalho.

4 - O Partido da Fé Capitalista no Estado restrito

O sociólogo Ricardo Mariano, cuja intensa pesquisa de campo embasou estudo


sobre as mais recentes organizações pentecostais, dá a medida do envolvimento partidário
de entidades como a Igreja Universal do Reino de Deus. Nas unidades da IURD, que
divide com a Assembleia de Deus a liderança numérica de representantes em cargos
eletivos, ele constata ser comum em épocas eleitorais a presença de faixas com nomes de
candidatos, pedidos de votos, a distribuição de panfletos e propaganda nas suas emissoras
televisivas e de rádio, onde candidatos-pastores frequentam programas de entrevistas
(MARIANO, 2014, p. 91). Se a igreja de Macedo é um dos melhores exemplos de
organização religiosa com formidáveis esforços para catapultar membros para o Estado
restrito, outras seguem caminho semelhante, mantendo a Assembleia de Deus e a Igreja
Batista, por exemplo, expressivo número de representantes nos três Poderes da República.
Esta seção tratará da presença do Partido da Fé Capitalista na segunda porção do Estado
ampliado, o aparelho burocrático estatal.

4.1 - Santinhos evangélicos

Os primórdios da partidarização em massa de religiosos conservadores


retrocedem pelo menos aos dias da ditadura empresarial-militar de 1964, momento em
que, de acordo com Elizete da Silva (2017, p. 318), teria havido uma cisão do campo
evangélico, com majoritária adesão ao regime, a exemplo de batistas e presbiterianos que
o apoiaram oficialmente, “instrumento divino contra o perigo comunista”, ocupando
inclusive cargos políticos. Em paralelo, muitas das denominações religiosas abordadas
neste trabalho passarão a apresentar candidatos, sobretudo para as eleições legislativas
locais, já desde princípios da década de 1960. Movimento que se consolida com a
formação da bancada evangélica em Brasília ao longo da Nova República, frequentada
por religiosos de variadas procedências, como batistas, presbiterianos e luteranos,
havendo, contudo, um progressivo predomínio pentecostal. Além das destacadas, outras
110

duas importantes organizações religiosas conservadoras envolvidas nesse programa,


ainda que não emprestem membros para o Congresso, foram a Igreja da Unificação e a
Renovação Carismática Católica. Ambas, como veremos na Parte III, foram grandes
financiadoras de candidaturas.
Mas os mais importantes atores religiosos partidários são mesmo os pentecostais,
cujo despontar também se remete aos anos ditatoriais, conforme Adroaldo José Silva
Almeida109 (2016, p. 129) num contexto de maior peso evangélico nas “composições
políticas”. Entre eles, o caso mais emblemático da simbiose entre igrejas e ditadura foi a
Assembleia de Deus que, conforme mostrou Andrew Chesnut110 (1997), envolveu
sustentação ideológica em troca de favores financeiros.
Em termos partidários, pelo menos desde a década de 1960 este grupo elege
membros para Legislativos municipais e estaduais. Em 1962, Antônio Teixeira, membro
da Assembleia de Deus de Belém, é feito deputado estadual no Pará. Pouco depois, em
1963, a igreja O Brasil para Cristo elege o pastor Levy Tavares para deputado federal
primeiramente pelo PSD e depois pela ARENA (1971), indo em seguida para o MDB. Já
a Igreja do Evangelho Quadrangular elegeria, agora para o Legislativo municipal e
estadual de São Paulo, o pastor Geraldino dos Santos, vereador em 1963 pelo PSD e
deputado estadual em 1966 pelo MDB mas logo transferido para a ARENA.
Como veremos nos capítulos 11 e 12, acredito que tal projeto, maturado desde a
década de 1960, tenha apenas se consolidado na década de 1980 e 1990. Paul Freston,
entretanto, tende a minimizar a participação partidária pentecostal anterior à década de
1980, especificamente às eleições para a Assembleia Nacional Constituinte em 1986, para
ele o ponto inicial de um sistemático plano partidário desse grupo. Freston relaciona essa
guinada, que supõe ter sido planejada a partir das cúpulas brasileiras dessas organizações,
nesse momento sobretudo da Assembleia de Deus, apenas em parte à valorização dos
pentecostais pelo regime111, acreditando que ela deva ser “colocada em contexto”
(FRESTON, 1992, p. 158-159), pois se encaixava numa iniciativa mais abrangente,
percebida pelos próprios evangélicos como uma tentativa de cooptação de “grupos

109
Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense - UFF, é professor do Instituto Federal do
Maranhão. Desenvolve pesquisas sobre os temas protestantismo, evangélicos, ditadura, religião e política
e religião (ALMEIDA, A. 2021).
110
Historiador pela Universidade da Califórnia, é especializado em História da América Latina e História
religiosa da América Latina. É professor do Departamento de História da Universidade de Houston.
111
Freston (1993, p. 158) acrescenta que lideranças evangélicas, como o batista Nilson Fanini, teriam no
final dos anos 1970 inclusive passado a frequentar os cursos da Escola Superior de Guerra - ESG, um dos
principais polos de produção ideológica do regime, acontecendo o mesmo com membros da bancada
evangélica eleita em 1986, como o pastor presbiteriano Guilhermino Cunha.
111

religiosos subalternos”. O sociólogo, assim, enumera outras causas para o crescente


interesse político pentecostal, como a consciência da recém-adquirida força numérica; a
preocupação com o “prestígio político” da Igreja Católica na Nova República (de fato
líderes pentecostais chegaram mesmo a denunciar a suposta intenção católica de voltar a
ser religião oficial do país (ROCHA, 2011, p. 597)); e a uma visão da Constituinte como
momento de redefinição do país, não podendo os evangélicos se furtar de ali inscrever os
seus valores; além de uma “releitura bíblica” (FRESTON, 1993, p. 212-218),
materializada em publicações como Irmão vota em Irmão, do punho do assembleiano
Josué Sylvestre, que os dotara da crença de possuir um “destino político manifesto”.
Paulo Donizéti Siepierski (2008), por outro lado, vincula o maior engajamento
partidário pentecostal a inovações teológicas provenientes do solo evangélico norte-
americano, fixadas conceitualmente sobretudo pelo teólogo calvinista, de grande
influência entre a direita religiosa daquele país, Rousas John Rushdoony. No cerne deste
fenômeno estaria uma mudança na escatologia pentecostal, que como vimos era
tradicionalmente pré-milenarista, ou seja, apegada à crença do retorno próximo de Jesus
Cristo para governar a Terra, levando ao afastamento das questões mundanas. Siepierski
(2008) acredita, porém, ter havido após a década de 1970 um abandono dessa concepção,
passando o pentecostalismo e outras parcelas evangélicas fundamentalistas no Brasil e no
mundo a funcionar segundo uma lógica pós-milenarista, ou seja, a revalorizar a vida
terrena. Isto porque no pós-milenarismo o reino de Deus já teria sido inaugurado com a
primeira vinda de Jesus Cristo, no ano zero do nosso calendário, sendo os séculos
seguintes etapas de expansão gradual em direção a um período pleno de paz, justiça e
prosperidade quando, aí sim, Cristo retornaria. Essa volta do messias se daria, então, num
“futuro distante e imprevisível”, condicionada ao aprimoramento da sociedade humana,
partindo daí a nova disposição em intervir nos assuntos desse mundo, como a política
partidária.
Ainda segundo Siepierski (2008, p. 80), a alternância entre uma e outra
escatologia é uma característica constante do cristianismo, referida a determinados
contextos históricos. Assim, quando surge o pentecostalismo, nos Estados Unidos
abalados pela crise social aberta pela Guerra de Secessão, o campo protestante/evangélico
aderia de forma predominante à escatologia pré-milenarista, típica de períodos de crise
social e econômica. Contudo, acompanhando mudanças na conjuntura social, grandes
porções evangélicas daquele país, aqui incluído o pentecostalismo, passam a abraçar o
pós-milenarismo, característico de “períodos de paz social e progresso econômico”.
112

Assim, a própria longevidade da religião pentecostal acabou provocando uma reavaliação


da crença na iminência do retorno do messias. Ao mesmo tempo, nesse ínterim os
pentecostais terminariam se adaptando à vida na Terra, aprofundando vínculos com o
mundo material, sendo enfim, “forçados a alargar seus horizontes”, (SIEPIERSKI, 2008,
p. 82) e a reformular sua escatologia com “uma revisão na percepção do que era o reino
de Deus e a cronologia de sua implantação” (SIEPIERSKI, 2008, p. 83). Mudança que se
prenderia também ao grande sucesso do missionarismo internacional, aos poucos
introduzindo a noção de que se estaria, de fato, aprimorando o mundo.
Formulador do embrião daquilo que viria a se tornar a Teologia do Domínio ou
da Guerra Espiritual, Rousas John Rushdoony teria na década de 1970 lançado as bases
teóricas para essa volta ao pós-milenarismo. O núcleo de sua escatologia consistiria na
concepção segundo a qual o “reino milenar terrestre”, já instalado, seria caracterizado
pela disseminação do evangelho e pela vigência de “sanções civis e culturais”
(SIEPIERSKI, 2008, p. 84) descritas pela Bíblia, ideias que parte do movimento
pentecostal não tardou a absorver. Tais punições, contudo, aplicadas de forma diligente
por um Deus interventor ao longo da História humana, se aplicariam apenas àqueles que
não observassem as prescrições de conduta do Antigo Testamento. Por outro lado, os
“verdadeiros cristãos” seriam presenteados com bênçãos, como poder e riquezas, negadas
aos infiéis.
É dispensável sublinhar o quanto tal visão de mundo se presta à justificação não
apenas da proeminência da classe economicamente dominante, mas também, no plano
geopolítico, da grande potência ocidental norte-americana. De todo modo, o ideário de
Rushdoony é ainda complementado pela ideia de que a expansão do reino divino terreno
é conseguida não apenas pelo avanço do evangelho, mas também pelo conflito com
entidades demoníacas encarnadas sobretudo nas manifestações religiosas distintas das
norte-americanas. Seria exatamente nesse ponto que se encontra a raiz da Teologia da
Domínio, posteriormente aprofundada por teóricos mais de perto relacionados com o
pentecostalismo atual, como John Wimber e Peter Wagner (SIEPIERSKI, 2008, p. 85).
Assim, e olhando para este novo pentecostalismo brasileiro, seria significativo, portanto,
que a maior organização deste feitio, a Igreja Universal do Reino de Deus, traz em seu
próprio nome a ideia de um reino divino terreno já em vigor, sendo a ideologia da guerra
espiritual também de importância central para esta instituição, plenamente pós-
milenarista, que tem nas sessões de exorcismo outro alicerce (SIEPIERSKI, 2008, p. 85).
113

Em vista do que foi dito, é interessante relacionar os distintos momentos históricos


do Brasil e da América Latina com a predominância de cada uma dessas escatologias.
Assim, no quadro das intensas crises sociais que levaram à instalação de ditaduras no
Brasil e no Cone-Sul, respondendo à necessidade de plena implantação do capitalismo
monopolista e à integração subalterna do continente aos ditames de uma economia
crescentemente mundializada sob a hegemonia norte-americana, temos uma
predominância da escatologia pré-milenarista, operando de modo a desmobilizar a classe
trabalhadora, nela incutindo o desapreço pelas questões mundanas. Ao contrário, em
finais dos anos 1970, com a consolidação dessa forma de capitalismo, ou seja, um
momento de maior “paz social e progresso econômico”, do ponto de vista do capital,
consolidando-se as relações capital-imperialistas, têm-se a reversão pós-milenarista,
incentivando por todo o mundo um aprofundamento da participação partidária de
agremiações pentecostais, assim desempenhando papel contundente na preservação e
aprofundamento deste capitalismo. Interpretação que o teólogo Siepierski (2008, p. 85)
não arrisca, porém tampouco desautorizaria, pois, segundo crê, “A teologia é sempre feita
a posteriori. Como uma articulação das crenças da comunidade de fé. Isso é
especialmente verdadeiro com relação à escatologia, cuja história não é uma linha direta
de desenvolvimento, mas respostas a desafios sociais e eclesiais”.
Estando Siepierski correto ou não, esta tese vê as mudanças no plano teológico
como uma das causas para a guinada partidária de religiosos conservadores, mas não
como a principal. Acredito que fatores econômicos também estejam por trás desse
fenômeno, que ocorreria em conformidade com o processo de consolidação das relações
capital-imperialistas em nível planetário, com um decorrente revigoramento do
liberalismo econômico sem freios, tornado progressivamente política de Estado em todo
o mundo e demandando um reforço na atuação hegemônica dessas igrejas no Estado
ampliado. Ao mesmo tempo, contribuiriam para a maior partidarização de religiosos
brasileiros as ligações com a porções norte-americanas do Partido da Fé Capitalista,
especialmente com a direita cristã emergente nos Estados Unidos na década de 1970. A
hipótese da conexão entre a direita religiosa partidária norte-americana e brasileira,
entretanto, não é aceita por muitos teóricos. Freston (1993, p. 218-19), por exemplo, evita
atribuir grande peso à influência da direita religiosa norte-americana no deslanche
partidário das igrejas brasileiras. Em contramão do que supôs o jornalista Delcio
Monteiro de Lima, o sociólogo chega mesmo a alegar que a ligação entre os grêmios
114

pentecostais brasileiros e suas sedes e organizações do mesmo feitio no norte seria fraca
demais para tal correspondência112.
Me parece, contudo, ser realista admitir a existência desse elo, talvez não
automático e inevitável como quis Lima, mas tampouco frouxo como imaginou Freston.
Enquanto a conexão ideológica/teológica é de fácil constatação, eventuais descompassos
e desacordos entre as cúpulas brasileiras dessas organizações e seus colegas norte-
americanos podem ser enquadrados nos limites da ação individual dos membros das
primeiras, provavelmente irmanadas com as segundas por elos de interesse e até
subordinação, mas nem por isso desprovidas de autonomia, podendo exibir agendas
pontualmente dissonantes. Outra possibilidade é que a reprodução desse comportamento
pelas organizações brasileiras dispense qualquer coordenação conjunta, sendo o
atrelamento teológico/ideológico, conforme sugerido por Siepierski, forte o suficiente
para levar o pentecostalismo brasileiro a agir de forma semelhante à direita religiosa
norte-americana.
Da mesma forma, outros autores vão em direção oposta a Freston, não
desconsiderando a possibilidade de o movimento político-religioso brasileiro manter
conexões próximas com a religião politicamente organizada nos Estados Unidos. Essa
desconfiança, que já vimos nas palavras de Antônio Flávio Pierucci, é também
verbalizada por Daniel Rocha (2011, p. 594-595), que chega a enumerar fatores
sugestivos da reprodução pelos pentecostais brasileiros da trajetória em direção ao Estado
restrito descrita pelo cristianismo conservador norte-americano.
Em primeiro lugar, o estudioso atenta para o aumento da importância da “mídia
religiosa” nos Estados Unidos, cujas mensagens logo adquirem um tom político,
sobretudo entre os fundamentalistas. Em face do imenso peso cultural daquele país, esse
proselitismo eletrônico politizado passa a influenciar grupos evangélicos em outros
lugares. Não seria por acaso, assim, que o uso dos modernos meios de comunicação teria
papel fundamental no sucesso político dos pentecostais brasileiros.
Outro elemento de aproximação seria o referido compartilhamento de valores
entre o pentecostalismo e o evangelicalismo de maneira geral com o movimento

112
Freston (1993, p. 218-219) supõe haver poucos vínculos entre a Assembleia de Deus brasileira e sua
correspondente norte-americana, destacando que a Igreja Universal do Reino de Deus, por seu turno, é
“totalmente brasileira” e que o presidente da Igreja o Evangelho Quadrangular nos Estados Unidos chegou
mesmo a se opor ao envolvimento político da filial brasileira. Sobre este último ponto, documentação que
será tratada na Parte III mostra que, ao contrário, Rolf K. McPherson, presidente da IEQ entre 1944 e 1988,
autorizou pessoalmente o pastor Geraldino dos Santos a tomar posse no cargo de vereador da capital
paulista em 1964.
115

fundamentalista. Neste caso em específico, é mencionada pesquisa realizada nos Estados


Unidos113 onde, ao serem interpelados se a Bíblia exprimiria de maneira literal a vontade
de Deus, 81% dos pentecostais responderam que sim. Nota-se, também, a intercessão de
pautas entre os pentecostais brasileiros e o movimento fundamentalista, como a repetição
de um discurso alarmista, alegadamente em defesa da família e contra as mesmas questões
às quais os fundamentalistas estadunidenses se opõem: o aborto, os homossexuais, o sexo
fora do casamento, as drogas e a secularização da ciência e da vida.
Seria também coincidente a justificativa para o maior interesse partidário usada
por fundamentalistas norte-americanos e pelas nossas organizações pentecostais. Assim,
nas eleições constituintes de 1986, à maneira do que fizeram os evangélicos políticos do
norte, falou-se muito na “necessidade de se defender os valores cristãos e da presença do
exemplo ético e moral em meio à corrupção reinante na esfera política” (ROCHA, 2011,
p. 597).
Por último, tal como os fundamentalistas, engajados após os anos 1970 num
programa de “recristianização” do povo norte-americano, projeto que incluía a conquista
da política, expresso no apoio à eleição do batista Jimmy Carter114, os pentecostais
brasileiros passaram a elaborar um programa semelhante de conquista evangelizadora da
população e de todos os poderes da República (ROCHA, 2011, p. 598).

4.2 - O Estado restrito como arena de lutas classistas

Ainda mais interessante para esta tese é examinar o que significa o grande
interesse partidário de órgãos religiosos conservadores. Tanto nos Estados Unidos como
no Brasil, um dos seus mais óbvios efeitos, a ser explorado em capítulos futuros, é a
impulsão de políticas interessantes ao empresariado. Há, entretanto, outra consequência
menos visível: a inserção subordinada dos trabalhadores no aparelho estatal oficial.
Ambos os casos redundam no reforço da hegemonia da camada empresarial dominante.
Nicos Poulantzas (1981) apresenta uma concepção de Estado que se pretende
equidistante daquela inerente ao pensamento liberal, que o vê como uma entidade

113
A pesquisa, denominada Spirit and Power – a 10 country survey of pentecostal, foi publicada em 2006
pelo laboratório de ideias baseado em Washington, sem fins lucrativos e alegadamente apartidário, Pew
Research Center.
114
Do qual o cristianismo conservador naquele país, contudo, logo se afastou.
116

independente, à parte das relações sociais, frequentemente dono de uma “vontade”


imanente e com grande autonomia, enfim, um “Estado sujeito” (POULANTZAS, 1981,
p. 150), e de outra, comum entre o marxismo mais dogmático, para quem o Estado é vazio
de qualquer autonomia, mero artefato a serviço da dominação classista. O aparelho estatal
existiria, em ambos os casos, em um plano separado, inalcançável pela luta de classes,
propondo o intelectual grego, ao contrário, entendê-lo como uma materialização desta
luta, que também nele se desdobra. Visto assim, como espaço de disputa, o Estado
possuiria alguma autonomia, temperada pela presença em seu interior de diferentes
grupos em atrito, ainda que a classe hegemônica disponha de expedientes para manipular
em seu favor o jogo de poder burocrático115. Lançando mão desses expedientes, ela sé vê,
então, na condição de perpetuar seu domínio também por via desse Estado, que, ao
acolher frequentemente de forma apenas subordinada representantes da classe dominada,
termina por reforçar essa dominação fora dele. Resumidamente, o Estado para Poulantzas
(1981, p. 167) é “a condensação material de uma relação”.
Esse “Estado-relação” teria como função precípua, por um lado, organizar a classe
dominante, possibilitando o desempenho da hegemonia social pela sua fração mais forte.
Domínio que se abate, assim, ainda que predominantemente sobre a classe trabalhadora,
também sobre as porções mais fracas do próprio empresariado. Por outro lado, almeja
desorganizar os subalternos, principalmente estimulando divisões, impedindo a mútua
identificação, para que não ajam em bloco na abordagem de problemas e interesses
comuns, ou seja, obstaculizando a sua ação enquanto classe. Aqui, exemplifica
Poulantzas (1981, p. 163) o caso da pequena burguesia e dos trabalhadores do campo,
“verdadeiras classes-de-apoio ao bloco no poder”, constante e deliberadamente afastadas
de uma aliança com o restante da classe trabalhadora por intervenções da classe social
hegemônica dentro do Estado.
Mas como exatamente se daria essa assimilação e neutralização das lutas de classe
dentro do Estado? Através da instalação na burocracia estatal de núcleos que, apesar de
representativos das demandas das porções sociais dominadas, se apresentando
publicamente como “focos de oposição ao poder das classes dominantes”, “não
concentram um poder próprio” (POULANTZAS, 1981, p. 164) dessas classes. A

115
Segundo Poulantzas (1981, p. 164), a classe dominante lançaria mão de dois artifícios para garantir sua
supremacia no Estado. Em primeiro lugar, teriam facilidade em deslocar o núcleo decisório estatal de uma
instância burocrática para outra, na eventualidade do seu setor nevrálgico se ver ocupado pelos dominados.
Em segundo lugar, a própria burocracia estatal contaria com “mecanismos internos” projetados e
manipulados para a reprodução das relações sociais de dominação.
117

participação dos dominados nesses núcleos e a sensação de representatividade por eles


transmitida teriam, então, o efeito de canalizar as lutas sociais para as instâncias do jogo
burocrático, onde a classe hegemônica possui um poder de manobra muito maior, e de
afastá-los da participação em outros organismos e iniciativas que poderiam encaminhar
de maneira mais efetiva, inclusiva e coerente seus interesses.
Trazendo tais reflexões para a presente discussão, creio que o movimento religioso
conservador em direção ao mundo partidário tem como uma de suas consequências a
continuidade e o aprofundamento, agora no Estado restrito, do mesmo efeito produzido
pelas grandes organizações cristãs de matriz norte-americana no âmbito da sociedade
civil: o impedimento da organização autônoma dos dominados. Assim, a política
partidária evangélica também funcionaria de acordo com a lógica identificada por
Poulantzas, inscrevendo a classe trabalhadora no Estado restrito em posição subordinada,
perpetuando a dominação social.
Em vista do que foi dito, diante da maciça presença evangélica no Estado restrito,
e levando em conta o alto percentual de identificação entre estes políticos e seus
eleitores116, denotando inequívoco sentimento de representatividade, me resta verificar
como essa “representação” dos dominados se mostraria aos olhos destes como um foco
“de oposição ao poder das classes dominantes” (POULANTZAS, 1981, p. 164).
Acreditando que tal ligação é feita, sobretudo, no plano discursivo, vejamos os
argumentos dos dirigentes pentecostais, ramo religioso preponderante na política
partidária, para justificar sua presença eleitoral.
Em primeiro lugar, temos as já referidas pautas conservadoras no universo dos
costumes117, mostradas como bandeiras de oposição a políticos avessos àquilo que no
discurso político-religioso pentecostal seria o modo de vida preferido pela população
mais pobre, e que é, de fato, para parcela expressiva dela. Ao apontar a predominância de
políticos deste tipo na esquerda do espectro político, atitude comum entre líderes
religiosos politicamente engajados, procede-se a uma separação retórica entre a esquerda
e os interesses dos trabalhadores, operação facilitada pelo ocultamento da luta de classes

116
Pesquisa do Instituto de Estudos da Religião - ISER em 1994 indica que para os membros da Igreja
Universal do Reino de Deus o fato de um candidato pertencer à IURD é a principal razão para a definição
do voto, sendo essa a segunda razão principal para os seguidores da Assembleia de Deus e de “outras
pentecostais”. Nos dois últimos grupos, a primeira razão é ter o candidato “boas ideias políticas”, vencendo,
porém, apenas por margem estreita (FERNANDES, 1998, p. 125).
117
Mariano (2014, p. 91) conta que os políticos pentecostais procuram agradar suas bases eleitorais
ostentando “velhas bandeiras moralistas” como a censura, o combate ao aborto, à pornografia, ao casamento
gay, e à descriminalização das drogas.
118

levado adiante pelo proselitismo hegemônico capitalista. Converge com o que foi dito
tese recente do cientista político Victor Augusto Araújo da Silva118 (2019), intitulada A
religião distrai os pobres? Pentecostalismo e voto redistributivo no Brasil. Comparando
os votos nas últimas eleições presidenciais de católicos, protestantes históricos (luteranos,
presbiterianos e metodistas, por exemplo) com os dos pentecostais, o pesquisador
constatou que, para estes últimos, determinações de ordem moral têm peso muito maior
na escolha do candidato do que propostas para uma mais equânime distribuição da renda,
por exemplo.
Em segundo lugar aparece a defesa da supostamente ameaçada liberdade religiosa,
sob ataque novamente da esquerda119 e dos católicos120, zelosos com sua posição de
primeira religião em número de adeptos.
Aqui, cabe constatar que o conceito de “classe dominante” não é autoevidente,
repousando sua compreensão sobre um processo histórico e social que tem no alcance de
consciência de classe etapa indispensável. Considerando, portanto, que os seguidores dos
grêmios religiosos aqui abordados têm sua organização enquanto classe estorvada pela
ação dos aparelhos hegemônicos cristãos, não é cabível esperar que reconheçam na classe
empresarial o polo social dominante. Assim, acredito ser plausível imaginar que, aos
olhos de boa parte do eleitorado evangélico, a imagem da sua “classe” antagônica é
moldada pelo discurso de líderes político-religiosos que indica como principais
adversários a Igreja Católica, grupos políticos laicos tradicionais manchados pela
corrupção, a esquerda partidária e todos os defensores da liberalização dos costumes e
laicização da sociedade. Nesse quadro, a presença de religiosos conservadores no Estado
restrito é vista como representativa do modo de vida e da religiosidade de grupos sociais
inferiores, ameaçados por políticos corruptos, que buscam intrometer-se na esfera íntima,

118
Doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP (SILVA, Victor, 2021).
119
Segundo Antônio Flávio Pierucci (PIERUCCI e PRANDI, 1996, p. 201) e Ricardo Mariano (2014, p.
91-98), o ramo pentecostal fez enérgica campanha contra a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à
Presidência da República em 1989, explorando o argumento da “ameaça do comunismo ateu que persegue
o evangelho”. Freston (1993, p. 255), por seu turno, relata que a Assembleia de Deus e a Igreja do
Evangelho Quadrangular, apesar de não terem candidato no primeiro turno daquele pleito, recomendaram
que seus seguidores não votassem em políticos representantes do “marxismo ateu”, aderindo à campanha
de Fernando Collor de Mello no segundo turno, ao lado da Igreja Universal do Reino de Deus, sua aliada
de primeira hora. Já Mariano (2014, p. 92) escreve que a organização de Edir Macedo participou novamente
em 1994 do “bloco anti-Lula”, apoiando ainda que discretamente a candidatura de Fernando Henrique
Cardoso. O mesmo Mariano (2014, p. 91) destaca que a proteção à liberdade religiosa é o principal
argumento levantado pela IURD para justificar a presença partidária.
120
Ainda Pierucci (PIERUCCI e PRANDI, 1996, p. 208) e Mariano (2014, p. 94) sustentam que outro
argumento repetido pelas lideranças pentecostais na campanha de 1989 foi o de que haveria uma associação
entre a candidatura de Lula da Silva e a Igreja Católica.
119

e pela Igreja Católica, ainda poderosa e hostil às “seitas” que não param de tomar-lhe
seguidores, ambos frequentemente vistos pelas camadas pobres em posição de domínio,
impressão que o proselitismo hegemônico capitalista trata de aprofundar e perpetuar. De
maneira exemplar, um dos principais líderes pentecostais do presente, Edir Macedo,
declarou em evento para arrecadação de alimentos promovido por sua igreja em São Paulo
no ano de 1995 que os católicos seriam “a desgraça do Terceiro Mundo”, principais
causadores do aumento da miséria ao se oporem ao uso de contraceptivos e ao
planejamento familiar121, desdenhando também da efetividade das campanhas de combate
à fome desenvolvidas pela igreja rival (NASCIMENTO, Gilberto. 2019, posição 2886-
2895).
Foge do escopo desta pesquisa averiguar precisamente o grau de aceitação dos
postulados ideológicos dessas instituições religiosas por seus seguidores, mas parece fora
de questão que foram braçados por um número significativo deles. O fato é ilustrado pelas
palavras de um certo Edilson Dias de Jesus, que em janeiro de 1982 escrevia para o
ditador João Figueiredo externando sua desconfiança da Igreja Católica. Para o
evangélico, ela seria a principal fonte do atraso nacional, causadora da dívida externa, da
inflação, da violência urbana e do subdesenvolvimento. Ao contrário, “se nos fizessemos
como os Estados Unidos da America do Norte, pregassemos o verdadeiro Evangelho de
Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, hoje seriamos uma grande Nação”122 (SIC), dizia
ele. Isso porque, naquele país, “onde 95% da População são de origem Evangélica, lá não
há o que em nosso País, muitos julgam um bicho de 7 cabeças como por exemplo:
Doenças, Crimes” (SIC). Prosseguia atacando a insossa pregação católica, “uma pedra de
gelo”, e a sua falta de foco em questões espirituais, dedicada que estaria em incitar
politicamente o povo, empurrando a juventude para “grandes Revoluções, Crimes e
Manifestações Estudantis”. Por outro lado, elogiava as igrejas Assembleia de Deus,
Batista e Presbiteriana, elas sim pregadoras da “grande Mensagem” de Jesus Cristo.
Como remédio, sugeria “afastar estes Padres e seus Auxiliares e Superiores Imediatos do
Brasil, já que os mesmo excitam o Povo a lutar com o Sr. Presidente”. Encerrava

121
Neste ponto, a Igreja Universal do Reino de Deus diverge de outras agremiações evangélicas
conservadoras, exibindo um afrouxamento da pauta moral no que tange o sexo, desde que ele ocorra dentro
do casamento.
122
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal da Presidência da República. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.158. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0158/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0158_d0001de0001.pdf>. Acesso em 20 dez. 2020.
120

recomendando os escritos do principal pastor fundamentalista norte-americano, o batista


Billy Graham.
Vejo, assim, a presença de religiosos conservadores na política partidária como
um mecanismo que insere de maneira subordinada a classe trabalhadora no Estado,
modelando suas demandas junto ao aparato burocrático oficial segundo parâmetros
inócuos do ponto de vista do atendimento de suas necessidades materiais. Responde ela
também ao propósito de desorganização dessa classe, afastando-a de outras formas
associativas que poderiam reivindicar de maneira mais efetiva a melhoria de suas
condições de vida. Mais que isso, os dados indicam que esses pastores-políticos, no
discurso preocupados mormente com o universo dos costumes e a proteção da liberdade
religiosa, o lado visível da moeda, trabalham no Estado restrito para o avanço de pautas
interessantes ao capital, a sua face oculta, como a precarização das relações de trabalho e
a ampla liberalização dos mercados.

5 – Conclusão

Por tudo o que foi dito, me parece que a expansão de entidades evangélicas
provindas dos Estados Unidos no Brasil da segunda metade do século XX representou
um reforço da hegemonia burguesa, satisfazendo o crescente ímpeto expropriador e
extrator de mais-valia capital-imperialista ao produzir uma multidão de trabalhadores
organizados em torno delas, associações não apenas nulas do ponto de vista do
enfrentamento das desigualdades econômicas, mas também capazes de neles incutir um
respeito literalmente religioso pelos fundamentos do modo de produção capitalista.
Contribuiu, portanto, para o esvaziamento de órgãos representativos dos interesses
concretos da classe trabalhadora e a para a produção de vasto estoque de força de trabalho
precarizada e adestrada para servir a crescente demanda de valorização do capital no
quadro global delineado no pós-Segunda Guerra. Tudo para a glória do reino do capital,
que se quer crescentemente sem barreiras e de fato universal.
Além disso, me parece que o processo histórico de aprofundamento da influência
evangélica na sociedade civil brasileira e da sua simbiose com o nosso Estado restrito
estaria desafiando a conclusão gramsciana segundo a qual a Igreja viria progressivamente
a ser “um elemento cada vez menos importante da sociedade civil” (GRAMSCI, 2001, v.
3, p. 235). Ao contrário, a meteórica expansão de agremiações como as pentecostais, aqui
121

e alhures, aproximar-se-ia, mutatis mutandis, de outra situação descrita também pelo


pensador italiano, que visualizou em momentos históricos pretéritos um “Estado-Igreja”
(GRAMSCI, 2001, v. 3, p. 235) onde “a Igreja se torna uma parte integrante do Estado,
da sociedade política monopolizada por um determinado grupo privilegiado, que
incorpora a Igreja para melhor defender seu monopólio com o apoio daquela área da
sociedade civil representada pela Igreja”. Contudo, se para o italiano o conflito Estado-
Igreja é uma “categoria histórica eterna” (GRAMSCI, 2001, v. 3, p. 256), significando
sempre um embate no qual a Igreja representaria ideias cristalizadas, coerentes apenas
com etapas históricas passadas e incompatíveis com “as necessidades práticas atuais”,
julgo que o evangelicalismo moderno, sobretudo da forma como ele se apresenta no caso
brasileiro, parece desafiar tal conclusão. Isso porque, penso, cabe refletir se o que busca
o pentecostalismo, por exemplo, não seria resolver tal dilema ao constituir-se como uma
igreja moldada pelas características principais e contradições do capitalismo
contemporâneo, plenamente alinhada com a racionalidade e as necessidades desse modo
de produção em sua recente fase capital-imperialista. Contradições que aparecem sob a
forma do conservadorismo arraigado, evidente na afinidade com os preceitos teológicos
e anticientíficos extraídos do arcabouço fundamentalista, convivendo lado a lado com a
moderna estruturação empresarial destas igrejas, que passam a configurar-se como
espaços de formação de novas burguesias. Grupos que, se a princípio mantinham-se
exclusivamente do dízimo, com o tempo se integram ao restante da classe burguesa,
expandindo suas ações em direção a uma ampla gama de atividades produtivas. Outra
importante contradição que carregarão aflorará na manutenção da miséria, sufocando
lutas sociais e delas desviando suas bases, ao mesmo tempo em que oferecerão o acesso
a riquezas, exibido aos olhos da membresia sob a forma das fortunas angariadas pelas
lideranças.
Nesse contexto, onde o “conjunto da existência social é impelido a crer, como nos
fetiches, que aquilo que a própria humanidade construiu a ela se impõe, de maneira
inumana, como leis eternas” (FONTES, 2010, p. 17), a prática pentecostal não faz mais
que gravar na pedra das inscrições bíblicas formas de ver o mundo muito atuais e
interessantes a grupos circunscritos, fazendo-se, assim, formidável reforço à dominação
de classe no espaço do Estado ampliado, função impossível de ser desempenhada com
tamanha desenvoltura pelo fossilizado catolicismo, Igreja que Gramsci tinha em seu
horizonte.
122

PARTE II

O PARTIDO DA FÉ CAPITALISTA NOS ESTADOS UNIDOS E DALI PARA O


MUNDO
123

CAPÍTULO 3
As raízes norte-americanas da religião politicamente organizada

1 – Introdução

O historiador e cientista político René Dreifuss (1986) demostrou como uma


parcela organizada da classe burguesa norte-americana conseguiu estabelecer
globalmente sua direção econômica e ideológica após a Segunda Guerra mundial, para
isso contando com uma rede global de aliados, sócios minoritários de um modelo
econômico e social traçado em linhas gerais pela primeira. O fez construindo uma malha
de organizações, algumas baseadas em seu território e outras nos cinco continentes,
especializadas em conferir direcionamento e coesão a esta rede, em projetar políticas de
seu interesse no seu Estado restrito e nos dos países estrangeiros, e em colocar em contato
o empresariado mundial, fixando objetivos conjuntos e coordenando ações econômicas e
correspondentes intervenções ideológicas. Algumas das mais importantes associações
deste feitio são o Council on Foreign Relations, o Comittee for Economic Development,
a Comissão Trilateral e o Council for Latin America, hoje em dia conhecido como
Americas Society/Council of the Americas. Conforme será exposto neste capítulo, a elas
somaram-se uma série de outras organizações que buscaram conferir à prática religiosa,
sobretudo a difundida por grêmios evangélicos sediados nos Estados Unidos, função
auxiliar na promoção dos ditames estipulados no interior das associações acima listadas.
Nesta seção, verei de perto o florescer e a consolidação de um projeto de manejo
da prática religiosa nascido nos Estados Unidos na segunda metade do século XX. A esse
respeito, pesquisa nos arquivos da Agência Central de Inteligência norte-americana - CIA
e do National Archives and Records Administration - NARA revela que empresários
daquele país travaram contatos frequentes em fóruns e associações com sacerdotes,
intelectuais laicos e membros do Estado restrito. Almejando erigir dentro e fora de suas
fronteiras mecanismos de intervenção política por via da ideologia religiosa, edificaram
um Partido da Fé Capitalista de alcance global, fato que remonta ao cenário pós-Segunda
Guerra, etapa marcada pela dominação econômica norte-americana sobre o ocidente em
paralelo ao surgimento e intensificação da Guerra Fria. Conflito travado menos em
campos de batalhas que no universo ideológico.
124

Vejamos, então, os principais espaços de discussão abertos para a forja de um


plano onde a religião seria somada ao esforço global de promoção dos interesses
capitalistas baseados nos Estados Unidos e partilhado por parceiros empresariais de todo
o planeta. Projeto que pretendia, num primeiro momento, sobretudo conter e erodir o
bloco socialista, passando posteriormente a se concentrar no estímulo à máxima expansão
desses interesses num planeta livre da Cortina de Ferro.

2 - Guerra religiosa: desdobramento de uma guerra psicológica e de propaganda

Em tese que examinou a campanha contrarrevolucionária preventiva norte-


americana para a América Latina e o Brasil, Vicente Gil da Silva 123 (2020) verificou a
execução, a partir dos primórdios da Guerra Fria, de uma política externa para a região
que frequentemente assumiu a forma de uma campanha de guerra psicológica e de
propaganda. Ainda que em tempos mais recuados tais práticas já norteassem a lida
daquele país com o restante do mundo, segundo funcionários estatais de alto escalão,
como o diretor da CIA Allen W. Dulles e o secretário de Estado John F. Dulles, na década
de 1950 urgia melhor coordenar e sistematizar essas ações a fim de conter o avanço
ideológico comunista entre os latino-americanos. Frequentando o léxico de estrategistas
norte-americanos desde finais da década de 1910, o termo “guerra psicológica e de
propaganda” teve, assim, seu sentido melhor definido em princípios da Guerra Fria,
fixando-se como “qualquer tipo de ação não-militar com o objetivo de influenciar a
opinião pública de acordo com os interesses da política externa norte-americana”
(SILVA, Vicente, 2020, p. 42).
A construção de estruturas mais complexas para a o planejamento e aplicação
destas políticas remete à administração Truman e à criação do Psychological Strategy
Board - PSB, que em 1952 formulou um Programa Doutrinário dos Estados Unidos,
documento que previa a organização de “diversas atividades com objetivos de curto,
médio e longo prazo” (SILVA, Vicente, 2020, p. 42) para o contra-ataque doutrinário à
União Soviética. Conforme o papel, tratava-se da “defesa positiva da “filosofia básica”
norte-americana” a partir de um programa direcionado, nas palavras de Silva (2020, p.

123
Mestre e doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, é professor no Instituto de Relações Internacionais e Defesa - IRID desta
última (SILVA, Vicente, 2020) .
125

43), à “elite intelectual”, como esferas superiores do governo, membros da imprensa,


professores, estudantes, empresários e todos aqueles capazes de assimilar e reproduzir
conceitos doutrinários.
Sensibilizado pelas preocupações de seus estrategistas, também Dwight
Eisenhower124 não poupou esforços para o prosseguimento do programa, instituindo em
1953 um Comitê125 a fim de realizar estudos “sobre as capacidades norte-americanas no
campo da guerra psicológica e elaborar propostas para subsidiar os futuros programas
desenvolvidos nessa área” (SILVA, Vicente, 2020, p. 44). Concluindo haver uma
deficiência na formulação e execução de práticas com o fito de atingir as metas
geopolíticas do país, o comitê sugeriu a substituição do PSB por um Conselho
Coordenador de Operações, ligado ao Conselho de Segurança Nacional e que, após 1954,
contou em sua estrutura com um Grupo de Trabalho para a América Latina, região que
nesta altura passa a receber atenção privilegiada das agências governamentais
estadunidenses (SILVA, Vicente, 2020, p. 44-45).
Nos dois anos seguintes, ao lado de outras instâncias do Estado restrito norte-
americano dedicadas à interface internacional, o Conselho contribuiu para a formulação
de um Plano Básico de Operações contra o Comunismo na América Latina, que, em linhas
gerais, pretendia ali aplicar um programa político coordenado contra a difusão do
socialismo (SILVA, Vicente, 2020, p. 47). Segundo o texto, caberia aos agentes
governamentais trabalharem para estimular a associação entre comunismo e subversão no
ambiente ideológico desses países e convencer suas administrações de que tal ameaça
punha em risco não apenas os Estados Unidos, mas toda a região, incentivando, ainda,
pontos de vistas favoráveis aos valores norte-americanos, sobretudo no que concerne seus
altos padrões morais e avançado nível democrático e tecnológico (SILVA, Vicente, 2020,
p. 48).
Mas a intervenção ideológica junto a integrantes dos Estados restritos latino-
americanos era apenas uma das faces da moeda. A segunda, de igual importância, trataria
de influenciar “grupos da sociedade civil” (SILVA, Vicente, 2020, p. 49), como partidos,
sindicatos, estudantes, intelectuais, professores, empresários, trabalhadores rurais e a
Igreja. Sobre esta última, que me interessa de perto, cabe destacar que, na versão do plano

124
Segundo Vicente Gil da Silva (2020, p. 39), Eisenhower teria ficado muito impressionado com relatório
da CIA apresentado por seu diretor, Allen W. Dulles, em fevereiro de 1953. O papel falava numa rápida
deterioração das relações dos Estados Unidos com países da América Latina, que alcançava também as
esferas política e econômica.
125
Trata-se do The President's Committee on International Information Activities.
126

a que Silva teve acesso, comentada pelo subsecretário de Estado do governo Eisenhower,
Herbert Hoover Jr., a palavra “Igreja” encontra-se sublinhada e acompanhada da anotação
“fortalecer” (SILVA, Vicente, 2020, p. 49), sugerindo o crescente interesse dos círculos
dominantes norte-americanos em incluir o mundo religioso em seus planos hegemônicos.
As igrejas, como os demais grupos selecionados, prosseguia o documento, conforme
citado por Silva (2020, p. 49), seriam alvo de ações abertas e/ou camufladas apoiadas
pelos serviços de inteligência. Ações que visariam convencer sobre a “natureza
subversiva, conspirativa, fraudulenta e brutal da ação comunista, e de seu propósito básico
de servir à intervenção do bloco soviético às custas do bem-estar do povo de seu país”,
esperando-se que, uma vez introjetadas tais noções, esses grupos as reproduzissem no
ambiente ideológico latino-americano. A consecução dessas ações, prosseguia o plano,
caberia a um punhado de agências governamentais: a USIA 126, o Departamento de Estado,
a International Cooperation Agency, e os departamentos de Defesa, Trabalho, Comércio
e de Tesouro, sempre com o auxílio da CIA. Entre elas, a USIA parece ter tido
importância destacada, cabendo-lhe, com a ajuda da CIA e dos departamentos, estimular
“tendências, grupos ou ações espontâneas” (SILVA, Vicente, 2020, p. 49-50)
convergentes com os propósitos do plano.
Como veremos a seguir, tanto a USIA como Eisenhower foram protagonistas da
primeira grande iniciativa disposta a integrar o mundo religioso à estratégia geopolítica
expressa pelo Plano Básico de Operações contra o Comunismo na América Latina. Trata-
se da Foundation for Religious Action in the Social and Civil Order – FRASCO, posta
em atividade em finais de 1954.

3 – Os anos 1950 e 1960, a ameaça vermelha e o embrião do Partido da Fé Capitalista

De acordo com a documentação disponibilizada pela burocracia estatal norte-


americana, deram-se ainda em 1948 as primeiras aproximações entre religiosos e
funcionários da Casa Branca para debater e organizar ações anticomunistas de espectro
internacional. Em maio daquele ano, sabemos que o presidente Harry Truman, cuja

126
A United States Information Agency foi um órgão fundado em 1983 por Eisenhower que posteriormente
teve suas atribuições absorvidas pelo Departamento de Estado. Tinha como função “compreender, informar
e influenciar públicos estrangeiros na promoção dos interesses nacionais” (THE U.S. Department of State:
Structure and Organization, 1995).
127

doutrina127 aparece nos manuais de história como o marco inicial da Guerra Fria, recebeu
líderes da organização inter-religiosa e fundamentalista American Council of Christian
Churches128, entre eles o ultraconservador presbiteriano Carl McIntire. Ali o presidente
tomou conhecimento das discussões havidas no último encontro do Council, onde se
esboçara um “programa para “liberdade e paz”’129 clamando pela “preparação militar
adequada e uma atitude realista com relação à Rússia”. Mais tarde, o mesmo McIntire
exortaria Truman a tomar medidas enérgicas para conter as forças vermelhas na Guerra
da Coreia, se necessário com o uso de armas nucleares, podendo o presidente contar para
tanto com o “apoio do povo temente a Deus”130.
Dispensável dizer que tão drástica solução nunca tomou forma, preferindo o
Estado ampliado norte-americano manejar a disputa de outra maneira. Assim o caminho
foi aberto para outras e mais elaboradas tratativas que, antes de artefatos atômicos,
detonariam “armas do espírito” sobre os soviéticos e seus simpatizantes.

3.1 – A Foundation for Religious Action in the Social and Civil Order

Em 8 de novembro de 1954, membros de altos escalões do Estado restrito norte-


americano, acadêmicos, grandes empresários e líderes religiosos reuniram-se no hotel
Sheraton-Carlton em Washington D.C. A importância deste encontro não pode ser
subestimada, pois ali foram dados os passos iniciais de uma força-tarefa multinacional
voltada para a articulação da prática religiosa com metas geopolíticas e econômicas

127
Em 1947, o presidente norte-americano declarou diante do Congresso sua disposição de assumir a
liderança do combate ao comunismo global. O plano previa a concessão de ajuda financeira para a
recuperação econômica da Europa ocidental, que formaria sob a hegemonia do Tio Sam um bloco
capitalista para conter a propagação mundial do socialismo.
128
Segundo Marsden (1991, p. 71), o American Council of Christian Churches foi fundado “numa estrita
base fundamentalista”, antecipando-se à criação da National Association of Evangelicals, de Billy Graham.
Representantes das duas principais facções fundamentalistas no momento, os separatistas e os membros do
Movimento Neoevangélico, McIntire comandava um grupo muito menor e sectário, enquanto Graham
aglutinou em volta de si uma ampla coalizão de evangélicos conservadores e moderados cujos vínculos
formais com o movimento fundamentalista muitas vezes eram tênues ou mesmo inexistentes. Não obstante
seus pequenos números, o grupo de McIntire obteve “influência desproporcional”, destilando no rádio e na
mídia impressa virulentos ataques aos liberais, na teologia e/ou nos costumes, neles “frequentemente
enfatizando conexões comunistas”.
129
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Matthew J.
Connelly White House Files (Truman Administration), 1945 - 1952. Daily Appointment Sheet for President
Harry S. Truman, 5/13/1948. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/24619423>. Acesso em: 23
set. 2020.
130
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção White House
Public Opinion Mail Files (Truman Administration), 1945 – 1953. Korea - Telegrams. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/145807647>. Acesso em: 23 set. 2020.
128

emanadas dos Estados Unidos. Tratava-se da conferência inaugural da Foundation for


Religious Action in the Social and Civil Order – FRASCO (Fundação para a Ação
Religiosa na Ordem Civil e Social), organização com o propósito explícito de constituir
uma “contraofensiva ideológica e espiritual”131, “unindo americanos com pensamento
religioso, independentemente de credos e denominações, num programa construtivo de
oposição ao comunismo e de afirmação dos ideais verdadeiramente democráticos”. As
metas da FRASCO estão gravados de maneira ainda mais clara em seus estatutos, que
falam de “propósitos e fins declarados de promover a confiança das pessoas de todos os
lugares na verdade religiosa como sustentáculo principal da liberdade humana; de
promover e encorajar a resistência a todas as tentativas de destruir a confiança na
religião”. Fins que seriam atingidos estimulando “todos os participantes do movimento a
fazer da verdade religiosa uma força para a promoção da paz ordeira e do bem comum
em todas as nações e na família das nações; e empregar todos os meios educativos e
informativos para atingir os propósitos aqui enumerados”.
O documento, distribuído aos convidados junto com a programação da
conferência, além de uma pormenorizada apresentação da nascente organização, define
também a sua “área de operação”: os Estados Unidos e “além de nossas fronteiras”. No
espaço nacional, propunha-se a “reviver em nosso povo a consciência das fundações
espirituais de nossa democracia”, enfatizando “a importância da religião nas questões
sociais e civis”. Ao mesmo tempo, procuraria sensibilizar corações e mentes norte-
americanos a respeito da “verdadeira natureza do comunismo mundial, primariamente um
projeto para conquistar e escravizar as mentes dos homens”. A esse mal seria contraposta
uma “vigorosa cruzada, baseada na primazia de Deus e na realidade da criação do Homem
baseada na imagem divina” e voltada “para capturar a iniciativa ideológica, muito
frequentemente mantida pelos comunistas nos dias de hoje”. Sobre as mencionadas
“questões sociais e civis”, propunha-se a FRASCO a repelir o que se entendia como a
estrutura social e econômica dos países socialistas, reafirmando a propalada
indissociabilidade entre liberdade humana e capitalismo, sendo a religião parcela
inalienável da primeira. Projetava, para tanto, uma “cruzada” em prol do “respeito à lei
moral, à dignidade do homem, à liberdade social, e a um sistema econômico ordeiro capaz

131
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. National Conference on the
Spiritual Foundations of American Democracy. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP80R01731R001200070075-4. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp80r01731r001200070075-4>. Acesso em: 17 set. 2020.
129

de proporcionar sustento material para a família e para as mais altas realizações da cultura
humana, sem cair nos erros do estatismo e do coletivismo”.
Alhures, seu foco seria nada menos que “alistar o apoio de todos os crentes”
“contra a tirania do ateísta e desumano comunismo” e a favor dos “ ideais derivados da
crença em Deus e nos direitos e dignidade humana, e da confiante determinação de
progredir em direção a níveis mais altos de emancipação política e econômica”. Sendo
assim, esforços seriam feitos para “consolidar alianças que estão sendo rapidamente
perdidas em virtude da eficiência da propaganda comunista e de nossa própria cegueira à
importância transcendental da guerra pelas mentes dos homens”.
Os métodos necessários para o atingimento destes propósitos também estão
claramente manifestos na “certidão de nascimento” da Fundação. A conferência inaugural
seria apenas o ponto de partida de um abrangente trabalho ideológico compreendendo
“palestras e programas de rádio e televisão para explicar a real natureza da ameaça
comunista, para aprofundar os ideais espirituais em nossa democracia e para angariar
apoio para um esforço internacional” e a produção de uma “literatura a fim de influenciar
seus membros e demais pessoas de acordo com os ideais da Fundação”. Material a ser
distribuído para o grande público e enviado a editores de jornais religiosos, publicações
laicas selecionadas, comentaristas de programas de rádio e televisão, colunistas,
bibliotecas e escolas. Ilustrando a importante finalidade de recrutar e organizar porções
da intelectualidade mundial, previa-se a circulação global destes escritos, “ empregando
os serviços de uma equipe de pesquisa”. Ao mesmo tempo, aproximações seriam feitas
com “líderes religiosos e laicos com inclinações religiosas em outros países, buscando
reuni-los em torno da causa comum de preservar a liberdade e lutar contra a ameaça
ideológica do comunismo”.
O texto exprime também a notável lucidez dos mentores do movimento sobre a
sua função política, apesar da impossibilidade de ser ele executado pelo aparelho
estritamente estatal, assim demandando a participação de associações privadas. A relação
de continuidade entre organizações como a FRASCO, situada num plano não
formalmente político, e o Estado restrito norte-americano revela-se, dessa forma, na
proposta de “operar numa área que é da maior importância, mas que não pode ser objeto
da ação e da propaganda governamental” e na presença em seu interior de funcionários
dos círculos superiores da máquina estatal oficial, entre eles o próprio presidente
130

Eisenhower e o diretor da CIA, Allen W. Dulles, presentes na conferência. No convite132


ao chefe da agência de espionagem enviado pelo presidente da FRASCO, o pastor da
Igreja Episcopal e professor de teologia no Virginia Theological Seminary Charles W.
Lowry, sabemos que Eisenhower foi inclusive um dos seus principais idealizadores. Teria
ele manifestado à cúpula da organização a “necessidade de lembrarmos constantemente
que a herança americana é fortemente espiritual”, frisando sua compreensão da
democracia estadunidense enquanto uma “tradução para o campo político de uma
profunda fé religiosa” que postularia a criação divina do homem, preceito do qual
derivaria “nossa dedicação nos princípios e crenças na igualdade diante da Lei, Justiça,
piedade e irmandade dos homens”. Comunicou também satisfação com o curso favorável
dos preparativos para o lançamento da organização, de propósitos “completamente
laudatórios e valorosos”, fazendo votos para que “seu trabalho goze da cooperação e
apoio de todos aqueles chamados a ajudar a alcançar bem-sucedidos resultados”.
De fato, a composição dos convidados para a conferência e do quadro de
dirigentes da FRASCO não deixa dúvida sobre a intenção de reunir e organizar em torno
de uma pauta comum, que contemplasse as aspirações da relativamente heterogênea
plateia, diferentes porções da classe dominante norte-americana. Assim, seu conselho era
composto por Maxwell Abbell, ex-presidente da organização judaica United Synagogue
of America; Edward W. Barret, ex-assistente do Departamento de Estado; William R.
Castle, ex-subsecretário de Estado; Luis H. Evans, liderança da Igreja Presbiteriana;
Francis P. Gaines, presidente da Universidade Washington and Lee; o rabino Norman
Gerstenfeld, da Congregação hebraica de Washington; o notório pastor fundamentalista
Billy Graham; Gordon Gray, presidente da Universidade da Carolina do Norte; Theodore
H. Hesburgh, presidente da Universidade Notre Dame; o bispo metodista Ivan Lee Holt;
o ex-presidente Herbert Hoover; Robert L. Johnson, presidente da Temple University;
Henry R. Luce, da revista Life & Time; George C. McGhee, ex-embaixador na Turquia;
o rabino Edgar F. Magnin; Thomas Mahoney, vice-presidente da Catholic Association
for International Peace; Thomas E. Murray, da Atomic Energy Comission; Norman
Vincent Peale, ministro da Igreja Reformada; Noble C. Powell, bispo episcopal de
Maryland; Michael J. Ready, bispo católico; Joseph R. Sizoo, chefe do Departamento de

132
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to the Honorable Allen
Dulles from Charles W. Lowry. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP80R01731R001200070073-6. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp80r01731r001200070073-6>. Acesso em: 17 set. 2020.
131

Religião da George Washington University; Guy E. Snavely, secretário executivo da


Association of American Colleges; Ralph W. Sockman, ministro da Igreja Metodista de
Cristo; Robert G. Storey, reitor da Escola de Direito da Southern Methodist Church;
Henry St. George Tucker, ex-bispo da Igreja Episcopal; W. H. White, presidente da
Baylor University; e John J. Wright, bispo católico. Além deles, outros envolvidos
merecem destaque especial: o empresário Charles Edward Wilson, ex-presidente da
multinacional General Electric, representando o nexo empresarial com o movimento, ao
lado do presidente da Manhattan Refrigerating Company, John Quincy Adams,
convidado para a conferência apesar de não fazer parte do quadro de dirigentes. Atento
também para a presença de Elton Trueblood, ali identificado como diretor de Política
Religiosa na United States Information Agency - USIA. A presença de Trueblood, único
membro da FRASCO em exercício no Executivo, além de reforçar a relação de
interpenetração e complementariedade entre a esta associação particular e o governo
norte-americano, revela ainda a existência no interior de uma agência governamental de
um setor devotado exclusivamente para pensar e executar uma política religiosa de
projeção internacional.
Passando à programação, o evento contou com as sessões plenárias “A Base
Bíblica da Democracia Americana”, moderada pelo padre John Cronin e apresentada pelo
estudioso da Sociologia da Religião, teólogo e ex-comunista convertido ao pensamento
liberal, Will Herberg; “A Necessidade da Fé numa Democracia Viva”, moderada pelo
membro da USIA Elton Trueblood, com falas do reverendo Theodore M. Hesburgh,
presidente da Notre Dame University; e “A Alternativa Democrática à Dialética
Marxista”, moderada pelo rabino Norman Gerstenfeld e apresentada pelo presidente da
FRASCO Charles Wesley Lowry. A documentação disponível infelizmente não traz
transcrições destes debates, mas os títulos das comunicações permitem que concluamos
que eles giraram em torno dos binômios religião-liberdade versus ateísmo-autoritarismo.
Mais do que isso, esse jogo de ideias parece ter sido reproduzido integralmente em outras
partes do mundo, como o Brasil da década de 1960, onde organizações como o IPES,
conforme veremos, realizava seminários para o discutir a simbiose entre liberdade
individual, ideologia e sistema político e o importante papel ali desempenhado pela
religião.
A composição das sessões de comunicações permite, ainda, outras conclusões. A
exemplo do quadro de membros da FRASCO, ela representa com clareza outro aspecto
basilar da iniciativa: a tentativa de formar uma frente ampla composta por intelectuais
132

laicos e religiosos de variadas denominações, todos irmanados pelo propósito de


combater o comunismo no plano das ideias dentro e fora dos Estados Unidos,
simultaneamente alavancando objetivos geopolíticos formulados pela classe dominante
daquele país e encampados pelo Estado restrito.
Quatro anos depois, os arquivos da CIA mostram que o presidente e diretor
executivo da FRASCO, Charles Wesley Lowry, não apenas manteve contato com a
direção da Agência como também acumulava a função de vice-presidente de outra
organização voltada para a luta ideológica internacional, o Free World Forum, nas
palavras de Lowry “uma organização educacional e sem fins lucrativos estabelecida para
promover o melhor entendimento entre as nações livres, analisar a política externa
americana, e para aprofundar a causa da liberdade para todos os povos” 133. O Forum
mantinha uma publicação quadrimestral, a Free World Review, distribuída nacional e
internacionalmente, com editores em Londres, Munique e Buenos Aires. Seu volume IV,
número 2, lançado no verão de 1958, por via de Lowry em carta datada de 12 de agosto
de 1958, chegou às mãos do diretor da CIA, Allen W. Dulles, que achou a publicação
“interessante e informativa”. A revista, diz Lowry, seria fundada e editada pelo húngaro
naturalizado norte-americano Stephen Sisa, dono de um “extraordinariamente rico
conjunto de contatos por todo o mundo”, portanto capaz de articular “uma rede
internacional de indivíduos talentosos provenientes de “atrás da cortina de ferro”’.
Encontramos a FRASCO novamente nos arquivos da CIA em novembro de 1960,
quando a organização preparava uma quinta conferência nacional, a ser realizada em
janeiro do ano seguinte no famoso hotel novaiorquino Waldorf Astoria e para a qual o
diretor da Agência foi novamente convidado, dessa vez pelo pastor H. Paul Guhse, vice-
presidente da seção de Nova Iorque da FRASCO. Com pouco tempo livre, Allen W.
Dulles precisou declinar, apesar da recomendação do secretário Stan Grogan, que
sublinhou ser a FRASCO uma “organização de boa reputação que merece sua
aceitação”134, informando, ainda, que estaria presente o diretor do FBI, J. Edgar Hoover.
De todo modo, apresentando a organização a Dulles, em sua carta Guhse confirma a

133
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Proposed Acknowledgment of
Receipt of the Free World Review. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP80B01676R003800120023-5. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp80b01676r003800120023-5>. Acesso em 19 set. 2020.
134
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to Dr. H. Paul Guhse
from Allen W. Dulles. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP80B01676R004100010021-
5. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp80b01676r004100010021-5>.
Acesso em 19 set. 2020.
133

intenção da FRASCO de “reunir as lideranças, bem como os membros laicos, de todas as


maiores fés” em torno de um “contramovimento positivo” de oposição ao comunismo.
De fato, o esboço de programação encaminhado ao diretor expõe a meta de trazer para o
evento “entre mil e mil e duzentos padres, rabinos e clérigos”.
A programação previa discussões sobre temas como “Faça nosso Sistema
Capitalista mais Criativo”, “Redescubra nossas Fundações Espirituais”, “Mobilizar os
Recursos para a Liberdade” e “A nossa Arma Potente: Comunicações em Massa”,
conduzidas por um painel de palestrastes bastante incrementado em comparação ao
evento inaugural. Somando-se a um colorido mosaico de líderes religiosos, falariam
prefeitos, governadores, juízes, generais, dois ex-presidentes (Herbert Hoover e Harry
Truman), além de Eisenhower e o diretor do FBI. Sobre o teor dessas falas, novamente
não há maiores informações documentais, mas podemos supor, a partir dos seus títulos,
que neste encontro mais recente o binômio religião-liberdade se expandiu para o também
indissociável trinômio religião-liberdade-capitalismo.
A lista de membros do Conselho Consultivo e do Comitê de Política Permanente
da FRASCO sofreu incremento semelhante. Expandida em relação a 1954, nela figuram,
além de religiosos de vários credos, membros dos três Poderes, acadêmicos e capitalistas.
Alguns destes últimos também ativos em outras associações voltadas para a organização
do empresariado internacional, como o Council on Foreign Relations e o Council for
Latin America. Um deles, o conselheiro Joseph Peter Grace, presidente da multinacional
do ramo químico W. R. Grace & Co. e na década de 1960 também dirigente da empresa
de fornecimento de energia elétrica para o Rio de Janeiro, Rio Light, financiou a seção
carioca do IPES, em contato com os seus membros Antônio Sánchez Galdeano e Antônio
Gallotti135 (DREIFUSS, 1981, p. 527).
Por último, a carta remetida a Dulles traz um exemplar do The Blessings of
Liberty, folhetim publicado pela FRASCO que no final de 1960 já estava em seu volume
V número 4. O panfleto trazia os artigos “O que Homens Livres Devem Fazer!”,
conclamando os amantes da liberdade por todo mundo a “superar no pensamento, na
vontade, na luta e perseverar sobre os desumanizados que, em nome de uma sociedade
totalmente nova, declararam guerra a Deus, à espiritualidade humana, à liberdade, à
consciência, à caridade, e à irmandade dos homens”; e “Uma Mensagem Àqueles ainda
Livres”, carta supostamente escrita por um húngaro fugitivo que, em nome dos “membros

135
Tais relações serão vistas no capítulo 4.
134

das nações da Europa Oriental mantidas cativas”, pedia ajuda aos representantes dos
países ocidentais, implorando “em nome do Criador” para que os libertassem da
“escravidão” e do “inferno terreno”. Encerrando em tom alarmante, o texto advertia que
“já bateu a hora final em que a paz mundial pode ser salva sem uma conflagração
universal”, pedindo ações planejadas e sistemáticas, necessárias não apenas para o bem
dos submetidos ao jugo soviético, como para assegurar a prosperidade pacífica do próprio
mundo livre. Mantido anônimo, prosseguem os editores, o autor da súplica seria um
engenheiro agora empregado em Washington D.C., que teria pedido que cópias do
“comovente documento” fossem enviadas a líderes religiosos de todas as denominações,
requerendo ainda que fossem solicitadas campanhas de orações para converter agnósticos
e envolvê-los na causa da libertação dos crentes do mundo socialista.
Os arquivos da CIA e do arquivo nacional norte-americano, o NARA, não exibem,
ao menos na internet, mais documentos sobre a FRASCO. Outras reuniões e instituições
ao longo da segunda metade do século XX, contudo, debruçaram-se sobre idênticos
objetivos, também congregando líderes religiosos, empresários, membros do Estado
restrito e intelectuais laicos em planos para o uso ideológico da religião na promoção de
propósitos políticos e econômicos do país.

3.2 – A conferência Foreign Aspects of U.S. National Security e o lançamento de uma


“arma do espírito”

Sendo assim, ainda em 1958 o diretor da CIA Allen W. Dulles recebe um relato
pormenorizado136 da parte do empresário Eric Allen Johnston, presidente da United States
Chamber of Commerce e membro da Igreja episcopal, sobre outro encontro que, à
semelhança dos promovidos pela FRASCO, pretendeu firmar princípios para uma ação
religiosa internacional com fins políticos. Foi a conferência Foreign Aspects of U.S.
National Security (Aspectos Estrangeiros da Segurança Nacional dos Estados Unidos),
organizada pelo Comittee for International Economic Growth (Comitê para o

136
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to the Honorable Eric
Johnston from Allen W. Dulles. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP80B01676R003800100021-9. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp80b01676r003800100021-9>. Acesso em 20 set. 2020.
135

Crescimento Econômico Internacional) do Congresso norte-americano, novamente a


pedido do presidente Eisenhower, e chefiada por Johnston.
O painel de conferencistas foi composto em sua maioria por membros do Estado
restrito norte-americano, como o próprio Eisenhower; o secretário de Estado, John Foster
Dulles; o de Defesa, Neil H. McElroy; e o diretor da CIA, Allen W. Dulles. Em geral, as
falas buscaram propor novos critérios para concessões de auxílio militar e econômico a
países estrangeiros, sobretudo os pobres, a fim de potencializar o efeito de contenção do
comunismo nestes países. A ideia seria sistematizada alguns anos depois, por exemplo,
em programas como os Corpos da Paz, estruturado durante o governo Kennedy, que
objetivava, segundo Cecília Azevedo137 (207, p. 33), “assentar a hegemonia de seu país
não só na coerção, mas também no consenso”, buscando “defender o “mundo livre” não
só por meio das armas, mas também por uma política de assistência internacional,
conciliando objetivos ou interesses socioeconômicos com os militares e geopolíticos”.
Em sintonia com o projeto, cujas linhas gerais delineavam-se já nos anos 1950, uma
importante inovação foi proposta por três líderes religiosos que dividiram os holofotes
com os mais altos membros do Executivo estadunidense, o presidente do National
Council of the Churches of Christ, pastor Edwin T. Dahlberg; o presidente da Synagogue
Council of America, rabino Theodore L. Adams; e o bispo católico Fulton J. Sheen.
Tratava-se de embutir a religião nas políticas assistencialistas globais, partindo do
pressuposto de que a mera ajuda econômica e militar, também oferecida pelos soviéticos
segundo os palestrantes até com mais afinco que pelos norte-americanos, não poderia
desempatar o jogo. Por outro lado, a oferta de conforto religioso e o apoio aos fiéis ao
redor do planeta, artifícios dos quais não dispunham os comunistas ateus, eram propostos
como meios capazes de dar aos Estados Unidos a dianteira na batalha por mentes e almas.
Tudo ocorria sobre um novo pano de fundo, onde o foco do auxílio norte-americano
movia-se, segundo o relatório enviado a Allan Dulles, “das emergências do pós-guerra
para a construção de uma base duradoura para a paz”, deslocando-se “da rápida
recuperação das economias europeias destruídas pela guerra para a lenta, difícil tarefa do
desenvolvimento econômico”. A nova prioridade, portanto, era manter os países pobres
dentro da zona de influência capitalista.

137
Historiadora graduada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ e pós-graduada na
Universidade Federal Fluminense - UFF e Universidade de São Paulo - USP, é professora aposentada do
departamento de História da UFF. É especialista nos temas História dos Estados Unidos, política externa,
relações interamericanas, identidade, culturas políticas e imaginário político (AZEVEDO, 2021).
136

Neste espírito, o batista Edwin T. Dahlberg, líder do National Council of


Churches, maior organização religiosa ecumênica dos Estados Unidos, composta de “34
denominações protestantes e ortodoxas orientais”, pediu às autoridades “respostas
ousadas e criativas” em ações pela paz para lidar com a ameaça vermelha, a exemplo do
que já era feito no campo militar. Sem precisar no que consistiria tal “resposta não
militar”, o pastor, entretanto, dizia-se convencido de que ela deveria privilegiar a religião,
assim propondo o lançamento de uma “arma do espírito”. Esse petardo místico seria
materializado com o apoio de recursos públicos e privados para a concessão de auxílios
internacionais, e nesse momento nosso pastor se dirigia não apenas aos membros da
máquina estatal, mas também à plateia de grandes empresários ali presente. Persuasivo,
o pastor enfatizou que tais gastos aliviariam as despesas militares do país, revelando-se
um “sólido, duradouro investimento” para assegurar a “paz, segurança e real
prosperidade”. Essa arma espiritual surtiria efeito onde o chumbo era incapaz de fazer
qualquer estrago: a miséria, “solo fértil” para a “semente revolucionária”, causadora de
um “clima global” favorável a tempestades revolucionárias, conjuntura que apenas
poderia ser modificada pelo “amor de Deus e do homem, acompanhado por ações de
piedade e compaixão”. Exibindo conhecimento de causa, Dahlberg mostrou
impressionantes números sobre a ação internacional da divisão de missões estrangeiras
da sua organização, que contava com uma “força missionária de mais de 10 mil
trabalhadores em mais de 50 países, cooperando com nativos treinados”, distribuía
literatura em “1100 línguas e dialetos tribais” e recebia contribuições voluntárias de
aproximadamente 44 milhões de dólares.
O rabino Theodore L. Adams, por sua vez, exortou o Congresso a aprovar leis
para “resgatar os pobres e necessitados” retirando-os das “mãos dos malignos”. Mas a
fala mais incisiva coube ao bispo católico Fulton J. Sheen que, em conferência intitulada
“Caridade começa fora de casa”, colocou o problema em termos ainda mais explícitos,
sua honestidade e lógica argumentativa resvalando no puro cálculo. Associando sem
rodeios a ajuda financeira ao imperativo de “combater o comunismo mantendo as nações
desprivilegiadas sob a órbita do Mundo Livre”, pensava que esse auxílio seria ineficaz
quando puramente econômico, pois nivelaria os Estados Unidos com seus rivais na
adesão ao “princípio básico marxista da determinação econômica da história”. Propunha,
de outra forma, que a ajuda estrangeira deveria conter os valores superiores da sociedade
norte-americana, como “a crença em Deus”. Afinal, seria a religião um forte ponto de
contato entre as mais variadas sociedades, unindo ao “Mundo Livre” muçulmanos, hindus
137

e cristãos, irmanados na repulsa ao ateísmo. Fazia-se necessário, assim, que os norte-


americanos utilizassem as “grandes forças da ajuda e da caridade espalhadas no presente
por todo o mundo”, as “milhares de agências de melhoramento social de missionários
cristãos e em alguns casos judeus que vivem com as pessoas desprivilegiadas”, pois,
afinal de contas, ‘“não apenas de pão vive o homem”’, passagem bíblica que exprimia as
novas bases propostas para a política de ajuda estrangeira. A importância conferida a
essas três falas, proferidas juntamente com as das mais altas autoridades do Executivo
(sete dos 26 conferencistas eram religiosos e 19 membros do Estado restrito), reforça a
impressão de que a religião em fins da década de 1950 passava a ser considerada mais
seriamente pela classe dominante norte-americana como excelente artifício para
apaziguar miseráveis e mantê-los sob sua influência. De lambuja, a econômica “arma do
espírito” sobre os destituídos do mundo inteiro renderia uma economia orçamentária de
milhões de dólares, além da garantir mercados estáveis para investimentos empresariais.
O relatório enviado a Dulles continha ainda lista com os mais de 1.400
participantes do evento, distribuídos entre integrantes dos três poderes, acadêmicos,
chefes sindicais, profissionais de mídia, líderes religiosos, grandes empresários e
membros de associações empresariais para a formulação de políticas externas, como o
Council on Foreign Relations, a Chamber of Commerce e o Comittee for Economic
Development.
Entre os membros da administração pública, além dos já mencionados, destaco
vários integrantes dos comitês nacionais do Partido Republicano e do Democrata; George
V. Allen, diretor da já mencionada United States Information Agency - USIA; Ethel
Askerooth, da equipe de projetos especiais da Casa Branca; George H. Becker Jr.,
assistente especial do secretário do Departamento de Comércio federal; Rachel Bell, do
Comittee for National Foreign Trade Policy; o almirante Arleigh Burke, chefe de
operações navais; o coronel Paul H. Cullen, da Secretaria do Council on Foreign
Economics and Policy da Casa Branca; Neil H. McElroy, secretário de Defesa; Richard
Nixon, vice-presidente; o general Randolph McCall Pate, comandante do Corpo de
Fuzileiros Navais; Robert F. Wagner, prefeito de Nova Iorque; e Thomas D. White, chefe
da Força Aérea norte-americana; além de vários congressistas.
No campo acadêmico, compareceram cientistas, reitores e presidentes de
importantes universidades do país, como Robert K. Carr, da American Association of
University Professors; Milton S. Eisenhower, presidente da Universidade John Hopkins;
e Nathan M. Pusey, presidente da Universidade de Harvard.
138

No ramo sindical, foram sobretudo vários membros da controversa organização


AFL-CIO, sobre a qual recaem denúncias de ligações com a CIA e mesmo com as
organizações ideológicas que minaram a presidência de João Goulart, IPES e IBAD.
Além de jornalistas de inúmeros veículos, apareceram os chefes de algumas das
maiores organizações de comunicação do país, como William Dwight, presidente da
American Newspaper Publishers Association; Harold E. Fellows, presidente da National
Association of Radio & Tv Broadcasters; Melville Bell Grosvenor, presidente e editor da
revista National Geographic; Frank W. Stanton, presidente da Columbia Broadcasting
Co; e o secretário executivo da Associated Church Press, William B. Lipphard.
A plateia religiosa foi das mais variadas, com representantes de praticamente todas
as organizações de fé mais importantes do país. Estavam lá diversos líderes judaicos,
membros das igrejas Católica, Ciência Cristã, Presbiteriana, Unitariana, Mórmon,
Menonita e Protestante Episcopal, e de associações ecumênicas como a Y.W.C.A. -
Young Women's Christian Association; a Society for Propagation of Faith; a National
Association of Evangelicals e o Salvation Army. Além dos três conferencistas, outros
importantes líderes também compareceram, como o presidente da FRASCO Charles W.
Lowry, a quem coube abrir o ciclo de conferências; o secretário geral da Confederação
dos Adventistas do Sétimo Dia, W. R. Beach; o presidente do Sínodo da Igreja Luterana
no estado de Missouri, J. W. Behnken; o secretário geral do Board of World Peace da
Igreja Metodista, Charles F. Boss Jr.; o presidente da National Catholic Education
Association, Henry M. Hald; o secretário executivo da Convenção Batista do Sul, Porter
Routh; e G. Kinderman, líder novaiorquino da maior organização pentecostal do mundo,
a Assembleia de Deus. Missionário na Europa Oriental, Kinderman retornou ao Estados
Unidos no final de 1939, trazendo para a sede da sua Igreja em Springfield, Missouri,
estarrecedores relatos sobre a situação dos pentecostais na Polônia, Alemanha e Rússia,
lamentando não receber fazia tempo “uma única carta de alguém na Polônia sob o
governo Russo” (OBERG, 2018). Entre o pouco que descobrira sobre seus irmãos de fé
nas mãos dos comunistas, contou, entre outras atrocidades, que “um estudante foi preso
e forçado a andar três dias até um campo com nada para comer exceto o capim na beira
da estrada”, e que “ foi pisoteado até a morte” quando perdeu suas forças. Pedia para seus
companheiros, mobilização e árduo trabalho para destruir “o trabalho do demônio”.
A conferência teve também presença maciça de grandes industriais e banqueiros,
denotando a expressiva participação de empresários na formulação e execução do projeto
ali apresentado. Entre as muitas dezenas de empresas representadas, deram suas graças
139

chefes de grandes multinacionais, como William M. Allen, presidente da Boeing Airplane


Company; Joseph Andreoli, vice-presidente da General Tire & Rubber Company; Olive
Ann Beech, presidente da Beech Aircraft Corporation; R. M. Bunney, vice-presidente da
divisão internacional do Bank of Boston; Eugene R. Black, presidente do International
Bank for Reconstruction & Development; Lester L. Colbert, presidente da Chrysler
Corporation; Philip Cortney, presidente da Coty Internacional; Henry Ford II, presidente
da Ford Motor Company; William C. Foster, vice-presidente executivo da Olin
Mathierson Chemical Corporation; Robert L. Garner, presidente da International Finance
Corporation; W. R. Herod, presidente internacional da General Electric; J. Ward Keener,
presidente da B. F. Goodrich Company; William E. Knox, presidente da Westinghouse
Electric International; Joseph W. Montgomery, vice-presidente da United Fruit Co.; John
D. J. Moore vice-presidente da W. R. Grace & Company; Patrick H. O'Neill da South
American Gold & Platinum Co.; F. C. W. Paton, vice-presidente da Gulf Oil Corporation;
Malcolm W. Reed, vice-presidente executivo da United States Steel; William E.
Robinson, presidente da Coca-Cola Company; Joseph P. Spang, membro diretor da
Gillette Company; Charles Allen Thomas, da Monsanto Chemical Company; Edwin J.
Thomas, presidente da Goodyear Tire & Rubber; e T. Graydon Upton, presidente da
Banker's Association for Foreign Trade.

3.3 – A classe empresarial esboça princípios para um ataque ideológico, o Programa


para uma Política Ofensiva contra o Comunismo Mundial de David Sarnoff

Aparece em outro documento guardado pela CIA outro importante indicativo da


crescente convicção da classe dominante norte-americana acerca da potencialidade
propagandística da religião na fria batalha ideológica, do seu grande envolvimento num
plano para concretizá-la e da disposição de transportar esse plano para o Estado restrito.
Desta vez, trata-se de relatório de um subcomitê do Senado norte-americano que buscava
uma “Comissão da Liberdade”138 para desenvolver uma “Ciência de Contra-ataque à
Conspiração Comunista Mundial”. Ocorrido em junho de 1959, no ciclo de reuniões foi

138
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Hearings before the Subcomitee
to Investigate the Administration of the Internal Security Act and Other Internal Security Laws of the
Comittee on the Judiciary United States Senate. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP64B00346R000500030098-1. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp64b00346r000500030098-1>. Acesso em: 22 set. 2020.
140

apresentado pelo conselheiro geral do comitê, J. G. Sourwine, um memorando do punho


de David Sarnoff, diretor da Radio Corp. of America, datado de 1955, quando fora
apresentado ao presidente Eisenhower. Também membro da FRASCO, Sarnoff foi um
dos destaques da mencionada quinta conferência da organização, onde levou o seu know
how de empresário radiofônico para a mesa redonda “Nossa Potente Arma:
Comunicações em Massa”. Novamente enfatizando a função estratégica da ideologia, seu
memorando intitulado Program for a Political Offensive Against World Communism
(Programa para uma Política Ofensiva contra o Comunismo Mundial) propunha ações de
propaganda mais agressivas para agudizar os problemas internos do mundo socialista.
Clamava o texto por “contramedidas” e “métodos”, “inovadores, não-convencionais,
ousados e flexíveis”, a serem empregados tanto pelo governo como por grupos privados
para “tornar a nossa verdade tão efetiva e mais produtiva que a mentira de Moscou”.
Propunha, enfim, o recrutamento de uma vasta rede de dissidentes atrás da cortina de
ferro à qual deveria ser fornecida “coesão” e “direção”, provendo-lhe “ajuda moral e
material, incluindo treinamento de lideranças, para movimentos clandestinos de
oposição”. A principal arma desses grupos seria a “mensagem de liberdade”, entre outras
coisas contra o “ateísmo coercitivo”. Tratava-se, enfim, de cercar o mundo socialista de
mensagens verbalizadas por instituições ideológicas oficiais, como a Radio Free Europe,
e extraoficiais, entre elas as igrejas. Especificamente a esse respeito, dizia o empresário,
“uma grande fome por conforto espiritual, pela religião, é relatada na Rússia soviética e
seus satélites. Programas de caráter espiritual e religioso são indicados. Eles devem pregar
a fé no divino, a repulsa ao comunismo e à falta de Deus, resistência ao ateísmo”.
Adicionalmente, tais programas deveriam também “oferecer conselhos práticos aos
espiritualmente desviados - por exemplo, como observar ocasiões religiosas onde não há
ministros e padres ordenados”. Também preocupado em se contrapor à influência
soviética sobre a classe trabalhadora dos países não comunistas, como a França,
recomendava a organização de campanhas políticas partindo de “outros grupos não-
oficiais e populares”, cabendo, por exemplo, às “grandes igrejas” pregar sobre “os
aspectos imorais e ateístas do comunismo na teoria e na prática”.
Com efeito, apenas quatro anos depois o chefe do Conselho de Planejamento
Político do Departamento de Estado, Walt Whitman Rostow, relatou o grande avanço na
participação de organizações não formalmente ligadas ao Estado norte-americano no
combate externo ao comunismo. Destacando a contínua “necessidade de treinamento do
141

setor privado para a Guerra Fria”139, aí incluindo “organizações de igrejas”, notou ainda
que, quando se deram os primeiros passos para a criação da Comissão da Liberdade nos
princípios da década de 1950, “tais atividades privadas não eram tão extensivas ou
competentes como são agora”. Segundo Rostow, portanto, já em 1963 as instituições
privadas norte-americanas estavam “comprometidas a trabalhar no exterior numa escala
muito grande, em todas as partes do globo”.

3.4 – Os Corpos da Paz

Os Corpos da Paz foram outro importante desdobramento da guerra de


propaganda posta em marcha pelos Estados Unidos com progressivo vigor durante a
Guerra Fria. Trata-se de organização filantrópica que enviou por volta de 150 mil
voluntários para toda a América Latina desde princípios da década de 1960 (AZEVEDO,
2007, p. 16). Como já mencionado, o projeto inseria-se no mais abrangente plano de
reforçar a hegemonia norte-americana na porção Sul do continente, representando
“relevante peça de estratégia de política internacional” (AZEVEDO, 2007, p. 17) que
buscava disputar espaço com o comunismo por via de programas de assistência social e
econômica.
Apesar de institucionalizado durante o governo Kennedy, a concepção do
programa foi partilhada por diferentes setores da sociedade norte-americana, que,
conforme vimos, desde ao menos a década de 1950 planejavam a criação de forças-tarefa
internacionais a fim de despertar a simpatia dos países vizinhos. Assim, nos momentos
que precederam sua oficialização, foi enviada a Washington uma “avalanche de estudos
e projetos” partidos de “Universidades, associações estudantis e organizações sindicais,
religiosas ou de voluntários” (AZEVEDO, 2007, p. 59), contando o programa também
com o apoio de congressistas e militares, como o general James Gavin.
A iniciativa, entretanto, não era de cunho explicitamente religioso. A cúpula
governamental preocupou-se mesmo em “excluir organizações religiosas dos contratos
de gestão de programas da agência no exterior” (AZEVEDO, 2007, p. 90), sendo também

139
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. H.R. 13177--Freedom
Commission Extension of Remarks of Hon. Burt L. Talcott of California in the House of Representatives
Thursday, march 10, 1966. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP67B00446R000600080001-7. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp67b00446r000600080001-7>. Acesso em: 23 set. 2020.
142

vedada aos voluntários a prática do proselitismo. Não obstante, religiosos, políticos e


intelectuais percebiam evidentes ligações com o missionarismo norte-americano. Entre
os primeiros vigorava, por exemplo, a ideia de que “o voluntário, mesmo não pregando
abertamente a fé cristã, poderia, tão somente pelo seu exemplo, provocar conversões nas
comunidades onde fosse servir” (AZEVEDO, 2007, p. 92). O aspecto missionarista dos
Corpos da Paz era insinuado, também, pelo próprio presidente Kennedy, que via o mundo
socialista na dianteira da “preparação de “missionários do comunismo internacional”’
(AZEVEDO, 2007, p. 55), não podendo os Estados Unidos ficar atrás.

4 – Anos 1970, a reconfiguração da direita religiosa

Pontuada por crises nacionais, como a derrota no Vietnam, o escândalo de


corrupção que levou à renúncia de Nixon e problemas econômicos, gerando profunda
instabilidade, em seus últimos anos a década de 1970 presencia uma intensa redefinição
do movimento religioso fundamentalista norte-americano, cuja importância política e
numérica não cessará de crescer até os dias atuais.
Marsden (1991, p. 103-104) indica, porém, que não apenas o fundamentalismo,
mas todo o campo evangélico conservador ganha impulso já na década de 1960 diante
dos movimentos reivindicativos de mudanças culturais e comportamentais que chocaram
os setores menos progressistas da sociedade norte-americana. Souberam tais religiosos
capitalizar “o declínio de prestígio do establishment liberal-científico-secular”, sistema
de valores “proclamado como ilusório e condenado ao fim”, aproveitando-se, ao mesmo
tempo, “das profundas reações contra os ideais da contracultura”. Assim embalados,
puderam manter seu ritmo de expansão ao longo da insegura década de 1970, “oferecendo
respostas decisivas” (MARSDEN, 1991, p. 105) para as crises que se acumulavam.
O fenômeno redundaria numa importante reconfiguração do Partido da Fé
Capitalista nos Estados Unidos, que passará a se organizar em torno de novos e mais
agressivos aparelhos ideológicos, sobretudo após os primeiros anos da década seguinte,
passando também a frequentar a arena partidária, como se verá nos próximos capítulos.
A documentação emanada das instituições estatais norte-americanas, todavia,
sugere uma diminuição, na década de 1970, nos contatos entre membros do governo,
empresários e líderes religiosos em torno da pauta ideológica anticomunista, talvez em
função do afrouxamento das tensões entre os Estados Unidos e a União Soviética ao longo
143

do decênio. Todavia a mesma documentação permite afirmar que não apenas tais contatos
continuaram ocorrendo, como a militância ideológica do trabalho religioso fora do país
continuou em vigor nos moldes definidos nas décadas anteriores. Ao mesmo tempo, o
relaxamento da instrumentalização política da religião foi apenas relativo, em
comparação com a grande efervescência havida durante o auge da Guerra Fria.
Não obstante, presidentes como Nixon e Gerald Ford, sobretudo o primeiro,
mantiveram durante os anos 1970 contato frequente com indivíduos e instituições de fé,
reafirmando as raízes religiosas da Constituição dos Estados Unidos e a vocação cristã do
país, além de valerem-se do conselho e popularidade de líderes fundamentalistas, como
Billy Graham. A ideia de uma “América cristã”, usualmente vinculada aos princípios de
“liberdade” e “democracia”, continuou, portanto, desempenhando destacado papel
político dentro e fora das fronteiras norte-americanas.
Sendo assim, confirmando o prosseguimento das articulações entre empresários,
líderes religiosos e membros do governo norte-americano, em 10 de agosto de 1971, o
secretário de Estado de Nixon, Henry Kissinger, recebeu um grupo formado por grandes
empresários, líderes religiosos, membros da mídia, acadêmicos e profissionais liberais
para uma reunião sobre “política externa”140. Arranjada pelo pastor Billy Graham,
membro da Convenção Batista do Sul, possivelmente o mais influente fundamentalista
da história, não sabemos o teor da reunião, mas pode-se supor pela presença de W. Stanley
Mooneyham, presidente da organização religiosa caritativa internacional World Vision,
descrito como “especialista do extremo oriente”, que ela dissesse respeito ao Vietnam,
país onde os Estados Unidos engajavam-se num conflito armado. Bastante ativa no
Vietnam e no Laos durante o período, a World Vision realizaria mais tarde esforços para
o resgate marinho de milhares de refugiados que após 1978 deixariam o país em grandes
levas. Sobre a sua presença no Laos, ou sobre o fim dela melhor dizendo, telegrama
partido do consulado norte-americano na capital do país, Vientiane, assinado pelo
diplomata Christian A. Chapman em maio de 1975, relata a sua expulsão e nacionalização
de ativos pelo governo de inspiração socialista que assumiu o controle do Laos. Em
comunicado emitido pelo serviço de rádio oficial do novo governo, a Rádio Pathet Lao,
prossegue Chapman, a medida foi justificada pelo fato de ser a World Vision, segundo os
asiáticos, “uma das muitas organizações implantadas pelos imperialistas dos Estados

140
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Presidential Papers, 1969 - 1974. 057 August 1-15 1971. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/40032198>. Acesso em: 23 set. 2020.
144

Unidos e seus lacaios como ferramentas para a CIA servir aos planos de guerra dos
Estados Unidos”141. No contexto da “pressão esquerdista” ali disseminada, concluía
Chapman ser esperado que todas as outras agências voluntárias fossem obrigadas a parar
de funcionar, como a Christian and Missionary Alliance142 que ajudara a World Vision a
se fixar no país seis anos antes.
Mas voltando à reunião de 1971, dos trinta presentes, a maioria eram líderes
religiosos conservadores (13) e empresários (8). Entre os primeiros, além de Graham,
compareceram Roy Gustafson, evangelista a ele próximo e com ampla experiência
missionária no Oriente Médio; Porter Routh, secretário executivo da Convenção Batista
do Sul; Ben Hayden, ex-agente da CIA e pastor presbiteriano conhecido mundialmente
pelo seu programa de rádio e Tv Changed Lives (Vidas Mudadas); W. A. Criswell, por
duas vezes presidente da Convenção Batista do Sul; Theodore Epp, evangelista
radiofônico de alcance mundial com seu programa Back to the Bible (De Volta à Bíblia);
Pat Zondervan, proprietário da editora cristã direitista Conservative Religious Publishing
House; Bill Bright, presidente da organização missionarista internacional Campus
Crusade for Christ; Robert Denny, secretário executivo da Aliança Batista Mundial; T.
W. Wilson, assistente de Billy Graham; James Jeffrey, presidente da Irmandade de Atletas
Cristãos; e Harold Lindsell, editor da Christianity Today, revista cristã conservadora
fundada por Billy Graham. Outros líderes convidados, mas que não puderam comparecer,
foram o pentecostal Oral Roberts, o presidente da Convenção Batista do Sul Carl Bates e
o diretor de missões fundamentalistas nos Estados Unidos Clyde Taylor. O ramo
empresarial, representado por negociantes de diferentes ramos, a maioria à frente de
empresas de alcance internacional, contou com Tom Philips, presidente da corporação
bélica Raytheon; Bill Mead, membro diretor da empresa alimentícia Campbell Taggert;
Ed Jonson, presidente do banco Federal Savings and Loan Co.; Thomas H. Lake,
presidente da multinacional farmacêutica Eli Lilly and Company; Allan Bell,
representante da família Pew, dona da Sun Oil, empresa do ramo químico e petrolífero;

141
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. World Vision Terminates Activities in Laos; Other
VOLAGS Come under Pressure. Canonical ID: 1975VIENTI03469_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975VIENTI03469_b.html>. Acesso em: 24 set. 2020.
142
Coordenada pela Alliance World Fellowship, fundada nos Estados Unidos na década de 1880 e cuja
sede encontra-se atualmente na cidade brasileira de São Paulo, a Christian and Missionary Alliance é uma
organização missionária evangélica internacional vinculada ao movimento Holiness (Santidade) da qual
saíram em princípios do século XX várias organizações religiosas, como as pentecostais, sobre as quais a
Alliance exerceu grande influência, também impactando fortemente o metodismo.
145

Bill Walton, presidente da cadeia internacional de hotéis Holiday Inn e Maxy Jarman,
dono da rede de lojas de departamento Bonwit Teller.
Cinco ano depois, discurso do presidente Gerald Ford na convenção nacional da
gigantesca organização de comunicação eletrônica evangélica, a National Religious
Broadcasters143, atesta a consolidação do papel ideológico/político da religião, sobretudo
a de cunho evangélico, dentro e fora do espaço nacional norte-americano. Em atividade
até o presente, a NRB é o braço midiático da National Association of Evangelicals,
organização interdenominacional e conservadora fundada em 1942 e descrita pela
assessoria de Ronald Reagan, alguns anos após o discurso de Ford, como “a principal
alternativa”144 ao “mais liberal” National Council of Churches. A organização
conservadora, notava ainda a equipe de Reagan, teria “apoiado maciçamente” a eleição
do ex-ator Republicano, oferecendo-lhe o mesmo suporte no Congresso. Dos seus
membros proeminentes, os assessores de Reagan destacavam constar entre os mais “úteis
à Casa Branca” o diretor de relações públicas Bob Dugan, que teria defendido
publicamente o governo em 1981 durante a controversa venda à muçulmana Arábia
Saudita de avançado sistema de vigilância aérea, muito prestativo também na composição
de “listas de líderes religiosos a serem convidados para cargos na Casa Branca”. Ainda
segundo o papel de 1983, a NAE compreenderia 43 denominações, em oposição a 32
afiliadas ao NCC, espalhadas em 38 mil igrejas por todo o país.
Voltando aos tempos de Ford, aquele presidente abriu seu discurso congratulando
tanto a National Religious Broadcasters como a National Association of Evangelicals
pelo trabalho de “ir ao mundo inteiro e pregar o evangelho”, seguindo a “grande
comissão”, ou seja, as últimas instruções proferidas por Jesus Cristo: espalhar a sua fé
pelos quatro cantos do planeta. Vibrando as cordas do excepcionalismo norte-
americano145, aqui articulado à crença, cara aos grupos fundamentalistas, no destino
santificado dos Estados Unidos, escolhidos por Deus para concretizar a derradeira ordem

143
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção President's
Speeches and Statements Reading Copies (Ford Administration), 1974 – 1977. 2/22/76 - Remarks at a
Meeting with Members and Guests of the National Religious Broadcasters Association and the National
Association of Evangelicals. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/1252703>. Acesso em: 24 set.
2020.
144
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Presidential
Briefing Papers, 1/20/1981 - 1/18/1989. Records of the Office of the President (Reagan Administration),
1/20/1981 - 1/20/1989. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/118567254>. Acesso em: 24 set.
2020.
145
Crença segundo a qual a virtuosa trajetória dos Estados Unidos não encontraria paralelo em qualquer
outro lugar do mundo, conferindo ao país um papel especial sobre a Terra.
146

de Jesus, Ford prosseguiu expressando a convicção de governar uma “nação abençoada


de maneira única”, com um “papel especial a desempenhar nos assuntos humanos”.
Proferido no calor da crise econômica dos anos 1970, causada entre outras razões
pela aguda subida do preço do petróleo, o discurso de Ford prenunciava ainda o surto
fundamentalista que se aproximava com novo incremento dos usos políticos da religião,
segundo Assmann (1986, p. 26-27) em resposta à decorrente crise de legitimação
ideológica do capitalismo. Ao observar que o fundamentalismo norte-americano “sempre
rebrotou em íntima conexão com crises de legitimidade do sistema”, Assmann articula
uma renovada necessidade de camuflar a exploração de uma indisposta classe
trabalhadora à crise de valores e econômica que acometia o país, recorrente no modo de
produção capitalista. A religião, constata o teólogo, regularmente chamada a prestar
importante papel na recuperação capitalista no plano das mentalidades, o faria novamente
nos Estados Unidos daquele tempo, simulando “certezas na incerteza, segurança na
insegurança”. Assim, mencionando um sentimento disseminado de “muita falta de
confiança” nas “instituições básicas da sociedade”146, Ford ofereceu como tábua de
salvação à sua audiência a certeza de que “nós podemos acreditar em Deus. Nós podemos
acreditar na fé de nossos pais”.

5 - Anos 1980 e 1990, consolidação de um “neofundamentalismo”

A década de 1980 se inicia, portanto, com renovado dinamismo nos contatos entre
empresários e líderes religiosos em torno de uma recrudescida pauta conservadora,
associados em novas organizações, voluntárias e de propósitos não declaradamente
lucrativos, sempre em contato com a esfera estatal oficial. Nos anos 1990, essas relações
se aprofundariam ainda mais, atingindo os fóruns cristãos de empresários, clérigos e
funcionários do Estado graus de influência e organização sem precedentes.

5.1 – O Council for National Policy

146
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção President's
Speeches and Statements Reading Copies (Ford Administration), 1974 – 1977. 2/22/76 - Remarks at a
Meeting with Members and Guests of the National Religious Broadcasters Association and the National
Association of Evangelicals. National Archives and Records Administration – NARA. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/1252703>. Acesso em: 24 set. 2020.
147

Um dos mais importantes órgãos desse feitio é o Council for National Policy -
CNP, organização ultraconservadora que desde 1981 congrega religiosos, como o pai da
Teologia do Domínio, Rousas John Rushdoony, alguns dos seus maiores propagadores,
como Tim LaHaye, Jerry Falwell e Pat Robertson, grandes capitalistas e agentes
governamentais dispostos a influenciar a política doméstica e do seu país. Entre a
documentação disponibilizada pelo governo norte-americano, o primeiro papel que
encontrei sobre o CNP é um memorando147 remetido ao diretor da CIA tratando de um
convite para reunião com a organização em janeiro de 1985 feito pelo seu diretor
executivo Louis Elwood Jenkins Jr., congressista no estado da Louisiana, sede do CNP.
Ali a organização é descrita como uma “fundação educacional” conservadora, sem fins
lucrativos, formada por “líderes corporativos, governamentais e religiosos”, irmanados
pela crença no sistema de livre empreendedorismo, no fortalecimento da defesa nacional
e no anseio por um renascimento moral do país, propósitos que persegue reunindo
indivíduos “capazes de influenciar a direção do nosso país e o curso da história”. Alguns
dos seus membros diretores foram os empresários Nelson Bunker Hunt148, um dos donos
da petrolífera Hunt Oil Company; Joseph Coors, presidente da empresa de bebidas
alcoólicas Adolph Coors Company; Frank Shakespeare, presidente do grupo midiático
RKO Generale; Joseph Peter Grace, da W. R. Grace & Co e congressistas republicanos
como Jack Kemp e Jeremiah Denton. Segundo Chris Hedges (2006, p. 138), outro
empresário de destaque nos quadros do CNP e um dos seus principais financiadores foi o
fundador do conglomerado multinacional AMWAY, Richard DeVos Sr. Curiosamente,
pesquisa empreendida nos anos 1990 pelo historiador Andrew Chesnut (1997, p. 20),
sobre a explosão pentecostal na cidade brasileira de Belém-PA, concluiu que uma porção
considerável das mulheres belenenses que atendem a igrejas desse tipo precisam tirar seu
sustento atuando como vendedoras informais de roupas e cosméticos de multinacionais
norte-americanas, “principalmente a AMWAY e a Avon”.
O memorando da CIA prossegue mencionando matéria da revista Newsweek que
caracterizou o CNP como uma coalizão de militantes da nova direita, dedicada a

147
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Invitation to Address the Council
for National Policy. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP87M00539R002904740044-
5. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87m00539r002904740044-5>.
Acesso em: 26 set. 2020.
148
Homem mais rico do mundo nos anos 1960, o magnata do petróleo Nelson Bunker Hunt viu sua fortuna
mudar em 1973, quando o presidente Muammar al-Gaddafi nacionalizou os campos de petróleo da Líbia,
uma das principais bases de operação da empresa (SILVER THURSDAY, [s.d.])
148

atividades de inteligência, que busca pôr em contato permanente grandes empresários


conservadores, pregadores fundamentalistas, “estrategistas políticos direitistas, senadores
e membros da Casa Branca”. O que traduziria a sua intenção inequívoca de constituir-se
num foro para a formulação de projetos de parcelas da classe empresarial, a serem
inseridos na pauta estatal oficial, frequentado por intelectuais religiosos por sua vez
dispostos a impulsioná-los no plano ideológico. Encerrando, o documento recomendava
que o chefe da CIA participasse do encontro, sugerindo que seria de seu interesse ouvir o
que o “influente grupo de conservadores” tem a dizer.
Também nos arquivos da CIA, encontra-se o recorte149 de uma matéria da edição
de nove de fevereiro de 1985 do jornal The Nation intitulada “Beat the Devil” (Vencer o
Demônio). O artigo versava sobre pessoas e organizações que a partir dos Estados Unidos
remetiam recursos às milícias armadas Contra, de oposição ao governo sandinista da
Nicarágua. O texto concentrava-se no general aposentado John Singlaub, que fora chefe
das forças estadunidenses na Guerra da Coreia e que naquela altura presidia a organização
direitista internacional World Anti-Communist League - WACL, “envolvida com
esquadrões da morte nas américas Central e Latina”, sendo ainda membro do Council for
National Policy, que também contribuiria para o financiamento da guerra civil
nicaraguense. Singlaub, juntamente com outros ex-militares e agentes de Inteligência, e
este trecho encontra-se sublinhado pelos agentes da CIA que processaram o documento,
coletava aproximadamente quinhentos mil dólares mensais em doações de particulares
através do braço norte-americano da World Anti-Communist League, o U.S. Council of
World Freedom. Em outra matéria150 sobre o mesmo tema guardado pela CIA, agora da
edição de três de maio do mesmo ano do Washington Post, mais detalhes são entregues
sobre as operações de Singlaub e seus laços internacionais. É dito que o general estava
ativamente engajado em conseguir apoio militar e financeiro para os braços sul-
americanos do WACL, gabando-se de que as suas seções “no Brasil e na Argentina são
grandes e ativas”. Tal apoio, Singlaub encontrava em doações arrecadadas nos encontros
do Council for National Policy, com quatrocentos membros entre “líderes empresariais,

149
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Who's Funding the ‘Contras’?.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90-00806R000201090033-3. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90-00806r000201090033-3>. Acesso em: 25 set.
2020.
150
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Private Groups Step up Aid to
‘Contras’. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90-00552R000606200007-2.
Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90-00552r000606200007-2>.
Acesso em: 26 set. 2020.
149

religiosos e políticos”. No mais, era acrescentado que o WACL mantinha laços com outra
organização religiosa-empresarial que veremos em breve, a CAUSA International,
associação anticomunista e multinacional fundada pela Igreja da Unificação, comumente
conhecida como “Seita Moon”, e conhecida por realizar “seminários midiáticos por toda
a América Latina há muitos anos”.
Mas voltando ao CNP, a mais interessante informação constante no artigo do The
Nation refere-se à sua composição. Além dos membros já mencionados, nos idos de 1985
o Council contava com o cantor, escritor e palestrante motivacional da pentecostal Igreja
do Evangelho Quadrangular, Pat Boone, e os líderes fundamentalistas Jerry Falwell e Pat
Robertson, ambos membros da Congregação Batista do Sul, ainda que este último, à moda
pentecostal, acrescente toques carismáticos às suas pregações. Além deles, foram citados
os senadores republicanos Jesse Helms e John East.
Ativo até o presente, o CNP volta a aparecer nos arquivos federais norte-
americanos muito mais tarde, durante o governo de George W. Bush. Em três de maio de
2001, o presidente recebeu um memorando151 de seu conselheiro-chefe Karl Rove
informando sobre convite para atender à comemoração dos vinte anos de fundação do
grupo, onde se esperava que o presidente fizesse um levantamento das realizações dos
seus cem dias de governo. Segundo Rove, no começo do século XXI o CNP contabilizava
quinhentos membros, reunidos para “escutar e discutir a respeito das melhores
informações disponíveis sobre problemas nacionais e mundiais, conhecer pessoalmente
uns aos outros, e colaborar no atingimento de suas metas comuns”. Além de Bush, foram
convidados também o pastor Tim LaHaye, um dos fundadores do CNP; Paul Weyrich,
que junto com o também membro Jerry Falwell fundou a Moral Majority, importante
organização religiosa-partidária conservadora que veremos mais detidamente no capítulo
3; e o ex-assessor de Ronald Reagan, Morton Blackwell, entre outros.
Mais dados sobre a organização constam em carta152 assinada pelo seu diretor
executivo, o deputado californiano Steve Baldwin, e remetida a Karl Rove, desta vez
convidando o conselheiro de Bush para o encontro de março de 2003 do CNP, quando
mais de “450 líderes das principais organizações conservadoras e seus maiores doadores”

151
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
05/03/2001 [460583]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/77828647>. Acesso em: 26 set.
2020.
152
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
536140 [2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578978>. Acesso em: 26 set. 2020.
150

iriam se reunir no luxuoso Loews Coronado Bay Resort em San Diego. Rove era chamado
a participar de um muito especial e seleto evento onde estariam apenas o seu Comitê
Executivo e os membros do Círculo de Ouro da organização, franqueado exclusivamente
aos que contribuíssem com a quantia mínima de dez mil dólares anuais. Conta Baldwin
que no passado desfilaram no círculo figuras como George W. Bush; o economista
ultraliberal Milton Friedman; o congressista e também economista Phil Gramm; o então
procurador-geral John Ashcroft; o senador Jesse Helms; o diretor do Escritório de
Administração e Orçamento dos Estados Unidos, Mitch Daniels, também ex-vice-
presidente da multinacional Eli Lilly Company, cujo presidente na década de 1970,
Thomas H. Lake, como vimos frequentava reuniões com líderes religiosos e o secretário
Henry Kissinger; e o ex-procurador-geral de Nixon e juiz da Corte de Apelações do
distrito de Columbia nomeado por Reagan, Robert Bork.

5.2 – A CAUSA International: unificando intelectuais, religiosos e empresários pelo


planeta

Outra proposta para reunir o empresariado norte-americano, seus sócios


minoritários de todo o mundo, líderes religiosos e intelectuais foram os empreendimentos
lançados pela Igreja da Unificação, mais conhecida como Seita Moon 153. Entre eles,
destaca-se a associação de cunho declaradamente “educacional” Confederação de
Associações para a Unificação das Sociedades das Américas - CAUSA Internacional,
inaugurada em 1980 em Nova Iorque, que realizou inúmeros congressos em todo o globo,
mas sobretudo nas Américas e muitos deles no Brasil, conforme veremos na Parte III.
O primeiro vestígio das ações da CAUSA entregue pela documentação é
novamente um convite154 ao diretor adjunto da CIA, John N. McMahon. Assinado por
Antonio Betancourt155, secretário geral da organização, o papel convidava McMahon para

153
A Igreja da Unificação é uma organização religiosa fundada pelo ex-militar e empresário ferrenhamente
anticomunista, o coreano Sun Myung Moon. Alicerçada na interpretação bíblica de seu fundador, não se
pode dizer que seja uma igreja protestante ou evangélica. De maneira coerente com sua nomenclatura,
constrói pontes com todos os cristãos conservadores, convidados recorrentes nos seus fóruns.
154
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. You are Cordially Invited to
Attend a Sunday Brunch and Seminar on December 9. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP86M00886R002600010006-0. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp86m00886r002600010006-0>. Acesso em: 30 set. 2020.
155
Segundo a enciclopédia biográfica digital Prabook, o empresário colombiano radicado nos Estados
Unidos, Antonio L. Betancourt Lopez, dirigiu a CAUSA Internacional até 1989. Nos anos posteriores,
151

o vindouro seminário “The Nuclear Balance: Challenge and Response” (O Equilíbrio


Nuclear: Desafios e Respostas) que aconteceria em nove de dezembro de 1984.
Apresentando a CAUSA como “uma organização educacional que examina alternativas
à ideologia Marxista”, o documento revela pouco sobre o teor da reunião, assim como
sobre os convidados, mas registra que alguns conferencistas foram intelectuais como
Robert Jastrow, do Goddard Institute for Space Studies; William Van Cleave, diretor do
Programa de Estudos em Defesa e Estratégia da University of Southern California; e
Joseph Curb, presidente do Center for International Security, núcleo de estudos
estratégicos da Stanford University. Não sabemos se McHanon compareceu ao seminário,
mas o convite156 foi repetido por Betancourt em março de 1985, quando uma organização
pretensiosamente batizada International Security Council (Conselho de Segurança
Internacional), outro “projeto da CAUSA Internacional”, realizou a mesa redonda
“Negotiating with Marxists in Central America” (Negociando com Marxistas na América
Central). Novamente, o papel não informa muito sobre o evento, mas confirma a grande
atração que a CAUSA, agora descrita como “uma organização educacional sem fins
lucrativos e não sectária”, era capaz de exercer sobre importantes membros da
intelectualidade norte-americana e de outros países, muitos dos quais membros de
associações político-ideológicas internacionais, sugerindo que tais reuniões tivessem
considerável repercussão entre a classe dominante mundial. Pronunciaram-se ali o ex-
secretário geral da Organização dos Estados Americanos - OEA, Alejandro Orfilla; o ex-
embaixador de El Salvador nos Estados Unidos, Ernesto Rivas-Gallont; e o general
aposentado Gordon Summer Jr., outrora chefe da Junta Interamericana de Defesa.
Maiores informações sobre o International Security Council aparecem em carta 157 de
agosto de 1988 endereçada à CIA onde eram enviados exemplares da publicação
quadrimestral da organização, a revista Global Affairs. Fazendo votos de que o material
pudesse “enriquecer a sua compreensão e ser útil nos seus empreendimentos

acumulou cargos de direção em outros aparelhos ideológicos, como o World Institute for Development and
Peace, e empresas, como a News & Communication, Inc. (ANTONIO L. BETANCOURT LOPEZ, [s.d.]).
156
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to John H. McMahon
from Antonio Betancourt. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP87M00539R002904770010-9. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp87m00539r002904770010-9>. Acesso em: 30 set. 2020.
157
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. The International Security
Council, a Washington and New York Based Public Policy Institution, Is Concerned Exclusively with the
Character and Scope of the Soviet Threat to the Security of Free Nations. Document Number (FOIA)
/ESDN (CREST): CIA-RDP90M01364R000700140052-9. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90m01364r000700140052-9>. Acesso em: 30 set.
2020.
152

profissionais”, os dois últimos números da revista, tratando de “importantes aspectos da


ameaça soviética” e baseados nas conferências organizadas pelo ISC em 1987, foram
distribuídos para diversos “líderes de opinião” nos Estados Unidos e possivelmente no
resto do mundo. Mais interessante talvez seja a lista de membros do seu Conselho
Consultivo Internacional constante no papel timbrado que contém o texto. A partir dela
sabemos que a associação se enraizara nos cinco continentes, reunindo indivíduos
influentes de todo o mundo, mas com participação proporcionalmente maior de nativos
das américas do Sul e Central. Além dos norte-americanos, em sua maioria membros de
altas patentes das forças armadas, ali aparecem o ex-presidente da Costa Rica Mario
Echandi Jiménez; o já mencionado diplomata salvadorenho Ernesto Rivas-Gallont; o
jornalista hondurenho Amilcar Santamaría; o ex-ditador peruano Francisco Morales-
Bermudez; o almirante chileno R. McIntyre; o diplomata colombiano José Maria Chaves
e seu conterrâneo, o ex-comandante do exército colombiano, general Alvaro Valencia
Tovar; o general aposentado equatoriano Carlos A. Gudiño e o diplomata brasileiro José
Oswaldo de Meira Penna158. Entre os europeus, destaque para Joseph Luns, membro do
partido Católico holandês e ex-secretário geral da OTAN, estando representadas também
a França e a Espanha. Outros países com membros na diretoria foram Israel, Japão, Coreia
do Sul, Filipinas e Tailândia.
Além do fato de o próprio fundador da Igreja da Unificação ser um grande
empresário159, a documentação colhida juto aos arquivos norte-americanos não evidencia
o nexo entre seus empreendimentos e a classe burguesa. Os arquivos brasileiros, contudo,
guardam uma carta enviada pela organização para o cônsul-geral Carlos Eduardo Alves
de Souza, convidado a participar de conferência a ser realizada em Denver, Colorado, em
1983. Ali é dito que as atividades da CAUSA eram “fundeadas por interesses empresariais
conectados com a Igreja da Unificação”160. Papéis brasileiros, juntados neste mesmo
dossiê, mostram também seus elos com outras organizações do Partido da Fé Capitalista,
evidenciados pela presença de Terry Dolan, um dos fundadores da Moral Majority, na
Primeira Conferência Norte-americana da CAUSA, ocorrida em Montego Bay, Jamaica,

158
Veremos Meira Penna mais detidamente na Parte III.
159
O “reverendo” Moon foi dono do Tongil Group, conglomerado sul-coreano com subsidiárias nos ramos
de turismo, farmácia, bélico e editorial, e da corporação de mídia News World Communications, possuidora
de diversos veículos de comunicação impressa por todo o mundo.
160
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
153

em março de 1983, com “cento e oitenta participantes dos Estados Unidos e Canadá”.
Coube a Dolan moderar um painel que discutiu “as várias maneiras de ajudar imigrantes
recentes em nosso país a aprender nossa língua e encontrar empregos para sustentar suas
famílias, ao invés de tornarem-se dependentes de programas públicos de bem-estar”.
A CAUSA International, entretanto, é apenas um entre dezenas de braços
executores161 das ações ideológicas mundiais empreendidas pela Igreja da Unificação.
Maiores informações são trazidas pela documentação concernente a outro aparelho
ideológico sob seu controle, a International Cultural Foundation, que realizou uma grande
conferência internacional em Seul no ano de 1981, mostrando de forma ainda mais
patente o elo entre a organização do reverendo Moon, setores acadêmicos, o empresariado
e outras associações religiosas. O evento em questão foi a décima edição da Conferência
Internacional sobre a Unidade das Ciências, que contou com discurso de abertura de teor
anticomunista do reverendo Moon e teve em sua plateia empresários e líderes religiosos,
apesar de versar mormente sobre temas científicos. Sabemos dos detalhes da conferência
graças a documentação162 produzida pelo órgão de inteligência da ditadura brasileira, o
Serviço Nacional de Informações - SNI, em virtude do grande interesse que o Serviço
tinha com relação às atividades ideológicas patrocinadas pela seita Moon e do fato de
alguns brasileiros terem sido convidados163. Em sua maioria, a plateia era formada por
cientistas e acadêmicos de alguma projeção, muitos dos quais teólogos e dirigentes de
organizações educativas religiosas, atestando, segundo palavras do araponga brasileiro
redator do documento, “a grande penetração que desfruta a “International Cultural
Fundation” no mundo” (sic). Contudo, estavam também ali importantes capitalistas,
como chefes de multinacionais e de associações empresariais. Apareceram, por exemplo,
o brasileiro Mário de Mari, empresário da construção civil e ex-presidente da Federação
das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP); o norte-americano Leslie W. Ayres, presidente
da Variflex Corporation; o suíço Eugene E. Galantay, membro assistente da diretoria da
multinacional farmacêutica Sandoz; o norte-americano Alvin Yudoff, presidente da

161
Segundo o The Cult Education Institute, iniciativa de membros da New Jersey Library Association e da
American Library Association que objetiva “estudar cultos destrutivos, grupos e movimentos
controversos”, o número de organizações sob o controle da igreja fundada por Sun Myung Moon conta-se
às centenas (ORGANIZATIONS Controlled By And/Or Associated With Moon, [s.d.]).
162
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espírito Santo para a
Unificação do Cristianismo Mundial. Arquivo Nacional. Código de referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.81001953 - Dossiê. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0002de0005.pdf>. Acesso em: 30 set. 2020.
163
Voltarei a eles na terceira parte deste trabalho.
154

Silvermine Films Inc. de Nova Iorque; o guatemalteco Francisco Javier, diretor do


Instituto Centroamericano de Investigación y Tecnologia Industrial; e o venezuelano
Alberto Cisneros-Lavaller, diretor do neoliberal centro de pesquisa e ensino Instituto de
Estudios Superiores de Administración. Da parte religiosa, compareceram os norte-
americanos Edwin K. Ang, chefe do Unification Theological Seminary; Mose Durst,
presidente da Igreja da Unificação dos Estados Unidos; Carlos Tapia-Ruano, pastor da
Igreja Metodista Unida em Chicago; e o metodista Thomas C. Oden, teólogo e membro
diretor de uma importante organização da direita cristã norte-americana que veremos
adiante, o Institute on Religion and Democracy.
Sob o patrocínio da News World Communication, empresa do conglomerado
controlado pelo reverendo Moon, em outubro de 1982 acontece a V World Media
Conference, também em Seul. Teve o evento a presença, como veremos no capítulo 8, de
um jornalista brasileiro, um membro da Escola Superior de Guerra - ESG164 e um
integrante do DOPS de São Paulo. Além deles, foram recebidas 270 pessoas, vindas de
74 países. Segundo matéria do jornal The Korea Herald, constante num amplo dossiê165
da Divisão de Segurança e Informações166 do Ministério das Relações Exteriores sobre a
Igreja da Unificação, o tema da conferência foi “Problemas Sociais e Valores na Mídia”,
vistos sob um prisma anticomunista, o que pode ser depreendido dos títulos das falas e da
composição dos palestrantes, atendendo jornalistas, acadêmicos e autoridades de todo o
mundo Ocidental. Alguns dos falantes foram o ex-embaixador norte-americano no Japão,
Douglas MacArthur II; o francês Jean-François Revel, ex-editor da revista L'Express;
Enrique Altamirano, Editor do jornal Diario de Hoy e fundador do Instituto de Estudos
Sociais e Econômicos Salvadorenho; Ron Ben-Yshai, âncora de jornal televisivo
israelense; Kioschi Nasu, ex-cônsul-geral do Japão em Nova Iorque; o escritor peruano

164
A ESG foi Criada em 1949, vinculada ao Ministério da Defesa brasileiro, com a cooperação de militares
norte-americanos e inspirada no National War College, instituição dedicada ao treinamento de militares de
alta patente daquele país. Vicente Gil da Silva (2020, p. 319 e 327), em tese onde investigou o planejamento
e a execução de uma campanha de combate ao comunismo, junto aos países da América Latina, considera
que a ESG foi projetada para ser “um instituto nacional de altos estudos destinado a desenvolver e
consolidar conhecimentos relativos ao exercício de funções de direção ou planejamento da segurança
nacional”, sendo uma das questões mais debatidas em seu interior “a organização do combate anticomunista
no Brasil, especialmente em seus aspectos relacionados a atividades de inteligência”.
165
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
166
As Divisões de Segurança e Informações – DSI eram órgãos de inteligência instalados em todos os
ministérios e conectados ao Serviço Nacional de Informações - SNI. Uma de suas principais atribuições era
a vigilância do corpo de funcionários ministeriais a fim de detectar dissidentes políticos.
155

Mario Vargas Llosa167; Lloyd M. Bucher, capitão aposentado da Marinha, que comandou
o navio U.S.S Pueblo, capturado por forças norte-coreanas; o general John K. Singlaub;
o ex-vice-presidente do Vietnã do Sul Nguyen Cao Ky; Misael Pastrana Borrero, ex-
presidente da Colômbia e Lucia Pinochet de Garcia, filha do ditador chileno Augusto
Pinochet.

5.3 – O clube de empresários cristãos Laymen's National Bible Association

Outro fórum para religiosos, empresários e funcionários do Estado discernível na


documentação foi a associação religiosa para empresários leigos denominada Laymen's
National Bible Association (Associação Bíblica Nacional dos Leigos). Fundada em 1940
e em atividade até o presente, a Associação foi parar nos arquivos da CIA ao convidar o
então diretor da Agência, William H. Webster, para substituir o presidente Ronald
Reagan, que por incompatibilidades de agenda não poderia comparecer, num almoço em
18 de novembro de 1988 em comemoração à Semana Bíblica Nacional. Assinava o
convite168 o empresário e ex-diplomata Gilbert A. Robinson, dono da Gilbert A. Robinson
Inc., firma voltada para a consultoria de empresas sobre comércio internacional, relações
com governos e comunicação. Como Robinson, poucos norte-americanos encarnaram de
forma tão visível o nexo entre o mundo empresarial, o religioso e aos aparelhos
estritamente estatais voltados para a relação dos país com o resto do mundo. Foi ele
embaixador e conselheiro especial sobre diplomacia pública do secretário de Estado
George Shultz entre 1983 e 1985; diretor adjunto da United States Information Agency -
USIA; membro da delegação norte-americana na Conferência de Ministros Estrangeiros
da Organização dos Estados Americanos em 1987; conselheiro de assuntos públicos na
Commission on Long-term Defense Strategy entre 1987 e 1988; presidente do Comitê de
Informação Internacional do governo norte-americano no National Security Council entre
1981 e 1983; membro da delegação para a independência de Antigua em 1983 e
comissário geral da exibição dos Estados Unidos na Exposição Internacional de Tsukba,

167
Em outra parte deste trabalho, veremos o escritor defendendo a organização missionária norte-americana
Instituto Linguístico de Verão (Summer Institute of Linguistics) de denúncias de crimes que teria cometido
no Peru.
168
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to Gilbert A. Robinson
from William H. Webster. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP90G01353R002000010007-6. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp90g01353r002000010007-6>. Acesso em: 01 out. 2020.
156

no Japão, em 1982. Também manteve cargos de chefia num punhado de associações


voluntárias como a Corporations to End World Hunger Foundation (Fundação das
Corporações para Terminar com a Fome do Mundo) e a National Bible Association
(GILBERT A. Robinson, [s.d.]). Estava o longevo Robinson também presente na
conferência Foreign Aspects of U.S. National Security de 1958, quando ocupava o cargo
de assistente especial para tratados comerciais do Departamento de Comércio dos Estados
Unidos.
No papel entregue ao número um da CIA, a LNBA é descrita como uma
“organização interfé” que trabalha com todas as denominações religiosas, sem manter
vínculos de dependência com nenhuma. Dirigida por leigos, a associação entretanto
contava com diversos líderes religiosos em seu rol de “co-presidentes honorários”, como
o fundamentalista Billy Graham e o arcebispo católico John F. Whealon.
O propósito da reunião para a qual Webster fora convidado, para a qual esperava-
se a presença de “por volta de 450 líderes religiosos e de negócios de todo o país”, seria
“lembrar todos os americanos da importância da Bíblia, motivar a leitura e o estudo da
Bíblia, e reafirmar os princípios fundadores dos Estados Unidos”. Paralelamente, a
organização planejava para a Semana Bíblica o lançamento de uma campanha pública de
mídia, criada voluntariamente pela empresa WernerChepelsky & Partners e girando sobre
o tema “Para Saber Aonde Você Está Indo, Leia a Bíblia”, além de eventos realizados por
7.500 “grupos cívicos, escolas, bibliotecas, lojas de livros, igrejas e sinagogas” por todo
o país, providos de material fornecido gratuitamente pela LNBA.
O papel traz uma lista completa com os membros diretores da organização,
constituída quase toda de grandes empresários. Estavam ali, por exemplo, William Smith
Kanaga, seu presidente nacional e chefe do conselho consultivo da empresa de
contabilidade Arthur Young & Co., que em 1989 funde-se com a Ernst & Whinney
tornando-se Ernst & Young, uma das maiores empresas deste ramo do mundo. Abaixo de
Kanaga, vemos Thomas L. Philips, secretário, presidente da empresa de material bélico
Raytheon Company; Thomas A. Murphy, conselheiro, membro da General Motors Corp.;
James E. Lee, conselheiro, membro da Chevron Corporation; Howard C. Kauffmann,
conselheiro, membro da Exxon Corporation; Donald E. Precknow, conselheiro, membro
da AT&T Technologies Inc.; e John J. Riccardo, conselheiro, membro da Chrysler Corp.
Muitos dos seus membros participaram também de algumas das iniciativas da mesma
natureza anteriormente abordadas. Sobre essa interpenetração, falarei mais em outra parte
deste trabalho, mas noto por hora que um velho conhecido nosso, o empresário Joseph
157

Peter Grace, presidente da multinacional W. R. Grace & Co., como vimos ligado ao IPES
do Rio de Janeiro, foi secretário da Laymen's National Bible Association.
Por último, cabe acrescentar que algumas importantes associações laicas também
aparecem ali como parceiras da LNBA. Este é o caso das Câmaras de Comércio dos
Estados Unidos e da AFL-CIO, organização sindical que volta a aparecer em outras
organizações participadas por líderes religiosos, intelectuais e funcionários do Estado
para a projeção internacional dos planos do empresariado daquele país.

5.4 – O governo Reagan reforça o foco nas organizações associativas na guerra


ideológica

Eleito por uma coalizão conservadora sustentada de maneira substancial por


líderes religiosos e suas várias organizações, a documentação sugere que Ronald Reagan
procurou aprofundar o papel de instituições associativas oficialmente situadas fora do
âmbito estatal na batalha ideológica contra o socialismo. Para tanto, patrocinou encontros
entre os representantes dessas organizações, muitos dos quais chefes religiosos,
empresários e membros de sua equipe governamental, buscando não apenas uni-los numa
pauta geopolítica comum, mas também coordenar suas ações em âmbito global.
A primeira iniciativa dedicada a este fim encontra-se registrada em memorando169
secreto de 30 de julho de 1982 do Departamento de Estado. Assinado pelo diplomata
Mark Palmer, o documento contém um esboço de reunião “sobre ação política”, restrita
a funcionários da administração Reagan, entre eles o diretor da CIA William J. Casey,
que aconteceria em princípios de agosto daquele ano a fim traçar um plano para que os
Estados Unidos tomassem a dianteira da “ofensiva política internacional”. Procurava-se
principalmente produzir um “consenso doméstico sobre a política externa”, que a política
de direitos humanos da administração Carter teria falhado em atingir com sua “moral de
dois pesos e duas medidas”. Pretendia-se, assim, firmar novas bases para a construção
desse consenso, dessa vez alicerçado nos “valores tradicionais americanos”. Tratava-se
novamente de tentar capturar corações insatisfeitos e trazê-los para a órbita norte-

169
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Agenda for Meeting on Political
Action August 5 1982. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP84B00049R001102750018-
2. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp84b00049r001102750018-2>.
Acesso em: 27 set. 2020.
158

americana, uma vez que “aqueles no instável Terceiro Mundo dispostos a arriscar suas
vidas por objetivos políticos tendem a ser marxista-leninistas ao invés de a favor das
forças democráticas pró-ocidente”. Imaginava-se que a vitória norte-americana nesta
“competição política” apenas poderia ser atingida “apelando-se ao senso de justiça das
pessoas, aos seus medos e esperanças”. Concretamente, propunha-se a concessão de
auxílios financeiros, além de “oferecer às pessoas um programa político e praticar ações
concretas para organizá-las”, prestando “ajuda política, treinamento e organização às
forças democráticas lutando por influência tanto nos países comunistas como naqueles
não comunistas”. O projeto sugeria, enfim, a execução de “campanhas políticas, usando
recursos confidenciais e não-confidenciais e combinar esforços governamentais e
privados, aqui e por todo o mundo”. Tal “mobilização de forças privadas” envolveria
“sindicatos, partidos, organizações para a juventude, igrejas e negócios” numa ação
articulada seguindo uma pauta de ação política baseada nos conceitos de “democracia,
crescimento econômico, segurança e paz”, enfatizados por “iniciativas políticas
presidenciais”. Entre os grupos privados mencionados, era observado que apenas a
organização sindical AFL-CIO estaria conseguindo satisfatoriamente minar a influência
soviética entre os trabalhadores. Sobre as igrejas, ainda que a documentação aqui exposta
mostre seu ininterrupto papel com os mesmos fins, os membros da Casa Branca
acreditavam que a vantagem também neste front da guerra ideológica era dos soviéticos,
que organizavam “conferências sobre religião e paz”, enquanto carecia ao governo norte-
americano estabelecer contatos mais sistemáticos com “a maioria dos líderes das
principais religiões do mundo”. Por último, são relatados gastos públicos projetados para
1983 de 500 mil dólares para a realização de “estudos de programas de contrapartida”
para energizar as organizações associativas mencionadas, incluídas as religiosas, e a
intenção de estimular um “significativo financiamento privado”.

5.4.1 – O Grupo de Trabalho para Assistência da América Central

Tudo indica que o plano foi posto em prática, uma vez que já em princípios de
1983 a administração Reagan lançou um “Grupo de Trabalho para Assistência da
América Central”170 cuja composição, bem como as discussões, havidas entre maio e

CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Speakers for the White House
170

Outreach Working Group on Central America. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
159

setembro daquele ano, reverberaram as diretrizes acima. As exposições ali realizadas


couberam a altos funcionários do governo Reagan, congressistas, membros de
associações privadas sediadas tanto nos Estados Unidos como em nações da América
Central e dissidentes políticos provenientes do segundo grupo de países. Aos agentes
formalmente empregados pelo Estado, coube sobretudo sensibilizar a plateia quanto a
importância das ingerências norte-americanas na América Central. Em torno desse tema
gravitaram por exemplo falas como a do assistente do secretário de Estado, Richard
McCormack, intitulada “As Implicações Econômicas da América Central para os Estados
Unidos”; a do membro do Conselho de Segurança Nacional, John Lenczowski, “O
Esforço Soviético na América Central”; do assistente especial do presidente, Walter
Raymond, “O Esforço Cubano na Nicarágua”; e do secretário da Marinha, John F,
Lehman, “A Importância Estratégica do Mar do Caribe”. Os dissidentes ouvidos
encontram-se todos com seus nomes tarjados, mas suas filiações e o teor de suas falas
estão públicos. Ali estavam um membro de um grupo Contra denominado Força
Democrática Nicaraguense, que falou sobre a realidade do país sob o regime comunista;
um nativo da etnia Misquito, que apresentou seu ponto de vista sobre o tratamento
conferido ao seu povo pelo governo sandinista; um ex-oficial de inteligência do governo
nicaraguense, falando sobre o treinamento militar no regime sandinista; e um refugiado
judeu da Nicarágua, cuja fala intitulou-se “Os Sandinistas contra os Judeus”. Já entre as
organizações associativas e empresariais, e neste caso os nomes dos participantes também
estão censurados, compareceram um membro da judaica Liga de Antidifamação, falando
da perseguição aos judeus na América Central; o diretor executivo da Associação
Nacional para o Empreendimento Privado em El Salvador, com a palestra “A América
Central sob o Ponto de Vista do Homem de Negócios” e o diretor da empresa de
iluminação New World Dynamics, que falou sobre a realidade corrente de El Salvador.
Para além da lista de falantes, o documento traz uma relação das organizações que
frequentaram o Grupo de Trabalho, como empresas multinacionais e associações privadas
diversas, abrangendo as categorias às quais o documento de 1982 procurava conferir
apoio, organização e parcerias, como a Associação Americana das Câmaras de Comércio
na América Latina; a organização indígena dissidente Miskitos Sumos Ramas Indian

RDP85M00364R001803590011-7. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-


rdp85m00364r001803590011-7>. Acesso em: 27 set. 2020.
160

Organization; a American Society for the Defense of Tradition, Family and Property 171;
e a associação de jovens Young Americans for Freedom; além, é claro, de diversas
organizações religiosas. Entre os empresários, perfilavam representantes de
multinacionais como a Dow Chemical Company, a Exxon Corporation, a Fink Bank
Corporation, a General Electric, a Goodrich Co., a Goodyear Tire & Rubber Company, a
International Banana Association e a United States Steel Corporation. Já os religiosos
estavam representados por diversas associações judaicas, a católica Catholic Writers &
Artists Group e vários grêmios evangélicos e ecumênicos, alguns dos quais veremos
melhor adiante, como o laboratório de ideias religioso Institute on Religion and
Democracy; a organização pentecostal Maranata Campus Ministries; a Moral Majority,
principal órgão partidário da direita cristã naquele momento; e a também partidária
National Christian Action Coalition. Por último, o documento revela que numa rodada
anterior o GT recebeu a já mencionada organização midiática evangélica conservadora
National Religious Broadcasters, para a qual foi apresentado informe sobre a situação da
América Central.
Coordenado pela assistente de relações públicas de Reagan, Faith Ryan
Whittelesey, os arquivos da CIA guardam ainda a transcrição172 de outra reunião do GT,
agora em maio de 1984. Desta vez, a vontade de envolver associações religiosas na
desestabilização do governo nicaraguense se mostra de forma ainda mais explícita,
girando o discurso de abertura proferido por Faith em torno do ateísmo autoritário do
governo nicaraguense e as dantescas agruras sofridas por pessoas de fé naquele país. As
demais falas versaram sobre o mesmo tema, cabendo-as à freira católica Geraldine
O'Leary Macias; ao pastor pentecostal Prudencio de Jesus Baltodano; a Wycliffe Diego,
respectivamente fundador e coordenador de duas associações de indígenas dissidentes, a
ALPROMISU e a MISURA; e Humberto Belli, antigo editor do jornal nicaraguense de
oposição La Prensa que, no ano seguinte, lançaria o libelo Breaking Faith: The Sandinista
Revolution and Its Impact on Freedom and the Christian Faith in Nicaragua (Destruindo
a Fé: A Revolução Sandinista e seu Impacto na Liberdade e na Fé Cristã na Nicarágua).
Expulso do país em 1982, Belli geria uma organização com declarados fins educativos

171
Trata-se da representação norte-americana, fundada em 1973, da organização ultraconservadora de
cunho católico Tradição, Família e Propriedade. Idealizada em 1960 pelo brasileiro Plinio Corrêa de
Oliveira, atualmente possui encarnações em diversos países do mundo.
172
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Transcript on Central America.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP86M00886R001200340008-7. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp86m00886r001200340008-7>. Acesso em: 29 set.
2020.
161

chamada Instituto La Puebla, formuladora de “respostas cristãs aos problemas das


mudanças sociais” e opositora da Teologia da Libertação.
Abrindo os trabalhos, Faith apresentou seu entendimento muito particular sobre a
irremediável incompatibilidade entre o marxismo e a religião, uma vez que “a aliança
com Deus impede a total aliança e a subjugação pelo Estado, que de acordo com Marx, é
o veículo para a transformação secular do homem em Deus”, destacando também a
inevitável virulência direcionada aos homens de fé por parte dos regimes socialistas.
Assim, o cerco aos religiosos nicaraguenses se fecharia na mesma medida em que os
sandinistas se consolidavam no poder, cabendo aos evangélicos, “assediados, presos e
mesmo torturados”, especial hostilidade. Convidado a confirmar as palavras de Faith, o
pastor Prudencio Baltodano relatou torturas e mutilações que teria sofrido ao ser
confundido com um membro das forças Contra, meramente por preconceito de sua
condição de pentecostal. Segundo Baltodano, semelhante perseguição ocorreria de
maneira generalizada no país, acossando evangélicos de diversos tipos.
Também pelo viés da religião, a assessora de Reagan passou em seguida a
enquadrar o conflito entre o povo Misquito e o governo socialista. Segundo Faith, os
sandinistas estariam implementando uma “política de etnocídio indígena”, interferindo
violentamente no modo de vida dos misquitos, muito centrado em suas igrejas, sendo
aquele povo em sua maioria aderente à fé cristã e dividido entre católicos e evangélicos,
estes últimos concentrados na Igreja dos Irmãos Morávios e na pentecostal Igreja de Deus
(Church of God). Quadro endossado, em seguida, por Wycliffe Diego, líder de
organizações com propósito declarado de proteger os interesses misquitos, acrescentando
que até aquele momento os sandinistas teriam queimado cinco mil habitações e 57 igrejas
pertencentes àquele povo. Foi auxiliado em sua fala pelo membro do Departamento de
Estado Donald Barnes. Humberto Belli, por sua vez, denunciou a “aliança” entre
sandinistas e parte do clero católico nicaraguense filiada à Teologia da Libertação. Em
sua ótica, uma das “melhores armas dos Sandinistas para legitimar sua repressão aos
cristãos nicaraguenses” seria a “cumplicidade” dos cristãos por todo o mundo, simpáticos
à essa linha teológica. Seu trabalho à frente do Instituto La Puebla buscava, portanto, a
destruição da Teologia da Libertação e de sua influência por todo o mundo. De maneira
complementar, a freira Geraldine Macias pintou a Teologia da Libertação como uma
tentativa de infiltração cubana nas igrejas, que, imitando a linguagem cristã, consegue
“confundir os cristãos com facilidade, pois os cristãos não são treinados em política”.
162

6 - Conclusão

Vimos nas páginas precedentes como a construção de um consórcio empresarial-


religioso, embalado pelo Estado restrito norte-americano desde princípios da Guerra Fria,
articulou-se numa ação regular, de longo prazo, para o benefício da preeminência mundial
dos interesses político-econômicos dos Estados Unidos. Demonstrei aqui que um mesmo
fio condutor trespassa os inúmeros fóruns devotados ao planejamento de ações político-
religiosas com impacto dentro e fora daquele país: a disputa de espaços com o bloco
socialista, traduzida na garantia da presença norte-americana e de suas empresas em
diferentes partes do planeta, mas sobretudo no mundo periférico. A repetição de um
conjunto de atores, tanto no campo religioso como empresarial, reforça a conclusão de
que, ao olharmos a atuação política e ideológica das agremiações religiosas norte-
americanas pelo mundo, estamos diante não de iniciativas desconexas, mas sim de um
projeto organizado, com uma direção clara e com a idade de muitas décadas.
163

CAPÍTULO 4
Os braços executivos do Partido da Fé Capitalista nos Estados Unidos e resto do
mundo

1 – Introdução

No capítulo anterior abordei os fóruns de discussão e planejamento, onde o


empresariado delineou as linhas gerais de um plano ideológico transatlântico acoplado a
interesses econômicos, juntamente com intelectuais leigos e religiosos e funcionários
governamentais. Plano que se propunha a conter a influência socialista pelo mundo,
afirmando “ideais verdadeiramente democráticos”, como queriam os ideólogos da
FRASCO; propagando mensagens de liberdade que repelissem o autoritarismo ateu,
conforme sugerido pelo empresário David Sarnoff; além de “espalhar ideais de
democracia, crescimento econômico, segurança e paz”, impulsionando valores
tradicionais americanos pelo globo, conforme o Departamento de Estado de Reagan. A
centralidade da religião neste plano transparece na ênfase à “verdade religiosa como
sustentáculo principal da liberdade humana” e na proposição de uma “contraofensiva
ideológica e espiritual” (FRASCO), bem como na idealização de uma “arma do espírito”
pelo líder evangélico Edwin T. Dahlberg. Seus fins econômicos também foram expostos
de maneira transparente: “Promover a liberdade e um sistema econômico ordeiro capaz
de proporcionar sustento material para a família e para as mais altas realizações da cultura
humana, sem cair nos erros do estatismo e do coletivismo, o capitalismo” (FRASCO),
impulsionar a “Crença no sistema de livre empreendedorismo” (Council for National
Policy) e afastar a classe trabalhadora e os descontentes do mundo da tentação socialista,
conforme expresso por Sarnoff, pelos funcionários do Departamento do Estado sob
Reagan e pelo bispo Fulton J. Sheen.
Passarei agora a ver as mais importantes instâncias executoras destas diretrizes,
conectadas com os fóruns vistos no capítulo anterior, conforme comprova a sobreposição
de componentes entre eles. São elas divididas em grupos associativos de pressão política,
laboratórios de ideias, organizações interdenominacionais voluntárias dedicadas à
pregação religiosa em âmbito mundial e igrejas. Se no que tange esses três primeiros tipos
de organizações é possível dizer com grande segurança que sua prática concreta e seu
propósito convergem completamente com os parâmetros acima, no caso das igrejas a
164

situação é mais complexa. Não quero dizer, portanto, que todos os membros das igrejas
mencionadas tenham aderido ao projeto hegemônico que procurou envolvê-las, sendo
verdade que muitos dos seus membros opõem-se a ele, enquanto outros contribuem de
maneira involuntária, reproduzindo artefatos ideológicos de maneira acrítica. De todo
modo, será dado destaque aos grêmios religiosos pentecostais, em função de serem eles
os principais veículos ideológicos do Partido da Fé Capitalista em países periféricos,
como o Brasil, devido aos seus crescentes números e forte presença partidária. Olharemos
agora estas organizações no espaço geográfico norte-americano e demais partes do
mundo, excetuando-se o Brasil, que será visto na Parte III deste trabalho.
A lista de organizações contribuintes do nosso Partido da Fé Capitalista, no
entanto, é muito mais extensa. Precisei me concentrar naquelas descritas acima segundo
um critério que levasse em conta seu maior impacto sobre a política e sociedade, partindo
de uma relação prévia de organizações, formulada a partir de pesquisa bibliográfica. As
organizações listadas abaixo são as que figuravam na lista e que atingiram maior número
de menções nos arquivos oficiais norte-americanos.

2 – As metamorfoses do Partido da Fé Capitalista

Primeiramente, contudo, preciso observar que não se deve perder de vista as


transformações históricas deste movimento, lançado há mais de meio século. O Partido
da Fé Capitalista não é, portanto, algo monolítico, mas um conjunto de organizações que
se transformam e se sucedem, adquirindo novos traços ideológicos e métodos de ação
com o passar dos anos, mas sempre representando no plano ideológico um projeto de
dominação capitalista arquitetado sobretudo nos limites geográficos norte-americanos.
Suas linhas gerais são o anticomunismo e a apologia ao sistema de livre mercado, através
da aproximação retórica entre a democracia burguesa e as liberdades de empreendimento
e de culto, negadas pelo planejamento econômico socialista e sua cultura ateísta, e o
ocultamento da exploração do trabalho enquanto origem das mazelas sociais, para elas
prescrevendo soluções espirituais e caritativas. Inflexão mais recente colocou em pauta a
defesa de um liberalismo extremado, procurando reduzir a presença do Estado restrito às
suas funções mais elementares, reproduzida por todas as múltiplas ramificações atuais do
Partido da Fé Capitalista. Fato devido à consolidação mundial de um capital-
imperialismo, conforme exposto no capítulo 2, e à adoção de novo arcabouço teórico pelo
165

movimento fundamentalista, pilar do cristianismo conservador norte-americano: a


Teologia do Domínio, ou dominionismo. Redundando na intensificação mundial da
participação partidária de organizações religiosas, nos Estados Unidos essa inflexão fez
o movimento chocar-se com propostas de extensão da participação estatal em setores
econômicos como a saúde e a educação, podendo significar um racha entre frações da
burguesia norte-americana173. Suponho que tal coesão na direção do projeto religioso-
ideológico, mais facilmente conseguida nos tempos nervosos da Guerra Fria, onde o bloco
socialista apresentava-se como inequívoco adversário comum do empresariado
estadunidense, tenha se esgarçado nas últimas décadas do século XX em função de
disputas para a redefinição do espectro de atuação do Estado restrito no contexto da
derrocada soviética e do revigoramento do liberalismo ortodoxo. Sintomático desse racha,
as organizações político-religiosas em ação nos Estados Unidos voltam suas armas
atualmente inclusive para grupos que desempenham função destacada na projeção
mundial de interesses enraizados naquele país e com os quais colaboraram no passado.
Segundo Chris Hedges (2006, p. 194-5), alguns deles seriam a Comissão Trilateral e
fundações como a Rockefeller, a Carnegie e a Ford.
Dessa forma, ainda conforme Hedges (2006, p. 27), os comunistas deixaram de
ser os bodes expiatórios preferenciais no decorrer das metamorfoses do fundamentalismo,
no passado invariavelmente denunciados como causadores de todas as mazelas do mundo.
O “trono de Satanás” deixara o Kremlin para acomodar todos os partidários de um
“humanismo secular”, como os defensores da laicidade no Estado e na Educação,
materializada nas escolas públicas, e aqueles que defendem a construção de uma rede de
saúde pública que em casos especiais oferte até serviços abortivos.
Tudo isso enquanto o fundamentalismo adquiria tons mais bélicos com o
lançamento do dominionismo na década de 1970. A partir de então, passaram os
evangélicos politicamente conservadores a reproduzir uma “retórica da guerra”,
desenrolada tanto no plano espiritual como terreno, neste caso revelando seu nexo com a
indústria armamentista, e a adorar um Deus guerreiro cujos seguidores devem travar
constantes batalhas contra forças malignas que maquinam a destruição do cristianismo e
dos Estados Unidos (HEDGES, 2006, p. 145). Assim, o Partido da Fé Capitalista torna-
se ponta de lança na garantia dos interesses econômicos das empresas norte-americanas
em face das questões mais sensíveis do presente, como a crise ambiental, desacreditada

173
Sugerindo contradições entre setores burgueses norte-americanos, não encontrei na documentação,
entretanto, maiores informações capazes de sustentar essa hipótese, que permanece em aberto.
166

em púlpitos, publicações e programas de TV, e as demandas por novas fontes de petróleo,


demonizando muçulmanos e todos os que se interponham à hegemonia global do capital
estadunidense.
Como foi dito, o dominionismo imprimiu ainda outra característica ao
movimento: um nada frugal apetite pela política partidária, motivando o lançamento de
organizações eleitorais como a Moral Majority e a Christian Coalition, erguidas sobre a
convicção de que a batalha contra o diabo requeria a entrada do cristianismo conservador
nesta arena. Enfatizo aqui o termo “partidária”, pois parto do pressuposto de que o
conservadorismo religioso norte-americano organizado sempre fez política, finalidade da
ação ideológica das múltiplas associações aqui estudadas desde a década de 1950. Essa
nova etapa apenas viu um prolongamento do seu espectro de atuação, que passou a
abranger de maneira mais intensa as estruturas partidárias nos Estados Unidos e no
mundo.
Mais uma novidade foi a celebração da riqueza material consolidada na Teologia
da Prosperidade, outra inovação da década de 1970 através da qual o escamoteamento
retórico das causas sociais da pobreza passa a ser feito de forma mais explícita e eficiente,
facilitando também a negação dos prognósticos científicos sobre o esgotamento
ambiental. Faz isso apresentando soluções espirituais para a pobreza, no fundo apenas
uma questão de falta de fé, e cultuando um Deus provedor que garantiria um ilimitado
usufruto das dádivas naturais pelos seus adoradores.

3 – Principais grupos que estruturam o Partido da Fé Capitalista

Coligação multifacetada e heterogênea, o Partido da Fé Capitalista procura


envolver num projeto político comum religiosos de todos os tipos, inclusive estendendo
a mão para os ramos conservadores do catolicismo e do judaísmo. Sua liderança e maioria
numérica, entretanto, cabe às organizações evangélicas, sobretudo aquelas sediadas nos
Estados Unidos. Entre elas, têm papel de destaque os fundamentalistas e seus
simpatizantes, espalhados por quase todos os grêmios cristãos. Maior influência no
cristianismo conservador de raiz norte-americana, o movimento fundamentalista sempre
vertebrou as iniciativas aqui estudadas, fornecendo-lhes importantes quadros desde sua
origem, como Billy Graham, importante nas primeiras décadas da segunda metade do
século XX, e Pat Robertson, em destaque após os anos 1970. Muito influenciados por
167

eles e assíduos nas organizações aqui estudadas, sobretudo nos países pobres, os
pentecostais podem ser identificados como o segundo grupo de maior importância para o
movimento.

3.1 – Os fundamentalistas

O espaço de tempo que viu o nascimento do movimento fundamentalista cristão


norte-americano, o final do século XIX e início do XX, coincide exatamente com a fatia
cronológica investigada pelo historiador britânico Eric Hobsbawm no seu célebre A Era
dos Impérios. Não é fortuita, portanto, a ressalva ali feita por Hobsbawm (2001, p. 367),
que ao notar o recuo da religião nos núcleos urbanos dos principais países capitalistas do
mundo, acrescenta que possivelmente isso não se aplicasse aos Estados Unidos.
Não restrito a uma denominação, o movimento fundamentalista se alastra de
maneira transversal por diversas agremiações174 que compõem a paisagem evangélica
norte-americana, ainda que em seus primórdios tenha contado em suas fileiras com um
número maior de batistas e presbiterianos. Apesar de ter surgido no Norte, no Seminário
Teológico de Princeton em Nova Jersey, obteve sucesso especialmente no Sul, cuja maior
parte da população, desde a Guerra Civil, “tinha sido contra o liberalismo e modernismo,
que associavam com a cultura Yankee” (MARSDEN, 1991, p. 58). Aos dias de hoje
espalhados em várias igrejas, seus filiados e simpatizantes são um dos principais pilares
daquilo que chamo de Partido da Fé Capitalista, fornecendo membros para as inúmeras
organizações a ele vinculadas. Mas, afinal, quem são e o que querem os fundamentalistas?
Como vimos na Parte I, o fundamentalismo surge como um movimento de
oposição ao modernismo, sobretudo o teológico, pregando a infalibilidade, ou inerrância,
do texto bíblico em sua literalidade, e não apenas em questões circunscritas ao universo
teológico, mas sustentando a sua preponderância até em matérias históricas e científicas.
Outros traços fundamentais seus são a disposição em travar uma guerra cultural contra o
processo de secularização iniciado nos Estados Unidos175 entre o final do século XIX e

174
Conforme Marsden (1991, p. 3), em seus primeiros dias, os fundamentalistas formavam uma coalização
“ampla e complicada” que agrupava “militantes conservadores entre os batistas, presbiterianos, metodistas,
discípulos de Cristo, episcopais, grupos de santidades, pentecostais e muitas outras denominações”.
175
A ex-freira e professora de Literatura Moderna na Universidade de Londres, Karen Armstrong, chega
mesmo a supor que essa reação contra a modernidade seria comum às três grandes religiões monoteístas.
Sustenta-se, assim, que o termo “fundamentalismo” pode referir-se a movimentos no interior de cada uma
dessas tradições que, “apesar de suas diferenças, guardam forte semelhança” (2009, posição 74-75), o
168

XX; a aversão ao socialismo e a resistência à liberalização dos costumes, aspectos dessa


modernidade laicizante; e a visão dos Estados Unidos como a nação escolhida por Deus
para a liderança do mundo, sobretudo em questões espirituais.
Já em termos econômicos, um nexo entre o fundamentalismo e o liberalismo
econômico teria sido forjado em dois momentos-chave da história norte-americana, as
décadas de 1910 e 1920 e as de 1970 e 1980. No primeiro período, a convergência do
conservadorismo religioso com o econômico se deu em grande parte em função da atração
causada pela doutrina do Evangelho Social176 sobre a porção teológica liberal, impelindo
o polo conservador a descrever um movimento contrário, aproximando-se do
conservadorismo político e econômico. Outro estreitamento de relações entre
fundamentalistas e religiosos conservadores de um modo geral com conservadores
econômicos foram os anos 1970 e 1980 que viu nascer em terras norte-americanas um
movimento frequentemente referido como neoconservador. Conforme Daniel Rocha
(2020, p. 101-102) em matéria econômica influenciados, além dos pensadores liberais
clássicos, pela “dura crítica ao socialismo de Hayek” e a ênfase de Russell Kirk aos
valores tradicionais e à “prudência” diante das propostas de mudanças sociais, esses
novos conservadores passam a se articular a partir da eleição presidencial de 1964,
aglutinados pela candidatura do republicano Barry Goldwater, que apresentou uma
plataforma econômica ultraliberal. Outro aspecto da campanha de Goldwater que teria
contribuído para a aproximação foi o intenso anticomunismo e a oposição às lutas pelos
direitos civis, atraindo lideranças religiosas conservadoras, sobretudo fundamentalistas
sulistas. A articulação entre neoconservadores e fundamentalistas foi facilitada, ainda,
pela convicção, expressa pelos primeiros, de que “a religião teria um papel fundamental
dentro da sociedade ideal”. Assim, enfatizará Marsden (1991, p. 114) que os

repúdio à modernidade e suas descobertas, ameaçadoras das “verdades” grafadas em seus respectivos textos
sagrados, e a tentativa de transformar as bases de sua fé em argumento lógico, num quadro de “tensão
existente entre o místico e o prático” (2009, posição 6437-6437) característico do século XX. Assim, o
ressurgimento fundamentalista norte-americano dos anos 1970, encarnado pela Moral Majority, assemelha-
se a outras movimentos políticos de retorno à tradição religiosa que, no mesmo período, afloraram em
outras partes do mundo, como a derrubada do governo secular de Reza Pahlevi no Irã, as revoltas da
juventude islâmica no Egito contra o presidente Anuar Sadat, que acreditava-se atropelar a fé maometana
em suas aproximações com o Ocidente, e o surgimento de movimentos antisseculares em Israel.
176
Surgido em princípios do século XX, o Evangelho Social tinha como algumas de suas características
gerais a “rejeição explícita ao individualismo e o Laissez-faire econômico” (MARSDEN, 1991, p. 29) que
prevalecera na história recente do país, desejando, ao contrário, que o governo agisse para “aliviar os efeitos
mais duros de um incontido sistema de livre empresa”, preocupações que, simultaneamente, formavam o
núcleo da sua intepretação bíblica. Tais propostas coincidiam essencialmente com o pretendido pelos atores
políticos daquele momento tidos como progressistas, induzindo uma aproximação.
169

fundamentalistas exibem dois tipos de individualismo, ao “advogarem a economia liberal


clássica e em enfatizar a necessidade de uma relação pessoal com Jesus”.
Após 1925 o movimento entra numa fase de descenso diante da forte reação
pública contra a condenação do professor John Thomas Scopes, acusado de violar a lei
estadual do Tennessee ao ensinar a teoria da evolução numa escola pública. Apesar da
vitória legal do criacionismo, a cobertura midiática sobre o caso adquiriu tamanha
repercussão que acabou induzindo a aversão popular aos seus defensores, sobretudo os
fundamentalistas. Assim, “o adjetivo fundamentalista, antes ostentado com orgulho,
passou a ser sinônimo de ignorância e desinformação” (ROCHA, 2020, p. 96), passando
seus teóricos a ser vistos como “inimigos da ciência, das liberdades civis e do progresso”.
Na esfera teológica, a derrota dos fundamentalistas também foi contundente, seu
descrédito inflou o polo liberal ao ponto de torná-los minorias nas duas principais
denominações onde floresceram, a Batista e a Presbiteriana. A partir desse ponto acontece
uma cisão no movimento, com alguns de seus expoentes recusando-se a abandonar as
igrejas de origem, formando uma “resistência conservadora” (ROCHA, 2020, p. 97),
enquanto o ramo dito separatista partiu para formar suas próprias organizações177.
A “ressaca” provocada pelo caso Scopes suscitou, também, um afastamento
fundamentalista do mundo social, o que, ademais, estava “em consonância com as
expectativas de iminência do fim e da impossibilidade de haver justiça na Terra
precedendo a volta de Cristo” (ROCHA, 2020, p. 98), característica da escatologia
predominante entre a maioria dos seus partidários neste momento. Após a década de 1940,
contudo, a influência social fundamentalista volta a ser sentida sobretudo pelas mãos do
grupo positivo, que procurou dialogar com as várias igrejas no interior de organizações
interdenominacionais como a National Association of Evangelicals. Assim, Marsden
(1991, p. 71) fala numa “ressurgência fundamentalista”, impulsionada após os anos 1940
por uma rede de alianças costurada sobretudo pelo grupo liderado por Graham,
aproximações que incomodaram crescentemente os separatistas.
Dessa forma, apesar de certo pessimismo de alguns setores fundamentalistas com
a realidade social norte-americana onde a modernidade e seus males pareciam avançar de
maneira irrefreável, não se pode dizer, pelo menos desde a década de 1950, conforme

177
George Marsden (1991, p. 62, 68 e 73) refere-se àqueles que se mantiveram em contato com as grandes
denominações como “fundamentalistas positivos”. Já o segundo grupo, que virou as costas para elas,
fundando suas próprias igrejas, seminários, agências missionaristas, etc., como “fundamentalistas
separatistas” ou “fundamentalistas estritos”. O maior representante da primeira facção foi o batista Billy
Graham, enquanto filia-se à segunda o presbiteriano Carl McIntire.
170

mostra a documentação governamental dos Estados Unidos, que os fundamentalistas


tenham se mantido ausentes dos grandes debates nacionais. Participarão, portanto, dos
esforços desenvolvidos pelo Estado ampliado norte-americano para assegurar sua
hegemonia sobre o Ocidente desde os primeiros dias da Guerra Fria, sobretudo o grupo
positivo, liderado por Billy Graham. Sendo assim, empreenderão ações tanto externas,
combatendo o “comunismo ateu soviético”, quanto internas, consolidando sua
predominância ideológica ao perseguir os opositores dos seus dogmas e os simpatizantes
do socialismo (ROCHA, 2011, p. 590). Haverá, portanto, uma “grande participação de
lideranças fundamentalistas no período da “caça-às-bruxas” macartista” (ROCHA, 2011,
p. 590), enquanto sua atividade geopolítica não se resumirá à retórica, compreendendo,
por exemplo, ajuda monetária a governos centro-americanos (ROCHA, 2011, p. 591).
Segundo o jornalista Chris Hedges (2006, p. 140), sua ala mais radical mantém
elos históricos com organizações racistas como a Ku Klux Klan e aproximou-se do
nazifascismo durante a Grande Depressão, ao lado de parte do empresariado norte-
americano. Naquele momento, pregadores como Gerald B. Winrod e Gerald L. K. Smith,
fundindo o cristianismo com formas exacerbadas de nacionalismo e reunidos na Christian
Nationalist Crusade178, conceberam aquilo que Hedges enxerga como o protótipo de um
“cristofascismo”179 encenado de forma mais bem acabada pela direita religiosa no
presente.
Em fins dos anos 1950 esses fundamentalistas extremados transferiram-se para a
associação anticomunista e ultraliberal John Birch Society, fundada em 1958 por
capitalistas como o empresário do ramo alimentício Robert Henry Winborne Welch Jr.
Frequentava a Society, por exemplo, o pastor da Convenção Batista do Sul Timoty
LaHaye, um dos autores religiosos mais lidos nos Estados Unidos que, ao lado de sua
esposa Berverly, conduziu as primeiras campanhas contra livros didáticos seculares,
processando várias editoras. Ao lado do magnata petrolífero Nelson Bunker Hunt,
também membro da Society, LaHaye foi um dos fundadores (HEDGES, 2006, p. 188) de
outra importante organização que já abordei, o Council for National Policy. O mesmo

178
Ativa entre princípios da década de 1940 e finais da de 1970, a organização mantinha uma plataforma
política antissemita, anticomunista, racista e xenofóbica.
179
O termo foi cunhado pela teóloga alemã Dorothee Sölle, que buscou recuperar a relação promíscua entre
as igrejas alemãs e o Partido Nazista, fundamental para pavimentar a popularidade de Hitler. Adaptado para
o contexto norte-americano, o conceito foi apresentado a Hedges pelo professor de Ética no curso de
Teologia de Harvard, James Luther Adams, que em princípios dos anos 1980 identificava muitas
similaridades entre as organizações da direita cristã estadunidense e os grêmios religiosos que sustentaram
o nazismo.
171

LaHaye, juntamente com outros líderes fundamentalistas, como Jerry Falwell e Pat
Robertson, será um dos grandes responsáveis pela nova inflexão que o movimento sofrerá
na década de 1970, vindo a constituir, na visão de alguns, um “neofundamentalismo”
(ORO, 1996, p. 75), revigorado pelo debute partidário e equipado com modernos meios
de comunicação que multiplicarão o alcance de sermões, proferidos agora por famosos
televangelistas.
Neste momento, de maneira semelhante ao que Billy Graham fizera após os anos
1940, aglutinando fundamentalistas e outros cristãos conservadores, Falwell, apesar de
no passado ser mais identificado com os fundamentalistas estritos, forjará uma aliança
religiosa ainda mais ampla, incluindo, por exemplo “mórmons, judeus, católicos,
adventistas, apóstatas, neoevangélicos” (MARSDEN, 1991, p. 197).
Movimento que ganha projeção sobretudo após 1979180, com a fundação da Moral
Majority, primeira grande organização partidária da direita cristã, passando a ser a ação
política fundamentalista mais explícita e expressa em projetos de governo e discursos de
políticos conservadores (ROCHA, 2011, p. 591). Conforme Oro (1996, p. 97) dotada de
um nacionalismo agressivo, intenso militarismo e grande hostilidade ao movimento
sindical, concentrava-se a MM no apoio a candidatos que promovessem o avanço da sua
pauta moral, imprimindo na legislação preceitos religiosos. Também Enzo Pace (1990, p.
36), professor de Sociologia das Religiões na Universidade de Pádua e presidente da
International Society for Sociology of Religion, sublinha o ataque à laicidade do Estado
como traço distintivo da direita cristã. Orientada por tais princípios, uma das primeiras
grandes ações da Moral Majority foi a construção da vitória de Ronald Reagan à Casa
Branca em 1980.
Essa inflexão do fundamentalismo que deu origem a organizações como a Moral
Majority, segundo Chris Hedges (2006), no plano teológico, refere-se à eclosão de
inovações introduzidas ao longo da década de 1970 sob a forma do dominionismo.
Mimetizado no Brasil por grandes organizações pentecostais como a Igreja Universal do
Reino de Deus, o marco teórico principal do dominionismo é a obra The Institutes of
Biblical Law (As Instituições da Lei Bíblica), assinada em 1973 pelo teólogo norte-

180
Marsden (1991, p. 95) nota, contudo, que já desde 1976 estava claro que uma ampla porção de votantes
“evangélicos, fundamentalistas, e pentecostais-carismáticos” podiam ser mobilizados em torno das
principais demandas trazidas pela Moral Majority: o anticomunismo, o americanismo exacerbado e a defesa
de uma pauta moral conservadora e da liberdade para a realização de orações em escolas públicas.
172

americano Rousas John Rushdoony181. Calvinista, Rushdoony teria retirado inspiração do


Institutas da Religião Cristã, publicado por João Calvino em princípios do século XVI e
cuja proposta principal, segundo Hedges (2006, p. 12), é a criação de uma “sociedade
teocrática e repressiva”. Pintando o pensamento do teólogo francês com listras e estrelas,
Rushdoony indica os norte-americanos como o povo escolhido por Deus para fundar tal
Estado divino que submeteria o resto do mundo. Como neste país desejado as autoridades
laicas não teriam lugar, deve-se, portanto, reduzir o governo federal ao papel de zelar pela
segurança nacional, transferindo as suas demais atribuições para as igrejas.
Vertente que teria tomado o controle de todo o movimento no presente, cabe
portanto ao dominionismo o renovado interesse sobre as questões terrenas exibido pelos
fundamentalistas, chamados a “construírem o Reino de Deus no aqui e agora, quando
previamente acreditava-se que teríamos que esperar por isso” (HEDGES, 2006, p. 12).
Em sua ótica, os adversários da concretização deste projeto divino, como os que propõem
a liberalização dos costumes e a laicidade do Estado, os socialistas, as feministas, e
homossexuais, não passam de agentes de Satanás.
E foi assim que a pauta moral foi alçada a importante eixo da mobilização política
fundamentalista. Propaganda veiculada em 1983 pela Moral Majority, por exemplo,
exprimia o cansaço com o “modo com que vários expoentes amorais do secularismo
humanista e muitos liberais estão destruindo as melhores tradições da nação e os valores
da família” (ORO, 1996, p. 97). Os esforços para projetá-la na esfera de ação política
estatal irão se traduzir em campanhas deflagradas por diversas organizações pertencentes
ao Partido da Fé Capitalista contra a legalização do aborto, o uso de anticoncepcionais, o
reconhecimento dos direitos dos homossexuais e a igualdade jurídica das mulheres.
Representada por um punhado de associações, a direita cristã continua atuante no
ambiente partidário norte-americano e no brasileiro, dadas as suas conexões, que veremos
na Parte III, com as nossas maiores instituições religiosas evangélicas, por sua vez
progressivamente presentes nos três Poderes182. Volto então a uma questão de

181
Seria injusto, entretanto, colocar a edificação do dominionismo toda na conta de Rushdoony. De acordo
com Hedges (2006, p. 140), muito do arcabouço teórico consolidado na nova teologia foi inspirado na John
Birch Society do pastor Timoty LaHaye, um dos seus maiores propagadores até morrer em 2016. Outros
importantes divulgadores são Jerry Falwell e Pat Robertson, respectivamente fundadores de duas das mais
importantes organizações partidárias cristãs nos Estados Unidos, a Moral Majority, ativa na década de 1980,
e a Christian Coalition, nos anos 1990. Não é correto também supor que a crença no destino divino norte-
americano se iniciou com o dominionismo, uma vez que, como vimos, esse é um tema recorrente no
imaginário popular daquele país desde a sua fundação.
182
No momento em que escrevo ainda são frescas as palavras do presidente da República Jair Bolsonaro,
proferidas em culto evangélico ocorrido na Câmara dos Deputados em Brasília em 10 de julho de 2019,
173

importância crucial: para além dos motivos teológicos, por que os fundamentalistas
passaram, em meados dos anos 1970, a atuar partidariamente? A questão não está posta
de forma unívoca. Seus diferentes intérpretes levantam, porém, alguns fatores relevantes.
O padre e teólogo Florêncio Galindo (1996, p. 323) tende a atribuir na gênese da
Nova Direita Cristã uma importância que vejo como demasiada à Teologia da Libertação,
movimento cujas raízes Michel Löwy (2008, p. 1) localiza em princípios dos anos 1960.
Neste momento, a Juventude Universitária Católica brasileira (JUC), tomando como
inspiração o catolicismo progressista francês, esboça um projeto de ação religiosa atrelada
a um programa radical de mudanças sociais, ideias que encontrariam grande acolhida por
setores católicos e mesmo não católicos por todo o continente sul-americano,
consolidando-se na década de 1970 sob a forma mais acabada de uma Teologia. Para
Galindo, o relativo sucesso alcançado pelo movimento causara um “grande impacto na
política americana”, causando desconforto entre a direita continental, inclusive entre os
próprios católicos, e levando o fundamentalismo a se definir como um “movimento
teológico-político de linha contrária”.
A socióloga da religião Daniele Hervieu-Léger (1988, p. 27-8) detecta no
conturbado ambiente social norte-americano dos anos 1970 as razões para essa guinada.
Ali uma profunda crise social teria sido aberta pela conjugação dos efeitos políticos e
éticos de problemas que punham em xeque os valores formadores da identidade coletiva
norte-americana, como o dilema insolúvel trazido pela Guerra do Vietnã, o agravamento
da crise econômica, aprofundando por sua vez contradições sociais, e o aumento das
tensões próprias daquela sociedade multicultural. Ao mesmo tempo, a crise de Watergate,
que levou à renúncia do presidente Nixon, trazia à tona de maneira pungente as relações
entre a moral e a vida pública, completando um quadro de “desutopização” da América e
agravando o sentimento de insegurança coletiva. Nesse panorama de crise global, passaria
o antimodernismo fundamentalista a ser um remédio viável não apenas para as camadas
sociais inferiores, seu público tradicional, mas para grupos muito mais amplos,
desestabilizados pelo descrédito com os ideais de democracia e progresso. Hervieu-Léger,
de fato, toca num fenômeno importante e que não passou despercebido por estudiosos
brasileiros: a inesperada e “renovada capacidade de agregação e identificação” (SILVA,
E. 2017, p. 129) da religião em países industriais avançados durante os anos 1980, que
Silva relaciona com o surgimento da Moral Majority.

garantindo que um dos ministros que indicará ao Supremo Tribunal Federal “será terrivelmente evangélico”
(GORTÁZAR, 2019).
174

De forma mais sucinta, Antônio Gouvêa Mendonça (1984, p. 14) enumera fatores
como o desgaste decorrente da Guerra Fria e o acúmulo de fracassos tanto em conflitos
armados como na política externa dos Estados Unidos na década de 1960 e anos iniciais
da de 1970 como o gatilho para o surgimento de “iniciativas restauradoras” da então
abalada crença no papel especial na Terra reservado ao país. Neste ponto, cabe reparar
novamente no entrelaçamento entre religião e política, componente histórico da
religiosidade norte-americana e estruturador da visão de mundo fundamentalista,
sobretudo com o dominionismo, onde o país aparece portando uma vocação messiânica,
eleito por Deus para cumprir um papel diferenciado e exclusivo no concerto global (ORO,
1996, p. 73), liderando a promoção mundial dos valores democráticos183 e cristãos.
Tratava-se, num contexto conturbado, de recuperar o projeto original dos pais fundadores
da pátria norte-americana, a edificação de uma nação especial, projetada segundo o texto
bíblico para ser um “luzeiro para o mundo em trevas” (ROCHA, 2011, p. 589).
Por sua vez, Oro (1996, p. 104) acompanha o diagnóstico de Antônio Gouvêa
Mendonça e Hervieu-Léger sobre a crise política, econômica e social norte-americana
dos anos 1960 e 1970 deflagrando a crise de valores que favoreceu o renascimento
fundamentalista. Concede atenção especial, contudo, à fraqueza do protestantismo não
fundamentalista em prover respostas às inquietações coletivas, privando o país de um
importante cimento social, sua “religião civil”, agente de uma integração de longa data
grandemente fundada na partilhada crença na vocação messiânica dos Estados Unidos.
Indo além, Oro (1996, p. 103) supõe que o processo que chama de “mundialização”, em
vigor após a segunda metade dos anos 1970, produziu e agudizou desigualdades sociais,
operando, junto aos fatores destacados, em prol da crise de valores que favoreceu a
irrupção neofundamentalista, agora pensada não apenas em termos norte-americanos,
mas mundiais. Para ele, os efeitos psicológicos das mazelas trazidas por essa
“mundialização”, como o desemprego, a pauperização e a precarização das relações de
trabalho, enfim, a exacerbação de um materialismo frio e excludente, teriam demolido
vínculos de solidariedade, esfarelado identidades sociais, debilitado culturas, crenças e
valores e erigindo novas relações sociais nascidas sob o signo do interesse e da
superficialidade.

183
Falo aqui de uma concepção de democracia frequente entre o público religioso norte-americano segundo
a qual as instituições políticas do país e a sua Constituição retirariam inspiração de preceitos divinos,
conforme se viu no capítulo anterior.
175

Daniel Rocha (2020, p. 104) atribui a partidarização fundamentalista à crença


numa “dissociação entre moralidade e política”, implicando na retirada do favor divino
ao país, tida pelas porções religiosas conservadoras como a raiz dos problemas vividos
pelos Estados Unidos desde finais da década de 1960. Como castigo, multiplicavam-se
mazelas sociais, como protestos violentos, o aumento da criminalidade, e a “desagregação
das famílias”, supondo-se haver uma subida vertiginosa nos divórcios e no número de
mães solteiras; econômicas, com os efeitos da crise do Petróleo; e mesmo geopolíticas,
com a derrota no Vietnã. Neste quadro, urgia “colocar Deus novamente nas discussões
políticas”. Em termos concretos, trata-se do rompimento da “estabilidade da conservadora
década de 1950” (ROCHA, 2020, p. 99) e dos anos de crescimento econômico pós-
Segunda Guerra, que conteve as “rachaduras internas” daquela sociedade, alargadas pela
crise dos anos 1960. Na visão do pesquisador, outro fator determinante para a
partidarização fundamentalista refere-se às disputas sobre a política educacional,
especificamente no que tange o interesse das instituições de ensino confessionais. Dessa
forma, ao longo da década de 1970, e sobretudo durante o governo de Jimmy Carter,
consolidou-se entre as lideranças religiosas o temor “de que o governo federal estaria
buscando legislar e regular as estruturas organizacionais, educacionais e midiáticas
ligadas às igrejas e aos grupos religiosos conservadores” (ROCHA, 2020, p. 105), o que
punha em risco não apenas uma grande fonte de receita para as igrejas, mas também a
autonomia desses espaços onde o cristianismo conservador pôde historicamente se
reproduzir.
Por último, George Marsden (1991, p. 94) credita o sucesso da partidarização de
grupos religiosos conservadores à debacle, em finais dos anos 1960, de duas importantes
estruturas que ordenavam o funcionamento da sociedade norte-americana: o consenso
liberal em torno do New Deal, com o ressurgimento de propostas a fim de aprofundar a
liberalização da economia, conforme ilustrado pela vitoriosa campanha de Richard Nixon
em 1968, e a harmonia “liberal-protestante-católica-judaica-secular”, desfeita pela Guerra
do Vietnã, as revoltas negras e o movimento de contracultura. No fundo, porém, ainda
que muitos analistas vejam como uma excepcionalidade a penetração partidária de
fundamentalistas e evangélicos conservadores, Marsden (1991, p. 85) observa que “a
mistura de religião e política sempre foi uma parte da herança política americana”,
supondo, assim, “que a recente incursão política fundamentalista e evangélica pode ser
melhor entendida como a reedição de uma das maiores tradições políticas do país”.
176

Este trabalho, por sua vez, busca encontrar as razões para o fenômeno associando
a gênese do fundamentalismo partidário a mudanças ocorridas no plano econômico em
finais da década de 1970 e início da de 1980. Assim, conforme dito na Parte I, relaciono
a maior partidarização religiosa com a consolidação de relações capital-imperialistas por
todo o mundo, demandando um reforço da ação hegemônica de aparelhos privados de
hegemonia, entre os quais eu incluo os religiosos. Interpretação que não contradiz o que
supõe Assmann (1986, p. 22-27), que atribui o fenômeno, também, à “crise de
legitimidade do capitalismo em sua fase de definitiva transnacionalização”, demandando
um reforço da hegemonia empresarial diante da intensificação da exploração da classe
trabalhadora. Concordo também com Marsden, entendendo que o movimento foi
impulsionado pela ressurgência, no contexto acima descrito, do liberalismo ortodoxo,
frequentemente chamado de “neoliberalismo”, deixado temporariamente de lado nas
décadas após o New Deal e a reconstrução do mundo capitalista pós-guerra que teve que
lidar com a atração exercida pelo polo socialista sobre um mundo empobrecido. Reforça
essa percepção, conforme veremos no capítulo 4, ser o Partido da Fé Capitalista
financiado em grande parte pelas indústrias do tabaco, do álcool e das armas, muito
tributadas nos Estados Unidos, portanto interessando sobremaneira a este setor a ampla
liberalização da economia. Da mesma forma, não por acaso uma das primeiras medidas
do governo Reagan, eleito com importante apoio do cristianismo partidarizado, foi a
proposição de uma emenda constitucional com o fito de limitar os gastos governamentais,
apresentada como uma correção à hipertrofia estatal iniciada nos anos de Franklin
Roosevelt. Conectadas às grandes corporações multinacionais, as organizações cristãs
norte-americanas em ação global passam a somar à sua militância anticomunista,
consolidada na década de 1950, uma maior defesa da liberalização econômica e redução
do aparelho estatal. Farão isso muitas vezes de maneira dissimulada, relacionando uma
alegada decadência moral e religiosa com problemas originados sobretudo na exploração
do trabalho, assim desviando olhares das causas reais desses males, ou levantando
bandeiras religiosas a fim de reduzir a presença do Estado laico na educação e na saúde.
Para tanto, demandarão a extinção das escolas públicas, onde livros religiosos e preces
em voz alta são proibidas, e moverão raivosas campanhas contra o aborto, tencionando
brecar propostas de maior participação estatal na saúde que incluem a prestação de
serviços abortivos em circunstâncias especiais. Em outros casos, ainda, não hesitarão em
propagandear o livre empreendedorismo como o único mecanismo capaz de zelar pelo
correto funcionamento social.
177

3.2 – Os pentecostais

Se precisássemos descrever para o pentecostalismo uma genealogia até suas raízes


mais fundas, chegaríamos ao anglicanismo, posteriormente ao metodismo e, finalmente,
a um movimento ocorrido nos Estados Unidos no século XIX chamado Santidade, ou
Holiness (MATOS, 2019, p. 10). Trata-se, portanto, do produto de “um longo processo
de mutação do campo religioso norte-americano” (CAMPOS, 2005, p. 112-113),
retrocedendo alguns de seus elementos a tempos anteriores à fundação do país. O marco
inicial mais aceito para o início do movimento, porém, seria os anos de 1901 e 1906,
quando suas características principais foram fixadas, como vimos, pelos pregadores
Charles Fox Parham e William Joseph Seymour, respectivamente nas cidades de Topeka,
no Kansas, e Los Angeles, na Califórnia (CAMPOS, 2005, p. 104).
Dali foi um passo para que o pentecostalismo se institucionalizasse sob várias
igrejas, que se multiplicavam nos Estados Unidos já nas primeiras décadas do século XX
e cujas sementes eram lançadas em todo o mundo por intrépidos missionários.
Atualmente, o grêmio pentecostal mais importante numericamente nos Estados Unidos e
fora dele, é a Assembleia de Deus, seguida pela Church of God, grande nos Estados
Unidos e em alguns países africanos, mas inexpressiva no Brasil.
Conforme Marsden (1991, p. 43), as inúmeras denominações pentecostais
mantiveram-se “relativamente pobres até a segunda metade do século XX quando seus
esforços missionários floresceram num movimento mundial majoritário”. Assim, elas
aparecem frequentemente na documentação do Estado norte-americano, por todo o
planeta ocupando espaços abertos por gigantes organizações missionárias
interdenominacionais e por uma política de “liberdade religiosa” seletiva praticada pelo
Departamento de Estado.
Suas principais igrejas desenvolvem programas filantrópicos que pretendem
aliviar os efeitos da pobreza sem cuidar de suas causas sociais e verbalizam um
proselitismo moldado pelo universo político e cultural do país que lhe deu origem. Não
apenas isso, mas vemos também pentecostais envolvidos em inúmeras iniciativas
dedicadas a firmar globalmente a hegemonia capitalista conduzida pela classe dominante
norte-americana. Farão isso associados ao movimento religioso de maior importância
política no mundo, o fundamentalismo.
178

Ilustrativo do que foi dito foi a aguerrida dissidência pentecostal na União


Soviética, fator de grande instabilidade interna com o qual o país socialista precisou lidar,
com pouco sucesso, de maneira mais intensa após a década de 1970. A documentação
indica que os pentecostais, introduzidos em terras eslavas por missionários norte-
americanos em princípios do século XX, promoveram ações contestatórias coordenadas
que tiveram como alvo o controle estatal sobre as atividades religiosas. Há nela indícios
da sua conexão com grupos privados e governamentais norte-americanos, aos quais se
acrescenta a documentação abordada no capítulo anterior propondo a construção de uma
rede religiosa internacional anticomunista, inclusive em terras socialistas.
É fato, também, que eles eram acompanhados de perto pela Central Intelligence
Agency - CIA, interessada nos movimentos que progressivamente convulsionavam o
rival geopolítico norte-americano. Assim, por relatório ultrassecreto produzido pela
agência no ano de 1983, intitulado Dimensions of Civil Unrest in the Soviet Union 184
(Dimensões dos Distúrbios Civis na União Soviética), sabemos que um grupo de trinta
mil pentecostais soviéticos organizou uma greve de fome em novembro de 1980. Outro
escrito secreto da Agência informa que em 1982 o Estado soviético organizou uma
campanha para “isolar dissidentes de estrangeiros”185. Especificamente sobre os rebeldes
cristãos, é revelado que “a crescente popularidade da religião tem causado preocupação
entre a liderança”, sobretudo no meio dos mais jovens, que afluíam cada vez mais às
igrejas como “forma de manifestar sua dissidência”. Entre essas igrejas, é destacada a
Batista e as pentecostais como as de crescimento mais rápido, angariando multidões de
jovens e trabalhadores braçais. Uma das medidas para tentar isolar tais grupos do contato
com estrangeiros, “sobretudo ocidentais”, foi o corte dos serviços telefônicos diretos
provenientes e destinados aos países do Ocidente.
As convulsões prosseguiram por 1985, quando a CIA redigiu novo relatório186
sobre o estado da dissidência soviética notando que as suas formas mais persistentes eram

184
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. National Intelligence Council (NIC) Collection.
Dimensions of Civil Unrest in the Soviet Union (NIC M-83-10006). Document Number (FOIA) /ESDN
(CREST): 0000273394. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/0000273394>.
Acesso em: 07 nov. 2020.
185
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. USSR Monthly Review.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP83T00853R000300030004-7. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp83t00853r000300030004-7>. Acesso em: 07 nov.
2020.
186
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Soviet Dissent and its
Repression since the 1975 Helsinki Accords. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP86T00591R000300330003-3. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp86t00591r000300330003-3>. Acesso em: 07 nov. 2020.
179

as nacionalistas, entre as populações não russas, e as religiosas, acrescentando que os


engajados nesta última exibiam uma “incomum vontade de assumir grandes riscos em
seus esforços para praticarem a adoração de acordo com suas consciências”. Mais uma
vez ecoando as propostas do empresário David Sarnoff, que pedia a Eisenhower “ajuda
moral e material, incluindo treinamento de lideranças, para movimentos clandestinos de
oposição”187 por trás da cortina de ferro, o relatório observa que tais dissidentes
“desenvolveram uma extensa rede clandestina de ativistas e apoiadores a partir da qual
recrutam substitutos para líderes presos”. Teriam eles também formado “grupos de ação”,
estabelecido gráficas clandestinas e lançado publicações a fim de “evitar a regulação
estatal e protestar contra o seu tratamento nas mãos das autoridades”. Em termos
numéricos, a CIA estimava haver 535 mil batistas e entre 200 e 500 mil pentecostais nas
repúblicas soviéticas188.
Certamente desempenhando importante função da dissolução da União Soviética,
a crise agudizou-se ainda mais em 1986, quando temos outro relatório189 secreto
dedicando muitas páginas à dissidência religiosa. Com notável honestidade, a CIA listava
como uma das razões pelas quais o governo soviético deveria temer o seu crescimento o
fato de que “a religião abre a porta para influências externas”, mencionando o surto da
atividade religiosa nas fronteiras ocidentais provocado pela eleição do polonês Karol
Józef Wojtyla ao cargo de Papa. Para a agência, as contestações religiosas em franca
expansão teriam conquistado uma ampla base não apenas nas demais repúblicas
soviéticas, mas também na Rússia, onde o “fundamentalismo protestante está crescendo
em áreas recém-industrializadas”, repetindo o mesmo padrão de expansão verificado nos
países pobres capitalistas como o Brasil, concentrado nas periferias industriais. Voltando
ao tema das redes cristãs clandestinas, a Agência registrava que o número não oficial de
congregações religiosas no país parecia crescer, enquanto “muitos destes grupos

187
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Hearings before the Subcomitee
to Investigate the Administration of the Internal Security Act and Other Internal Security Laws of the
Comittee on the Judiciary United States Senate. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP64B00346R000500030098-1. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp64b00346r000500030098-1>. Acesso em: 22 set. 2020.
188
Reparo, porém, que, não sendo a CIA uma observadora isenta, pode haver exageros nesses números e
no peso conferido a essas disputas pela Agência, naturalmente predisposta a superdimensionar o
importância dos temas que recebem sua atenção. Seja como for, é certo que as convulsões religiosas foram
uma pedra no sapato dos governos socialistas, sendo inequívoca, da mesma forma, a disposição do Estado
norte-americano em fazer da religião campo de batalha pela supremacia mundial.
189
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Domestic Stresses in the USSR.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP87T00787R000200180006-0. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87t00787r000200180006-0>. Acesso em: 07 nov.
2020.
180

desenvolveram redes de comunicação clandestinas que os possibilitam coletar milhares


de assinaturas em âmbito nacional para petições e publicar regularmente literatura ilegal”.
Outras ações contestatórias incluíam atos coletivos de desobediência civil, como a
destruição pública dos passaportes internos, a recusa ao serviço militar e solicitações em
massa de vistos para imigração.
A associação dos pentecostais com o conservador movimento fundamentalista
norte-americano é fato reconhecido tanto por membros da administração estatal norte-
americana como por muitos dos seus praticantes. Aqui convém novamente mencionar o
caso soviético. Além da referência acima pela CIA ao crescimento do “fundamentalismo
protestante” no país, também a embaixada norte-americana em Moscou e os próprios
pentecostais soviéticos se viam desta forma, conforme registra documento190 confidencial
enviado pela diplomacia em Moscou para a CIA em setembro de 1983. O papel relata o
encontro de uma comissão do Senado estadunidense com oito dissidentes pentecostais no
espaço da embaixada para discutir os “problemas particulares enfrentados pelos
fundamentalistas cristãos na União Soviética”. Ali, os “pentecostais sublinharam alguns
dos problemas por eles encontrados enquanto cristãos fundamentalistas num Estado
ateu”. De maneira resumida, não se queixavam os religiosos da proibição de culto, mas
sim do seu controle estatal, alegando que, em razão das pequenas dimensões da igreja a
eles disponibilizada nos arredores de Moscou e da vigilância a qual ela era submetida, a
“maioria das cerimônias religiosas são feitas em casas particulares”. Outro papel191
confidencial enviado à CIA pela embaixada, agora em abril de 1984, torna ainda mais
clara a natureza das demandas da dissidência religiosa. Não se tratava de reivindicar o
direito de possuir uma religião, mas sim de praticá-la onde quer que fosse e não apenas
em casa ou em templos fornecidos pelo Estado. Dessa forma, não acredito ser excessivo
fazer uma aproximação entre as demandas dos fundamentalistas soviéticos e dos norte-
americanos que, também na década de 1980, passaram a promover intensas campanhas
com o fito de esgarçar a laicidade do Estado estadunidense e de disputar espaços públicos,
por exemplo exigindo liberdade para praticar orações em escolas públicas e extirpá-las

190
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Ethnic German Pentecostals
Plan Hunger Strike. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP91B00135R000500930009-
7. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp91b00135r000500930009-7>.
Acesso em: 07 nov. 2020.
191
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Moscow Pentecostals Annouce
Hunger Strike. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90B01370R000801040003-6.
Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90b01370r000801040003-6>.
Acesso em: 08 out. 2020.
181

de livros didáticos que ferissem seus dogmas. De forma semelhante, os moscovitas


pentecostais Ilya e Lydia Staskevich, Pavel Timonin e Nina Tomonina, que segundo a
embaixada anunciavam o início de uma greve de fome para trinta de abril, exigiam “poder
livre e abertamente praticar a adoração, viver de acordo com as escrituras e criar seus
filhos no espírito cristão”.
Mais recentemente, a militância pró-capitalista pentecostal foi enriquecida pela
Teologia da Prosperidade, segundo a qual Deus seria um dispensador de benesses
materiais que devem ser reivindicadas nos altares através de doações monetárias. Um dos
mais importantes pastores pentecostais norte-americanos, o conservador Rod Parsley,
homem de frente da World Harvest Church, promete em suas pregações que seus
modestos seguidores não descuidem do dízimo, a ser recompensado “cem vezes mais”
(HEDGES, 2006, p. 166), sustentando que uma grande causa da pobreza é o
desconhecimento da palavra divina. Não fazem diferente os maiores pregadores
pentecostais brasileiros, como Edir Macedo, R. R. Soares e Valdemiro Santiago.
Além de camuflar as causas sociais da pobreza, remetendo-as para o plano divino,
a Teologia da Prosperidade teria ainda o efeito de auxiliar no plano ideológico o projeto
ultraliberal de encolhimento do Estado no qual empenham-se as organizações religiosas
dedicadas à luta partidária que veremos a seguir. Combinada com outros pressupostos
teológicos pentecostais como a cura espiritual e os exorcismos, ela forma um pacote
ideológico que se propõe a tratar de todas as necessidades humanas, sobrando pouco
espaço para a ação estatal (HEDGES, 2006, p. 182).
Também a crise climática é apagada retoricamente pelos teólogos da
prosperidade, concentrados no campo pentecostal, mas não limitados a ele. Conforme
Chris Hedges (2006, p. 183) um dos mais populares livros entre evangélicos norte-
americanos, o America’s Providential History, publicado em 1989 pelos religiosos não
denominacionais Mark A. Beliles e Stephen McDowell, projetaria um Deus ilimitado em
sua capacidade de dispensar recursos naturais suficientes para todos. Também conhecido
por fundir a Bíblia com princípios ultraliberais, o trabalho ensina que a principal meta
terrena dos cristãos é a obtenção de riquezas, enquanto reduz os impostos à idolatria, as
taxas sobre propriedade ao roubo e defende a extinção de taxas sobre heranças.
Também o dominionismo chegou aos púlpitos pentecostais, sendo reproduzido
com entusiasmo por organizações religiosas afim de disputar o campo partidário e
aniquilar a laicidade do Estado, como muitas que veremos adiante nos Estados Unidos, e
a Igreja Universal do Reino de Deus, entre outras, no Brasil.
182

4 – Principais organizações executoras do Partido da Fé Capitalista

Tendo visto os dois principais grupos que vertebram as organizações político-


religiosas até aqui abordadas, pentecostais e fundamentalistas, passarei a tratar das mais
importantes associações onde estes se reúnem, executoras das diretrizes emanadas dos
grandes fóruns anteriormente estudados. Novamente, não quero dizer que religiosos de
outros tipos não desempenhem ali papel importante, apenas que estas duas categorias de
homens de fé detém com grande frequência o protagonismo e os maiores números nas
organizações seguintes.

4.1 – As igrejas

Observarei aqui, em primeiro lugar, as duas igrejas pentecostais mais relevantes


para este trabalho, a Assembleia de Deus, que é também a maior organização pentecostal
do planeta, e a Igreja do Evangelho Quadrangular, bem menos expressiva nos Estados
Unidos, porém com presença significativa no Brasil e resto do mundo. Esse destaque
deve-se à grande militância ideológica pró-capitalista destas organizações, enorme
influência na política partidária dos países pobres a partir da década de 1980 e pelo fato
de representarem a maioria da população evangélica na periferia capitalista.
A não pentecostal Igreja da Unificação, apesar de numericamente minúscula,
também será abordada em virtude da sua grande influência ideológica, traduzida na
construção de uma rede de organizações paralelas e no patrocínio de eventos e
publicações que buscam articular líderes religiosos, intelectuais laicos e as classes
dominantes mundiais em torno da pauta anticomunista e pró-empresarial, além de
influenciar ideologicamente a classe trabalhadora. Por último, verei a Convenção Batista
do Sul, um dos mais importantes redutos fundamentalistas nos Estados Unidos,
intimamente ligada à Igreja Batista no Brasil, a Igreja Presbiteriana, berço do
fundamentalismo cristão, e a Renovação Carismática, importante ala conservadora
católica.
Em termos quantitativos, pesquisa (RELIGIOUS Landscape Study, [s.d.]) recente
publicada pelo Pew Research Center indica que, no panorama extremamente
183

diversificado do protestantismo/evangelicalismo norte-americano, a Assembleia de Deus


é a sexta192 maior igreja, abraçada por 1,4% da população. Bem menor, a Igreja do
Evangelho Quadrangular conta com a preferência de menos de 0,3% dos norte-
americanos. Já a Convenção Batista do Sul é a maior igreja evangélica naquelas terras,
reunindo 5,3 % da população, enquanto as duas mais importantes igrejas presbiterianas
conservadoras nos Estados Unidos193, Igreja Presbiteriana Bíblica e a Igreja Presbiteriana
Ortodoxa, e a Igreja da Unificação194 nem aparecem na pesquisa. Sobre a Igreja Católica,
a exemplo do resto do continente, ela é a maior Igreja também nos Estados Unidos,
congregando aproximadamente 20% da população. País de maioria protestante e
evangélica, a grande variedade de igrejas deste tipo faz com que nenhuma delas reúna
maior público do que a centralizada Igreja Católica. A pesquisa, porém, não indica o
tamanho da ala católica reunida em torno da Renovação Carismática nos Estados Unidos.
É preciso deixar claro, novamente, que o consórcio religioso conservador
capitaneado a partir dos Estados Unidos, que aqui chamo de Partido da Fé Capitalista,
não se resume a estas igrejas, envolvendo também em maior ou menor grau parcelas de
todas as denominações evangélicas e de organizações de fé de outros tipos, sendo
especialmente atuantes adventistas, metodistas, testemunhas de Jeová e mórmons. Elas,
entretanto, não recebem aqui a mesma atenção em virtude do papel reduzido que
desempenham no mundo periférico.

4.1.1 – A Assembleia de Deus

Fundada em princípios da década de 1910 na cidade de Hot Springs, no estado


sulista do Arkansas, em documento195 em que toca brevemente o histórico das principais
organizações pentecostais do país, o Departamento do Interior dos Estados Unidos relata
que os primeiros membros da Assembleia de Deus, a exemplo de outros grêmios

192
As maiores organizações protestantes dos Estados Unidos seriam a Convenção Batista do Sul, com
5,3%; a Igreja Metodista Unida, 3,6%; a Igreja Batista Independente, com 2,5%; as Igrejas de Cristo, com
1,5%; e as Igrejas Batistas Americanas EUA, com 1,5%.
193
O presbiterianismo nos Estados Unidos divide-se numa grande família de várias igrejas independentes.
A primeira delas foi a Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos, fundada em 1789 e da qual se desprenderam
muitas outras. Uma delas foi a Igreja Presbiteriana Ortodoxa, para onde migraram porções fundamentalistas
da igreja original em 1936.
194
Provavelmente incluída no grande grupo “Outros Cristãos”, que soma 0,4%.
195
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
National Park Service, 1785 - 2006. Tennessee MPS Rural African-American Churches in Tennessee MPS.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135817337>. Acesso em: 02 out. 2020.
184

pentecostais, “advogavam uma interpretação empírica do Novo Testamento”. Trata-se da


crença, central na teologia pentecostal, de que os dons concedidos pelo Espírito Santo aos
apóstolos de Jesus Cristo ainda podem ser adquiridos pelos crentes atuais. A peça informa
ainda que, à moda fundamentalista, os “pais fundadores” da Assembleia protestavam
“contra a moderna rejeição de Deus baseada na razão e na ciência”. As origens das
principais organizações pentecostais do país localizam-se, portanto, no Sul,
especificamente da parte sudeste do Tennessee ao norte da Georgia e ao oeste da Carolina
do Norte, onde desde as décadas finais do século XIX populações “social e
economicamente isoladas” partilhavam uma abordagem Bíblica “entusiástica”,
“otimista” e emotiva. Tais contingentes, prossegue o documento, fundaram inúmeras
associações pentecostais que permaneceram interraciais apenas até a década de 1910, não
sendo este, portanto, o caso da Assembleia de Deus, frequentada sobretudo por brancos.
O fato é confirmado por pesquisa do Pew Research Institute, que contou em 66% os
assembleianos de cor branca, em 25% os latinos e apenas em 3% os negros, percentual
muito inferior à população negra norte-americana total, estimada em 13,4% no censo de
2019 (QUICKFACTS, [2019?]).
Atualmente, a sede da AD funciona a algumas centenas de quilômetros para o
norte, na cidade de Springfield, sul do Missouri. Conforme informações trazidas por
publicação com o perfil de congressistas, de autoria não identificada196 e acumulada nos
arquivos presidenciais pelo assessor de Bill Clinton, Michael Waldman, a região é
contemporaneamente um dos bastiões mais conservadores dos Estados Unidos, havendo
ali grande predominância do Partido Republicano. Conservadorismo que se refletiria “nas
suas organizações religiosas politicamente ativas”, conforme o texto a Assembleia de
Deus e a Church of God, fixadas em cidades próximas.
Tal conservadorismo é atestado também pela pesquisa do Pew Research Institute
sobre as inclinações religiosas da população norte-americana. Ali, 57% dos
assembleianos se declaram alinhados com o Partido Republicano, enquanto 27%
penderiam para o Democrata. Um número ainda maior, 60%, se diz politicamente
conservador, outros 24% apresentam-se como moderados e apenas 11% como liberais.
Em matérias estritamente econômicas, 59% declaram-se a favor da redução do Estado e

196
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 – 2001. REA [Reemployment Act] Congressional
Committee Member Profiles [Binder] [4]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/18514053>.
Acesso em: 02 out. 2020.
185

dos serviços por ele oferecidos e 53% acreditam que a ajuda governamental aos pobres
causa mais danos que benefícios. Ainda, ilustrando a grande influência ideológica
fundamentalista entre os pentecostais, é indicado que nada menos que 72% dos membros
da Assembleia de Deus consideram que o texto bíblico deve ser tomado de maneira literal
como a palavra de Deus (MEMBERS of the Assemblies of God, [s.d.]). De maneira
surpreendente, esse dado sugere que o fundamentalismo bíblico é maior na Assembleia
de Deus do que na Convenção Batista do Sul, mais importante enclave fundamentalista
durante todo o período dessa pesquisa, onde 61% dos membros postulam a interpretação
literal do texto religioso.
O crescimento da Assembleia nos Estados Unidos foi tão explosivo e concentrado
nas últimas décadas do século XX como no Brasil. Segundo matéria197 de 21 de junho de
1998 do jornal Los Angeles Times, também guardada pela assessoria de Clinton, ela foi a
congregação religiosa com maior expansão nos últimos trinta anos do século XX,
incrementando em 267% seus números. Outrora a “igreja dos pobres rurais” (noto que a
Assembleia de Deus descreveu o mesmo percurso no Brasil, partindo do mundo rural para
os subúrbios das grandes cidades em espaço de tempo semelhante) a AD passou a ser
vista ao longo dessas décadas como uma “tábua de salvação” para a classe média
empobrecida, encontrando grande acolhida também entre “imigrantes latinos”, uma vez
que a Igreja Católica e o protestantismo tradicional teriam maior “dificuldade em se
conectar com os pobres”. A publicação também relaciona com fatos ocorridos no campo
ideológico após 1970 a ascensão de grupos como os pentecostais, testemunhas de Jeová
e mórmons e o declínio das igrejas protestantes tradicionais, acompanhada de uma
mudança no equilíbrio entre o cristianismo liberal e o conservador, com crescente
predomínio do segundo. Trata-se do renascer fundamentalista e da eclosão de uma
aguerrida direita cristã, embalando grupos religiosos que, se não exatamente
fundamentalistas, mantêm grande afinidade com o movimento. Os dois principais
artífices deste movimento, segundo o Los Angeles Times, seriam os pastores e membros
do Council for National Policy, Jerry Falwell, líder da Moral Majority, e Pat Robertson,
idealizador da Christian Coalition.
Poucos anos após sua fundação, a Assembleia de Deus iniciou um longo e bem-
sucedido processo de mundialização. Já em 1911 missionários estrangeiros trazem a

197
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 - 2001. Arts and Humanities Medals 11/5/98 [3].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/34427136>. Acesso em: 02 out. 2020.
186

agremiação para o Brasil e, em 1915, a encontramos em lugares tão distantes como o


Japão, onde um certo senhor “Gray”198, que vivia nos subúrbios de Tóquio e fazia parte
de uma “missão de fé” norte-americana, lamentava jocosamente que seus dons divinos de
falar em outras línguas em nada o ajudavam a aprender o idioma local.
Passando ao período que mais interessa a este trabalho, em princípios dos anos
1950 a Assembleia aparece embalada pelo mesmo sentimento anticomunista emanado
dos eventos e associações do capítulo anterior, ou pelo menos é o que comunicava o seu
semanário, The Pentecostal Evangel, “órgão oficial da Assembleia de Deus nos Estados
Unidos”199. Lamentando o estado precário da paz mundial no contexto da Guerra Fria
apesar dos múltiplos esforços movidos pelos Estados Unidos para fazer do mundo um
lugar melhor, como os “sacrifícios” da Segunda Guerra, o estabelecimento da
Organização das Nações Unidas e os “bilhões de dólares” gastos em ajuda a países
estrangeiros, o Evangel colocava tal estado de coisas na conta daqueles que “mantêm
Deus fora de suas vidas e que sequer o mencionam em suas conferências de paz”. Repetia
ainda trechos de discursos do presidente Truman que falavam num “enorme retrocesso
na liberdade individual e negação de todos os direitos humanos por trás de uma
impenetrável cortina de ferro”. Como remédio, era prescrito ao presidente a decretação
de um “Dia Nacional de Humilhação e Reza”, onde bençãos especiais seriam pedidas
para “os missionários, pastores, evangelistas e todas as agências através das quais o
evangelho está sendo espalhado”, pois “um renascer espiritual é o único caminho para a
paz”, arregimentando para Deus multidões pelo planeta.
Já estabelecida por todo o mundo, nas décadas posteriores a Igreja encontrou
problemas semelhantes aos da World Vision, sendo também acusada de cooperação com
operações de inteligência e insurgência em países politicamente desalinhados com os
Estados Unidos. No começo de 1963, por exemplo, o missionário californiano e líder da
Assembleia de Deus, Floyd C. Woodworth, foi preso e deportado de Cuba sob a acusação
de “espionagem para a Central Intelligence Agency”200. Mais tarde, em 1973, a

198
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Foreign Service Posts of the Department of State, 1788 - ca. 1991. Correspondence American Consulate
In Yokohama 1932 Vol. 3 File Number 125.5-200. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/79326057>. Acesso em: 03 out. 2020.
199
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção White House
Public Opinion Mail Files (Truman Administration), 1945 – 1953. National Day of Prayer, Requests For
[2 of 3]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/145807653>. Acesso em: 03 out. 2020.
200
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. (Untitled). Document Number
(FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP75-00001R000100370074-6. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp75-00001r000100370074-6>. Acesso em: 03 out.
2020.
187

Assembleia, juntamente com outras oito organizações religiosas, foi expulsa de Uganda,
novamente sob a alegação de “acolher espiões”201. Entre os grupos banidos, outros dois
eram pentecostais, a Elim Pentecostal Evagelistic Fellowship of Uganda e a United
Pentecostal Churches. Foram convidadas a deixar o país também as igrejas Uganda
Church of Christ, Testemunhas de Jeová e Quaker, ao lado das associações, a maioria de
proveniência norte-americana, Campus Crusade For Christ, International Bible Students
Association, The Navigators of Colorado, Child Evangelism Fellowship of Uganda,
Emmaus Bible School e Legio Maria of Africa. Por último, vale notar a presença de um
certo senhor “DeBreis”202, identificado como ministro da Assembleia de Deus em
Arlington, Virginia, na reunião do Grupo de Trabalho para a América Central organizada
por assessores de Reagan em maio de 1984 onde debateu-se o estado da liberdade
religiosa na Nicarágua. Preocupado com a “loucura que parece estar reinando” naquele
país, o pastor indagava os membros do GT se a situação era comparável à realidade
cubana durante os primeiros anos da vitória da Revolução e se havia, em contato com o
governo sandinista, alguma autoridade religiosa moderada com quem se pudesse dialogar.
O temor do senhor DeBreis tinha fundamento. A Assembleia de Deus é parte
importante de um esforço internacional de evangelização e missionarismo empreendido
por inúmeras organizações religiosas, sobretudo em países pobres e/ou rebeldes. Além da
Nicarágua, na convulsionada Guatemala, disputada numa sangrenta guerra civil por
forças fundeadas pelos Estados Unidos e grupos insurgentes diversos, alguns de
inspiração socialista, a Assembleia e outras organizações evangélicas mantinham
vigoroso trabalho de enraizamento. Segundo relatório203 da CIA de 1973, as igrejas
pentecostais ali instaladas, “trabalhando em áreas urbanas pobres”, repetindo assim um
modus operandi observado por todo o mundo, eram as que experimentavam mais rápido
crescimento, “sobretudo em função do seu agressivo evangelismo”. Entre as igrejas
evangélicas em atividade na Guatemala no ano de 1967, quase todas “associadas e
financiadas por uma organização parente nos Estados Unidos ou no Reino Unido”, a

201
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. GOU Bans Certain Religious Organizations. Canonical
ID: 1973KAMPAL01904_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1973KAMPAL01904_b.html>. Acesso em: 03 out. 2020.
202
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Speakers for the White House
Outreach Working Group on Central America. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP85M00364R001803590011-7. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp85m00364r001803590011-7>. Acesso em: 27 set. 2020.
203
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 71; Guatemala; The
Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200110050-8. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200110050-8>. Acesso em: 05
out. 2020.
188

Assembleia de Deus era a que contava o maior número de membros, somando 27.700,
seguida da Evangelical Church, com 22 mil; da Igreja Presbiteriana, com 21.500; dos
adventistas do sétimo dia, com 15.800; da Friends Church (Quaker), com 12 mil e da
também pentecostal Church of God, com 11 mil. É importante notar que tais números
referem-se a uma etapa ainda relativamente incipiente da penetração dessas organizações
no país e em toda a América Latina, somando os evangélicos ainda 3% dos guatemaltecos,
números que disparariam nas décadas seguintes.
Também na vizinha Honduras, outro relatório204 de 1973 mostra que a Assembleia
de Deus se destacava entre as iniciativas religiosas norte-americanas. Fundada em 1940,
28 anos depois era a quarta maior igreja evangélica do país, além de possuir o maior
número de unidades de “adoração regular”. Entre as outras pentecostais, a Church of God,
ali estabelecida 19 anos antes, mantinha maior número de membros, surgindo a Igreja do
Evangelho Quadrangular, aberta apenas em 1952, ainda com modesta membresia, apesar
de já conseguir manter uma “escola bíblica”. Mas a informação mais interessante presente
no relatório concerne a distribuição geográfica das organizações religiosas norte-
americanas, sugerindo uma partilha combinada. Assim, a Assembleia de Deus centrava
suas atividades no Oeste e no Sul, nas áreas de Santa Rosa de Copan e San Marcos de
Colón; os batistas trabalhavam entre populações falantes do inglês na costa norte e suas
ilhas; a missão interdenominacional Central American Mission cobria as terras altas do
oeste e do centro; a Church of God na costa do Caribe e na porção leste do departamento
de Gracias a Diós; a Igreja Evangélica Luterana na capital Tegucigalpa; e a Igreja
Metodista na Costa norte e suas ilhas.
Ainda que refute a formalização de uma ação coordenada naquelas partes da
América Central, a partilha é notada pela própria CIA em outro relatório205, desta vez
falando sobre a realidade panamenha. Examinando a distribuição geográfica das
iniciativas religiosas, o papel nota que “apesar dos vários grupos tenderem a concentrar
seus recursos em regiões específicas, não há um acordo formal para tanto, como é o caso
em outros lugares da América Latina”. O documento sobre Honduras também lança luz

204
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 73; Honduras; The
Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200070018-9. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200070018-9>. Acesso em: 05
out. 2020.
205
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 77; Panama; The
Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200080046-7. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200080046-7>. Acesso em: 05
out. 2020.
189

sobre outro componente importante do modus operandi dessas organizações: a formação


de bases dirigentes nativas a quem ficariam delegadas as filiais locais. Assim, a despeito
de haver “200 missionários protestantes dos Estados Unidos” 206 no país, muitas igrejas
“estão treinando hondurenhos para assumir papéis de liderança nos assuntos da igreja e
estão gradualmente transformando-se em igrejas “nacionais” autossuficientes sob a
liderança indígena”. E aqui chamo a atenção para as aspas apostas à palavra “nacionais”
pelos técnicos da CIA. Mas voltando ao caso panamenho, embora relate o documento que
naquela altura 93% da população panamenha ainda aderia à fé católica, a Assembleia de
Deus aparece novamente entre os mais importantes grupos religiosos estadunidenses no
estratégico país, atravessado pelo canal que permitiu a navios norte-americanos partidos
da costa leste atingir com muito mais facilidade o Oceano Pacífico. Não obstante, em
1973 encontramos 15 denominações norte-americanas em ação no país, a maioria
“patrocinada por juntas missionárias e sociedades sediadas nos Estados Unidos”, semente
que parece ter germinado, uma vez que em 2014 os panamenhos evangélicos já
alcançavam a marca de 19%, recuando os católicos para 70% (RELIGIÓN en América
Latina: Cambio Generalizado en una región históricamente católica, 2014, p. 12).
Em seu apetite por novos adeptos sobretudo em territórios ainda não desbravados,
como os países não alinhados aos Estados Unidos, os pentecostais colocam-se em posição
de igualdade às mais engajadas igrejas e associações missionárias internacionais. Assim,
vemos a sua entrada com ímpeto redobrado na ex-União Soviética nos primeiros anos
subsequentes ao seu fim. Ali, diz matéria207 do New York Times acumulada pelos
assessores da então primeira-dama Hillary Clinton, o mais notório pregador pentecostal
norte-americano da época, o televangelista Jimmy Swaggart, ao lado de líderes
fundamentalistas como Billy Graham e da Igreja da Unificação (Seita Moon), havia
“recrutado centenas de milhares de seguidores” ainda em 1994.
A propósito, a Assembleia de Deus, como inúmeras outras organizações religiosas
norte-americanas, contribuiu de perto para a erosão ideológica do bloco soviético. As
possibilidades de fazê-lo foram em muito intensificadas com a criação de uma rede
mundial de emissões radiofônicas religiosas, algumas delas dispostas a lançar suas ondas

206
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 73; Honduras; The
Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200070018-9. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200070018-9>. Acesso em: 05
out. 2020.
207
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
First Lady's Office (Clinton Administration), 1993 – 2001. HRC Health Care Press. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/21331977>. Acesso em: 05 out. 2020.
190

para o interior dos países socialistas. Foi o caso, por exemplo, da Far East Broadcasting
Company, empresa fundada nas Filipinas em 1948 por três norte-americanos, John C.
Borger, Robert Bowman e William J. Roberts, e dedicada a “espalhar a voz do
cristianismo ao redor do mundo e através da cortina de ferro da Rússia soviética e da
China Vermelha”208. Armada de “sete poderosos transmissores”, a FEBC gabava-se de
atingir 25 países, incluindo “os mais remotos cantos da Rússia e da China”, com
transmissões que, embora predominantemente religiosas, não descuidavam da política.
Assim, muitas emissões sob a forma de notícias procuravam estimular a dissidência
naqueles países, lançando um “raio de verdade” sobre temas de interesse dessas
populações, com as quais seus membros mantinham algum contato, uma vez que tais
matérias eram escritas “nas margens das cortinas de Ferro e Bambu”. Como resultado,
cartas enviadas do lado vermelho chegariam regularmente à rádio, a exemplo de uma
redigida em Shangai que diria “Apenas de vocês estamos recebendo a verdade. Por favor,
nos dê mais”. De maneira semelhante, quando membros do partido Comunista da
Checoslováquia teriam enviado material de propaganda política, pedindo que fosse usado
nas transmissões, as informações foram astutamente incorporadas e rebatidas em
“programas revelando as armadilhas e o vazio da ideologia comunista”. Portanto, ainda
que o alegado objetivo principal da rádio fosse a evangelização de todos os países do
extremo oriente, as incursões ideológicas no mundo comunista eram alardeadas como
uma das suas maiores realizações. Contendo uma hora e meia diária de programação em
russo, além de 34 outras línguas, o incômodo provocado pela FEBC seria atestado pelo
uso de 25 transmissores em partes da China e da Manchúria para interferir nas suas
emissões.
Declarava-se a rádio uma organização sem fins lucrativos, aberta a “todos os
missionários e grupos evangélicos” e mantendo-se exclusivamente com doações, apesar
de em 1953 seu patrimônio atingir a cifra de 250 mil dólares. Seu relativo ecumenismo
era atestado pelo rol de parceiros, composto por 36 igrejas e 21 associações missionárias
interdenominacionais, todas cristãs e a maioria esmagadora sediada nos Estados Unidos,
como as igrejas Batista, Luterana, Metodista, Presbiteriana e as pentecostais Church of
God, Evangelho Quadrangular e a Assembleia de Deus. Esta última mantinha ainda três

208
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Dear Staff Member. Document
Number (FOIA) /ESDN (CREST):
CIA-RDP83-00423R000201040001-3. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp83-00423r000201040001-3>. Acesso em: 06 out. 2020.
191

membros trabalhando diretamente para a empresa na produção de conteúdo e distribuição.


Eram eles John C. Tinsman, na Indonésia; Rudy Esperanza, nas Filipinas; e Alfred F.
McGrew, em Singapura.
Quase três décadas depois ainda vemos a Assembleia de Deus profundamente
envolvida no proselitismo radiofônico, sempre com fundo político. Agora junto à
National Religious Broadcasters, que como vimos recebeu o presidente Gerald Ford em
sua convenção de princípios dos anos 1970 e que, apesar do “National”, emite suas ondas
por todo o mundo. Desta vez coube a Ronald Reagan brindar com sua presença
presidencial o encontro de 1983 da organização. Em relatório209, a assessora Elizabeth H.
Dole lembrava o presidente que a NRB era uma entidade “conservadora” que “tem
apoiado abertamente seus programas” e que ele seria recebido por alguns dos seus
diretores, “pessoas que você conhece”, os notórios líderes fundamentalistas Bill Bright,
Pat Robertson e Billy Graham, além de Thomas F. Zimmerman, superintendente geral da
Assembleia de Deus. Em seu discurso, Reagan não se limitou a abordar temas nacionais,
como a recessão que o país experimentava e a efervescente campanha antiaborto, da qual
era apoiador, tratando também de falar sobre a situação internacional naquilo que mais
interessava à NRB, a “responsabilidade especial” dos religiosos estadunidenses para com
“os nossos companheiros crentes que estão sendo perseguidos em outras terras”. Sobre
ela repousaria o “dever de fazer transmissões”, abraçado tanto pela NRB como pelo
governo, anunciava o presidente, através da estatal Voice of America, que transmitiria
uma cerimônia religiosa para o mundo pela primeira vez, filmada na véspera de Natal na
National Presbyterian Church de Washington D.C. O reconhecimento da importância
política da religião transparece nas últimas palavras de Reagan: graças aos esforços
daqueles ali presentes, o Exército vermelho, mais temível “máquina militar da história”,
estaria sendo vencido por um “homem frágil -- herói, forte porém gentil, príncipe da paz”.
Falava ele do ressurgimento cristão na União Soviética.
A exemplo do caso acima, os elos da Assembleia de Deus com funcionários do
governo formal dos Estados Unidos, já perceptíveis em algumas associações e fóruns de
discussão estudados no capítulo anterior, tornam-se mais evidentes ao olharmos a
documentação produzida pela Presidência da República dos Estados Unidos. Ligação que
se deu de forma mais intensa com líderes republicanos, que conseguiram aglutinar em

209
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the President (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. 01/31/1983 (case file 117231).
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/118567192>. Acesso em: 06 out. de 2020.
192

torno de si aquilo que ficou chamado como “direita cristã”, como Ronald Reagan e
George Bush. Conforme matéria210 do Washington Post de fevereiro de 1981,
comentando o recém-lançado livro The Election of 1980 (A Eleição de 1980), organizado
pelo professor de Ciência Política da Rutgers University Gerald Pomper, a contribuição
da AD e do restante do círculo religioso que trabalhou na eleição de Reagan foi retribuída
inclusive com a alocação de membros proeminentes em cargos oficiais. Assim, notava o
texto acumulado pela CIA (o diretor da Agência aparecia mencionado como católico) que
a Secretaria do Interior de Reagan fora ocupada pelo membro da Assembleia de Deus
James Watt; a de Educação por um mórmon; a de Agricultura por um luterano; a de
Comércio por um membro da United Church of Christ; tendo sido outros cargos também
oferecidos às demais organizações que apoiaram sua eleição.
Tal cooperação, contudo, ia muito além da participação nos quadros oficiais do
governo. Em julho de 1981, por exemplo, o assessor de Ronald Reagan, Morton
Blackwell, organizou um encontro211 para informar líderes religiosos de Washington D.C.
sobre assuntos bastante laicos: as políticas orçamentárias, regulatórias e fiscais do
governo. O evento atestava o crescente entrelaçamento entre associações religiosas e a
esfera estritamente estatal, neste momento começando a penetrar em questões
concernentes à administração interna do país212, sentido após a eclosão das primeiras
organizações partidárias neofundamentalistas, como a Moral Majority. Entre os
participantes, notando o repórter Jim Castelli do Washington Post que a “direita cristã
estava desproporcionalmente representada”, encontramos o pastor Thomas Gulbronson
da Assembleia de Deus.
Outra questão nacional que causou grande comoção no início dos anos 1980 foi a
tentativa de Reagan de passar uma emenda constitucional, posteriormente barrada pelo
Senado, permitindo a realização de orações nas escolas públicas. Aqui, novamente, a
opinião de líderes religiosos conservadores que lhe suportaram, como o pastor da
Assembleia de Deus Jimmy Swaggart, pesou na decisão de apresentar a emenda ao

210
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Reagan's Cabinet: It's Got
Religion. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90-00552R000302430011-9. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90-00552r000302430011-9>. Acesso em: 07
out. 2020.
211
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Briefings Book (2
of 4). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840689>. Acesso em: 06 out. 2020.
212
Nas décadas precedentes a relação predominante se dava no âmbito da política externa, como tenho
procurado mostrar.
193

Congresso. Em relatório213 formulado pelos assessores Morton Blackwell e Stephen H.


Galebach em maio de 1983, estão arroladas as opiniões de diversos líderes religiosos a
respeito da proposição, constando que para Swaggart a alternativa de se propor orações
silenciosas era “muito fraca” e que apenas iria apoiá-la após esforços para tentar aprovar
rezas em voz alta.
A intimidade da Assembleia de Deus, e da nova direita cristã, com a estrutura
estatal oficial prosseguiu ao longo do governo de George Bush, registrando material 214
posteriormente reunido pela assessoria de Bill Clinton que o pastor e político Doug Wead
desempenhou o papel de “relações públicas da Casa Branca para a direita religiosa” no
governo anterior. Mais adiante, já nos anos Clinton, a Assembleia, assim como as
inúmeras organizações constituintes da direita cristã, conforme veremos adiante reunidas
ao redor de uma pauta conservadora comportamental e economicamente liberal,
representou o papel de oposição ao governo democrata, mais resistente a demandas que
punham em xeque a laicidade do Estado. Foi nesse contexto que os ativistas religiosos
assembleianos Robert e Paul Schenk presentearam o então candidato Clinton com um
feto morto215, prometendo após sua eleição a inauguração de um templo da Assembleia
de Deus nos arredores do Congresso norte-americano, um ‘“megafone nacional” dos
evangélicos para o Congresso”. Ao lado, por exemplo, da aversão às medidas
descriminalizadoras da homossexualidade, essa virulenta posição antiaborto compunha
um pacote ideológico, consubstanciado na dita “pauta moral”, que não era abraçado
apenas pontualmente e por membros mais extremados da Assembleia. Eram, ao contrário,
preceitos emanados da própria direção central da igreja e defendidos em bloco por
diferentes organizações da direita cristã. Assim, e apesar de uma compreensão
relativamente disseminada segundo a qual a Assembleia funcionaria segundo uma lógica
de “franquia” onde suas unidades gozariam de grande autonomia, o que é uma verdade
apenas parcial, a direção central, através do seu presbitério geral composto por 250
membros, moveu campanhas nacionais de feitio conservador no âmbito dos costumes,

213
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Policy Development (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Chron File,
05/16/1983-06/13/1983. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135838594>. Acesso em: 07 out.
2020.
214
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 - 2001. [Reemployment Act] [Binder] [1].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/18514046>. Acesso em: 07 out. 2020.
215
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 – 1994. Abortion: General News
Articles. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/40483880>. Acesso em: 07 out. 2020.
194

nelas envolvendo suas diversas igrejas. Assim aconteceu, por exemplo, em 1996216
quando a Assembleia conclamou seus um milhão e quatrocentos mil membros a
boicotarem os produtos da Walt Disney Co. em protesto à publicação do livro Growing
Up Gay (Crescendo Gay), pela Hyperion Press, pertencente ao grupo Disney; ao filme
Priest, sobre um clérigo homossexual, lançado pela Miramax, também parte da Disney;
e ao fato de o parque Walt Disney World ter recebido pelo sétimo ano seguido o Gay and
Lesbian Day, organizado por ativistas da Flórida. Como resposta, bradava a AD, tanto
suas publicações nacionais como locais conclamariam a adesão ao boicote. As
informações constam em matéria da repórter Karen Testa, da Associated Press, recolhida
pelos assessores de Bill Clinton.
Voltando à política externa, no calor da campanha contra o governo sandinista,
que contava com uma frente ideológica-religiosa, como vimos no caso do Grupo de
Trabalho liderado por Faith Whittlesey, líderes da Assembleia de Deus, como Jimmy
Swaggart, e outros conservadores pentecostais, como Oral Roberts e Rex Humbard, todos
membros da organização política neofundamentalista Coalition for Religious Freedom,
frequentavam a Casa Branca a convite do assessor Morton Blackwell 217 para debater
sobre a perseguição a cristãos nos países não alinhados.
Por tudo o que foi dito, não causa surpresa o fato da Assembleia de Deus manter
linha direta com o Departamento de Estado para solucionar problemas, como eventuais
expulsões de missionários no estrangeiro. Em 13 de janeiro de 1976, por exemplo, o
reverendo Wesley Hurst, secretário para o extremo oriente da Assembleia de Deus,
escreve da sede da organização em Springfield para o secretário Henry Kissinger 218
pedindo que o DE solicitasse ao governo de Singapura uma explicação escrita para a
expulsão de um Robert Fergunson. Considerando o pleito “razoável”, Kissinger ordenou
que sua embaixada assim o fizesse. Mas, apesar das diligências, o governo de Singapura
não aquiesceu ao pedido, limitando-se a prestar satisfações verbais ao embaixador John

216
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Presidential
Electronic Mail from the Automated Records Management System (ARMS), 1/20/1993 - 1/20/2001.
[07/13/1996 – 09/04/1996]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/122241650>. Acesso em: 07
out. 2020.
217
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Chief of Staff (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. [Religious Groups].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/118568818>. Acesso em: 07 out. 2020.
218
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Expulsion of Reverend Robert Ferguson from
Singapore. Canonical ID: 1976STATE020608_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1976STATE020608_b.html>. Acesso em: 05 out. 2020.
195

H. Holdridge, informado que a expulsão do missionário acontecera por um engano219. Os


elos próximos entre a organização religiosa e o Departamento de Estado transparecem
também em carta220 assinada pelo embaixador norte-americano na capital egípcia,
Hermann Eilts, em agosto de 1977. O diplomata informava Kissinger sobre contatos com
o missionário assembleiano Dale Barnett onde ambos discutiram a situação da
organização no país, bem como o quadro geral em que as igrejas estrangeiras ali se
encontravam. Segundo Barnett, a Assembleia enfrentava menores dificuldades em
construir igrejas no desde a subida de Anwar Sadat ao poder (talvez não por acaso, o
governo Sadat marca o afastamento do país da influência soviética), prometendo remeter
à embaixada uma lista com a localização dos templos em construção. Comentando sobre
alguns obstáculos remanescentes para a total liberdade de ação de igrejas ocidentais no
país, Eilts menciona uma lei ainda em vigor editada pelo Império Otomano em 1856,
segundo a qual outras igrejas ficavam proibidas de se instalar nas vizinhanças de
mesquitas, “mas não o contrário”. Informava o diplomata, entretanto, que pouco poderia
ser feito no Congresso egípcio, onde haveria grande resistência para a revogação, ao
mesmo tempo enfatizando a boa vontade do Executivo, que contornava o problema de
“maneira prática e informal”.
De maneira reveladora, a maioria da correspondência diplomática constante no
banco de dados WikiLeaks concernente à Assembleia de Deus refere-se a países fora da
órbita de influência imediata dos Estados Unidos, como o Vietnã. Ali, após a sua expulsão
em 1975, a Assembleia labuta com afinco para cravar novas raízes, sendo essa a razão do
contato221 de abril de 2002 do pastor Duong Thanh Lam com a cônsul geral norte-
americana em Ho Chi Minh City, Emi Lynn Yamauchi. Queixando-se da persistente
perseguição à Assembleia, que ali permanecia clandestina, rotulada de “uma religião
contrarrevolucionária dos Estados Unidos”, Lam apresentava à norte-americana um
levantamento da reduzida liberdade usufruída por sua organização em diversas partes do
país, mas comemorava o fato de que, a despeito de ela estar entre as menores igrejas
evangélicas da região, vinha “crescendo rapidamente” após sua reorganização em 1989.

219
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Expulsion of Reverend Robert Ferguson from
Singapore. WikiLeaks. Canonical ID: 1976SINGAP00560_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1976SINGAP00560_b.html>. Acesso em: 05 out. 2020.
220
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Muslim-Coptic Conflict in Assuit. Canonical ID:
1977CAIRO14314_c. Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1977CAIRO14314_c.html>.
Acesso em: 05 out. 2020.
221
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Assemblies of God in Vietnam: Still an “Underground
Organization”. Canonical ID: 02HOCHIMINHCITY400_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/02HOCHIMINHCITY400_a.html>. Acesso em: 07 out. 2020.
196

De fato, o telegrama enviado ao Departamento de Estado notava o “vigor” dos


assembleianos na conquista de novos seguidores, razão pela qual eram “o segmento de
mais rápido crescimento na comunidade protestante vietnamita”.

4.1.2 – A Igreja do Evangelho Quadrangular

As origens da Igreja do Evangelho Quadrangular retrocedem ao princípio do


século XX, quando a pastora222 Aimee Semple McPherson passa a levar suas sessões de
cura espiritual por todos os Estados Unidos. Pouco depois, abre as portas de sua própria
igreja na cidade de Los Angeles, Califórnia, a primeira de uma rede religiosa internacional
que presidirá até 1944, quando a liderança foi transferida ao seu filho, Rolph McPherson,
à frente da igreja até 1988. O termo “Quadrangular” refere-se aos “quatro papéis de Jesus
segundo as escrituras como salvador, batista no Espírito Santo, curandeiro e rei vindouro”
(BELIEFS, [s.d.]) e exprimem alguns dos pontos centrais da teologia pentecostal: o
batismo no Espírito Santo, a prática da cura espiritual e a crença no retorno iminente do
Messias.
O pioneirismo da IEQ no evangelismo radiofônico é ilustrado pelo fato de
McPherson ter se tornado no mesmo ano a primeira norte-americana a controlar uma
estação de rádio, batizada KSFG. Comunicação eletrônica que foi importante motor de
uma expansão mundial iniciada na Índia em 1924. No que toca a América Latina, os
quadrangulares surgem no Panamá (1928), Bolívia (1929), Porto Rico (1930), Chile
(1940), Colômbia e México (1943), Guatemala (1945), Brasil (1946), Venezuela (1952),
Costa Rica e Nicarágua (1954), Equador (1956), Argentina (1959), El Salvador, Jamaica
e Haiti (1971) (ÁLVAREZ, 1996, p. 39).
Ainda sediada em Los Angeles, a Igreja conta nos dias de hoje com quase dois
mil templos nos Estados Unidos e noventa mil em outros 146 países, conforme a página
da IEQ na internet somando quase nove milhões de seguidores. Sua coordenação
internacional é feita por meio de um Conselho Global, participado pelos líderes da IEQ
nas nações onde penetrou, “alguém, frequentemente nativo, que supervisiona o trabalho
de todas as igrejas Quadrangulares no país em que vive” (MEET Our Leaders, [s.d.]). No
entanto, documentação acumulada pelos serviços de inteligência da ditadura brasileira,

222
Aimee se destaca por ser uma das primeiras líderes religiosas femininas nos Estados Unidos.
197

abordada na Parte III deste trabalho, sugere que as suas filiais internacionais estão
fortemente submetidas à direção central norte-americana.
Embora menor que a Assembleia de Deus dentro e fora dos Estados Unidos, tal
como a primeira, a IEQ possui expressiva presença nos países pobres, razão pela qual é
importante apêndice pentecostal do Partido da Fé Capitalista. Ainda segundo dados por
ela fornecidos, contaria no Brasil com uma quantidade de tempos quase seis vezes maior
que em seu país de origem, somando 11 mil unidades (FUNDAÇÃO da Igreja, [s.d.]).
Por bandas latino-americanas, semelhante à maioria das organizações religiosas norte-
americanas, apesar de global desde o princípio do século passado, sua expansão acelera-
se agudamente na década de 1950, concomitante à gelada batalha político-ideológica
travada entre seu país sede e o mundo socialista. Assim, documentação da CIA 223
preocupada com a realidade política da América Central na década de 1970 registra que
a IEQ se infiltrou em Honduras em 1952, fazendo parte da força-tarefa evangélica que ali
dava seus primeiros passos para corroer a influência católica e cubana. De fato, a exemplo
do restante do continente, a população evangélica hondurenha explodiu nas décadas
seguinte. Conforme o relatório da CIA, se em 1973 apenas 2,5% do país era evangélico,
dados atuais do Departamento de Estado referem-se a 48% de “evangélicos protestantes”
(2018 Report on International Religious Freedom: Honduras, [2018?]). No Panamá, onde
como vimos a trajetória ascendente do evangelicalismo repetiu-se, a Igreja do Evangelho
Quadrangular, que concentrava seu proselitismo na região habitada pelos povos nativos
Choco, é listada pela CIA224 como um dos maiores grupos evangélicos, em 1973 com a
ainda modesta soma de dez mil seguidores. Nota ainda o escrito que perto de duzentos
pastores pregavam por ali, “quase a metade estrangeiros, muitos dos quais dos Estados
Unidos”, em meio a “várias escolas protestantes, incluindo três escolas bíblicas, e um
pequeno número de instituições filantrópicas”.
Aderindo à campanha internacional anticomunista deflagrada nos anos 1950,
evidente em sua trajetória em países como o Brasil, conforme veremos em outra parte, a
IEQ pode ser enquadrada no amplo leque de organizações religiosas que constituem a

223
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 73; Honduras; The
Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200070018-9. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200070018-9>. Acesso em: 05
out. 2020.
224
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 77; Panama; The
Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200080046-7. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200080046-7>. Acesso em: 05
out. 2020.
198

dita “direita religiosa”225. Sua adesão ao pacote conservador comportamental defendido


com afinco pelos que compõem esse bloco é atestada, por exemplo, pela assinatura do
presidente da “International Church of the Foursquare Gospel”226, Paul Risser, em carta
de congratulação enviada ao presidente George W. Bush em fevereiro de 2004. Ali, junto
à maioria das principais lideranças religiosas ultraconservadoras, Risser declarava seu
apoio a emenda constitucional proposta por Bush que pretendia vetar o casamento entre
pessoas do mesmo sexo. Prometiam os signatários “informar e educar nossos
constituintes sobre a importância e urgência dessa questão”, que a despeito do esforço
coordenado não prosperou no Congresso. Entre outros, também endossavam a carta Gary
Bauer, presidente da associação conservadora American Values; Franklin Graham, filho
do famoso líder fundamentalista Billy Graham; Roberta Combs, presidente da Christian
Coalition for America; Tony Perkins, presidente do Family Research Council; James C.
Dobson, presidente da Focus on the Family; Ted A. Haggard, presidente da National
Association of Evangelicals; Frank Wright, presidente da National Religious
Broadcasters; o intelectual conservador católico Michael Novak e os fundadores da então
extinta Moral Majority, Paul Weyrich e Jerry Falwell. Entre os pentecostais, assinaram
Jack R. Smith, da Church of God e M. Donald Duncan, vice-presidente da International
Pentecostal Holiness Church.
A IEQ também é importante membro da malha de organizações religiosas que
consolidam a influência norte-americana pelo mundo. Fato transparente nas palavras227
da encarregada de negócios no consulado dos Estados Unidos na Birmânia, Shari
Villarosa, sobre a visita em 2007 de delegação da ONU ao oeste do país, da qual tomou
parte. Conta Villarosa a boa recepção que obteve no norte do estado de Chin, uma “área
da Birmânia muito pró-americana em função da influência passada de missionários
americanos”. Ali, “quase todos que encontramos” manifestaram seu desejo de trabalhar
nos Estados Unidos “para sustentar suas famílias e sua igreja”, fazendo também algumas
solicitações de asilo político. “EUA a terra da oportunidade para o povo Chin” era,
inclusive, um dos subtítulos do relatório que a diplomata encaminhava à ONU e ao seu

225
A pesquisa do Pew Research Center, entretanto, ao contrário de igrejas maiores, como a Assembleia de
Deus, não traz informações detalhadas sobre as inclinações políticas da membresia quadrangular.
226
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
751221 [1]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/77828849>. Acesso em: 09 out. 2020.
227
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Chin State: Where There Is Will, There Is a Way.
Canonical ID: 07RANGOON33_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/07RANGOON33_a.html>. Acesso em: 09 out. 2020.
199

Departamento de Estado. Sem poupar críticas ao “governo repressivo” da Birmânia,


Villarosa comemorou a presença de ONGs religiosas, que proviam serviços básicos
negados pelo governo, conforme enfatizado neste trabalho, transparecendo que o Estado
norte-americano visualizava suas igrejas como espaços para a organização das
populações empobrecidas, frequentemente à revelia de seus próprios governos. Assim,
mesmo lamentando a incapacidade da maioria do país se unir em torno de um projeto,
acrescentava que a população que visitou, por outro lado, “conseguiu se organizar para
melhorar a situação da desprivilegiada Chin”, no que “as igrejas merecem a maior parte
do crédito”. E elas se multiplicavam na pobre província, apesar das queixas de repressão
pelo governo que, diziam os pastores locais, apenas permitia novas construções à base de
subornos, ao que nossa diplomata observou em tom jocoso: “contudo, baseado no número
de igrejas que vimos em construção, os subornos não devem ser muito caros”. Apesar de
situadas no coração da Ásia, notava a diplomata que a maior parte dos frequentadores
destas igrejas era cristã. Nesse caso, malgrado a omissão de Villarosa, devemos ler
predominantemente evangélica de matriz norte-americana, uma vez que a as
organizações por elas listadas como as mais comuns são as suas conterrâneas Batista,
Assembleia de Deus, Testemunhas de Jeová, Adventistas do Sétimo dia e a nossa Igreja
do Evangelho Quadrangular.

4.1.3 – A Igreja da Unificação (“Seita Moon”)

Apesar de numericamente pequena, com poucos milhares de seguidores nos


Estados Unidos, a Igreja da Unificação exerceria uma “profunda influência”228 sobre o
panorama social ali e no mundo, tendo “comprado muito da máquina política e intelectual
e dos recursos da direita cristã”. Palavras ditas por Danny Levitas, advogado ligado ao
Center for Democratic Renewal229 em conferência230 na cidade de Nova Iorque em 1992.

228
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
First Lady's Office (Clinton Administration), 1993 – 2001. Nathan Cummings. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/26080086>. Acesso em: 29 out. 2020.
229
Associação antirracista Fundada em 1979 com a união de ativistas contrários à organização supremacista
Ku Klux Klan, o Center for Democratic Renewal encerrou suas atividades em 2008.
230
Falamos da conferência The Politics of Culture, patrocinada pela The Nathan Cummings Foundation
em junho de 1992. Fundada em 1949 pelo industrial Nathan Cummings, dono da multinacional
Consolidated Foods, atualmente Sara Lee Corporation, segundo sua página eletrônica, o foco de operações
da fundação é o combate às mudanças climáticas e o aumento da desigualdade social. A sua oposição à
direita cristã provavelmente exprime as divisões internas da classe empresarial norte-americana (OUR
Focus, [s.d.]).
200

A transcrição da conferência foi acumulada pelo escritório da primeira-dama Hillary


Clinton no contexto dos esforços feitos pelo governo de seu marido para compreender e
lidar com a oposição cristã. De fato, como já vimos, a Seita Moon desenvolveu grandes
eventos internacionais reunindo empresários com religiosos e intelectuais laicos. No caso
brasileiro, a distância entre seu tamanho numérico e influência ideológica é ainda mais
pronunciada, havendo vasta documentação, a ser ainda abordada, mostrando ações
ideológicas de grande espectro por ela desenvolvida no país.
Atualmente conhecida como Family Federation for World Peace and Unification,
(Federação Familiar para a Paz Mundial e a Unificação), a Igreja da Unificação foi
fundada em 1954 pelo empresário e ativista anticomunista Sun Myung Moon em Seoul,
Coreia do Sul. Teve ele a ajuda do coronel Bo Hi Pak, atuante nas forças norte-americanas
na Guerra da Coreia, e da teóloga Young Oon Kim.
A Igreja age sobretudo através de uma malha de organizações a ela vinculadas,
onde a mais importante seria a já abordada CAUSA International, comandada por toda a
segunda metade do século XX pelo coronel Bo Hi Pak e que teve grande penetração entre
a classe dominante do Brasil, da Argentina, da Bolívia e do Uruguai, sua base de
operações. A entidade manteve, ainda, elos próximos com as ditaduras do cone-sul,
através de frequentes contatos de Bo Hi Pak, assessorado pelo argentino Antonio
Rodrigues Carmona, com os principais líderes destes regimes.
Mas a área de operação da Igreja da Unificação não se resume à América Latina,
ela é um empreendimento, de fato, mundial. Sabemos por matéria do New York Times,
por exemplo, que já em 1994 os “moonitas” roíam com volúpia o cadáver do bloco
socialista, espalhando-se “por toda a antiga União Soviética”231. Relatório sobre a Rússia
elaborado pela Comission on International Religious Freedom (Comissão sobre a
Liberdade Religiosa Internacional), constituída em maio de 2003 pelo governo norte-
americano, traz informações mais recentes sobre o fato. Segundo o papel, circulara na
imprensa russa em finais de 2002 um relatório governamental, intitulado “Sobre o
melhoramento das medidas para responder ao extremismo religioso na Federação
Russa”232. Traduzindo a preocupação da administração Putin com a livre ação de grupos

231
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 – 2001. [Press Clips] Monday, October 25, 1993
[1]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/20759876>. Acesso em: 29 out. 2020.
232
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
574156 [3]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/134610180>. Acesso em: 29 out. 2020.
201

de fé estrangeiros, incomodava a comissão norte-americana o fato de várias organizações


estarem ali arroladas como ameaças à segurança nacional por seu “extremismo religioso”.
Além de denunciar que grupos evangélicos estariam “usando a ajuda humanitária como
um meio para desviar as pessoas (especialmente os jovens) do “Estado Russo, tradições
nacionais, e cultura”’, o papel responsabilizava tanto os Estados Unidos como a Coreia
do Sul pelo financiamento destas ações. Especificamente, acusava-se ali os Testemunhas
de Jeová e a Igreja da Unificação de infiltração nas forças armadas e instituições policiais
a fim de colherem informações e espalharem sua ideologia. Com efeito, há comprovação
documental sobre os esforços feitos pelo complexo CAUSA/ Igreja da Unificação no
Brasil com o fito de atrair membros da Escola Superior de Guerra, do Departamento de
Ordem Política e Social – DOPS, do Serviço Nacional de Informações – SNI, bem como
membros civis do Estado restrito, intelectuais e empresários. Mas esse será tema de outra
parte deste trabalho.
Uma última observação sobre a Igreja da Unificação é cabida. Não se pode
enquadrar os unificacionistas nas categorias fundamentalista ou pentecostal, tendo sido
sua igreja construída sobre uma base teológica que, apesar de cristã, é bastante
heterodoxa233, os escritos do sul-coreano Sun Myung Moon. Isso não impediu, contudo,
que todos estes grupos mantivessem diálogos constantes nos vários encontros
patrocinados pela Igreja da Unificação.

4.1.4 – A Convenção Batista do Sul

Com raízes no ano de 1845, quando os batistas do Sul dos Estados Unidos
romperam com a porção norte, a Convenção Batista do Sul é em termos numéricos e em
influência ideológica muito provavelmente a mais importante denominação evangélica
nos Estados Unidos. Somando aproximadamente 15 milhões de seguidores, sua
relevância doutrinária é expressa pelo fato de ter ela dividido com a Igreja Presbiteriana
a gênese do movimento fundamentalista. Para se ter uma ideia do peso do pensamento
fundamentalista no seu interior, basta constatar que são a ela afiliados os três líderes
fundamentalistas mais importantes do século XX, aqui frequentemente mencionados: Pat
Robertson, Jerry Falwell e Billy Graham. Além dos três, outros membros dessa

233
Sustenta-se, por exemplo, que o Reverendo Moon seria o verdadeiro messias.
202

denominação aparecem regularmente ao longo deste trabalho, cabendo notar, ainda, que
se vincula a ela, e não aos batistas do Norte, a Igreja Batista do Brasil.
Em tempos mais recentes, os batistas do sul se viram dominados de forma mais
completa pela encarnação contemporânea da facção fundamentalista, que deslocou da
direção da Igreja os membros mais liberais, segundo revela o teólogo Alexandre de
Carvalho Castro (2003). O processo foi deflagrado pelo movimento conservador surgido
nos anos 1980, Founders Conference234, cuja meta expressa seria religar a membresia
com o que entendem ser a fé dos fundadores batistas. Fundadores tidos como afeitos à
doutrina do “destino manifesto” norte-americano, como vimos na Parte I cuidadosamente
cultivada pelos fundamentalistas batistas atuais, sendo este, portanto, traço impresso de
maneira indelével à teologia que se esforçam por divulgar (CASTRO, 2003, p. 57).
A expansão desses novos fundamentalistas foi rápida, organizada e apoiada em
conferências, publicações e material eletrônico. Valeram-se também de um órgão
dedicado a promover reuniões ministeriais, o Founders Fraternals, para atrair batistas de
diversas partes e estimular “mudanças doutrinárias nas igrejas locais” (CASTRO, 2003,
p. 36). Resulta dessa campanha a preeminência no meio batista angariada pelo movimento
nas últimas décadas, fato traduzido numa incontestável “hegemonia doutrinária”
(CASTRO, 2003, p. 30). Domínio ideológico fundado na construção de uma narrativa
baseada na seleção e disseminação oportunista de certas concepções históricas e
teológicas. Ideias que podem ser vistas nas obras By His Grace and For His Glory, de
Thomas Nettles, e A Verdadeira Saga Batista, de Chris Traffanstedt, que sugerem uma
ligação do movimento batista contemporâneo com o calvinismo e advogam que seus
fundadores foram puritanos ingleses e holandeses do início do século XVII. Construção
artificial, uma vez que o já visto movimento de avivamento norte-americano do século
XIX teria introduzido modificações na religião batista que tornou definitiva a sua
separação do “modelo europeu” (CASTRO, 2003, p. 73). De todo modo, essa versão dos
fatos serviria para legitimar a própria “reforma fundamentalista” (CASTRO, 2003, p. 68)
da Convenção Batista do Sul, empreendida pelo Founders Conference, reforma baseada
num “calvinismo reacionário”, semelhante ao abraçado pelos fundamentalistas adeptos
da Teologia do Domínio, como vimos inspirada nos escritos de Calvino.

234
Trata-se de um dos principais grupos fundamentalistas ativos nos Estados Unidos, vinculado à mais
agressiva faceta atual do movimento, que mistura “o discurso protestante com o desejo econômico de
dominar o mundo pelo recurso à força” (CASTRO, 2003, p. 18), e que, em sua ação doutrinadora, “não
argumenta, não dialoga, mas apenas afirma arbitrariamente” (CASTRO, 2003, p. 19).
203

Em termos políticos, a pesquisa demográfica do Pew Research Institute indica que


64% dos batistas do sul seriam simpatizantes do Partido Republicano, contra 26% mais
afeitos ao Democrata. Também 64% se declaram como politicamente conservadores, ao
lado de apenas 9% de liberais e 23% de moderados. 69% preferem a redução do Estado
e dos seus serviços, e 62% creem que o auxílio governamental aos pobres mais atrapalha
que ajuda. No que diz respeito à postura dos batistas diante da Bíblia, confirma-se a
pronunciada disposição fundamentalista de interpretá-la literalmente, alcançando 61%
dos seus membros (RELIGIOUS Landscape Study - Members of the Southern Baptist
Convention , [s.d.]).
Longe de circunscrever-se ao território norte-americano, o aprofundamento do
fundamentalismo na Convenção avança por todas as partes do mundo tocadas pelos
batistas. Com evidentes propósitos políticos, vide a sua ligação com o conceito de
“destino manifesto”, a doutrinação praticada por esta instituição religiosa é atualmente,
mais do que nunca, importante componente do Partido da Fé Capitalista, sendo
reproduzida com dedicação em países como o Brasil.

4.1.5 – A Igreja Presbiteriana

O conservador movimento fundamentalista, que tem inspirado a religião


organizada de tendência direitista até os dias de hoje, foi iniciado no seio da Igreja
Presbiteriana, espalhando-se pouco depois entre os batistas, nas décadas iniciais do século
XX. Assim, não causa surpresa o fato de membros desta denominação aparecerem com
frequência nas organizações que vertebram o Partido da Fé Capitalista, desde a
Foundation for Religious Action in the Social and Civil Order – FRASCO nos anos 1950
até as recentes organizações religiosas partidárias em ação nos Estados Unidos, como a
Christian Coalition.
Durante a maior parte do século XX, as duas igrejas presbiterianas conservadoras
ideologicamente mais importantes, apesar do seu diminuto número de membros, foram a
Igreja Presbiteriana Ortodoxa e a Igreja Presbiteriana Bíblica, fundadas em 1936 e 1937.
A primeira delas foi constituída por fundamentalistas egressos da Igreja Presbiteriana nos
Estados Unidos, destacando-se o teólogo John Gresham Machen, um dos mais
importantes teóricos deste movimento. Já a Igreja Presbiteriana Bíblica também deve suas
204

origens a teólogos fundamentalistas, como James Oliver Buswell, Allan MacRae, Francis
Schaeffer e Carl McIntire, este último aparecendo frequentemente nestas páginas.

4.1.6 – A Igreja Católica e sua Renovação Carismática

O ecumênico Partido da Fé Capitalista, ainda que tenha no setor evangélico sua


ala mais atuante, obteve desde o início expressivo auxílio de setores conservadores da
Igreja Católica. Assim, em princípios dos anos 1950 vimos os bispos católicos Michael
J. Ready e John J. Wright, ao lado do vice-presidente da Catholic Association for
International Peace, Thomas Mahoney, envolvidos com a Foundation for Religious
Action in the Social and Civil Order – FRASCO; cabendo a outro bispo, Fulton J. Sheen,
uma das mais virulentas declarações anticomunistas na conferência Foreign Aspects of
U.S. National Security de 1958. Essa cooperação prosseguiu em momentos mais recentes,
como ilustrado pela presença em 1988 do arcebispo John F. Whealon nos quadros da
Laymen's National Bible Association, ao lado de líderes fundamentalistas como Billy
Graham. Como esquecer também Michael Novak, influente intelectual católico
conservador atuante no laboratório de ideias Institute on Religion and Democracy?
Uma dificuldade em estudar o conservadorismo católico, no entanto, é o fato de
que, mesmo que frequentemente ele se apresente concentrado em facções, como a Opus
Dei ou a Renovação Carismática Católica, aparece também difuso ao longo da imensa
estrutura católica. Igreja atravessada por disputas internas que, em seu gigantismo, abriga
religiosos dos mais diferentes matizes políticos, panorama confirmado também para o
caso norte-americano, conforme apurado pela pesquisa do Pew Research Institute.
De acordo com ela, haveria atualmente um equilíbrio entre disposições
conservadoras e progressistas entre os católicos estadunidenses, com uma leve vantagem
para as primeiras. Partidariamente há um predomínio Democrata, com 44% contra 37%
de católicos republicanos, enquanto um número significativo, 19%, não se identifica com
nenhum dos dois partidos. O conservadorismo, entretanto, é a posição política manifesta
por uma maioria de 37%, ao lado de 36% que se dizem moderados e 22% liberais. Quanto
ao papel do Estado, novamente predomina o equilíbrio, com 48% mostrando-se a favor
da sua redução e 47% pleiteando a expansão dos serviços fornecidos. Equilíbrio que
persiste na percepção sobre o benefício da função social do Estado, com 48% julgando
ser útil o auxílio aos pobres e 46% advogando a sua nocividade. Em termos da influência
205

teológica fundamentalista, ela parece ser bem pequena, uma vez que apenas 26%
entendem a Bíblia como tradução literal da palavra divina, 36% acreditam que nem todas
as suas partes devam ser lidas literalmente e 28% creem que a Bíblia não deve nem mesmo
ser interpretada como a palavra de Deus (RELIGIOUS Landscape Study - Catholics,
[s.d.]).
Em termos globais, é possível, contudo, que ao longo das décadas de 1970 e 1980
a balança católica tenha ameaçado pender mais para o lado progressista, com o grande
sucesso atingido pela progressista Teologia da Libertação entre seus clérigos, sobretudo
nas américas. A fim de neutralizar o surto esquerdista, surgirão, porém, novas facções
conservadoras, como a Renovação Carismática Católica, concebida em finais dos anos
1960 nos Estados Unidos. Ainda que as lideranças católicas anteriormente mencionados
não tivessem relação com a RCC, iniciada mais de uma década após o lançamento da
FRASCO, será ela a organização católica enfocada por esse trabalho por sua grande
importância na contenção do progressismo religioso na América Latina, mormente após
a década de 1990.
Conforme a página oficial na internet do National Service Committee, órgão
formado por líderes carismáticos nos Estados Unidos, a Renovação Carismática Católica
tem suas raízes num retiro espiritual realizado em fevereiro de 1967 por universitários da
católica Duquesne University, em Pittsburgh. Na ocasião, muitos estudantes teriam
experimentado o batismo no Espírito Santo, ritual comum aos cultos pentecostais, sendo
essa fusão um dos traços teológicos da Renovação. Pouco depois, o movimento se espalha
primeiramente entre outras Universidades norte-americanas e, em seguida, por todo o
planeta, atingindo atualmente 238 países. O aval papal também não demoraria, tendo
Paulo VI em 1975 “saudado dez mil católicos carismáticos de todo o mundo na Nona
Conferência Internacional da Renovação” (ABOUT Catholic Charismatic Renewal,
[s.d.]). João Paulo II, por sua vez, foi um “apoiador entusiasmado”, travando frequentes
encontros com líderes carismáticos.
Cabe notar que a Renovação Carismática Católica se insere no mais amplo
movimento carismático, iniciado por volta da década de 1950 nos Estados Unidos.
Conforme Marsden (1991, p. 77), um de seus principais difusores foi o pastor da
Assembleia de Deus David Du Plessis, fundador do Full Gospel Business Men’s
Fellowship International, associação nascida em 1951 que reúne homens de negócios
cristãos de todo mundo em torno de um projeto evangelizador global que tem como
alguns de seus princípios a unidade mundial dos cristãos e o batismo no Espírito Santo.
206

Nas décadas seguintes, Du Plessis se esforçou “assiduamente e com sucesso” para levar
a mensagem pentecostal para outras denominações. Como resultado, já em princípios dos
anos 1960 movimentos de renovação carismática tiveram lugar nas igrejas Episcopal,
Presbiteriana, Luterana e até mesmo na Católica.
A rápida expansão do movimento, bem como seu caráter conservador e aliado à
hegemonia norte-americana, transparece em documento de novembro de 2005 formulado
pelo encarregado de negócios da embaixada norte-americana em Manila, Filipinas, Paul
W. Jones. Com entre três e quatro milhões de seguidores, os carismáticos se apresentavam
no país desde 1984 sob a forma do movimento El Shaddai (Deus todo poderoso em
hebraico), fundado por Mariano Zuniega Velarde, também conhecido como Mike
Velarde, dono da empresa de rádio e televisão Delta Broadcasting System e da
desenvolvedora de ativos Amvel Land Development Corporation235. Divagando sobre a
influência política de grupos religiosos no país, o documento atentava para o fato de que
os carismáticos, ao lado de outras organizações religiosas, desde 1986 buscavam
influenciar as eleições locais. Teriam sucesso sobretudo por serem seus seguidores “mais
propensos que outros grupos a votarem em bloco”236, portanto decisivos em eleições
apertadas. Foi este o caso do pleito presidencial de 2004, quando Gloria Macapagal-
Arroyo venceu com a margem estreita de pouco mais de um milhão de votos, para tanto
contando com o apoio do El Shaddai. Formada nos Estados Unidos e pessoalmente
relacionada com o ex-presidente Bill Clinton, Arroyo tratou de aproximar seu país da
nação capitalista hegemônica, fato expresso, por exemplo, no apoio conferido pelas
Filipinas à invasão do Iraque ordenada por George W. Bush.

4.2 – Organizações interdenominacionais nos EUA

Em terras norte-americanas, coligações reunindo porções de diferentes igrejas


evangélicas e protestantes exprimem uma grande divisão do campo religioso que se
remete frequentemente às disputas entre o conservadorismo fundamentalista e os

235
A extração social do líder carismático filipino é outro indicativo de que o movimento foi mundialmente
cultivado por empresários, como aqueles envolvidos no Full Gospel Business Men’s Fellowship
International.
236
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. The INC and El Shaddai: Two Philippine Religious
Groups with Political Clout. Canonical ID: 05MANILA5130_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/05MANILA5130_a.html>. Acesso em: 23 jun. 2021.
207

partidários do modernismo teológico. Não há espaço neste trabalho para abordar todas
essas coligações, mas cabe notar que tanto observadores deste panorama como material
documental aqui reunido permitem concluir que a fração conservadora vem se
expandindo na segunda metade do século XX, especialmente após a década de 1970,
quando pode-se dizer com alguma segurança que já exerce considerável influência sobre
a maioria do público religioso estadunidense. É desta fração hegemônica que virão os
principais quadros do Partido da Fé Capitalista, razão pela qual irei me concentrar na
maior associação interdenominacional onde ela se refugia, a National Association of
Evangelicals.

4.2.1 - A “alternativa conservadora” National Association of Evangelicals

Como vimos, a associação evangélica interdenominacional National Association


of Evangelicals – NAE caracteriza-se, segundo as palavras da equipe de Ronald Reagan,
como uma “alternativa” conservadora à outra liga de igrejas norte-americanas, a mais
liberal National Council of Churches. Essa diferença, contudo, precisa ser matizada, uma
vez que em 1958 coube a um líder da NCC, o reverendo Edwin T. Dahlberg, sugerir uma
“arma espiritual” para o combate internacional ao comunismo na reunião Foreign Aspects
of U.S. National Security. Além de Dahlberg, outros cinco membros da NCC ali estavam
como ouvintes, contra apenas um da NAE. O fato sugere que nas décadas formadoras do
Partido da Fé Capitalista não houvesse grande diferenciação entre ambas as organizações,
o que passa a acontecer pelo menos desde o final dos anos 1970, com um maior
entrosamento entre a NAE e os grupos ultraconservadores, que no embalo do
renascimento fundamentalista daquela década tomam a dianteira do movimento político-
religioso aqui descrito.
Fundada em 1942 em Saint Louis, no Missouri, a NAE define-se como uma
“agência cooperativa” devotada à reorganização do evangelicalismo conservador e
fundamentalista, desarticulado em 1925 após o julgamento do professor John T. Scopes,
que desafiou legislação do Tennessee proibindo o ensino da Teoria da Evolução nas
escolas públicas. No contexto do processo, saiu derrotada aos olhos da opinião pública a
posição abraçada por fundamentalistas e religiosos conservadores em geral, pregando a
incompatibilidade entre as ideias de Darwin e o texto bíblico, cuja leitura deveria ser
literal e não figurativa como queriam os adeptos da teologia moderna, resultando na
208

“perda da influência evangélica nas principais denominações” (OUR History. NAE –


National Association of Evangelicals, [s.d.]). A nova organização responderia também
aos anseios de uma “maior cooperação nas missões e para a representação frente às
autoridades civis”. Assim, convergindo com as conclusões desta pesquisa sobre o grande
incremento do missionarismo evangélico internacional a partir da segunda metade do
século XX, a primeira iniciativa da NAE foi a abertura em 1943 de um escritório em
Washington D.C. para “auxiliar agências missionárias em suas negociações com o
Departamento de Estado”, além de “defender a causa das transmissões evangélicas junto
à Comissão Federal de Comunicação”. De fato, a NAE viria a controlar uma das
maiores237 associações evangélicas de emissões de rádio e TV, a National Religious
Broadcasters, fundada ainda em 1944. Já no ano seguinte, a NAE abriu a Evangelical
Foreign Missions Association, atualmente chamada Missio Nexus, segundo suas palavras
a “maior associação missionária do mundo”. Em 1958 foi a vez dos pentecostais se
juntarem ao grupo, com a entrada da Assembleia de Deus, da Church of God, da Igreja
do Evangelho Quadrangular, da Pentecostal Church of God e da Pentecostal Holiness
Church, que perfaziam, então, “quase dois terços dos membros da NAE”.
Ainda nos anos 1950, uma de suas principais realizações seria a participação na
rearticulação do movimento evangélico internacional através da organização World
Evangelical Fellowship, fundada em 1951. As décadas seguintes, contudo, foram de
vacas magras para a organização e para o movimento fundamentalista de modo geral,
que, no entanto, superaria as dificuldades em fins dos anos 1970. Descrevendo a mesma
trajetória, neste momento a NAE passou a usufruir de “liderança estável, crescimento
quase recorde, e aumento do reconhecimento nacional”. Passará também a interessar-se
mais pela política partidária norte-americana em resposta à decisão de 1973 da Suprema
Corte em endossar o direito das mulheres ao aborto e do “distanciamento” da
administração Carter, cerrando fileiras, a partir de então, com o Partido Republicano e
fazendo parte da ampla coligação de organizações evangélicas que levou Ronald Reagan
ao poder. Significativamente, hoje sua sede fica em Washington D.C.

237
Segundo Chris Hedges (2006, p. 175), a maior transmissora evangélica do mundo é a Trinity Broadcast
Network, fundada na Califórnia em 1973, que em 2006 alcançava 75 países, transmitida por mais de seis
mil estações pelo mundo. Comandada pelo pastor da Assembleia de Deus Paul Crouch e sua esposa Jan, a
rede traz às telas alguns dos mais reacionários pregadores norte-americanos e de outras nacionalidades.
Aberta a conservadores de todos os matizes religiosos, transmite sermões de batistas do sul, católicos, como
o padre Michael Manning, e carismáticos e pentecostais adeptos da Teologia da Prosperidade, como
Kenneth Copeland, Cleflo Dollar e John Avanzini.
209

A filiação republicana, contudo, é apenas uma preferência. Representando “50 mil


igrejas e 80 denominações, bem como centenas de escolas e seminários”238, a NAE é uma
força presente, de uma forma ou de outra, em qualquer administração norte-americana,
reunindo-se bianualmente com membros do Executivo para receber informes “sobre
política pública”. Não aconteceu de forma diferente no governo do democrata Bill
Clinton, apesar de seus assessores notarem que a organização movia juntamente com a
Igreja Católica campanha contra o projeto de reforma do sistema de saúde, derrotado no
Congresso pouco depois. Deste modo, em 1994 a NAE enviou uma comissão de “líderes
denominacionais e pessoas que trabalham com problemas de política pública” para passar
quatro dias na capital, sondando “questões políticas de interesse dos seus membros”. Não
bastasse, desde 1954 alunos provenientes de todo o país e com tendências “moderadas a
conservadoras em questões sociais”239, matriculados em seminário realizado pela NAE
em parceria com a universidade religiosa Olivet Nazarene University, são recebidos
anualmente na Casa Branca para também tomarem ciência das “iniciativas legislativas da
Administração”.
O entrelaçamento da NAE com a estrutura governamental oficial, segundo ela
própria remontando aos tempos do presidente Eisenhower cujo gabinete visitava
regularmente, novamente vem à tona em parcerias para programas assistencialistas
internacionais realizados pelo seu braço filantrópico fundado em 1944, a World Relief.
Além de figurar entre o seleto grupo de dez agências autorizadas pelo Departamento de
Estado para o reassentamento de refugiados, o “governo dos Estados Unidos confia à
World Relief a tarefa de realizar programas de combate à pobreza orientados para
resultados ao redor do mundo em nome do povo Americano”240, conforme panfleto
distribuído pela organização em meados dos anos 1990 e acumulado pelos assessores de
Bill Clinton.
Mas é entre os governos republicanos que a NAE se sente mais à vontade. O
grande entusiasmo que devotou à administração Bush, expresso na já referida carta de

238
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Domestic Policy Council (Clinton Administration), ca. 1992 - 1/20/2001. Chron. File, April 1994.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26413318>. Acesso em: 10 out. 2020.
239
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Public Liaison (Clinton Administration), 1993 - 2001. Invitations for Alexis Herman
Regretted, December 1994-January 1995 [1]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/120355460>. Acesso em: 10 out. 2020.
240
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
National AIDS Policy Office (Clinton Administration), 1993 - 2001. World Relief. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/54977228>. Acesso em: 10 out. 2020.
210

congratulação enviada ao mandatário em 2004, também redundou em convites para a


participação de Bush em sua Convenção Nacional do mesmo ano. Seu líder, Ted Haggard,
não satisfeito em fazer chegar o convite diretamente ao presidente, escreveu também para
o assessor Karl Rove na esperança de que este convencesse Bush a aparecer. Indo direto
ao assunto, Haggard abre a comunicação colocando na mesa o fato de sua organização
representar “48 milhões americanos cristãos” 241, lembra Rove da participação de Reagan
na edição de 1983, onde o ex-presidente se referiu à União Soviética como “Império do
Mal”, e termina acenando com a oportunidade de Bush, da mesma forma, servir-se da
próxima convenção como palanque.

4.3 – Organizações religiosas dedicadas à política partidária

Em um dos muitos discursos proferidos por Gerald Ford diante da National


Religious Broadcasters, transparece de maneira incisiva a compreensão, partilhada por
grande parte dos homens religiosos norte-americanos, de que haveria uma saudável e
mesmo inquebrável sinergia entre religião e política. Há muito presente entre setores mais
conservadores daquela sociedade, que viam sua Constituição inspirada em princípios
divinos, tal compreensão parece avançar em largos passos ao longo da década de 1970
com o surgimento de organizações religiosas explicitamente dedicadas ao mundo da
política partidária. Falando para essa plateia, disse Ford em janeiro de 1975 que quando
prestou seu juramento como presidente mantinha consigo a Bíblia aberta no seguinte
provérbio: “Confie no Senhor de todo o seu coração e não se apoie em seu próprio
entendimento; reconheça o Senhor em todos os seus caminhos, e ele endireitará as suas
veredas”242. Concluiu acrescentando supor que a recomendação dessas palavras não
constituiria “violência à separação entre Estado e Igreja” e que, se este fosse o caso,
estaria em “boa companhia, começando com George Washington”. Ronald Reagan, cuja
eleição escorou-se em grande parte na direita religiosa militante, foi mais um a colocar
lenha nessa fogueira. Em outra reunião da NRB reeditou o discurso de Ford, repelindo os

241
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
563076. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/119650659>. Acesso em: 10 out. 2020.
242
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção President's
Speeches and Statements Reading Copies (Ford Administration), 1974 – 1977. 1/28/75 - National Religious
Broadcasters' 32nd Annual Congressional Breakfast. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/1252207>. Acesso em: 02 nov. 2020.
211

que pedem uma mais nítida separação entre Igreja e Estado. Redarguiu que, novamente,
George Washington teria beijado a Bíblia no lançamento da Constituição norte-americana
e que John Adams, convencido de que “Deus governa os assuntos humanos” 243, a via
como “o melhor livro do mundo”. A interpenetração entre Igreja e Estado não é, portanto,
e como tem sido aqui exposto, um fenômeno recente nos Estados Unidos. Mesmo assim,
ocorre ao longo dos anos 1970 uma reorganização das associações religiosas norte-
americanas que passam a intervir de maneira muito mais direta na política partidária
dentro e fora dos Estados Unidos, embaladas pela nova Teologia do Domínio.
Claramente inclinadas para o Partido Republicano, tais associações foram
providenciais na eleição de Reagan e dos dois Bush. Por pouco também não impediram
a vitória de Clinton, uma vez que, segundo dados244 publicados pelo USA Today em julho
de 1993, George Bush conseguira 61% dos votos de eleitores protestantes e evangélicos,
enquanto Clinton ficara com 23%. Tal predileção, contudo, é um fenômeno recente. A
empresa de consultoria National Journal245 constatou a progressiva migração para o
Partido Republicano do voto protestante e evangélico, que se em finais dos anos 1970 e
início dos 1980 ainda pertencia majoritariamente aos democratas, em 1994 comporiam
por volta de 30 a 40% de todo o eleitorado do partido rival. O fato é confirmada também
por Chris Hedges (2006, p. 23), que afirma que George W. Bush teria obtido 78% dos
votos protestantes e evangélicos na eleição presidencial de 2004. Ainda de acordo com o
jornalista, em princípios do século XXI a direita cristã partidária já conseguira migrar das
margens da sociedade para o interior das principais instituições dos três Poderes norte-
americanos, além de ter dominado o Partido Republicano, onde os fundamentalistas
seriam maioria em 36% dos seus comitês.
Conforme já foi adiantado, isto não quer dizer, porém, que o Partido da Fé
Capitalista se veja alijado de participação política em governos democratas. Instituição
perene da república norte-americana por toda a segunda metade do século XX, a religião
organizada permaneceu importante parceiro do Estado restrito sob Clinton, a despeito dos
atritos. Em outubro de 1994, por exemplo, o membro do Departamento de Comunicações

243
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the President (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. 01/31/1983 (case file 117231).
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/118567192>. Acesso em: 02 nov. 2020.
244
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 - 2001. [Press Clips] Monday, July 19, 1993.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/20759811>. Acesso em: 02 nov. 2020.
245
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Domestic Policy Council (Clinton Administration), ca. 1992 - 1/20/2001. Chron. File, April 1994.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26413318>. Acesso em: 02 nov. 2020.
212

do presidente democrata, David Dreyer, recomendava que o mandatário se valesse de


líderes religiosos para extrair dividendos frente à opinião pública de sua atuação no
processo de paz no Oriente Médio. Argumentando que os tratados entre Israel e a
Palestina mediados por Clinton seriam vistos largamente através das “lentes da fé” 246,
sobretudo entre o público religioso para quem a estabilização de Israel é uma etapa
necessária para a volta iminente de Jesus Cristo, sugeria que o presidente se fizesse
acompanhar de religiosos, como o líder fundamentalista Billy Graham, em uma de suas
viagens para o Oriente Médio. O próprio Clinton é retratado, novamente pela empresa de
consultoria National Journal, como um assíduo evangélico, membro da Convenção
Batista do Sul que no passado frequentava anualmente eventos de massa pentecostais.
Ao lado da defesa da chamada pauta moral, compreendendo a campanha
antiaborto, contrária à extensão do direito de casamento aos gays e à laicidade do Estado,
figuram uma série de bandeiras economicamente ultraliberais entre as principais
reivindicações das organizações cristãs organizadas. Assim, voltam-se elas contra a
presença estatal em diversas esferas, como a educação e a saúde, demandam cortes
orçamentários e reduções de impostos e dissimuladamente defendem os interesses da
indústria armamentista. Dois dos seus principais líderes, Pat Robertson e Jerry Falwell,
por exemplo, já manifestaram publicamente repúdio à educação pública, dizendo o
primeiro que “dinheiro de impostos gasto na educação pública injeta ateísmo em nossa
sociedade”247, enquanto o segundo espera ver o dia em que “não teremos nenhuma escola
pública”.
Como vimos, para Daniel Rocha (2020, p. 105) o temor da interferência estatal
sobre as escolas religiosas ao longo da década de1970 teria sido um grande estímulo para
o deslanche partidário do cristianismo conservador norte-americano. Importante espaço
de reprodução ideológica e de arrecadação de fundos, as instituições de ensino religiosas
multiplicavam-se rapidamente nas décadas de 1960 e 1970, sobretudo em função de
recentes decisões da Suprema Corte vedando orações e leituras da Bíblia em escolas
públicas (ROCHA, 2020, p. 105). Desde princípios da década de 1970, entretanto, o
governo federal movimenta-se para assegurar que o processo de dessegregação das

246
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Public Liaison (Clinton Administration), 1993 - 2001. [Invitations]-October 1994 Accepted
[2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/120355418>. Acesso em: 02 nov. 2020.
247
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Presidential
Electronic Mail from the Automated Records Management System (ARMS), 1/20/1993 - 1/20/2001.
[11/12/1998]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/40491175>. Acesso em: 02 nov. 2020.
213

escolas, em vias de se completar nas escolas públicas, atingisse também as particulares


(ROCHA, 2020, p. 106). Ainda que tais políticas tenham sido iniciadas no governo Nixon
e prosseguidas sob Gerald Ford, o democrata Jimmy Carter foi o maior alvo da “fúria
fundamentalista” quando, em 1978, o governo federal procura estabelecer uma política
de cotas raciais para que escolas privadas pudessem pleitear isenções fiscais,
simultaneamente ameaçando a arrecadação dessas instituições e afrontando o arraigado
racismo sulista, região que concentrava a maioria das escolas fundamentalistas. A
medida, entretanto, teve pernas curtas, detida por articulações lobistas da direita cristã.
Não surpreende, assim, que a redução do Estado surja como foco das organizações
partidárias cristãs já nos primeiros anos após a eleição de Reagan, quando buscaram
aprovar sem sucesso emenda constitucional que limitasse os gastos governamentais 248. A
derrotada proposta foi apresentada por Reagan ao Congresso em 29 de abril de 1982 como
uma necessária revogação do New Deal, cujas distorções inseridas no papel do Estado
urgia corrigir. Redundando em progressivos déficits desde 1950, tais distorções referiam-
se à errônea compreensão de que o orçamento governamental deve ser usado como
ferramenta de política econômica, e a um constante incremento da participação do Estado
em questões de bem-estar social, como os crescentes gastos com programas de saúde e
educação. Consideradas “fundamentalmente impróprias”249 nos anos precedentes à
Segunda Guerra, cabia reverter as atribuições do Estado ao seu formato natural. A
proposta de emenda veio um ano após Reagan lançar um pacote de corte de gastos,
negociado com sua base de líderes conservadores, muitos deles religiosos. Todavia, Paul
Weyrich, um dos fundadores do grupo cristão de pressão política Moral Majority e
membro de tantos outros clubes conservadores, opinara que os “cortes propostos não são
grandes o suficiente”250. Correspondente contumaz de Reagan, Weyrich apresentara a si
e seu grupo, em carta de fevereiro de 1981, como “envolvidos no movimento pelo
governo limitado, livre iniciativa, uma forte defesa nacional e valores da família
tradicional”.

248
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Coalitions for
America (2 of 2). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840771>. Acesso em: 02 nov. 2020.
249
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Balanced Budget
Amendment (2 of 3). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840668>. Acesso: em 02 nov.
2020.
250
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Coalitions for
America (1 of 2). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840769>. Acesso em: 02 nov. 2020.
214

Na década subsequente, a campanha seguiria ganhando ímpeto, na medida em que


as organizações político-religiosas evoluíam em alcance e organização. Sua mais
poderosa divisão nos anos 1990, a Christian Coalition, moveu vigorosa campanha contra
as políticas menos liberais de Clinton. Em fevereiro de 1993, a Coalition assinou junto
com outras 102 associações, entre elas a organização cristã Family Research Council,
manifesto251 contra os aumentos de taxas propostos pelo presidente. Segundo o
documento, maiores impostos, inclusive sobre o lucro corporativo, apenas fragilizariam
ainda mais a economia, sem reequilibrar as contas públicas. Estas “taxas
contraproducentes” deveriam, na ótica dos signatários, ser abandonadas em favor de
“políticas econômicas projetadas para encorajar o empreendedorismo, a criação de
empregos, e o investimento no setor privado”.
Assim, no que diz respeito por exemplo às propostas de aumento da presença
estatal no sistema de Saúde, organizações religiosas conservadoras, e não o empresariado,
estariam assumindo a linha de frente na oposição político-ideológica. Ou pelo menos é o
que diz Gary Bauer, diretor da organização Family Research Council, em matéria de abril
de 1994 de publicação252 não identificada cujo recorte foi enviado por um cidadão ao
escritório da primeira-dama Hillary Clinton. Podemos supor, no entanto, que as palavras
de Bauer busquem camuflar uma realidade sugerida pelas fontes documentais, a de que
tais organização, antes de ocuparem um lugar deixado vago pelas corporações, na verdade
representariam publicamente os seus interesses. A conclusão encontra bases também nos
próprios dizeres de Bauer, que encerra o texto alegando ser o propósito de seu movimento
restituir às “famílias, comunidades e associações privadas”, à esfera particular, enfim, o
poder de gestão sobre os cuidados médicos usurpado pelo Estado. A documentação não
entrega a identidade do remetente da matéria, mas seu apoio às propostas de Bauer
transparece na palavra “fascismo” grafada à mão ao lado do título da matéria “Colocando
o governo em primeiro lugar”. Fato também indicativo da adesão do anônimo eleitor a
princípios ideológicos propagados por setores ultraconservadores, que numa
simplificação conceitual grosseira e desonesta invariavelmente associam a maior

251
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
National Security Council Speechwriting Office (Clinton Administration), ca. 1993 - ca. 2001. New
Direction - Kemp-Weber Briefing. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/40477844>. Acesso em:
02 nov. 2020.
252
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 – 1994. Correspondence Non-
Response Published Clippings w/Comments [Folder 1] [1]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/16893224>. Acesso em: 03 nov. 2020.
215

presença estatal na vida pública com o fascismo. O inequívoco comprometimento das


organizações cristãs com essa plataforma, e não com partidos ou atores estatais, aflora,
por sua vez, nas duras críticas253 que o presidente George W. Bush recebeu em 2003 de
sua base, em especial de Paul Weyrich, após aprovar ajuda para o fornecimento de
medicamentos, que significaria, em vinte anos, gastos de dois trilhões de dólares.
Mas o abalo não foi suficiente para estremecer as ótimas relações de Weyrich e
da direita cristã com Bush. Nem poderia ser diferente, uma vez que naquele governo
houve, segundo Chris Hedges (2006, p. 23-24), acentuada transferência de recursos e
atribuições do Estado restrito para organizações privadas controladas por religiosos. O
jornalista estima que em 2003 essas entidades receberam 8,1% da verba concedida pelo
governo federal a instituições de assistência social. Em 2004 esse número subiu para
10,3%, e 11% em 2005, perfazendo então mais de 2,15 bilhões de dólares.
A aliança das organizações partidárias evangélicas com o setor empresarial
traduz-se, também, no recuo na defesa usualmente intransigente da pauta moral quando
ela se interpõe aos interesses de grandes corporações. É exemplar desse caso
acontecimento de junho de 1997, quando se davam as negociações entre o governo norte-
americano e o chinês para firmar acordos para trocas comerciais e participação de
empresas norte-americanos no país asiático. Segundo matéria254 veiculada pela empresa
InsideHealthPolicy, que publica informações sobre a rotina do governo norte-americano,
a princípio encontrando forte oposição lobista da direita cristã, a iniciativa viu sua
resistência esmorecer após manifestações favoráveis de outros grupos cristãos, atendendo
pedidos do pastor fundamentalista Billy Graham, sob um pano de fundo de progressiva
pressão de grupos do empresariado para a sua aprovação. Com efeito, poucas semanas
antes das negociações avançarem no Congresso, Gary Bauer travava campanha pública
contra a normalização do comércio com a ateísta China, declarando querer fazer a
liderança chinesa compreender que “ainda que as trocas e o comércio sejam importantes,
estas coisas não são os valores americanos mais elevados. Que, de fato, há preços altos
demais para se pagar”255. Os desdobramentos seguintes, entretanto, o desmentiriam,

253
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
607825 [1]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578998>. Acesso em: 03 nov. 2020.
254
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Policy Development (Clinton Administration), 1993 - 2001. Trade Publications [Fast Track] [2].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/158701990>. Acesso em: 03 nov. 2020.
255
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 – 2001. FEC [Federal Election Commission] Soft
216

mostrando que o comércio é, sim, uma prioridade norte-americana. Também Ralph Reed,
da Christian Coalition, em março de 1997 bradava contra as negociações com a China,
prometendo barrá-las no Congresso. Para ele, ao contrário de beneficiá-la com acordos
comerciais, os Estados Unidos deveriam “punir a China por suas violações de direitos
humanos”256, mencionando especificamente a brutal “perseguição aos cristãos” e a
realização de abortos forçados. Curiosamente, o pastor Pat Robertson, mentor da
Christian Coalition representada por Reed, não tinha as mesmas reservas para negociar
com os asiáticos, lançando em 1995 empresa fornecedora de TV a cabo em território
chinês257. O fez em parceria com a multinacional Lippo Group, da muçulmana indonésia,
e um grupo de empresários da também predominantemente muçulmana Malásia. Sendo
assim, seguindo a maré dos acontecimentos, apenas três anos depois vemos a Christian
Coalition proferir um discurso completamente distinto com relação à China. O sucessor
de Reed na Coalition entre 1997 e 2000, Randy Tate, passou a apresentar a integração
econômica, já consumada pelo empresariado e pelo Congresso, como um positivo veículo
de mudança, pois uma China isolada “resistirá a mudanças domésticas e está mais
propensa a ser agressiva com seus vizinhos” 258. Lacrou a discussão concluindo que “Nada
disso serve aos interesses americanos. Admitir a China na OMC pode não transformar
sua ditadura numa democracia. Mas é o passo correto em direção a este objetivo”.
O Partido da Fé Capitalista, entretanto, não se limitou a influenciar a política
partidária doméstica. Vem ele também intervindo direta ou indiretamente em todos os
países do mundo, seja através dos braços locais de organizações religiosas sediadas nos
Estados Unidos, seja inspirando ações semelhantes por parte organizações nativas cuja
gênese e disseminação se deu sob seu patrocínio ideológico, como a brasileira Igreja
Universal do Reino de Deus. Em todos os lugares, porém, seu programa é semelhante, a
denúncia de uma suposta decadência moral, apresentada como raiz de variados problemas

Money/Campaign Finance. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/18511543>. Acesso em: 03


nov. 2020.
256
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Tape Restoration
Project (TRP) Emails, 1/20/1993 - 1/20/1993. [03/17/1997 – 05/29/1997]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/122242114>. Acesso em: 03 nov. 2020.
257
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Counsel to the President (Clinton Administration), 1993 - 2001. Thompson Committee Final
Report Volume 1 [3]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/41027827>. Acesso em: 03 nov.
2020.
258
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Presidential
Electronic Mail from the Automated Records Management System (ARMS), 1/20/1993 - 1/20/2001.
[01/08/2000 – 01/11/2000]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/122241968>. Acesso em: 03
nov. 2020.
217

sociais, o encolhimento do Estado e o ataque à sua laicidade, a liberalização da economia


e a repulsa ao socialismo “ateu”, associado a todos os movimentos tidos como de
esquerda.
Foi neste espírito que o Reverendo Billy Bright, presidente da Campus Crusade
for Christ, dias antes da realização de um grande congresso evangélico na Coreia do Sul,
a Explo 74, comentou que a despeito das inúmeras denúncias de perseguições sofridas
por religiosos progressistas nas mãos do regime sul-coreano, naquele país a liberdade
religiosa seria ainda maior do que nos Estados Unidos, onde “o evangelismo nas escolas
e em outros lugares públicos foi limitado pela doutrina da separação entre Igreja e
Estado”259. Prevendo receber entre seiscentas e setecentas mil pessoas, a Explo 74 teria
como principais atividades “encontros de oração em massa” e o treinamento de
evangelizadores em quatro mil salas de aula por toda a capital Seul260.
No mesmo ano, o ditador sul-coreano Park Chung-hee convidou o reverendo
fundamentalista Carl McIntire, aquele que sugeriu a Truman o uso de armas nucleares na
Coreia do Norte, para entrevistá-lo e gravar participação em programa na TV estatal
coreana, a KBS-TV. A visita foi acompanhada de declarações elogiosas ao governante,
“um destemido guerreiro anticomunista”261, e de justificativas à repressão de alguns
grupos cristãos “subvertidos por comunistas”, legítima “à luz dos problemas de segurança
da Coreia”. Tão estreitas eram as relações entre os cristãos conservadores e o governo
sul-coreano, que o embaixador William H. Gleysteen contou que o extremismo da
campanha feita por organizações cristãs levava dissidentes coreanos, religiosos e laicos,
a crer que elas buscavam facilitar as restrições aos direitos humanos no país ao “super
enfatizar”262 a ameaça do Norte. Essa oposição denunciava que eram subsidiados pelo
regime grupos como a Liga Cristã Anticomunista, da qual o diplomata suspeitava fazer
parte o pastor Billy James Hargis, fundamentalista e muito próximo de Carl McIntire.

259
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Explo '74. Canonical ID: 1974SEOUL05202_b.
Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1974SEOUL05202_b.html>. Acesso em: 05 nov.
2020.
260
A frequência da Explo 74 aparece ainda mais inflada na página oficial da Campus Crusade, que afirma
ter arrastado um milhão e quinhentas mil pessoas todas as noites, provavelmente para as preces em massa
(BILL Bright, [s.d.]). Já matéria publicada pela revista Christianity Today em setembro de 1974 calculou
em 300 mil o número de inscritos para os cursos de treinamento em evangelismo (PLOWMAN, 1974).
261
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Rev. Carl McIntire, chairman of International Council
of Churches comments on Corean Church Scene. Canonical ID: 1974SEOUL07695_b. Disponível em:
<https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1974SEOUL07695_b.html>. Acesso em: 05 nov. 2020.
262
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Invitation to Ruth Carter Stapleton to Visit Korea.
Canonical ID: 1978SEOUL08445_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978SEOUL08445_d.html>. Acesso em: 06 nov. 2020.
218

Presidente da confederação internacional de evangélicos conservadores


International Council of Churches, encontramos McIntire já no ano seguinte sendo
expulso do Quênia. A razão para tanto residiu em dois fatos, em primeiro lugar às críticas
públicas e exigências de pedidos de desculpas feitas pelo pastor ao governo local, que
vetara a sua tentativa de trazer o dissidente soviético Alexander Soljenítsin para o país,
em cuja capital uma conferência da ICC era realizada263. Em segundo lugar aos elogios
que fez durante o evento ao líder racista da Rodésia Ian Smith, segundo McIntire um
“defensor da civilização”. A despeito dos protestos da embaixada norte-americana em
Nairóbi, o governo queniano firmou pé na questão, respondendo que a deportação do
evangélico se deveu a “comentários hostis sobre o Quênia e os movimentos de libertação
na África”264.
Mais ao sul, a embaixada norte-americana em Pretória, África do Sul, relatou em
outubro de 1978 que um número de igrejas evangélicas na vizinha Namíbia estava
somando esforços para contrapor-se à campanha movida pelas sete maiores igrejas do
país contra o adiamento das eleições pretendido pelo governo segregacionista da África
do Sul, da qual a Namíbia ainda não havia se emancipado. Formado predominantemente
por organizações religiosas norte-americanas, além da Igreja Reformada Neerlandesa e
dos metodistas, o consórcio religioso namíbio contava com a Igreja Batista; a Full Gospel
Church, autorizada pela Pentecostal Protestant Church a representá-la; e as também
pentecostais Apostolic Faith Mission; Assembleia de Deus; e United Apostolic Faith
Mission. Em manifesto conjunto entregue aos ministros das relações exteriores da
Alemanha Ocidental, Hans-Dietrich Genscher, e do Canadá, Don Jamieson, declarava-se
que as suas rivais “não falam por todas as igrejas no território e que elas não
necessariamente representavam a visão política de seus membros”265. O mesmo
documento exprimia o motivo da união das queixosas: a preocupação de que “uma forma
de governo neomarxista e anticristã pudesse vir ao poder”. Tratava-se das eleições
legislativas, de fato acontecidas em dezembro de 1978, para a instituição de um
Congresso semi-independente. Temiam as igrejas norte-americanas a influência da

263
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. GOK Deports dr. Carl McIntire. Canonical ID:
1975NAIROB06326_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975NAIROB06326_b.html>. Acesso em: 05 nov. 2020.
264
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Kenyan Deportation of dr. Carl McIntire. Canonical
ID: 1975NAIROB06357_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975NAIROB06357_b.html>. Acesso em: 05 nov. 2011.
265
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Evangelical Unhappiness with ARENA Could Impact
Election. Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/08SANSALVADOR1398_a.html>. Acesso
em: 06 nov. 2020.
219

Organização do Povo do Sudoeste Africano - SWAPO, grupo guerrilheiro pela


independência da Namíbia e que, naquela altura, seguia linha socialista. Para alívio dos
conservadores cristãos, contudo, não apenas a SWAPO foi excluída da eleição, como a
Namíbia continuaria sob o jugo sul-africano até 1990, quando, independente, passou a ser
governada por uma SWAPO não mais socialista.
Passando à América Latina, sabemos pela ocasião da visita do pastor pentecostal
norte-americano Rex Humbard ao Chile de Pinochet, que ali as “igrejas mais
fundamentalistas”266 proviam apoio ao regime, segundo palavras da própria representação
diplomática norte-americana em Santiago. Os veículos televisivos do governo do Chile
deram “extensiva cobertura” à visita de Humbard, que se dizia “feliz num país tão livre”,
onde mantinha “muitos seguidores evangélicos”.
Na América Central, vemos o embaixador norte-americano em El Salvador
Charles L. Glazer reportar em 2008 a crescente importância das igrejas evangélicas na
política partidária. Segundo Glazer, lideranças religiosas teriam feito intensas críticas ao
governo direitista do partido Arena, ameaçando retirar seu apoio nas eleições vindouras.
A queixa referia-se à quebra de promessa do presidente Elias Antonio Saca em empossar
membro evangélico em comissão que promulgaria reformas para facilitar o
reconhecimento de igrejas. Notando que alguns analistas descreviam a população
evangélica local como “muito organizada e obediente”, a maioria seguidora fiel das
determinações de seus líderes, Glazer conclui que “nenhum partido pode se dar ao luxo
de perder” o apoio do grupo, 29% da população, dando como provável uma reconciliação.
Outros dados interessantes trazidos pelo telegrama contam que a Assembleia de Deus é a
maior agremiação religiosa do país, reunindo 18% de salvadorenhos, e que ao lado das
demais igrejas pentecostais tem historicamente apoiado a ARENA. Em outro
telegrama267, o encarregado da embaixada norte-americana Robert Blau descreveu a
ARENA como um partido com fortes elos com os Estados Unidos, defensor de políticas
favoráveis ao livre mercado, dos valores da classe média e da lei e da ordem.
Também na ex-União Soviética a política passou a ser espaço progressivamente
frequentado por evangélicos. Em conversa de abril de 2006 com a diplomacia norte-

266
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Letelier/moffit Case: Media Attention Slackens.
Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1978SANTIA05878_d.html>. Acesso em: 05 nov.
2020.
267
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. ARENA: El Salvador Right Faces Uncertain Political
Future. Canonical ID: 08SANSALVADOR1045_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/08SANSALVADOR1045_a.html>. Acesso em: 06 nov. 2020.
220

americana em Minsk, Bielorrússia, líderes das principais organizações evangélicas no


país, representando coligações de igrejas pentecostais, batistas e adventistas, entre outras,
revelaram a disposição de transformar o panorama político local. Muitos deles
manifestaram inclusive a opinião que “a única maneira da Bielorrússia se libertar é
tornando-se protestante”268. O lançamento de um partido político era aventado diante da
alegada incapacidade dos partidos tradicionais “motivarem o povo a trabalhar pela
mudança”, o que as igrejas, por outro lado, fariam com sucesso. De fato, no ano seguinte
a embaixada relata a articulação das igrejas evangélicas locais numa frente político-
religiosa a fim de “influenciar e mudar a sociedade”269. De maneira específica, os pastores
pretendiam “instilar o patriotismo e uma visão de mundo bíblica” para “encorajar o povo
a assumir a responsabilidade por suas vidas e não mais fiar-se em residuais preceitos
comunistas fornecidos pelo governo”, não deixando dúvida sobre o tipo de mudança que
tinham em mente. Segundo palavras da embaixada, a evolução dessa frente era um “passo
positivo para o fortalecimento da oposição ao regime”. Desnecessário dizer que o governo
de Aleksandr Lukashenko, no poder desde 1994 apesar do esforço evangélico, não é visto
com os melhores olhos pelas potências ocidentais.
O Brasil não foge à regra, sendo um dos países onde organizações religiosas
vinculadas ao universo cristão norte-americano puderam se infiltrar com maior sucesso
na esfera partidária. Tais fatos serão observados em profundidade na Parte III. Vejamos
agora, uma a uma, as mais importantes organizações dedicadas à política partidária nos
Estados Unidos.

4.3.1 – A Moral Majority

A Central Intelligence Agency - CIA recorria a uma Encyclopedia of


Associations270 (Enciclopédia de Associações) para manter seus servidores informados
sobre organizações voluntárias deste feitio. Segundo trecho da 18ª edição de 1984 da

268
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Political Protestants Want Change. Canonical ID:
06MINSK446_a. Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/06MINSK446_a.html>. Acesso
em: 06 nov. 2020.
269
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Belarus, Protestants Consolidate Efforts to Promote
Change. Canonical ID: 07MINSK106_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/07MINSK106_a.html>. Acesso em: 06 nov. 2020.
270
Lançada em 1954, a Encyclopedia reúne informações de milhares de organizações estadunidenses sem
fins lucrativos ativas dentro e fora do país. Atualmente está em sua 55ª edição e é publicada pela editora
Gale, de Farmington Hills - Michigan.
221

Encyclopedia, retido nos arquivos da Agência, a Moral Majority dedicava-se a


“convencer os americanos moralmente conservadores que é seu dever registrar-se e votar
em candidatos que concordam com seus princípios morais”271. Fundada em 1979, ela foi
uma das organizações chave no renascer fundamentalista daquela década, exprimindo
como poucas a renovada participação do conservadorismo religioso organizado na
política partidária norte-americana. Sua fundação seria uma resposta a acontecimentos
tidos como sintomáticos do declínio moral dos Estados Unidos, como a legalização do
aborto, a popularização da pornografia e as campanhas pelos direitos dos homossexuais.
Seu modus operandi não compreendia o apoio nominal a candidatos, mas sim a
organização de eventos e a publicação de cartas e panfletos para tornar pública a posição
de políticos específicos com relação a temas que a associação julgava importantes. Em
meados dos anos 1980, a MM alegava manter entre seus membros 72 mil líderes
religiosos e quatro milhões de laicos, distribuídos em todos os cinquenta estados.
Outras informações sobre a organização são vistas em matéria da revista Time de
maio de 1995, consultada pela assessoria de Bill Clinton, naquela altura preocupada com
o exponencial crescimento da participação de conservadores evangélicos no mundo
partidário, deflagrado pela MM, mas aprofundado por outras organizações que lhe
seguiram. Segundo o texto, o objetivo dos seus fundadores, o pastor batista Jerry Falwell
e os intelectuais leigos Paul Weyrich, Howard Philips, Richard Viguerie e Terry Dolan,
seria “mobilizar os protestantes brancos dos estados do Sul e fronteiriços - muitos dos
quais teriam no passado apoiado Jimmy Carter - contra as alegadas ingerências de
Washington”. A MM, prossegue a matéria, ganhara legitimidade e acesso à Casa Branca
sob Reagan, mas acabou dissolvida e substituída por grupos semelhantes ao falhar na
construção de um movimento de bases.
Engana-se, contudo, quem supõe que as incursões políticas da Moral Majority se
limitaram à esfera dos costumes272. Conectada a frações da classe proprietária norte-
americana, tal como o fazem as suas sucessoras, a MM empenhou-se na redução da
estrutura estatal oficial e na defesa dos interesses da indústria armamentista. Foi assim,

271
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to William J. Casey from
(Sanitized). Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP85M00364R002204230067-9.
Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp85m00364r002204230067-9>.
Acesso em: 11 out. 2020.
272
Karen Armstrong (2009, posição 6132-6138) acredita que a Moral Majority foi “inspirada originalmente
não pelos fundamentalistas”, mas pelo grupo de intelectuais laicos formado por Richard Vignerie, Howard
Phillips e Paul Weyrich, “Conservadores em questões como defesa e interferência do governo na
economia”, que viram em Falwell e seus seguidores a oportunidade de formar uma “nova maioria
conservadora para combater o liberalismo moral e social”.
222

por exemplo, que junto com outras associações direitistas religiosas e laicas, como a
National Christian Action Coalition, o Conservative Caucus e a organização lobista em
favor dos direitos de posse de armas Gun Owners of America (Proprietários de Armas da
América), enviou a assessores de Reagan carta273 expressando sua preocupação com a
“falta de uma estratégia coordenada” para a aprovação da redução do orçamento federal
proposta pelo Executivo em 1981, o que “satisfaria os objetivos de muitos dos grupos
subscritos”. De forma semelhante, em dezembro de 1981 o pastor batista Everett Sileven,
presidente da MM no estado de Nebraska, protestava ao chefe da equipe de Reagan,
Michael K. Deaver, contraproposta do secretário de Educação, Terrel Bell, de dar
continuidade à sua pasta, sentida por ele e “seu povo”274 como uma traição a promessas
da campanha de 1980. Sileven era enfático, seu grupo não se satisfaria com outra coisa
além da “abolição” do Federal Department of Education (Departamento Federal de
Educação), exigência derivada da convicção de que o seu corpo de servidores praticaria
uma “extrema perseguição das Escolas Fundamentalistas Cristãs”, assim violando a
Constituição e chocando-se com os “melhores interesses da liberdade individual”. Na
mesma linha, Jerry Skirvin, diretor executivo da MM na Virginia, lembrava o mesmo
Deaver sobre a promessa de campanha de “abolir e desmantelar”275 o Departamento,
frisando ser a Educação uma área onde o governo federal não deveria se meter, “melhor
abordada em nível local e estadual”.
Não exageram, portanto, aqueles que percebem nas ações da Moral Majority, e
das demais instâncias do que chamo de Partido da Fé Capitalista, motivações de origem
muito mundanas. É o caso, por exemplo, do historiador Sean Wilentz, que em artigo de
abril de 1995 na revista Dissent, desde 1954 uma voz da esquerda liberal norte-americana,
acusa as organizações da direita cristã de um “populismo cultural” 276. Seu texto, que

273
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Balanced Budget
Amendment (2 of 3). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840668>. Acesso em: 11 out.
2020.
274
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of the Deputy Chief of Staff (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989.
Correspondence – January 1982 (4). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/66327768>. Acesso
em: 11 out. 2020.
275
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of the Deputy Chief of Staff (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989.
Correspondence – January 1982 (2). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/66327764>. Acesso
em: 11 out. 2020.
276
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 – 2001. Michigan State Commencement [2].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/23904109>. Acesso em: 11 out. 2020.
223

enfatiza o virulento “anti-intelectualismo” fundamentalista, insinua que a insistência em


idealizar um inimigo sob a forma de uma “elite liberal, não-religiosa e internacionalista”,
que faria de fantoches, homossexuais, feministas e partidários das políticas de bem-estar
social, serve para desviar olhares das injustiças econômicas. Sob um espesso manto de
moralismo estaria escondido, de fato, um “ardente desejo” de presentear as grandes
corporações com liberdade irrestrita, “a começar com o complexo industrial militar”.

4.3.2 – A Christian Coalition

O vazio aberto pela morte da Moral Majority em finais dos anos 1980 não tardou
a ser preenchido por outra entidade que não apenas manteve todos os seus traços
ideológicos mas que também soube elevar a eficiência do complexo partidário
fundamentalista: a Christian Coalition (Coalizão Cristã). Termômetro da importância da
nova organização, que moveu virulenta campanha contra Bill Clinton, é o fato de os
arquivos presidenciais do período conterem vasto material sobre ela, ao qual assessores
da Casa Branca recorriam para melhor compreendê-la.
Liderada pelo pentecostal Ralph Reed, “renascido”277 na Assembleia de Deus de
Camp Springs, Maryland, a edição da revista Times de maio de 1995 mensurava a
sofisticação da nova organização, em comparação à Moral Majority, pela grande
habilidade política de sua figura de frente. Ao contrário de Jerry Falwell, Reed exibiria
grande compreensão “dos mecanismos seculares da política americana”, notável em sua
exitosa estratégia de mesclar temas de grande apelo popular, como a redução dos
impostos, com o antigo discurso moralista dos seus predecessores, ao mesmo tempo em
que continuava a campanha contra a regulamentação estatal e os projetos de reforma da
Saúde. A fundação da CC, no entanto, não foi obra sua, coube ao fundamentalista Pat
Robertson, ex-pastor batista convertido ao movimento carismático, levantá-la usando
como base a estrutura que mobilizou durante sua campanha presidencial em 1988. Pouco
depois passou o cetro a Reed, que aprendendo com os erros da Moral Majority logo
procurou transformar a nova organização num movimento de bases com ativistas em
todos os cantos do país atentos aos problemas das comunidades locais. Apesar de

277
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (Clinton Administration), 1993 – 2001. 118879. Disponível
em: <https://catalog.archives.gov/id/158697914>. Acesso em: 12 out. 2020.
224

declarar-se apartidária, a CC na prática acoplou-se ao Partido Republicano, acrescentando


a Times que naquela altura (meados da década de 1990), junto a outros órgãos da direita
cristã, ela controlaria o partido em 13 estados, mantendo forte influência em outros 18 e
exercendo um “veto virtual” nas indicações presidenciais. De fato, comissão de 1998 do
Senado norte-americano sobre organizações alegadamente apartidárias e sem fins
lucrativos mencionou “indícios convincentes”278 de que a Coalition agia ilegal e
informalmente como um comitê político para candidatos republicanos, tendo empregado
22 milhões de dólares na campanha eleitoral de 1996 e distribuído “45 milhões de
panfletos em igrejas no domingo anterior ao dia da votação”. Em termos numéricos, a
matéria calculava que a CC teria um milhão e seiscentos mil militantes, segundo o próprio
Reed em sua maioria “fundamentalistas protestantes praticantes e católicos de
pensamento semelhante”279, e um orçamento anual de 25 milhões de dólares, números em
crescimento exponencial.
Segundo a chefe de Relações Públicas de Bill Clinton, Alexis Herman, a
mensagem da Christian Coalition sensibilizaria sobretudo as populações brancas de baixa
renda, os que recebem entre quinze e trinta mil dólares por ano, e especialmente as
mulheres, encontrando os republicanos ali uma “forte base”280. Tradicionalmente
Democrata, segundo Herman a migração desse grupo para o campo Republicano tem a
ver com a estratégia empregada pela CC de diluir a mensagem moralista com temas que
preocupam “o eleitor médio”281. Confirmando o prognóstico, conforme Reed tais temas
seriam “impostos, crime, desperdício governamental, assistência de saúde e seguridade
financeira”. Questões que a Coalition buscou responder com o Contract with the
American Family282 (Contrato com a Família Americana), publicado em 1995. Ali

278
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Counsel to the President (Clinton Administration), 1993 – 2001. Thompson Committee
Minority Report Volume 1 [7]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/41027861>. Acesso em: 12
out. 2020.
279
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 – 1994. [Morning News Summaries
7/93] [1]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/40483599>. Acesso em: 12 out. 2020.
280
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 - 2001. Elections: [Mike] Lux Analysis of
1994/1996 Elections. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/18513918>. Acesso em: 12 out.
2020.
281
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
First Lady's Office (Clinton Administration), 1993 - 2001. Health Care October 94 - December 94 [4].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/21332044>. Acesso em: 12 out. 2020.
282
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 – 1994. [Green Sheet Summaries of
News Content – May 1995] [3]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/17615910>. Acesso em:
12 out. 2020.
225

postulava-se dar aos norte-americanos a escolha de contribuir para projetos privados de


caridade, ao invés de “falidos programas governamentais de bem-estar”; reduzir “o peso
dos impostos sobre as famílias”, permitindo que mulheres que trabalham apenas em
tarefas domésticas pudessem contribuir com fundos de aposentadoria, a exemplo das
formalmente empregadas; privatizar os serviços federais voltados para o patrocínio de
atividades culturais; conceder bolsas para o envio de crianças para escolas livremente
escolhidas pelos pais, inclusive as religiosas, e repassar fundos federais para escolas
locais; e punir mais severamente criminosos condenados, deles exigindo trabalho e testes
regulares contra drogas, além de indenizações para as vítimas. Neste primeiro grupo de
medidas, vemos de forma mais ou menos dissimulada a apresentação de soluções
economicamente liberalizantes para problemas gerados pela desigualdade social, também
reinante em terras norte-americanas. Propunha-se, de maneira resumida, incrementar o
mercado privado previdenciário e de serviços de assistência social; capitalizar as
atividades culturais, eliminando o seu incentivo estatal; transferir recursos públicos para
instituições de ensino particulares, aí incluídas as paroquiais; e extrair força de trabalho
compulsória da população carcerária. O documento trazia ainda outras medidas com
maior foco na religião e nos costumes que, apresentadas lado-a-lado com as primeiras,
insinuam laços de causa e efeito entre preceitos morais e religiosos e os problemas reais
da população desassistida. Entre elas, o Contrato propunha a proibição do aborto, pois
“dólares de impostos não deveriam ser usados para tomar vidas humanas inocentes”;
garantir a liberdade total dos pais na criação de seus filhos, facilitando, por exemplo, o
ensino doméstico; obrigar as transmissoras de TV a não fornecer canais de pornografia a
não-assinantes; e uma emenda constitucional permitindo manifestações religiosas em
logradouros e instituições públicas, como a liberdade de rezar em voz alta nas escolas.
Acompanhava a publicação do Contrato uma massiva campanha de lobby, segundo a
edição de 18 de janeiro do jornal USA Today283 ao custo de um milhão de dólares, para
ajudar a maioria republicana no Congresso aprovar grandes cortes no orçamento federal.
Mais especificamente, Reed enumerou as medidas que pretendia fazer passar: a
eliminação de impostos para famílias com no mínimo quatro membros e renda anual
inferior a trinta mil dólares; abolição do financiamento público das artes e de programas
de mídia eletrônica; fechamento do serviço de auxílio jurídico gratuito fornecido pelo

283
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Domestic Policy Council (Clinton Administration), ca. 1992 - 1/20/2001. School Prayer. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/122243906>. Acesso em: 12 out. 2020.
226

governo, “porque financia 200 mil divórcios de pessoas pobres por ano”; extinguir o
Departamento de Educação; desmantelar o sistema federal de bem-estar; além de aprovar
o direito de realizar preces em escolas públicas.
Cabe notar que o Contrato não foi o primeiro passo da campanha de liberalização
econômica empreendida pela CC. No momento de seu lançamento, articulada com outras
organizações conservadoras, a Coalition acabara de enterrar o projeto de reforma do
sistema de saúde, apresentado em 1993 por Bill Clinton e que previa algum nível de
cobertura médica para todos os norte-americanos. A estratégia posta em cena para miná-
lo foi a mesma que vemos expandida para outros setores no documento de 1995: o apelo
aos receios e insatisfações da classe trabalhadora, aliado ao discurso moralista-religioso,
buscando apresentar a presença do Estado, inclusive no fornecimento de serviços básicos,
como uma ingerência danosa à liberdade individual e aos interesses populares, melhores
administrados pelo setor privado. Ao redor desses princípios foi planejada, por exemplo,
uma campanha radiofônica lançada em 1994 pela CC, introduzida pelas palavras “Saibam
os fatos sobre o plano de saúde de Clinton” 284 e que trazia diálogos onde um suposto
repórter sensibilizava populares sobre as mazelas que adviriam da aprovação do projeto.
Segue a íntegra da peça publicitária:

Repórter: Você sabia que um burocrata do governo poderia decidir quando sua
família receberá cuidado médico e se você pode escolher seu próprio médico?
Mulher: Você quer dizer que um burocrata pode se intrometer entre mim e o
Dr. Michaels? Ele tem tratado meus filhos por anos.
Repórter: Você sabia que o plano de Clinton iria impor um controle de preços
que levará ao racionamento dos cuidados médicos?
Homem 1: Racionamento de cuidados médicos? Eu não quero ficar em longas
filas esperando para ver meu médico.
Repórter: Você sabia que o plano de Clinton inclui a maior taxação dos
empregadores na história americana? Esse imposto assassino de empregos
poderia deixar mais de um milhão de pessoas sem trabalho.
Homem 2: Ei, eu acabei de encontrar um emprego. Eu não tenho condições de
ficar sem trabalho de novo. O que eu posso fazer para impedir o plano de
Clinton?

Ao custo de 1,4 milhões de dólares, a campanha lançada pela CC para a sabotagem


do projeto incluiu anúncios nas mídias impressa e eletrônica, a distribuição de trinta
milhões de panfletos em igrejas, além de malas diretas e contatos telefônicos para um
milhão de eleitores. As razões fornecidas por Reed à agência Reuters para a deflagração

284
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 - 1994. [News Articles – Health Care
Reform] [loose]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26056677>. Acesso em: 12 out. 2020.
227

da campanha sintetizam com clareza a mescla retórica que aliava razões de ordem prática
com outras de cunho moral/religioso para sensibilizar o mais amplo público possível: o
plano de Clinton “levaria ao financiamento do aborto com o dinheiro do contribuinte e ao
racionamento dos serviços médicos”285. Cabe ainda notar que a malsucedida reforma
esbarrava nos interesses de grandes empresas286, não sendo demais supor, assim, que o
caso constituiu um exemplo do desempenho da hegemonia empresarial através de grupos
religiosos. Fato evidente sobretudo no trabalho de convencimento das camadas populares,
aos quais a mensagem da CC se dirigia, e da inserção no plano da estrutura governamental
oficial, no caso o poder Legislativo, que terminou vetando o projeto, de determinações
emanadas de frações empresariais.
Sobre este ponto, a documentação entrega inúmeros indícios da relação entre a
Christian Coalition e empresas interessadas no bloqueio ao projeto. O financiamento da
direita cristã por corporações será assunto de outra parte deste trabalho, mas, por ora, cabe
adiantar que no fim da década de 1980, Paul W. McCracken, diretor da multinacional do
ramo químico Dow Chemical, fornecedora de empresas farmacêuticas e também
vendedora de produtos de saúde para o consumidor final, além de membro da já estudada
Laymen's National Bible Association, frequentou as reuniões do Grupo de Trabalho para
a América Central durante a administração Reagan. Como vimos, o GT congregava
empresários, intelectuais, membros do governo e líderes de organismos associativos
diversos, inclusive religiosos, num projeto de domínio regional muito alicerçado na ação
das igrejas norte-americanas. Ao mesmo tempo, segundo a imprensa, uma das maiores
financiadoras da direita cristã em décadas recentes seria a fundação Smith Richardson,
fundada e gerida pela família que detinha a marca de produtos farmacêuticos Vick’s,
transferida mais recentemente para a multinacional Proctor and Gamble. Sobre esta
última, também grande vendedora de artigos de saúde e cuidado pessoal para o
consumidor final, carta287 de Paul Weyrich para Ronald Reagan urgia que este

285
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Presidential
Electronic Mail from the Automated Records Management System (ARMS), 1/20/1993 - 1/20/2001.
[02/04/1994 – 02/22/1994]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/122241930>. Acesso em: 14
out. 2020.
286
Em discurso em que apresentou o projeto ao Congresso, Clinton alegou que uma das virtudes de seu
plano seria “reverter a situação atual na qual predominam os interesses das grandes corporações”. Buscava-
se, ao contrário, travar “alianças estratégicas de saúde com pequenas empresas, na negociação coletiva do
custos dos planos de saúde, da definição dos níveis de qualidade e no acompanhamento da satisfação dos
consumidores” (MARQUES e POSSAS, 1994, p. 45).
287
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Coalitions for
America (1 of 2). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840769>. Acesso em: 14 out. 2020.
228

agradecesse ao presidente da corporação, Owen Butler, pela grande contribuição da P&G


para “o aprimoramento da América”. Weyrich referia-se à retirada do patrocínio de
cinquenta programas de televisão “por causa da violência e profanidade mostrada neles”,
atendendo aos anseios de milhões de americanos, cansados da “imundice, violência e sexo
explícito que vem sendo glorificados pela indústria da televisão”.
Embalada pelo sucesso na derrubada do projeto para a Saúde e elevando a direita
cristã a um grau de influência partidária sem precedentes, a CC expande ano após ano sua
estrutura de alcance ideológico. Com o fito de preparar o caminho para o aprofundamento
do avanço conservador nas eleições legislativas de 1996, através de seu boletim
informativo oficial, o panfleto Christian American288, ela anunciou “novos produtos e
programas para tornar a organização e o treinamento mais fáceis que nunca”. Em primeiro
lugar, seria lançado um novo show televisivo semanal, chamado Christian Coalition Live.
simultaneamente, o Partido da Fé Capitalista dava os primeiros passos na ainda
desbravada internet, com a abertura de página dedicada a fornecer informações
importantes para os membros da CC. Por último, criava-se uma rede nacional de fax e
uma escola para treinar candidatos e lideranças. O trabalho rendeu ótimos dividendos,
pois em 1998 vemos os assessores da primeira-dama Hilary Clinton preocupados com a
possível eleição ao governo do estado de Iowa do congressista membro da Coalition, Jim
Lightfoot, o que enviaria “uma perigosa mensagem sobre o poder da Christian Coalition
que será amplificada pela nação”289. Entre as posições ultraconservadoras e
economicamente liberais de Lightfoot, destacava a equipe de Clinton o apoio a projeto de
emenda constitucional proibindo o aborto inclusive em casos de estupro e incesto; o
rascunho de legislação para anular o salário mínimo federal; e votos pela extinção do
Departamento de Educação e do patrocínio estatal às artes e contra o Family and Medical
Leave Act. Nesta última medida, no entanto, o governo democrata obteve sucesso,
garantindo ao trabalhador o direito a licenças não remuneradas em casos especiais, como
doença de parente próximo e o nascimento de um filho, sem que lhe fosse retirada a
cobertura médica familiar.

288
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Chief of Staff (Clinton Administration), 1993 - 2001. Talk Radio - White House [2].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/23902359>. Acesso em: 14 out. 2020.
289
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
First Lady's Office (Clinton Administration), 1993 - 2001. HRC Speeches 9/98-12/98: [9/22 Vislack for
Governor, Talking Points]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/40490036>. Acesso em: 14
out. 2020.
229

Naturalmente, a Coalition foi providencial na eleição de George W. Bush em


2000, momento em que as relações da organização com o Executivo estreitaram-se
sensivelmente. James Robinson, pastor membro da CC e adepto da Teologia do Domínio,
agora enxergava um “grande líder”290 à frente da Casa Branca, ao qual parecia ter acesso
facilitado, pois solicitou ao braço direito do presidente, Karl Rove, um breve encontro
para a gravação de comentário sobre questões religiosas a ser exibido por emissoras
cristãs. Na capital por alguns dias, onde participaria de encontro da Coalition que teve
falas de lideranças como a pastora carismática e disseminadora da Teologia da
Prosperidade, Joyce Meyer, Robinson contava com a aquiescência do presidente, sempre
“muito confortável” na sua companhia e de sua esposa, indicando contatos pregressos.
A questão do acesso aos serviços médicos continuou como um dos focos da
administração norte-americana nos anos Bush, mas agora a Christian Coalition iria apoiar
as medidas oficiais que passaram a abordar o problema de maneira mais afinada com os
interesses das empresas do ramo. Por exemplo, em 2003 Bush aprofundou um programa
já existente para o oferecimento de contas para serviços médicos por bancos e seguradoras
com contribuições de patrões e empresários, as Health Saving Accounts. Desta vez,
inúmeras associações conservadoras, inclusive a CC, enviariam ao Congresso carta 291 de
apoio ao presidente, argumentando que diferentemente do auxílio médico fornecido
inteiramente pelo Estado as contas permitiriam o adequado funcionamento do livre
mercado, único mecanismo capaz de conter a elevação dos custos desses serviços.
O outro lado da moeda, a pauta moralista, também viu avanços neste período,
conforme expresso em correspondência292 de setembro de 2003 assinada pelo diretor de
assuntos legislativos da Coalition, Jim Backlin, e outros líderes de associações
conservadoras cristãs e laicas. O documento rasgava elogios às declarações públicas de
Bush em favor do casamento tradicional, “honrada instituição” sob ataque de “grupos
lobistas de homossexuais”. Na ótica do religioso, além de preservar um dos “grande
pilares” da sociedade norte-americana, a defesa do casamento tradicional, ou seja, entre
um homem e uma mulher assim biologicamente nascidos, renderia imensuráveis

290
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
538440. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/122414926>. Acesso em: 14 out. 2020.
291
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
576030 [2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/119651293>. Acesso em: 14 out. 2020.
292
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
536140 [1]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578976>. Acesso em: 14 out. 2020.
230

dividendos sociais e econômicos, pois “O casamento saudável já demonstrou que reduz


a violência doméstica, aumenta a expectativa de vida, reduz a pobreza e a dependência
dos sistemas de bem-estar sociais, e reduz os custos dos serviços médicos”. Presenciamos
aqui, mais uma vez, o atrelamento de mazelas sociais com preceitos morais e religiosos,
cuja não observância seriam as causas das primeiras, assim invisibilizando o papel que
nelas desempenha a exploração do trabalho.
Fecho esta seção registrando que a Christian Coalition não se valeu apenas de um
discurso “macio” para encantar o público norte-americano. Como entrevisto na menção
a “grupos lobistas de homossexuais”, ela não poupou palavras de ódio e intolerância
contra minorias, aplicando-se também no cultivo de desinformação, aquilo que hoje
chamamos de “fake news”, para pavimentar seu caminho como uma das principais
organizações ideológicas dos Estados Unidos. Já em 1995, matéria293 de Anthony Lewis
na edição de cinco de maio do New York Times acusava o “padrinho” e fundador da CC,
Pat Robertson, de ser “provavelmente o mais eficaz demagogo do país” ao convencer
seus vastos seguidores sobre a existência de uma “conspiração satânica”, iniciada por
banqueiros judeus na Europa e por trás inclusive do assassinato de Lincoln, que
pretenderia “esmagar os americanos sob uma “nova ordem mundial”’. No mesmo ano,
novamente o New York Times294 alertava sobre as pregações radiofônicas de um tal Mark
Koernke que reproduziriam as ideias mais “incendiárias” de Robertson sobre a tal “nova
ordem mundial”. Tratava-se, nos dizeres de Koernke, da implantação de um governo
global que procuraria submeter os Estados Unidos à Organização das Nações Unidas -
ONU e podar a população dos mais básicos direitos, como o de portar armas. Reforça a
minha hipótese de que a inflexão que sofreu a direita cristã ao longo dos anos 1980 refira-
se também a disputas entre frações do empresariado norte-americano pela liderança
política do país o fato de que nos discursos de Koernke, como no de “outros grupos
ultradireitistas” inflamados por Robertson, tradicionais associações através das quais a
burguesia norte-americana se organiza e estabelece pontes com seus sócios ultramarinos,
como a Comissão Trilateral e o Council on Foreign Relations, aparecem envolvidas no
complô. No mais, não parece razoável que os devaneios propalados por Robertson sejam

293
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 - 1994. [White House News Reports –
May 5 1995]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/17615875>. Acesso em: 14 out. 2020.
294
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 - 1994. [White House News Reports –
April 27 1995]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/17615869>. Acesso em: 14 out. 2020.
231

apenas delírios sem qualquer conexão com a agenda política da sua Christian Coalition.
Exemplo de como o discurso de ódio e a campanha de desinformação empreendida pela
CC e seus membros conecta-se a imperativos políticos e econômicos imediatos, observo
que no dia 18 de fevereiro de 2003, portanto pouco mais de um mês antes da invasão do
Iraque, desejada pelas indústrias armamentista, petrolífera, empreiteira e tantas outras e
posta em prática por George W. Bush, a Coalition realizava na capital norte-americana
conferência onde debatia as formas através das quais “o terrorismo é endossado pelo
alcorão”295. Foi dito ali pelo intelectual cristão árabe Habib Mikhail, por exemplo, que o
conflito Palestina-Israel não passaria de um pretexto para terroristas islâmicos atacarem
os Estados Unidos, o que fariam de qualquer forma e continuariam fazendo na ausência
de uma solução de “longo prazo”, uma vez que já haviam “atacado outros nos séculos
passados de maneira idêntica e sem esta desculpa”.

4.3.3 – Focus on the Family (Foco na Família) e Family Research Council (Conselho
de Pesquisa da Família)

Fundada em 1977, a organização sem alegados fins lucrativos Focus on the


Family tem à sua frente uma das figuras centrais da direta religiosa recente, o intelectual
evangélico e fundamentalista James C. Dobson. Psicólogo e outrora professor de pediatria
na escola de medicina da University of South California, Dobson atingiu o estrelato
fornecendo serviços de aconselhamento familiar com viés religioso. Sua associação, uma
“organização de bases presente em 36 estados” (HEDGES, 2006, p. 85) frequentada por
religiosos conservadores de diversas denominações, dedica-se à produção de programas
radiofônicos transmitidos dentro e fora dos Estados Unidos. Alcançava em 2003, segundo
o conselheiro sênior de George W. Bush, Karl Rove296, um público estimado de duzentas
milhões de pessoas diariamente em mais de uma centena de países, inclusive na China
onde seria irradiado até por emissoras estatais. Dobson também faz incursões televisivas,
aparecendo todos os dias em oitenta canais norte-americanos.

295
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
508641 [2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578936>. Acesso em: 15 out. 2020.
296
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Public Liaison (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. Focus on the Family
Visit (Wednesday, 05/28/2003). Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82579144>. Acesso em:
16 out. 2020.
232

Sua intimidade com o mundo partidário é ilustrada por entrevistas televisivas com
Ronald Reagan, em 1985, George Bush, em 1992, e pelo documento com o qual abro esta
seção: proposta de agenda redigida por Rove em março de 2003 aconselhando que o
presidente aceitasse o convite de Dobson para gravar um bate-papo, segundo a carta de
Dobson anexa, sobre “importantes questões relativas à família”. Lembrava o cristão
fundamentalista da visita, onze anos passados, do pai do atual presidente à sede da sua
organização, quando “juntou-se a mim atrás do microfone para uma conversa”. Tal como
o faz a Christian Coalition, também amistosa com governos republicanos, as ações
partidárias de Dobson destacam-se pela defesa virulenta do mesmo programa moralista
nos costumes e liberalizante na economia. Tem em sua conta, por exemplo, o apoio a
candidatos que pedem pena de morte para profissionais que fornecem serviços abortivos,
a comparação da pesquisa com células tronco com “canibalismo bancado pelo Estado” e
apelos para que os pais retirem seus filhos das escolas públicas (HEDGES, 2006, p. 85).
Seus elos com a administração formal dos Estados Unidos são duradouros, como
o próprio Dobson fez questão de notar em minibiografia disponível em 2003 na página
eletrônica oficial da FOTF297, acumulada na biblioteca presidencial de George W. Bush.
Ali vemos que o religioso recebeu “comenda especial” de Jimmy Carter em 1980 por sua
participação no grupo de trabalho que sumariou os resultados de uma Conferência sobre
a Família realizada pela Casa Branca; que foi nomeado por Ronald Reagan para a
Comissão Consultiva Nacional do Escritório de Justiça Juvenil e Delinquência do
Departamento de Justiça (1982-1984); atuou como conselheiro extraoficial sobre
assuntos familiares de Reagan entre 1984 e 1987; participou de comitê para o plano de
reforma tributária de Reagan; foi membro da Comissão sobre a Pornografia do procurador
geral Edwin Meese (1985-1986); do Conselho Consultivo sobre Crianças Desaparecidas
e Exploradas e sobre Gravidez e Prevenção do Departamento de Saúde e Serviços
Humanos; e das comissões do Senado sobre Bem-Estar da Criança e da Família (1994) e
para o Estudo do Impacto Nacional dos Jogos de Azar (1996).
O interesse político da organização de Dobson manifesta-se, também, através da
associação Family Research Council, “braço lobista” (HEDGES, 2006, p. 138) da Focus
on the Family. Lançado em 1983, o FRC foi idealizado durante o mencionado ciclo de
conferências sobre a família patrocinado pela Casa Branca três anos antes. Uniram-se na

297
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
691460. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82579082>. Acesso em: 19 out. 2020.
233

sua institucionalização, além de Dobson, os psiquiatras Armand Nicholoi Jr., da


Universidade de Harvard, e George A. Rekers, da University of South Carolina, este
último também um pastor batista.
Em fevereiro de 2003, George W. Bush fora novamente convidado para a
cerimônia de comemoração do 20º aniversário do FRC, caracterizado por Karl Rove, em
relatório298 que acompanha a transcrição do discurso ali proferido pelo presidente, como
uma organização que “defende o casamento e a família como as fundações da civilização
e procura orientar o debate público e formular políticas que valorizam a vida humana e
garantam as instituições do casamento e da família”. Celebrando suas pontes com o
Partido da Fé Capitalista, Bush reafirmou em seu discurso o comprometimento de
continuar dificultando as pesquisas com células-tronco, partilhando com todos os
presentes a crença de que “a vida é uma criação” e não “produtos para serem projetados
e manufaturados pela clonagem humana”. Reforçou também sua determinação em
pressionar o Congresso pela Faith-Based Initiative, lei eventualmente aprovada que
regulava a transferência de recursos estatais para organizações religiosas desenvolverem
trabalhos de assistência social. Por último, o presidente manifestou convicção de poder
contar com o apoio do FRC em iniciativas desta ordem e na sua “guerra ao terror”.
Bush seria requisitado novamente em outubro do mesmo ano, agora para o 13º
Washington Briefing, que aconteceria em princípios do ano seguinte, tudo a portas
fechadas, com a presença apenas de jornalistas selecionados. Ali seriam discutidas com
os “principais apoiadores”299 da organização iniciativas do Congresso e da Casa Branca
relacionadas com os temas “família, fé e liberdade”, componentes de sua missão
institucional, que consistia em “promover a visão de mundo judaico-cristã como base para
uma sociedade justa, estável e livre”. A lista dos que teriam voz no evento revela tanto os
“principais apoiadores” da FRC como o seu grande prestígio no meio partidário. Além de
Bush, discursariam o ex-assessor de Reagan e então presidente do FRC, Gary Bauer; o
senador republicano pelo Kansas Sam Brownback; Chuck Colson, advogado evangélico
e conselheiro especial de Richard Nixon; James Dobson, do Focus on the Family; Bill
Frist, senador republicano pelo Tennessee; Mel Gibson (não pude confirmar se o ator);

298
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
02/28/2003 [539668]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578892>. Acesso em: 16 out.
2020.
299
601804 [2]. National Archives and Records Administration - NARA. Coleção Records of the White
House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578996>. Acesso em 16 out. 2020.
234

Dennis Hastert, presidente do Congresso; Mike Huckabee, governador do Arkansas e ex-


pastor da Igreja Batista do sul; o juiz Roy Moore; a deputada republicana Marilyn
Musgrave; o presidente da Christian Coalition, Ralph Reed; a então conselheira de Bush,
Condoleezza Rice; o general Norman Schwarzkopf, responsável pela coordenação da
primeira Guerra do Golfo; Tony Snow, jornalista e futuro secretário de imprensa de Bush;
Clarence Thomas, juiz da Suprema Corte; e o deputado republicano J. C. Watts.
O entrelaçamento entre a FRC e o governo oficial norte-americano também não
deixou de ter repercussões externas, esmaecendo os limites desde sempre tênues entre a
política internacional do país e o missionarismo evangélico militante. Dessa forma, o FRC
publicava matéria300 em novembro de 2001, acumulada pelos arquivos do Departamento
de Iniciativas Estratégicas da Casa Branca, acusando o governo do Sudão de financiar o
terrorismo internacional e de obrigar a população à conversão ao islamismo. Palavras
ecoadas pelo Departamento de Estado, que denunciava o país de praticar “islamização e
arabização forçadas”, e que desde 1993 lista o Sudão, ao lado da Coreia do Norte, do Irã
e da Síria, entre os Estados financiadores do terrorismo. De forma semelhante, em
fevereiro de 2003 um punhado de líderes de aparelhos religiosos, como James Dobson e
o então presidente do FRC, Ken Connor, assinou carta301 conjunta ao presidente Bush,
congratulando o mandatário pela nova política para combate à epidemia de AIDS nos
países pobres. Segundo os signatários, o Emergency Plan for AIDS Relief erguia-se sobre
bases sólidas, ou seja, “ao redor de seis princípios pró-família e pró-vida”. Eram eles:
ações educativas de prevenção com ênfase na abstinência; a prioridade no tratamento de
grávidas infectadas com o HIV; a não concessão de fundos para a realização de abortos;
a exclusividade dos Estados Unidos na gestão da ajuda financeira, que não estaria sujeita
às políticas da ONU; a opção por tornar as organizações religiosas instaladas em países
estrangeiros “elementos-chave” de todos os programas de prevenção; e a realização de
ações para combater a violência sexual. Por mais que a prioridade no tratamento às
grávidas e o combate à violência sexual sejam razoáveis, a maioria dessas ações mostra,
entretanto, a penetração de preceitos religiosos na política estritamente estatal, bem como
a de membros de organizações religiosas na máquina estatal propriamente dita.

300
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
600826 [1]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578990>. Acesso em: 19 out. 2020.
301
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
508642 [2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578940>. Acesso em: 20 out. 2020.
235

Já para o plano interno, a plataforma política sustentada pelo FOTF e pelo FRC
não difere daquela das organizações vistas anteriormente: por um lado aprofundamento
da desregulação do mercado e por outro a oferta de soluções moralizantes e religiosas
para variados problemas sociais. Não surpreende, portanto, que perfil302 do deputado Don
Sundquist, publicado pelo Congresso norte-americano em 1993, notasse que ele, um
“voto conservador nas questões econômicas e sociais”, acumulava 100% de aprovação
tanto por parte do Family Research Council como de organizações mais estritamente
dedicadas à esfera dos interesses empresariais, como a Câmara de Comércio dos Estados
Unidos, a National Federation of Independent Business303 e a National Rifle Association.
Ao mesmo tempo, o FRC somava-se, por exemplo, ao esforço de demonização dos
homossexuais, denunciado em nota de 1998 publicada pela organização sem fins
lucrativos de tons relativamente progressistas People for the American Way. Dizia o texto
que a campanha começara a ganhar fôlego no ano anterior, rosnando em uníssono os
líderes fundamentalistas de vários órgãos que abordamos nesta seção palavras de
“intolerância contra gays e lésbicas”304. Pat Robertson (Christian Coalition), Gary Bauer
(Family Research Council) e Jerry Falwell (Moral Majority) teriam, a partir de suas
igrejas e estruturas midiáticas eletrônicas, espalhado “a mensagem venenosa de que o
ódio aos gays e lésbicas é não apenas aceitável, mas requerido do povo de “Deus”’. Por
sua vez, a vice-presidente do FRC em princípios dos anos 1990, Kay James, que tal como
Dobson acumula extenso currículo de participação na máquina administrativa oficial
norte-americana, tendo sido secretária de Saúde e Recursos Humanos do governo da
Virginia e diretora associada da Secretaria de Controle Nacional de Drogas da Casa
Branca sob George Bush (o pai), argumentava que o melhor funcionamento da
democracia norte-americana dependeria da maior participação dos cristãos na vida
pública305.
Semelhantemente às suas organizações irmãs, o FRC também se prestou ao
embate com o sistema público de educação. Em fevereiro de 1995, conta o Washington

302
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 - 1994. Sundquist, Don (R-TN).
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26055703>. Acesso em: 19 out. 2020.
303
Um dos temas que mais preocupam essa organização é a “desnecessária regulação” estatal, um fardo
sobretudo para os pequenos negociantes (REGULATIONS, [s.d.].
304
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Tape Restoration
Project (TRP) Emails, 1/20/1993 - 1/20/1993. [07/06/1998 – 07/29/1998]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/122242188>. Acesso em: 19 out. 2020.
305
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Domestic Policy Council (Clinton Administration), ca. 1992 - 1/20/2001. PBS Town Hall. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/158701604>. Acesso em: 19 out. 2020.
236

Times306 que o órgão cristão sabotava a reforma do currículo nacional para o ensino da
História preparada pela Universidade da Califórnia. Inserido numa mais ampla campanha
cultural na qual toda a direita cristã se engaja, o FRC lançou um conjunto de propostas
alternativas para embasar o ensino da disciplina intitulado “Let Freedom Ring: A Basic
Outline of American History” (Deixe a Liberdade Soar: um Enfoque Básico da História
Norte-Americana). Argumentava-se que o projeto da Universidade da Califórnia seguiria
um padrão há muito repetido pelo ensino da História, “tendente a ampliar as falhas da
América e diminuir suas realizações”. Exalando anticomunismo e apologias a
personagens conservadores, as propostas revisionistas da FRC pretendiam, por exemplo,
substituir a ênfase dos livros didáticos em temas e pessoas como “avanços espaciais
soviéticos”, “McCartismo”, a série de televisão “Murphy Brown”, “Madonna”, “Os
Simpsons” e as “realizações astecas” por “pouso lunar dos Estados Unidos”, “agressão
soviética na Europa”, o reverendo fundamentalista “Billy Graham”, o “general Colin
Powell”, “Thomas Edison” e o exílio do dissidente soviético “Alexander Solzhenitsyn”.
Resta dizer que a parceria entre a administração formal norte-americana, o FRC e
a FOTF, dentro e fora do seu espaço geográfico, mais uma vez ilustra perfeitamente um
dos pressupostos centrais deste trabalho. Refiro-me ao fato de que tais organizações, aos
olhos do senso comum situadas no plano da sociedade civil, portanto separadas do Estado,
na prática são uma extensão sua, formando, junto à aparelhagem burocrática oficial, o
Estado Ampliado mencionado na Parte I. Seriam elas, dessa forma, não apenas braços
executores de uma política concebida por políticos eleitos, mas também seus coautores.

4.4 – Organizações missionárias interdenominacionais

Como visto de relance nas páginas anteriores, o missionarismo é um importante


componente da expansão global de manifestações religiosas oriundas dos Estados
Unidos, e em menor grau da Europa, e de todo o ideário que nelas se embutiu, por vezes
com a explícita intenção de utilizá-las como frentes de ação política, pelo menos após
finais da década de 1940. Embora o missionarismo evangélico retroceda até o século XIX,
não se podendo dizer que conserve desde sempre as mesmas características, no contexto

306
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 – 1994. [White House News Reports –
February 21 1995]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/17615821>. Acesso em: 19 out. 2020.
237

da Guerra Fria a ação de missionários norte-americanos passa progressivamente a se


articular com o movimento mundial de hegemonia cultural e econômica do seu país natal.
Fato que estimulou, por exemplo, a intensificação dos tons anticomunistas e
legitimadores do capitalismo do proselitismo divulgado por esses religiosos.
Não causa espanto, portanto, que missionários norte-americanos tenham sido
frequentes alvos de acusações de espionagem, suspeitas não sem fundamento, tendo
comitê do Senado norte-americano em 1975 concluído que até aquela data a Central
Intelligence Agency – CIA servia-se de pregadores em serviço ultramarino para
desenvolver ações secretas. Após mais de uma centena de reuniões, oitocentas entrevistas
e 110 mil documentos processados, o comitê apresentou relatório em abril de 1976
mostrando que desde a presidência de Franklin Roosevelt e até princípios da década de
1970, ou seja, ao longo da escalada do país ao posto de superpotência durante a Guerra
Fria, a CIA e o FBI cometeram regularmente “excessos, em casa e no exterior” (SENATE
Select Committee to Study Governmental Operations with Respect to Intelligence
Activities, [s.d.]). Abordando variados tipos de abuso, no que diz respeito ao tema deste
trabalho, concluiu a comissão que pelo menos 21 missionários teriam sido usados pela
CIA em atividades de inteligência no exterior nas décadas de 1950 e 1960307, como o
católico Tom Dooley, informante no Laos e no Vietnã. Em resposta, a CIA declarou em
1976 o encerramento de relações com pregadores e missionários norte-americanos e em
1977 adotou regulamento proibindo o financiamento de grupos religiosos.
Nesta seção, passarei a observar algumas das principais organizações de apoio à
atividade missionária internacional, congregando religiosos de várias das maiores
denominações nos Estados Unidos e, segundo a documentação, com evidentes elos
colaborativos com a administração formal do Estado norte-americano e seus empresários.

4.4.1 – O Summer Institute of Linguistics (SIL International - Instituto Linguístico


de Verão)

307
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. The Summer Institute of
Linguistics Might Seem to Be an Unlikely Target of Suspicions of CIA Involvement. Document Number
(FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP99-00498R000200020098-4. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp99-00498r000200020098-4>. Acesso em: 28 out.
2020.
238

Outrora também conhecido como Wycliffe Bible Translators e atualmente SIL


International, o Summer Institute of Linguistics é a organização de missionários
evangélicos com o maior histórico de denúncias de colaboração com a Central
Intelligence Agency – CIA, colecionando expulsões de diversos países. Sendo assim,
começo essa seção com matéria308 do The Nation, datada de maio de 1981, e acumulada
pela CIA, que tem como hábito armazenar todas as menções a ela feitas pela imprensa.
Intitulada “Missionaries With a Mission?” (Missionários com uma Missão?) e
assinada por Bill Wallace, a matéria reverberava essas denúncias no rastro da execução,
sob a alegação de espionagem, do missionário norte-americano do SIL Chester A.
Bitterman, por guerrilheiros colombianos do Movimento 19 abril. Em termos factuais, o
texto conta que a fundação do SIL retrocede a 1934, quando o californiano vendedor de
bíblias William Cameron Townsend e um punhado de parceiros iniciaram no Arkansas
um projeto de ensino de línguas para tradutores do texto religioso. Já no ano seguinte,
seus primeiros formados começariam a traduzir as escrituras para o idioma de povos
originários do México, atividade principal da organização até hoje. Em princípios dos
anos 1980, era estimado que o SIL mantinha por volta de três mil membros ativos em
“mais de 25 países”, chegando a enviar uma delegação à União Soviética, trabalhando
junto a “mais de 555 tribos” e concluindo a tradução bíblica em mais de duzentas línguas.
O patrocínio dessas atividades viria, prossegue o jornal, dos próprios governos
dos países onde o SIL se instala, de departamentos e agências estatais norte-americanas,
como a Alliance for Industrial Development (Aliança para do Desenvolvimento
Industrial), e de “ricos homens de negócio fundamentalistas e pequenas organizações de
igrejas”. Há indícios também o repasse de equipamento das forças armadas norte-
americanas para o SIL. Em 1973, por exemplo, o embaixador na Austrália, Walter L.
Rice, enviava telegrama ao Departamento de Estado a fim de confirmar autorização para
a transferência de seis helicópteros, do depósito do Exército em New Cumberland,
Pennsylvania, para o Summer Institute, que os usaria em missão na Papua Nova Guiné.
O estranhamento do diplomata, a despeito de reconhecer “necessidade legítima”309 para
o seu uso, referia-se ao fato de desconhecer em posse do grupo estrutura para a

308
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Missionaries with a Mission?
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90-00552R000605830018-2. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90-00552r000605830018-2>. Acesso em: 20 out.
2020.
309
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Proposed Transfer USG Helicopters to PNG
Missionary Group. Canonical ID: 1973CANBER02655_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1973CANBER02655_b.html>. Acesso em: 21 out. 2020.
239

manutenção dos aparelhos, fortalecendo a impressão sobre a natureza oculta das


operações do SIL. A resposta do Departamento de Estado, infelizmente, não está
disponível nas bases de dados consultadas.
Ainda segundo o artigo, as acusações levantadas contra o Summer Institute por
“um crescente número de acadêmicos” incluiriam o fornecimento de fachadas para a
operação de espiões da CIA, a coleta de informações para a Agência, colaborar com
“alguns dos mais repressivos governos na América Latina” e facilitar a exploração ilegal
de recursos do continente por empresas multinacionais.
Sobre essa aproximação com a CIA sobram indícios. Ela é sugerida, por exemplo,
em exemplar da revista Studies in Intelligence, volume 4, número 4, com artigos sobre
atividades de inteligência, muitos deles confidenciais, editada em 1960 pelo Office of
Training da CIA para circulação apenas interna. Artigo310 intitulado “Training for
Overseas Effectiveness: a Survey” (Treinamento para a eficiência no exterior: uma
Pesquisa) informa que havia então nos Estados Unidos um número crescente de escolas
voltadas para o treinamento de agentes de empresas, igrejas e órgãos governamentais
destacados para atividades no exterior, sendo os grupos missionários a vanguarda no
domínio desses métodos. Argumentava-se que a comunidade de inteligência norte-
americana, portanto, deveria estudar as atividades dessas organizações a fim de resolver
eventuais dificuldades para “fazer seu pessoal eficiente enquanto vive e trabalha em
sociedades estrangeiras”. O artigo menciona, então, dois membros do Summer Institute,
os missionários e linguistas Eugene Nida e William Smalley, como exemplos de
intelectuais com trabalhos de ponta nesta área, frisando que o treinamento de agentes de
inteligência “pode lucrar com o contato continuado com esses programas privados”.
Concluindo, diz-se que tais centros de treinamento mantidos por organizações não-
governamentais no exterior “são um dos recursos mais importantes nos quais poderíamos
nos interessar”, sugerindo que possivelmente agentes da CIA treinassem em bases
ultramarinas de associações privadas como o Summer Institute. O autor do texto
permanece oculto, exibindo a documentação tarjas sobre o seu nome. Sabemos, contudo,
que se tratava de antropólogo cultural com serviços em programas no estrangeiro tanto
do governo como de organizações privadas, que no momento trabalhava na Libéria para

310
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Studies in Intelligence [Vol. 4
No. 4, Fall 1960]. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP78-03921A000300280001-4.
Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp78-03921a000300280001-4>.
Acesso em: 21 out. 2020.
240

a International Communication Association – ICA, organização norte-americana fundada


em 1950 e concentrada na pesquisa da comunicação humana em âmbito internacional.
Além da menção a Nida e Smally, a semelhança entre a área de interesse desta
organização e do Summer Institute, o estudo in loco de línguas estrangeiras, indica uma
bastante provável proximidade entre o autor do artigo e o grupo missionário.
Talvez não seja fortuito, então, que em meados da década de 1970 acontece uma
torrente de denúncias de colaboração do SIL com atividades de inteligência norte-
americanas, levando a sua expulsão de diversos países latinos. Em 1975, após matérias
na imprensa acusando o Summer Institute de contrabando, exploração de indígenas e de
abrigar agentes da CIA311, o presidente da Colômbia Alfonso López Michelsen anunciou
a intenção de terminar o acordo que mantinha com os missionários desde 1962 para cuidar
de indígenas isolados, substituindo gradualmente o pessoal norte-americano por
colombiano. Em comentário ao Departamento de Estado, o embaixador norte-americano
em Bogotá, Viron P. Vaky, informava que, apesar de parecer uma decisão “unilateral”,
acreditava que as ações do presidente viessem a se provar, por outro lado, uma “maneira
eficiente de retirar dos olhos do público o problemático assunto do SIL”. Poucos meses
antes, Vaky informou que o órgão havia sido objeto de críticas, tanto da esquerda como
da direita, que o taxavam como “ferramenta da CIA”312, agente do imperialismo nas
partes rurais do país e contrabandista de diamantes e urânio. Acusações rebatidas pelo
diretor do SIL, William Nyman, que acusava um membro “comunista” do Escritório de
Assuntos Indígenas colombiano de ser a fonte de uma campanha de difamação.
Preocupava o embaixador, contudo, o “pequeno apoio” usufruído localmente pelo SIL,
“atraente alvo para grupos esquerdistas”, a despeito de ter informado que também a direita
questionava suas ações e do fato dos colombianos terem disponibilizado uma sala no
próprio Ministério del Gobierno (atual Ministério do Interior), de onde eram coordenadas
suas atividades, que contavam com o auxílio de “quatro aeronaves”. Apesar dos desejos
de Vaky, a organização continuou sob os holofotes, sendo em 1978 a vez do embaixador
Diego Asencio informar que o Departamento de Planejamento Nacional concluíra que as

311
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Lopez Announces Colombian Intention to Take over
Summer Institute for Linguistics Operation. Canonical ID: 1975BOGOTA09904_b. Disponível em:
<https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1975BOGOTA09904_b.html>. Acesso em: 21 out. 2020.
312
Summer Institute of Linguistics Draws Criticism. WikiLeaks. Canonical ID: 1975BOGOTA06132_b.
Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1975BOGOTA06132_b.html>. Acesso em 21 out.
2020.
241

ações do SIL violavam uma série de leis, inclusive a Constituição313. As irregularidades


foram detectadas tanto no acordo técnico firmado em 1962 como nas isenções de
impostos conferidas ao grupo, nas suas atividades radiodifusoras e na sua composição
predominantemente estrangeira. Nos comentários finais, Asencio relatava que, apesar de
nos dois últimos anos os missionários terem evitado travar contatos com membros do
governo norte-americano, fazendo “apenas uma visita de cortesia à embaixada”, no
imaginário popular permaneciam fortemente associados aos Estados Unidos. Apesar da
preocupação da diplomacia, as atividades do SIL continuam presentemente, ainda que de
maneira aparentemente mais limitada.
No mesmo período, uma série de artigos saíram na imprensa panamenha
criticando as atividades do Summer Institute e trazendo denúncias muito parecidas com
as que emergiram na Colômbia. Nota314 no jornal Estrella, emitida pela Frente Reformista
de Educadores Panameños - FREP, uma das maiores federações de professores do país,
acusava os missionários de serem um braço norte-americano hostil a projetos do governo
panamenho, por exemplo estimulando indígenas a não se retirarem de terras necessárias
para obras hidrelétricas, e de desempenharem trabalhos para os quais os profissionais
panamenhos encontravam-se inteiramente qualificados. Mais uma vez, a embaixada
norte-americana colocou as queixas na conta de grupos esquerdistas, que veriam no SIL
um “alvo conveniente” para demagogia.
Também no Peru a década de 1970 viu o Summer Institute sob escrutínio. Em
1975 a Confederación Nacional Agraria, grupo de trabalhadores rurais indígenas, e a
Associação Nacional de Artistas exigiram a sua expulsão, acusado de exploração de
indígenas e de artesãos nativos, de causar alienação cultural, praticar experiências de
controle de natalidade, abusar de crianças e de organizar operações clandestinas para a
exploração de pérolas do lago Yarinaqucha315. Também o embaixador norte-americano
no Peru, Robert W. Dean, tratou de minimizar as denúncias, “falsas e ridículas”, parte de
uma campanha coordenada da esquerda para pressionar o governo a cancelar o contrato
que mantinha com os missionários para a realização de “trabalhos educacionais”. As

313
Summer Institute of Linguistics (SIL). WikiLeaks. Canonical ID: 1978BOGOTA10058_d. Disponível
em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1978BOGOTA10058_d.html>. Acesso em 21 out. 2020.
314
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Attack in Panama Press on Summer Institute of
Linguistics. Canonical ID: 1975PANAMA06140_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975PANAMA06140_b.html>. Acesso em: 21 out. 2020.
315
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Attacks on SIL Continue. Canonical ID:
1975LIMA10435_b. Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1975LIMA10435_b.html>.
Acesso em: 22 out. 2020.
242

disputas políticas em torno da atuação do Summer Institute envolveram inclusive o bispo


auxiliar de Lima, Luis Bambarén Gastelumendi. Em contatos frequentes com a
embaixada316, ele revelou aos funcionários norte-americanos seu temor de que os ataques
ao SIL fossem o início de uma campanha contra religiosos estrangeiros e, finalmente, a
sua Igreja. Sendo assim, colocava-se ao lado dos evangélicos diante de novas denúncias
publicadas na imprensa, denunciando a intenção de se “imprimir um tom político até
mesmo à atividade religiosa”. Pouco depois, em abril de 1976, Dean relata que uma frente
com “65 prestigiosos peruanos”317, entre eles o escritor Mario Vargas Llosa, dezenas de
militares e dois padres católicos, lançara carta pedindo que o governo não cedesse às
pressões e mantivesse o contrato com o Summer Institute. Se acreditarmos nas palavras
de Dean, queriam os signatários impedir que “grupos esquerdistas de camponeses”
preenchessem o espaço ocupado pelos missionários junto aos indígenas. Manifestando
preocupação sobre os desdobramentos futuros da disputa, o diplomata informava o
Departamento de Estado, contudo, que seria possível que o presidente Morales Bermudez
firmasse posição pela permanência do SIL, “levando em conta o lobby de oficiais
aposentados porém ainda influentes como o general Jose del Carmen Maria e o almirante
Luis Vargas Caballero”, também signatários da carta. Ao que parece, o governo peruano
cedeu ao “lobby” de militares e religiosos, pois o Summer Institute continua ativo ali aos
dias de hoje, constando em sua página relatos de trabalhos junto a povos falantes da língua
quéchua (LITERACY & Education: Quechua Riddles and Reading , 2013).
No Equador, o Summer Institute também se encontrava no meio da luta entre
organizações populares e outras por elas identificadas como representativas das forças da
conservação. Em 1978, o diplomata Edwin G. Corr escrevia da embaixada norte-
americana em Quito para informar seu governo sobre artigo crítico à CIA e aos
missionários publicado pela revista Nueva. Segundo Corr, os ataques estariam inseridos
nas disputas entre grupos camponeses comunistas e não comunistas, sintomatizando a
perda de espaço dos primeiros diante do surgimento de “associações geridas pelos
próprios índios”. O artigo, porém, acusava estas últimas de serem organizados pela CIA
com o auxílio do Summer Institute, suspeitas que não eram afastadas pelo fato de Antonio

316
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Anti-SIL Campaign and the Church. Canonical ID:
1976LIMA00216_b. Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1976LIMA00216_b.html>.
Acesso em: 22 out. 2020.
317
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Reaction of SIL Friends to Contract Termination.
Canonical ID: 1976LIMA03895_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1976LIMA03895_b.html>. Acesso em: 22 out. 2020.
243

Lema, membro da etnia Otavalo e líder da Modelinde, uma destas novas organizações,
ter sido educado nos Estados Unidos. O debate público em torno das suspeitas atividades
do Summer Institute no país, e da possibilidade de elas serem desempenhadas pelos
próprios equatorianos, permaneceria na ordem do dia pelos próximos anos, até que o
governo decidiria pela expulsão do Summer Institute em 1982. As queixas contra os
missionários, entretanto, prosseguiriam até muito depois da sua partida, pois, em junho
de 1990, ação318 movida pela Confederación de Nacionalidades Indigenas de la Amazonia
Ecuatoriana (CONFENIAE) contra o governo equatoriano, na Comissão Interamericana
de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, trazia novas informações
sobre as atividades do SIL e seu provável conluio com o setor empresarial. A demanda
referia-se aos danos causadas por corporações petrolíferas norte-americanas, como a
Texaco, ao território amazônico do país, denominado Oriente, lar de diversas etnias
nativas. No texto que a embasava, é relatado que o Summer Institute agira nas décadas de
1960 e 1970 para confinar o povo Huaorani em minúsculos assentamentos, assim
despovoando áreas ricas em petróleo e facilitando a instalação de empresas que teriam
inclusive cooperado na “redução e realocação destas comunidades”.
O México foi outro lugar onde o Summer Institute teve o seu contrato com o
governo cancelado, ainda que não tenha sido expulso do país onde fixara-se em 1935.
Tudo começou com a publicação, por um grupo de 23 antropólogos, de uma carta-
denúncia em outubro de 1978 acusando a organização de ser uma “agência
pseudocientífica ligada à CIA”319, de promover “campanhas de doutrinação com a
distribuição de bíblias” e de explorar povos nativos através do tráfico de produtos do seu
trabalho. Pouco depois, o diretor do SIL, John Alsop, apareceu na imprensa defendendo-
se das acusações. Refutando o vínculo com a CIA, Alsop não negou, contudo, a
distribuição de bíblias aos nativos, o que fazia apenas para “satisfazer a necessidade dos
povos indígenas de uma ideologia”320, conforme registrado por telegrama do embaixador
Joseph J. Jova ao secretário de Estado Henry Kissinger. Ainda segundo a diplomacia
estadunidense, no final dos anos 1970 a organização mantinha “várias centenas de

318
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Ecuador – Texaco Suits
Climate [3]. Coleção Records of the Council on Environmental Quality (Clinton Administration), 1993 -
2001. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/134759472>. Acesso em: 23 out. 2020.
319
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Summer Institute of Linguistics. Canonical ID:
1975MEXICO09131_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975MEXICO09131_b.html>. Acesso em: 22 out. 2020.
320
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Summer Institute of Linguistics. Canonical ID:
1975MEXICO05045_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975MEXICO05045_b.html>. Acesso em: 22 out. 2020.
244

cidadãos americanos trabalhando por todo o México”321 e pertencentes a “todas as


religiões protestantes”. Próximo à fronteira guatemalteca, os missionários administravam
uma base isolada, acessível apenas pelo ar, onde eram realizados treinamentos de
sobrevivência na floresta com seis semanas de duração para seus futuros quadros.
Desnecessário dizer que a base era objeto de constante suspeita da imprensa mexicana,
que especulava sua utilização pela CIA, ainda que a representação diplomática norte-
americana reportasse não possuir evidência de que fosse este o caso. Mas apesar do forte
enraizamento mexicano do SIL, a organização viria a ser alvo de investigação em finais
de 1979 em meio a uma “crescente percepção entre alguns funcionários do governo que
o SIL tem operado sem o adequado controle governamental e em detrimento do interesse
nacional mexicano”322, dizia o diplomata Robert C. Perry323. Aqui, mais uma vez, vemos
os membros da administração do Estado norte-americano lançarem mão de argumentos
muito parecidos com os de seus colegas no resto da América Latina para desqualificar as
críticas. Nas palavras de Perry, tudo não passaria de uma “cruzada” de etnólogos e
antropólogos sociais, concentrada na imprensa esquerdista e “motivada principalmente
por ideologia e ciúme profissional”. Posição parecida era sustentada pelos líderes do SIL,
para quem, prossegue o documento, o ataque seria parte de uma ação coordenada de
“grupos marxistas em atividade por toda a América Latina”. O governo mexicano, não
obstante, decidiu ainda em 1979 interromper o contrato com a organização. Isso não quer
dizer, porém, que suas atividades fossem completamente interrompidas, pois em março
de 1984 os arquivos da CIA324 registram a reunião de 34 lideranças nativas para emitir
declaração conjunta pedindo ao governo que não apenas expulsasse o SIL, mas também
confiscasse todos os seus ativos. Segundo os requerentes, a organização fomentaria a
divisão da comunidade indígena, além de chocar-se com as tradições locais. Desta vez,

321
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Post Reports on American Communities. WikiLeaks.
Canonical ID: 1979MEXICO06033_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979MEXICO06033_e.html>. Acesso em: 22 out. 2020.
322
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. The Summer Institute of Linguistics Come Under
Investigation in Mexico. Canonical ID: 1979MEXICO12907_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979MEXICO12907_e.html>. Acesso em: 22 out. 2020.
323
Uma curiosidade sobre o telegrama redigido pelo diplomata Robert C. Perry: além de enviado para o
Departamento de Estado, ele seguiu para a embaixada norte-americana no Brasil, onde o Summer Institute
também encontrava problemas na mesma época, fato que abordarei na Parte III.
324
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Indian Leaders Asked the
Government Thursday to Expel the U.S.-Based Summer Institute of Linguistics from Southern Mexico.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90-00806R000201050003-0. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90-00806r000201050003-0>. Acesso em: 23 out.
2020.
245

parece que o Executivo mexicano fez ouvidos moucos, pois o SIL continua operando por
ali, mesmo que não mais conveniado.
A polêmica em torno do Summer Institute não se confinou às Américas. Presente
nos cinco continentes, ele se viu também no meio do conflito entre os Estados Unidos e
a República Democrática do Vietnã. Em 24 de março de 1975, portanto pouco mais de
um mês antes da vitória do Vietnã do Norte, a embaixada estadunidense na Cidade de Ho
Chi Minh procurava negociar o retorno de cidadãos detidos na estratégica cidade de Buon
Ma Thuot, que durante a guerra servira de base para as operações do exército invasor.
Coube a um “capitão To”325 responder a demanda norte-americana, informando que caso
os presos fossem, de fato, quem afirmavam, teriam o tratamento de qualquer outro
estrangeiro, mas se estivessem escondendo algo seriam “tratados de acordo”. Acrescentou
o oficial estar “muito cético” com relação à autenticidade de um certo John D. Miller do
Summer Institute of Linguistics. Além de Miller, sua mulher Carolyn e filha Lucille,
outros prisioneiros cuja soltura era negociada foram dois religiosos da Christian and
Missionary Alliance, que veremos no próximo tópico, um funcionário da United States
Agency for International Development - USAID, um bolsista que desenvolvia atividades
linguísticas para a Fundação Ford e a esposa de um funcionário da empresa Federal
Electric Company, que na década de 1970 prestava serviços de comunicação para o
exército estadunidense. Se levarmos em conta o que foi dito anteriormente sobre a
importância da USAID na estruturação de uma guerra de propaganda baseada também na
religião, ao lado do que escreve a socióloga Sara Diamonds em obra que também pretende
esmiuçar a militância política internacional de organizações religiosas norte-americanas,
não parece coincidência a prisão de um membro desta agência junto com o missionário
do SIL. Diamonds (1990, p. 219) acusa o Summer Institute de auxiliar a CIA no
treinamento de nativos para o combate às forças do Vietnã do Norte, os alfabetizando
para que compreendessem instruções escritas de combate e fornecendo informações
etnográficas ao serviço de inteligência. Para tanto, o SIL teria contado com auxílio
financeiro da USAID. Miller, todavia, permaneceu pouco tempo prisioneiro, liberto em
outubro de 1975. Na página eletrônica do SIL International verifica-se que em 1980 ele
já desenvolvia trabalhos linguísticos na Malásia (LINGUISTIC Research in Sabah by the
Summer Institute of Linguistics, [s.d.]).

325
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Request for Assistance Concerning US Citizens.
Canonical ID: 1975SAIGON03383_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975SAIGON03383_b.html>. Acesso em: 23 out. 2020.
246

4.4.2 – Christian and Missionary Alliance

Uma das maiores e mais antigas organizações missionárias norte-americanas, a


Christian and Missionary Alliance entra em atividade ainda no final do século XIX,
permanecendo uma associação evangélica paraeclesiástica até 1974, quando se tornou
uma nova denominação. De fato, edição de junho de 1900 seu periódico 326 sugere a
proximidade teológica entre a Alliance e grupos pentecostais e carismáticos, ao
mencionar o “batismo no Espírito Santo” e a “cura espiritual”. Fundada em Nova Iorque
pelo pastor presbiteriano Albert Benjamin Simpson, a Alliance deu seus primeiros passos
internacionais no Congo em 1884. Atualmente chamada Alliance World Fellowship, a
organização ainda se dedica a “instalar igrejas nos Estados Unidos e no exterior” (THEN
& Now, [s.d.]), com foco nos mais isolados grupos populacionais, entre eles “treinando
líderes nacionais de igrejas, fornecendo ajuda para o desenvolvimento e alívio, tratamento
médico e dentário, e projetos para microempresas”. Segundo dados de sua página
eletrônica, está presente em setenta países, onde é representada por setecentos agentes
norte-americanos.
O entrecruzamento entre agências religiosas e órgãos do Estado restrito norte-
americano, que segundo postulo se intensificou sensivelmente após meados do século
XX, não se circunscreveu, contudo, a esse período, conforme ilustrado pela trajetória da
Alliance. Já em setembro de 1900, portanto, o secretário de Estado em exercício Alvey
A. Adee, em contatos com o líder da Alliance, informa327 ao presidente da Comissão de
Paz norte-americana em Paris, William R. Day, sobre o prospecto favorável para uma
maior liberdade religiosa no Oriente, uma vez que a Alliance se preparava para iniciar
atividades nas Filipinas. Para tanto, um missionário identificado como “senhor La
Lacheur” teria recebido das mãos do Departamento carta de apresentação para as
representações diplomáticas norte-americanas naquelas partes. Registrava também o
secretário que em suas conversas com o senhor Lacheur ambos teriam manifestado

326
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção General Records
of the Department of State, 1763 - 2002. October 12 -20, 1905. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/153675878>. Acesso em: 27 out. 2020.
327
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção General Records
of the Department of State, 1763 - 2002. Volume 4: Special Missions: Oct. 15, 1886 - June 20, 1906.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/152649210>. Acesso em: 27 out. 2020.
247

satisfação sobre ações recentes do imperador chinês para a proteção de missionários


cristãos “uma ilustração do espírito de progresso nos países orientais”. Cabe notar que a
carta de Adee foi redigida apenas alguns meses após a derrota chinesa na Guerra dos
Boxers, quando centenas de missionários cristãos foram executados, inserindo-se a
licença conferida a pregadores evangélicos no país, portanto, na execução de um projeto
imperialista das potências capitalistas, imaginado como civilizador, para o mundo
oriental. Com efeito, em julho de 1903, dirigentes da Christian and Missionary Alliance
escrevem ao cônsul geral norte-americano na China, Robert McWade, para expressar
gratidão pela “pronta resposta”328 da diplomacia ao pedido de auxílio para populações
famintas da província de Kwang Sai. Sugerindo que propósitos humanitários não fossem
a única motivação da ajuda, os signatários destacam que ela “fez muito para ganhar para
os estrangeiros o respeito e a confiança do povo, de forma que o trabalho das missões
nesta província será grandemente facilitado”.
Na documentação oficial, mais informações sobre a interação entre a Alliance e
agentes do governo estadunidense são encontradas apenas após 1948, quando a
organização cristã solicitou ao Departamento de Estado “conselho e auxílio” 329 para o
estabelecimento de uma estação de rádio no Chipre. Desta vez, contudo, sabemos por via
de documento confidencial emitido pelo Foreign Broadcast Information Service,
vinculado à CIA, que a agência de inteligência não viu com bons olhos a proposta dos
missionários. Fundado em 1942 com o fito de “monitorar, gravar, transcrever, e analisar
emissões de rádio estrangeiras” (RECORDS of the Foreign Broadcast Intelligence
Service, 2016), o Foreign Broadcast Information Service, por via do chefe em
Washington D.C., Lawrence Kermit White, manifestou por escrito ao Departamento de
Estado sua oposição ao plano, que poderia interferir com as suas “operações no Chipre”.
O documento, que informa os agentes do FBIS na ilha sobre o comunicado ao
Departamento, infelizmente não entrega maiores detalhes sobre estas operações,
servindo, todavia, para atestar novamente a cooperação dos religiosos com membros do
Estado restrito norte-americano, ainda que a CIA a tenha dispensado desta vez. Já o
destinatário da carta, identificado como chefe do Escritório Mediterrâneo do FBIS, a

328
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção General Records
of the Department of State, 1763 - 2002. May 31, 1906. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/153698529>. Acesso em: 27 out. 2020.
329
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to (Sanitized) from L. K.
White. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP78-03097A000200040114-5. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp78-03097a000200040114-5>. Acesso em: 27
out. 2020.
248

quem White orientava manter-se informado de outros “desenvolvimentos que possam


afetar adversamente nossas operações futuras na ilha”, permanece tarjado.
A Alliance refere-se ao período entre finais dos anos 1940 e até constituir-se numa
denominação em 1974 como a sua “era evangélica” (THE Evangelical Era: 1947-1974,
[s.d.]). O traço principal desta época foi a realização de um projeto missionário que se
propunha a formar unidades locais “autossuficientes, auto propagadoras e
autogovernadas”. Ainda segundo palavras da própria organização, o princípio por trás
deste trabalho de base era a manutenção do seu funcionamento nas ocasiões em que “os
missionários precisaram deixar seu trabalho nas mãos da igreja nacional em virtude de
mudanças políticas”, garantindo a continuidade do projeto mesmo diante da “repressão
governamental”. Apesar da Alliance apresentar a estratégia como uma inovação
concebida em seu interior, sugere o contrário o fato de outras organizações norte-
americanas exportadas neste período para o exterior, como a Igreja do Evangelho
Quadrangular, instalada no Brasil em princípios dos anos 1950, terem realizado trabalho
de base semelhante, rapidamente nacionalizando-se. O movimento realizado pela
Alliance parece derivar, portanto, de discussões amadurecidas no princípio da Guerra Fria
em solo norte-americano. A afirmação encontra amparo documental no mencionado
memorando330 redigido pelo empresário David Sarnoff, que em 1955 pedia a Eisenhower
recursos para a organização de movimentos particulares autônomos, também religiosos,
de resistência aos governos socialistas, “incluindo treinamento de lideranças”. Na mesma
direção vai o também abordado relatório331 de 1973 da CIA sobre Honduras, onda a
Agência relata que muitas organizações religiosas norte-americanas no país “estão
treinando hondurenhos para assumir papéis de liderança nos assuntos da igreja e estão
gradualmente transformando-se em igrejas “nacionais” autossuficientes sob a liderança
indígena”. Em todos os casos, de qualquer forma, o que está exposto de maneira cristalina
é a intenção de organizações religiosas norte-americanas minarem politicamente países
desviados da órbita de influência de seu país, onde quer que a liberdade (religiosa) de
operação dessas organizações se visse cerceada.

330
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Hearings before the Subcomitee
to Investigate the Administration of the Internal Security Act and Other Internal Security Laws of the
Comittee on the Judiciary United States Senate. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP64B00346R000500030098-1. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp64b00346r000500030098-1>. Acesso em: 22 set. 2020.
331
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 77; Panama; The
Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200080046-7. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200080046-7>. Acesso em: 05
out. 2020.
249

Talvez fosse esse o trabalho dos missionários da Alliance presos em 1975 no Laos
e no Vietnã junto com outros norte-americanos, entre eles um membro do Summer
Institute of Linguistics. Mas a interrupção das atividades da Alliance em ambos os países
também pode ter tido a ver com a sua possível colaboração com a CIA durante a guerra
que consumiu a Península Indochinesa nas duas décadas precedentes. Esta era a opinião
ventilada em manifestações públicas no Laos que em maio de 1975 pediam, a exemplo
do que acontecera com a World Vision, a expulsão da Christian and Missionary Alliance,
acusada de ser “ferramenta da CIA”332. A Alliance, contudo, não se renderia facilmente
e, ao que parece, seu trabalho de base acabou apresentando resultados também no Vietnã,
pois, em dezembro de 2004, a representação diplomática norte-americana em Hanói
relatava333 a realização do primeiro congresso nacional da Evangelical Church of
Vietnam, filiada à Christian and Missionary Alliance.

4.4.3 – A Campus Crusade for Christ

O propósito declarado da agência missionária interdenominacional Campus


Crusade for Christ, apenas CRU após 2011, é “ajudar a cumprir a Grande Comissão no
poder do Espírito Santo conquistando pessoas para a fé em Jesus Cristo, os instruindo e
enviando para conquistar e instruir outros” (WHAT We Do. CRU, [s.d.]). Fundada em
1951, a CCC inicia suas atividades entre estudantes da Universidade da Califórnia em
Los Angeles, trabalho capitaneado desde então e até sua morte em 2003 pelo pastor Bill
Bright. Internacionaliza-se pouco depois, firmando presença primeiramente na Coréia do
Sul, que viria a se tornar uma de suas mais importantes bases de operação. Conforme já
exposto, ali a CCC seria uma das principais bases religiosas de apoio ao governo
autoritário de Park Chung-hee, compartilhando com o ditador a rusga com relação ao
norte comunista.
Em crescimento meteórico, a CCC alcança 45 países no final da década de 1960,
114 na de 1970, 138 na de 1980 e 186 na de 1990 (1950 – 1959, [s.d.]). Desde o princípio

332
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. World Vision Terminates Activities in Laos; Other
VOLAGS Come under Pressure. Canonical ID: 1975VIENTI03469_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975VIENTI03469_b.html>. Acesso em: 27 out. 2020.
333
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Northern Protestant Church Holds Long Awaited
Congress. WikiLeaks. Canonical ID: 04HANOI3257_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/04HANOI3257_a.html>. Acesso em: 27 out. 2020.
250

disseminando ideias anticomunistas, em 1982 envia uma missão clandestina para a União
Soviética, fato que segundo suas palavras “destaca um influxo de atividades pregadoras
camufladas na Europa Oriental, que se acelera abertamente após a queda da Cortina de
Ferro” (1980 – 1989, [s.d.]).
Ainda nesta década, segundo matéria originalmente publicada na North American
Congress on Latin America - NACLA e assinada por Debora Huntington, reproduzida pela
publicação brasileira Cadernos do Terceiro Mundo de agosto de 1984, armazenada nos
arquivos do Serviço Nacional de Informações brasileiro, a Crusade envolveu-se no amplo
esforço anticomunista estadunidense na América Central. O fez por via de milionárias
campanhas de propaganda que buscavam cooptar setores da classe trabalhadora. Para
tanto, contou a organização de Bill Bright com generosas ajudas de capitalistas
conterrâneos, como o dirigente do Council for National Policy, Nelson Bunker Hunt, que
investira dez milhões de dólares entre 1978 e 1979 na campanha Esta é a Vida, tendo
sacado outros cinco milhões para a feitura do filme Jesus e remetido mais vinte milhões
recolhidos de amigos. Outras contribuições “de quatro a cinco dígitos”334 vieram do grupo
hoteleiro Holiday Inn, cujo presidente Bill Walton, conforme vimos, esteve na reunião de
1971 com Henry Kissinger; da Adolph Coors, envolvida também no Council for National
Policy; da Mobil; da Coca-Cola; da Pepsico e de um ex-presidente da McDonnel Douglas
Aircraft.
Em 1992 a organização se une a outras do mesmo feitio para um esforço
coordenado de invasão religiosa das recém-abertas ex-repúblicas soviéticas denominado
“CoMission” (1990 – 1999, [s.d.]). Já consolidada mundialmente, a CCC realiza em 1997
sua primeira conferência mundial, trazendo representantes de 171 países. Atualmente, a
organização opera em mais de 5300 campus universitários em todo o mundo.
Como mostrei, o chefe da CCC, Bill Bright, teve ligações com o Estado norte-
americano desde pelo menos 1971, quando é convidado por Henry Kissinger para reunião
que discutiu a presença norte-americana na Ásia, travando ainda contatos frequentes com
Ronald Reagan. Também George W. Bush desfrutou do apoio entusiasmado do reverendo
e sua organização que, a exemplo de outras entidades cristãs conservadoras, sustentou seu
governo economicamente ultraliberal, belicista e conservador no âmbito dos costumes. A

334
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seminario sobre Sindicalismo, Realizado
na Sede do Jornal Hora Extra, em Volta Redonda RJ. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.86055420. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86055420/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86055420_an_01_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2021.
251

adesão da CCC é expressa em carta de Bright a Bush em nove de maio de 2003. Escrita
menos de um mês após a invasão do Iraque, o documento rasgava elogios ao
“INCRÍVEL”335 (em caixa alta no original) mandatário que, acreditava o reverendo, seria
usado por Deus para “desempenhar um papel de destaque” no cumprimento da “Grande
Comissão”, ou seja, levar o evangelho cristão para o resto do mundo.

4.4.4 – Outras agências missionárias auxiliares da hegemonia capital-imperialista


norte-americana

As organizações vistas acima figuram, sem dúvida, entre os principais organismos


político-religiosos atrelados ao projeto de dominação global do empresariado norte-
americano. Isso não quer dizer, contudo, que sejam as únicas, acompanhadas que são por
um punhado de outras, embora a documentação produzida pelo governo norte-americano
não conte toda a história, sobretudo no que diz respeito ao mundo periférico.
Exemplar a esse respeito é a quase ausência nessa documentação do grupo
missionário New Tribes Mission, atualmente Ethnos360, apesar de os papéis do governo
brasileiro, que veremos mais adiante, conterem material indicando o grande peso deste
grupo em território sul-americano. Fundada em 1942 na Florida, a organização dedica-se
a “auxiliar o funcionamento das igrejas locais através da mobilização, equipagem e
coordenação dos crentes para evangelizar grupos humanos isolados, traduzir as escrituras
e estabelecer igrejas indígenas que glorifiquem Deus” (ABOUT. Ethnos360, [s.d.]).
Poucos anos após sua fundação, os missionários já se lançavam sobre a América Latina,
desenvolvendo agressivo trabalho de aculturação e integração de grupos indígenas
isolados ao modo de produção capitalista. Relatório confidencial de 1974 redigido pela
CIA sobre a Venezuela conta que em 1948 a New Tribes336 já funcionava ali,
acrescentando que em princípios dos anos 1970 foi elogiada pelo governo local “por seus
esforços para trazer à civilização os índios” através da alfabetização e da criação de “bases
para a mudança econômica”.

335
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
565237 [1]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/119650881>. Acesso em: 29 nov. 2020.
336
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Regional Development in
Southern Venezuela: the planners have some problems. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP84-00825R000300200001-8. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp84-00825r000300200001-8>. Acesso em: 01 nov. 2020.
252

Outra agência missionária interdenominacional, porém fortemente


fundamentalista, com vastas ramificações internacionais é a Overseas Crusade,
atualmente One Challenge. Fundada em Taiwan no ano de 1951 pelo pastor norte-
americano Dick Hills expulso da China comunista, atualmente a OC controla uma rede
missionária chamada OC Global Alliance presente em dezenas de países. A América
Latina está representada nesta aliança global pela organização SEPAL, anteriormente
Serviço de Evangelização para a América Latina e agora Servindo aos Pastores e Líderes,
sediada no Brasil desde 1963. Presentemente, a organização relaciona-se com 160 mil
pastores de cem diferentes denominações e seus missionários, em número de 68 apenas
no Brasil, e presta consultoria para 55 igrejas (CONHEÇA um pouco sobre nós, [s.d.]).
Fundada em 1979 pelo empresário Ted Fletcher, a Pioneers dedica-se a apoiar a
fundação de igrejas entre povos intocados. Trata-se de mais uma organização norte-
americana que procura doutrinar biblicamente com métodos “culturalmente
compreensíveis” (ABOUT Pioneers, [s.d.]). Para tanto, conta atualmente com uma força
de três mil missionários espalhados pelo mundo numa “incansável perseguição pelos
isolados” (HOME, [s.d.]). Em 2019, o empreendimento reportou estar em 103 países e
junto a 510 grupos humanos falantes de 287 diferentes línguas. Sua principal função é
coordenar e apoiar materialmente missionários norte-americanos provenientes de 3.600
igrejas parceiras (CELEBRATING 40 Years of God’s Faithfulness , [s.d.]).
A World Vision International é uma agência missionária interdenominacional e
caritativa fundada em 1950 pelo pastor batista Robert Pierce. Atualmente, reivindica o
posto de “maior organização cristã não-governamental” (OUR History. World Vision,
[s.d.]), trabalhando em quase cem países. Como já vimos, a World Vision foi uma das
primeiras associações religiosas norte-americanas expulsas do Laos e do Vietnã, pairando
sobre ela grandes suspeitas de colaboração com a CIA. Não obstante, ao longo dos anos
1970 a WV organizou várias operações de resgate marinho de refugiados do Vietnã,
muitos dos quais posteriormente assentados nos Estados Unidos. A organização também
presta serviços humanitários em outros países, como o auxílio a crianças abandonadas e
a populações atingidas por epidemias e pela fome. A despeito da assistência material
prestada aos miseráveis do mundo, e do declarado propósito de erradicação da pobreza,
a solução prescrita para esse fim não passa por alterações nas estruturas sociais que afetam
as populações atendidas, mas sim na identificação das “raízes espirituais da pobreza,
vulnerabilidade e injustiça” (OUR Promise - Going further , [s.d.]). Sua proposta, ao fim
e ao cabo, escora-se sobretudo na mobilização de cristãos para “resolver as causas
253

espirituais da pobreza e da injustiça”, contribuindo, assim, para a camuflagem de suas


causas concretas, um dos postulados principais do consórcio político-religioso que
identifico como o Partido da Fé Capitalista. Atuante no Brasil desde 1961, segundo Delcio
Monteiro de Lima (1991, p. 131-136) a WV trabalharia sobretudo com pentecostais no
Nordeste, fazendo “clara pregação anticomunista”. Nestas terras, entretanto, evidências
indicam que a WV sofreu uma relativa inflexão à esquerda a partir de princípios dos anos
1980, como veremos no capítulo 10.
Uma última organização bastante ativa no presente e destacada por Chris Hedges
(2006, p. 62): a Evangelism Explosion International (Explosão de Evangelismo
Internacional), foi fundada em 1967 na Flórida pelo pastor fundamentalista presbiteriano
Dennis James Kennedy e é dedicada ao recrutamento e treinamento de missionários.
Morto em 2007, Kennedy foi um grande divulgador da Teologia do Domínio e de versões
próprias de “fatos” históricos e científicos que comprovariam a inerrância bíblica,
atingindo mais de três milhões de norte-americanos em suas pregações televisivas. Com
incursões no campo partidário, comandava um grupo lobista chamado Center for
Reclaiming America e a organização devotada à evangelização de membros do
Congresso Center for Christian Statesmanship. Sua filiação ao fundamentalismo e ao
dominionismo transparece, por exemplo, ao sugerir que a Teoria da Evolução de Darwin
seria a base comum tanto do nazismo como do comunismo e na crença de que os EUA,
fundados como um país cristão, deixaram de sê-lo pela ação de sabotadores ateus,
agnósticos e humanistas seculares em geral, que teriam tomado o controle do governo, da
educação pública, da imprensa, do judiciário e até mesmo de algumas igrejas. A meta
principal de seu Evangelism Explosion seria angariar soldados religiosos para dar
prosseguimento ao projeto dominionista de construção de uma nação cristã.

4.5 – Laboratórios de Ideias

Os Estados Unidos abrigam um vasto número de laboratórios de ideias, ou “think


tanks”, conservadores, como a Heritage Foundation do intelectual cristão Paul Weyrich,
um influente veículo laico de produção e disseminação de propostas de políticas públicas
ultraliberais. No meio dessa miríade de aparelhos de pesquisa e divulgação, há também
laboratórios cristãos dedicados a fins semelhantes e, entre eles, um número de
254

organizações cristãs direitistas que reservam um lugar de destaque no Partido da Fé


Capitalista, provendo ideias para o cristianismo conservador organizado.

4.5.1 – O Institute on Religion and Democracy

É este o caso do Institute on Religion and Democracy, provavelmente o mais


influente laboratório de ideias do conservadorismo cristão, fundado em 1981 pelo norte-
americano David Jessup, também membro da escusa organização sindical AFL-CIO,
envolvida como vimos em diversas outras iniciativas político-religiosas. De fato, seu
impacto é tão grande que em princípios dos anos 1980 o Serviço Nacional de Informações
da ditadura brasileira procurava melhorar sua compreensão sobre o Institute e suas ações
no país. Em relatório337 de nove de março de 1984 do SNI, levantou-se que o órgão
consistia num grupo político-religioso ecumênico, porém “principalmente evangélico”,
criado para travar uma “ofensiva ideológica-política contra as igrejas progressistas dos
EUA e da América Latina”. Embora esse propósito não seja encontrado de forma literal
na página de internet do Institute, que sintetiza sua missão como “reafirmar os
ensinamentos bíblicos e históricos da igreja, reforçar e reformar seu papel na vida pública,
proteger a liberdade religiosa, e renovar a democracia em casa e no exterior” (ABOUT.
The Institute of Religion and Democracy, [s.d.]), Florêncio Galindo (1986, p. 185)
também enfatiza a proposta de “combater as Igrejas que apoiam os grupos esquerdistas”.
Desde sua origem, a organização contou com o financiamento de quatro grandes
fundações mantidas por corporações multinacionais, a Lynde and Harry Bradley
Foundation, a John M. Olin Foundation, a Smith Richardson Foundation e a Sarah Scaife
Foundation, relação que será melhor abordada no próximo capítulo. Outros contribuintes,
segundo o documento do SNI, seriam as fundações a Earhart, inaugurada em 1929 por
Harry Boyd Earhart, dono da petrolífera White Star Oil Company; Ingersoll, organização
de pesquisa concentrada em estudos sobre os efeitos neurológicos e psiquiátricos da fé
em crianças; e a fundação Shelby Cullom Davis, do banqueiro homônimo, dono da Shelby
Cullom Davis & Company. Conforme o SNI, sua atividade ideológica resume-se a

337
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Instituto Sobre Religião e Democracia,
IRD. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.84010468. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/84010468/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_84010468_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2020.
255

combater, com estudos e publicações, tanto no plano interno como externo, uma suposta
crise moral e cultural, aberta pelos agentes da contracultura, ou seja, setores progressistas
dentro e fora das igrejas. Para tanto, seria indispensável controlar as instituições
religiosas, instância privilegiada para disputar consciências, dali expulsando os
partidários da Teologia da Libertação e seus simpatizantes, como os reunidos na
organização ecumênica Conselho Mundial de Igrejas - CMI.
De maneira coerente com o que foi dito, vimos que o Institute se envolveu no
Grupo de Trabalho para Assistência da América Central, organizado pelo governo
Reagan em 1983 para a abordagem de questões políticas e ideológicas daquela região que
afetassem os interesses geopolíticos norte-americanos, como por exemplo a repressão ao
cristianismo fundamentalista pelo governo sandinista. Durante os trabalhos do grupo, a
coordenadora e assessora de Reagan, Faith Whittlesey, chegou a distribuir para os
presentes publicação338 do Institute com entrevista de Miguel Bolanos Hunter, suposto
agente do governo sandinista que teria sabotado o pronunciamento do Papa João Paulo II
em Manágua em 1983, interrompido por gritos de “entre cristianismo e revolução não há
contradição”, além de ter recrutado sacerdotes para o regime. Assistimos também a um
dos seus mais notórios membros, o teólogo metodista Thomas C. Oden, manter contato
em 1981 com a organização anticomunista CAUSA International, bancada pela Igreja da
Unificação. Autor de dezenas de livros, Oden rebatia a teologia liberal e progressista
pregando, ao contrário, que o cristianismo atual deveria tomar inspiração da igreja da
Antiguidade em seus preceitos mais amplamente aceitos pela maioria das maiores igrejas
atuais. Outro quadro de peso do Institute foi o intelectual católico Michael Novak, como
veremos na Parte III, influente entre os conservadores religiosos brasileiros.

5 - Conclusão

Neste capítulo, apresentei os principais grupos e organizações diretamente


envolvidos na execução das diretrizes estipuladas com os grandes fóruns de discussão
esmiuçados no capítulo anterior. Sua firme conexão com eles é comprovada pela grande
circulação de membros dessas organizações naqueles espaços de discussão, conforme foi

338
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Chief of Staff (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. [Religious Groups].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/118568818>. Acesso em: 29 nov. 2020.
256

destacado no capítulo anterior. Em todas elas o anticomunismo é uma constante, ainda


que as mais recentes, nascidas no contexto de decadência e fim da União Soviética, em
especial aquelas dedicadas à política partidária, dediquem-se mais a aprofundar a
liberalização mundial dos mercados propiciada pela nova conjuntura.
257

CAPÍTULO 5
O Departamento de Estado e os usos políticos da “liberdade religiosa”

1 - Introdução

Referindo-se a 2.795 documentos, “liberdade religiosa” é expressão recorrente


nos telegramas diplomáticos norte-americanos contidos na coleção Public Library of US
Diplomacy (Biblioteca Pública da Diplomacia Norte-americana) disponibilizada pelo
arquivo eletrônico WikiLeaks. De maneira apenas aparentemente contraditória, o mesmo
governo dos Estados Unidos não economizou esforços para o encarceramento de alguns
dos maiores responsáveis pela publicização desses documentos. Chelsea Manning, ex-
analista de inteligência e atual articulista no jornal The Guardian sobre os temas guerra,
gênero e liberdade de informação, foi condenada a 35 anos de prisão por espionagem e
outras ofensas, enquanto Julian Assange é acusado de 18 crimes, sendo seu processo
qualificado pelo The Intercept como “um ataque à nossa liberdade de expressão”
(SCAHILL, 2019). Componente importante da imagem que o país busca projetar de si, a
percepção dos Estados Unidos como campeão mundial da liberdade merece, portanto, ser
criticamente revista. No âmbito especificamente religioso, tal investigação pressupõe
indagar sobre os possíveis usos políticos da sua campanha por “liberdade religiosa”, à
exemplo da liberdade de expressão, de fato um direito básico segundo a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, e o papel reservado às suas organizações cristãs.
A análise dessa documentação fornece elementos para a confirmação de uma das
principais hipóteses deste trabalho, a de que o Estado norte-americano teria buscado
proporcionar condições ótimas para a instalação de suas agremiações religiosas nativas
por todo o mundo e que estas organizações cumprem importante papel no reforço da
hegemonia política, cultural e econômica daquele país. Minha interpretação sobre o papel
da diplomacia norte-americana concernente ao tema “liberdade religiosa” coincide em
muitos respeitos, portanto, com a opinião verbalizada em agosto de 2003 pelo membro
do parlamento jordaniano Odeh Qawwas ao embaixador David Hale. Segundo Qawwas,
naquele momento uma rara voz cristã no Legislativo da Jordânia, “a política de liberdade
do governo dos Estados Unidos para o Oriente Médio fere as comunidades cristãs locais
ao encorajar a imigração e ao diluir a força das igrejas estabelecidas apoiando grupos
258

missionários estrangeiros”339. Qawwas também sugeriu que os relatórios produzidos


pelos Estados Unidos sobre a liberdade religiosa no mundo “deveriam focar-se nas
condições das minorias cristãs autóctones, ao invés de em quão fácil é para grupos
missionários estrangeiros ter acesso ao proselitismo”. Concluindo, o parlamentar e
membro da Igreja Ortodoxa Grega sustenta que os cristãos jordanianos já gozariam da
mais completa liberdade religiosa, assistidos pelo governo na maior parte dos seus
problemas. Além da transcrição da conversa, o documento, enviado pelo embaixador ao
seu governo, traz uma pequena, porém pormenorizada, biografia de Qawwas, não
deixando de registrar inclusive o seu hábito de fumar narguilé.
Mais do que abrir caminho a grupos religiosos sediados nos Estados Unidos, a
política religiosa praticada pelo Departamento de Estado parece também servir à
desestabilização e corrosão da imagem mundial de países não alinhados, sobretudo
aqueles que reivindicavam o título de socialistas. Não é por acaso, por exemplo, que a
maioria esmagadora da documentação diplomática referente ao tema “liberdade
religiosa” produzida pelos EUA na década de 1970340 se refira à União Soviética e ao
Leste europeu341, enquanto outros Estados notoriamente cerceadores dessa liberdade,
como a Arábia Saudita, são quase que completamente omitidos. A esse respeito, destaco
a mensagem de outubro de 2003 redigida pelo embaixador norte-americano no Vaticano,
Jim Nicholson, na ocasião do aniversário de 25 anos do papado de João Paulo II. Trata-
se de um balanço da atuação internacional do polonês Karol Wojtyla, grande aliado
geopolítico, segundo palavras do diplomata, para quem “os Estados Unidos não têm
melhor parceiro para atingir nossa principal meta de segurança nacional promovendo a
dignidade humana por todo o mundo”342. O “primeiro Papa verdadeiramente
internacional”, hasteando globalmente bandeiras como a “liberdade religiosa”, Nicholson
destaca a contribuição de Wojtyla para o fim da experiência socialista no Leste europeu,
escrevendo que “seu engajamento nesses países comunistas se tornou um catalizador para

339
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Christian MP Complains about USG Religious
Freedom Policy in Jordan, the Middle East. Canonical ID: 03AMMAN5330_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/03AMMAN5330_a.html>. Acesso em: 06 fev. 2020.
340
A coleção Biblioteca Pública da Diplomacia Norte-americana (Public Library of US Diplomacy) é
formada por documentos provenientes de cinco vazamentos, The Kissinger Cables, The Carter Cables, The
Carter Cables 2, The Carter Cables 3 e Cablegate, apenas o último contém papéis produzidos no século
XXI, entre 2003 e 2010, os primeiros quatro situam-se entre 1973 e 1979. Por essa razão minha pesquisa
na plataforma WikiLeaks se concentra na década de 1970.
341
Hungria, Romênia, Alemanha Oriental, Albânia, Bulgária, Tchecoslováquia e Polônia.
342
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. John Paul II: 25 Year Champion of Human Dignity.
Canonical ID: 03VATICAN4751_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/03VATICAN4751_a.html>. Acesso em: 06 fev. 2020.
259

a mudança, resistência e liberdade, que, juntamente com os esforços dos Estados Unidos
para opor-se ao comunismo, expôs o vazio do sistema comunista e acelerou a sua morte”.
O documento também aborda a visita do Papa ao Chile de Pinochet em 1987, quando
Wojtyla se furtou a fazer semelhantes admoestações, tão celebradas no texto de
Nicholson, às realizadas em suas visitas à socialista Polônia, onde “exigiu liberdade para
a igreja e afirmou o direito de organização dos trabalhadores” e “censurou o primeiro-
ministro pelos abusos dos direitos humanos em seu regime”. Apesar disso, e do fato de
ter sido amplamente usada como propaganda pelo regime de Pinochet, a passagem pelo
Chile é reinterpretada pelo embaixador como mais um capítulo na cruzada de João Paulo
II em prol da liberdade. Diz ele que o “aparente abraço do regime Pinochet” “na verdade
fortaleceu os esforços da Igreja local pelos direitos humanos e levou, 18 meses depois da
visita papal, ao processo de reconstrução da sociedade civil chilena, um plebiscito
nacional para abandonar o governo militar e restaurar a democracia”.
Recorrente nos textos diplomáticos norte-americanos, a retórica alicerçada no
dualismo “liberdade religiosa” versus comunismo, tônica também das discussões
ocorridas nos fóruns político-religiosos abordados no capítulo 2, surge nesses papéis
reproduzida pelas próprias organizações religiosas daquele país ativas por todo o mundo.
Assim, em relatório emitido pela embaixada da capital venezuelana em dezembro de
1978, informando o Departamento de Estado sobre ação legal movida por um grupo de
professores universitários contra missionários343 na Amazônia, os religiosos defendem-
se qualificando o processo como “uma tentativa marxista de restringir a liberdade
religiosa”344. Os antropólogos e etnólogos venezuelanos acusavam os estrangeiros de
“paternalismo e de evangelização forçada”, de “manter 15 aeroportos fora do controle
estatal” e de controlarem “estações de rádio com emissões em inglês”, pedindo a sua
repatriação para proteger os silvícolas “da extinção e dominação cultural”.
A elasticidade do conceito de “liberdade” é, portanto, um importante componente
de uma retórica institucionalizada e compartilhada por uma espécie de coalizão político-
ideológica mundial que envolve o Estado norte-americano, grupos religiosos
estadunidenses e suas filiais por todo o planeta. Outro exemplo de como essa elasticidade
é manejada até o seu limite por organizações religiosas, dessa vez partidariamente

343
O documento não revela a qual igreja ou organização missionarista eles se ligavam, referidos apenas
como “US missionaries” (missionários dos Estados Unidos).
344
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Venezuelan Press Adding to Controversy over U.S.
Missionaries Work with Indians in Interior. Canonical ID: 1978CARACA12017_d. Disponível em:
<https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1978CARACA12017_d.html>. Acesso em: 06 fev. 2020.
260

organizadas, é encontrado em documento de julho de 2004 da embaixada norte-americana


em Bratislava, na atual Eslováquia. O papel relata a irritação de membros do governo
eslovaco do partido de centro-direita Movimento Democrata Cristão pela condenação na
Suécia do pastor pentecostal Aake Green, que se referira aos homossexuais como um
“tumor cancerígena anormal no corpo da sociedade”345. O líder do parlamento eslovaco,
Pavol Hrusovsky, declarou que a sentença era um “imperdoável precedente na violação
da liberdade de expressão”, palavras repetidas pelo ministro da Justiça, Daniel Lipsic,
enquanto o do Interior, Vladimir Palko, queixou-se da sentença para a embaixadora sueca,
Cecilia Julin, declarando publicamente que “a Europa começa a colocar pessoas na cadeia
por dizerem o que pensam”.
Também instrumentalizadas para fins políticos e econômicos, as diretrizes
ideológicas que orientam a diplomacia norte-americana são reproduzidas por países
alinhados, mesmo aqueles com um flagrante histórico de intolerância religiosa, como a já
mencionada Arábia Saudita. Situada na categoria “perseguição” (RELIGIOUS Freedom
Report 2016, [2016?]), a mais alta no ranking de restrições da liberdade de culto no
Relatório de Liberdade Religiosa, publicado em 2016 pela organização católica Ajuda à
Igreja que Sofre346, a Arábia Saudita externou suas preocupações quanto à possibilidade
de restrições à liberdade religiosa na Somália, que poderiam advir do conteúdo socialista
alegadamente presente no seu rascunho de Constituição em 1979. Em julho daquele ano,
em conversa com o embaixador norte-americano na Somália, Donald K. Petterson, seu
colega saudita, Taha Aldeghather, repassou detalhes de uma reunião com o presidente
somali Muhammad Siad Barre. Ali, o árabe expressara considerar o socialismo
“incompatível com o islamismo”347 e “inimigo da liberdade religiosa para o povo somali”,
também externando preocupação com “a inerente restrição que o socialismo coloca aos
investimentos privados na Somália”.
E por falar em investimentos privados, texto formulado em 2003 pelo encarregado
de negócios na embaixada norte-americana no Vaticano, Brent Hardt, expõe de forma
cristalina o entrelaçamento de um projeto econômico mundial, formulado nos Estados

345
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Slovakia Political Roundup July 19, 2004. Canonical
ID: 04BRATISLAVA684_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/04BRATISLAVA684_a.html>. Acesso em: 07 fev. 2020.
346
A AIS é uma fundação do Vaticano, aberta em 1947, que se define como uma “instituição de caridade
católica internacional de Direito Pontifício que apoia fiéis Católicos e outros Cristãos onde eles são
perseguidos, oprimidos ou onde têm necessidades pastorais” (SOBRE nós. [2016?]).
347
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Siad's Visit to Saudi Arabia. Canonical ID:
1979MOGADI02427_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979MOGADI02427_e.html>. Acesso em: 07 fev. 2020.
261

Unidos, e a ação de grupos religiosos nos países pobres. Celebrando o atual


distanciamento católico da Teologia da Libertação, Hardt nota uma “posição próxima
àquela do governo dos Estados Unidos”348 na concepção em vigor na Santa Sé sobre o
trabalho desenvolvido por seus membros e agências a fim de combater a pobreza. Trata-
se, ainda nos termos de Hardt, de tornar os recebedores desse auxílio “protagonistas e
parceiros em seu próprio desenvolvimento”. Asserção que soaria um tanto vaga, não
tivesse o diplomata, em seguida, exposto o conteúdo da “mudança filosófica” sofrida pela
Igreja Católica: “conceitos como transparência, boa governança, responsabilidade e
liberalização do mercado agora fornecem um contrapeso à culpabilização de “estruturas
injustas” ou do “capitalismo descontrolado” pelas mazelas do mundo”.
Os Estados Unidos, da mesma forma, se esforçam para inserir essa filosofia no
modus operandi de diversos grupos religiosos que, por todo mundo, invariavelmente
desenvolvem atividades voltadas para atenuar as más condições de vida dos mais pobres,
muitos dos quais sediados no próprio país e cujo acesso ao mundo periférico é facilitado
pela seletiva campanha por “liberdade religiosa”. Assim, mensagem de 2009 do vice-
chefe da missão dos Estados Unidos na Tanzânia, Larry Edward André, endereçada à
CIA, ao Departamento de Estado e outras embaixadas, revela a criação de um cargo de
especialista em diplomacia pública para, entre outras coisas, “implementar programas
para encorajar comunidades religiosas a considerar favoravelmente políticas e programas
dos Estados Unidos”349. A maior parte da ação norte-americana junto a essas
comunidades, revela o documento, seria “através do financiamento direto de organizações
baseadas em grupos religiosos trabalhando com problemas relacionados à saúde,
especialmente HIV/AIDS”. Esse engajamento direto, contudo, é ali focado em grupos
islâmicos nativos, apesar de inúmeras organizações cristãs estarem em atividade no país,
entre elas várias sediadas nos Estados Unidos, como os batistas, a missão African Inland
e os pentecostais Assembleia de Deus e a Igreja de Deus em Cristo. Não é arriscado supor
que a menor atenção recebida por essas últimas pela missão diplomática norte-americana
relacione-se com uma coincidência prévia de propósitos e métodos.

348
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Partners for Progress - Working with Vatican
Development Agencies. Canonical ID: 03VATICAN283_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/03VATICAN283_a.html>. Acesso em: 07 fev. 2020.
349
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Tanzania's Religious Landscape. Canonical ID:
09DARESSALAAM73_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/09DARESSALAAM73_a.html>. Acesso em: 08 fev. 2020.
262

2 – Mais “liberdade religiosa” para quem?

A análise quantitativa da documentação diplomática norte-americana também é


esclarecedora. Ela nos mostra, por exemplo, que entre 1973 e 1979 a União Soviética
reinou absoluta nos papéis dedicados ao tema “liberdade religiosa”, citada em 123
documentos, mais que o dobro do segundo colocado, o Malawi, com 58 menções.
Número, por sua vez, ultrapassado pela soma dos alcançados pelos países socialistas do
Leste europeu, Romênia (32), Polônia (12), Hungria (9), Checoslováquia (9), Alemanha
Oriental (6), Iugoslávia (3) e Albânia (2), contabilizando 72 documentos. Enquanto isso,
a Arábia Saudita aparece em apenas dois papéis. Torna-se evidente, portanto, o sentido
político da campanha mundial movida pelos Estados Unidos pela liberdade religiosa.
Volta-se ela sobretudo para o desgaste da imagem internacional de países rebeldes,
enquanto busca abrir espaços, também ali, para a infiltração de grupos religiosos
domésticos ideologizados.
Mas como cheguei a esses números? Já foi dito que a coleção de documentos
diplomáticos da plataforma WikiLeaks se concentra em dois períodos, 1973 a 1979 e
2003 a 2010. Sendo assim, minha pesquisa se concentrou no primeiro período, uma vez
que o segundo está fora dos marcos temporais deste trabalho. O próximo passo foi inserir
o termo “religious freedom” (liberdade religiosa) na caixa “This exact phrase” (essa frase
exata) na seção “Advanced Search” (Pesquisa Avançada) da página WikiLeaks, inserindo
também os períodos cronológicos acima no campo “Origin or Created” (Origem ou
criado). A busca retorna 682 documentos para o período até 1979, porém muitos deles
não interessam à minha pesquisa, como por exemplo os da multinacional Sony e os e-
mails da campanha de Hillary Clinton. Noto também uma anomalia, a coleção Global
Intelligence Files, que deveria referir-se apenas aos e-mails produzidos pela empresa de
inteligência Stratfor, retorna alguns documentos do serviço diplomático norte-americano.
Decido então, além da coleção Plusd (Public Library of US Diplomacy), que contém
apenas papéis diplomáticos, incluir os resultados da Global Intelligence Files, excluindo
porém todas as outras coleções no menu situado do lado esquerdo da tela. São recuperados
assim 666 documentos, entre os quais terei que filtrar alguns que, de fato, são e-mails da
Stratfor abordando o tema liberdade religiosa. Descartando os documentos da Stratfor,
sobram 500 documentos onde a expressão liberdade religiosa é mencionada. Porém, um
outro problema se impõe, muitos desses documentos possuem o mesmo título, alguns
263

deles com diferentes datações mas outros diferindo apenas o destinatário. Muitos desses
não são documentos eletrônicos, estando disponíveis apenas os seus metadados,
impossível portanto ler o seu teor para verificar diferenças entre eles. Diante desse quadro,
opto por contabilizar como documentos diferentes aqueles que, mesmo com os mesmos
títulos, estão datados diferente e/ou destinam-se a pessoas e/ou órgãos distintos.

Sobre tais problemas, cabe ainda uma nota sobre a proveniência dos documentos
disponibilizados pela WikiLeaks. Referindo-se apenas à década de 1970, grande parte
deles compõe o conjunto documental chamado “Kissinger Cables” (Telegramas de
Kissinger), liberados pelo Departamento de Estado norte-americano, conjuntamente com
o órgão arquivístico máximo do Executivo daquele país, o National Archives and Records
Administration - NARA. Segundo a lei norte-americana, tais documentos precisam ser
avaliados por esses dois órgãos e liberados ainda que parcialmente para o público a cada
264

25 anos. No entanto, nota a WikiLeaks, este processo está mais de uma década atrasado,
razão pela qual tais documentos têm como data limite o ano de 1976, ainda que esta
pesquisa mencione documentos posteriores, provenientes do conjunto de vazamentos
intitulado “Cablegate” que também compõe a Biblioteca Pública da Diplomacia Norte-
americana (Public Library of US Diplomacy). Outro fator limitador na ferramenta
WikiLeaks consiste no já mencionado fato de muitos desses papéis não estarem legíveis,
tendo apenas alguns de seus metadados, como título, ano de produção, remetente e
destinatário(s) disponíveis. Isso acontece, novamente segundo a WikiLeaks, pois
“dezenas de milhares de documentos foram irreversivelmente corrompidos nesse período
em função de problemas técnicos na transferência destes papéis durante a atualização de
sistemas de computador, ou é o que o Departamento de Estado alega” (THE WikiLeaks
Public Library of US Diplomacy , [2013?]).
Vejamos agora de perto o que a documentação fala sobre alguns dos países mais
mencionados.

2.1 – O caso soviético: direitos humanos, religião e Guerra Fria

Maior rival político e econômico dos Estados Unidos por quase toda a segunda
metade do século XX, não é certamente por coincidência o interesse obsessivo da
diplomacia norte-americana nas questões relacionadas à liberdade religiosa, ou mais
precisamente a falta dela, na União Soviética. Não obstante, os Estados Unidos tinham
ao seu lado um poderoso aliado nas reivindicações desproporcionais, relativamente a
outros países com semelhantes ou mesmo mais graves restrições, direcionadas ao Estado
comunista: a Declaração Universal dos Direitos do Homem, emitida pelas Nações Unidas
em 1948 porém nunca assinada pela União Soviética, e o acordo de Helsinque (1975),
este sim ratificado pela URSS. Paralelamente, René Dreifuss (1986, p. 85) nota que ao
longo dos anos 1970 uma das principais organizações idealizadoras da política externa
norte-americana, o Council on Foreign Relations, delineara plano para a década de 1980
que previa uma “campanha internacional em prol dos “direitos humanos”’ a fim de
possibilitar que o país se apresentasse como régua moral planetária. Essa etapa da Guerra
Fria, onde questões como a liberdade religiosa passam a contar no embate entre as duas
potências, parece remeter-se, portanto, a esse projeto.
265

Tanto a Declaração como o Tratado de Helsinque se referiam à liberdade religiosa


como um direito humano básico, aparecendo a sua observância pelos soviéticos no
segundo como uma das condições para o aprofundamento da distensão política negociada
pelas duas potências. Segundo palavras do secretário de Estado Cyrus Vance,
comentando a lentidão na produção pela Assembleia Geral da ONU de uma declaração
voltada para a “eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação baseada na
religião ou credo” 350
, o interesse de seu país nessa questão seria devido a uma
“disseminada e profunda preocupação sobre o assunto liberdade religiosa da parte do
público americano e de inúmeras organizações não-governamentais líderes”. Entre essas
últimas, não seria exagero supor que Vance se referisse também às instituições religiosas
do seu próprio país com representações por todo o mundo, inclusive na União Soviética,
onde a documentação de forma recorrente menciona a presença de batistas e pentecostais.
Ainda conforme o secretário de Jimmy Carter, os lentos avanços na assinatura de um
documento com este teor caberiam exclusivamente à União Soviética e países do Leste
europeu, “cuja principal meta no processo de escrita parecer ser adiar indefinidamente a
conclusão de um rascunho”. A relutância soviética nessas negociações não parecer ter
sido, contudo, injustificada, uma que vez que relatório351 secreto produzido pela CIA em
junho de 1985 indica que nos dez anos que seguiram a assinatura do Tratado de Helsinque
verificou-se um “grande aumento da dissidência” no país, em grande parte em virtude da
ações de grupos pentecostais e batistas.
A liberdade religiosa foi, portanto, campo onde também transcorreu a disputa
política e ideológica entre ambas as potências. A esse respeito, uma delegação
parlamentar dos Estados Unidos, de passagem pela União Soviética em agosto de 1979,
relatou em conferência de imprensa em Moscou ter se engajado em “longas e acaloradas
discussões sobre o tema dos direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa e direito à
imigração”352. Na outra ponta do cabo de guerra, as autoridades soviéticas destacaram
“seu progresso nos direitos humanos, particularmente na livre imigração”, alegando

350
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. 33rd UNGA -- Third Commitee: Elimination of All
Forms of Religious Intolerance. Canonical ID: 1978STATE259236_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978STATE259236_d.html>. Acesso em: 11 fev. 2020.
351
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Soviet Dissent and its
Repression since the 1975 Helsinki Accords. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP86T00591R000300330003-3. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp86t00591r000300330003-3>. Acesso em: 07 nov. 2020.
352
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. CODEL Wolff Press Conference in Moscow August
22. Canonical ID: 1979MOSCOW20970_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979MOSCOW20970_e.html>. Acesso em: 11 fev. 2020.
266

também que “falsas declarações têm distorcido fatos sobre os direitos humanos,
particularmente sobre as liberdades religiosas, na URSS”. Não fazendo-se de rogado, o
delegado Long353 comentou que um dos êxitos das conversações foi transmitir “a enorme
importância que devemos atribuir ao problema dos direitos humanos, particularmente à
liberdade de inúmeros grupos religiosos, protestantes, pentecostais, católicos e judeus de
praticar sua religião e de imigrar caso eles o escolham”. Admitindo a pressão imposta aos
soviéticos, o congressista conclui também ter sucedido em deixar claro “que este era um
grande impedimento no caminho de uma distensão real entre nossos países”. O
congressista Bowen354, por sua vez, relatou ter ouvido que as opiniões expressas sobre o
estado corrente das liberdades de religião e de imigração eram “um assunto interno que
não deveria nos preocupar”, respondendo que a questão não poderia ser ignorada, sendo
os Estados Unidos um país “onde a opinião pública é grandemente impulsionada e
moldada por problemas como a maneira que a União Soviética lida com os problemas da
liberdade religiosa e o direito de imigração”.
O Estado norte-americano sem a menor dúvida estava ciente do grande poder da
questão religiosa em causar transtornos ao rival. Telegrama produzido pela embaixada de
Moscou em janeiro de 1978, e direcionado a outras embaixadas, à OTAN e ao
Departamento de Estado, intitulado “Dissidência Soviética: reflexões sobre os prospectos
futuros”355, além de comprovar que grupos dissidentes eram monitorados de perto pelo
governo estadunidense, sublinhava a “capacidade de embaraçar internacionalmente o
regime” por seu “potencial de provocar reações que poderiam causar significativas
repercussões na política internacional”. Tais grupos eram também formados por
dissidentes religiosos, e sobre estes o documento registra que “pentecostais do extremo
leste, batistas e católicos lituanos começaram a articular mais efetivamente suas
demandas no último ano”. Completavam a coligação ativistas militantes dos direitos
humanos e judeus impedidos de imigrar para Israel, todos vistos por membros da cúpula
soviética como impulsionados por “elementos reacionários do ocidente e serviços de
inteligência em seus esforços para minar tanto o processo de distensão como a sociedade
soviética”, impressão rotulada pelo vice embaixador, Jack F. Matlock Jr., como “teoria
da conspiração”. Mais reveladora, contudo, é a avaliação de que tais grupos mantinham

353
Provavelmente o senador Democrata Russell B. Long.
354
Ao que parece o deputado Democrata David Reece Bowen.
355
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Soviet Dissidence: Thoughts on Future Prospects.
WikiLeaks. Canonical ID: 1978MOSCOW00287_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978MOSCOW00287_d.html>. Acesso em: 11 fev. 2020.
267

uma “minúscula influência na sociedade soviética”, atraindo contudo “uma porção


desproporcional da atenção e dos recursos do regime”, capazes de “criar situações que,
se não lidadas com cuidado, poderiam causar ao regime significativos problemas políticos
internacionais com os mais importantes países ocidentais, sobretudo os Estados Unidos”.
Não pode ter deixado de consistir, portanto, importante fator de desgaste e
desestabilização da União Soviética as pressões em torno da liberdade religiosa, ainda
que os publicamente descontentes formassem um setor populacional bastante diminuto.

2.2 – Malawi: liberdade religiosa como índice de alinhamento político

Um pequeno país africano, o Malawi, foi a segunda parte do planeta a receber


maior atenção do Departamento de Estado. Infelizmente, a quase totalidade dos
documentos diplomáticos que trazem a expressão “liberdade religiosa” dedicados ao país
durante a década de 1970 foram permanentemente perdidos, enquadrando-se no caso já
mencionado em que apenas alguns de seus metadados estão disponíveis. Dois papéis,
contudo, permanecem intactos, jogando alguma luz sobre o interesse da potência
capitalista nesta ex-colônia britânica.
Independente após 1964, o Malawi configurou-se como um regime constitucional
autoritário, tendo Hastings Kamuzu Banda como presidente vitalício após 1971. No cargo
até 1994, no concerto político africano Banda foi um importante aliado do bloco ocidental
durante a Guerra Fria, promovendo a aproximação do seu país com os Estados Unidos.
Neste ponto, acredito, encaixa-se o interesse da documentação norte-americana sobre a
liberdade religiosa no país. De maneira inversa ao verificado no caso soviético, quando o
termo era invariavelmente acompanhado de apreciações negativas, refletindo o dissenso
políticos entre ambas as potências, agora tal recorrência significará justamente o oposto:
a convergência política que se construiu nas décadas posteriores à independência do
Malawi. Isto porque, em ambos os documentos legíveis entregues pela WikiLeaks, é
manifestada a aprovação norte-americana com o quadro da liberdade religiosa no país,
liberdade que, novamente, refere-se à possibilidade de livre atuação de grupos religiosos
norte-americanos. A dimensão política dessa presença aparece aqui, portanto, sem
dissimulações: a livre circulação de missionários e agentes religiosos estadunidenses pode
ser interpretada como um índice do alinhamento malawiano com o Ocidente.
268

Assim, Robert H. Pierson, líder da Igreja Adventista do Sétimo Dia, surgida em


1963 em Battle Creek, Michigan, recebido pelo próprio Banda em dezembro de 1977,
expressou sua “profunda gratidão”356 pela liberdade religiosa concedida aos adventistas
no Malawi, desejando “ao presidente vitalício saúde e uma vida longa”. Liberdade que
incluía “trabalhos religiosos, médicos, educacionais e de publicação”.
O telegrama Human Rights Action Plan, emitido pela embaixada da capital
Lilongwe para o Departamento de Estado, é mais esclarecedor no que diz respeito aos
interesses da potência capitalista no Malawi. Nele conclui o embaixador Robert Ayer
Stevenson que, apesar da quase nula importância estratégica e econômica, “politicamente
é modestamente útil aos Estados Unidos que o Malawi fique no bloco ocidental e
permaneça uma voz de moderação e não-violência no cenário do Sul da África e tolerante
com os cidadãos americanos que ali residem e trabalham” 357. Como sintoma dos bons
termos em que se encontravam as relações políticas de ambos os países, Stevenson
menciona que “até agora, o Malawi tem se colocado quase sempre com o Ocidente.
Missionários americanos não têm maiores dificuldades com o governo e nenhum
americano residente partiu no último ano”, acrescentando que “instruções e conselhos
têm sido dados a banqueiros americanos em inúmeras ocasiões”.
De fato, a mão de ferro de Banda, que o documento não deixa de mencionar,
assinalando que o presidente vitalício “governa o país com um estrito autoritarismo, sem
tolerar qualquer discordância ou questionamento”, ao contrário do que o título do
telegrama faria supor, surge nas linhas de Stevenson como um problema menor diante
dos grandes avanços econômicos e da docilidade de Banda para com os Estados Unidos.
Assim, ainda que registre a perseguição aos Testemunhas de Jeová, tratados com
brutalidade e banidos em 1968, conforme alegado pela seita, Stevenson não deixa de
comemorar a “completa liberdade religiosa” em vigor no país. A imagem manchada pelas
violações dos direitos humanos não deixava de representar, contudo, uma inconveniência,
já que a melhoria desse quadro “certamente tornaria mais fácil para os Estados Unidos
associarem-se com e retirarem maior utilidade do relativo sucesso econômico que a
honestidade, o trabalho duro e o sistema de livre empreendimento trouxeram”.

356
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Leader of Seventh-Day Adventist Church Praises
Freedom. Canonical ID: 1977LILONG02085_c. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1977LILONG02085_c.html>. Acesso em: 05 mar. 2020.
357
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Human Rights Action Plan. Canonical ID:
1978LILONG00080_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978LILONG00080_d.html>. Acesso em: 06 mar. 2020.
269

De todo modo, o embaixador oferece ao seu governo um plano para lidar com a
questão, que expressa de forma patente a principal preocupação norte-americana com os
direitos humanos: os obstáculos que o autoritarismo de Banda ofereciam à influência local
dos Estados Unidos. Assim, alguns dos objetivos de curto prazo propostos por Stevenson
são reduzir a violência contra os Testemunhas de Jeová, que interlocutores norte-
americanos e atrações culturais ganhem maior aceitação e que essa maior influência seja
usada para “encorajar a readmissão de ex-presos políticos com ênfase especial naqueles
que receberam treinamento sob os auspícios dos Estados Unidos”. Já para o médio prazo,
o embaixador pretendia estimular maiores liberdades de expressão e de imprensa, uma
“menos restritiva censura das publicações oficiais dos Estados Unidos e seus filmes; e um
acesso facilitado a estudantes e funcionários públicos”. Já no longo prazo, almejava-se
derrubar a lei que baniu os Testemunhas de Jeová assim como uma maior liberalização
política do regime.

2.3 - Países europeus socialistas

Mencionada em 31 papéis, A Romênia surge em terceiro lugar no ranking de


preocupação com a liberdade religiosa por parte do serviço diplomático norte-americano
nos anos 1970. Se acrescentarmos à conta outros países europeus sob a órbita soviética
neste período, Polônia, Hungria, Checoslováquia, Alemanha Oriental, Bulgária,
Iugoslávia e Albânia, chegamos à expressiva marca de 72 documentos.
O telegrama Alliance East-West Study: Italian Contribution on Religion (Estudo
sobre Aliança Leste-Oeste: Contribuição Italiana sobre a Religião) permite entrever em
que bases se dava a compreensão da questão “liberdade religiosa” nos países socialistas
europeus, e também na União Soviética, por parte do governo norte-americano e seus
órgãos diplomáticos. Emitido pela Organização do Tratado do Atlântico Norte - OTAN
em setembro de 1977, o documento secreto apresenta texto, redigido por fonte italiana
mantida oculta, intitulado “The Religious Issue in the USSR and the Eastern European
Countries: A Prospective View” (A Questão Religiosa na URSS e nos Países do Leste
Europeu: Uma Visão Prospectiva). A exposição inicia estabelecendo uma
“incompatibilidade fundamental entre o “materialismo científico” e o idealismo
270

religioso”358, extraído do pensamento de Lenin e que informaria as diretrizes da política


religiosa aplicada em maior ou menor grau em todo o bloco oriental. Mais reveladora,
contudo, é a confirmação que os responsáveis pela política externa norte-americana
enxergavam os problemas advindos da aplicação desses princípios como riscos à
segurança nacional “para todos os países do Pacto de Varsóvia, sem exceção”. Riscos
relacionados a “estruturas socioeconômicas (elos entre a religião e as sociedades agrárias)
ou às sociopolíticas (conexões entre o sentimento religioso e os problemas das minorias”,
sendo portanto manejados com muito zelo pelos partidos comunistas e “cuidadosamente
acompanhados e influenciados pela URSS”, que estabeleceria os critérios básicos da
relação entre esses Estados e as organizações religiosas. Em consequência, prossegue o
documento, a Igreja Ortodoxa Russa, por exemplo, “obediente, como é sabido, a
Moscou”, teria estendido sua autoridade por todo o Leste europeu. É assinalado, também,
o grande risco de a questão religiosa afetar a política externa do bloco socialista no
contexto dos anos 1970, quando a opinião pública mundial teria passado a demonstrar
maior interesse “no destino dos crentes onde quer que a liberdade religiosa fosse
limitada”, notando que após a Conferência de Helsinki a conexão entre a liberdade
religiosa e os direitos humanos ganhara grande relevo. Nesse cenário, as contramedidas
adotadas pela União Soviética, e reproduzidas pelos países satélites, contra o crescimento
da hostilidade internacional, e em consonância com o processo de distensão política com
o Ocidente, incluiriam, por exemplo, uma maior inclinação a estabelecer contatos com a
Santa Sé. Sobre o futuro, o documento expõe ceticismo no aprofundamento da liberdade
religiosa na URSS, Romênia e Bulgária, países tradicionalmente ortodoxos, em vista da
questão conectar-se ali “ao problema mais amplo das minorias nacionais”, como os judeus
russos, visualizando uma situação ligeiramente melhor para o resto da Europa Oriental.
De todo modo, uma barreira fundamental e irremediável permaneceria, o fato de que “a
coexistência entre o “materialismo científico” e o idealismo religioso, quando não é
apenas instrumental, é um exercício muito difícil; e para ambos os lados a renúncia aos
seus princípios básicos é uma impossibilidade completa”.
De todo modo, o Departamento de Estado acreditava estar o Leste europeu, na
década de 1970, interessado numa “acomodação com as várias igrejas organizadas e em

358
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Alliance East-West Study: Italian Contribution on
Religion. Canonical ID: 1977NATO09220_c. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1977NATO09220_c.html>. Acesso em: 07 mar. de 2020.
271

normalizar os seus laços com o Vaticano”359, refletindo discussões ocorridas na


Conferência os Partidos Comunistas Europeus, realizada em Berlin Oriental em junho de
1976. Ali teria sido tirada a resolução, imediatamente aplicada pela maioria dos governos,
de modificar a política religiosa “da confrontação para a acomodação”, almejando uma
maior tolerância e cooperação com as igrejas. Para os norte-americanos, uma “tática de
cada regime em busca de responder a uma variedade de pressões internas e externas”,
como a dissidência religiosa e a já referida degradação da imagem internacional na
questão dos direitos humanos.
De forma sintética, a documentação revela que o bloco ocidental manejava com
astúcia a política em prol da liberdade religiosa, jogando com o potencial da dissidência
no bloco socialista para desestabilizar e desmoralizar tais países. Assim, contatos que
superficialmente pretenderam ampliar a distensão política Leste-Oeste, como a
Conferência de Helsinque, não deixaram de conter metas destrutivas, relacionadas a
persistência de uma Guerra Fria que continuou a ser travada de maneira ainda mais
implícita. Certamente armas espirituais continuaram a ser lançadas sobre o campo
adversário.

2.3.1 - Romênia: dinheiro e religião contra a influência soviética

Sobre o caso romeno, telegrama confidencial enviado pelo Departamento de


Estado à representação diplomática em Bucarest, trazendo o rascunho de um plano de
ação voltado para a influenciar a política de direitos humanos no país, permite-nos
compreender melhor o sentido político da grande preocupação com a liberdade religiosa
romena. O principal interesse norte-americano no país, ao qual o plano de ação delineado
pelo Departamento de Estado responderia, é explicitamente mencionado: “maximizar a
independência da Romênia para com a URSS” 360, o que se esperava conseguir
encorajando o governo romeno “a adotar políticas internas mais liberais”. O caminho para
tanto seria a intensificação de contatos privados de diplomatas norte-americanos com

359
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. NATO Assessment Series Contribution Pass Following
Via the NATO-Wide Communications System. Canonical ID: 1978STATE195038_d. Disponível em:
<https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1978STATE195038_d.html>. Acesso em: 11 mar. 2020.
360
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Human Rights: Country Action Plans. Canonical ID:
1977STATE127478_c. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1977STATE127478_c.html>. Acesso em: 09 mar. 2020.
272

lideranças romenas, combinados com pronunciamentos públicos do governo


estadunidense reforçando o seu “profundo comprometimento com os direitos humanos”
e com uma ampla cobertura pela Radio Free Europe - RFE361 “dos problemas relativos
aos direitos humanos na Romênia e em outros lugares”. À ofensiva diplomático-
ideológica se somaria, ainda, uma frente econômica, notando o documento que as ajudas
financeiras fornecidas ao país socialista, como “o auxílio de 20 milhões de dólares após
o terremoto de 04 de março de 1977”, evidenciariam “a preocupação dos Estados Unidos
com o bem-estar humano”, “fortalecendo a nossa posição quando desejarmos provocar a
cooperação do governo nos assuntos humanitários”. Sobre a necessidade de contatos
diplomáticos com esse fim manterem-se privados, reforça o documento que “uma
tentativa pública pelos Estados Unidos de forçar mudanças nas políticas domésticas
romenas poderia estimular a URSS a fazer o mesmo – o que não seria interessante”.
Assim, pensava o Departamento de Estado ser preferível agir de maneira dissimulada,
“mudando os problemas relativos aos direitos humanos de um contexto puramente
bilateral para um contexto internacional”, o que poderia ser feito, por exemplo, no espaço
das Nações Unidas e “encorajando organizações não-governamentais de direitos
humanos, particularmente aquelas com membros de variados países, a expressar suas
preocupações diretamente ao governo Romeno, ao invés de basear-se apenas na pressão
do governo dos Estados Unidos”.
As questões focadas pelos norte-americanos, tidas pelos romenos como
necessárias para a construção de um Estado comunista industrializado e desenvolvido,
seriam “restrições às viagens internacionais e à imigração, o desencorajamento à crença
religiosa, disciplina interna rígida e disponibilidade limitada de bens de consumo”. Sobre
o ponto que me interessa de perto, a liberdade religiosa, é destacado o comprometimento
do governo romeno com a promoção de um “’ateísmo científico” através das escolas e da
mídia”, acrescentando que a prática religiosa pública “provavelmente prejudicaria as
oportunidades educacionais, profissionais e políticas individuais”. Ainda que admita que
“o governo romeno tem sido relativamente tolerante com as denominações religiosas
reconhecidas, especialmente a Igreja Ortodoxa Romena”, o Departamento de Estado

361
Segundo consta na página da própria Radio Free Europe, a organização foi fundada em 1950,
“Estabelecida no princípio da Guerra Fria para transmitir notícias não censuradas e informação a audiências
atrás da Cortina de Ferro” e “desempenhando um papel significativo no colapso do comunismo”.
Financiada por órgãos governamentais como o Congresso norte-americano e a Central Intelligence Agency
- CIA, e posteriormente também por empresas privadas, os países incialmente cobertos pela rádio eram
Bulgária, Checoslováquia, Hungria, Polônia e Romênia, atingindo em 1953 também a União Soviética e
em 1975 a Estônia, a Lituânia e a Letônia (JOHNSON, 2008).
273

chama atenção para o fato de que “o Estado controla de perto os assuntos religiosos
através do Ministério dos Cultos”, e que “evangelização e proselitismo são proibidos”.
Ou seja, no tocante à liberdade religiosa, a preocupação norte-americana não se referia ao
cristianismo ortodoxo, religião compartilhada por 86,8% dos romenos segundo o censo
de 2002 (ROMANIA - Population: Demographic Situation, Languages and Religions,
2019), e firmemente controlada pela Igreja Ortodoxa Russa, conforme insinuado pelo
documento da OTAN que abre esta seção, mas sim às religiões não reconhecidas, como
a dos Testemunhas de Jeová e de evangélicos dispostos desafiar os limites impostos para
suas práticas.
Esse último grupo, formado sobretudo por denominações sediadas nos Estados
Unidos, é referido pela documentação como “neoprotestante não-conformistas”362. Sobre
ele, telegrama de setembro de 1978 emitido pela embaixada de Bucareste em direção a
outras representações diplomáticas norte-americanas pelo mundo e ao Departamento de
Estado relata a visita de dois dos seus integrantes, o batista Pavel Nicolescu, articulador
de um “Comitê em Defesa da Liberdade Religiosa na Romênia”, e o pentecostal Aurel
Popescu, ambos membros de denominações religiosas nativas dos Estados Unidos e
minoritárias no universo religioso romeno. Na ocasião, os dois puseram os diplomatas
norte-americanos a par das agruras impostas aos dissidentes evangélicos pelo governo
romeno, incluindo interrogatórios, reprovações de estudantes nos obrigatórios exames
marxista-leninistas, “não por falta de compreensão mas por não acreditarem na doutrina”,
e multas aplicadas a pentecostais pela realização de encontros religiosos clandestinos. A
tática de confrontar abertamente o regime, adotada por Nicolescu, não parece, entretanto,
ter sido partilhada pelo todo da Igreja Batista na Romênia, informando o documento ter
sido o dissidente e outros membros de seu comitê formalmente expulsos pelas lideranças
batistas. Não obstante, Nicolescu permanecia reconhecido como um batista pela “grande
igreja batista de Bucareste Mihai Bravu”, comentando que a decisão da cúpula batista
provavelmente fora tomada para eximi-la de prestar declarações públicas no caso de sua
prisão ou de outros problemas com as forças de segurança. Já sobre o pentecostal Popescu
não são fornecidos maiores detalhes, nem sequer a qual igreja pertenceria.
Em junho de 1979, contudo, o Departamento de Estado registra ter recebido em
Washington D.C. a visita de uma delegação de líderes religiosos romenos que desenhou

362
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Update on Religious Dissidents. Canonical ID:
1978BUCHAR06434_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978BUCHAR06434_d.html>. Acesso em: 10 mar. 2020.
274

um quadro completamente diferente, aconselhando os diplomatas norte-americanos a


“não ser enganados por uns poucos “aventureiros” egocêntricos”363. Com a presença de
representantes das igrejas Ortodoxa Romena, Luterana, Unitariana, Batista, Católica
Romana, Judaica e Muçulmana, a delegação procurou convencer os oficiais sobre o
estado favorável do problema no país, chegando o batista Ion Bonaciu a afirmar que
“nunca houve um período na história romena em que tenha havido tanta liberdade
religiosa como sob o presente governo ateísta”. Indo além, Bonaciu criticou a Radio Free
Europe, que por anos espalhara mentiras sobre os líderes religiosos romenos, concluindo
que “muitas pessoas que se declaram dissidentes simplesmente pretendem imigrar. Elas
buscam abandonar a Romênia não para ser mais fiéis mas para ter oportunidades de
ganhar mais dinheiro, assim elas começam uma campanha de difamação”. Diante do
relatado, o conselheiro Matthew Nimetz encerrou a discussão com panos quentes,
ressaltando que as relações com a Romênia estavam num bom patamar, apesar de algumas
diferenças, mas que o seu governo “se via obrigado a falar sobre os aspectos humanitários
pois acredita que a paz e o processo de distensão são mais seguros quando as pessoas
veem os benefícios em suas próprias vidas” e que o “desenvolvimento econômico é
importante mas igualmente é o espiritual, e é por isso que o Departamento de Estado se
preocupa com as liberdades religiosas e culturais”.
A visita foi acertada durante discussões havidas no âmbito da Conferência sobre
a Segurança e a Cooperação na Europa, ocorridas em maio do mesmo ano, onde os
representantes norte-americanos impuseram condições para o prosseguimento dos
empréstimos à Romênia, como as questões relativas aos direitos humanos, destacando as
ações repressivas contra o pastor Nicolescu e seu Comitê para a Defesa da Liberdade de
Religião. O representante norte-americano não esqueceu de mencionar também as
restrições impostas aos grupos religiosos não reconhecidos pelo governo romeno, como
os testemunhas de jeová, os mórmons e os nazarenos (todos sediados nos Estados
Unidos). No encontro da CSCE, novamente a pressão econômica surge como instrumento
para forçar o governo romeno a alterar sua política interna, afastando-se da órbita de
Moscou. Assim, o norte-americano não deixou de mencionar empréstimos de 600
milhões de dólares conseguidos pelo seu governo junto ao Banco Mundial nos últimos
dois anos, acrescentando, porém, que, a despeito do interesse em continuar com a ajuda,

363
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Visit of Romanian Religious Leaders - Meeting with
Nimetz and Derian. Canonical ID: 1979STATE162159_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979STATE162159_e.html>. Acesso em: 11 mar. 2020.
275

“nossa capacidade de continuar o fazendo foi limitada por rigorosas provisões legais
demandando que os EUA levem em consideração os direitos humanos na votação desses
empréstimos”364.
Relatos semelhantes aos apresentados a Matthew Nimetz em Washington,
entretanto, chegaram aos ouvidos dos norte-americanos. Membros de uma comissão da
Conferência sobre a Segurança e a Cooperação, em contato com batistas romenos no
mesmo mês de maio, relataram ter ouvido do pastor Cornel Mara que a situação do seu
grêmio religioso melhorara muito em relação ao período anterior à Segunda Guerra
Mundial, “quando a igreja sofria perseguição dos ortodoxos dominantes”365, e mesmo
comparada às duas últimas décadas, “quando não era possível “pregar onde quer que
quiséssemos e batizar quem quer que quiséssemos”, como é hoje”. Um dos membros da
comitiva, Das Schneider, ao mencionar os relatos do pastor Pavel Nicolescu, ouviu de
Mara “um retrato bastante depreciador” do colega. Para ele, Nicolescu seria “um homem
que sempre sustentou “visões doentias”, contrárias à doutrina da Igreja, que caluniou a
liderança batista e que tentou “fazer política no púlpito”’. Não satisfeito, Mara afirmou
que a liderança batista não se preocupava com o dissidente por estar ele dizendo a
verdade, mas sim por transmitir falsas impressões para o exterior, concluindo que
“nenhuma pessoa séria se tornaria um membro” do Comitê para a Defesa da Liberdade
Religiosa e Espiritual de Nicolescu, constituído por “pessoas sem estatura”, a maioria das
quais expulsa de seus cultos”.
Informações mais recentes sobre Nicolescu são esparsas, mas é sabido que ele
imigrou para os Estados Unidos ainda em 1979, onde doutorou-se em Teologia, vindo a
atuar como pastor na Igreja Batista Romena de Nova Iorque por volta de 2009 (PAVEL
Nicolescu – mesaj despre suferință la BCB „Nădejdea” București (2009), 2014). É de
pouca importância para esta pesquisa, de todo modo, a veracidade ou não das suas
reclamações e de seu pequeno grupo de dissidentes. O que importa aqui é a clara
predisposição dos Estados Unidos em tratá-las como legítimas e de usá-las para
pressionar o governo romeno. Mesmo a despeito da fragilidade dessas queixas, expressa
pela própria documentação norte-americana.

364
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. US-Romanian Bilateral CSCE Consultations:
Discussion of Declaration of Principles and Human Rights. Canonical ID: 1979BUCHAR02840_e.
Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1979BUCHAR02840_e.html>. Acesso em: 12 mar.
2020.
365
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Meeting with Romanian Baptist Union Leaders.
Canonical ID: 1979BUCHAR02831_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979BUCHAR02831_e.html>. Acesso em: 14 mar. 2020.
276

O embaixador estadunidense em Bucarest, Orison Rudolph Aggrey, por exemplo,


redigiu palavras moderadas sobre o estado da liberdade religiosa na Romênia em
telegrama ao Departamento de Estado alguns meses antes da reunião da Conferência
sobre a Segurança e a Cooperação na Europa. Comentando relatório emitido pela Anistia
Internacional sobre os direitos humanos na Romênia, especificamente a questão religiosa,
o embaixador comunicou que as quatorze denominações reconhecidas pelo Estado
romeno gozam de liberdade para conduzir os seus cultos nos limites dos seus templos e
lugares de adoração “sem interferência das autoridades”, frisando que “são aqueles que
acham essa limitação às suas atividades inaceitavelmente restritiva e insistem em desafiar
a proibição das atividades religiosas fora dos edifícios religiosos reconhecidos que
desacatam as autoridades”366. Acrescenta o embaixador que, como informado pelo
relatório da Anistia Internacional, esse grupo é formado quase exclusivamente por
membros de “seitas proselitistas neo-protestantes”. Um segundo conjunto de dissidentes
religiosos, sujeitos a sanções oficiais, ainda segundo o diplomata, seria também
constituído por “várias seitas neo-protestantes adicionais” cujo não reconhecimento se
daria em virtude do choque com a Constituição romena de algumas de suas práticas
religiosas, como a proibição de pegar em armas e de trabalhar em dias úteis oficiais.
Assim, concluiu o embaixador que as sanções não recaíam sobre a religião de uma forma
geral, mas “mais precisamente contra determinadas práticas religiosas”.

2.3.2 - Polônia: os católicos entram em cena

A Polônia é o segundo país da Europa Oriental com mais menções na


documentação diplomática norte-americana tocantes à liberdade religiosa. Ali,
novamente, os papéis traduzem a expectativa de que as tensões religiosas forçassem
alterações políticas capazes de afastar a influência soviética, aparecendo como fator de
instabilidade a ser explorado pelos interessados na derrocada do comunismo. Agora,
entretanto, a Igreja Católica é o foco das atenções, não havendo menções a grupos neo-
protestantes dissidentes, talvez por o Departamento de Estado entender ser a Polônia área

366
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Response to Amnesty International Report on Human
Rights in Romania. Canonical ID: 1979BUCHAR00425_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979BUCHAR00425_e.html>. Acesso em: 14 mar. 2020.
277

de influência preferivelmente da Igreja de Roma, tendo no bispo Karol Józef Wojtyła,


posteriormente cardeal e papa, importante aliado.
Neste espírito, estudo formulado em junho de 1979 pelo Departamento de Estado
e enviado aos países membros da OTAN descrevia com entusiasmo a recente visita de
Wojtyła, agora papa João Paulo II, ao seu país natal, dela esperando grandes modificações
na política local. O documento abre afirmando que a visita “ofuscou o aparelho comunista
e demonstrou que o catolicismo permanece a força popular ali dominante” 367,
demonstrando, ao arrastar milhões de poloneses para as ruas, “que o comunismo não é
páreo para uma Igreja autoconfiante capaz de evocar os sentimentos nacionais”. Como
consequência política possível, o Departamento previa (ou desejava?) que o evento teria
um impacto duradouro, “tornando a Polônia mais difícil de governar de um modo
aceitável a Moscou”, efeito que poderia se espraiar, ainda, por outras partes da região,
como a também majoritariamente católica Lituânia. Em termos práticos, punha-se em
dúvida a capacidade do governo de preservar uma coexistência com a Igreja Católica
“aceitável por todos, inclusive Moscou”, no contexto de fragilidade política e econômica
polonesa da segunda metade da década de 1970 e diante do aumentado poder católico na
barganha por maior liberdade de ação. Entre as reivindicações históricas da Igreja no país,
cujo avanço era esperado naquele difícil contexto político e econômico, e que poderiam
embaraçar as relações entre poloneses e soviéticos, enumera o documento: um acesso
ainda que pequeno à mídia oficial; o fim da censura às publicações religiosas; o fim do
veto governamental à nomeação de líderes da Igreja; a rápida emissão de permissões para
edificações em novas áreas urbanas; a liberalização da educação religiosa nas escolas e
acesso de membros da Igreja Católica a cargos de alta importância; e o reconhecimento
da Igreja como uma instituição pública. Na visão do Departamento, diante da crise
econômica que assolava o país, o governo polonês poderia se ver impelido a ceder mais
do que lhe seria conveniente em tempos normais, a fim de não atiçar ainda mais o
descontentamento popular.
Sem discordar do essencial, porém mais próximo dos acontecimentos, o
embaixador norte-americano em Varsóvia, William E. Schaufele Jr., achou conveniente
moderar as expectativas de Washington. Comunica, portanto, que os efeitos projetados
para a visita do papa lhe pareciam exagerados, sublinhando que não se deveria inferir dos

367
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. (C) POLADS Paper on Poland. Canonical ID:
1979STATE165408_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979STATE165408_e.html>. Acesso em: 15 mar. 2020.
278

últimos acontecimentos que a Polônia estaria prestes a sofrer grandes mudanças “o que o
telegrama claramente sugere”368, alertando o Departamento que muito provavelmente o
governo apenas cederia às demandas católicas quando estritamente necessário, diante da
influência significativa dos “conservadores e linha-duras” do Partido Comunista. Da parte
católica, o embaixador também não visualiza grandes enfrentamentos com o líder
polonês, Edward Gierek, secretário do Partido Operário Unificado Polaco, um
interlocutor moderado em sua “abordagem relativamente liberal”. Por último, Schaufele
recomenda cautela, sugerindo que uma importante distinção fosse levada em conta:
“muito do fervor das multidões foi direcionado simplesmente à pessoa do pontífice, não
contra o aparelho governante do país”.

2.3.3 - Checoslováquia: a Carta 77 e a liberdade religiosa

No ano de 1977, a República Socialista da Checoslováquia viu a publicação de


um documento, que viria a ser clamado Carta 77, assinado por algumas dezenas de
cidadãos proeminentes e reivindicando maior respeito aos direitos humanos em atenção
aos acordos firmados na Conferência de Helsinque. Um dos signatários, o ex-político Jiri
Hanzelka369, em contatos com oficiais da embaixada norte-americana em Praga,
compartilhou impressões sobre o documento e a situação política do país. Mostrou-se
satisfeito com a “ênfase”370 que a administração Carter estaria dedicando aos direitos
humanos em âmbito mundial, diferindo assim do que vinha sendo feito pelos governos
anteriores, na sua opinião apenas uma “política de apaziguamento”. Aconselhou ainda
que os EUA tivessem cuidado nos métodos usados para a promoção dos direitos humanos
no Leste europeu, atendo-se a objetivos tanto de curto quanto de longo prazo, e
acrescentou que “Helsinki forneceu ao países ocidentais o direito de intervir nos casos de
violações dos direitos humanos”. Após expressar desacordo com a relação de seu país
com os soviéticos, de “total dominação ou controle”, falou sobre violações em diversas

368
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. POLADS Paper on Poland. Canonical ID:
1979WARSAW06414_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979WARSAW06414_e.html>. Acesso em: 15 mar. 2020.
369
Ministro das Relações Exteriores durante o período reformista conhecido como “Primavera de Praga”,
passou para a oposição após a ocupação soviética em 1968. Participou do Fórum Cívico, movimento de
grande importância na derrubada do regime comunista no país em 1989.
370
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Information for Congressman Eilberg. Canonical ID:
1977PRAGUE02977_c. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1977PRAGUE02977_c.html>. Acesso em: 22 mar. 2020.
279

esferas, inclusive a religiosa. A esse respeito, queixou-se da necessidade de


consentimento estatal para a prática religiosa e denunciou obstáculos na promoção
profissional para pregadores que não se enquadrassem nos ditames governamentais, disso
decorrendo que “as únicas pessoas que praticam sua religião são os camponeses – não há
representantes de alto nível do governo frequentando igrejas”. Tal cerceamento se
deveria, novamente, à influência soviética, concluindo que “o Ocidente não compreende
que tudo está sendo controlado”.
Investigar a precisão do relato de Hanzelka vai além do escopo deste trabalho. O
que importa aqui é destacar que, mais uma vez, as restrições religiosas surgem atreladas
à influência soviética, que tanto o ex-ministro checo como o governo norte-americano
procuravam reduzir entre os países do Leste europeu. O cabo de guerra entre o governo
checo e a diplomacia norte-americana continuaria, porém, nos anos seguintes, com ambos
os lados evocando o tratado de Helsinque. Documento produzido pelo Departamento de
Estado dois anos depois da emissão da Carta 77, por exemplo, mostra o governo dos
Estados Unidos contestando prisões efetuadas pelos checos, entre elas a de padres
católicos, que lhe pareciam “inconsistentes com algumas provisões do Ato Final de
Helsinque”371. Respondendo no mesmo tom, o embaixador checo afirmou que eram os
EUA quem violavam os acordos de Helsinque ao “interferir nos assuntos internos de
outrem” e que “a Checoslováquia não irá mudar o seu sistema interno apenas para criar
uma melhor imagem nos Estados Unidos”. Sobre os religiosos detidos, sustentou que “a
liberdade religiosa existe na Checoslováquia, as igrejas funcionam normalmente, há um
cardeal em Praga, e negociações estão sendo encaminhadas com o Vaticano”, finalizando
que a detenção dos religiosos, da qual nem tinha conhecimento, se devia muito
provavelmente ao fato de terem eles violado a lei.

2.4 – Coréia do Sul: fundamentalistas contra o Norte

A documentação diplomática abordando as liberdades religiosas na Coreia do Sul


fornece a oportunidade de observar por um novo ângulo a ambiguidade do modus
operandi da política externa norte-americana no âmbito dos direitos humanos. Aqui, tais

371
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Dissident Trials and US-Czechoslovak Relations.
Canonical ID: 1979STATE274486_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979STATE274486_e.html>. Acesso em: 22 mar. de 2020.
280

preocupações, enfatizadas com tanto esmero junto aos países socialistas, parecem
evaporar diante de imperativos geopolíticos.
O governo autoritário do general Park Chung-hee é o centro das atenções nesses
papéis, onde desfilam denúncias de abusos, mas também manifestações de apoio. No
poder de 1963 a 1979, Park foi importante aliado norte-americano, tendo atuado junto à
potência capitalista na Guerra do Vietnã e assinado um Acordo de Estatuto de Forças,
garantindo a proteção militar dos Estados Unidos numa eventual invasão norte-coreana.
Os escritos diplomáticos norte-americanos mostram ali disputas entre grupos
religiosos locais pró e contra governo Park, no que parece um embate entre porções mais
conservadoras, entre elas a maior organização pentecostal do planeta, a Assembleia de
Deus, e outras menos. Enquanto alguns interlocutores denunciam cerceamento de
liberdades, inclusive religiosa, outros as minimizam e mesmo justificam. Nesse contexto,
sugere a documentação, o governo norte-americano, que acompanha de perto a situação,
opta por fazer vista grossa às violações dos direitos humanos e das liberdades religiosas
praticadas pelo governo Park, priorizando a estabilidade do aliado sul-coreano, necessária
para a contenção do vizinho comunista ao norte.
Tal postura é duramente criticada por carta de grupo de dissidentes políticos sul-
coreanos ao presidente Carter em fevereiro de 1978. Contestando o relatório anual
emitido pelo Departamento de Estado sobre a situação dos direitos humanos no país,
acusa-se o governo norte-americano de priorizar a segurança militar, desconsiderando os
problemas concernentes aos direitos humanos. Ao fazê-lo, os signatários chegam mesmo
a comparar a política norte-americana para a Coreia do Sul com aquela que levou à derrota
no Vietnã, onde os EUA, da mesma forma, apoiaram um “regime ditatorial” 372 sem
“políticas democráticas com respeito aos direitos humanos”. A preocupação do
Departamento de Estado com a segurança sul-coreana, “sem considerar a dimensão de
um sistema ou ideal democrático e apenas como um problema de segurança militar”,
seria, dessa forma, “superficial”, “errônea” e até mesmo preconceituosa. No que tange
proximamente a liberdade religiosa, prossegue a carta que a despeito do que informa o
comunicado do Departamento de Estado, onde se lê que “as atividades religiosas têm

372
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. State Department Report on Human Rights in Korea:
dissidents address open letter to president Carter. Canonical ID: 1978SEOUL01413_d. Disponível em:
<https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1978SEOUL01413_d.html>. Acesso em: 30 mar. 2020.
281

recebido ampla latitude”373 , ao contrário, o governo Park pretenderia, de maneira bastante


semelhante ao que vimos sendo feito (e ali criticado pela diplomacia norte-americana)
pelos governos socialistas, “conter o escopo das atividades religiosas aos limites da
igreja”. Ao final do documento, enviado pela representação diplomática norte-americana
em Seul para o Departamento de Estado, limita-se o oficial estadunidense identificado
como Stern a comentar que a carta “não recebeu atenção da mídia local”, apesar de ter
sido lida pelo menos uma vez durante cultos religiosos e distribuída a correspondentes
estrangeiros.
Apesar da complacência na descrição do panorama sul-coreano visível na
documentação, é impossível que o Departamento de Estado desconhecesse as condições
críticas dos direitos humanos e das liberdades religiosas ali. Múltiplas queixas chegaram
aos ouvidos da diplomacia estadunidense, muitas vezes inclusive trazidas por norte-
americanos residentes ou de passagem pela Coreia do Sul.
Reunidos em novembro de 1973, integrantes das organizações coreanas Conselho
Coreano de Direitos Humanos e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs redigiram
declaração conjunta a respeito do estado dos direitos humanos na Coreia do Sul. Dizia o
documento que, sob o regime Park, o povo “foi privado dos direitos humanos, liberdade
e democracia, incluindo a liberdade religiosa” 374 e que “a igreja deve se arrepender da sua
passada indiferença e se envolver na luta pelos direitos humanos”. Exigia o Conselho
Nacional de Igrejas Cristãs que o governo pusesse um fim à repressão aos estudantes, às
mulheres, aos trabalhadores e à imprensa. O papel concluía declarando que “a igreja de
agora em diante não irá se preocupar apenas com o espírito individual, mas também com
a salvação da sociedade e usará todos os seus recursos para esse fim”. O teor do
documento permite-nos supor que o polo opositor ao regime Park, na fratura do campo
religioso coreano, mantivesse alguma afinidade ideológica com os pressupostos da
Teologia da Libertação em sua ênfase na solução imediata dos problemas sociais dos
oprimidos. De fato, documento formulado pela CIA em 1986 versando sobre a Teologia
da Libertação e os obstáculos que ela impõe aos interesses norte-americanos chama
atenção para o surgimento, em princípios dos anos 1970, de uma variante não marxista

373
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Annual Human Rights Report - Korea. Canonical ID:
1978STATE023816_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978STATE023816_d.html>. Acesso em: 30 mar. 2020.
374
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Human Rights Conference Denouces ROKG. Canonical
ID: 1973SEOUL08017_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1973SEOUL08017_b.html>. Acesso em: 31 mar. 2020.
282

desta doutrina religiosa em terras sul-coreanas. Forjada sob o pano de fundo de um regime
autoritário, condição recorrente para a eclosão de filosofias religiosas deste feitio, ainda
segundo o documento da CIA, chamava-se ela Minjung ou Teologia do Povo375 (people’s
theology). Embora declaradamente anticomunista, reflexo da expulsão de grande parte do
clero local pela vizinha do Norte, a Teologia do Povo retiraria certa inspiração de temas
marxistas, refletindo também “algumas das preocupações da Teologia da Libertação no
campo dos direitos humanos e no ativismo político”376. Mas voltando à declaração
redigida pelos religiosos na Coréia, um resumo foi enviado pela embaixada de Seul ao
Departamento de Estado acompanhado de comentário do embaixador Francis Trelease
Underhill Jr. informando que “fontes protestantes indicam que as igrejas coreanas
pretendem usar a declaração na conferência das igrejas em Viena para divulgar ainda mais
sua oposição ao caráter repressivo do governo Park”377.
A repressão, inclusive a religiosos, continuaria em 1974, ano em que o missionário
presbiteriano natural dos Estados Unidos, Stanton Wilson, ligado ao Conselho Nacional
de Igrejas Cristãs, visitou sua embaixada em Seul para queixar-se de uma manifestação
de apoio ao governo Park publicada pelo New York Times e assinada por pretensos porta-
vozes da maioria das organizações religiosas no país. Segundo Wilson, o escrito, que
“sustentava a existência de liberdade religiosa no país”378 e atacava declaração anterior
de outros grupos cristãos, crítica ao governo Park e publicada no mesmo jornal, fora
redigida por religiosos que, além de não representarem a maioria dos protestantes e
evangélicos coreanos, teriam redigido o manifesto “chapa-branca” por encomenda do
ditador. Não satisfeito, o presbiteriano caracterizou as organizações signatárias da
seguinte forma: Igreja Presbiteriana de Hapdong, “igreja ultraconservadora que separou-
se da maioria das outras igrejas presbiterianas na Coreia”; Assembleia Geral das Igrejas
Presbiterianas na Coreia, “consistindo principalmente da Igreja de Hapdong”; Conselho
Coreano de Igrejas Cristãs, “Hapdong e dois outras pequenas igrejas”; Conselho de

375
Não confundir com a Teologia do Povo de matriz católica, corrente inspirada na Teologia da Libertação
e idealizada sobretudo por lideranças religiosas argentinas.
376
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Liberation Theology: Religion,
Reform, and Revolution. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP97R00694R000600050001-9. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp97r00694r000600050001-9>. Acesso em: 15 abr. 2020.
377
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Human Rights Conference Denouces ROKG. Canonical
ID: 1973SEOUL08017_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1973SEOUL08017_b.html>. Acesso em: 31 mar. 2020.
378
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Missionary Reaction to Pro-ROKG Statement New
York Times (NYT). Canonical ID: 1974SEOUL04586_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1974SEOUL04586_b.html>. Acesso em: 31 mar. 2020.
283

Igrejas de Taehan, “congregações locais incluindo a pró-governo Igreja Presbiteriana de


Paeng Yang”; Christian Times “semanário da Igreja Hapdong”; e, finalmente, a
Assembleia de Deus Coreana, a qual o pastor se refere apenas como “grande igreja
pentecostal”. Informando o Departamento de Estado sobre a visita, o diplomata Philip
Charles Habib apenas comentou que o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs se enxergava
como a maior autoridade para vocalizar os interesses das igrejas evangélicas,
“preocupando-se assim com os esforços do governo coreano em usar grupos dissidentes
com nomes semelhantes para criar suspeita e confusão no exterior”.
No mesmo ano, o jornalista do Washington Post, Jack Anderson379, relatou ter
apelado pessoalmente ao ditador sul-coreano para que libertasse 12 líderes religiosos,
detidos por “atividades antigoverno”380. Insensível, Park respondera que a prisão não se
devia a críticas, mas a violações da lei, frisando que “confrontava uma grave emergência”
em face da escalada armamentista da Coreia do Norte, com “atos de subversão” e planos
para assassiná-lo. Anderson mencionou ainda ouvir de líderes religiosos coreanos que os
detidos não simpatizavam com o Norte, apesar de se oporem a Park, e citou as seguintes
palavras, com as quais Kim Joon Gon, presidente coreano da conservadora e
anticomunista organização missionária Campus Crusade for Christ, procurou justificar o
arbítrio presidencial: “na Coreia do Sul temos 80 por cento de liberdade religiosa. Na
Coreia do Norte, eles têm percentual zero”.
O embate entre religiosos e Park não conheceu trégua em 1975, quando a
embaixada de Seul registrou novos protestos com “considerável participação de
missionários estrangeiros”381. A luta entre o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs e o
regime também prossegue e, em princípios do ano, um representante desta organização
comunica à embaixada norte-americana uma nova onda de perseguições, a falta de
contato com o governo sul-coreano para discutir a prisão de alguns membros e a abertura
de um processo por caluniosas acusações de “mau uso de recursos da igreja”382. Sobre
este último ponto, foi dito que o Conselho entendia ser uma grave ingerência a

379
Tendo trazido a público uma série de escândalos da administração Nixon, o jornalista Mark Feldstein,
no seu Poisoning the Press (Nova Iorque: Picador, 2011), sustenta que aquela administração tenha chegado
inclusive a considerar o assassinato de Anderson.
380
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. December 5 EA Press Summary. Disponível em:
<https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/1974STATE267253_b.html>. Acesso em: 31 mar. 2020.
381
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Church Protests Resume with Missionary
Participation. Canonical ID: 1974STATE267253_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975SEOUL00063_b.html>. Acesso em: 31 mar. 2020.
382
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. NCCC-K Finances and Detention of Rev. Kim Kwan-
Sok. Canonical ID: 1975SEOUL02297_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975SEOUL02297_b.html>. Acesso em: 31 mar. 2020.
284

interferência nos seus gastos, expressando “forte indignação que as acusações tenham
sido feitas publicamente e de maneira distorcida”. O representante do Conselho acusava
o responsável pela queixa original, o pastor Chong Chin-Yang, “que tem um histórico de
iniciar processos contra clérigos opositores do governo”, de ser um agente do governo,
atuando em campanhas para “suprimir as igrejas”. Ao final, o embaixador norte-
americano Richard L. Sneider registra ter levado o problema ao conhecimento ao diretor
do Gabinete para Assuntos Americanos do Ministério das Relações Exteriores, Yi Sang-
Ok, que “suspirou, tomou algumas notas, mas não fez qualquer comentário”.
Ainda no mesmo ano, as tensões entre dissidentes políticos e religiosos e o
governo Park chegaram à outra margem do Pacífico. Em abril de 1975 o próprio chefe do
departamento de Estado de Nixon, Henry Kissinger, escreve à embaixada de Seul sobre
queixa do embaixador coreano nos Estados Unidos. Segundo o texto, um grupo de
“aproximadamente vinte americanos e coreanos”383 teria invadido a representação
diplomática coreana para entregar texto de protesto contra a supressão da liberdade
religiosa. Não satisfeitos, dois homens retiraram retrato do presidente Park de uma das
paredes, posteriormente recuperado e devolvido por agentes estadunidenses. Foi
informada ao governo coreano a identidade dos homens envolvidos no rapto do retrato,
contra os quais, informou o diplomata coreano, o seu Ministério das Relações Exteriores
provavelmente orientaria a embaixada a registrar queixas formais na Justiça.
A documentação permite inferir, enfim, que o governo dos Estados Unidos reagia
com muita cautela às denúncias sobre violações de direitos humanos e da liberdade
religiosa na Coreia, buscando preservar ao máximo suas boas relações com Park. Para
fechar essa seção, trago mais um documento produzido pelo serviço diplomático daquele
país, desta vez pela embaixada do Cairo, que reforça a conclusão de que o Departamento
de Estado não apenas fazia vista grossa às limitações à prática religiosa impostas pelo
regime coreano, como também trabalhou ativamente para blindar a imagem internacional
do país. Em maio de 1976, o embaixador Hermann Frederick Eilts redige comunicado a
Washington e à representação diplomática norte-americana em Seul informando que o
país árabe enviaria brevemente à Coreia uma delegação da Universidade egípcia de Al-
Azhar a fim de “inspecionar as circunstâncias da comunidade muçulmana sul-

383
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Entry of Protestors at ROK Embassy. Canonical ID:
1975STATE089148_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975STATE089148_b.html>. Acesso em: 31 mar. 2020.
285

coreana”384. Recomendava o embaixador ao seu colega em Seul contatar as autoridades


coreanas sobre a “potencial importância da visita dessa delegação”. O aviso era
justificado pela grande presença norte-coreana no Egito, levando o governo daquele país
a “considerar recorrer a eles para peças de reposição militares e outras razões”.
Pretendendo podar ali a influência da Coreia comunista, concluía Eilts, portanto, que
“seria de considerável utilidade à posição sul-coreana no Egito se a delegação de Al-
Azhar voltasse com um brilhante relatório de como foi tratada e, ainda mais, de como a
comunidade muçulmana coreana goza de liberdade religiosa e é genuinamente contente”.

3 - Conclusão

A análise dos documentos diplomáticos norte-americanos mostra de maneira clara


a instrumentalização política da religião, manobrada ao sabor de interesses geopolíticos.
Especificamente, uma seletiva e oportunista política mundial de direitos humanos revela
que as pressões feitas pelo Departamento de Estado em favor da liberdade religiosa
tiveram como alvo preferido não necessariamente os locais em que essa liberdade era e
continua sendo severamente restrita, mas sim países rivais e/ou que pretendia trazer para
sua esfera de influência. Da mesma forma, é revelado de maneira patente como as
organizações religiosas sediadas nos Estados Unidos são as principais beneficiárias das
ações do Departamento de Estado ainda sob o pretexto de promover globalmente a
liberdade de culto, de fato um direito humano. Em todos os casos, sob o signo do respeito
à liberdade religiosa, vemos as organizações membros do Partido da Fé Capitalista,
estudadas nos capítulos anterior, como protagonistas nas disputas pela abertura de
espaços para a consolidação de sua presença por todo o mundo. Fica reforçada, assim, a
conclusão de que o Estado restrito, por via do seu Departamento de Estado, tem cumprido
sua parte da barganha na sustentação do consórcio empresarial-religioso que floresceu na
sede capitalista contemporânea.

384
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Upcoming Visit of Egyptian Religious Delegation to
South Korea. Canonical ID: 1976CAIRO06710_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1976CAIRO06710_b.html>. Acesso em: 01 abr. 2020.
286

CAPÍTULO 6
Quem banca o Partido da Fé Capitalista?

1 - Introdução

Tendo visto de perto as principais organizações constituintes em terras norte-


americanas daquilo que chamo de Partido da Fé Capitalista e visualizado apenas de
passagem seus principais integrantes e sua conexão com setores empresariais daquele
país, cabe agora ver mais a fundo estes últimos dois pontos. Ao mesmo tempo, procurarei
neste capítulo revelar as ligações das corporações mais envolvidas com o Partido da Fé
Capitalista e de seus membros com outros organismos privados devotados ao
planejamento da política externa norte-americana e à coordenação do empresariado
internacional, examinados por René Dreifuss (1986) em A Internacional Capitalista. Por
último, farei o mesmo com as organizações ideológicas laicas brasileiras conectadas ao
centro decisório norte-americano, abordadas pelo mesmo Dreifuss (1981) no seu 1964: a
conquista do Estado. Uma das grandes virtudes de ambos os trabalhos é a inclusão de
anexos com listagens dos membros destas organizações e das empresas que representam.
Através da digitalização e ocerização385 deste material, pude cruzar nomes de indivíduos
e corporações participantes das organizações abordadas nos capítulos passados,
encontrados nos documentos arquivísticos do Estado restrito norte-americano, com as
listas de Dreifuss. O método possui uma limitação, contudo, pois os documentos
arrolados pelo estudioso têm como marco temporal limite o início da década de 1980.
Mesmo assim, abarcam boa parte do período cronológico aqui abordado, daí a sua grande
utilidade. A mesma comparação foi feita entre os documentos por mim reunidos, a fim
de identificar a presença recorrente de indivíduos e empresas nas inúmeras iniciativas
anteriormente abordadas. Matérias de imprensa coletadas pela assessoria dos presidentes
da República estadunidenses concernindo a direita cristã e suas organizações serão
novamente trazidas à baila para melhor distinguir alguns dos participantes mais
frequentes do Partido da Fé Capitalista. Apresentar o resultado deste trabalho é o objetivo
das páginas que seguem.

385
Processo de conversão de imagens, como documentos e páginas de livros, em caracteres reconhecíveis
por programas de edição de texto e, portanto, pesquisáveis.
287

2 – Empresas e indivíduos assíduos em múltiplas organizações religiosas que


sustentam a hegemonia capitalista norte-americana

Vejamos primeiramente o grau de interpenetração entre as já abordadas


organizações baseadas em território norte-americano. Ali, a coincidente frequência de
indivíduos e empresas ilustra um dos argumentos centrais deste trabalho: tais iniciativas
consistiram num esforço sistemático e coordenado de instrumentalização política da
religião dentro e fora dos Estados Unidos.
Abarcando cinco décadas, é natural a sucessão de atores ao longo do tempo.
Assim, os indivíduos, e mesmo algumas empresas, envolvidos com o projeto em seus
anos iniciais, a década de 1950, transferem para outros seu protagonismo em períodos
mais recentes. Essa mudança acomoda-se, também, às duas fases do Partido da Fé
Capitalista já indicadas: seu período de consolidação, da década de 1950 até meados da
de 1970, com predomínio da ação anticomunista global visando estender a influência do
bloco capitalista, conduzido pelos Estados Unidos; e seu período neofundamentalista,
com um grande incremento da ação política partidária dentro e fora dos Estados Unidos,
buscando impulsionar a liberalização irrestrita dos mercados.

2.1 – Indivíduos de destaque

Começarei, portanto, observando os principais atores do primeiro período,


abordando os idealizadores do germe da ação bíblico-política tema deste trabalho, a
Foundation for Religious Action in the Social and Civil Order – FRASCO. Seu diretor
nos anos 1950 e 1960, Charles Wesley Lowry, foi pastor da Igreja Episcopal e professor
de teologia no Virginia Theological Seminary. Coerentemente com a proposta da
FRASCO, sua obra teológica reflete a preocupação em refutar o comunismo no plano
político e religioso, explorando uma alegada incompatibilidade com os princípios da
liberdade e do cristianismo. Alguns de seus trabalhos são Conflicting Faiths: Christianity
versus communism, a documentary comparison (1953), Communism and Christ (1954) e
The Ideology of Freedom vs. the Ideology of Communism, uma transcrição de suas falas
288

diante do Committee on Un-American Activities386 (Comitê sobre Atividades


Antiamericanas) do Congresso norte-americano em 1958. Lowry aparece novamente na
conferência Foreign Aspects of U.S. National Security realizada também em 1958, onde
foi proposta a criação de uma “arma do espírito” para o combate ao comunismo
internacional. Compareceu ao evento na condição de convidado de honra para o almoço
com outros dos principais presentes, como os líderes religiosos Theodore L. Adams,
presidente do Synagogue Council of America, e o bispo auxiliar de Nova Iorque Fulton
J. Sheen; membros do Estado restrito, como o ex-presidente Truman, George V. Allen,
diretor da United States Information Agency - USIA, Allen W. Dulles, diretor da CIA, o
deputado Charles A. Halleck, o subsecretário de Estado Christian A. Herter, e o líder da
maioria no Senado e futuro presidente Lyndon B. Johnson; e grandes empresários, como
William C. Foster, vice-presidente executivo da multinacional Olin Mathieson Chemical
Corp., o empresário do ramo petrolífero Edwin W. Pauley, e Spyros P. Skouras,
presidente da gigante cinematográfica 20th Century Fox.
Mas a figura religiosa mais proeminente envolvida com a FRASCO foi, sem
dúvida, o pastor fundamentalista Billy Graham, que teria servido como grande articulador
de religiosos conservadores de inúmeras procedências que convergiram para ela e outras
iniciativas semelhantes. Foi ele um dos maiores líderes do Movimento Neoevangélico
dos anos 1940 e 1950, termo cunhado pelo pastor congregacionista Harold J. Ockenga
para caracterizar a facção fundamentalista que pretendia romper com um isolacionismo387
autoimposto que refletia a perda de prestígio e espaço nas igrejas e outras instituições
religiosas para os teólogos liberais/modernistas em finais da década de 1920 e 1930. Ao
contrário, os neoevangélicos procuraram reatar laços com a sociedade e o mundo cultural
e articular-se com outros religiosos não estritamente fundamentalistas. Conforme
Marsden (1991, p. 62 e 69), que se refere ao grupo de Ockenga e Graham como
“fundamentalistas positivos”, este último teria habilmente estabelecido contatos com as
maiores confissões, trabalho materializado na rede religiosa interdenominacional
denominada National Association of Evangelicals, que aparece frequentemente nestas
páginas. Além da FRASCO, Graham aparece na reunião com Henry Kissinger e outros
religiosos e empresários em 1971 para debater o Vietnã e questões referentes à presença

386
O Comitê, que funcionou de 1938 até a década de 1970, investigava atividades comunistas entre a
população dos Estados Unidos.
387
Esta ala foi formada sobretudo por fundamentalistas separatistas, facção que pretendeu a independência
dos grupos fundamentalistas das grandes e tradicionais organizações protestantes, que julgavam
irremediavelmente tomadas pelos teólogos liberais.
289

norte-americana no extremo Oriente. Em 1988 aparece ele, novamente, como codiretor


honorário da Laymen's National Bible Association.
Há vasto material documental atestando os contatos de Graham com todos os
governos norte-americanos pelo menos desde os anos 1950. Em 1952, por exemplo,
vemos388 o pastor na base aérea norte-americana em Busan, Coreia do Sul, cidade
estratégica na contenção das forças norte-coreanas durante a guerra que se desenrolava
naquela península. A documentação não entrega o propósito de sua visita, mas podemos
conjeturar que talvez fizesse pregações motivacionais para os soldados norte-americanos.
De fato, durante o governo Nixon, Graham pousava em bases norte-americanas para fazer
sermões de Natal aos soldados no Vietnã 389. Era tanta a proximidade do pastor com este
presidente, em cuja campanha trabalhou com afinco, que o religioso não hesitava em fazer
indicações de membros para o governo390. Foi o caso do Dr. Carlos Lastra, da
Universidade Pan-americana de Porto Rico, indicado pelo pastor para o cargo de
subsecretário de Estado para a América Latina, por saber “mais que qualquer um sobre a
situação econômica e política” da região. A participação de Graham no Estado restrito
norte-americano volta à tona nas palavras do assessor de Nixon, H. R. Haldeman, que
previa uma importância ainda maior do reverendo nas eleições de 1972, notando que os
“fundamentalistas protestantes”391 eram grande parte da base de apoio de Nixon. O
trânsito fácil de Graham na Casa Branca, contudo, não se limitou a esse governo, embora
haja maior documentação sobre seus elos com Nixon. Os arquivos presidenciais trazem
fotografias suas em Washington D.C. com Gerald Ford, Ronald Reagan, Bill Clinton e
George W. Bush. Segundo a rede de televisão ABC392, que em 2007 preparava a produção
do programa Pastor to Power: Billy Graham and the Presidents (Pastor do Poder: Billy

388
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Chief Signal Officer, 1860 - 1985. Index to Personalities in the U.S. Army Signal Corps
Photographic Files, 1940 - 1954: Lough - Luckcuck. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/109921489>. Acesso em: 13 nov. 2020.
389
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Richard M.
Nixon's Returned Materials Collection, 1969 - 1974. WHSF: Returned, 7-4. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/26126158>. Acesso em: 13 nov. 2020.
390
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Richard M.
Nixon's Returned Materials Collection, 1969 - 1974. WHSF: Returned, 31-5. National Archives and
Records Administration – NARA. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26126722>. Acesso em:
13 nov. 2020.
391
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Richard M.
Nixon's Returned Materials Collection, 1969 - 1974. WHSF: Contested, 6-78. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/26145015>. Acesso em: 13 nov. 2020.
392
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
736121. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/77828797>. Acesso em: 13 nov. 2020.
290

Graham e os Presidentes), o religioso servira como conselheiro para nada menos que onze
presidentes.
Já entre os membros laicos da FRASCO, aquele que mais aparece em outras
organizações religiosas da hegemonia global norte-americana é o já mencionado Joseph
Peter Grace (1913-1995), presidente da multinacional química W. R. Grace & Co., que
em 2019 somou um lucro líquido de dois bilhões de dólares em operações em trinta
países, mantendo clientes em outros sessenta (A Global Leader in Specialty Chemicals
and Materials, [s.d.]). Grace não pôde aparecer na reunião Foreign Aspects of U.S
National Security, onde foi representado pelo seu vice-presidente, John D. J. Moore, mas
surge trinta anos mais tarde como membro-diretor da Laymen's National Bible
Association e do Council for National Policy. O empresário possuía também vínculos
com várias organizações hegemônicas não religiosas operando dentro e fora dos Estados
Unidos, conforme veremos adiante.
Outros membros não religiosos da FRASCO que compareceram à reunião Foreign
Aspects of U.S. National Security foram George C. McGhee, dono da McGhee
Production Company; Raymond W. Miller, membro da empresa de relações públicas
Public Relations Research Associates; o mencionado diretor da 20th Century Fox, Spyros
Skouras; John Quincy Adams, executivo da Manhattan Refrigerating Company; o juiz
Homer Ferguson; Albert J. Hayes, presidente da International Association of Machinists;
George Meany393, presidente do órgão sindical multinacional AFL-CIO sobre quem
pairam suspeitas de trabalhar para a CIA; o tenente-general Willard S. Paul; George N.
Shuste, presidente do Hunter College de Nova Iorque; e William R. White, presidente da
texana Baykir University. Já Kenneth S. Giniger, membro do National Advisory Council
da Frasco e presidente da K. S. Giniger Company, aparece novamente em 1988 na
Laymen's Bible Association, junto ao também membro da FRASCO Max Chopnick,
apesar de terem se ausentado da reunião Foreign Aspects of U.S. National Security.
Ausente da Frasco e de iniciativas posteriores, David Sarnoff, dono da Radio
Corporation of America – RCA que enviara memorando a Eisenhower pedindo a
organização de uma rede anticomunista dentro e fora da cortina de ferro, de maneira
pouco surpreendente deu as caras na conferência Foreign Aspects of U.S. National
Security. Foi um dos convidados de honra, a exemplo do presidente da FRASCO Charles
Wesley Lowry, mas dessa vez para um jantar com outros figurões, como os seguintes

393
René Dreifuss (1986, p. 183) o descreve como “o grande pelego sindical americano”.
291

membros do Estado restrito: o presidente Eisenhower e seu vice Richard Nixon; o


secretário de Estado John Foster Dulles; Joseph J. Foss, governador da Dakota do Sul; o
congressista Charles A. Halleck; o senador líder da minoria William F. Knowland; Robert
F. Wagner, prefeito de Nova Iorque e Alexander Wiley, senador membro do Comitê para
Relações Internacionais. Dividiram a mesa com ele também líderes religiosos como o
rabino Theodore L. Adams, presidente da Synagogue Council of America; o arcebispo de
Chicago, Samuel Cardinal Stritch, e o bispo da Igreja Episcopal, Henry Knox Sherill.
Também grandes burgueses estiveram ali, como Eugene R. Black, presidente do
International Bank for Reconstruction and Development; Henry Ford II, presidente da
empresa automobilística que leva seu nome; Joseph P. Spang, diretor da Gillete; Frank
Stanton, presidente da Columbia Broadcasting System, e Samuel C. Waugh, presidente
do Export-Import Bank. Por último compareceram ainda membros de organizações sem
fins lucrativos e vínculos diretos com o Estado restrito norte-americano, como Ralph J.
Bunche, subsecretário das Nações Unidas, e, novamente, o membro da FRASCO e
presidente do sindicato AFL-CIO, George Meany.
Outros presentes na conferência de 1958 que voltam a aparecer décadas depois
em outras iniciativas político-religiosas são Gilbert A. Robinson e Porter Wroe Routh.
Naquela altura assistente especial para tratados comerciais do Departamento de Comércio
dos Estados Unidos, Robinson aparece em 1988 como diretor honorário da Laymen’s
National Bible Association. Sua longa ficha de serviços prestados ao Estado restrito
daquele país e amplo histórico empresarial já foram aqui abordadas. Quanto a Routh, um
importante membro da Convenção Batista do Sul, aparece ele novamente na
documentação reunindo-se com Kissinger e outros religiosos e empresários na
mencionada reunião de 1971. Routh foi secretário sênior da Convenção entre 1945 e
1951, quando passou a desempenhar o papel de tesoureiro, cargo em que ficou até 1979.
Durante todo esse período, os batistas do Sul comemoram um grande acréscimo de igrejas
e membros, quase dobrando seus seguidores entre 51 e 79, além de um incremento de
mais de mil por cento nas arrecadações para o patrocínio de atividades missionárias
(RESOLUTION On Appreciation For Porter Wroe Routh, [s.d.] ).
Observando agora a segunda etapa, após meados da década de 1970 a
documentação é menos rica no que diz respeito à participação de indivíduos provenientes
do ramo empresarial nas iniciativas, ocorrendo, entretanto, o contrário com seus líderes
religiosos.
292

Provavelmente o mais importante é Pat Robertson, membro simultaneamente do


Council for National Policy e da National Religious Broadcasters e fundador da Christian
Coalition. Originário da Convenção Batista do Sul, da qual desligou-se após incursões
carismáticas, Robertson descreve-se como “televangelista, filantropo, educador, líder
religiosos, homem de negócios e autor” (BIOGRAPHY , [s.d.]). É dono de uma série de
empresas religiosas como a rede de televisão Christian Broadcasting Network (CBN), a
produtora International Family Entertainment Inc., a Universidade Regent University e a
organização filantrópica sem fins lucrativos declarados Operation Blessing International
Relief and Development Corporation que, segundo Chris Hedges (2006, p. 13), receberia
todos os anos milhões de dólares do governo norte-americano para ações caritativas. O
mesmo Hedges (2006, p. 197) enxerga Robertson como um dos mais importantes
difusores do dominionismo nos Estados Unidos, falando desde princípios dos anos 1980
numa “nova religião política”. Fato traduzido em projetos que pretendem submeter o
Estado restrito à influência religiosa fundamentalista, como a sua própria candidatura à
presidência dos Estados Unidos em 1988, que não passou pelo crivo das primárias
republicanas, e a criação pouco depois da Christian Coalition. Ativo aos dias de hoje, em
recentes declarações públicas Robertson previu que Donald Trump, do qual foi cabo
eleitoral, seria reeleito 2020 e que o planeta estaria com os dias contados, condenado a
ser pulverizado em breve por um asteroide (PETER, 2019). Para além da óbvia adesão ao
projeto político representado por Trump, a fala de Robertson expressa dois pressupostos
da sua teologia fundamentalista-carismática: o dom das visões e a crença no fim iminente
da Terra, frequentemente instrumentalizada para justificar conflitos armados iniciados
pelos Estados Unidos e seus aliados, sobretudo Israel, montando o cenário para o retorno
de Jesus Cristo. Robertson, contudo, parece não chegar a uma conclusão sobre a data do
Armageddon, previamente esperada para 1982 e 2007.
Outra figura de proa da religião politicamente organizada atualmente foi o
fundamentalista da Convenção Batista do Sul Jerry Falwell (1933-2007), fundador da
Moral Majority e membro do Council for National Policy. Para Marsden (1991, p. 76)
Falwell seria um “reformador do fundamentalismo”, fundador do “neofundamentalismo”,
que, tal como Billy Graham394 décadas antes, pretendeu “trazer os fundamentalistas de
volta ao centro da vida americana, especialmente através da ação política”, num panorama

394
Ao contrário de Graham, contudo, o grupo de Falwell retirou seus quadros e referências ideológicas da
mais radical facção separatista do fundamentalismo.
293

onde o movimento Neoevangélico de Graham perdera a coesão em virtude de múltiplos


problemas, como disputas teológicas.
É ele também um grande expoente do dominionismo nos Estados Unidos, fato
evidente no pioneirismo de sua Moral Majority, a primeira organização que pretendeu
levar preceitos religiosos para o interior da política partidária norte-americana. Uma
pequena biografia395 sua nos é oferecida por Karl Rove, principal assessor de George W.
Bush, cujo governo contou com a natural simpatia do reverendo. Fundador em 1956 de
importante célula da Convenção Batista do Sul no estado da Virginia, a Thomas Road
Baptist Church, no mesmo ano Falwell iniciou sua carreira de pregador no rádio e na
televisão. Em 1967 inaugurou uma instituição de ensino pré-escolar, a Lynchburg
Christian Academy, e em 1971 a Liberty University, segundo Rove a maior Universidade
evangélica do país, com mais de dez mil estudantes. A nota de Rove faz parte de
documento planejando a realização de encontro em novembro de 2003 entre o presidente
e diversos líderes evangélicos conservadores, que teriam “apoiado intensamente suas
propostas legislativas de redução de impostos e contra o aborto, e a Guerra ao Terror”.
Ao lado de Falwell, outros religiosos convidados foram Jack Graham, Adrian Rogers e
Richard Land, também importantes membros a Convenção Batista do Sul; o presidente
da National Religious Broadcasters, Frank Wright; e Ted Haggard, presidente da National
Association of Evangelicals. Além das instituições de ensino, Falwell também esteve à
frente de outras empresas com características evangélicas, como a rede de televisão
internacional PTL Satellite Network, da qual tornou-se diretor em 1987 por indicação de
seu fundador, o pastor pentecostal Jim Bakker, após este ter sua reputação arruinada pela
divulgação do pagamento de 279 mil dólares, desviados da rede de TV, pelo silêncio de
uma vítima de estupro. Fundamental na eleição de Ronald Reagan, Falwell manteve
grande influência sobre a política norte-americana em princípios da década de 1980. Em
telegrama396 enviado aos mais altos assessores de Reagan em outubro de 1981, por
exemplo, vemos o pastor exigindo que o governo fizesse com que o procurador-geral
William French Smith reavaliasse seu posicionamento favorável ao afrouxamento de

395
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
11/05/2003 [601624]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578894>. Acesso em: 14 nov.
2020.
396
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. American Law
Enforcement Officers Association. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840626>. Acesso
em: 14 nov. 2020.
294

algumas determinações penais, tidas pela Moral Majority como “complacentes com o
crime”.
Também o intelectual religioso Paul Weyrich (1942-2008), cofundador da Moral
Majority e membro do Council for National Policy, foi outro mentor do movimento.
Ainda que nunca tenha atuado como sacerdote, a religião cristã evangélica sempre esteve
no centro de seu pensamento e militância. Uma das mais notórias mentes conservadoras
dos Estados Unidos, além das organizações religiosas acima, Weyrich teve em seu
currículo participações em inúmeras outras associações direitistas como os laboratórios
de ideias Heritage Foundation397 e Free Congress Foundation, para citar apenas alguns.
A ele é atribuída a autoria do termo Moral Majority (Maioria Moral) que batizou a
organização partidário-religioso que iniciou com Jerry Falwell, expressão que sintetiza a
ideia de que os identificados com as propostas do movimento, numericamente
minoritários porém moralmente superiores, deveriam ditar os rumos do país. Muito
próximo dos governos republicanos a partir da década de 1980, seu perfil foi rascunhado
pelo assessor de Ronald Reagan, Morton Blackwell, a quem coube colocar a colega de
gabinete, Elizabeth Dole, a par dos fatos mais importantes da trajetória de Weyrich, que
ambos encontrariam em março de 1981 para articular contatos com “lideranças
conservadoras”398 a fim de discutir o pacote econômico planejado pelo presidente.
Blackwell o descreve como “o organizador-chave de um surpreendente número de
organizações conservadoras e coalizões responsáveis por atividades políticas atualmente
apoiando o presidente” e um “entusiasta em programas de treinamento para ativistas
conservadores, patrocinando muitos através de suas organizações e frequentemente
palestrando em programas de treinamento numa ampla gama de outros grupos
conservadores”. Além das já mencionadas, Blackwell destaca as organizações Kingston
Group, nome dado ao grupo de assessores de Bush e de congressistas, membros de
comitês legislativos e líderes de associações conservadoras que mantinham encontros
semanais; a Library Court, organização ativista “pró-família”; e o Stanton Group, que
promovia discussões sobre relações exteriores e defesa nacional, naquele momento
dirigido pelo próprio Weyrich. Alianças com associações conservadoras fora do espaço

397
A Heritage Foundation descreve-se como uma “instituição de pesquisa e educacional”, cujos propósitos
são “formular e promover políticas públicas conservadoras baseadas nos princípios do livre
empreendimento, governo limitado, liberdade individual, valores tradicionais americanos, e uma forte
defesa nacional” (ABOUT Heritage, [s.d.]).
398
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/135840769>. Coalitions for America (1 of 2). Acesso em: 15 nov. 2020.
295

norte-americano também eram costuradas pelo intelectual, caso por exemplo da inglesa
The Coalition for Peace Through Security, interessada no incremento da defesa militar
do Ocidente contra o bloco socialista. Seus diretores Edward Leigh, membro do Partido
Conservador, e Francis L. Holinan, sobre quem faltam informações, escreveram em julho
de 1982 ao chefe da Heritage Foundation, Edwin Feulner, para agradecer a “substancial
soma”399 a eles doada por Paul Weyrich para a organização de uma conferência sobre
“novas técnicas americanas de formação de opinião, campanha e levantamento de
fundos”. Não apenas, os ingleses pediam mais verba da Heritage, com a qual esperavam
“construir uma relação de trabalho mais próxima”. Sem limitar-se a pessoas e gabinetes
em seu laços com o Estado Restrito, também com a CIA Weyrich mantinha frequente
correspondência. A esse respeito, é significativa correspondência400 para o diretor adjunto
da Agência, Robert Gates, em maio de 1987, onde Weyrich manifestou insatisfação com
Reagan sobre o tratamento conferido pelos Estados Unidos ao grupo guerrilheiro
moçambicano pró-ocidente RENAMO. No seu entender, o governo ignoraria uma “força
insurgente nativa clamando por reformas democráticas” apenas para não prejudicar as
“relações com o regime soviético”. Considerado pelos “muitos grupos pró-defesa” dos
quais era porta-voz como um “país-chave” para o Sul da África, Weyrich demandava do
diretor da CIA a realização de um encontro do Conselho de Segurança Nacional onde
seria transmitida ao presidente a “importância do reconhecimento e apoio aos guerreiros
da liberdade da RENAMO”. Voltando à esfera religiosa, Weyrich apresentou em artigo 401
de abril de 1996 sua visão sobre um grande e ecumênico movimento cristão que pretendia
para seu país e o mundo, necessário para fornecer um norte moral aos homens, de outra
forma naturalmente inclinados ao egoísmo, e para salvar os Estados Unidos do “esgoto”
cultural em que estaria metido. Sonhava Weyrich com uma “nova ordem religiosa”
ecumênica, inspirada e legitimada pelas principais igrejas cristãs do mundo, assim capaz
de alcançar todas as pessoas. Ao que me parece, o também ecumênico Partido da Fé

399
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Coalition for Peace
through Security. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840767>. Acesso em: 15 nov. 2020.
400
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to Robert Gates from
Paul M. Weyrich. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90G00152R001202420018-0.
Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90g00152r001202420018-0>.
Acesso em: 16 nov. 2020.
401
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Domestic Policy Council (Clinton Administration), ca. 1992 - 1/20/2001. Crime Projects Bruce Reed.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/120356898>. Acesso em: 15 nov. 2020.
296

Capitalista, embora capitaneado pelas organizações cristãs norte-americanas, seria o


projeto de Weyrich esboçado.
Por último, James Dobson, chefe da Focus on the Family e do Family Research
Council, também integrou o Council for National Policy. Sua biografia já foi vista em
seções anteriores dedicadas às organizações que dirige. Ainda vivo, prossegue sua
prolífera carreira de escritor, conselheiro familiar e militante do movimento político-
religioso conservador aqui abordado.
Para este segundo período, as informações concernindo indivíduos do ramo
empresarial são mais escassas, havendo, contudo, uma visão mais clara de empresas
participantes, ainda que seus representantes não se repitam ou mesmo permaneçam
anônimos na documentação. Não obstante, um punhado de empresários ativos nas
organizações político-religiosas do primeiro período voltam a aparecer. Já abordados nas
páginas precedentes, são eles Joseph Peter Grace, da W. R. Grace Co., Kenneth S.
Giniger, da editora K. S. Giniger Company, e Gilbert A. Robinson, dono da firma de
consultoria do mesmo nome e ocupante regular de cargos no Estado restrito, conforme já
exposto. Na próxima seção buscarei responder à pergunta que intitula este capítulo,
enumerando as empresas com elos mais próximos com as organizações que vertebram o
Partido da Fé Capitalista.

2.2 – Empresas mais interessadas na ação político-religiosa global

Passarei agora a listar as empresas que mais de perto acompanharam as


organizações estudadas até aqui a fim de esboçar uma imagem dos interesses econômicos
por trás do Partido da Fé Capitalista. De antemão, posso adiantar que a maioria
esmagadora das empresas envolvidas são, naturalmente, multinacionais operando nas
periferias capitalistas. Também notável é a presença de empresas produtoras de material
bélico, que parecem aprofundar seu envolvimento com as iniciativas político-religiosas
no segundo momento do Partido da Fé Capitalista, após meados da década de 1970.
Ressalvo que as empresas aqui enumeradas, bem como as demais mencionadas neste
trabalho, não podem ser tomadas, de forma alguma, como as únicas participantes deste
projeto. Sem perder de vista os limites da pesquisa documental, mesmo que as empresas
aqui mencionadas se resumam a uma amostra extraída da limitada janela aberta pelos
papéis disponibilizados pelo governo norte-americano, tal fato não deixa sugerir sua
297

grande importância na sustentação das iniciativas aqui abordadas, o mesmo podendo ser
dito sobre os indivíduos anteriormente listados.
Muito já foi dito sobre Joseph Peter Grace, de modo que não causa espanto que a
sua W. R. Grace & Company surja no topo da lista das empresas por trás do Partido da
Fé Capitalista. Segundo a documentação, têm peso semelhante outras multinacionais
como a General Electric, a General Tire and Rubber Company, o Mellon Group, a Olin
Mathierson Chemical Company e a Vick Chemical Company.
Fundado em 1892 em Nova Iorque pelo notório empresário e inventor Thomas
Edison, o conglomerado multinacional General Electric está presente em diversos ramos
produtivos, com destaque para o setor de energia, aviação, cuidados domésticos e, mais
recentemente, impressão 3D, ciência dos materiais e análise de dados. Apresentando-se
como uma “empresa americana com uma pegada global” (FREQUENTLY Asked
Questions and Answers , [s.d.]), a GE mantém atividades em mais de 170 países e gaba-
se de ter “investido em mercados emergentes por mais de cem anos”, reportando um lucro
de seis bilhões de dólares em 2019. Em 1958, seu ex-presidente Charles Edward Wilson
aparece como membro da FRASCO. No mesmo ano, seu presidente W. R. Herod
comparece à conferência Foreign Aspects of US National Security, e em 1983 a empresa
desponta na lista de participantes do Grupo de Trabalho para Assistência da América
Central estabelecido por assessores de Reagan.
Aberta em 1915, a General Tire and Rubber Company foi um conglomerado que
além de produzir pneus detinha a RKO General, transmissora de rádio e TV. Foi uma das
principais fabricantes norte-americanas de pneus em meados do século passado, iniciando
processo de internacionalização partir de 1930, quando passa a operar no México
(ANYWHERE Is Possible, [s.d.]). Atua no Brasil oferecendo pneus para caminhões,
carros de passeio e veículos 4x4. Seu vice-presidente em 1958, Joseph Andreoli, esteve
na conferência Foreign Aspects of U.S. National Security, ao lado de Sol. A. Schwartz,
presidente da subsidiária rede de cinemas RKO Theaters. Mais recentemente, vemos o
presidente da RKO Generale, Frank Shakespeare, integrando o Council for National
Policy. Sobre Shakespeare, sua associação com organizações conservadoras vem de longa
data. Além de membro da Heritage Foundation desde 1979, é atualmente membro do
conselho da fundação conservadora Lynde and Harry Bradley Foundation. Com incursões
no Estado restrito, dirigiu a United States Information Agency - USIA (1969-1973), o
298

Board of International Broadcast402 (1981-1985), e serviu ainda como embaixador em


Portugal (1985-1986) e no Vaticano (1987-1989) (FRANK Shakespeare, [s.d.]).
A Mellon Financial Corporation, fundada em 1869 e fundida com o Bank of New
York em 2007, foi uma das mais importantes organizações bancárias dos Estados Unidos
no século XX. Em 2019 o banco BNY Mellon reportou lucro de 4,4 bilhões de dólares,
dos quais 1,9 foram provenientes de clientes fora dos Estados Unidos (2019 Annual
Report, [2019?]), operando em países como o Brasil desde 1980. A partir de 1955 a
família Mellon, naquela altura tendo Richard Mellon Scaife à sua frente, sustenta a
fundação sem fins lucrativos declarados Scaife Foundation, atualmente Sarah Scaife
Foundation. Artigo403 consultado pelos assessores de Bill Clinton intitulado Financiando
a Guerra de Ideias: fundações conservadoras, publicado em agosto de 1995 pela revista
Christian Century, indica a fundação da família Mellon como uma das principais
financiadoras de organizações cristãs conservadoras, especificamente o Institute on
Religion and Democracy. O texto é assinado por Leon Howell, articulista do periódico
cristão fundado em Chicago em 1884 e que se identifica como “uma revista progressista
e ecumênica” (ABOUT Us, [s.d.]), apesar de se endereçar sobretudo a igrejas cristãs
históricas, como a Católica, as protestantes originárias da Europa e a Batista. Segundo
Howell, a Sarah Scaife Foundation faria parte de um grupo de quatro fundações,
corriqueiramente chamadas de “quatro irmãs”, que agiriam de maneira coordenada na
sustentação de aparelhos ideológicos conservadores, muitos dos quais religiosos. As
outras três irmãs seriam a mencionada Lynde and Harry Bradley Foundation, a John M.
Olin Foundation e a Smith and Richardson Foundation. Juntas, essas fundações teriam
doado em 1993 mais de dez milhões de dólares para organizações como a Heritage
Foundation, o American Enterprise Institute, o Free Congress Foundation, coordenado
por Paul Weyrich, e as religiosas Institute on Religion and Democracy, The Ethics and
Public Policy Center404 e Institute on Religion and Public Life405. Especificamente sobre
a mais importante das organizações religiosas mencionadas, o Institute on Religion and

402
Órgão do Executivo norte-americano entre outras coisas responsável pelo veículo de propaganda
radiofônica anticomunista Radio Free Europe.
403
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
National Security Council (Clinton Administration), 1993 - 2001. [12/02/1996 - 12/11/1996] [Beijing
Women's Conference]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/41051262>. Acesso em: 17 nov.
2020.
404
Nas palavras de Howell, entidade dedicada à organização de seminários e publicação de livros e boletins
informativos girando em torno da meta expressa de enfatizar o elo entre a tradição judaico-cristã e questões
concernentes à política doméstica e exterior norte-americana.
405
Responsável pela edição do jornal religioso conservador First Things.
299

Democracy teria recebido do consórcio de fundações 260 mil dólares em 1993, 79% de
toda a verba arrecadada pelo IRD, proporção que chegava a 89% durante os seus
primeiros anos de vida. Desde aproximadamente 1965, quando Richard Mellon Scaife
toma sua frente, a Sarah Scaife Foundation teria doado aproximadamente 200 milhões de
dólares para organizações ideológicas conservadoras. Mas os vínculos da Mellon com
essas entidades não ficam por aí, outras grandes multinacionais envolvidas com a
instrumentalização política da religião foram erguidas com o financiamento do Mellon
Bank e geridas por alguns de seus membros. Trata-se, por exemplo, das empresas fixadas
em Pittsburgh, sua cidade sede, Gulf Oil, U.S. Steel, Rockwell, Westinghouse Electric e
Koppers (COLE).
Outra multinacional por trás das “quatro irmãs” é o conglomerado Olin
Corporation, através da John M. Olin Foundation, inaugurada em 1953. Suas várias
subsidiárias, entre elas a fabricante de rifles Winchester, estão instaladas em mais de vinte
países, com clientes em mais de cem (FROM Humble Beginnings to Global Success,
[s.d.]). Segundo dados divulgados pela empresa, ela é mundialmente a maior produtora
de munição, cloro e soda cáustica e a maior fornecedora global de materiais de epóxi.
Presente em todos os continentes, seu quartel general na América Latina é localizado em
São Paulo. Em 1958 vemos seu vice-presidente executivo, William C. Foster, convidado
de honra na conferência Foreign Aspects of U.S. National Security, provando que
também se interessava por armas espirituais, além das espingardas da marca Winchester,
somada ao conglomerado em 1931.
Também a Vick Chemical Company, famosa por suas pastilhas e pomadas que
confortam crianças resfriadas, interessou-se pela luta ideológica de base religiosa. Aberta
em 1890 por Lunsford Richardson, farmacêutico inventor do Vick VapoRub, passou a
ser uma marca sob o conglomerado Procter & Gamble em 1985. Mas antes disso, ainda
segundo o artigo de Howell, a sua Smith Richardson Foundation em meados da década
de 1960 passaria a financiar órgãos conservadores, incluindo os religiosos, sendo também
uma das “quatro irmãs”. O texto nota ainda que Heather Richardson Higgins, neta do
presidente da fundação na década de 1970, R. Randolph Richardson, continua a tradição
familiar de amparo a aparelhos ideológicos conservadores, financiando órgãos como o
Free Congress Foundation, do nosso conhecido Paul Weyrich, por via de outra fundação,
a Randolph Foundation. O que não quer dizer que a Smith Richardson tenha escapado do
controle da família Richardson, ainda carregando o sobrenome o diretor atual. Também
significativo do interesse deste clã e sua empresa por iniciativas conservadoras desde
300

meados do século XX é a presença de Donald B. Woodhouse, membro da Vick Chemical


Company, na conferência Foreign Aspects of U.S. National Security de 1958. Sobre
Woodhouse, infelizmente, não há maiores informações, permanecendo uma incógnita
inclusive seu cargo na Vick.
Um segundo conjunto de empresas destaca-se pela frequência que são citadas pela
documentação, ainda que não na mesma intensidade que as descritas acima. São elas a
Chrysler, a Dow Chemical, a Exxon, a Goodyear, a Radio Corp. of America, a Raytheon
Company e a United States Steel.
Atualmente conhecida como Fiat Chrysler Automobiles, a montadora detém as
marcas Abarth, Alfa Romeo, Chrysler, Dodge, Fiat, Fiat Professional, Jeep, Lancia, Ram
e Maserati, está instalada em mais de quarenta países e tem vendas em mais de 130.
Empregando 192 mil pessoas em mais de cem fábricas, teve lucro líquido em 2019 de 6,6
bilhões de euros (HISTORY. FCA Fiat Chrysler Automobiles, [s.d.]). Em parceria com
a italiana FIAT desde 2009, a norte-americana Chrysler fundiu-se com a primeira em
2014. No Brasil, a Chrysler atuou entre 1967 e 1981, enquanto a FIAT opera na cidade
mineira de Betim desde 1976. Em 1958 a Chrysler fez-se representar na conferência
Foreign Aspects of U.S. National Security na pessoa do seu presidente Lester L. Colbert.
Em 1988 vemos outro membro da cúpula da Chrysler como conselheiro da Laymen’s
Bible Association, o diretor executivo entre 1975 e 1979 John J. Riccardo, na montadora
de 1959 até finais dos anos 1990. Responsável por conduzir a empresa durante os difíceis
anos de alta do petróleo, sua estratégia para revitalizá-la foi opor-se ao que entendia com
uma “excessiva regulamentação governamental” (JENSEN, 2016), mirando
especificamente as regras referentes à segurança dos veículos e ao meio ambiente, que
imporiam “um peso desnecessário a indústrias como a Chrysler”.
A Dow Chemical foi criada em 1897 pelo canadense naturalizado norte-americano
Herbert Henry Dow, eletroquímico e inventor. Tornou-se uma multinacional em rápida
expansão na década de 1960, chegando a ser em 1974 a mais lucrativa empresa química
do mundo. Em 1986 trava parceria com a Eli Lilly sob a forma da DowElanco,
empreendimento conjunto de produtos agrícolas (VISUALIZING Our History , [s.d.]).
Em 2019 a empresa declarou empregar 36.500 pessoas em 109 fábricas distribuídas em
31 países, somando um lucro líquido de aproximadamente quatro bilhões de dólares (A
Compelling Investment, [s.d.]). No Brasil desde 1956, a Dow Chemical emprega cerca
de duas mil pessoas em unidades nos estados de São Paulo, Pará, Bahia e Minas Gerais.
A capital paulista serve ainda de base de operações para toda a América Latina. Em 1988
301

vemos um dos seus mais notórios diretores, Paul McCracken, nos quadros da Laymen’s
Bible Association. McCracken foi um economista com passagem pela Universidade de
Michigan e conselheiro econômico dos governos Eisenhower e Reagan. A Dow Chemical
também aparece como membro do Grupo de Trabalho para Assistência da América
Central em 1983, unindo intelectuais, líderes religiosos e empresários. Vale notar ainda a
presença de Thomas H. Lake, presidente da Eli Lilly and Company, futura parceira da
Dow, na reunião de 1971 sobre política externa com o secretário de Estado Henry
Kissinger e vários líderes religiosos.
Anteriormente conhecida como Standard Oil Company of New Jersey, uma das
sete empresas norte-americanas que detinha o monopólio global petrolífero durante boa
parte do século XX, após 1973 denominada Exxon e desde 1999 ExxonMobil, as raízes
desta multinacional remontam a 1870, quando o grupo Rockefeller fundou a Standard Oil
Company. Desde então a empresa é um truste em constante crescimento por aquisições e
fusões com outras companhias do ramo petrolífero (OUR History. ExxonMobil, 2021).
Atuando nos mercados de extração de petróleo e gás, refino e processamento químico, a
empresa comercializa seus produtos mundialmente sob as marcas Esso, Exxon, Mobil e
ExxonMobil Chemical, e reportou lucro líquido de 6,5 bilhões de dólares em 2019,
funcionando em 45 países (ANUAL Reports, [2020?]). Entrou no Brasil em 1912, sendo
aqui pioneira na exploração de petróleo e gás. Seus produtos químicos começaram a ser
comercializados no país no final da década de 1950 por via da divisão brasileira da Esso.
Instalada nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Paulínia e Curitiba, é atualmente a
maior exploradora estrangeira de petróleo no país, operando numa área de dez mil km2
nas bacias de Santos, Campos e Sergipe-Alagoas (NOSSAS operações, 2020). A exemplo
da Dow Chemical, foi uma das empresas componentes do Grupo de Trabalho para
Assistência da América Central de 1983. Seu ex-presidente Howard C. Kaufmann, à
frente da Exxon entre 1975 até 1985, figura no quadro de conselheiros da Laymen's Bible
Association em 1988.
Fundada em 1898 pelo inventor natural de Ohio, Frank Seiberling, a Goodyear
Tire & Rubber Company tornou-se já em 1916 a maior fabricante de pneus do mundo,
alcançando em 1963 a marca de um bilhão de unidades (HISTORY. Goodyear, [s.d.]).
Atualmente, detém as marcas Dunlop, Kelly, Fulda, Sava e Debica, presente em 61 países
e registrando o lucro líquido de 3,143 bilhões de dólares em 2019 (FINANCIAL Reports,
[s.d.]). Desde 1919 no Brasil, opera a partir das cidades de Americana, reputada como a
maior fábrica de pneus da América Latina, Santa Bárbara, que faz materiais para
302

recauchutagem, e São Paulo, de onde saem pneus para aeronaves (AMERICAS Facilities,
[s.d.]). Seu presidente em 1958, Edwin J. Thomas, participou da conferência Foreign
Aspects of U.S. National Security. Ingressando na Goodyear em 1916, Thomas fez parte
da cúpula da empresa desde 1941, quando eleito presidente, até 1971, data em que se
retirou da Mesa Diretora (EDWIN J. Thomas Dead at 87; Retired Goodyear Chairman,
1987). A Goodyear foi outra empresa representada no Grupo de Trabalho para Assistência
da América Central de 1983.
A Radio Corporation of America - RCA, emissora de rádio e produtora de
aparelhos radiofônicos, televisivos e produtos de comunicação eletrônica de modo geral,
foi fundada em 1919 como uma subsidiária da General Electric, permanecendo nesta
condição até 1932, quando se torna independente. Atualmente, contudo, voltou a ser uma
marca sob a gestão da Technicolor SA. A RCA foi por muitos anos a maior fabricante de
rádios e televisões dos Estados Unidos, tendo também desenvolvido o principal conector
para dispositivos de áudio, que leva o seu nome, usado em diversas partes do mundo e
tornado padrão da indústria até os dias de hoje. Sua figura central durante boa parte do
século XX foi o empresário, referido em várias partes deste trabalho, David Sarnoff
(1891-1971), que ali vestiu as funções de gerente comercial, presidente e chefe da mesa
de administração até sua aposentadoria em 1970. É do seu punho o memorando Program
for a Political Offensive Against World Communism apresentado ao presidente Dwight
Eisenhower em 1955. Como vimos, Sarnoff foi convidado de honra também na
conferência Foreign Aspects of U.S. National Security.
A Raytheon Technologies é uma “companhia aeroespacial e de defesa que fornece
sistemas avançados e serviços para clientes comerciais, militares e governamentais em
todo o mundo” (FACT Sheet, [s.d.]). O conglomerado adquiriu a atual nomenclatura por
via da fusão, em 2020, da Raytheon Company, fundada em 1922 e uma das maiores
produtoras de armas avançadas e material militar dos Estados Unidos, com a empresa
aeroespacial United Technologies Corporation. Mantém sob seu controle as marcas
Collins Aerospace, fabricante de estruturas e sistemas mecânicos para aviões civis e
militares; Pratt & Whitney, produtora de turbinas; Raytheon Intelligence & Space,
manufatureira de sensores e programas computacionais; e Raytheon Missiles & Defense,
uma das maiores fabricantes mundiais de mísseis. Empregando 195 mil pessoas, o
conglomerado declarou um volume de vendas total de 74 bilhões de dólares em 2019. A
Raytheon é uma das maiores fornecedoras de material bélico para as forças armadas
norte-americanas, saindo de suas fábricas o famoso míssil Patriot, liberalmente detonado
303

na primeira Guerra do Golfo. Coerentemente com seu slogan “Nós não prevemos o futuro.
Nós o criamos” (WHAT We Do. Raytheon Technologies, [s.d.]), a Raytheon e suas
subsidiárias têm um amplo histórico de contatos com organizações político-religiosas.
Figura de frente da corporação de 1964 até 1991, Thomas L. Philips esteve presente na
reunião com religiosos e Henry Kissinger sobre política externa em 1971, sendo também
um dos secretários da National Laymen's Association. Sua devoção religiosa é atestada
por seu amigo e conselheiro de Richard Nixon, Charles Colson, convertido ao
evangelicalismo por Philips. Condenado após o escândalo de Watergate, Colson fundaria
a Prison Fellowship, organização cristã internacional direcionada ao auxílio de detentos
e ex-prisioneiros (MARQUAND, 2019).
As fusões que originaram a Raytheon Technologies implicaram na absorção de
outra grande empresa bélica norte-americana que mantinha ligações estreitas com as
iniciativas estudadas neste trabalho, a Rockwell, também ligada ao Mellon Bank,
conforme visto. Fundada como uma fábrica de caminhões militares por Willard Rockwell
em 1919, foi em seu auge a maior fornecedora de veículos e espaçonaves para o programa
espacial norte-americano e uma das principais fabricantes de aviões militares para as
forças armadas desde a Segunda Guerra Mundial. Tornou-se em tempos recentes uma
grande produtora de microprocessadores, componentes eletrônicos para aeronaves e
sistemas de automação fabril (ROCKWELL INTERNATIONAL CORPORATION,
[s.d.]). Foi vendida para a Boeing em 1996 e passou para as mãos da United Technologies
Corporation em 2018, assim integrando-se à Raytheon Technology em 2020. A Rockwell
financiou organizações político-ideológicas cristãs como o Institute on Religion and
Democracy através da sua Lynde and Harry Bradley Foundation, uma das “quatro irmãs”
destacadas pelo artigo de Leon Howell. Originalmente pertencente à empresa de
automação fabril Allen-Bradley, ainda segundo Howell a fundação passara a dedicar
fundos a organizações conservadoras apenas em 1985, quando a Allen-Bradley foi
comprada pela Rockwell International. Neste período, além de receber a injeção de 275
milhões de dólares, a fundação passou a ser gerida por Michael Joyce, até então à frente
da outra “irmã”, John M. Olin Foundation406.

406
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
National Security Council (Clinton Administration), 1993 - 2001. [12/02/1996 - 12/11/1996] [Beijing
Women's Conference]. Disponível em <https://catalog.archives.gov/id/41051262>. Acesso em: 19 nov.
2020.
304

Fundada em 1901 por alguns dos principais capitalistas norte-americanos do


período, como o industrial Andrew Carnegie e o banqueiro J. P. Morgan, também
envolvido no nascimento da General Electric, a United States Steel foi durante boa parte
do século XX a maior produtora norte-americana de aço. Também sediada em Pithsburgh,
é outra grande corporação com elos com o Mellon Bank. Em 1982 a empresa passou a
operar na exploração de petróleo, com a aquisição da Marathon Oil Company e Texas Oil
& Gas Corp., e na mineração, química, construção, imóveis e transportes (UNITED
STATES STEEL CORPORATION, [s.d.]). Atuando no Canadá e na Eslováquia,
informou em 2019 lucro líquido de 2,28 bilhões de dólares (REPORTS, Filings &
Presentations, [s.d.]). Seus elos com aparelhos religiosos remontam pelo menos ao ano
de 1958, figurando entre os presentes na conferência Foreign Aspects of U.S. National
Security seu vice-presidente executivo, Malcolm W. Reed, e o assistente da diretoria,
Howard C. Johnson. Segundo o New York Times, Reed supervisionou o estabelecimento
de áreas de exploração de minério de ferro pela empresa na Venezuela e no Canadá na
década de 1950 (MALCOLM Reed, 79, Ex-U.S. Steel Aide, 1975). A exemplo de muitas
das vistas acima, a U. S. Steel é outra empresa que fez-se representar no Grupo de
Trabalho para Assistência da América Central de 1983.
Em momentos mais recentes, mais pistas sobre o envolvimento empresarial na
instrumentalização política da religião são encontradas nos arquivos presidenciais norte-
americanos, sobretudo os acumulados pela administração Clinton, que como já exposto
esforçou-se para compreender o cristianismo partidarizado.
Matéria407 divulgada em veículo de imprensa não identificado, mas cujo recorte
figura na biblioteca de Clinton, e assinada por Roy Branson, possivelmente um intelectual
adventista, insinua a complacência de organizações cristãs com a indústria do tabaco.
Segundo Branson, enquanto o mercado doméstico para cigarros encolhia, dobrava de
tamanho no resto do mundo, sobretudo em função da ajuda conferida pelo governo norte-
americano, que protegeria corporações como a RJR Nabisco, ameaçando com sanções
países que buscassem reduzir seu mercado de tabaco. Com campanhas publicitárias na
América Latina e a Ásia direcionadas para o público feminino e até mesmo infantil, o
artigo questionava o silêncio de organizações cristãs como a National Association of
Evangelicals, agressivas na crítica de certos costumes, mas tratando o fumo como um

407
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 - 1994. Sin Taxes 2 of 2: Tobacco [3].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/40483701>. Acesso em: 20 nov. 2020.
305

“vício privado”. A RJR Nabisco aparece novamente em matéria408 de 30 de maio de 1995


do Washington Post, assinada pelo jornalista e ativista pacifista e anarquista Colman
McCarthy, intitulada “Who Pays for These Fields of the Lord?” (Quem Paga por Esses
Campos do Senhor?). Mirando a Christian Coalition, naquela altura bastante enraizada
no Partido Republicano, o escrito sugere que, a despeito do discurso moralizante da CC,
o dinheiro que a sustentava viria de fontes “decididamente anti-família”, sustentando que
as indústrias do álcool, do tabaco e das armas de fogo seriam algumas das maiores
doadoras do Comitê Nacional do Partido Republicano. Como vimos, apesar de declarar-
se apartidária, a CC muito provavelmente era mantida com verba do partido, conforme
desconfiava o próprio Congresso norte-americano. O artigo sublinhava que a RJR
Nabisco, detentora da R. J. Reynolds Tobacco Co., doara em 1994 414 mil dólares ao
partido, enquanto a também produtora de cigarros Philip Morris repassara em princípios
de 1995 338 mil e a National Rifle Association 40 mil.
Informações reunidas em finais da década de 1990 por comitê da minoria
democrata no Congresso, o Thompson Commitee409, mostram um mecanismo de
financiamento de candidatos conservadores por via de empresa de fachada através da qual
corporações envolvidas com o Council for National Policy transfeririam ilegalmente
dinheiro para essas campanhas. Figura central no esquema seria Carolyn Malenick,
proprietária da Triad Management Inc., que repassou fundos a candidatos republicanos
por via de organizações sem fins lucrativos também de fachada. Tais fundos seriam
transferidos para a Triad usando como laranja o empresário Robert Cone, outro membro
do Council for National Policy, e um pequeno grupo de indivíduos relacionados uns com
os outros e com o Council. Sobre Malenick, informações levantadas pelo comitê destacam
proximidade com o pastor Jerry Falwell, sendo ao lado dele também membro do Council
for National Policy. Como lembrança, as principais empresas reunidas no Council, mas
de maneira alguma as únicas, são a petroleira Hunt Oil Company, a empresa de bebidas
alcoólicas Adolph Coors, as já abordadas neste capítulo W. R. Grace & Co. e RKO
Generale, e a Amway, multinacional do marketing multinível. O comitê suspeitava ainda
que os irmãos Charles e David Koch, proprietários de uma das maiores empresas

408
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 - 1994. [White House News Reports –
May 30 1995]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/17615890>. Acesso em: 20 nov. 2020.
409
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of the Counsel to the President (Clinton Administration), 1993 - 2001. Thompson Committee
Minority Report Volume 1 [6]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/41027860>. Acesso em: 20
nov. 2020.
306

petrolíferas dos Estados Unidos, a Koch Industries, seriam outra importante fontes de
recursos para a Triad410.

3 – Elos com a indústria armamentista

Vimos até aqui algumas corporações do ramo bélico associadas a organizações


religiosas, como a Raytheon Technologies, a antiga Rockwell e a fabricante de
espingardas Olin Mathierson, além do grupo de lobby, financiado largamente pela
indústria de armamentos, National Rifle Association - NRA. Também ações beneficiando
este setor produtivo são observáveis por toda a trajetória do movimento, servindo pastores
e suas organizações como sustentáculo diante da opinião pública das inúmeras incursões
militares patrocinadas pelos Estados Unidos e seus aliados. Vejamos essa história agora.
A Moral Majority de Jerry Falwell e Paul Weyrich assinou em julho de 1982 com
outras organizações de extrema-direita uma “Declaração de Líderes Conservadores” 411
pressionando Ronald Reagan a prosseguir vendendo material bélico a Taiwan.
Preocupavam-se os líderes com as “liberdade, autodeterminação e segurança” da ilha,
legítima “República da China” acossada pelos comunistas, usurpadores de sua porção
continental. Lamentava o documento que na presidência de Jimmy Carter “Taiwan
recebeu o dobro das vendas militares durante o mesmo espaço de tempo que na
administração Reagan”. Os queixosos frisavam ainda que seu governo “rejeitou ou adiou
a venda de todos os sistemas de armas requeridos por Taiwan”, inclusive aviões de caça.
Seus dedos apontavam para o secretário de Estado Alexander Haig, que estaria recuando
na política de comércio bélico com a ilha após negociações com a China (a continental).
Por fim, ameaçavam Reagan com uma inevitável “represália política de milhões dos seus
apoiadores conservadores”, caso o Departamento de Estado não voltasse atrás. Vale notar
que naquele momento a Raytheon era uma das principais fornecedoras de radares e
componentes eletrônicos para aeronaves militares norte-americanas. Até o presente, a
empresa equipa os principais caças do país, como os F-35, F-22 Raptor, F/A-18 Super

410
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 - 2001. [1996 Final Minority Report Volume I]
[Binder] [5]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/18514423>. Acesso em: 20 nov. 2020.
411
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. American Council
for Free Asia. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/135840624>. Acesso em: 21 nov. 2020.
307

Hornet, F-16 Fighting Falcon, EA-18G Growler e F-15 Strike Eagle (BRIDGING the
Generation Gap, 2019).
Ainda no que diz respeito ao comércio de aviões, já foi exposto que o diretor de
relações públicas da National Association of Evangelicals, Bob Dugan, em 1983
defendeu publicamente a venda de aviões para o governo da muçulmana Arábia Saudita,
que encontrava alguma resistência doméstica. Os aparelhos em questão foram naves de
vigilância e abastecimento E-3 Sentry, da norte-americana Boeing. Não foram
encontrados muitos indícios da participação da Boeing no financiamento de organizações
religiosas, mas em 1958 podemos ver seu presidente William M. Allen na plateia da
conferência Foreign Aspects of U.S. National Security, ilustrando o interesse da empresa
na política externa do país e nos possíveis dividendos ali colhidos pela ação religiosa.
Compareceram também Willian E. Knox, presidente da Westinghouse Electric
Corporation, fornecedora do sistema de radar dos E-3 Sentry e erguida com apoio
financeiro e gerencial do Mellon Bank, conforme mencionei.
Já foi também dito que o mais famoso pregador evangélico estadunidense, o
fundamentalista Billy Graham, frequentou base militar do seu país na Coreia do Sul no
calor do conflito peninsular da década de 1950. De forma semelhante, Graham concedeu
sua benção à Guerra do Vietnã e às duas guerras Iraque. Memorando412 do assessor de
Richard Nixon, William F. Rhatican, com o tema “Guerra do Vietnã - Apoio Público”,
relaciona uma série de medidas tomadas pela administração em 11 de maio de 1972,
preocupada em preservar sua base de apoio diante do prolongado conflito. Um dos passos
para este fim aparece listado da seguinte forma: “Billy Graham concordou em pedir aos
seus correligionários para rezarem pelo sucesso do presidente”. Mais tarde, em 16 de
janeiro de 1991, quando o primeiro George Bush anunciou em cadeia nacional a Operação
Tempestade no Deserto, iniciando a Primeira Guerra do Golfo, documentos413 da Casa
Branca registram que o pastor passou aquela noite ao lado do presidente. Alguns anos
depois, o afagado pelo reverendo foi o filho George W. Escrevendo em 18 de dezembro
de 2003 para assegurá-lo dos seus “contínuos apoio e rezas”414, Graham não descuidou

412
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Richard M.
Nixon's Returned Materials Collection, 1969 - 1974. WHSF: Contested, 7-46. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/26145127>. Acesso em: 21 nov. 2020.
413
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
562653 [2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/77828787>. Acesso em: 21 nov. 2020.
414
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
601487. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/119650691>. Acesso em: 21 nov. 2020.
308

de congratular o presidente pela prisão do ex-aliado iraquiano Saddam Hussein, “que


alívio”.
Graham não estava sozinho ao lado dos Bush. Em outubro de 2002 vários outros
líderes evangélicos endereçaram-lhe carta415 de apoio à iminente invasão do Iraque.
Dizia-se ali que a posição do governo sobre Saddam Hussein e suas “armas de destruição
em massa” era “prudente e compatível com o critério de guerra justa desenvolvido por
teólogos cristãos no final do século IV e início do V”. Assinavam o documento Richard
D. Land, presidente da Comissão de Liberdade Religiosa e Ética da Convenção Batista
do Sul; James Kennedy, presidente da rede cristã de televisão Coral Ridge Ministries
Media; Carl D. Herbster, presidente da liga de escolas cristãs American Association of
Christian Schools; e os já mencionados Chuck Colson, da Prison Fellowship Ministries;
e Bill Bright, da Campus Crusade for Christ.
Em outros casos tão zelosas com o tamanho dos gastos governamentais, as
organizações religiosas aqui estudadas vão em direção oposta quando se trata da alocação
de verbas públicas para programas militares, sendo a invasão do Iraque novamente
exemplar a esse respeito. Tony Perkins do Family Research Council, por exemplo,
escreveu para George W. Bush em 30 de setembro de 2003 declarando apoio para a
proposta presidencial de gastos suplementares para a “guerra ao terror” 416. Falando em
nome de “milhares de famílias” representadas por sua organização, argumentava Perkins
que tais custos consistiam, na verdade, um “investimento que irá fortalecer nossa
habilidade de prover a capacidade militar necessária para a segurança de nossas famílias
das persistentes agressões do terrorismo”. Segundo Perkins, os gastos seriam justificados
sobretudo diante a existência de “muitos programas que correntemente recebem bilhões
de dólares federais que são menos críticos que a guerra ao terror”. Assim, sem abandonar
totalmente o discurso da austeridade fiscal, pedia que o governo equilibrasse o máximo
possível seus gastos, “mas especialmente o dinheiro dedicado a gastos não-militares”.
Um pouco antes, em fevereiro de 2003, também a National Association of
Evangelicals e o Institute on Religion and Democracy subscreveram, ao lado de um

415
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
538440. Disponível em <https://catalog.archives.gov/id/122414926>. Acesso em: 21 nov. 2020.
416
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
536140 [3]. Disponível em <https://catalog.archives.gov/id/82578980>. Acesso em: 22 nov. 2020.
309

punhado de outras lideranças conservadoras laicas, mensagem417 de apoio às intenções


belicosas de Bush. Logo na primeira linha, manifestavam a convicção der ser “essencial
trazer brevemente o fim da ditadura de Saddam Hussein no Iraque”. Queixando-se do
orçamento para a guerra aprovado no Congresso, “pouco dinheiro para o substancial
esforço de reconstrução que quase certamente seria necessário”, os conservadores
antecipavam uma permanência prolongada no país. Apresentando em linhas gerais um
projeto de longo prazo, que acabaria posto em prática e envolveria as forças armadas e o
setor empresarial norte-americano, indispensável para “garantir a instalação e o
funcionamento de um estável regime representativo”, recomendavam que Bush calasse
os críticos anunciando um “plano para estabelecer a liberdade e o governo democrático e
autônomo no Iraque”. De fato, no final daquele ano o presidente buscou convencer a
opinião pública que suas ações no Iraque e no Oriente Médio seriam uma batalha para
“disseminar a democracia” (REYNOLDS, 2003), conforme vastamente noticiado.
Ainda sobre o interesse de organizações cristãs na guerra, especificamente a do
Iraque, Chris Hedges (2006, p. 30) atenta para o seu envolvimento na criação de milícias
privadas auxiliares da ocupação. Trata-se da Blackwater, empresa de segurança fundada
pelo fundamentalista cristão, milionário e ex-militar Erik Prince, que manteve perto de
trinta mil seguranças armados no Iraque. Ali operava com grande liberdade, amparada
por decreto emitido em 2004 pelas autoridades norte-americanas de ocupação que
conferiu imunidade processual aos prestadores de contrato civis no país. Muitos dos
fundos para suas operações viriam de grandes empresas, desinteressadas numa rápida
retirada e assim bancando 40% da verba empregada na ocupação.

4 – Laços do complexo empresarial e religioso por trás do Partido da Fé Capitalista


com outras organizações globais da hegemonia norte-americana

René Dreifuss (1986) procurou radiografar as principais organizações


responsáveis pela idealização, coordenação e implementação do projeto de liderança
capitalista norte-americana sobre o planeta que ganha ímpeto após 1945. Segundo os
dados que colheu, algumas das principais associações deste tipo, formalmente externas

417
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção Records of the
White House Office of Records Management (George W. Bush Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009.
536004 [2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/82578952>. Acesso em: 22 nov. 2020.
310

ao corpo estatal oficial dos Estados Unidos, seriam o Council on Foreign Relations, o
Commitee for Economic Development, a Comissão Trilateral e o Council for Latin
America (após 1981 America’s Society/Council of the Americas). Observando a
recorrente presença de membros destas organizações em outras de feitio semelhante,
Dreifuss (1986, p. 93) identificou uma “verdadeira pirâmide de poder global”.
Congregando empresários de grosso trato, intelectuais e agentes do Estado restrito
engajados num projeto hegemônico comum, de maneira pouco surpreendente observamos
muitos dos seus integrantes também transitando em iniciativas que buscaram anexar
ações religiosas dentro e fora dos Estados Unidos ao rol de artifícios disponível para a
consecução das mesmas metas. Nas próximas páginas mostrarei que o topo desta
pirâmide também esteve por trás da concretização do Partido da Fé Capitalista, embora
contasse em sua base com pastores, missionários e intelectuais religiosos no lugar de
economistas e diplomatas.
Lançado em 1921, o Council on Foreign Relations foi uma das primeiras
associações devotadas a este fim. Aproximando empresários, intelectuais, militares e
burocratas estatais, é um fórum permanente devotado a refletir as questões político-
econômicas de interesse norte-americano no contexto internacional. Nas palavras de
Dreifuss (1986, p. 34), busca “analisar, formular, acompanhar e avaliar iniciativas e
diretrizes estratégicas (privadas e públicas) indispensáveis para sustentar a crescente
projeção do capitalismo norte-americano”. A partir da década de 1940, no processo de
consolidação da liderança estadunidense sobre o bloco capitalista, teve a organização
papel destacado na idealização de uma nova ordem mundial onde as demandas industriais
e financeiras daquele país passariam a reger o concerto político e econômico mundial.
Compunha tal projeto, por exemplo, a criação de um sistema financeiro internacional a
fim de estabilizar a economia planetária, entre outras coisas facilitando projetos
capitalistas em áreas periféricas. Esgotada após duas décadas, em princípios dos anos
1970 coube novamente ao CFR planejar novas bases para essa ordem, que precisaram
levar em conta a emergência política e econômica do Japão e de uma Europa reconstruída
e a necessidade de conter países periféricos que esboçavam uma fuga de sua esfera de
influência. Exemplos deste último caso são o aumento súbito do preço do petróleo
provocado de forma coordenada por nações árabes, a vitória do Vietnã do Norte na guerra
contra o Sul e ensaios socialistas em países latino-americanos como o Chile. Tais
preocupações redundariam num “Projeto para os Anos 80” (DREIFUSS, 1986, p. 85),
desenhado no interior do CFR, com regras para as relações entre as potências capitalistas
311

e novas estratégias para a contenção do terceiro mundo, recomendando, por exemplo,


limitar-lhes a aquisição de material bélico e tecnologia nuclear.
Instaurado em 1942, o Commitee for Economic Development – CED uniu nos
Estados Unidos as “melhores mentes das corporações mais bem sucedidas e das melhores
universidades” (DREIFUSS, 1986, p. 41), articulando a classe dominante e intelectuais
em torno de um “esforço conjunto de pesquisa econômica e policy -making” para traçar
diretrizes posteriormente abraçadas pela burocracia estatal. Para tanto, os comitês de
Informações e de Publicações e Educação cuidam da divulgação de estudos para a opinião
pública e agentes do Estado restrito, sucedendo em apresentar seus planos como
representativos dos interesses de todo o empresariado e naturalizar a compreensão de que
tais anseios se confundiriam com os de toda a sociedade. Tal fato é evidenciado pelo
trânsito frequente de membros do CED em inúmeras administrações ao longo das últimas
décadas do século XX, o que é verdade também para o Council on Foreign Relations.
Outra de suas metas precípuas foi o estímulo à criação e a integração de organizações
semelhantes em diferentes países. O resultado deste trabalho foi visto já durante a
reconstrução europeia sob o Plano Marshall, com frequentes contatos entre empresários
norte-americanos e os do continente para possibilitar uma solução de compromisso que
levasse em conta os interesses dos setores produtivos dos diversos países. Já no Brasil,
algumas das organizações semelhantes ligadas ao CED seriam a Sociedade de Estudos
Interamericanos, a Fundação Aliança para o Progresso, o Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais – IPES, e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática- IBAD (DREIFUSS, 1986,
p. 114). Tendo como uma das suas funções iniciais estabilizar a economia norte-
americana, ainda de acordo com Dreifuss (1986, p. 46), o CED trabalhou em sinergia com
o CFR na normalização política e econômica mundial sob o sistema de Bretton Woods, o
General Agreement on Tariffs and Trade – GATT e o Plano Marshall. Articulando sob
suas diretrizes os mercados mundiais, teriam o CED e o CFR desempenhado papel
fundamental na construção das bases para a “hegemonia política-militar e a supremacia
econômica dos Estados Unidos sobre o bloco ocidental”. Atualmente, o CED se apresenta
como “uma organização sem fins lucrativos, apartidária, orientada aos negócios, que
fornece análises bem embasadas e soluções racionais para os mais críticos problemas de
nossa nação” (ABOUT CED, [s.d.]). Os princípios básicos que sempre lhe orientaram
seriam “capitalismo sustentável, crescimento econômico de longo prazo, política fiscal e
regulatória eficiente, mercados abertos e competitivos, uma força de trabalho global
competitiva, oportunidades econômicas iguais, e apartidarismo nos interesses nacionais”.
312

A Comissão Trilateral foi criada em 1973 por empresários japoneses, norte-


americanos e europeus no bojo da crise que levara o CRF a idealizar o Projeto para os
Anos 80, na consecução do qual foi importante atriz. Surge para responder à dupla
necessidade de aprofundar a articulação das principais economias ocidentais, em face de
sua crescente interdependência, e “abraçar’ e cooptar o terceiro mundo, esvaziando com
isso a “ameaça” que ele representava” (DREIFUSS, 1986, p. 86). O faria em grande parte
fomentando uma maior transnacionalização não apenas econômica, mas também política
e cultural, que enquadraria as ações das classes dominantes periféricas às regras
concebidas no interior do circuito formado pelos países ricos. No presente, a trilateral se
vê “mais importante que nunca em ajudar nossos países cumprirem suas
responsabilidades de liderança compartilhada no mais amplo sistema internacional”
(ABOUT. The Trilateral Commission, [s.d.]). Seu rol de participantes foi também
expandido, agora acolhendo empresários chineses, indianos, mexicanos e de países
membros recentes da União Europeia.
Em atividade desde 1965, o Council for Latin America, hoje Americas
Society/Council of the Americas, substituiu o CED no trabalho de articulação das
organizações do empresariado latino-americano com seus parceiros do norte, no quadro
da maior transnacionalização socioeconômica descrito acima que não poupou o Cone Sul.
Foi ele em meados da década de 1960 e por toda a de 1970, portanto, “o centro do
pensamento estratégico, da coordenação e da ação doutrinária e política para a América
Latina das grandes empresas e grupos transnacionais” (DREIFUSS, 1986, p. 149). Suas
funções primordiais neste período podem ser sintetizadas nos imperativos de zelar pelos
interesses empresariais na América Latina; dar suporte e estimular ações do Estado
restrito norte-americano e dos países latino-americanos que favorecessem esses
interesses; e disseminar entre a opinião pública informações favoráveis ao sistema
produtivo capitalista.
Vejamos agora o grau de envolvimento nas organizações acima das empresas
listadas como algumas das mais interessadas no programa político-religioso abordado.
Entusiasta da instrumentalização religiosa, Joseph Peter Grace e sua W. R. Grace
& Company aparecem envolvidos até o pescoço com as organizações estudadas por
Dreifuss. Grace é listado como um dos “membros de destaque” (DREIFUSS, 1986, p.
302) do Council on Foreign Relations em 1982 e membro do Conselho Diretor do Council
for Latin America em 1969, enquanto o seu vice-presidente, Antonio Luis Navarro, surge
em 1980 e 1981 como integrante do Conselho Assessor do mesmo órgão, agora intitulado
313

Americas Society/Council of the Americas. Grace foi ainda presidente do American


Institute for Free Labor Development - AIFLD, criado em 1961 para auxiliar as ações do
empresariado organizado na América Latina, dedicando-se a tarefas como o treinamento
de líderes sindicais, não sendo por acaso, portanto, que em sua direção o órgão contava
também como George Meany, da AFL-CIO (SILVA, Vicente, 2020, p. 523). Outros
membros da W. R. Grace também figuraram em importantes organizações dedicadas à
manutenção da hegemonia norte-americana sobre a América Latina, como o vice-
presidente John Moore, chefe do United States International Council - USIAC, “seção
estadunidense do Conselho Interamericano de Comércio e Produção”418 (SILVA,
Vicente, 2020, p. 425). Também integrante da W. R. Grace, Norman Carrignan aparece
no trabalho de Vicente Gil da Silva (2020, p. 513-514) frequentando em finais de 1960
reuniões empresariais onde se discutiu estratégias para zelar pelos interesses das empresas
norte-americanas na América Latina. Em encontro de outubro daquele ano em Nova
Iorque, Carrignan expressou preocupação com a ameaça cubana aos empreendimentos
capitalistas na América Latina, enfatizando que os homens de negócio do continente
deveriam participar de todas as iniciativas comandadas pelos Estados Unidos.
A General Electric emprestou vários membros para o Conselho Diretor do
Commitee for Economic Development - CED nos anos 1970 e 1980. Eram eles Fred J.
Borch (também membro do Comitê de Pesquisas e Diretrizes do CED nos anos 1960,
sucedendo Philip D. Reed), e Herman L. Weiss, diretor e vice-diretor da GE nos anos
1970; Frank P. Doyle, vice-presidente sênior de relações corporativas; e John Francis
Welch Jr., seu diretor na década de 1980. Também forneceu quadros para outros comitês
ligados ao CED, como o Comitê de Políticas de Comércio em Relação a Países de Baixa
Renda de 1967, frequentado por Fred J. Borch; o comitê Fornecendo o Sistema Monetário
Mundial de 1973, que contou com Herman L. Weiss; e o Subcomitê Relações Econômicas
entre Países Industrializados e Menos Desenvolvidos, com John Francis Welch Jr. Esteve
ainda na Comissão Trilateral, na pessoa dos seus diretores para os Estados Unidos e Grã
Bretanha, John Paul Austin e Sir Ray Geddes, também aparecendo no Council for Latin
America nos anos 1960 e na Americas Society na década de 1980, ali representada pelo
vice-presidente e gerente geral para operações latino-americanas E. Forsyth.
A General Tire and Rubber Company foi membro do Council for Latin America
na década de 1960, continuando vinculada à organização nos anos 1970 e 1980.

418
Fundado em Montevidéu em 1941, o Conselho Interamericano de Comércio e Produção - CICYP tinha
como função a integração das duas américas em torno dos pressupostos da livre iniciativa empresarial.
314

O Mellon Bank foi membro da Americas Society na década de 1980 e seu vice-
presidente, Arthur B. Van Buskirk, aparece como membro diretor do Commitee for
Economic Development em 1961.
A Olin Mathieson Chemical Company foi membro da Americas Society nos anos
1980 e compôs a direção do Commitee for Economic Development nos decênios
anteriores. Seu vice-presidente, William Chapman Foster, o mesmo que atendera à
conferência Foreign Aspects of U.S. National Security, foi não apenas dirigente da
organização, como também participou do Comitê de Pesquisa e Diretrizes em 1958 e do
comitê Cooperação para o Progresso na América Latina em 1961. Sua subsidiária até
1989, a farmacêutica E. R. Squibb & Sons também participou da Americas Society nos
anos 1980.
A Vick Chemical é membro da Americas Society na década de 1980.
O presidente da Chrysler, Lynn Alfred Towsend, compôs o Council for Latin
America nos anos 1970 e a Americas Society nos 1980. Seu antecessor, Lester Lum
Colbert, fizera parte da direção do Commitee for Economic Development da década de
1960.
A Dow Chemical se fez representar no Council for Latin America nos anos 1960
e 1970 (seu presidente, Carl A. Gerstacker, foi membro do Conselho Diretor na década
de 1970), permanecendo na Americas Society nos anos 1980. Robert W. Lundeen,
diretor, trabalhou no conselho diretor do Commitee for Economic Development na
década de 1980 e Paul W. McCracken, como já visto membro da Laymen's National Bible
Association, representou os Estados Unidos na Comissão Trilateral.
A Exxon frequentou a Americas Society na década de 1980, com seu diretor e
vice-presidente sênior Maurice E. I. Loughlin e o conselheiro de relações públicas Peter
B. Trinkle. Fez parte do Conselho Diretor do Commitee for Economic Development com
seu diretor, Clifton C. Garvin Jr., e do comitê de 1973 ligado ao CED, Fornecendo o
Sistema Monetário Mundial, com seu vice-presidente executivo, Emilio G. Collado, além
dos subcomitês Reforma do Sistema Monetário Internacional; Relações econômicas entre
países industrializados e menos desenvolvidos, de 1981, com o vice-presidente sênior
Jack F. Bennet; e Empresas Transnacionais e Países em Desenvolvimento, do mesmo
ano, frequentado pelo economista chefe de seu Departamento de Planejamento
Corporativo, James W. Hanson. A Exxon aparece ainda na Comissão Trilateral com
Guido di Paliano, diretor na Itália, e J. K. Jamieson, representando os Estados Unidos.
315

A Goodyear emprestou ao Council for Latin America nos anos 1960 o seu
presidente Richard V. Thomas, ali permanecendo nas décadas de 1970 e 1980. A empresa
também contribuiu com o Commitee for Economic Development, fazendo parte do
conselho diretor em princípios dos anos 1980 o vice-diretor Robert E. Mercer.
A Radio Corporation of America - RCA, de David Sarnoff, participou do
Commitee for Economic Development nos anos 1960 com seu presidente John L. Burns.
O presidente da Raytheon, Thomas L. Philips, que vimos na National Bible
Association e reunindo-se com Kissinger e líderes religiosos em 1971, foi membro do
Conselho Diretor do Commitee for Economic Development nos anos 1970. Já a Rockwell
International, absorvida pela primeira, aparece no Council for Latin America nos anos
1970, representada pelo presidente da diretoria Willard F. Rockwell Jr., e na Americas
Society na década de 1980, na figura de James S. Calvo, diretor de desenvolvimento de
marketing e negócios da Latin America Rockwell lnternational. Na década de 1970, a
empresa também figurou no Commitee for Economic Development, sendo o diretor
James W. Coultrap integrante do seu Conselho Diretor.
A United States Steel forneceu seu diretor Edewin H. Gott para o Council for Latin
America no final dos anos 1960, permanecendo ligada à organização nas duas décadas
seguintes. A empresa aparece também na diretoria do Commitee for Economic
Development nas décadas de 1960, 1970 e 1980, com o presidente da diretoria Roger M.
Blough, o diretor Edwin H. Gott e o vice-diretor de administração e chefe do setor
financeiro W. Bruce Thomas, respectivamente.
A RJR Nabisco fez-se representar na Americas Society por seu presidente, James
O. Welch, membro do Conselho de assessores da organização em princípios dos anos
1980. Sua subsidiária do ramo do tabaco desde 1985, a R. J. Reynolds, por sua vez, esteve
na Comissão Trilateral com Archibald K. Davis, membro do conselho internacional e
representante dos Estados Unidos, e Shinkichi Eto, integrante do mesmo conselho, mas
representando o Japão.
Assim, podemos dizer que pelo menos alguns dos membros do topo da “pirâmide
de poder”, detectada por Dreifuss pela superposição de membros nas inúmeras
organizações da hegemonia norte-americana, também agiram para transformar a religião
organizada na “arma do espírito” proposta pelo pastor Edwin T. Dahlberg em 1958.
Veremos agora as ligações destes indivíduos e empresas com associações ativas no Brasil
na década de 1960 que participaram do aprofundamento da internacionalização
316

econômica, política e cultural do nosso país proposto pelo Commitee for Economic
Development.

4.1 - A conexão brasileira

O projeto de internacionalização do Brasil compreendia a remoção de obstáculos


como o governo João Goulart e sua base de apoio, cujo projeto de desenvolvimento
capitalista procurou favorecer a fração empresarial estritamente nacional, ou seja, aquela
não associada a empresas estrangeiras. Sendo imperativa a maior participação de
multinacionais no espaço econômico latino-americano, urgia, portanto, desalojar o grupo
no poder em princípios da década de 1960 e informar a intelectualidade nacional e o
conjunto do empresariado sobre o novo modelo econômico pretendido para o país,
convidando-os a dele participar, ainda que de forma subordinada.
Um dos mais importantes aparelhos ideológicos direcionados para estes fins foi o
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais- IPES, ativo entre 1961 e 1973 e um dos
principais articuladores das diversas porções da classe dominante brasileira em torno do
projeto de profunda internacionalização da economia iniciada pela ditadura de 1964.
Sustentado por empresários brasileiros e estrangeiros, o IPES contou com a ajuda de
muitas das corporações listadas acima, ilustrando o grande alcance das ações
doutrinadoras desse grupo que, assim como nas associações religiosas, via no Instituto
uma instância capaz de alavancar o desejado projeto.
Dessa forma, das pouco mais de vinte corporações acima examinadas, seis tiveram
relações diretas com o IPES, novamente segundo documentação colhida por René
Dreifuss (1981).
Como já adiantei, Joseph Peter Grace, da W. R. Grace Company, mantinha
ligações com o IPES-RJ. O fazia por intermédio de Antônio Gallotti, membro da Light,
empresa da qual Grace era acionista, e de Antônio Sánchez Galdeano, da Companhia
Estanífera do Brasil. Segundo o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro do Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC (GALLOTTI,
ANTONIO, [s.d.]), o advogado Antônio Gallotti, um dos diretores da Ação Integralista
Brasileira na juventude, foi presidente da Light entre 1955 e 1974, autorizando em 1962
doações na ordem de 200 mil cruzeiros mensais para o IPES. Exemplo da associação
empresarial brasileira a multinacionais estrangeiras, mais frequente ao longo da
317

internacionalização de nossa economia acelerada em meados dos anos 1960, além da


Light, Gallotti mantinha contatos com outras corporações estrangeiras como a Canadense
BRASCAN, da qual foi vice-presidente, e o Chase Manhattan Bank, onde compunha o
Conselho Internacional. Outro ponto de conexão entre Grace o IPES seria Antônio
Sánchez Galdeano, ligado à mineradora Companhia Estanífera do Brasil, onde a W. R.
Grace teria participação. Sobre ele as informações são escassas, mas ainda conforme
Dreifuss (1981, p. 566 e 755) teria sido membro também da Companhia Patiz de
Inversões, subsidiária do conglomerado minerador Patiño Group, e do Banco Novo Rio
de Intercâmbio Nacional. Tanto a Companhia Estanífera do Brasil como a Light são
listadas pelo pesquisador entre as empresas privadas que mais doaram para o IPES.
A General Electric mantinha relações com João Baylongue, por intermédio do
Banco Ipiranga S.A. Investimentos, e com Herculano Borges da Fonseca, de maneira
mais direta, ambos membros do IPES do Rio de Janeiro. O Ipiranga aparece nas listas de
Dreifuss como uma das organizações financeiras com doações para o IPES. Baylongue
teria ainda contatos com outras empresas do setor, como o Banco do Rio S.A. e o Banco
da Capital S.A. Segundo o Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (BRASIL,
2014, p. 323), já sob a ditadura, participou da produção do anteprojeto de lei que instituiu
o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, ao lado dos empresários José
Duvivier Goulart e José Marques e dos militares Heitor de Almeida Herrera e Francisco
César Cardoso Mangliano. A composição deste grupo de trabalho ilustra uma das
principais funções do IPES, articular o empresariado com militares e fornecer quadros e
diretrizes econômicas para o governo instalado em 1964. Já o economista Herculano
Borges da Fonseca, além da General Electric, mantinha vínculos também com o Centro
das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro e as instituições financeiras Superintendência
da Moeda e do Crédito – SUMOC; Fundo Monetário Internacional – FMI; e o Banco
Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD.
A General Tire and Rubber Company chegaria até o IPES do Rio através do
membro de subsidiária brasileira, Pneus General S.A., Temístocles Marcondes Ferreira.
Vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de 1963 a 1965, onde contribuíra na
oposição ao governo Goulart, Ferreira era fazendeiro, industrial e banqueiro, tendo
fundado neste ramo a Atlântica Cia Nacional de Seguros (MATTOS, 2012). Conforme
Dreifuss (1981, p. 523 e 628), sua seguradora foi uma das empresas doadoras do IPES,
fazendo ele parte também do Banco Português do Brasil, da Bogward do Brasil ind. com.
Mortor-cars, da Cia. de Cimento do Vale do Paraíba e do Banco Auxiliar de Comércio.
318

As ligações do Mellon Group seriam, novamente, com a seção fluminense do


IPES. Ali a corporação norte-americana teria proximidade com o general Heitor de
Almeida Herrera, por sua vez membro da Carborundum S.A., onde o Mellon participaria.
Herrera, que como vimos envolvera-se no anteprojeto do FGTS, seria o elo do IPES com
a Escola Superior de Guerra ao lado de Golbery do Couto e Silva (SAVIANI, 2008),
ajudando a consolidar a coalizão empresarial-militar à frente da ditadura de 1964.
A Olin Mathierson Chemical Company chegava até o IPES de São Paulo pela
subsidiária em funcionamento no Brasil E. R. Squibb & Sons Produtos Químicos
Farmacêuticos e Biológicos. Seu representante no Instituto era o empresário Paul Norton
Albright, dirigente da Squibb, que em 1964 circulava também pela American Chamber
of Commerce e pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo - CIESP. Fundada em
1858 em Nova Iorque, a E. R. Squibb & Sons foi uma das principais empresas
farmacêuticas dos Estados Unidos, permanecendo sob controle da Olin Mathierson entre
1952 e 1989, quando funde-se à Bristol-Myers.
Por final, a Rockwell se relacionava com o IPES paulista através do engenheiro e
empresário Gastão Mesquita Filho, membro da Cobrasma S/A Indústria e Comércio, que
fornecia peças para ferrovias, e Cobrasma-Rockwell Eixos, produtora de eixos para
caminhões e carros, ambas com participação acionária da Rockwell. Outras empresas nas
quais Mesquita Filho participou foram o Banco Mercantil de São Paulo, a Marítima
Companhia de Seguros Gerais, a Cia Melhoramentos Norte do Paraná, a Cia Luz e Força
Santa Cruz, a Cia Agrícola Usina Jacarezinho e a Cia de Cimento Portland de Maringá.
Uma vez que a América Latina e o Brasil são teatros de operações privilegiados
para multinacionais sediadas na América do Norte, não causa espanto, por exemplo, que
o megaempresário Joseph Peter Grace fizesse parte simultaneamente da Foundation for
Religious Action in the Social and Civil Order, do Council for Latin America e tivesse
conexões com o IPES. Essa persistente sobreposição indica uma comunidade de
propósitos entre os órgãos religiosos aqui estudados e as instâncias onde segundo Dreifuss
a hegemonia do capital estadunidense e associado buscava as melhores condições para se
expandir globalmente. Sendo assim, não há dúvidas de que muitas associações com
propósitos declaradamente religiosos, organizadas a partir dos Estados Unidos num
primeiro momento e depois “nacionalizadas” por todo o mundo periférico, de maneira
mais ou menos dissimulada, promovem diretrizes econômicas traçadas no grande centro
capitalista do Norte.
319

5 - Conclusão

Foram investigadas mais de perto as principais corporações e seus integrantes


envolvidos nos inúmeros fóruns empresariais-religiosos aqui estudados. De modo algum
os únicos grupos econômicos envolvidos com o projeto, podemos dizer, contudo, que
estes são alguns dos mais importantes. Ao observá-los são revelados alguns dos principais
interesses econômicos por trás do Partido da Fé Capitalista, de forma pouco
surpreendente as corporações multinacionais e aquelas ligadas ao ramo bélico. A repetida
presença dessas empresas e indivíduos em diferentes reuniões de empresários, religiosos,
intelectuais e membros do Estado restrito mostra o envolvimento regular das principais
porções da classe empresarial norte-americana com o projeto hegemônico religioso. Da
mesma forma, a repetição desses personagens em outras iniciativas ideológicas fora dos
Estados Unidos dedicadas à consolidação dos interesses econômicos do país no panorama
global, como o IPES brasileiro, reforça a conclusão de que o Partido da Fé Capitalista é,
também, uma iniciativa deste feitio, tese principal deste trabalho.
320

PARTE III
A SUCURSAL BRASILEIRA DO CONSÓRCIO IMPERIALISTA
EMPRESARIAL-RELIGIOSO
321

CAPÍTULO 7
Estímulos sociais do avanço do Partido da Fé Capitalista no Brasil

1 - Introdução

Para o sociólogo Vilmar Faria419 (1984, p. 183) o modelo de desenvolvimento


perseguido pelo Estado brasileiro e sua classe dominante após a Segunda Guerra Mundial
teve como subprodutos “concentração da população urbana, insuficiência crescente na
criação de empregos industriais e concentração da pobreza urbana nas áreas
metropolitanas”. Indo além, o geógrafo Milton Santos (2009, p. 10-11) escreve que por
todo o século XX, mas sobretudo em sua segunda metade, a urbanização brasileira
manteve certa simbiose com a pobreza, cujo lugar típico seria, cada vez mais, as cidades,
em especial as maiores. Isso porque a modernização do mundo rural lhes remete
crescentes levas de trabalhadores que, no meio urbano, encontrarão insuficientes
empregos industriais e um setor terciário que, combinando “formas modernas a formas
primitivas”, remunerará mal e não garantirá o emprego. Cidades, além do mais,
submetidas em seu funcionamento às demandas da lucratividade corporativa, não
priorizando a qualidade de vida na alocação dos recursos públicos, daí decorrendo graves
carências no fornecimento dos serviços essenciais à população.
As razões profundas dessa acelerada urbanização retrocedem aos 25 anos que se
seguem à chamada “Revolução de 30” quando, diz a historiadora Sonia Regina
Mendonça420 (2003, p. 23), a crescentemente influente burguesia industrial brasileira
elabora e consegue pôr em prática um programa industrializante. Suas linhas mestras
seriam a intenção de reduzir a fragilidade da economia diante das vicissitudes do mercado
internacional, evidente em princípios da década, quando a venda do café, até então pilar
econômico do país, sofre brutal redução com a Segunda Guerra Mundial; a recusa à

419
Sociólogo pelo Instituto Latinoamericano de Doctrina Y Estudios Sociales (mestrado) e pela Harvard
University (doutorado), foi pesquisador visitante nesta Universidade norte-americana e professor na
Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, diretor do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento -
Cebrap, atuando também no Consejo Latino-Americano de Ciencias Sociales - CLACSO. Experiente na
área de Ciência Política, com ênfase em Políticas Públicas. (FARIA, 2000).
420
Doutora em História Econômica pela Universidade de São Paulo - USP, foi professora do curso de
História da Universidade Federal Fluminense - UFF entre 1975 e 1999. Atualmente é professora do
Programa de Pós-graduação em História - PPGH, da mesma Universidade. Seus principais temas de
pesquisa são: Estado, Brasil República, Agricultura, História, Poder e Classe Dominante Agrária,
Intelectuais, Políticas Públicas, Questão Agrária e Saber e Poder (MENDONÇA, S. 2021).
322

concentração das atividades econômicas quase que exclusivamente no setor agrário-


exportador; a produção de uma ideologia onde a industrialização apareceria como
condição para a grandeza nacional; e a delegação ao Estado da tarefa de implantar a
onerosa indústria pesada. Com a presidência de Juscelino Kubitschek em 1955 e seu plano
de industrialização acelerada, intensifica-se a vaga urbanizadora. Duas importantes
modificações no modelo industrializante teriam então ocorrido, havendo, em primeiro
lugar, uma redefinição do tipo de indústria a ser beneficiada, agora a de bens de consumo
duráveis, e em segundo lugar o lançamento de novas bases de financiamento, abrindo-se
a economia ao capital estrangeiro e optando-se por um modelo de desenvolvimento
dependente dos fluxos externos de recursos (MENDONÇA, S. 2003, p. 53). Os anos de
ditadura, com seu “milagre econômico”, não significariam um afastamento desse
esquema que, pelo contrário, foi aprofundado por medidas que estimularam a
oligopolização da economia e pela elevação acentuada da produtividade do trabalho por
via de uma política de arrochos salariais (MENDONÇA, S. 2003, p. 92 e 96). Contudo,
por volta de 1974 há um esgotamento desse modelo que, já desigual e concentrador no
auge de sua efetividade, em sua derrocada agrava ainda mais as condições de vida dos
trabalhadores, exauridos por uma década de superexploração.
O processo de urbanização acelerada e a formação de uma espessa camada de
trabalhadores empobrecidos residentes nas cidades será, assim, constante por todo o
período em que esta pesquisa se detém, a segunda metade do século XX. O fenômeno me
será especialmente importante, uma vez que é justamente entre esses trabalhadores
citadinos que organizações evangélicas vindas dos Estados Unidos, sobretudo as
pentecostais, iniciarão uma vigorosa trajetória expansiva.
Tendo visto na Parte II as razões exógenas que impulsionaram o traslado mundial
de aparelhos religiosos sediados nos Estados Unidos, este capítulo será dedicado aos
motores internos da penetração brasileira. Entre esses aparelhos, a análise privilegiará os
pentecostais, que rapidamente projetam-se como maior grupo evangélico no país.
Tamanho foi seu sucesso, que preceitos teológicos trazidos por eles passam a ser adotados
por outras associações evangélicas aqui já instaladas, sobretudo a Batista e a Metodista
(MARIANO, 2014, p. 12), seduzindo inclusive os católicos, que abraçarão os dons do
Espírito Santo sob a forma da sua Renovação Carismática. A investigação desses fatores
endógenos seguirá recomendação do estudioso do pentecostalismo Francisco Cartaxo
Rolim (1994, p. 136), que, para além da indução externa, que via como um fato, frisou a
323

indispensável necessidade de também “examinar como as diversas igrejas pentecostais se


inserem e se comportam nos contextos histórico-políticos internos”.
O avanço pentecostal nos momentos que precedem essa pesquisa, ou seja, a
primeira metade do século XX, então concentrado na região Norte e Nordeste, no caso da
Assembleia de Deus, e no interior do Paraná e subúrbios da capital paulista, no que tange
a Congregação Cristã do Brasil, manteve um bom ritmo. Talvez embalado pelo primeiro
e ainda tímido surto urbanizador promovido pelo Estado Novo, parte a Assembleia, por
exemplo, de 14 mil membros em 1930 para 120 mil em 1949 e a Congregação de 36.644
membros em 1936 para 132.297 em 1950 (CHESNUT, 1997, p. 31). Mas é apenas após
meados do século que a expansão do evangelicalismo de cunho norte-americano,
sobretudo pentecostal, ganha maior ímpeto, com a vinda de diversas outras entidades
religiosas, a inauguração de organizações deste feitio já completamente nativas e um
incremento explosivo do número de membros.
Veremos neste capítulo, então, o movimento de industrialização urbanizadora que
ocorre no país, atrelado à sua ligação ao circuito capitalista mundial inaugurado no pós-
Segunda Guerra; as suas consequências para os trabalhadores, que preenchem grande
parte das cidades e para quem a pregação evangélica se mostra tão sedutora; e o processo
de instalação das mais importantes organizações desta natureza em atividade no país,
conectadas ao consórcio empresarial-religioso firmando em terras norte-americanas.

2 - O país na segunda onda pentecostal (1951-1977)

Em princípios da década de 1950, momento em que aqui aporta a Igreja do


Evangelho Quadrangular (1951), é fundada a Brasil para Cristo (1956) e passam a
funcionar em nossas terras inúmeras organizações missionárias norte-americanas, se
inicia o segundo surto pentecostal brasileiro, abrindo uma temporada de expressivo e
ininterrupto crescimento desse tipo de evangelicalismo. Nesta altura, ainda que o
processo acima resumido já se encontre em curso e que o país tenha alcançado um
patamar moderado de urbanização, falamos ainda de um Brasil majoritariamente rural,
com 78,5% da população habitando o campo e respondendo a agricultura por 59,9% das
vagas de trabalho (FARIA, 1984, p. 184). Mas esse estado de coisas não perduraria,
apresentando o país um impressionante ritmo de industrialização e urbanização a partir
de então, crescendo a indústria numa média de 8,5% ao ano entre 1950 e 1980, empurrada
324

pela explosão dos bens de consumo duráveis, bens intermediários e de capital, que
cresceram em média 15,3%, 10,5% e 12,8%, respectivamente, saltando o percentual de
domicílios urbanos de 26,35% em 1940 para 37,13% em 1950 e 68,9% em 1980 (FARIA,
1984, p. 186 e 188; SANTOS, 2009, p. 31).
A acelerada e concentrada urbanização na segunda metade do século é evidente
também ao olharmos a conformação das cidades. Aquelas com vinte mil habitantes, que
abrigavam por volta de 15% da população em 1940, passam a acolher 28,43% dos
brasileiros em 1960 e 51% em 1980, estando na região Sudeste a maioria (60%) dos seus
residentes. Já as cidades de 100 mil habitantes ou mais, apenas 18 em 1940, saltam para
142 em 1980; as de quinhentos mil ou mais, apenas duas em 1940, somam 14 em 1980 e
as de mais de um milhão de habitantes, duas em 1960 e cinco em 1970, somam dez em
1980 (SANTOS, 2009, p. 77-83). Como pano de fundo, acontece a implantação daquilo
que Milton Santos421 (2009, p. 38) chamou de “meio técnico-científico-informacional”,
caracterizado pelo uso da ciência e da técnica no remodelamento do território a fim de
torná-lo propício a realização das atividades produtivas modernas que dependem da
rápida circulação de informação.
Nas quase três décadas em que se desenrola o despontar pentecostal que Freston
(1993) chamou de “segunda onda”, encerrada com o advento do “neopentecostalismo”
em finais da década de 1970, serão os anos 1950 que apresentarão maior incremento anual
de trabalhadores urbanos, na ordem de 6,31%. Número que irá se manter em patamares
similares, ainda que em ligeira queda, pelas duas décadas subsequentes, enquanto a
população economicamente ativa dedicada à labuta rural cairá de 59,9% para 54% nos
anos 1950, para 44,3% em fins dos anos 1960, e 29,9% em 1980 (FARIA, 1984, p. 193 e
221). Em números absolutos, contudo, o ponto de inflexão na transição do Brasil rural
para o urbano está na década de 1960, quando o aumento da população urbana finalmente
se equipara ao da população rural, ultrapassando-o na década seguinte. Quatro unidades
da federação, porém, já nos anos 1960 veem suas populações rurais crescerem em
magnitudes inferiores às urbanas: Minas Gerais, Rio de Janeiro, o Distrito Federal e São
Paulo, este último permanecendo na década seguinte como um dos estados onde o
encolhimento da população rural será mais acentuado (SANTOS, 2009, p. 34-35).

421
Um dos mais importantes geógrafos brasileiros, crítico do fenômeno de integração econômica mundial
ao qual muitos se referem sob o termo “globalização” e preocupado com o processo de urbanização em
países pobres. Foi professor da Universidade de São Paulo - USP entre 1983 e 1997.
325

Mas em quais condições vivia essa população crescentemente urbana? Os dados


estatísticos mostram uma queda pronunciada na remuneração do trabalhado ao longo
desses trinta anos, sobretudo após a instauração da ditadura de 1964, chegando mesmo,
em 1976, a somarem 46,5% aqueles com rendimentos mensais inferiores a um salário
mínimo (FARIA, 1984, p. 235). O arrocho, contudo, é uma constante no processo de
industrialização brasileiro desde a década de 1940, quando a política trabalhista e sindical
do Estado Novo, expressa em medidas como a própria instituição do salário mínimo,
pretendeu alavancar a acumulação capitalista industrial ao fixar a remuneração do
trabalhador em níveis realmente mínimos, reduzindo as despesas empresariais com
salários ao eximir o patronato da barganha com os trabalhadores organizados
(MENDONÇA, S. 2003, p. 31). Em princípios da década de 1950, com a partida do
processo que jogará nas cidades ondas de trabalhadores rurais expulsos pela
industrialização da agricultura, cria-se nesses centros urbanos uma grande massa humana
que, com o acesso às vagas nos setores de indústria e serviço dificultado, recorrerão a
subempregos com rendimentos inferiores ao salário mínimo (MENDONÇA e FONTES,
2006, p. 16). Tal concentração urbana de contingentes empobrecidos, formando um
enorme exército industrial de reserva, favorecerá a acumulação empresarial ao estimular
a concorrência entre os trabalhadores, funcionando como mais um reforço da tendência
de queda salarial.
Também durante os anos JK, apesar da forte expansão do emprego trazida pelo
surto industrializante, as frequentes emissões monetárias, a fim de alavancar a economia
e criar poupanças forçadas, terminavam por corroer o poder de compra do trabalhador ao
estimular a inflação, que passa a ser crônica (MENDONÇA, S. 2003, p. 57). Cada vez
mais organizados em sindicatos, os trabalhadores, contudo, chegarão a princípios da
década de 1960 resolvidos a lutar contra a degradação salarial com greves que estouram
por todo o país, interrompidas, porém, pelo golpe de Estado de 1964. Como já dito, a
partir de então a tendência de baixa salarial não apenas não recuará, como será agudizada.
Não bastasse a superexploração, a população trabalhadora se confinará em cidades
modeladas para a otimização do lucro empresarial em detrimento das estruturas voltadas
para o amparo social e a qualidade de vida. Assim, diz Milton Santos (2009, p. 105),
partilham todas elas de problemas semelhantes, como a insuficiência do emprego e dos
equipamentos públicos de transporte, habitação, lazer, água, esgoto, saúde e educação,
mazelas ainda mais evidentes nas maiores aglomerações. Para o geógrafo, esse quadro,
menos severo em princípios do século XX, foi impulsionado pela predominância
326

posterior de uma “urbanização corporativa” (SANTOS, 2009, p. 105) , ou seja, submetida


aos interesses empresariais, decorrente de um tipo de expansão capitalista voraz
consumidora de recursos públicos, canalizados sobretudo para as atividades produtivas
em prejuízo dos serviços sociais.
Tal atrelamento da conformação da paisagem urbana aos interesses das grandes
empresas, prossegue Santos (2009, p.114), toma maior fôlego com a consolidação do
capitalismo monopolista, impulsionado pela ideologia desenvolvimentista da década de
1950, justificando o direcionamento dos gastos públicos em benefício empresarial, e
aprofundado sob a ditadura de 1964. No rastro desse fenômeno, as cidades passarão a se
organizar de modo a facilitar o curso das operações dos oligopólios “em detrimento das
empresas menores e da população como um todo”. Como decorrência natural, teremos
uma grande produção de riqueza, cada vez mais concentrada, e de pobreza,
progressivamente disseminada, embora vejamos o surgimento de novas classes médias,
necessárias ao funcionamento do sistema enquanto consumidoras e nervo operacional.

2.1 – Precariedade de vida, urbanização e expansão das igrejas pentecostais na


segunda onda

A atração que o pentecostalismo exerce sobre populações urbanas empobrecidas


já foi mencionada na Parte I. Cabe aqui, porém, melhor embasar essa afirmação. Vejamos,
então, o que alguns dos principais pesquisadores do tema têm a dizer.
Leonildo Silveira Campos (1996, p. 85-87) é categórico ao afirmar que o processo
de migração interna desencadeado pelo Estado Novo “foi um dos grandes auxílios para a
expansão do pentecostalismo”. Foi neste momento, em que se desenrola a segunda onda
pentecostal, que trabalhadores urbanos empobrecidos, sobretudo por via dos remédios
pentecostais, teriam percebido “uma melhor sintonia entre a mensagem protestante e suas
necessidades concretas”. Não seria por acaso, portanto, prossegue Campos (1996, p. 88),
que o grosso da membresia da Igreja Brasil para Cristo estivesse concentrado “nos bairros
pobres da zona leste de São Paulo, reduto de imigrantes nordestinos”. Destacando o nexo
entre a adesão pentecostal e as expectativas e frustrações trazidas pela maior integração
econômica do país, indica-se as promessas não cumpridas pela sedução capitalista, como
a exclusão do consumo e a dificuldade de acesso ao emprego e a serviços básicos, como
327

os de saúde, como catalizadoras das novas formas religiosas abraçadas pela população na
segunda metade do século passado (CAMPOS, 1996, p. 93).
A hipótese da simbiose pentecostal com os problemas trazidos pelas más
condições de vida, que se multiplicam neste momento, é reforçada pelo sólido estudo de
Andrew Chesnut (1997). À procura das razões para o estrondoso sucesso do
pentecostalismo no Brasil e América Latina, o norte-americano realizou pesquisa de
campo na cidade de Natal, berço do pentecostalismo brasileiro, realizando noventa
entrevistas com frequentadores de igrejas pentecostais. Os dados reunidos lhe mostraram
que a razão principal da conversão religiosa foi o desejo de resolver problemas de saúde
diretamente relacionados às más condições de vida. Solução oferecida prodigiosamente
através das cerimônias de cura espiritual, presentes no pentecostalismo brasileiro desde o
início, conforme os diários do fundador da Assembleia no Brasil, o sueco Daniel Berg
(CHESNUT, 1997, p. 9), que confirmam a importância desse procedimento nas
conversões dos belenenses desde princípios do século XX. Medicação espiritual, conclui
o pesquisador, que se dispõe a tratar a doença numa ampla acepção do termo, ou seja,
para além das chagas físicas, incluindo “as mais comuns expressões das aflições sociais
presentes na periferia urbana”, como o alcoolismo, problemas conjugais e desgastes
mentais. Se as sessões de cura espiritual remendam corpos maltratados, os rituais de
exorcismo expurgam fantasmas de consciências atormentadas. As entrevistas revelaram,
assim, que a conversão ocorre predominantemente quando um processo de adoecimento,
seja físico ou psicológico, atinge grau crítico (1997, p. 52).
As informações reunidas atestam, ainda, a concentração geográfica do
pentecostalismo nas periferias, inchadas pelo processo, desencadeado após os anos 1960,
de inserção da Amazônia ao circuito capitalista internacional com a instalação de grandes
empresas mineradoras e madeireiras, que teriam desalojado contingentes
tradicionalmente ligados ao mundo rural, agora empurrados na direção das cidades
(CHESNUT, 1997 p. 13). Conclusão corroborada pelo fato de que 75,1% dos pentecostais
entrevistados não eram nascidos em Belém, sendo 60.2% do seu total proveniente do
interior do Pará (CHESNUT, 1997, p. 21), e pela distribuição geográfica do público
pentecostal naquela cidade. Isto porque, comparando a disposição dos templos da
Assembleia de Deus com a renda média dos bairros da cidade, constatou-se que, ao
contrário das CEBs, “que atraem seguidores de bairros mais antigos, as igrejas
pentecostais florescem nas baixadas e áreas invadidas em expansão desde a década de
50” (CHESNUT, 1997, p. 17). De fato, ainda em princípios dos anos 1990, “nenhum
328

templo da Assembleia de Deus era encontrado em diversos bairros historicamente de


classe média, como o Reduto e a Cidade Velha” (CHESNUT, 1997, p. 17).
Nessas periferias, a pobreza prevalecente revela-se nas ocupações dos
entrevistados, a maioria tirando seu sustento da informalidade no setor de serviços,
sobretudo as mulheres. 77,4% destas, por exemplo, revelaram trabalhar como empregadas
domésticas, babás, lavadeiras e costureiras. Outra função frequente das mulheres
pentecostais é a de vendedoras ambulantes, sobretudo de cosméticos e roupas, na prática
agindo como “agentes independentes de corporações multinacionais norte-americanas,
principalmente a AMWAY e a Avon” (CHESNUT, 1997, p. 20). Já no que diz respeito
aos homens, uma percentagem menor, porém ainda expressiva, 61,5%, também sobrevive
na informalidade (CHESNUT, 1997, p. 19-20).
Tal como Leonildo Silveira Campos (1996, p. 85-87), Chesnut (1997, p. 35)
relaciona a aceleração do crescimento pentecostal com as mudanças socioeconômicas
introduzidas desde os anos 1930, situando seu arranque decisivo, porém, após 1950,
quando o ímpeto urbanizador redobra seu ritmo. Neste momento, que viu a hipertrofia
das periferias urbanas desatendidas pelo Estado, exacerbando problemas como a
prostituição, o alcoolismo e o jogo e multiplicando as feridas físicas e mentais da
população, agudizadas pelas progressivas reduções do orçamento para a Saúde pública
(CHESNUT, 1997, p. 55), há uma entusiasmada resposta da classe trabalhadora às
cerimônias de cura pentecostais. Rituais que confeririam benefícios psicológicos e
práticos, empoderando os adeptos com dons protetivos do Espírito Santo e os
enquadrando num rigoroso código de conduta que espanta os “demônios” dos excessos
catárticos, como o álcool, que o trabalhador recorre, enfim, para aliviar as pressões da
vida, redirecionando para o ambiente doméstico recursos financeiros e emocionais
poupados pela renúncia às tentações da rua (CHESNUT, 1997, p. 66, 108 e 113). No
decênio iniciado em 1950 “a decolagem do crescimento pentecostal” (CHESNUT, 1997,
p. 39) andaria lado a lado, portanto, com o avanço da industrialização e a piora nas
condições de vida da população urbana.
Também o Serviço Nacional de Informações - SNI, em relatório422 de abril de
1977 que discutia a perda de espaço do catolicismo, concluía que o pentecostalismo no

422
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. A Posição da Igreja católica Apostólica
Romana em Relação às demais Religiões ou Seitas. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.QQQ.82001191. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/82001191/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_82001191_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2021.
329

Brasil se alastrava com velocidade, sobretudo entre os trabalhadores mais pobres. Para o
Serviço, os mais propensos a “adotar religiões não católicas” estavam nas “camadas mais
desfavorecidas do meio urbano”, afluindo especialmente para a umbanda e para as igrejas
pentecostais, ambas com “nítida preferência sobre as demais religiões”.
Outras conclusões, porém, podem ser extraídas do documento. A primeira delas é
que, na década de 1970, a umbanda se apresentava como uma das principais concorrentes
do pentecostalismo na corrida por adeptos, daí talvez derivando parte da agressividade
desse último para com as religiões afro-brasileiras. A segunda é que o nervo central da
vigilância ditatorial monitorava a erosão católica diante dos pentecostais, o que reforça
uma das hipóteses desta tese, a de que o Estado brasileiro, sobretudo o ditatorial a partir
de dado momento francamente hostil à Igreja Católica, estimulou essa expansão. De
maneira semelhante, outro papel423 confidencial, desta vez um Relatório Especial de
Informações sobre a situação religiosa no país, formulado em setembro de 1983 pelo
Centro de Informações do Exército - CIE, associa o avanço pentecostal nos anos 1960
com o fato da Igreja Católica ter enveredado “por novos rumos na sua ação pastoral”.
Aqui muito provavelmente se referiam os agentes do governo brasileiro ao crescimento
de grupos progressistas no interior desta Igreja, que muita preocupação causariam à
ditadura, como veremos em futuros capítulos.
Em termos absolutos, segundo dados do IBGE (ESTATÍSTICAS do Séc. XX.
populacionais, sociais, políticas e culturais. Religião. População presente recenseada,
segundo o estado conjugal, religião, nacionalidade e alfabetização — 1872-1970, [s.d.]),
a população evangélica total do país progrediu de 1.074.857 em 1940 para 1.741.430 em
1950, 2.824.775 em 1960 e 4.814.728 em 1970. Números que representam um incremento
de 62% nas décadas de 1940 e 1950, e 70% na década de 1960. Por outro lado, como já
foi dito, estima-se o crescimento especificamente pentecostal de 75% entre 1955 e 1960
e 100% de 1960 a 1970 (CORTEN, 1996, p. 138). Números semelhantes são apresentados
por Dreher (2017, p. 511), que sublinha o maior ritmo de crescimento pentecostal em
comparação às outras igrejas evangélicas. Assim, se os primeiros cresceriam 101% entre
1960 e 1970, todo o campo evangélico aumentou em apenas 44% no mesmo espaço de
tempo. De fato, tanto no Brasil como no restante da América Latina, a ascensão do

423
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Protestantismo, Progressismo e
Ecumenismo, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86059710.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86059710/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86059710_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2021.
330

pentecostalismo não foi acompanhada de um correspondente avanço do cristianismo


como um todo (DREHER, 2017, p. 481), mostrando de forma clara que ela se deu em
prejuízo de instituições religiosas mais antigas, como a Igreja Católica. Tais dados não
entram em conflito com aferições realizadas pela Divisão de Segurança e Informações da
Secretaria de Planejamento da Presidência da República em agosto de 1985. Trata-se de
uma “avaliação da conjuntura”424, focada em “aspectos psicossociais” da população
brasileira, baseada em dados estatísticos e, segundo o diretor da Divisão, Walter Feliz
Cardoso, “feita com rigor científico” e “fundamentada em numerosos trabalhos de
autoridades no assunto”, apesar da fonte não ser os anuários publicados pelo IBGE, que
para períodos recuados não possuem informações sobre pentecostais. De todo modo,
segundo o papel, em 1930 os pentecostais somavam 10% de todos os evangélicos
brasileiros, número que sobe para 50% em 1958 e 64% em 1964. Já quanto às outras
igrejas evangélicas, relatório425 da CIA sobre o Brasil no ano de 1968 estimava que as
maiores eram a Presbiteriana, a Batista, e a Metodista, concentradas nos estados mais ao
sul.

3 - Ascensão das principais organizações pentecostais no Brasil dos anos 1950 e 1960

O panorama descrito foi de grande proveito para as principais organizações


pentecostais no Brasil, que estabeleceram bases sólidas de expansão neste decênio e no
próximo. A maior beneficiada, contudo, foi a Assembleia de Deus, em funcionamento
desde princípios do século, mas cuja membresia multiplicou-se ineditamente após 1950.
Essa “segunda onda” do pentecostalismo no Brasil, que transcorrerá sobretudo
entre a população urbana de baixa renda, terá São Paulo como uma das bases principais,
cidade que, entre 1970 e 1980, atrai 17,37% de todos os migrantes do país, formados em
grade parte por contingentes expulsos pela modernização do campo. Deixará a religião,
assim, de concentrar-se em Belém e nas regiões Norte e Nordeste, ainda que as mesmas

424
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Avaliação da Conjuntura. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.85051630. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/85051630/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85051630_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2021.
425
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Intelligence Handbook
(Classified) BRAZIL. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP85-00671R000300020001-
8. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/docs/CIA-RDP85-00671R000300020001-8.pdf>.
Acesso em: 07 abr. 2021.
331

alterações no quadro social e econômico nacional tenham lhe conferido, também ali, novo
ímpeto.
Os números referentes a São Paulo exprimiriam para Santos (2009, p. 59) um
fenômeno de redistribuição nacional da população pobre que, ao longo do século XX,
aflui para as grandes metrópoles, em especial a capital paulista, recebendo o Rio de
Janeiro apenas por volta da metade dos migrantes que para lá se dirigiram. Assim, não é
fortuito terem sido fundadas em São Paulo as principais organizações pentecostais do
período, como as já mencionadas Igreja do Evangelho Quadrangular (1951) e Brasil para
Cristo (1955) e a posterior Igreja Deus é Amor (1962). Tais grupos, diz Freston (1993, p.
66 e 82), foram especialmente capazes de se adaptar ao meio urbano, ao contrário dos
mais tradicionais, justamente por não se verem presos a tradições antiquadas, podendo
“inovar com técnicas modernas e uma nova relação com a sociedade”. Paradigmática a
esse respeito seria a Igreja do Evangelho Quadrangular, formada no ambiente moderno
da Costa Oeste norte-americana e perita em reproduzir seu proselitismo no mais
importante meio de comunicação eletrônico do período, o rádio.
Florencio Galindo (1995, p. 90) é mais um que associa o avanço pentecostal na
segunda metade do século ao progresso da miséria na América Latina, assinalando que
essa “segunda onda”, apesar de não usar o termo, seria intensificada na década de 1960
como resultado da piora nas situações materiais de vida por todo o continente. Sua
condição de teólogo católico, entretanto, o leva a acrescentar mais dois impulsores ao
fenômeno: a falta de atenção pastoral da Igreja Católica, que começa a perder público
num processo que se mantém até hoje, e a ocorrência do “auge do fundamentalismo
militante nos EUA”, que enviará ao sul levas sem fim de missionários.

3.1 – A Assembleia de Deus

Segundo dados publicados na tese de doutorado do norte-americano Wilson Harle


Endruveit, denominada Pentecostalism in Brazil: a historical and theological study of its
characteristics (Pentecostalismo no Brasil: um estudo histórico e teológico de suas
características), a membresia assembleiana teria crescido 500% na década de 1950
enquanto o número total de pentecostais brasileiros aumentou 33 vezes entre 1955 e 1970.
Não obtive acesso ao trabalho de Endruveit, defendido em 1975 na Northwestern
University, no estado norte-americano de Illinois, não sendo claro como ele chegou a
332

esses números426. A forte expansão assembleiana no Brasil, contudo, é indicada por


outros, como Dreher (2017, p. 510), que, apesar de também não entregar a procedência
dos seus dados, estima em 15% anuais esse crescimento até 1964, momento em que vem
a ser “a maior igreja protestante da América Latina”, com 950 mil seguidores, um enorme
salto em comparação aos 14 mil membros que teria em 1930.
Um panorama da base geográfica da Assembleia e das demais pentecostais que
surgiram no país neste momento é oferecido por Chesnut (1997, p. 39). Ao longo da
segunda onda pentecostal, nos anos 1950 e 1960, a Assembleia teria permanecido
dominante na região amazônica e em outras áreas fora do Sudeste, enquanto as novas
igrejas, nascidas sobretudo em São Paulo, se faziam mais numerosas no eixo industrial.
Quadro parecido é pintado por Dreher (2017, p. 510), que indica o interior amazônico
como a primeira área de crescimento da Igreja, “acompanhando o ciclo da borracha”.
Isso não quer dizer, contudo, que os assembleianos tenham renunciado aos centros
industriais. Embora minoritários, muito cedo procuraram expandir seu empreendimento
ao sul, também angariando trabalhadores industriais. Assim, em princípios da década de
1930 eles já são encontrados em todos os estados, após iniciarem uma “marcha para o
sul” (DREHER, 2017, p. 510) em 1920, acompanhando o fluxo interno de migrações.
Fato sintomático da intensificação de sua presença no Sudeste, nos anos 1930, quando o
sueco fundador Daniel Berg foi chamado para a organização da Assembleia na então
capital federal, abre-se uma unidade no bairro carioca de São Cristóvão. Inicialmente
modesto, pouco depois o templo tornou-se uma grande igreja, com ramificações em
Madureira (1953) e na cidade de Belford Roxo (1931), na Baixada Fluminense, uma vez
que, neste momento, a Assembleia também iniciava incursões nos arredores da capital
(ROLIM, 1995, p. 46-47). Importa frisar que todos os locais acima são tradicionais
redutos da classe trabalhadora citadina, carioca e fluminense.
Como decorrência, após 1958 a Assembleia passaria a ter uma sede carioca, não
subordinada à igreja de Belém, a Convenção Nacional de Madureira, ou Ministério de
Madureira, por muitas décadas dirigido pelo pioneiro do pentecostalismo na cidade, Paulo
Leivas Macalão. Tal descentralização não se resumiria, porém, apenas à igreja de
Madureira, passando as Assembleias de Deus por todo o Brasil a se reunirem em
convenções independentes, num complicado processo de fusões e separações. A despeito
de certa variedade teológica e burocrática, esta pesquisa sustenta, entretanto, a existência

426
Chesnut (1997), porém, leu o manuscrito e nele baseia seu estudo sobre a Assembleia de Deus em Belém.
333

de muitos pontos ideológicos comuns entre as diferenças lideranças e um vínculo, se não


institucional, ao menos doutrinário entre elas e com a sede norte-americana.
Importante pilar doutrinário da expansão, algumas das primeiras instituições de
ensino teológico pentecostal foram abertas pela Assembleia de Deus neste período,
também no Sudeste. Foi o caso, por exemplo, do IBAD - Instituto Bíblico das
Assembleias de Deus, inaugurado em 1958 em Pindamonhangaba - SP pelos missionários
João Kolenda Lemos e Ruth Doris Lemos. Sua história é representativa dos elos
ideológicos entre a Assembleia de Deus no Brasil e nos Estados Unidos, que parecem se
intensificar na segunda metade do século XX em detrimento da herança escandinava.
Informações sobre a instituição são escassas em sua página da internet, contudo, projeto
de lei (PINDAMONHANGABA, 2016) aprovado pela Câmara de Vereadores de
Pindamonhangaba em junho de 2016, batizando uma escola com o nome do casal Lemos,
acompanha um pequeno dossiê sobre a sua trajetória e trabalho evangelístico. Ali revela-
se que o interesse para a construção de um centro de formação para obreiros da
Assembleia no Brasil partiu dos missionários norte-americanos John Peter Kolenda, tio
de João Kolenda Lemos, e Lawrence Olson, aqui chegados nas décadas de 1930 e 1940.
Pretendiam eles abrir um instituto “onde obreiros do Brasil pudessem aprender e se
submeter aos ensinos teológicos, tomando como exemplo os Estados Unidos onde os
obreiros precisavam de um preparo médio de quatro anos em um instituto bíblico para
ordenação”. A ideia foi primeiramente apresentada em 1943, durante a 4ª Semana Bíblica
das Assembleias de Deus no Brasil, ocorrida em São Cristóvão, encontrando, porém,
resistência de alguns assembleianos apegados à “perspectiva escandinava herdada pelos
primeiros missionários”. Nesse meio tempo, João Kolenda Lemos fora enviado para o
Seminário de Teologia das Assembleias de Deus em sua sede norte-americana de
Springfield, Missouri. Volta casado ao Brasil em 1951, ajudando o missionário norte-
americano Lawrence Olson a estruturar o programa radiofônico Voz das Assembleias de
Deus, no ar desde 1955 e com versões atuais em emissoras por todo o país. O casal
trabalhou ainda na Casa Publicadora das Assembleias de Deus, editora inaugurada no Rio
de Janeiro em 1940, ele como tesoureiro e a norte-americana Doris, “embora conhecesse
muito pouco de português”, na área de literatura infantil. Finalmente, em 1957, o casal
deixa a capital carioca, tomado pelo desejo de levar adiante os planos de John Kolenda
para um seminário de teologia pentecostal. Isso após terem traduzido vasto material
bibliográfico para o português, a ser usado nas lições do futuro instituto, e de pedir
orientação divina sobre o local onde o empreendimento iniciaria, tendo sido apontada a
334

cidade de Pindamonhangaba - SP. O dossiê, cuja autoria não é revelada, mas que presumo
ter saído do punho de membros da Assembleia de Deus, conclui que foi graças a essa
célula inicial que “hoje podemos ver institutos bíblicos e faculdades de teologia
espalhados por todo esse nosso Brasil”. Contraditoriamente, suas últimas linhas deixam
de lado a versão da designação divina de Pindamonhangaba, lamentando não ter sido o
IBAD fundado na capital paulista pela “ignorancia e falta de visão dos lideres das
Assembléias de Deus nos anos 1950 e 1960” (SIC), cuja falta de apoio forçou o seu
deslocamento para o norte do estado. A escolha de Pindamonhangaba, entretanto, pode
referir-se a outros fatores, também mundanos. Além de situar-se entre as duas maiores
metrópoles brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro, a cidade iniciou em finais dos anos
1950 um forte e ininterrupto período de industrialização, acumulando o tipo de
proletariado urbano tão aberto à pregação pentecostal. Assim, segundo o censo de 2010
a população evangélica em Pindamonhangaba atingia a marca de 24,48% (TABELA 2103
- População residente, por situação do domicílio, sexo, grupos de idade e religião -
Município = Pindamonhangaba –SP, [2010?]), superior à média nacional de 22%
(NOTÍCIAS - Censo 2010: número de católicos cai e aumenta o de evangélicos, espíritas
e sem religião, 2012).
A despeito da permanente influência escandinava e norte-americana, entretanto, a
nacionalização da direção da Assembleia de Deus em Belém se daria em 1950, quando o
primeiro brasileiro, Francisco Pereira do Nascimento, assume o posto de pastor-
presidente. Pouco depois, a Igreja faz sua primeira incursão radiofônica, mimetizando a
estratégia de comunicação das novas pentecostais instaladas no Sudeste, como a Igreja
do Evangelho Quadrangular. Em 1955, portanto, o missionário norte-americano Carlos
Hutgren estrutura a Rádio Marajoara, pondo no ar o programa A Voz do Evangelho
(CHESNUT, 1997, p. 39).
Conforme Chesnut (1997, p. 42-43), em finais da década seguinte, sob a
presidência do pastor Paulo Machado, eleito em 1968, terá início um processo de
institucionalização que redundará numa progressiva burocratização administrativa da
porção nortista da Igreja. Um dos seus reflexos será a abertura do Seminário da
Assembleia de Deus em Belém, em 1973, para a formação de quadros dotados de um
melhor e mais homogêneo embasamento teológico, deixando para trás os dias em que
“um pastor caboclo sem educação formal mas encarnando o Espírito Santo poderia
facilmente subir ao topo do pastorado da Assembleia”.
335

3.2 - A Congregação Cristã do Brasil

Segundo o Relatório Especial de Informações427 do Centro de Informações do


Exército - CIE, em princípio das décadas de 1960 e 1970, a Congregação Cristã do Brasil
seria a segunda maior organização pentecostal do país, reunindo 11,1% de todo o público
evangélico, atrás apenas da Assembleia de Deus, com 21,4% em 1960 e 25,6% em 1970.
Apesar de mostrarem o significativo tamanho da Igreja, tais números sugerem um
crescimento mais lento frente à Assembleia, abocanhando a Congregação em ambos os
decênios o mesmo percentual da membresia total de evangélicos no Brasil, ainda que seu
número absoluto de seguidores não tenha deixado de crescer, uma vez que o universo de
evangélicos também se expandiu neste intervalo de tempo. A fonte na qual o relatório se
baseia foi uma “Estatística do Culto Protestante 1960 e 1970”, publicada em 31 de
dezembro de 1969 e sobre a qual não pude encontrar maiores detalhes. A informação,
novamente, não consta nos anuários estatísticos publicados pelo IBGE neste período,
onde, como dito, faltam dados específicos sobre a população pentecostal, ficando a dúvida
sobre a exata procedência desses números.
Outros números são fornecidos por Dreher (2017, p. 510), que também não
informa de onde os retirou. De todo modo, conta ele que a Congregação tinha 30.800
membros em 1930, quando passa a crescer em maior ritmo, “pois abriu-se para outras
etnias e passou a pregar em português”, assim chegando a seiscentos mil seguidores em
1962, 56% dos quais no estado de São Paulo e 25% no Paraná, suas maiores bases.
Voltando ao relatório do CIE, é relatado que a Igreja teve suas raízes no bairro
proletário do Brás, em São Paulo, reduto de imigrantes italianos em princípios do século
XX, época de sua fundação, recebendo grande número de trabalhadores nordestinos após
os anos 1940. Cedo o bairro teria passado a se constituir no centro difusor da
Congregação, processo sustentado por verba arrecadada sobretudo nas vizinhanças,
empurrando o crescimento da Igreja em direção à periferia e ao interior do estado, neste
processo, segundo o Exército, atraindo em sua maioria “camadas populares urbanas”. A
despeito dessa importância inicial do Brás, “centro para o qual convergiam crentes da

427
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Protestantismo, Progressismo e
Ecumenismo, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86059710.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86059710/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86059710_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2021.
336

periferia e de outras igrejas próximas”, o rápido crescimento da Congregação terminou


impondo uma descentralização administrativa e geográfica.
A menor expansão da Congregação em relação à Assembleia de Deus neste
momento, e em relação a outras pentecostais em épocas mais recentes, provavelmente é
devido à sua pouca agressividade no recrutamento de novos adeptos. Se as informações
prestadas pelo CIE são precisas, ao contrário da Assembleia de Deus, a Congregação
recusava-se a realizar grandes pregações públicas, valendo-se de um proselitismo
“extremamente discreto, feito de contatos individuais”, sem recorrer também a
propaganda radiofônica.

3.3 – A Igreja do Evangelho Quadrangular

A IEQ foi uma das novas pentecostais a aportar no Brasil na década de 1950,
dando impulso à segunda onda, trazida pelos missionários e ex-atores Harold Williams e
Raymond Boatright, que em 1951 iniciam uma caravana de tendas itinerantes pelo país,
movimento batizado de Cruzada Nacional de Evangelização. Antes disso, porém, os
norte-americanos já ensaiavam seu projeto evangelístico no interior de igrejas mais
antigas, pregando em templos presbiterianos na capital paulista e interior do Paraná, fato
ilustrativo do processo, em marcha desde os anos 1950, de “vigorosa penetração do
pentecostalismo no interior do protestantismo histórico brasileiro” (CAMPOS, 1996, p.
95-97). Logo havendo desentendimentos, começaram, entretanto, a valer-se de espaços
próprios, ainda que num primeiro momento não passassem de barracas de lona.
A princípio instalada no bairro operário do Cambuci em São Paulo, a IEQ viria a
se fixar em 1954 em Santa Cecília428 e na cidade de São João da Boa Vista, no Centro-
Leste do estado. O movimento cedo chegou aos pontos mais distantes do país, registrando
um estudo429 do Conselho de Segurança Nacional de julho de 1961, sobre atividades de
conversão de indígenas, que em 1959 a Cruzada Nacional de Evangelização já mantinha
missões amazônicas. De fato, os próprios estatutos brasileiros da igreja falavam em

428
Outrora bairro de alto poder aquisitivo, Santa Cecília encontrava-se em processo de franca decadência
nos anos 1950, abandonado pela população abastada e sem atrair, tampouco, a classe média.
429
ARQUIVO NACIONAL. Estado Maior das Forças Armadas. Sem título. Código de Referência: BR
DFANBSB 2M.0.0.349, v.4. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0349_v_04/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0349_v_04_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2021.
337

“Manter trabalhos missionários e assistências no interior e exterior do país, inclusive entre


os silvícolas”430.
Seguindo de perto o modelo de evangelização e propaganda formulado nos
Estados Unidos pela fundadora Aimee McPherson, a Cruzada introduziu no panorama
brasileiro um componente fundamental do pentecostalismo norte-americano, as reuniões
extáticas em tendas improvisadas onde a cura espiritual é largamente dispensada. No caso
dos quadrangulares, tudo embalado por chamativos hinos entoados em guitarras elétricas
ao ritmo do Rock (CHESNUT, 1997, p. 35). Outra inovação importada foi a
modernização do proselitismo pentecostal, ajustado a um contexto social e tecnológico
que, no Brasil, se firmava com a marcha urbanizadora de meados do século. Assim,
segundo Freston (1993, p. 66), em nosso país a igreja teria se beneficiado de “métodos
arrojados, forjados no berço dos modernos meios de comunicação de massa, a Califórnia
do entreguerras”. Também Leonildo Campos Silveira (1996, p. 88) destaca como
principal traço da IEQ brasileira “o uso desinibido do espaço público e do rádio”, sintoma
de sua “melhor identificação com o mundo urbano”. Freston (1993, p. 83), por sua vez,
Sublinha que o traço mais importante da IEQ neste período foi a importação de “técnicas
religiosas mais adequadas à nova sociedade de massas”, métodos copiados por outras
pentecostais, inclusive as inteiramente geridas por brasileiros, num “processo de
substituição de importações” semelhante ao experimentado pela economia brasileira.
Apesar do espalhafato, porém, segundo Chesnut (1997, p. 36) a IEQ teve
crescimento modesto até a década de 1970, fato que atribui ao menor poder de atração
dos pastores estrangeiros, maioria nos primeiros anos da organização, enquanto outras
pentecostais como a Assembleia de Deus e a Congregação Cristã do Brasil já haviam se
nacionalizado, ao menos em seus quadros, se não no que diz respeito à doutrina. Freston
(1993, p. 83) é outro que destaca o vagaroso início da IEQ no Brasil, que para ele só viria
a ganhar fôlego dez anos após o sugerido por Chesnut, portanto já nos anos 1980. O
primeiro sugere, contudo, outras razões para o atraso: as defecções de muitas lideranças,
facilitadas pela frouxidão de sua organização institucional, e o grande sucesso da
contemporânea Igreja Pentecostal o Brasil para Cristo.

430
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho Quadrangular Prece
Poderosa BA. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81021200. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/81021200/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81021200_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2021.
338

Há indicativos, entretanto, de que o crescimento quadrangular nesta etapa, se não


explosivo, foi relativamente significativo. O próprio Chesnut (1997, p. 45) descreve o
incômodo provocado pelos recém-chegados à Assembleia de Deus, senhora da região
amazônica. Procurando preservar sua clientela, esta última chegou a tratar o grêmio
religioso debutante como um “falso profeta diabólico”. Num movimento de adaptação
aos novos tempos, todavia, não deixou a Assembleia de trazer para o seu repertório
componentes do culto quadrangular, como as campanhas inspiradas na novena católica.
No mais, não parece ter sido fortuito o fato de a Assembleia de Deus dar seus primeiros
passos na seara do proselitismo radiofônico na mesma época em que a IEQ se instala no
Brasil, como vimos com os programas A Voz do Evangelho e Voz das Assembleias de
Deus, ambos no ar após 1955.
Em termos numéricos, o Centro de Informações do Exército - CIE atribuía à IEQ
a marca de 36.482 membros e 279 igrejas em 1970431. Os dados são compatíveis com os
apresentados por Dreher (2017, p. 510), que para 1964 estima os quadrangulares no Brasil
em trinta mil e o seu número de templos em trezentos. É preciso destacar que tais
números, por mais modestos que possam parecer, foram alcançados em apenas pouco
mais de dez anos.

3.4 – A Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo

A Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo foi fundada pelo pernambucano Manoel
de Mello em São Paulo em 1956. Com passagem pelas duas maiores organizações
pentecostais norte-americanas no Brasil, a trajetória do pastor nordestino joga luz sobre
o processo de nacionalização dessa religião, que frequentemente, a exemplo do que
acontecerá em agremiações posteriores, como a Igreja Universal do Reino de Deus, se
resume à aplicação de uma base teológica e ideológica concebida nos Estados Unidos
fundida com elementos culturais nacionais.

431
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Protestantismo, Progressismo e
Ecumenismo, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86059710.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86059710/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86059710_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2021.
339

Trabalhador da construção civil, Mello iniciou carreira religiosa nos anos 1940
como pregador da Assembleia de Deus. Segundo informações do relatório432 do CIE de
1983, tendo angariado ampla experiência em campanhas de evangelização da Assembleia
em Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, no começo da década de 1950 passa a
colaborar com a Igreja do Evangelho Quadrangular, atuando numa tenda em “um bairro
popular da cidade de São Paulo”, atraindo milhares de pessoas, “encantadas com as curas
que conseguia”. Após passagem pelo Paraná, em 1955 desliga-se também da IEQ para
fundar seu próprio empreendimento, a Brasil para Cristo, que inicialmente também
funcionava sob tendas de lona em praças públicas, expandindo-se sobretudo no estado de
São Paulo. Já em princípios dos anos 1960, entretanto, obtivera sucesso suficiente para a
construção de um grande templo no bairro de Pompéia em São Paulo.
Antenado com seu tempo e afinado com as técnicas da IEQ, a propaganda
radiofônica foi talvez o eixo principal do crescimento da Brasil para Cristo. Leonildo
Campos (1996, p. 88) comenda a eloquência de Mello, que “usava o rádio com notável
desenvoltura”, mantendo seu programa A Voz do Brasil para Cristo por décadas no ar.
Andrew Chesnut (1997, p. 37), por sua vez, também nota o grande carisma do pregador-
chefe, com imensa facilidade comunicativa em sua fala rústica e sagacidade ao substituir
a trilha sonora roqueira do culto Quadrangular, que mimetizava em suas tendas, por
“ritmos sertanejos”.
Segundo Freston (1993, p. 93), entre as novas pentecostais abertas no Brasil na
década de 1950, a Brasil para Cristo seria a de maior sucesso, conquistando grande
atenção do público e da mídia. A alegação encontra embasamento nas estatísticas trazidas
pelo documento433 do CIE de 1983. Ali, para além das dominantes Assembleia de Deus
e Congregação Cristã do Brasil, donas como vimos de 11,1% e por volta de 25% dos
evangélicos brasileiros entre 1960 e 1970, aparecem percentuais atribuídos a “outras”
pentecostais. Estas, no momento resumidas sobretudo à Brasil para Cristo, à IEQ e à
Igreja Pentecostal Deus Amor, somariam em 1960 4,5% de todos os evangélicos, mais

432
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Protestantismo, Progressismo e
Ecumenismo, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86059710.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86059710/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86059710_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2021.
433
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Protestantismo, Progressismo e
Ecumenismo, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86059710.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86059710/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86059710_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2021.
340

que dobrando esses números em 1970, quando atingiriam 11,4%. Na falta de estatísticas
confiáveis sobre a Igreja do Evangelho Quadrangular nesta época, e fiando-me nas
palavras de Chesnut e Freston sobre o seu déficit em relação às outras pentecostais,
concluo que a Brasil para Cristo e a Deus é Amor foram as maiores responsáveis por esse
crescimento.

3.5 – A Igreja Pentecostal Deus é Amor

Mais recente das pentecostais de segunda onda, a Deus é Amor foi fundada em
1962 pelo filho de agricultores paranaenses David Martins Miranda. Inicialmente
funcionando em Vila Maria, logo é realojada para a Praça João Mendes, no Centro de São
Paulo, o que, para Freston (1993, p. 92), significaria uma mudança de estratégia de atração
de novos membros. Agora concentrada na região central e seus transeuntes e não mais
num bairro que, embora operário, ligava-se às horas de lazer e de descanso, procuraria a
igreja inserir-se “nas brechas do mundo do trabalho e da rua”. Adiantando em alguns anos
as conclusões434 de Chesnut (1997) sobre a atração do pentecostalismo sobre os pobres
urbanos brasileiros, Freston (1993, p. 93) sugeriu que o código moral da Deus é Amor,
rigoroso mesmo em comparação com outras pentecostais, serviria para “colocar a vida
profissional e financeira nos eixos” daqueles às voltas com males como o alcoolismo, um
dos muitos interditos da igreja de Miranda. Como decorrência, ainda aos olhos de Freston,
a “miséria é mais visível em nos seus cultos do que nos de qualquer das outras grandes
igrejas pentecostais”.
Esse rigoroso código de conduta, para Chesnut (1997, p. 38) traço comum às mais
antigas igrejas pentecostais, como a Assembleia de Deus, o teria levado a enxergar na
Deus é Amor uma fusão de alguns dos principais elementos das três ondas pentecostais.
Assim, o ascetismo da primeira vaga acompanha o entusiasmo radiofônico, típico da
segunda, levando Miranda o proselitismo eletrônico “a um grau que nenhum outro
pregador pentecostal jamais alcançara”435, ao mesmo tempo em que se antecipava traços
de igrejas mais recentes, como a IURD, trazendo para os cultos elementos do catolicismo,

434
Este, porém, como vimos, examinou a Assembleia de Deus, e não a Deus é Amor.
435
Segundo Leonildo Campos (1996, p. 38), o entusiasmo de Miranda pelo proselitismo radiofônico era
tamanho que em finais dos anos 1980 o seu programa Voz da Libertação era transmitido por mais de
quinhentas estações de rádio, algumas pertencentes à própria Igreja.
341

da umbanda e do candomblé. Assim, além das curas espirituais, a Deus é Amor oferecia
exorcismos em profusão, expulsando de corpos extáticos “Tranca-Ruas” e outras
entidades afro-brasileiras. Como Manoel de Mello fizera antes e Edir Macedo faria
depois, Miranda teve enorme êxito em adaptar o substrato ideológico pentecostal ao gosto
dos trabalhadores brasileiros, componente importante do sucesso dessa religião.

3.6 - A Igreja Pentecostal de Nova Vida

A Igreja Pentecostal de Nova Vida foi fundada em 1960 no Rio de Janeiro pelo
missionário canadense Robert McAlister, segundo Mariano (2014, p. 39 e 52), dono de
“muitos contatos no exterior”, tendo pastoreado em igrejas norte-americanas antes de
instalar-se no Brasil “com apoio financeiro externo”. Nascimento436 (2019, posição 477-
481) sustenta que McAlister teria ainda percorrido o país nos anos 1950 com a Cruzada
Nacional de Evangelização, futura Igreja do Evangelho Quadrangular. A exemplo desta,
a Nova Vida foi outra pioneira do proselitismo radiofônico, mantendo desde os primeiros
dias o programa A Voz de Nova Vida. Durante muito tempo valendo-se do auditório da
Associação Brasileira de Imprensa - ABI para seus cultos, veio a inaugurar o primeiro
templo apenas em 1964, no bairro carioca de Bonsucesso, e sua grande sede em 1971, em
Botafogo.
Suplantada pela Igreja Universal e outras que melhor aplicaram seu receituário
teológico à realidade brasileira, seu crescimento parece ter sido muito vagaroso. Em 2010
o IBGE contava em apenas 90.568 a sua membresia (TABELA 137 - População residente,
por religião, [2010?]).

4 - O Brasil na 3ª onda pentecostal (pós-1977)

Freston (1993, p. 66) identifica uma terceira e última etapa da expansão


pentecostal brasileira, caracterizada pelo surgimento do “neopentecostalismo” em finais
dos anos 1970. Ao mesmo tempo, a partir dessa década outros importantes movimentos
religiosos conservadores, não pentecostais, chegarão por aqui, como a Igreja da

436
Jornalista com passagem por publicações como os jornais O Globo, O Estado de São Paulo e Folha de
São Paulo, além das revistas IstoÉ e Piauí.
342

Unificação e a Renovação Carismática Católica. Tal fenômeno se desenrola num


panorama onde o processo de urbanização iniciado nas décadas passadas se encontra em
estado avançado, com a maioria da população habitando as cidades. De fato, por volta de
1980, nelas residem 66,86% dos brasileiros, somando 142 as cidades com mais de cem
mil habitantes, 14 as de mais de 500 mil, e dez as de mais de um milhão. Em princípios
dos anos 1990, já seriam 183 as cidades com mais de cem mil habitantes e 12 as de mais
de um milhão, contando em 77% o total da população citadina no país (SANTOS, 2009,
p. 31).
Em termos remuneratórios e das condições de trabalho, o novo período trouxe
para a classe trabalhadora grande intensificação da exploração. Segundo dados do
DIEESE, o poder de compra do salário mínimo atinge em 1974 o seu nível histórico mais
baixo, correspondendo a pouco mais que a metade do seu valor em 1940 (MENDONÇA
e FONTES, 2006, p. 67). Conjugados ao grande afrouxamento da política de segurança
no trabalho sob a ditadura, tais números redundaram num sensível declínio da expectativa
de vida dos menos remunerados que, desnutridos e vítimas de epidemias, como a de
meningite no mesmo ano de 1974, distava em 14 anos do grupo social que ganhava cinco
ou mais salários mínimos (MENDONÇA e FONTES, 2006, p. 68-69).
A reação popular a esse quadro não pode ser resumida, entretanto, à procura de
conforto religioso. Se, como dito, as organizações trabalhadoras, como as sindicais, se
mantiveram mais ou menos ativas e combatentes por todo o período, as décadas de 1970,
1980 e em menor grau a de 1990 viram de intensas lutas sociais, conforme lembram Sônia
Mendonça e Virgínia Fontes (2006, p. 69-71). Entre 1974 e 1976, por exemplo, as
metrópoles carioca e paulista viveram um ciclo de protestos espontâneos em reação às
péssimas condições do transporte público sob a forma da depredação de ônibus e trens.
Mais tarde, em 1977, outro levante dos trabalhadores tem lugar no Rio de Janeiro, onde
operários da construção civil destroem alojamentos e cantinas em represália ao deplorável
estado dessas estruturas. Nas carentes favelas, outro subproduto da compressão salarial e
da urbanização corporativa, cujas consequência negativas são ali mais visíveis, surgem
organizações alternativas de reivindicação, como as Associações de Moradores e
Sociedades de Amigos de Bairro. Por último, tem-se a retomada de um grande ciclo de
greves a partir de meados dos anos 1970 e a reorganização da esquerda partidária.
Um dos traços mais visíveis desse contexto, em que a expansão religiosa
conservadora se desenrola, e ao qual as novas organizações parecem plenamente
adaptadas, é a conclusão do processo de modernização econômica do país que, embora
343

autoritário e excludente, redundou na atualização dos meios de comunicação em massa,


com a vasta disseminação do rádio e da televisão, meios preferidos de difusão das
pregações das principais novas organizações, como a Igreja Universal do Reino de Deus
(1977) e a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980). A despeito da grande
popularização da televisão nas últimas décadas do século XX, Mariano (2014, p. 68)
sublinha a predileção da Igreja Universal do Reino de Deus pelo rádio, veículo de maior
alcance entre os mais pobres.
O desenvolvimento industrial brasileiro, acelerado, excludente e alicerçado no
setor de bens de consumo duráveis, maduro em finais dos anos 1970, originaria uma
“peculiar sociedade de consumo de massas” (FARIA, 1984, p. 240-241), caracterizada
pelo estímulo a padrões de consumo incompatíveis com a concretude econômica da
população, induzido pela revolução eletrônica nos meios de comunicação. Traria ela,
portanto, inéditas disposições psicológicas e comportamentais e contradições, formando-
se em paralelo multidões com minguado poder de compra, para quem a explosão do
crédito direto ao consumidor acenava com a satisfação dessas pulsões às custas de um
generalizado endividamento.
É neste ambiente, marcado ainda pela estagnação econômica, seguida ao
esgotamento do “milagre econômico” e que adentrou toda a década de 1980, e pelo
declínio do catolicismo e crescimento da umbanda (Freston, 1993, p. 95), que vicejam as
organizações ditas “neopentecostais”, com pregações interessadas em aplacar, e
estimular, desejos materiais e em combater demônios que, à solta pela Terra, causariam
toda a espécie de malefícios.
Assim, Reginaldo Prandi (1996 p. 34 e 94) enxerga a cidade moderna brasileira
como espaço de um vívido e variado mercado religioso que ofertaria soluções mágicas
para problemas que as religiões tradicionais têm dificuldade em abordar. Diante deles,
mesmo os avanços técnicos e científicos vacilariam, excluídos de seu acesso amplos
contingentes, relegados a uma condição de profunda privação, marginalizados que foram
por um projeto de modernidade que não pretendeu incluir o povo, posto em marcha
sobretudo pela ditadura que conduziu o país como uma “grande empresa”. Mariano
(2014, p. 148-9) também encaixa o surgimento do “neopentecostalismo” com o
aprofundamento da modernização econômica brasileira e o amadurecimento de um
mercado consumidor, levando os pentecostais a um abandono do ascetismo e do
afastamento do mundo e a uma valorização dos impulsos materiais, fato primeiramente
visível nos Estados Unidos nos anos 1960 e sentido no Brasil apenas na década seguinte.
344

Leonildo Campos (1996, p. 91) associa a eclosão dessa nova modalidade de


pentecostalismo com a “irrupção de uma sociedade de massas” e da plena integração do
Brasil a uma “globalização” nos quadros de uma acelerada informatização das
comunicações e da economia. Atingidas essas condições em meados da década de 1970,
estava pronto o país para receber essas organizações, que exibiriam um “estilo
empresarial de produção e distribuição de bens religiosos”, e cujo domínio do rádio e da
TV é “questão de vida ou de morte”.
Milton Santos e María Laura Silveira (2005, p. 237), por sua vez, observam a
ampliação do consumo de cultura e informações na cidade moderna, disso decorrendo o
maior uso dos espaços públicos para o consumo não apenas espiritual, o “de esperança”,
mas de objetos religiosos. Sintomático disso seriam as “grandes concentrações
periódicas” em amplos espaços, como estádios e praças, de pentecostais, católicos
carismáticos e adeptos das religiões afro-brasileiras, por exemplo. Outro caso semelhante
seria o Templo da Boa Vontade - TBV, construído em Brasília em 1989, que receberia “1
milhão de pessoas por ano”.
Neste contexto, o receituário que caracterizou as novas organizações pentecostais,
as teologias da Prosperidade e do Domínio, passa a penetrar no país na década de 1970
através de publicações, visitas de pastores estrangeiros e da participação de brasileiros
em seminários e faculdades teológicas norte-americanas (MARIANO, 2014, p. 40). A
primeira dessas teologias, uma das linhas mestras da do pentecostalismo tardio, daria
prosseguimento a um processo de “acomodação de várias igrejas pentecostais aos valores
e interesses do “mundo”, isto é, à sociedade de consumo” (MARIANO, 2014, p. 149).
Afinada com os novos tempos, tamanho foi o seu sucesso que a Teologia da Prosperidade
se infiltra progressivamente inclusive nas antigas agremiações pentecostais, como a Igreja
do Evangelho Quadrangular, a Brasil para Cristo e a Assembleia de Deus, entre outras
(MARIANO, 2014, p. 166). Atrelando o atendimento divino das demandas materiais a
investimentos religiosos e pecuniários depositados nos altares de organizações como a
IURD, serviria ela para aplacar os impulsos aflorados pelo panorama social descrito e
justificar a distribuição desigual de riquezas. Assim, se para os mais pobres caberia à nova
teologia a “resolução ritual de problemas financeiros e de satisfação de desejos de
consumo” (MARIANO, 2014, p. 149), para uma minoria abastada, incluídos aí os
dirigentes religiosos, ela conferiria legitimação às fortunas angariadas.
Mas o conforto proporcionado pelas igrejas pentecostais recentes às populações
desassistidas, que não deve ser desprezado por nenhuma análise aprofundada do
345

problema, vai além da suavização de frustrações materiais. Em meio ao individualismo


exacerbado do ambiente urbano moderno, gerador de solidão e outras angústias humanas,
agudizadas pela deficiência das estruturas sociais de amparo, suas reuniões oferecerem
oportunidades de integração coletiva em redes de auxílio mútuo e camaradagem, suporte
psicológico, reforço da autoestima e estímulos ao “impulso empreendedor” (ALMEIDA,
R. 2006, p. 118) exigido pela luta pela sobrevivência na cidade capitalista contemporânea.

5 – A expansão de organizações religiosas conservadoras após meados dos anos 1970

Também nesse mais recente momento da expansão, a pobreza urbana atuou como
decisivo catalizador, continuando a ser o público principal das novas igrejas os
trabalhadores de baixa renda. Fato constatado por Elizete da Silva (2001, p. 14) em
pesquisa de campo junto aos membros da Igreja Universal do Reino de Deus em Feira de
Santana, Bahia; por Ricardo Mariano437 (2014, p. 12), que investigou a membresia da
mesma igreja na Grande São Paulo; e pelas palavras do bispo da IURD, Marcello Crivella,
que credita à miséria africana o grande sucesso do seu empreendimento naquele
continente (PAIXÃO, 1999, p. 46). Não bastasse, a pesquisa do ISER mencionada no
capítulo 2 mostra que 63% dos membros da IURD sobrevivem com até dois salários
mínimos. Dados também corroborados por estudo438 confidencial da Polícia Militar de
Minas Gerais, em janeiro de 1992, abordando igrejas suspeitas de “explorar a credulidade
pública”, sobretudo as que sob a Teologia da Prosperidade punham nova ênfase na coleta
do dízimo. Para a PM-MG o seguidores dessas igrejas se caracterizariam, pelo “Baixo
poder aquisitivo”, “submetidos a aflitivas doenças, desejo incontido de se livrar da
miséria e alcançar prosperidade”, tratando-se enfim de um “público ansioso, desesperado,
carente e que sempre está sob o aguilhão da necessidade, do sofrimento físico e
espiritual”. A conversão evangélica brasileira permaneceu, portanto, também nas três
últimas décadas do século XX impulsionada pelo crescimento da pobreza urbana, ainda

437
Mariano (2014, p. 12) conclui que os setores mais pobres “alheios a sindicatos, desconfiados de partidos
e abandonados à própria sorte pelos poderes públicos -, têm optado voluntária e preferencialmente pelas
igrejas pentecostais”.
438
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem título.
Código de Referência BR DFANBSB H4. MIC, GNC.MMM.920016796. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/920016796/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_920016796_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 fev. 2021.
346

que Leonildo Campos (1996, p. 97) note que nesta etapa o pentecostalismo deixou de
permanecer circunscrito a esse grupo social, atingindo estratos médios através da
televisão, com a adoção de “novas estratégias empregadas pelos tele-evangelistas norte-
americanos desde os anos 50”.
Em termos numéricos, dados consolidados nos anuários estatísticos do IBGE
(CATÁLOGO, [s.d.]) indicam o contínuo avanço da população evangélica brasileira nas
décadas de 1970, 1980 e sobretudo na de 1990. Partindo de 4.814.728 em 1970, chega a
7.885.846 em 1980, 13.189.284 em 1991 e 26.184.841 em 2000. Em termos percentuais,
temos, portanto, um crescimento de aproximadamente 64% na década de 1970, 67% na
de 1980, e estrondosos 98% na de 1990. Simultaneamente, é evidente nas estatísticas o
grande poder de atração sobre a população urbana empobrecida das organizações
pentecostais, que nas últimas décadas do século XX passam em grande parte a aderir à
fórmula de sucesso lançada pelas pioneiras “neopentecostais”, como a Igreja Universal
do Reino de Deus.
Corten (1996, p. 138), estima o crescimento pentecostal em 80% na década de
1970 e 170% entre 1980 e 1992. Não há dados anteriores a 1991 publicados pelo IBGE
sobre a população pentecostal, mas o número apurado naquele ano (TABELA 137 -
População residente, por religião, [2010?]), 8.179.706, e o contabilizado em 2000,
17.975.249, sustenta a hipótese de que este é o grupo de mais rápido crescimento na
segunda metade do século XX, representando 62% de todos os nossos evangélicos em
1991 e 68% em 2000, crescendo aproximadamente 220% neste decênio. A vitalidade
pentecostal, muito sustentada pela adequação ao ambiente urbano moderno com suas
problemáticas específicas, é ainda atestada pelo poder de arrancar adeptos de outros
grêmios religiosos, apurando pesquisa do Instituto de Estudos da Religião - ISER em
1994 que 61% dos novos convertidos vêm do catolicismo e 16% das religiões afro-
brasileiras (FERNANDES, 1998, p. 36).
Vejamos agora como ganham impulso neste momento as principais organizações
religiosas aqui chegadas a partir dos anos 1970. No ramo pentecostal, a mais importante
delas é a “neopentecostal” Igreja Universal do Reino de Deus – IURD (1977) que
juntamente com a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976), Comunidade da
Graça (1979), Igreja Internacional da Graça de Deus (1980), Igreja Cristo Vive (1986),
Renascer em Cristo (1986) e Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo (1994) encenariam
a terceira onda pentecostal (MARIANO, 2014, p. 32). Destas, o foco da análise será a
IURD, que verá ainda como se deram neste período as principais pentecostais aqui já
347

instaladas e ainda outras importante organizações religiosas estrangeiras não pentecostais


que apareceram por essa data.

5.1 - A Igreja Universal do Reino de Deus

A Igreja Universal do Reino de Deus inicia seu meteórico percurso em 1977 nos
subúrbios do Rio de Janeiro. Suas raízes, porém, remontam ao ano de 1963, quando Edir
Macedo passa a interessar-se pelo pentecostalismo, seduzido pelo programa de rádio do
pastor Robert McAlister, Voz da Nova Vida, no ar todas as manhãs na Rádio Copacabana
(NASCIMENTO, 2019, posição 466-469). Conforme mencionado, Macedo passaria uma
larga temporada na Igreja de McAlister, onde acumulou experiência e ambição para
iniciar seu próprio empreendimento. Pretendia popularizar o pentecostalismo já com
toques “neopentecostais” praticado pela Nova Vida, de fato uma igreja de modesto
crescimento e com penetração predominante entre a classe média. Julgava o proselitismo
de McAlister pouco efetivo em imantar novos adeptos, buscando, ao lado do grupo que
com ele saíra dali, fundar uma igreja com “um discurso mais contundente”, aprofundando
também o combate à umbanda e ao candomblé (NASCIMENTO, 2019, posição 466-469).
Sendo assim, com R. R. Soares, Roberto Augusto Lopes e Samuel e Fidélis Coutinho,
funda em 1975 a Cruzada do Caminho Eterno, onde permanecem os irmãos Coutinho
para os outros três amigos fundarem em 1977 a Igreja Universal do Reino de Deus, a qual
Soares, por sua vez, abandona em 1980 para montar seu próprio projeto.
Atenta aos novos tempos, a IURD teria como algumas de suas características
principais, além da introdução das teologias da Prosperidade e do Domínio, a fusão de
elementos do pentecostalismo de primeira e segunda onda com elementos da umbanda,
adaptados ao sistema televisivo de comunicação (CHESNUT, 1997, p. 45). Ainda que a
cura espiritual continue importante, outras práticas dividem o protagonismo no arsenal
litúrgico iurdiano, como as sessões de exorcismo, que esconjuram exus afro-brasileiros e
têm destaque na sua programação. Outra inovação seria o afrouxamento do código de
conduta, despido de restrições comuns em outras pentecostais, como o uso de maquiagem
e prescrições rígidas sobre cortes de cabelo, por exemplo (CHESNUT, 1997, p. 46).
De modestos princípios, a igreja inicia atividades numa funerária desativada no
bairro popular da Abolição, Rio de Janeiro. Seu despontar, contudo, foi extraordinário. O
rápido crescimento, ao lado das inúmeras controvérsias em que se envolveu nas décadas
348

de 1980 e 1990, legou um vasto acervo documental escrito pelos serviços de inteligência
federal, rico material para a reconstituição da sua trajetória.
Relatório439 confidencial da Agência Central do Serviço Nacional de Informações
-SNI, de agosto de 1989, relatava que naquela altura a igreja já atingira a marca de um
milhão de adeptos e 580 templos em todo o país, além de quatro nos Estados Unidos e
um no Uruguai. O relatório chamava atenção também para o “vasto patrimônio”
acumulado, como dez emissoras rádios, entre elas a Rádio Copacabana, no Rio de Janeiro,
que detinha a 4ª maior audiência entre as emissoras AM no estado, a Rádio Uirapuru, de
Fortaleza, e a Rádio Bahia, de Salvador. No mais, registra-se a posse da empresa UNITEC
- Engenharia e Empreendimentos, “que tem a finalidade de construir igrejas”, e a Gráfica
Universal, onde passavam pelo prelo as publicações iurdianas. O relatório do SNI
encontra-se anexado a documento da Divisão de Segurança e Informações do Ministério
da Justiça, que investigava as ações da igreja, em particular as compras de emissoras,
segundo o papel feitas por “testas-de-ferro” e custando milhões de dólares de procedência
desconhecida. É destacado, ainda, que o trabalho jornalístico nestas emissoras passava a
sofrer cerceamento após a compra, também suspeitando-se, de maneira um tanto ingênua,
“o uso desse meio de comunicação para aliciamento de adeptos”.
A voracidade com a qual a Universal se lançava a essas aquisições traduz a
inequívoca sinergia entre o avanço iurdiano e as comunicações eletrônicas. Seus
programas, diz Nascimento (2019, posição 948-951), com sessões de cura, exorcismo e
promessas de prosperidade, eram em número de 27 ainda em 1983, ano em que a IURD
alcança mais um marco, veiculando o programa O Despertar da Fé em rede nacional pela
TV Bandeirantes. O Know How para a realização dessas produções seria adquirido nos
Estados Unidos, onde Edir Macedo passou a viver após 1986, assimilando “técnicas e
estratégias” de pregadores televisivos (CAMPOS, 1996, p. 91), fato que ilustra, mais uma
vez, a transferência de métodos e doutrinas formulados no espaço norte-americano para
as organizações evangélicas brasileiras, vinculadas, quando não institucionalmente, como
no caso da 100% brasileira IURD, ao menos ideologicamente às organizações norte-
americanas pertencentes ao Partido da Fé Capitalista.

439
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus, IURD.
SE141 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.89071864. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/89071864/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_89071864_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2021.
349

A ascensão evangélica no meio midiático, com a IURD na dianteira, foi


acompanhada pelo Serviço Nacional de Informações – SNI. Documento440 de 1989,
escrito no calor da surpreendente compra da Rede Record de Televisão pela Universal,
além de dar conta deste fato, notava a aquisição de diversas emissoras de rádio por
“seitas” e a posse de 10% do controle acionário da TV Rio pelo pastor batista Nilson do
Amaral Fanini441. Na mídia impressa, o SNI também via a infiltração evangélica,
destacando o caso do jornal Folha Cristã, “que divulga textos de interesse das igrejas
Assembleia de Deus, Batista e Universal do Reino de Deus”, afirmando que o periódico
fora “identificado como órgão oficial do Partido Democrata Cristão”. O SNI também
chamava atenção para matéria publicada em seu número 4, ilustrativa das animosidades
entre o setor pentecostal e a Rede Globo e da leal aliança entre o primeiro e seus
intelectuais norte-americanos. Intitulada Rede Globo Persegue Televangelistas, o texto
queixava-se da cobertura de escândalos envolvendo pentecostais, como o assembleiano
Jim Bakker, acusado de estupro e condenado por fraude três anos depois. Era dito que
Roberto Marinho perseguia evangélicos em virtude de um alegado pacto com a Igreja
Católica, a umbanda, o candomblé e o espiritismo. Mais interessante, contudo, é a
afirmação, pelo SNI, de que haveria “participação de capitais de empresários americanos
protestantes, na compra desses órgãos de mídia”. Infelizmente, não há indicações de quais
empresários seriam esses e nem de onde a informação foi extraída, acrescentando-se
apenas que eles teriam agido na compra da Rádio Redentor, na cidade goiana de Santo
Antônio do Descoberto, atualmente controlada pelo Ministério Vida Nova da Assembleia
de Deus. Essa pesquisa também não encontrou nos arquivos do Estado brasileiro outras
menções ao fato.
Na década de 1980, a rápida ascensão da Igreja Universal nos subúrbios das
grandes cidades não encontrou paralelo no interior. Segundo Gilberto Nascimento (2019,

440
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Veículos de Comunicação Social, UCS,
Jornais, Rádios e Televisões sob Influência de Seitas Evangélicas. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.CCC.90019323. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/90019323/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_90019323_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2021.
441
Com muitos programas religiosos em sua grade, a TV Rio operou de 1988 a 1991, quando foi vendida
para a TV Record, da Igreja Universal do Reino de Deus. Conforme outro documento do SNI datado de
1988, a participação acionária da Igreja Batista na TV RIO teria se viabilizado com a ajuda da organização
capitaneada por Billy Graham, famoso pastor fundamentalista norte-americano, a Billy Graham
Association. ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Evangelico do
PMDB. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020041. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020041/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020041_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
350

posição 4560-4564), ali a IURD esbarrava não apenas no conservadorismo católico,


obstada em seu crescimento em cidades como a fluminense Rio das Flores, terra natal de
Edir Macedo, como no fato de sua mensagem ser muito mais atraente nas rebarbas das
grandes cidades. Sua pregação, “turbinada com um discurso de autoajuda” e acenando
com “possibilidades de sucesso e prosperidade financeira por meio do
empreendedorismo”, encontraria melhor acolhimento entre trabalhadores das periferias
urbanas, em meio aos quais o desemprego e o subemprego seriam problemas mais
palpáveis. Chesnut (1997, p. 47), de forma semelhante, atribui grandemente o sucesso da
IURD à “queda brusca na renda da população urbana”, atraída pela tríade teológica
“exorcismo, prosperidade e cura”.
Mas engana-se quem supõe que as táticas de prospecção de seguidores da IURD
resumam-se ao espaço do culto. Ações filantrópicas para atenuar as dores da miséria são
táticas comuns de recrutamento. Programas de alfabetização são levados à cabo, ao lado
de campanhas de doação de alimentos, dirigidas pela Associação Beneficente Cristã, setor
devotado a trabalhos assistencialistas, que atingem favelas, bairros pobres, orfanatos e
hospitais, enquanto seguidores participam da distribuição de “sopões” e do corte de
cabelo de mendigos (NASCIMENTO, 2019, posição 2754-2757). A população carcerária
também não é negligenciada. Com as portas dos presídios franqueadas pelo poder
público, a IURD leva consolo espiritual para detentos, também mantendo programas de
rádio inteiramente voltado para eles, programas que já existiam desde a década de 1980
dedicados aos trabalhadores em geral (NASCIMENTO, 2019, posição 2742-2745).
Sustentado por essa agressiva campanha, na década de 1990 o crescimento da
Universal seguiu firme. Alguns dados ilustrativos são oferecidos por Campos (1996, p.
91-92), que nota que a edição n. 154, de março de 1995, do semanário Folha Universal,
teve tiragem de 780 mil exemplares, enquanto o livro Orixás, Caboclos e Guias – Deuses
ou Demônios, escrito por Edir Macedo e publicado pela Editora Gráfica Universal,
vendera um milhão e quinhentas mil cópias. Mariano (2014, p. 67), por seu turno, sustenta
que no final da década a IURD editava jornais e revistas em Portugal e na África do Sul,
detendo ainda quarenta emissoras de rádio e 16 de TV. Confirmando a pujança do
empreendimento, informe442 confidencial da Agência Regional de Pernambuco da

442
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4.MIC, GNC.III.990009747. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/iii/990009747/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_iii_990009747_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2021
351

Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, datado de fevereiro de


1996, constatava que naquela altura a IURD já chegara a três milhões de seguidores e sete
mil pastores divididos em 2.100 templos pelo Brasil e outros 225 espalhados em 34
países, estimando seu patrimônio em oitocentos milhões de dólares. Quanto ao número
de membros, no entanto, houve exagero, uma vez que o censo de 2000 apurou haver
naquela altura 2.101.887 iurdianos por todo o Brasil (TABELA 137 - População
residente, por religião, [2010?]).

5.2 - A Igreja da Unificação ou “Seita Moon”

A Igreja da Unificação, também conhecida como Associação da Família para a


Paz Mundial e Unificação, Associação do Espírito Santo para a Unificação do
Cristianismo Mundial, ou vulgarmente “Seita Moon”, organização religiosa surgida na
Coréia do Sul e capitaneada pelo empresário Sun Myung Moon, também acrescentou o
Brasil ao rol de países onde praticou proselitismo religioso e militância anticomunista.
Vejamos como se deu sua fixação por aqui, conturbada por uma variedade de denúncias
e escândalos ventilados pela grande imprensa em princípios dos anos 1980.
A exemplo do que vimos no caso norte-americano, onde a Igreja da Unificação
manteria influência desproporcional aos seus pequenos números, o mesmo parece ter
acontecido no Brasil. Instalada no país desde 1975, malgrado o relativamente modesto
número de seguidores, segundo dados do SNI 443 a sua expansão foi rápida e organizada.
Em 1977 teria pouco mais de cem membros, número que sobe para 1.500 em 1979,
concentrados nas cidades de São Paulo, Porto Alegre, Curitiba e Vitória. Mas os
unificacionistas procuraram fundar células por todo o território, havendo no mesmo ano
um representante em cada capital das regiões Norte e Nordeste. Ainda em 1979, revela o
SNI que a igreja procurava formar um quadro de 120 missionários para dirigir os negócios
brasileiros. Já em 1981, a sua revista 444 Mundo Unificado declarava haver sete mil

443
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Seita Igreja Unificação ou
Associação do Espirito Santo para Unificação do Cristianismo Mundial 4.6.1. Código de Referência: BR
DFANBSB V8/MIC/GNC/GGG/81003201. Arquivo Nacional. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/81003201/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_81003201_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2021.
444
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Dossiê. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível
em:<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFAN
BSB_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 mar 2021.
352

“moonitas”. Cinco anos depois, documentação do SNI445 indicava que estes já dispunham
de unidades em 41 cidades de São Paulo e penetração em 17 outros estados.

5.3 - A Renovação Carismática Católica

Como visto na Parte II, A Renovação Carismática Católica - RCC teve início num
encontro ocorrido em fevereiro de 1967 na Universidade de Duquesne em Pittsburgh,
Estados Unidos. Seu preceito fundamental é a revalorização nos meios católicos dos dons
do Espírito Santo, sendo por isso ela frequentemente rotulada como “pentecostalismo
católico”.
A despeito de seus artífices procurarem inseri-la num amplo processo de
renovação da Igreja Católica deflagrado pelo Concílio Vaticano II, a influência do
pentecostalismo em seu grande sucesso na segunda metade do século XX é destacada por
pesquisadores como Mariano (2014, p. 12). A despeito, também, de em sua página
eletrônica oficial (HISTÓRICO da RCC, 2011) a Renovação refutar a ideia de que tenha
se alastrado pela ação de religiosos norte-americanos, sustentando que brotou de maneira
natural e simultânea em diversas partes do mundo, a sua implantação no Brasil teve como
protagonistas padres estadunidenses como Harold Joseph Rahm, Edward John Dougherty
e Edward Joseph Vogel, cujos nomes foram aportuguesados para Haroldo Rahm, Eduardo
Dougherty e João Batista Vogel, respectivamente. Também pondo em dúvida a
espontaneidade do movimento brasileiro, em capítulo anteriores vimos como o
cristianismo carismático foi mundialmente cultivado pela Full Gospel Business Men’s
Fellowship International, organização formada por empresários religiosos de todo o
mundo fundada nos Estados Unidos em 1951 e comandada pelo pastor da Assembleia de
Deus David du Plessis.
De todo modo, a RCC principia por aqui pouco após a fundação norte-americana,
ainda em princípios dos anos 1970. Ainda segundo a sua página oficial no Brasil, foi em
Campinas - SP que Harold Rahm e Edward Dougherty primeiramente atuaram. Já em
1970 está no Paraná, levada pelo padre Daniel Kiakarski, que dela tomara ciência em

445
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Causa no Brasil. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87060643. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87060643/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87060643_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 20201.
353

visita aos Estados Unidos no ano anterior; em Minas Gerais no ano de 1972, graças a um
ciclo de retiros e formação de grupos de oração efetuados por Dougherty; em Goiás em
1973, levada pelo padre George Kosicki, “que havia muito participava ativamente da
Renovação nos Estados Unidos”; e no Mato Grosso em 1973, pelas mãos do norte-
americano Clemente Krug. Também em 1973, diante da “extensão que tomava a
Renovação” no país, é realizado em Campinas - SP o I Congresso Nacional da Renovação
Carismática no Brasil, acontecendo sua segunda edição no ano seguinte.
Simultaneamente, o movimento crescia por todas as regiões, induzido no Norte por Frei
Paulo, da diocese de Santarém; no Sul de Minas Gerais com Mauro Tommasini, da
Arquidiocese de Pouso Alegre; e no Centro-Oeste com Edward Joseph Vogel, sobre o
qual sabemos um pouco mais graças a documento446 do SNI de janeiro de 1971. Nascido
em 1920 em Bradford, Pensilvânia, veio para o Brasil em novembro de 1952. Segundo o
Serviço, desde o início do movimento carismático o padre visitou os Estados Unidos duas
vezes, em 1969 e em 1970, desempenhava a função de pároco na cidade goiana de
Quirinópolis e era membro da ordem de São Francisco da Reconciliação.
Ainda conforme a página eletrônica da organização, a década de 1980 vê a sua
consolidação institucional, com presença em todo o território nacional e grande destaque
na mídia. Sintoma desse robustecimento institucional, em 1980 Edward Dougherty funda
a Associação do Senhor Jesus - SDJ para angariar verbas, com a venda de material
religioso, para a realização de programas televisivos. A iniciativa é um sucesso e, no
mesmo ano, é lançado o programa Anunciamos Jesus, que em 1986 atingia 60% do
território nacional. Em 1990 a RCC eleva seus projetos midiáticos a outro patamar,
inaugurando em Valinhos - SP o Centro de Produções Século XXI, “que possui três
grandes estúdios de TV”. Outra iniciativa midiática foi a Comunidade Canção Nova,
lançada em 1974 em Lorena - SP, que em 1980 adquiriu uma rádio em Cachoeira Paulista
e em 1989 uma concessão de TV. A Rede Canção Nova viria a ser o maior canal católico
do país, transmitido em todo o território nacional e mesmo fora dele, como na Itália e
Portugal.
Vemos, portanto, que, a exemplo das demais organizações religiosas com
crescimento explosivo neste período, as comunicações eletrônicas foram fundamentais

446
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. João Batista Vogel. Código de Referência:
BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.71025115. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/71025115/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_71025115_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
354

para a expansão da RCC. Com efeito, a Polícia Militar de São Paulo frisava em relatório447
de 1990 que “Os meios de comunicação merecem especial atenção dentro da RCC”,
sendo a organização naqueles tempos responsável por programas diários e semanais,
“além da produção e locação de vídeos para a televisão”, com destaque especial para o
programa Anunciamos Jesus, transmitido em 26 canais de TV.
Ainda segundo a página da RCC, seu maior crescimento acontece na década de
1990, quando teria atingido 3.800.000 adeptos, sem deixar de frisar que o número
representava “o dobro dos católicos das comunidades eclesiais de base (CEBs)”. Os dados
parecem plausíveis, uma vez que o SNI estimava, ainda em 1981, seus seguidores em
“mais de um milhão”448 e crescendo “de maneira vertiginosa”. Já a Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República449 sustentava em inícios de 1998 que os adeptos
da RCC corresponderiam a 4% da população, concentrados no estado de São Paulo,
sobretudo em cidades do interior, na Baixada Santista e na região da Grande São Paulo 450.
Ao contrário de outras organizações religiosas aqui estudadas, a RCC não teve
como foco principal de dispersão a população de baixa renda, sendo um fenômeno
inicialmente circunscrito à classe média. O fato foi reconhecido, em junho de 1991, pelo
padre Edênio Valle, presidente da Conferência dos Religiosos do Brasil, que descreveu a
Renovação Católica como “um movimento branco, de primeiro mundo, que atinge muito
a classe média brasileira, que estava relativamente distanciada dos quadros de sustentação
da Igreja Católica”451. Ressalvava ele, porém, que “O desafio da Igreja no século XXI é

447
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB.H4.MIC.GNC.EEE 900023981. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900023981/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_900023981_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
448
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Grupos Religiosos. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.82001595. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/82001595/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_82001595_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
449
A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República foi criada pelo decreto n. 99.244, de
10 de maio de 1990. Dotada de amplas atribuições, algumas de suas funções eram funcionar como
Secretaria-Executiva do Conselho de Governo; desenvolver estudos e projetos de utilização de áreas
indispensáveis à segurança do território e opinar sobre o seu uso; fornecer subsídios para as decisões do
presidente da República; cooperar no planejamento, execução e acompanhamento da ação governamental;
coordenar a formulação da Política Nacional Nuclear e supervisionar sua execução; salvaguardar os
interesses do Estado e coordenar, supervisionar e controlar projetos e programas que lhe forem atribuídos
pelo Presidente da República. A Secretaria herdou também, divididas com a Polícia Federal, atribuições
antes a cargo do Serviço Nacional de Informações – SNI, extinto em março de 1990.
450
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.CCC.990021519. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021519/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021519_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
451
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB H4.GNC.EEE.910025102. Disponível em:
355

não continuar Européia, ela tem que se tornar Asiática, Africana e Latino-americana”
(SIC). É possível, entretanto, que em tempos recentes a RCC tenha fortalecido sua
presença entre os mais explorados. Ao menos é o que insinua em sua página oficial, onde
é dito que estaria chegando “às camadas trabalhadoras dos bairros populares”.

5.4 – A Igreja Pentecostal Brasil para Cristo após meados da década de 1970

No anos 1970 e 1980 a Brasil para Cristo obteve estrondoso sucesso radiofônico,
traduzido em 280 programas diários, irradiados por 250 emissoras em meados dos anos
1980 (ASSMANN, 1986, p. 129). O relatório do CIE de 1983 credita em grande parte ao
rádio a expansão dessa igreja, contando que Manoel de Mello mantinha programas diários
nas rádios Tupi, Rádio América e Indústria Paulista, campanha embalada também por
grandes encontros em cinemas na capital paulista. Outro dado de relevo trazido pelo CIE
toca a composição da membresia da Brasil para Cristo que, ao contrário de outras
pentecostais, “Não atrai apenas a população dos estratos mais inferiores, mas também
consegue conquistar pessoas dos estratos sociais mais elevados”, segundo os militares
graças a uma maior abertura ao mundo terreno, “não se mantendo como um grupo
fechado, em oposição à sociedade”. Leonildo Silveira Campos (1996, p. 88), no entanto,
alega que os seguidores dessa organização se concentravam “nos bairros operários pobres
da zona leste de São Paulo, reduto de imigrantes nordestinos”.
Seja como for, essa marcha vitoriosa foi abruptamente obstaculizada em finais da
década de 1980, quando Manoel de Mello é afastado da direção da Igreja, que entra numa
fase de decadência, não mantendo o ritmo de crescimento. Assim, apesar de não existirem
dados oficiais anteriores a 2010, segundo o IBGE a organização chegou àquele ano com
relativamente modestos 196.665 membros (TABELA 137 - População residente, por
religião, [2010?]).

5.5 – A Igreja Pentecostal Deus é Amor após meados da década de 1970

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/910025102/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_910025102_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
356

De acordo com o SNI, em finais de 1984 a Igreja Deus é Amor já mantinha seis
estúdios de gravação, uma produtora de discos, uma gráfica e uma extensa rede de
emissoras de rádio, ocupadas em “divulgar os princípios de sua igreja” 452, com destaque
especial para programas com sessões de cura espiritual. Em outro papel, o Serviço
sustenta que a compra das rádios, fundamental para o aumento da membresia, se fazia
com grande auxílio dos adeptos, que David Miranda “incitava”453 a comprar carnês de 24
prestações. Alguns anos antes, em 1979, a expansão das atividades da Igreja permitiram
a construção de uma grande sede, em são Paulo, com 25.726 metros quadrados, segundo
Miranda o maior templo evangélico do Brasil.
Ilustrando a vitalidade do empreendimento, em 1989 a Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República informava a realização de uma grande
concentração no Mineirão. Atualmente o quarto maior estádio do Brasil, capaz de receber
sessenta mil pessoas, ao que parece, houve superlotação, assinalando a Secretaria que,
infelizmente, “um rapaz faleceu no gramado”454.
Sua expansão parece, portanto, ter prosseguido em bom ritmo ao longo da década
1990. Ainda que não haja informações no censo do IBGE para o ano 2000, em 2010 a
organização contava com 845.383 seguidores (TABELA 137 - População residente, por
religião, [2010?]), presidida por David Miranda até sua morte em 2015.

5.6 - A Assembleia de Deus após meados da década de 1970

A maior organização pentecostal do Brasil e do mundo prosseguiu em acelerado


crescimento durante a “terceira onda”, muitas vezes absorvendo o receituário teológico
que caracterizou o novo pentecostalismo, as teologias da Prosperidade e do Domínio. Não
há dados do IBGE anteriores ao Censo de 2000 sobre a membresia assembleiana, mas
naquele ano a Igreja já mantinha 8.418.140 seguidores (TABELA 137 - População

452
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação da Igreja Pentecostal Deus e Amor
no RS. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.84010489. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/84010489/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_84010489_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 mar. 2021.
453
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Irregularidades no Conteudo
Programatico da Radio Itai LTDA, Porto Alegre RS. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.GGG.85012529. Acesso em: 19 mar. 2021.
454
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Sem Título. Código de referência: BR
DFANBSB V8 MIC PTR DIT 0513. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/ptr/dit/0513/br_dfanbsb_v8_mic_ptr
_dit_0513_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 mar. 2021.
357

residente, por religião, [2010?]), ou seja, cerca de 30% de toda a população evangélica
brasileira, que o Instituto calculava em aproximadamente 28 milhões.
Amplificando com vultosos investimentos no rádio a atração sobre as camadas
pobres em crescimento, a Assembleia viu seu ritmo de expansão acelerar-se nas últimas
décadas do século XX. A base em Belém, por exemplo, diz Chesnut (1997, p. 135),
esforçava-se a reforçar sua presença no país e exterior, com a constante abertura de novas
unidades. Com acesso aos arquivos da Igreja, o pesquisador revela que entre 1968 e 1991
a Assembleia de Belém teria despachado 97 casais de missionários para dentro e fora do
país, alcançando o Piauí e o interior amazonense, neste caso a fim de recrutar indígenas.

5.7 - A Igreja do Evangelho Quadrangular após meados da década de 1970

Chesnut (1997, p. 36) acredita ter sido na década de 1970 que a IEQ começa a
apresentar crescimento expressivo, quando a proporção de pastores estrangeiros teria se
reduzido em comparação aos seus primeiros dias, obstáculo para a construção de pontes
sólidas com o público brasileiro. Sua hipótese encontra respaldo na documentação, que
mostra uma expansão acelerada neste decênio, puxada por uma segunda geração de
pregadores, já brasileiros.
Nessa época a presença da Igreja se consolida na região Norte, coordenada em
1973, desde Belém-PA, pelo missionário Josué Bengston 455, “paulista de origem
sueca”456, ajudado pelo colega Pedro Antipas. Chamava atenção da agência belenense do
SNI a grande quantidade de pessoas atraídas pela dupla para o primeiro templo da IEQ
na cidade, no bairro da Pedreira, chegando a quinhentas nos sermões de domingo.
Conforme o Serviço, a Igreja mantinha na cidade também um programa radiofônico,
como é de praxe em todo o lugar onde se instala, chamado Prece Milagrosa. Segundo

455
Em 2016, quando era deputado federal pelo PTB e presidente da Igreja do Evangelho Quadrangular no
Pará, durante a votação que aprovou a abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff,
Bengston dedicou à “família Quadrangular” o seu voto pelo “sim”. Pouco depois, em junho de 2017, foi
condenado a cinco anos e seis meses de prisão por corrupção passiva, no caso conhecido como “Operação
Sanguessuga”, que envolveu o desvio de verba pública destinada à compra de ambulâncias, pena que não
cumpriu por ser maior de 70 anos (DEP. Josué Bengston é condenado por corrupção passiva, 2017).
456
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades Religiosas na Area 119Z.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.78111881. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/78111881/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_78111881_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2021.
358

outro documento457, coube a Bengston levar a IEQ ainda para as maiores cidades da
Bahia, como Serrinha, Alagoinhas, Ilhéus, Itabuna, Itapetinga, Jeguié, Vitória da
Conquista e Feira de Santana, onde em 1976 haveria 13 templos.
Outro grande agente dessa difusão foi o ex-cabo da Marinha Francisco Epifânio
Rocha de Almeida, que ao longo da década de 1970 ofereceu pelos quatro cantos do país
“curas milagrosas de doenças e transformações de vida”458. Exemplo do processo de
formação de quadros pentecostais nacionais, Francisco, que chegara a cursar seminários
franciscanos no Ceará e na Paraíba, abandona o catolicismo para estudar no Instituto
Pentecostal do Rio de Janeiro e depois no Instituto Bíblico Quadrangular do Brasil,
chegando a estagiar nos Estados Unidos antes de ser ordenado ministro da IEQ em São
Paulo. A partir daí, “percorreu 14 estados” angariando almas, fundando e consolidando a
IEQ em Santa Catarina e no Ceará, “Deixando templos edificados em dezenas de
municípios” e respondendo também pela implantação de “obras assistenciais e
educacionais”, sobretudo nas capitais. Chegou a Salvador em abril de 1976, atraindo
milhares de pessoas, fato notado pelo Ministério da Marinha, que acompanhava de perto
as atividades do ex-membro, inclusive sua prisão no mesmo ano, “o que motivou uma
enorme passeata de fiéis até a Secretaria de Segurança Pública”. Ainda conforme a
Marinha, o pontapé inicial do trabalho de fixação da IEQ na cidade foi um programa
diário na Rádio Sociedade da Bahia. Em 1981, registrou o SNI que a Igreja já contava
com 29 templos no estado, 18 em Salvador e o restante no interior, número que “vem
aumentando a cada dia” 459.
Conforme dossiê460 do Centro de Informações da Polícia Federal, Epifânio,
contudo, entraria em choque com seus superiores num caso expressivo das tendências
centrífugas do pastorado brasileiro, que frequentemente partia para empreendimentos

457
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Religioso. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.PPP.81001969. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/PPP/81001969/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_PPP_81001969_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2021.
458
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Religioso. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.PPP.81001969. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/PPP/81001969/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_PPP_81001969_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2021.
459
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho Quadrangular. Prece
Poderosa. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81019991. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/81019991/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81019991_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2021.
460
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho Quadrangular Prece
Poderosa BA. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81021200. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/81021200/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81021200_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2021.
359

próprios após atingir relativo sucesso, e da mão de ferro da direção norte-americana da


IEQ na manutenção da unidade da Igreja brasileira. Pretendendo tomar o controle da
seção soteropolitana da igreja, Epifânio não encontrou suporte para a manobra, acabando
demitido do cargo de superintendente da região eclesiástica da Grande Salvador e
Recôncavo Baiano, substituído pelo leal Eurico Fernandes dos Santos.
Anexo ao mesmo documento, os estatutos da IEQ mostram o zelo pela
indivisibilidade dos negócios brasileiros, bem como a sua subordinação à direção central
nos Estados Unidos (a despeito da nacionalização de seus quadros inferiores, em 1981 a
direção da igreja no Brasil cabia ao norte-americano George Russel Faulkner). O 26°
artigo firmava que o presidente brasileiro “será nomeado pela “International Church of
the Foursquare Gospel”, como seu representante em caráter permanente”. O artigo 39°,
por sua vez, decidia que todos os bens móveis e imóveis “adquiridos ou ofertados”
precisam ser registrados em nome da Igreja do Evangelho Quadrangular, enquanto o 43°
vedava que as igrejas locais se constituíssem em pessoas jurídicas, o 44° impunha que a
metade dos dízimos coletados fossem enviados mensalmente para a sede e o 64°
determinava que “no caso de haver divisão”, os dissidentes perderiam o direito sobre
todos os bens da organização, “sem direito a apelações judiciais”.
Também a respeito do “cabresto” imposto sobre os membros nacionais pela
direção norte-americana da IEQ, afirmava o SNI461 em outubro de 1981, enquanto
investigava a tentativa de cisma na Bahia provocada por Epifânio, que os pastores
brasileiros seriam “subordinados aos estrangeiros”. A posição hierárquica inferior da
Igreja brasileira aparece também nas palavras do pastor Haroldo Pereira dos Santos que,
chamado a depor462 em setembro de 1976 pelo DOPS do Espírito Santo, dissera que “a

461
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho Quadrangular. Prece
Poderosa. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81019991. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/81019991/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81019991_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2021.
462
A razão da intimação fora um “telegrama suspeito” que enviara ao missionário Benedito Batista, em Rio
Branco - AC, falando de “Dinheiro Urgente – Avião”, seguido dos escritos “vão complicar Polícia CND
documento te compromete”. O pastor justificou o estranho telegrama argumentando que ele se referia a um
menor de idade deixado por Benedito Batista, antes de sua ida para a Amazônia, na casa de um membro da
Igreja, sem qualquer auxílio financeiro, sendo este o “dinheiro” mencionado no telegrama. Falava-se de
polícia apenas para “amedrontar” o missionário, a sigla CND se referiria a Conselho Nacional de Diretores
da Igreja e o documento comprometedor se tratava de papel comprovando que a guarda do menor cabia ao
missionário.
360

igreja do evangelho quadrangular, cuja sede no Brasil é São Paulo, recebe orientação
Americana”463.
A expansão Quadrangular parece não ter perdido ímpeto nas décadas seguintes.
Em princípios de 1987, notava o SNI que a IEQ contava com adeptos em todos os estados,
“elevando-se bastante o número dos mesmos”464. Leonildo Campos (1996, p. 88), por sua
vez, sustenta que em 1991 ela manteria “mais de três mil igrejas organizadas, contando
com aproximadamente dez mil pastores”. Como vimos, segundo o IBGE, a Igreja
chegaria ao ano 2000 com o número expressivo de 1.318.805 seguidores, colocando-a
entre as maiores pentecostais do país.

6 – Outros indutores sociais da expansão religiosa conservadora

Para além dos catalizadores acima, outros dois fatores tiveram importância
significativa na ascensão em terras brasileiras de novas agremiações religiosas
conservadoras e vinculadas ao universo norte-americano. Falo da vigorosa campanha
efetuada por essas organizações contra outras manifestações de fé, como o catolicismo e
as religiões afro-brasileiras, e elementos do sentimento religioso popular que facilitaram
a abertura de corações e mentes para expressões religiosas importadas.

6.1 – Embates com as religiões afro-brasileiras, o catolicismo e o espiritismo

Conforme vimos, em 1977 o SNI465 identificava que, além dos pentecostais, a


umbanda era a principal beneficiária do déficit de seguidores já então apresentado
anualmente pela Igreja Católica, sugerindo que tanto as recentes organizações

463
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DES – Delegacia de Ordem Política e
Social do Espírito Santo. Aroldo Pereira dos Santos. Código de Referência: BR ESAPEES DES.0.INV,
DPES.30.
464
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho Quadrangular.
Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.III.87007665. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/III/87007665/BR_DFAN
BSB_V8_MIC_GNC_III_87007665_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2021.
465
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. A Posição da Igreja católica Apostólica
Romana em Relação às demais Religiões ou Seitas. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.QQQ.82001191. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/82001191/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_82001191_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2021.
361

evangélicas como as já instaladas afro-brasileiras cresciam em ritmo mais ou menos


comparável. Como explicar, então, a estagnação no crescimento da umbanda e do
candomblé, que chegam ao ano 2000 com 397.431 e 127.582 seguidores cada (TABELA
137 - População residente, por religião, [2010?]), número muito inferior ao conjunto de
17.975.249 evangélicos pentecostais? Estagnação que parece mais acentuada no caso da
umbanda, que, se tomarmos os dados do censo de 2010, acrescentou menos de dez mil
seguidores no decênio, contando naquele ano 407.331 membros. Não trago uma resposta
definitiva sobre o fenômeno, mas indico que, certamente, a virulenta campanha de
organizações evangélicas contra esses grupos contribuiu para o seu prejuízo na
competição pelo público religioso.
Essa batalha tem na Igreja Universal do Reino de Deus o ator mais engajado. A
IURD, que elegeu as religiões afro alvo principal de sua inédita ênfase no ritual do
exorcismo, reserva inclusive um dia da semana para uma “Corrente da Libertação” a fim
de “afastar demônios, libertar as pessoas que estão escravas dessas entidades que, na
opinião dos iurdianos são ‘“santos” com aspas” (SILVA, E. 2002, p. 5-6) ou seja
““espíritos malignos” que buscam corpos para se manifestarem”. Também no ponto de
vista de Nascimento (2019, posição 3246-3248), é recorrente que pastores “queimassem
roupas do candomblé e colares de miçangas levados por ex-seguidores de religiões afro”,
chegando a igreja de Macedo a tomar para si muitos elementos da umbanda, do
candomblé e de outras religiões, como o catolicismo e até mesmo o judaísmo, compondo
um repertório ritual adequado às variadas pulsões da religiosidade popular.
A disputa de espaços entre evangélicos e as religiões afro-brasileiras, porém, é
muito anterior à fundação da IURD. Pelo menos desde 1968 a Assembleia de Deus já
participava do conflito. Naquele ano, o presidente em Belém, Paulo Machado,
intensificou a ocupação de espaços em toda a cidade, preocupado com o fato de os
“seguidores de Satã estarem se expandindo” (CHESNUT, 1997, p. 44). Da mesma forma,
repara Elizete da Silva (2002, p. 5-6), “todo o protestantismo histórico” precedente à
Assembleia e à IURD “condenou o candomblé e outras religiões de origem afro como
satânicas e errôneas”.
Mas o fato é que o encolhimento pronunciado dos católicos e afro-brasileiros é
fenômeno relativamente recente, havendo diversos indicadores de sua indução por
campanhas promovidas por organizações evangélicas aqui chegadas nos últimos tempos.
A documentação do Estado brasileiro traz relatos dessas ações, que não se resumiam aos
ataques simbólicos, envolvendo também a violência física. Aparece ali a igreja de Edir
362

Macedo como a principal origem desses ataques, que não poupavam também o
catolicismo, como ilustrado pelo famoso episódio do “chute na santa”466.
Em julho de 1989 a Superintendência da Polícia Federal em Goiás emitiu um
pedido de busca para confirmar denúncias feitas contra a IURD. Conforme o documento,
católicos, espíritas e umbandistas acusavam-na de “desrespeito, agressão física aos fiéis
e depredação de templos dessas religiões” 467. No mesmo ano, no Rio de Janeiro, o
deputado estadual Átila Nunes, representando seguidores de religiões afro-brasileiras,
pediu a abertura de inquérito policial para a investigação de ataques a terreiros468.
Segundo Nunes, após o início da ação policial, tanto ele como o presidente da
Confederação Nacional da umbanda e Cultos Brasileiros teriam passado a receber
ameaças de morte. Também na Bahia, berço do candomblé, a IURD desferia golpes
contra as religiões de matriz africanas. Foi o que ocorreu, por exemplo, em Salvador em
agosto de 1989, quando milhares de adeptos da Igreja de Macedo foram às ruas para
denunciar um hipotético sacrifício de crianças em terreiros469, episódio que será visto
melhor no capítulo 9.
A extensiva campanha iurdiana contra as religiões afro-brasileiras era constatada
pelo próprio SNI que, em um dos muitos relatórios sobre a Igreja, sintetizava as suas
metas gerais como “combater as drogas, o umbandismo, as magias negras em geral, o
espiritismo e as idolatrias da Igreja Católica”470. Exemplar dessas disposições, frisava o
Serviço a crença de que práticas como a incorporação de espíritos seriam “coisa do diabo”
e a oposição ao “uso de velas aos mortos” e aos santos católicos. Em outro lugar, o SNI
reflete sobre o constante trabalho de conversão, notando que a Igreja permanecia sempre

466
Em 12 de outubro de 1995, no programa O Despertar da Fé na Rede Record de Televisão, o pastor
Sérgio Von Helder aplicou chutes a uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida.
467
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus -
Dossiê. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.89012868. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/89012868/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_89012868_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.
468
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus -
Dossiê. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89017556.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/89017556/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89017556_d0001de0003.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.
469
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus de
Itinga, Faz Protesto Contra as Religiões Afro Brasileiras, em Salvador BA. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.PPP.89010798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/PPP/89010798/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_PPP_89010798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021.
470
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação da Igreja Universal do Reino de
Deus. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.89012965. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/89012965/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_89012965_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.
363

aberta a membros de outras religiões, “que com o transcorrer do tempo, passam por
doutrinamento, até a sua conversão e total dedicação aos ensinamentos, tornando-se
ardorosos defensores e divulgadores da instituição evangélica” 471. Destacava também o
Serviço a intolerância exibida por muitos iurdianos, dando como exemplo fato acontecido
em São Luís - MA em março de 1989, quando pastores teriam mobilizado seguidores
para uma “ruidosa e violenta manifestação religiosa”, a fim de obstruir a procissão
católica do Senhor Morto. Descambando numa batalha campal, foi necessária a
intervenção da Polícia Militar para conter o conflito, onde o pastor Sebastião Calheiros
de Oliveira terminou detido. Na delegacia, negando acusações de estímulo a atos
violentos, firmou pé na intolerância aos católicos, dizendo que o objetivo da marcha foi
“demonstrar, publicamente, que os seguidores da Igreja Universal Cultuam o Deus vivo
e não fazem celebrações ao Senhor Morto”.
Outra agressão ocorreu na capital carioca, em janeiro de 1999, nos festejos do dia
do padroeiro da cidade, São Sebastião. Durante a celebração de missa na Catedral
Metropolitana, “um grupo de pessoas, vestido de calça preta e camisa branca, roupas
normalmente usadas por seminaristas católicos”472 infiltrou-se despercebido entre os
presentes para “distribuir panfletos ironizando a conduta dos católicos reverenciando São
Sebastião, em especial condenando o uso da imagem de santos”. A Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República supunha que a ação coubera a membros da
IURD, lembrando que durante o Natal de 1998 publicações oficiais da Igreja traziam
inúmeras agressões às “tradições católicas”, prenunciando “uma onda de provocações”,
na qual se encaixava o recente incidente.
Conforme o IBGE, ainda que se mantenha como a maior Igreja no Brasil, a
expansão da membresia católica entre 1991 e 2000 mal acompanhou o crescimento
vegetativo da população, havendo inclusive decréscimo de números totais entre 1991 e
2010 (TABELA 137 - População residente, por religião, [2010?]).

471
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus -
Dossiê. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.89004476. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/89004476/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_89004476_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 mar. 20201.
472
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.CCC.990021611. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021611/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021611_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.
364

6.2 – Aspectos da religiosidade popular brasileira

Por mais que os fatores sociais, políticos e econômicos da expansão de religiões


estrangeiras não possam ser desprezados, Rolim (1995, p. 147) sublinha que a análise
desse fenômeno não pode focar-se apenas no universo laico, sob pena de se compreender
somente parcialmente o que é “um fenômeno especificamente religioso”. Seria também
preciso, portanto, olhar para o “crente em sua visão religiosa do mundo” e “enquanto
sujeito inserido na história”. Também sob o ponto de vista materialista histórico, que nesta
tese não renega o peso da cultura na conformação do mundo social, tal subjetividade não
pode ser desconsiderada para o entendimento integral do processo de adesão da classe
trabalhadora a tais formas religiosas, nascidas no exterior, porém reelaboradas e
adaptadas à nossa realidade.
Homem de fé além de sociólogo, Rolim teve a sensibilidade de listar alguns
elementos da religiosidade popular brasileira que teriam facilitado a releitura local dessas
práticas, referindo-se especificamente ao pentecostalismo.
Em primeiro lugar, haveria no Brasil uma preexistente “privatização” (ROLIM,
1995, p. 148) da religião, estimulada pela devoção católica aos santos, abrindo amplos
espaços de liberdade para a adoração individual dessas divindades. Tal fato motivaria,
por sua vez, práticas sincréticas, heterodoxas, onde curandeiros e rezadeiras seriam
procurados com maior frequência do que aos próprios padres. Essa ênfase no “poder do
santo”, que não deixa de se relacionar também ao poder de Deus, seria, da mesma forma,
facilmente traduzível na crença no poder do espírito santo, pilar teológico pentecostal.
Com uma vantagem adicional, entretanto: agora passaria o devoto a contar com um
ambiente de culto coletivo473 muito mais acolhedor e participativo, permitindo a vazão de
uma “avalanche de sentimentos” reprimida pelo “controle institucional católico”. Embora
Rolim (1995, p. 149) sustente que a frieza das cerimônias católicas, predominante no
passado, tenha sido amenizada nas décadas finais do século XX, permaneceriam, aqui e
ali, encontros apenas ritualísticos, onde “não se sente uma aragem de comunicação” entre
sacerdotes e público. O espaço de devoção católico, assim, contrastaria com o pentecostal,
onde “todos se tratam como pessoas conhecidas, cumprimentando-se espontaneamente
sem precisar de o pastor pedir”, e onde mesmo os recém-chegados são “tratados com

473
Rolim (1995, p. 148) destaca o insucesso do catolicismo tradicional em proporcionar espaços públicos
de adoração, ali circunscritos ao batismo, ao matrimônio e à missa de sétimo dia.
365

simpatia”, recebendo “tratamento de irmão” num culto que “é produzido por todos e não
assistido pela maioria”.
Também impressionado com a facilidade do alastramento pentecostal na América
Latina, Dreher (2017, p. 472) supõe que grande parte desse sucesso se relacione com as
“raízes negras do movimento”, impressas desde a gênese na Los Angeles de princípios
do século XX. Delas proveriam “sua liturgia oral, a participação de todos na reflexão, na
oração pública e nas decisões”, ingredientes formadores de uma “espiritualidade de
reconciliação”, reconfortante sobretudo para grupos sociais excluídos. Simultaneamente,
do “fato de que o pentecostalismo surgiu em uma igreja negra de periferia, assumindo a
tradição oral da cultura negra” (DREHER, 2017, p. 476) decorreria a sua maior difusão
em países com menor tradição literária em comparação com a oral, para o estudioso traço
comum na Latino-América. Concordando com Rolim (1994), Dreher (2017, p. 483)
chega inclusive a compreender o pentecostalismo ao sul do continente como um
movimento de “renovação da religião popular”, “grande herdeiro dos valores e práticas
da cultura popular católica”, uma espécie de “catolicismo popular de substituição”
abraçado pelo “povo simples” em resposta à denegação de sua religiosidade pelo
catolicismo oficial e protestantismo histórico.

7 – Conclusão

Vimos, assim, que a integração do Brasil à nova configuração global capitalista,


erigida após a Segunda Guerra Mundial sob os auspícios da emergente potência norte-
americana, desencadeando um processo de integração econômica subalterna e de
acelerada urbanização e pauperização da classe trabalhadora, foi um importante motor da
expansão de organizações religiosas conservadoras provenientes daquele país após a
década de 1950. A precariedade de vida de vastos contingentes, apertados em periferias
com insuficientes estruturas de bem estar social, fomentou mazelas do corpo e da mente
para as quais o culto pentecostal oferece soluções concretas, como estruturas comunitárias
de apoio; o reforço da autoestima, dizendo dotar seus praticantes com os poderes do
espírito santo; e o redirecionamento para o espaço domiciliar de recursos financeiros e de
energias antes dispensados no mundo dos prazeres, interditado por um estrito código
comportamental. Não é fortuita, assim, a implantação das novas igrejas sobretudo em
366

áreas periféricas urbanas, onde o potencial de recrutamento de adeptos, logo percebeu-se,


era muito maior.
No que diz respeito aos impulsos estritamente religiosos, a nova fé combina-se
com sucesso às expectativas da população, já apegada às “soluções mágicas”,
componentes do culto pentecostal, em sua devoção aos santos milagreiros, rezadeiras e
simpatias. No mais, foram as novas religiões capazes de prover espaços rituais muito mais
acolhedores, destoando grandemente do distante e tépido culto católico tradicional.
Outros importantes impulsores foram o rádio, numa primeira etapa, e a televisão,
na segunda, maximizando o alcance da mensagem religiosa de forma sem precedentes.
Assim, todas as novas organizações de fé com grande sucesso no Brasil pós-1950
recorrerão a esses meios para a assegurar bases de avanço duradouras.
Após meados da década de 1970, com a plena modernização tecnológica e
econômica de um Brasil já majoritariamente urbano, não apenas os meios eletrônicos de
divulgação passarão a ter importância incrementada, mas também germinarão no interior
da classe trabalhadora novos impulsos aos quais essas religiões procurarão endereçar.
Trata-se do acesso ao consumo, propagandeado fartamente pelas telas de TV mas
precariamente atendido por parcas remunerações, entrando a Teologia da Prosperidade,
tônica de muitas organizações implantadas neste momento e transbordando também para
outras igrejas já estabelecidas, como remédio para corações aflitos pela privação material.
Segundo Chesnut (1997, p. 67), o grande chamariz pentecostal foi a
instrumentalização da religião para o atendimento de necessidades práticas do
trabalhador. O próprio estudioso, entretanto, nota que este não é componente exclusivo
do pentecostalismo, acontecendo o mesmo com a umbanda e o catolicismo popular
brasileiro. Sendo assim, como explicar o arranque pentecostal em nossas terras muitas
vezes com prejuízo para as outras duas religiões? Para além da mencionada frieza do culto
católico, as razões elencadas pelo historiador são as mesmas que usa para explicar a
atração pentecostal sobre os pobres: os efeitos benéficos do estrito código moral, que
desestimula o emprego de recursos monetários e de energia em prazeres dissipadores,
quesito ausente tanto nas religiões afro-brasileiras como no catolicismo, e a contínua
investidura dos dons benéficos do espírito santo após o batismo (CHESNUT, 1997, p. 71,
72).
Não estou certo, todavia, de que essas razões sejam suficientes para explicar a
presente hegemonia pentecostal. Para além dos fatores devocionais descritos por Rolim,
367

alguns outros, que certamente operaram para a construção desse quadro, são mencionados
em outras partes do próprio estudo de Chesnut (1997, p. 75, 77).
O primeiro deles seria a militância impetuosa na conquista de novos seguidores,
sem paralelo na umbanda e no catolicismo, como no caso de visitadoras, que circulam
por hospitais apresentando aos enfermos as possibilidades da cura espiritual, e das
campanhas de evangelização em espaços públicos ou “porta a porta”. Conhecedores dos
dilemas de seu público, os pentecostais da IURD, por exemplo, distribuem panfletos
oferecendo soluções para “vício, finanças, desemprego, doença, nervosismo, depressão
ou brigas familiares” (CHESNUT, 1997, p. 78). O segundo seria o estímulo estrangeiro
à implantação e disseminação desta fé por todo o mundo, constituindo-se, sem dúvida,
numa grande vantagem pentecostal em nosso “mercado de almas”. Um terceiro trunfo
seria o persuasivo e de longo alcance proselitismo radiofônico e televisivo, inovação
importada e da qual as religiões afro-brasileiras estão excluídas, ainda que os católicos
ali encontrem algum espaço. Por fim, uma quarta vantagem, a ser discutida no próximo
capítulo, foi o apoio que essas organizações receberam do Estado brasileiro para sua
implantação e disseminação ao longo da segunda metade do século XX.
368

CAPÍTULO 8
Indutores políticos da expansão do Partido da Fé Capitalista no Brasil

1 – Introdução

Se a formação de uma vasta população urbana pauperizada foi importante fator


endógeno no desenrolar do fenômeno aqui estudado, não menos fundamental foi o papel
indutor do Estado brasileiro, no rastro da abertura cultural e econômica aos Estados
Unidos, líder ocidental emergente após a Segunda Guerra Mundial. Processo que
redundou também na recepção de levas crescentes de missionários, cujos projetos
religiosos, bem como seus frutos geridos por brasileiros, foram frequentemente
estimulados e protegidos por ele. Se esta foi uma tendência constante na segunda metade
do século, foi durante a ditadura de 1964 que a cooperação com agremiações religiosas
conservadoras, muitas das quais estrangeiras, atingiu seu grau mais intenso. Tendo como
pano de fundo atritos com progressistas evangélicos e sobretudo católicos, que atingem
nas décadas de 1960 até 1980 bastante influência no contexto latino-americano, os
militares voltaram seus olhos persecutórios para clérigos politicamente engajados,
praticantes da Teologia da Libertação, envolvidos nas Comunidades Eclesiásticas de Base
ou críticos da política indigenista oficial. Por outro lado, a mão amiga do regime passou
a afagar líderes pentecostais, organizações missionárias norte-americanas e religiosos
conservadores de um modo geral, mais dispostos a contribuir para a sua sustentação
ideológica.
Este capítulo será dedicado à análise das relações das organizações representantes
do Partido da Fé Capitalista no Brasil com o nosso Estado restrito, que, conforme
veremos, foram caracterizadas pela cooperação e por esforços de infiltração destas
organizações no tecido burocrático oficial.

2 – O clero progressista e a Teologia da Libertação sob a mira estatal

Um exercício interessante para dimensionar a diferença do tratamento conferido


pelo Estado brasileiro, sobretudo durante o regime de 1964, a católicos e evangélicos é a
pesquisa no fundo do Serviço Nacional de Informações - SNI, órgão central do sistema
369

de inteligência e repressão ativo de 1964 até 1990, disponibilizado no banco de dados


SIAN do Arquivo Nacional e constituído por 212.846 documentos. Ali, se inserirmos os
termos “católico”, “clero progressista”, “Teologia da Libertação”, “evangélico”,
“protestante” e “pentecostal”, a pesquisa retornará 3.019 registros para o primeiro termo,
2.957 para o segundo, 1.387 para o terceiro, 1.165 para o quarto, 930 para o quinto e
apenas 239 para o sexto. Considerando os três primeiros como pertencentes a um mesmo
grupo, teremos 7.373 documentos, enquanto o segundo grupo conta com apenas 2.334
registros. Ou seja, o montante de documentos referentes a católicos e outros religiosos
progressistas é aproximadamente 316% maior que o que diz respeito a evangélicos. Mas,
como a análise quantitativa não conta a história toda, é indispensável a leitura desses
papéis, que em sua maioria relatam que, enquanto o Serviço se preocupava em espionar
e tecer duras críticas ao grupo progressista/católico, grande parte dos registros relativos
aos evangélicos estampa um significativo “nada consta” ideológico. A distinção feita
pelos órgãos de vigilância e repressão entre católicos e evangélicos, e entre esses últimos
sobretudo os evangélicos estrangeiros ou a eles ligados, que aparecerá de forma recorrente
neste capítulo, é exemplificada por documento formulado pelo SNI intitulado
Comportamento das Editoras e Livrarias Católicas e Protestantes. Ali, apura-se a grande
frequência de obras referidas à Teologia da Libertação nas lojas sob controle católico,
enquanto nas evangélicas a norma era “não se encontrar livros políticos ou de cunho
ideológico. Toda a sua literatura é destinada a evangelização” 474 (SIC). Isto porque, “no
próprio meio evangélico não se comenta ou se discute “Teologia da Libertação”, pois isso
nada significa para os “crentes”’.
Isso não quer dizer, porém, que o progressismo religioso estivesse apenas entre os
católicos. Significativas porções evangélicas se posicionaram à esquerda do espectro
político durante o período coberto por este trabalho, como demonstrou, por exemplo, o
historiador Zózimo Trabuco (2015) em sua tese “À direita de Deus, à esquerda do povo”:
Protestantismos, esquerdas e minorias em tempos de ditadura e democracia (1974-1994).
Ao mesmo tempo, ao contrário do que imaginava o SNI, a própria Teologia da Libertação
não deixou de encontrar guarida entre os não católicos. Conforme informam Fábio Py de
Murta Almeida e Antonio Pedlowski (2018, p. 243), setores luteranos, após a década de

474
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Comportamento das Editoras e Livrarias
Catolicas e Protestantes. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.88014528.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/OOO/88014528/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_OOO_88014528_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.
370

1960, por exemplo, baseavam sua atividade política na vertente evangélica dessa
Teologia, por sua vez influenciada pela “Teologia da Revolução”, concebida pelo
presbiteriano Richard Shaull e difundida em grande parte pelo seminário teológico de São
Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Com passagens pelo Seminário Teológico da Igreja
Presbiteriana do Brasil em Campinas - SP e pela Universidade de Princeton, Shaull foi o
“grande pensador teológico” (DREHER, 2017, p. 479-480) do ISAL – Igreja e Sociedade
na América Latina, movimento baseado em Montevidéu no interior do qual aconteceram
prolíficos debates sobre a Teologia da Libertação e os laços de dependência da América
Latina frente aos Estados Unidos. Um dos seus principais trabalhos foi o livro As
Transformações Profundas à Luz de uma Teologia Evangélica, publicado em 1966, onde
procurou interpretar, partindo do evangelho, “as tendências revolucionárias na América
Latina”. Outros expoentes da Teologia da Libertação evangélica, segundo Dreher (2017,
p. 480), foram Emilio Castro, Júlio de Santa Ana, José Miguez Bonino e Rubem A. Alves.
Também nas lutas campesinas a presença evangélicos teve destaque,
especialmente nas décadas de 1970, 1980 e 1990 (ALMEIDA, F. e PEDLOWSKI, 2018,
p. 234-239). As CEBs no oeste do Paraná e em outras partes do Sul, por exemplo, teriam
sido organizadas sobretudo por religiosos reunidos em torno da Igreja Evangélica da
Confissão Luterana no Brasil - IECLB. Muitos deles, inclusive, trabalhando lado a lado
com católicos, chegaram a ocupar cargos na Comissão Pastoral da Terra, cujo
ecumenismo já foi destacado na Parte I. Foi o caso de Gernote Kirinus, Werner Fucks,
Inácio Lemke e Sergio Sauer.
Evangélicos participaram também da concepção daquele que viria a se tornar o
maior movimento de trabalhadores rurais brasileiros em tempos recentes, o Movimento
dos Trabalhadores Rurais sem Terra - MST. Em seus momentos embrionários, em finais
da década de 1970 e início da de 1980, destacam-se Gernote Kirinus e Werner Fuchs, que
ministraram cursos de formação política, prestaram assessoria e promoveram inúmeros
debates sobre a Reforma Agrária em acampamentos, presentes também “nos debates e
nas reuniões que levaram à oficialização do MST” (ALMEIDA, F. e PEDLOWSKI, 2018,
p. 241). Já Milton Schwantes teria desempenhado importante papel na formação política
dos primeiros membros do MST por via do periódico Palavra na Vida (PNV), editado
pelo Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (Cebi). No mais, evangélicos teriam também
ajudado na costura das inúmeras porções do movimento, dispersas pelo país, auxiliando
a sua unificação desde o Sul até o Nordeste e a Amazônia (ALMEIDA, F. e
PEDLOWSKI, 2018, p. 241-242). Além deles, outros luteranos, como Leonildo Gaede,
371

Roberto Zwesth, Silvio Meinke, Carlos Arthur Dreher, e Gunter Wolff, teriam importante
papel na organização do campesinato em torno das lutas pela posse da terra. Almeida e
Pedlowski (2018, p. 244) chegam mesmo a visualizá-los como “intelectuais orgânicos”
do proletariado rural, ou seja, “sujeitos diretamente ligados a uma classe social,
responsabilizando-se pela construção do projeto da classe a que se vincularam (ou
atuando junto aos movimentos sociais)”.
Não surpreende, portanto, que, conforme mostra a documentação, setores
evangélicos também tenham sido alvo da vigilância estatal, ainda que em menor grau.
Em janeiro de 1983, por exemplo, a Superintendência Regional no Estado do Paraná do
Departamento de Polícia Federal formulou o relatório475 Atuação das Igrejas
Protestantes, onde destacava a adesão de alguns setores “à denominada linha
progressista”, com destaque para as igrejas Metodista, Anglicana, Luterana e
Presbiteriana Independente. Mencionava-se especialmente as atividades dos sacerdotes
Almir dos Santos, anglicano, e Ari Knebelkamp, luterano, na cidade de Londrina. O
reverendo Almir patrocinava desde 1978 encontros de jovens anglicanos no Paraná, São
Paulo e Mato Grosso do Sul, enfatizando sua mais recente edição, o II Encontro de Jovens
da Igreja Episcopal do Brasil, “estudos de problemas sociais brasileiros”. Também sob os
seus auspícios, a Igreja Anglicana fazia desde 1982 “um trabalho de catequese infantil,
tendo como objetivo a “educação libertadora”’. Não bastasse, dizia a Polícia, o reverendo,
ao lado do marista Teófilo Bacha Filho, protagonizou ato religioso durante um Dia
Nacional de Luta, realizado pelo Diretório Central de Estudantes da Fundação
Universidade Estadual de Londrina - FUEL em agosto de 1977. Esteve também na
primeira reunião do Comitê em Defesa dos Estudantes e Docentes, organizada contra atos
tidos como arbitrários da Reitoria da FUEL em dezembro de 1978, “que contou com a
presença de vários esquerdistas locais”. Santos tivera a petulância, ainda, de se posicionar
publicamente a favor da Constituinte em artigo publicado pela Folha de Londrina em
outubro de 1980, declarando que ela “Servirá para pôr fim a este estado de transição, que
por sinal já dura muito tempo - e está dando para desconfiar...”. O luterano Ari
Knebelkamp, por seu turno, recebeu atenção da Polícia ao declarar “que acha desumano

475
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia Federal. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB ZD.0.0.0015A.0007.d0004. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_zd/br_dfanbsb_zd_0/br_dfanbsb_zd_0_0/br_
dfanbsb_zd_0_0_0015a/br_dfanbsb_zd_0_0_0015a_0007/br_dfanbsb_zd_0_0_0015a_0007_d0004.pdf>.
Acesso em: 15 mar. 2021.
372

não deixar claro aos migrantes (agricultores que foram levados para Rondônia por
colonizadoras e projetos de colonização do INCRA) “as dificuldades e as imensas
barreiras que terão de enfrentar”’. Reparava-se também que a Igreja Luterana da cidade
de Cascavel, em 1983, faria ações conjuntas com a Comissão Pastoral da Terra e com o
Movimento dos Agricultores sem Terra do Oeste do Paraná. Já quanto aos metodistas, foi
registrado que uma das moções aprovadas no XIV Concílio Regional da Igreja, dizendo
respeito ao “problema da violência nos presídios brasileiros”, seria encaminhada ao
ministro da Justiça pedindo providências, e que outra, a ser enviada para a Polícia
Rodoviária e o DETRAN, revelava preocupação com o “gravíssimo” problema social da
precariedade do transporte de trabalhadores rurais “boias frias” na região.
Não se pode esquecer, também, a significativa adesão de setores católicos
brasileiros ao programa conservador foco deste trabalho. É inquestionável, por exemplo,
a contribuição de vasta porção desta Igreja ao movimento que desembocou no golpe de
1964. Ao mesmo tempo, o engajamento social do catolicismo, consubstanciado na sua
versão da Teologia da Libertação e nas Comunidades Eclesiais de Base, na visão de
alguns analistas (LÖWY, 2008, p. 1), permaneceria circunscrito à periferia da instituição
católica, conseguindo apenas ocasionalmente atingir a cúpula, por exemplo ao se fazer
ouvir em Conferências Episcopais no Brasil. Leonilde Servolo de Medeiros (1989, p.
111), por sua vez, enfatiza que iniciativas católicas em favor da justiça social no campo,
como as CEBs476 e a Comissão Pastoral da Terra - CPT477, partiam de setores detentores
de uma “concepção sobre a relação fé e vida que não era necessariamente compartilhada
pela Igreja como um todo”.
Sintomático deste fato, em telefonema de 2007 ao cônsul geral norte-americano,
um dos mais importantes dirigentes católicos do país, o cardeal Odilo Pedro Scherer,
comunica que a “Teologia da Libertação perdeu alguma de sua força e significado nos
recentes anos e não causa mais um sério problema”478. Ainda em 2007, o líder católico
aparece em documentação do Consulado Geral dos Estados Unidos em São Paulo que
relatava a sua recente promoção a arcebispo. Ali, notava-se que Scherer fazia parte de

476
Medeiros (1989, p. 113) as qualifica como “eixo de organização dos trabalhadores” situado na base da
CPT. Já Michel Löwy (2008, p. 1) ressalta a conexão da Teologia da Libertação com as CEBs, concebidas
como um novo tipo de Igreja, alicerçada sobretudo na vida comunitária e apresentando-se assim como
alternativa ao individualismo capitalista.
477
Criada em 1975, Medeiros (1989, p. 111) destaca o trabalho de assessoria prestado pela CPT aos
trabalhadores rurais em luta pelo avanço da reforma fundiária.
478
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Sao Paulo’s Archbishop on Social Issues. Canonical
ID: 07SAOPAULO855_a. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/07SAOPAULO855_a.html>. Acesso em: 11 jan. 2020.
373

“uma nova geração de bispos católicos brasileiros que, sob a influência do Papa João
Paulo II, ajudou a reduzir a influência da Teologia da Libertação na Igreja brasileira” 479.
Cabe mencionar, também, a história de Joseph Kiyonaga, agente da CIA
destacado para o Brasil em princípios dos anos 1960, levantada por Vicente Gil da Silva
(2020, p. 178-180). Dedicado a recrutar membros da classe dominante para a luta
anticomunista coordenada a partir dos Estados Unidos, conforme sua esposa, Bina Cady
Kiyonaga, a Igreja Católica recebera especial atenção do espião. Ali, teria importância
vital o “padre “Marco”’480, dono de mandato parlamentar na Câmara federal, que
mantinha Joseph “a par do que acontecia no Congresso brasileiro” (SILVA, Vicente,
2020, p. 181). O norte-americano travaria, ainda, contatos frequentes com outro padre-
agente, de nome desconhecido, mas que seria ligado à liderança do Partido Comunista
Brasileiro - PCB em São Paulo. Outro funcionário da CIA em ação no Brasil, Tim Hogan,
a cargo da organização de fazendeiros e grupos sindicais, também indicou a Igreja
Católica como importante ponto de sustentação de suas ações (SILVA, Vicente, 2020, p.
183).
A parceria entre a CIA e integrantes do clero católico era também frutífera na
interferência em eleições. Nas de 1962, por exemplo, procurou-se recrutar padres
dispostos a “participar de operações da agência durante o processo eleitoral” (SILVA,
Vicente, 2020, p. 647). O arcebispo de Goiás, Dom Fernando Gomes Santos, foi um que
manteve frequentes contatos com a CIA, através do agente Thomas J. Barrett Jr. Membro
da Aliança Eleitoral da Família - ALEF, organismo da CNBB voltado para influenciar
aquele pleito, Santos informou ao norte-americano que sua organização, além de valer-se
de estações de rádio, preparava-se para criar no interior do país escolas com programas
para orientação eleitoral (SILVA, Vicente, 2020, p. 648).
Não obstante, e sintomático da significativa influência que o grupo progressista
adquirira no interior desta igreja nas décadas de 1970 e 1980, a maioria da documentação
dos serviços de segurança e informação da ditadura de 64 indica os católicos como o
grupo a ser preferencialmente vigiado. Em maio de 1975, por exemplo, o SNI investigava
as ações do padre Renato Roque Barth, que acabara de instalar uma Comunidade Eclesial
de Base na cidade mato-grossense de Diamantino. Aqui, o juízo feito pelos militares é

479
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Sao Paulo Gets New Archbishop. Canonical ID:
07SAOPAULO250_a. Disponível em: <https:// WikiLeaks.org/plusd/cables/07SAOPAULO250_a.html>.
Acesso em: 17 dez. 2020.
480
Esta pesquisa, entretanto, não foi capaz de verificar a identidade do Padre “Marco”, podendo ser este
apenas um codinome.
374

exemplar do posicionamento do Estado ditatorial sobre o chamado “clero progressista” 481


e as CEBs, ilustrando a grande desconfiança com a Igreja Católica brasileira, que se
julgava sob controle progressista. Adepto da Teologia da Libertação e “radicalmente
contra o capitalismo”, Barth abrira sua CEB num “bairro pobre da cidade”, onde
pretenderia realizar uma obra “comunizante” que poderia “servir de incentivo à formação
de grupos subversivos ou para a formação de uma força de pressão contra o Regime
Político de nosso País”. A finalidade das CEBs na ótica do regime, portanto, não seria
outra além de doutrinar “para a vida “comunitária”, em auxílio à subversão e ao
comunismo”.
Em mais um documento, dessa vez de maio de 1978, o SNI punha em comparação
as antagônicas porções católicas conservadoras e progressistas. Enquanto a primeira seria
mantenedora da “linha original, conforme ensinada por Jesus Cristo” 482, postulando que
a prioridade humana é a procura do Reino de Deus, os progressistas, por outro lado,
apregoariam “a necessidade de soluções sociais para o mundo moderno”, mais
preocupados com isso do que “com a sua missão de salvar almas”. Tensionavam as
estruturas católicas ao reinterpretar o evangelho, assim “propiciando a infiltração de
cunho marxista, no seio do clero”. Para tanto, “não hesitam em atacar e difamar a estrutura
político-econômico-social do governo, estimulando o descontentamento, a tensão social
e a luta de classes”.
A vigilância do clero progressista, entretanto, não parou com o fim do regime.
Papel483 do Centro de Informações do Exército, de dezembro de 1988 e assinado pelo
general de brigada Tamoyo Pereira das Neves, traz 66 páginas com informações sobre as
atividades da esquerda religiosa por todo o país. Dizia-se que seus últimos esforços se
concentraram nas eleições municipais de novembro de 1988, quando religiosos teriam
distribuído cartilhas com “claro e incontestes textos socialistas”, propagando a “luta de

481
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Renato Roque de Barth Padre
Comunidades Eclesiais de Base. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.MMM.81001994.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/MMM/81001994/BR_D
FANBSB_V8_MIC_GNC_MMM_81001994_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 mar. 20201.
482
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades Religiosas na Area 119Z.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.7811188. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/78111881/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_78111881_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2021.
483
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Religioso SE143 AC. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.89072051. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/89072051/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_89072051_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2021.
375

classes” e a crítica a todos os partidos, “à exceção do Partido dos Trabalhadores”. Eram


destacadas também grandes marchas com trabalhadores rurais, como a 3ª Romaria da
Terra do Maranhão, que mostrava “o avanço do trabalho de conscientização da massa
rural na região”, esclarecendo “por que os problemas de invasão de terras recrudescem
na área, tornando mais radicais os conflitos e confrontos entre invasores e proprietários”.
Já a IV Romaria da Terra do Ceará, que teve como lema “Libertar a Terra, Conquistar a
Vida”, agregara oito mil romeiros ao lado de representantes de CEBs, da Pastoral
Operária, do Movimento de Solidariedade Latino-Americana e do Partido dos
Trabalhadores. O Conselho Mundial de Igrejas - CMI, por sua vez, tido como reduto
progressista, “vem praticando intensa politização do país, acobertado por uma assistência
material aos necessitados e carentes”, enquanto o Conselho Latino-Americano de Igrejas
- CLAI, que também estaria tomado de praticantes da Teologia da Libertação, procurava,
“em nome de um pretenso “ecumenismo”’, cooptar correntes evangélicas, sobretudo “o
ramo pentecostalista”. Em tom alarmista, concluía o general Tamoyo que os religiosos
progressistas tiveram grande sucesso em seus planos, traduzido em muitas vitórias nas
eleições municipais de novembro do Partido dos Trabalhadores, “seu braço político”. No
último parágrafo, uma delirante ode à paranoia, o documento asseverava que “os
“progressistas” pretendem, no mais curto prazo, chegar ao poder e implantar o
“socialismo teocrático” no País”. Para alívio do general, contudo, no mesmo ano de 1988
a Renovação Carismática Católica, com o apoio do Vaticano, inicia um agressivo e
milionário projeto evangelizador que, este sim em curto prazo, minaria a influência
esquerdista na Igreja Católica brasileira, conforme veremos.
A Teologia da Libertação e seus postulantes eram também uma grande pedra em
sapatos norte-americanos, sendo tema comum, por exemplo, em papéis da Central
Intelligence Agency – CIA. Chama atenção, aqui, a semelhança entre o enfoque dado pela
Agency e o dos órgãos do Estado restrito brasileiro.
Além dos múltiplos fóruns de discussão abordados na Parte I, parecem ter sido
importantes norteadores da política externa norte-americana no que concerne a questão
religiosa na América Latina os relatórios Rockefeller e Santa Fé. Eles são objeto do texto
confidencial do SNI de setembro de 1982 denominado “Os Estados Unidos Contra as
Igrejas da América Latina”484. Apresentado em 1968 a Richard Nixon pelo

484
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Os Estados Unidos Contra as Igrejas na
America Latina. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.82006975. Disponível em:
376

megaempresário e vice-presidente norte-americano entre 1974 e 1977, Nelson A.


Rockefeller, entre outras coisas, o Relatório Rockefeller “constatava o perigo que o
engajamento dos cristãos latino-americanos representa para os interesses dos Estados
Unidos”. O SNI mostrara grande interesse pelo documento numa “Apreciação”485
confidencial de novembro de 1969 que sintetizou algumas de suas principais
recomendações, formulando outras. Tendo como núcleo a ideia de que a “ameaça
comunista”, com “potencial alarmante”, era um risco para a segurança continental, a
sugestão que mais interessou ao órgão de inteligência brasileiro foi a fundação “de um
Conselho de Segurança do Hemisfério, sob direção civil e sediado fora dos EUA,
substituindo o Comitê Especial Consultivo Sobre Segurança da OEA”. Admitindo a
“necessidade de coordenação e apoio mútuo entre as nações americanas, em sua luta
contra o inimigo comum”, refletia o Serviço, desconfiado da sedução da “propaganda
comunista”, que a tal “direção civil” não convinha, pelo menos num momento inicial,
pois “são os militares, na AL, os que possuem mais nítida consciência sobre o problema
subversivo”. Outro entrave era antecipado: os atritos que poderiam advir da escolha de
sua sede, que não deveria se fiar por critérios de “projeção nacional ou liderança
continental”, convindo a “seleção em um país de menor desenvolvimento relativo”, uma
vez que o comando seria terceirizado pelos Estados Unidos, que manteriam apenas “uma
política de apoio à semelhança da aplicada pela URSS e pela China no Sudeste Asiático,
Oriente Médio, etc.”. Assim, a “luta contra a Guerra Revolucionária comunista deverá
prosseguir descentralizadamente, como problema interno de cada nação”, o que
sublinharia “a necessidade de urgência na formação e funcionamento do Conselho de
Segurança do hemisfério, para o efeito da adoção de medidas de apoio mútuo e
cooperação entre as nações latino-americanas”. O documento do SNI tem importância
multiplicada se considerarmos que, de fato, um programa de “apoio mútuo e cooperação”
entre militares latino-americanos contra a dissidência política seria implantado poucos
anos depois, com o apoio do secretário de Estado de Richard Nixon, Henry Kissinger,
mas já sob o governo de Gerald Ford, num país de menor “desenvolvimento” em

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/82006975/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_82006975_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 mar. 20201.
485
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Relatório Rockefeller. A Subversão
Comunista e a Segurança do Hemisferio. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.69008956. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/69008956/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_69008956_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2021.
377

comparação com o Brasil ou a Argentina. Falo da Operação Condor, coordenada a partir


do Chile desde 1975.
Já o Relatório Santa Fé - Uma Nova Política Interamericana para os Anos 80,
publicado em maio de 1980 por um grupo de intelectuais conservadores 486 em busca de
“orientar a política do futuro presidente dos Estados Unidos em relação à América
Latina”, advogava que a política externa dos EUA “deve começar a enfrentar (e não
simplesmente reagir (“à posteriori”) à Teologia da Libertação”. Indicando a centralidade
da religião para a manutenção da “liberdade política” ao Sul, lamentavam os norte-
americanos que “as forças marxistas-leninistas têm a usado a Igreja como arma política
contra a propriedade privada e o sistema capitalista de produção, infiltrando a comunidade
religiosa de ideias mais comunistas que cristãs”. Quadro que demandaria dos Estados
Unidos a prática de uma política “que promova a segurança norte-americana e ibero-
americana, baseada na independência nacional mútua e na dependência interamericana,
que promova o desenvolvimento econômico e político autônomos, fundados sobre nossa
herança cultural e religiosa” (SANTA Fé Confidencial, 1981, p. 24).
Alguns anos depois, viria à tona o Relatório Santa Fé II - Uma Estratégia para a
América Latina nos anos 90, traçado em agosto de 1988 pelo mesmo grupo de intelectuais
que elaborara o documento precedente, mas agora para o governo Bush. Manifestando
Alarme com a crescente organização da esquerda latino-americana, além de aventar para
o Brasil a necessidade de uma intervenção militar em caso de vitória da esquerda nas
eleições presidenciais de 1989, o escrito voltava à carga contra o clero progressista. Peça
de uma máquina ideológica que precisaria ser combatida nos meios de comunicação, nas
igrejas, escolas e Universidades, maiores pontos de inserção da campanha comunista.
Apontando Antonio Gramsci como a inspiração dessa ofensiva cultural, que tinha na
Teologia da Libertação um dos seus tentáculos, segundo o texto a esquerda teria sucedido
em forjar uma ligação artificial entre valores nacionais e regimes estatistas. Seu segundo
passo, previsto para os anos 1990, seria a preservação do processo democrático, paralela
a um reforço do estatismo e à elevação de novos valores culturais sobre a economia.
Contribuindo para a submissão do corpo social a esse estatismo, a Teologia da Libertação
seria componente de um esforço para reinterpretar as artes e o restante do mundo da

486
Eram eles Roger W. Fontaine, que viria a ser conselheiro de Ronald Reagan para assuntos latino-
americanos; o general Gordon Summer, chefe do Conselho de Segurança Nacional; L. Francis Bouchez,
David C. Jordan, Lewis Tabs e Ronald F. Docksai. O papel foi formulado para o laboratório de ideias
privado Conselho de Segurança Interamericana Inc., em Washington, DC.
378

produção simbólica a fim de pôr em ação uma “indústria da conscientização” 487. Não
passaria ela, portanto, de “uma doutrina política disfarçada de crença religiosa, que tem
um significado contra o Papa e contra a livre empresa, a fim de debilitar a independência
da sociedade ante o controle estatista”.
Rolim (1994, p. 141-142) destacou a importância desses escritos como base para
uma política externa norte-americana hostil à Teologia da Libertação e seus
simpatizantes, acrescentando que à formulação dos documentos Santa Fé I e II teria
precedido um “Plano Banzer”, em alusão ao ditador Hugo Banzer Suárez, elaborado na
Bolívia em 1975 mas sobre o qual não entrega maiores detalhes. Em sua ótica, todas essas
iniciativas partiriam do pressuposto de que a Igreja Católica deixara de ser um aliado
confiável, recomendando-se portanto uma “campanha intensiva de difusão das igrejas
evangélicas conservadoras”, ataques aos religiosos de esquerda e estratégias para dividir
e cooptar as hierarquias eclesiásticas.
Refletindo muitas disposições presentes nesses documentos, os arquivos da CIA,
malgrado a sua política de disponibilização restritiva, estão repletos de informações sobre
o olhar norte-americano para os religiosos progressistas latino-americanos. O relatório
secreto Liberation Theology: Religion, Reform, and Revolution488 (Teologia da
Libertação: Religião, Reforma e Revolução), formulado em abril de 1986, sintetiza os
debates ocorridos no interior de uma conferência realizada no outono de 1985 pela
Diretoria de Inteligência (atualmente conhecida como Diretoria de Análises), órgão da
CIA responsável por fornecer informações sobre segurança nacional aos altos escalões
do governo norte-americano. Propunha-se o evento a “explorar a conexão entre a
Teologia da Libertação e o crescimento da instabilidade política no Terceiro Mundo”,
sendo de “particular preocupação” o seu uso deliberado por grupos marxistas com o fim
de “promover mudanças revolucionárias”. Surgindo como um grande movimento político
em finais da década de 1960, ao se mostrar “abertamente anti-ocidental”, identificando
“os Estados Unidos e o capitalismo como os principais responsáveis pelo
empobrecimento do Terceiro Mundo”, a Teologia impulsionaria “movimentos

487
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Altamiro Pires Borges, em
Vitoria ES. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.90019563. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/90019563/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_90019563_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.
488
CENTRAL INTELIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Liberation Theology: Religion,
Reform, and Revolution. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP97R00694R000600050001-9. Disponível em:
<https://www.cia.gov/library/readingroom/document/cia-rdp97r00694r000600050001-9>. Acesso em: 15
abr. 2020.
379

reformistas radicais” em países como Nicarágua, Guatemala, El Salvador, Chile e Brasil.


Acreditava-se, portanto, que ela “tem sido uma significativa força de transformação,
sobretudo porque promove mudanças socioeconômicas através de ações políticas de
movimentos de base”, unindo o marxismo com o cristianismo, “duas poderosas forças
simbólicas”. Tratava-se, assim, de uma “grande ameaça aos interesses dos Estados
Unidos ao prover solo fértil para a exploração Comunista”, cujo aspecto “mais ameaçador
para a estabilidade política do Terceiro Mundo” seria “a orientação para o ativismo dos
seus praticantes que incentivam os oprimidos a buscarem uma vida justa agora - não no
além-vida - e o uso de violência para atingir esta meta”. Especialmente interessante nesta
passagem é a ênfase na proposta de se buscar justiça no aqui e agora e não numa outra
vida, justamente o contrário, como vimos, pregado por muitas organizações religiosas
norte-americanas, como as pentecostais. Outro dado notável, entretanto, é a indicação de
que aproximadamente a metade dos praticantes da Teologia da Libertação na América
Latina seriam clérigos estrangeiros, sobretudo vindos da América do Norte e Europa,
ilustrando a intensidade e abrangência das lutas que aconteciam no meio religioso.
Especificamente sobre o Brasil, o relatório para a América Latina de outubro de
1985 bate novamente na tecla da esquerdização da igreja católica, “um movimento
evidente desde que os militares tomaram o controle do país” 489
, mas que estaria se
acelerando no governo Sarney. De novo lançando olhos sobre as CEBs, a CIA destaca
que o clero progressista tivera grande sucesso em “organizar os pobres em grupos de ação
política”, sobretudo no Nordeste e nas zonas industriais de São Paulo, mobilizando-os no
“apoio ao pequeno mas radical Partido dos Trabalhadores”. O clero progressista, sob a
liderança dos cardeais Ivo e Aloisio Lorscheider e do presidente da CNBB Paulo Evaristo
Arns, conseguira, “a partir de meados da década de 60”, “transformar uma outrora passiva
igreja numa ativista”.
Outro relatório490 secreto, de novembro de 1985, para a América Latina falava da
aproximação de Fidel Castro com os praticantes da Teologia da Libertação, segundo a
Agency uma manobra para projetar uma falsa imagem de tolerância religiosa enquanto

489
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Latin America Review.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP87T00289R000200910001-7. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87t00289r000200910001-7>. Acesso em: 11 mar.
2021.
490
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Latin America Review.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP87T00289R000200940001-4. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87t00289r000200940001-4>. Acesso em: 11 mar.
2021.
380

estes últimos procurariam facilitar a penetração de interesses cubanos na América Latina.


Campanha impulsionada pelo lançamento em princípios dos anos 1980 do livro Fidel e a
Religião, com entrevistas do líder cubano ao padre brasileiro Frei Betto, “admirador de
longa data de Castro” que teria “levado suas crenças religiosas da teoria para a prática ao
auxiliar terroristas brasileiros durante os anos 60”.
O Brasil também foi assunto do mencionado relatório Liberation Theology:
Religion, Reform, and Revolution (Teologia da Libertação: Religião, Reforma e
Revolução) de 1986, onde as Comunidades Eclesiais de Base surgem retratadas como a
tradução para “ação social”491 dos preceitos da Teologia da Libertação através da “Igreja
Popular”. No contexto da nossa redemocratização, dizia a Agency que as CEBs já se
contariam entre 70 e 100 mil unidades, com grande apelo “nos subúrbios industriais”,
disseminadas por uma Igreja que “tornou-se crescentemente liberal, esquerdista, e
politicamente ativa”, redobrando sua militância política com o fim do regime ditatorial.
Aqui, destaco outro dado inquietante, a menção aos “subúrbios industriais” como campo
preferencial de penetração das CEBs, justamente as áreas mais visadas pelas organizações
pentecostais, conforme vimos no capítulo 7. Voltando ao documento, incomodava à CIA
o crescente envolvimento dos católicos brasileiros “no apoio à Reforma Agrária, à
agitação dos trabalhadores, e à organização política”, observando que, segundo reportado
pela embaixada norte-americana, “seguidores católicos e padres estão expandindo seus
laços com o pequeno - porém extremista - Partido dos Trabalhadores e sindicatos afiliados
baseados em São Paulo”.
Já o relatório para a América Latina de julho de 1986 alertava que “a maioria dos
membros politicamente ativos”492 das CEBs eram vinculados ao Partido dos
Trabalhadores e ao PDT, de Leonel Brizola, temendo-se sobretudo a influência de facções
“Marxista-Leninistas e Trotskistas” no interior do primeiro. Exercendo uma “influência
desproporcional ao seu tamanho”, “bem organizados, dedicados e comprometidos
ideologicamente”, causava preocupação os integrantes do Partido Revolucionário
Comunista, “a maior e mais ativa facção Marxista-leninista”, então comandada pelo

491
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Liberation Theology: Religion,
Reform, and Revolution. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP97R00694R000600050001-9. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp97r00694r000600050001-9>. Acesso em: 11 mar. 2021.
492
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Latin America Review.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP87T00289R000301570001-3. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87t00289r000301570001-3>. Acesso em: 11 mar.
2021.
381

recém-eleito deputado federal José Genoino. Na redemocratização, alertava a CIA que os


padres esquerdistas começavam a estabelecer novos partidos, além do PT, uma tentativa
de “eleger candidatos em muitas cidades nas eleições majoritárias de Novembro,
esperando atrair o apoio de eleitores moderados avessos ao Partido dos Trabalhadores”493.
A Agency acreditava, enfim, que “a influência esquerdista na Igreja Católica
Brasileira continuará a se expandir durante os próximos anos no recentemente aberto
clima político”, projetando que “líderes religiosos esquerdistas continuarão pressionando
para a Reforma Agrária enquanto também denunciam outras questões como a política dos
Estados Unidos para a América Central”. Os norte-americanos mostravam-se, também,
descrentes quanto aos movimentos “de prelados conservadores apoiados pelo Vaticano”
surtirem grande efeito, uma vez que a ala direitista seria “muito pequena e isolada” no
Brasil. Estavam errados, pois não tardaria para movimentos reacionários católicos
tomarem de assalto o meio político-religioso brasileiro, superando as CEBs e o clero
progressista tanto na hierarquia católica como na esfera partidária. Partilhando dos
mesmos temores, evangélicos conservadores também empreenderiam ações coordenadas
para multiplicar a sua presença nos nossos meios partidários.

3 – Organizações religiosas conservadoras e o Estado brasileiro na segunda metade


do século XX

Mesmo antes do golpe de 1964 a documentação mostra a boa vontade do Estado


brasileiro para com organizações religiosas conservadoras estrangeiras, por exemplo os
grupos missionários que se instalaram na Amazônia com crescente ímpeto após meados
do século XX. A ofensiva direitista destravada com o golpe de Estado de 1964, entretanto,
intensifica essa preferência. Conforme Antônio Gouvêa de Mendonça (2006, p. 106), a
ala evangélica conservadora buscou cercear “todo o pensamento e ação que pudessem
engajar a Igreja nos interesses de mudança política e estrutural”, apesar do progressismo
ter resistido, concentrado aqui e ali. O decênio viu, assim, o fim da Confederação

493
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Latin America Review.
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP87T00289R000200910001-7. Central Intelligence
Agency – CIA. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp87t00289r000200910001-7>. Acesso em: 11 mar. 2021.
382

Evangélica do Brasil494, expurgos de seminários, repressão às associações leigas de


juventude e, agora de acordo com José Silva Adroaldo de Almeida (2016, p. 57),
perseguições em diversas denominações, sobretudo na presbiteriana, que, ao lado dos
batistas e outros grupos evangélicos, aderiu abertamente ao regime.
Neste panorama, várias organizações religiosas estrangeiras se perfilarão ao lado
da ditadura numa relação sinérgica que envolvia de um lado a legitimação ideológica do
governo frente ao público religioso e, de outro, auxílios financeiros para a expansão e
consolidação dessas igrejas e a tolerância a ilegalidades e práticas abusivas
provavelmente perpetradas por algumas delas. Durante a redemocratização, da mesma
forma, esses grêmios atiram-se à disputa partidária, a fim de reforçar estruturas
conservadoras em risco com a retirada do regime autoritário e preservar sua influência
sobre os destinos do país.
Para além das igrejas, grande número de órgãos missionários estrangeiros passou
a operar aqui, também com o favor estatal. Expressando o nexo capital-imperialista entre
Brasil e Estados Unidos, eles foram acolhidos sobretudo por razões referentes ao
alinhamento político, econômico e ideológico entre os dois países, tais como o interesse
em diluir a influência da ala religiosa progressista e a prevalência de uma concepção
civilizatória que via as vastidões amazônicas, habitadas por povos isolados, como espaços
a serem domados e plenamente inseridos no universo das relações de produção
capitalistas.
Vejamos agora como se saíram neste contexto alguns dos principais
representantes brasileiros do Partido da Fé Capitalista.

3.1 – A Assembleia de Deus

494
Instituída em 1934 com a participação de membros das igrejas Congregacional Presbiteriana do Brasil,
Presbiteriana Independente, Metodista e Luterana, então as maiores denominações não católicas por aqui,
a Confederação Evangélica do Brasil foi uma das primeiras tentativas de criação de um movimento
ecumênico no país. Após 1950, tendo absorvido inovações teológicas que buscavam atualizar o
protestantismo, reinterpretando os ideais da Reforma no contexto dos problemas da atualidade, a CEB, a
partir do seu Departamento de Ação Social e do Setor de Responsabilidade Social, passou a promover
conferências e reflexões que punham em questão o papel social da Igreja. Passa então a receber forte
oposição de “grupos conservadores fundamentalistas” (CUNHA, 2011, p. 122), contrários ao modernismo
teológico, com sua interpretação crítica da Bíblia, e de parcela da alta hierarquia religiosa avessa à proposta
de maior envolvimento social da Igreja. A crise se agudiza com a associação destes segmentos àqueles à
frente da ditadura instaurada em 1964, intensificando a perseguição e a censura aos membros da CEB e
suas atividades. Como decorrência, ela definha até ser totalmente esvaziada ainda na década de 1960.
383

O caso da Assembleia de Deus é o que melhor ilustra a intenção da nossa


burocracia estatal em fortalecer a posição de igrejas conservadoras. Falo aqui da aliança
firmada em 1968 entre a igreja e a ditadura implantada quatro anos antes. Tendo estudado
os arquivos da Assembleia de Deus em Belém, Andrew Chesnut (1997, p. 40-41) é
enfático ao creditar o crescimento astronômico pentecostal nos anos 1960 e 1970 à relação
amistosa com o Estado restrito, quando “um clima político favorável criado pelo regime
militar e seu embate com o catolicismo fortificou o pentecostalismo”, com o qual foi
firmada uma “aliança tácita” contra “inimigos comuns”. Segundo os dados colhidos pelo
pesquisador, a ditadura, sobretudo através do ministro-coronel Jarbas Passarinho,
transferiu vultosas somas para a Assembleia em troca de votos e manifestações de apoio,
conclusões que a documentação do Estado ditatorial brasileiro me permitem confirmar.
O apoio da Assembleia, contudo, prestado já nos primeiros momentos do golpe
de Estado de 1964, prescindia de pagamento. Constatou Chesnut (1997, p. 148) que em
editoriais de periódicos oficiais e em mensagens à cúpula golpista 495 a Assembleia de
Deus comemorou efusivamente a derrota do comunismo pagão, tendo da mesma forma
pregado contra os movimentos populares no Brasil pré-golpe, vistos através de sua
escatologia como sinais de um apocalipse que se iniciaria com a tomada de poder pelo
comunismo. A retórica anticomunista, recorrente entre as organizações religiosas
fecundadas nos Estados Unidos, conforme temos visto ao longo deste trabalho, figurava
regularmente na imprensa assembleiana, que a exemplo do alardeado por evangélicos em
todo o mundo frisava sem parar o risco socialista para a liberdade religiosa.
Mas se a postura pró-golpe da liderança da Assembleia de Deus é inequívoca, o
mesmo não pode ser dito dos setores inferiores. Documento confidencial de maio de 1976
encontrado nos arquivos do Serviço Nacional de Informações, por exemplo, conta a
história de Jesuíno da Silva Lima, pastor da Assembleia de Deus em de Rio Grande - RS.
Jesuíno, “durante os dias da Revolução, falou em nome dos Pastores e lançou um
manifesto pelos jornais, de apoio ao governo deposto”, tendo ainda pedido a seus colegas

495
Segundo Chesnut (1997, p. 148), nos momentos que consolidaram o golpe de Estado, o presidente da
Assembleia de Deus de Belém, Alcebíades Vasconcelos, enviara telegrama congratulando o general Castelo
Branco, que o respondeu com palavras gentis.
384

que “metessem fogo” 496, isto é, organizassem os “Grupos de Onze”’497. O pastor teria
também “mantido correspondência” com Leonel Brizola após o golpe.
De todo modo, diante do progressivo distanciamento da CNBB, expresso por
exemplo pela denúncia dos crimes cometidos pelo Estado contra populações rurais
amazônicas, o regime aproximou-se de várias lideranças da Assembleia de Deus. Em
Belém, por exemplo, a partir de Jarbas Passarinho, que ocupando a cadeira de ministro
da Educação não teve dificuldades para transferir recursos sob a forma de subvenção
social a projetos educacionais, foi construído um sistema de canalização de verbas que
passava pelo governador do Pará, Alacid Nunes, e pelo assembleiano, deputado federal
pela ARENA, Antonio Teixeira. Por via deste circuito, a partir de 1968 e até o final do
regime, a igreja foi agraciada com generosas ajudas financeiras, favores políticos e
holofotes, fornecendo como contrapartida “votos, apoio ideológico, e legitimação divina
ao projeto autoritário” (CHESNUT, 1997, p. 150).
O grande aumento de concessões de verbas públicas para a Assembleia de Deus,
sobretudo endereçadas a seus projetos educacionais, é confirmado pelos papéis do Estado
restrito, não apenas na região amazônica, mas em diferentes pontos do país, sem limitar-
se também ao Executivo federal. Seguem apenas alguns exemplos dos muitos indícios de
favorecimento ali encontrados.
Relação das prestações de contas do estado de Pernambuco, até 1964 governado
pelo adversário Miguel Arraes, substituído à força em abril daquele ano por Paulo Pessoa
Guerra, do PSD e logo depois ARENA, mostra que nos anos de 1960, 1961, 1962 e 1963
não houve nenhuma transferência de valores para projetos da Assembleia de Deus.
Contudo, já em 1964 vemos a quantia de 40 mil cruzeiros novos fornecida para o
“Educandário Assembléia de Deus” 498; em 1967 nova doação para o mesmo educandário,
desta vez somando duzentos cruzeiros novos; em 1968 de quinhentos e em 1969 o mesmo
valor, mas desta vez endereçado para a própria Igreja “Assembléia de Deus”.

496
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Jesuino da Silva Lima. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.84009070. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/84009070/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_84009070_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2021.
497
Os Grupos dos Onze eram células de onze militantes, distribuídas por todo o país, criadas em 1963 pelo
então deputado federal Leonel Brizola para organizar campanhas em favor das reformas de base.
498
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem título. Código de Referência: BR
DFANBSB 1M.0.0.3464. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/3464/BR_DFANBSB_1M_0_0
_3464_d0011de0041.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2021.
385

Dossiê da Comissão Geral de Investigações499 datado de 1972 apurou denúncias


de perseguição à funcionária da prefeitura de Cariacica - ES, Maria do Carmo Reis da
Silva, pelo prefeito Aldo Alves Prudêncio (MDB), feitas por seu marido, Lino Pinto da
Silva. Em depoimento à subcomissão do Espírito Santo da CGI, este último diz que uma
das ameaças foi a retirada de auxílio concedido pela prefeitura para a construção de um
templo da Assembleia de Deus. Segundo o depoente, à frente da construção do templo
estava seu sogro, o pastor João Januário, que “com vultosa colaboração das duas últimas
administrações municipais” 500 vinha erguendo um templo com capacidade para receber
mil adeptos. Se nos fiarmos nas palavras do queixoso, essa grande ajuda partiu do ex-
prefeito, Vicente Santório Fantini, da governista ARENA.
Em 1977, outro caso de favorecimento. Documento do Gabinete Pessoal do
Presidente da República traz carta do vereador Jailson Lopes de Moura, de Turvânia -
GO, agradecendo Ernesto Geisel pela concessão de cem mil cruzeiros para a construção
da “Escola “Pentecostal Assembléia de Deus” 501. Confirmando as alegações de Chesnut,
válidas portanto também para o estado Goiás, indica o vereador o Ministério da Educação
- MEC, em 1977 já sob os cuidados não mais de Passarinho, mas de Ney Braga, como a
origem da verba.
Os registros da Assembleia de Deus em Belém, investigados por Chesnut (1997,
p. 151), contam que as transferências de recursos federais eram frequentemente seguidas
de exortações de obediência ao regime e homenagens aos seus cabeças pelo pastor-
presidente, Paulo Machado. Em julho de 1971, por exemplo, este pregara que “os crentes
devem respeitar as autoridades governamentais”, propondo “um dia de jejum e rezas pelos
líderes locais e nacionais”, e em setembro do mesmo ano instruiu sua membresia a “rezar
constantemente pelas autoridades para que elas consigam governar em paz”.
Dividida em diferentes “ministérios” autônomos, as relações amenas da
Assembleia de Deus em Belém com a ditadura, detectadas por Chesnut, parecem ter sido
compartilhadas por suas outras seções nacionais, envolvendo não apenas o Executivo

499
A CGI foi um órgão criado por decreto de setembro de 1968 no interior do Ministério da Justiça. Sua
meta era a investigação de casos de corrupção em todos os níveis do Poder Executivo.
500
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem título. Código de Referência: BR
DFANBSB 1M.0.0.7185. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/7185/BR_DFANBSB_1M_0_0
_7185_d0012de0012.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2021.
501
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.10. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0010/BR_DFANBSB_JF_E
BG_0_0010_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2021.
386

federal, mas também os poderes locais. Pelo menos é o que indicam os arquivos do
Gabinete Pessoal do Presidente da República, que trazem frequentes congratulações aos
ditadores empossados pelo movimento de 1964. Uma série de cartas502 destinas a Ernesto
Geisel entre abril e maio de 1974, por ocasião de sua posse, mostra entusiasmados votos
de apoio de membros da Assembleia de Deus em todo o país.
Paulo Leivas Macalão, presidente da importante divisão de Madureira, comunicou
em telegrama que ministros de vários estados reunidos na convenção anual que ocorria
no bairro carioca enviavam seus cumprimentos, preces e desejo de sucesso ao novo
presidente. O pastor Sebastião Vieira de Souza, presidente da Assembleia de Deus na
Zona da Mata de Minas Gerais, da mesma forma, pedindo que fossem aceitos os votos
“deste que muito vos admira”, parabenizava Geisel em nome de “toda a Igreja Evangélica
Assembléia de Deus” da região, acrescentando que seus membros teriam jejuado e rezado
pelo “bom êxito” do novo presidente, “certos de que Deus escolheu V. Excia para esta
importante missão”. Moisés Marques da Silva, pastor em Arari - Maranhão, por sua vez,
desculpava-se por não ter escrito antes para repetir os mesmos salamaleques.
Assegurando que não o fizera por “indeferência”, dizia ter convocado sua igreja para “um
culto em ação de graça, e interceção” (SIC) em favor do governante.
Não circunscritas a ocasiões especiais, como a posse presidencial, a troca de
gentilezas prosseguiu no ano seguinte, quando Etuvino Adiers, diretor do jornal A Voz
Pentecostal em Porto Alegre, vinculado à seção de Madureira, encaminhou a Geisel um
exemplar do folhetim, que acabara de ser lançado na capital gaúcha. Em sua carta, o
religioso falava das incertezas que envolveram o lançamento do periódico, aliviadas
apenas pela constatação “que Deus, servindo-se do Governo da Revolução de Março, do
qual Vossa Excia. é o mais firme esteio, está abençoando nosso querido Brasil e já
podemos entrever o raio glorioso dum futuro promissor” 503.
Em novembro de 1975 foi a vez de Abigail Carlos de Almeida, pastor presidente
da Assembleia de Deus em Ceres, Goiás, escrever504 a Geisel comunicando o aniversário

502
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.60. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0060/BR_DFANBSB_JF_E
BG_0_0060_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.
503
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.172. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_jf/ebg/0/0172/br_dfanbsb_jf_ebg_0_0172_d
0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.
504
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.231. Disponível em:
387

de um dia nacional de oração e jejum ali iniciado em 15 de novembro de 1963. Segundo


o pastor, naquela data “os evangélicos do Brasil se uniram em oração. Orando com
lágrimas, derramaram sua alma diante do Senhor, clamaram ao céu para que nossa pátria
não caísse em mãos comunistas, e Deus nos ouviu nossas orações com a vitória de 31 de
março de 1964” (SIC). Desde então a igreja de Ceres vinha observando esse dia, para “a
redenção espiritual do Brasil”.
Em 1979 Paulo Leivas Macalão posta outros dois telegramas, desta vez destinados
a João Figueiredo. Novamente, transmitia-se ao mandatário de fato cumprimentos e
desejos de sucesso, o primeiro de sua parte e de “ministros evangélicos” 505 de vários
estados, reunidos entre abril e maio na Convenção Anual em Madureira, e o segundo dos
congregados no bairro paulistano do Brás para Convenção Regional da Igreja em julho
do mesmo ano, repetindo este último gesto em outro telegrama506 de 1982. Parecendo ter
como hábito informar o Executivo dos eventos importantes de sua Igreja, Macalão
escreve507 para Figueiredo novamente em abril de 1980, contando sobre a instalação da
XXIII Convenção Nacional dos Ministros Evangélicos da Assembleia de Deus em
Madureira e Igrejas Filiadas. Aproveitava, mais uma vez, para protestar sua solidariedade
“ao governo de vossa excelência augurando benção de Deus e pleno êxito”.
Também no Mato Grosso do Sul a parceria entre a Assembleia de Deus e o Estado
restrito parece ter rendido proveitosos frutos. Informação confidencial redigida pelo
Serviço Nacional de Informações, em julho de 1982, dá conta da realização do Congresso
Nacional de Mocidades das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus de Mato Grosso,
“com a colaboração do Governo do Mato Grosso do Sul, da Assembléia Legislativa/MS
508
e da Prefeitura Municipal de Campo Grande/MS” . Mandava no estado naquele

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0231/BR_DFANBSB_JF_E
BG_0_0231_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 20201.
505
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.109. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0109/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0109_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.
506
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.120. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0120/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0120_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.
507
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.256. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0256/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0256_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.
508
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Congresso Nacional de Mocidades das
Igrejas Evangelicas Assembleias de Deus de Mato Grosso. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.MMM.82002758. Disponível em:
388

momento Pedro Pedrossian, governador biônico nomeado por João Figueiredo e


vinculado ao partido governista PDS, sendo prefeito de Campo Grande Heráclito de
Figueiredo, também do PDS e nomeado por Figueiredo. De cunho profundamente
moralista, o evento pretendia remediar religiosamente problemas como “prostituição,
vícios, crimes, suicídios, roubos e muitos outros males”, obras de Satanás, que “trabalha
dia e noite destruindo lares, semeando o ódio, discórdia, tristeza e oprimindo vidas”.
Em 28 de janeiro de 1983 o pastor Calé Rodrigues Gomes informou João
Figueiredo sobre um importante acontecimento no que tange a organização nacional da
igreja. Tratava-se da eleição de Manoel Ferreira para presidente da Convenção Geral das
Assembleias de Deus no Brasil, um “fato histórico”509 que o alçaria à condição de
‘“Maxima Persona” entre as Assembléias de Deus em todo o território nacional”,
conferindo alguma unidade institucional à fragmentada igreja, então dividida em trinta
convenções estaduais e interestaduais. Estando o acontecimento “dentro de sua jurisdição
política”, o pastor sugeria ao presidente de fato que seria de “bom alvitre homenageá-lo
em solenidade pública, com toda cobertura publicitária”, o que facilitaria o trabalho de
Figueiredo “em todo o Brasil”.
A relação colaborativa entre a Assembleia de Deus e a ditadura chegou mesmo,
segundo Chesnut (1997, p. 150), a compreender o recrutamento de pentecostais para os
quadros do Exército, enfatizando Paulo Machado publicamente a obrigação da juventude
em prestar o “dever patriótico” do serviço militar. Relação que prosseguiu na primeira
metade da década de 1980, estimulada pela contínua animosidade católica, ilustrada pela
transferência em 1982, novamente arranjada por Jarbas Passarinho, de verba da
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM para o abrigo para idosos
Etelvina Bloise. Transação que foi seguida da doação de altas somas do governo do estado
do Pará para a construção do Templo Central da Assembleia de Deus em Belém
(CHESNUT, 1997, p. 153).
A afinidade de muitos líderes assembleianos com o Estado autoritário prosseguiu
após a redemocratização, aflorando em atitudes como a do presidente Paulo Machado,
que em 1985 frequentou a Escola Superior de Guerra (CHESNUT, 1997, p. 152), a

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/MMM/82002758/BR_D
FANBSB_V8_MIC_GNC_MMM_82002758_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2021.
509
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.276. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0276/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0276_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.
389

exemplo do que fizeram o batista Nilson Fanini e o presbiteriano Guilhermino Cunha,


além de alguns deputados evangélicos eleitos em 1986 (FRESTON, 1993, p. 158).
Por muitos anos confortável sob as asas do regime, a transição para o regime
democrático foi certamente um momento de tensão para a Assembleia de Deus.
Apreensão que transparece em carta de setembro de 1982 do pastor Valdir de Araújo, de
Mutuá, bairro da cidade fluminense de São Gonçalo. Após alguns parágrafos
apologéticos, onde declara ser o Brasil um país abençoado, “uma casa, sem guerras
internas” 510, que, “como manda a lei dos homens e a lei de Deus”, tem seu líder, sendo
que “v. Excia foi escolhido por Deus, para tal”, Araújo revela a motivação do escrito.
Manifestava o pastor seu medo de perder a liberdade de “pregar o maravilhoso Evangelho
de Jesus Cristo” com a iminente realização das eleições para governadores de estados em
15 de novembro daquele ano, a primeira pelo voto direto desde o princípio da ditadura.
Causava intranquilidade a possibilidade de que mudasse, “direta ou indiretamente, o
regime de vida e de governo em nosso querido Brasil”, pois “os inimigos de nosso país,
tentam através, da gente humilde, do povo pobre, que sabemos, é a maioria, desvirtuar a
mente destas pessoas, para uma mudança completa e radical em tudo” (SIC). Ciente das
dificuldades que enfrentavam os trabalhadores, que ansiavam apenas por “um pedaço de
pão maior” e que não podiam mais pagar o preço da gasolina, Araújo temia que “inimigos
da pátria” tirassem proveito do desespero popular, suplicando que Figueiredo estendesse
“seu olhar e sua mão democrática, para a família pobre, para o operário, para o lavrador”
(SIC). Afinal, “Povo satisfeito, não quer mudanças, nem inovações” (SIC).
A inevitável derrocada da ditadura, contudo, demandou a criação de novos pontos
de conexão entre a Assembleia de Deus e o Estado restrito, o que foi conseguido em curto
espaço de tempo. Formando uma crescente representação parlamentar (a Assembleia de
Deus elegeu a maioria dos deputados federais que em 1987 criaram o embrião da Frente
Parlamentar Evangélica), a influente igreja também não teve dificuldade em tecer
relações colaborativas com mandatários conservadores eleitos democraticamente.
Visando assegurar que sua influência no governo permaneceria intocada, decidiu
uma convenção de líderes assembleianos reunidos em Brasília em abril de 1985 lançar
candidatos oficiais para a eleição legislativa de 1986 (CHESNUT, 1997, p. 154). A

510
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.103. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0103/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0103_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2021.
390

campanha foi largamente anunciada pelo jornal Estandarte Evangélico, através de


bordões como “evangélico vota em evangélico” e exortações para que a membresia
elegesse irmãos de fé, ao invés de “candidatos mundanos, espiritistas, homossexuais,
católicos e comunistas” (CHESNUT, 1997, p. 154). A partir de então, a presença estatal
se garantiria mais pelo seu grande poder de transferência de votos do que da oposição
católica, nesta altura reconciliada com o Estado. Sobre essa transferência, pesquisa
realizada em 1982511 aferiu que 85% dos adeptos da igreja em Belém depositaram seus
votos na ARENA, obedecendo orientações do presidente Paulo Machado, exprimindo
frequentemente a opinião que o MDB era um antro diabólico de comunistas (CHESNUT,
1997, p. 157).
Também pode ser lido como sintomático do projeto de garantir a permanência
assembleiana no interior do Estado restrito documento formulado na 27ª Convenção das
Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus, em janeiro de 1985. Ali, adeptos de todo o país
reivindicavam a Tancredo Neves, cuja posse como presidente da República se
aproximava, espaços para que a igreja participasse “das capelanias nas Forças Armadas,
nos hospitais, nos presídios, e em outros órgãos que necessitem de maior assistência
espiritual”512.
A partir de 1987 a Assembleia de Belém viu no novo governador paraense, o
presbiteriano Hélio Gueiros, do PMDB, outra importante oportunidade de conexão.
Segundo Chesnut (1997, p. 157), as atas da igreja mostram que Gueiros foi também um
grande dispensador de recursos, presenteando seus aliados com toneladas de alimentos
para seminários, um piano e um órgão, além de lhes emprestar automóveis da SUDAM,
doações ilegais que o estudioso denuncia terem sido camufladas pelos contadores da
Assembleia de Deus. A exemplo do ocorrido no período militar, a organização não deixou

511
Trata-se da dissertação de mestrado de Richard Pace defendida em 1983 na Universidade da Flórida
denominada The Churches of Poverty: Religion’s Role in Distributing Aid in a Shantytown of Belém (As
Igrejas da Pobreza: o papel da religião na distribuição de auxílio numa comunidade pobre de Belém). Esta
tese não obteve acesso ao trabalho, fiando-se nas informações repassadas por Chesnut. Sendo assim, não
foi possível determinar qual eleição é abordada pela pesquisa. Possivelmente a de 1978, uma vez que após
1979, com a volta do regime político multipartidário, a ARENA Passou a chamar-se PDS. Esta hipótese é
reforçada pelo fato do partido oposicionista ser mencionado como MDB e não PMDB, nome que a legenda
ostentava na eleição de 1982. É possível, também, que se trate de fato das eleições de 1982 e que tenha
passado despercebido por Chesnut a mudança de nomenclatura dos dois partidos.
512
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Convenção Geral das Igrejas Evangelicas
Assembleias de Deus em Anapolis GO. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.85009756. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/85009756/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_85009756_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.
391

de retribuir tais favores, mostrando as suas atas que, pouco após o recebimento das
benesses, Paulo Machado organizou eventos em homenagem ao governador,
“comemorado como o melhor que o estado jamais tivera” (CHESNUT, 1997, p. 158). Da
mesma forma, o prefeito Fernando Coutinho Jorge, do PMDB, eleito em 1985, teria
fornecido vastos fundos para a construção do Templo Central da Assembleia, ajuda
arranjada pelo vereador Sebastião Bronze, presbítero da igreja.
Durante o governo de José Sarney, a Assembleia de Deus participará de
aproximações com o Executivo, trocando apoio pela direção da secretaria da
Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, caso que envolveu também
parlamentares da Igreja Universal do Reino de Deus e que veremos melhor adiante. Além
disso, toda a bancada evangélica, no interior da qual a Assembleia de Deus era maioria,
será beneficiada por transferências de verbas governamentais para a revitalização da
Confederação Evangélica do Brasil - CEB, em 1986 aparelhada por muitos dos pastores
desta bancada e que funcionará como articuladora das candidaturas evangélicas. Além
disso, teve amplo destaque na imprensa nacional a série de concessões daquele governo
para emissoras de rádio evangélicas, como vimos nos capítulos passados um dos
principais sustentáculos da expansão dessas igrejas. Tais fatos, porém, serão melhor
explorados no capítulo seguinte.
Nas eleições presidenciais de 1989, a exemplo de todas as igrejas pentecostais e
de boa parte das evangélicas, a Assembleia apoiara firmemente a candidatura de Fernando
Collor de Mello, em púlpitos e nas páginas do Estandarte Evangélico (CHESNUT, 1997,
p. 158). Chesnut (1997, p. 158) chega mesmo a falar numa “estratégia pentecostal para
eleger Collor” diante da iminente vitória de Lula, candidato do Partido dos Trabalhadores,
“um socialista e amigo da Igreja Católica progressista”. A queda de Collor, entretanto,
não parece ter sido um grande revés para a Igreja, que continuou a receber benesses
estatais sob Itamar Franco, cujo ministro das Comunicações, Hugo Napoleão, teria
facilitado a concessão para a Rádio Guarujá, comprada pela Assembleia em 1993
(CHESNUT, 1997, p. 156). Da mesma forma, a Igreja aproximou-se dos governos de
Fernando Henrique Cardoso, sendo os deputados assembleianos Benedito Domingos e
Salatiel Carvalho alguns dos mais envolvidos em sua reeleição em 1998. Já de Luiz Inácio
Lula da Silva, a Assembleia apenas se aproximou em seu segundo mandato, prestando
apoio a José Serra na eleição de 2002. A Igreja permaneceu, portanto, um importante ator
no âmbito do Estado restrito por toda a Nova República.
392

3.2 – A Igreja do Evangelho Quadrangular

Minha pesquisa documental não encontrou muitos indícios de favorecimento da


IEQ pelo regime de 1964. A cooperação entre ambos, no entanto, parece provável em
função da postura declaradamente anticomunista da Igreja, da sua presença precoce nos
meios partidários e de gestos como o do pastor Aroldo Pereira dos Santos, que em maio
de 1979 rendia homenagem ao governo ao convidar o delegado Adão Rosa, do DEOPS
daquele estado, para uma “concentração de fé”513 dedicada a “todos os Governos e
Autoridades Civis e Militares do Estado do Espírito Santo e da Nação Brasileira”. A
obediência aos governantes é inclusive uma questão doutrinária prevista em seus
estatutos, que dizem: “Cremos que os governadores devem ser respeitados em todos os
tempos”514, inserindo, porém, uma condição crucial que desobrigava a organização a
curvar-se, por exemplo, a dirigentes socialistas e a qualquer um que se supusesse manter
afinidades com estes: “exceto nas coisas opostas à vontade de Deus”.
Sobre o delegado amigo dos quadrangulares, a documentação traz outras
informações que sugerem papel de destaque na vigilância ao clero progressista. Em
relatório de julho de 1979, Adão Rosa informava ao superintendente de Investigações
Especiais, o capitão da Polícia Militar Sebastião Gonçalves Pereira, sobre missa na
Catedral de Vitória - ES, para onde deslocara agentes a fim de “detectar qualquer indicio
de agitação” 515 (SIC). Atendido por grande audiência, o evento fora organizado “em
“desagravo”’ a ações do governo do estado e conduzido pelo arcebispo João Batista da
Mota e Albuquerque, que tecera críticas a recentes atos do governador. No interior da
igreja, os homens de Rosa observaram “varias pessoas distribuindo panfletos e outros
cartazes e faixas” (SIC), comentando o delegado que o templo “nos pareceu mais diretorio
estudantil ou de propaganda politica com muita gente dialogando em grupos que mesmo
um Templo Religioso” (SIC). Além disso, notou-se na sacristia “movimentos e barulhos
de máquinas”, levando a crer que a impressão de panfletos era feita no interior da

513
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DES – Delegacia de Ordem Política e
Social do Espírito Santo. Delegacia de Ordem Política e Social do Espírito Santo. Código de Referência
BBR ESAPEES DES.0.MR.12.
514
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho Quadrangular Prece
Poderosa BA. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81021200. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/81021200/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81021200_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2021.
515
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DES – Delegacia de Ordem Política e
Social do Espírito Santo. Arquidiocese de Vitória. Código de Referência: BR ESAPEES DES.0.MR.4.
393

Catedral. Ali teria sido visto, também, “um cartaz com os dizeres: “Solidariedade ao povo
da Nicaragua”’ (SIC) exibindo um guerrilheiro empunhando fuzil. Após a missa, a
multidão partiu para a Assembleia Legislativa acompanhada de políticos locais, que
“atacaram frontalmente o Governo do Estado e o regime vigente”.
A IEQ se notabilizou também em seu pioneirismo partidário, sendo uma das
primeiras organizações pentecostais a eleger representantes para cargos públicos. O
pastor e presidente da Confederação Pentecostal do Brasil, Geraldino dos Santos, foi
eleito vereador na capital paulista em 1964 e deputado estadual em 1967. Autorizando-o
a concorrer no pleito municipal, a direção nacional da IEQ justificava a candidatura como
um atendimento “ao insistente apelo dos pentecostais”516, certa de que no exercício do
mandato o pastor “defenderá a obra evangélica e a nação da tirania comunista”, deixando
bem claro em que lado do espectro político a Igreja se colocava em tempos ditatoriais.
Já nos anos de redemocratização, a IEQ foi outra Igreja que empreendeu grandes
esforços eleitorais para abocanhar posições no Estado restrito. Conforme Freston (1993,
p. 211), reunida em convenção em 1985, a Igreja decide apresentar candidatos oficiais
para as vindouras eleições. A partir daí, elegeu para a Câmara Federal dois deputados em
1986, Mário de Oliveira (PMDB) e Jaime Paliarim (PTB), e reelegeu Mário de Oliveira
em 1990 e 1994, desta vez pelo PPB, e em 1998.
Nas eleições majoritárias, a IEQ tem se posicionado de maneira semelhante às
demais pentecostais, invariavelmente aproximando-se de candidatos conservadores. Em
1989, por exemplo, ainda que não tenha apoiado expressamente nenhum candidato no
primeiro turno, condenou “o voto em candidatos comprometidos com o “marxismo ateu”’
(FRESTON, p. 255), abraçando Fernando Collor de Mello com vigor no segundo turno.
Um dos seus principais nomes no Estado restrito, desde os anos 1980, é o pastor Guaracy
Batista da Silveira, atualmente ao PSL, que assumiu a função de senador em 2018, eleito
em 2014 para a suplência de Katia Abreu.

3.3 – A Igreja Pentecostal Brasil para Cristo

516
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 1M.0.0.6357. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/6357/BR_DFANBSB_1M_0_0
_6357_d0009de0018.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2021.
394

Ao longo das décadas de 1960 e 1970 Manoel de Mello, líder máximo da Brasil
para Cristo, ensaiou diversas aproximações com o clero progressista, tendo da mesma
forma se apresentado em mais de uma oportunidade como crítico do regime de 1964.
Segundo Leonildo Campos (1996, p. 88), entretanto, muitas dessas ações seriam mero
“jogo de cena”, “uma estratégia de marketing para vender a sua imagem e conseguir
recursos para a igreja”. A hipótese é sustentada pela documentação apenas em períodos
mais recentes, mostrando Manoel de Mello e sua Igreja, a partir dos anos 1980, com uma
postura simpática ao governo Figueiredo e alinhando-se com partidos conservadores.
Em outubro de 1982517, o deputado federal Airton Esteves Soares, líder do Partido
dos Trabalhadores na Câmara, denunciou Manoel de Melo ao Conselho Mundial de
Igrejas - CMI, órgão ecumênico naquela altura frequentado sobretudo pelo clero
progressista, por mobilizar sua Igreja em favor do partido governista PDS. A exemplo de
outras pentecostais, argumentava também o deputado que a Brasil para Cristo aderia à
campanha de agressão à Igreja Católica, organizando uma grande concentração no estádio
do Pacaembu em São Paulo contra as comemorações do dia de Nossa Senhora Aparecida.
A mão de Melo, de fato, parecia estender-se para a ditadura em março de 1982,
quando o religioso posta amistoso telegrama para o presidente de fato João Figueiredo.
Em nome da Igreja, Melo parabenizava o general “pela sua coragem e oportunidade” 518
em recente pronunciamento contra a obscenidade, manifestando que sua agremiação já
estava participando dessa “proclamada cruzada”, desejando que Deus guardasse vossa
excelência, família e governo “pelos quais estamos em oração”.
A inocuidade contestatória da Brasil para Cristo foi também atestada pela agência
de Curitiba do SNI em informe confidencial de abril de 1982. Examinando a Igreja de
forma geral e em específico sua atuação no Paraná, o Serviço era taxativo ao informar
que “Não foi detectado, até o momento, possíveis vinculações de caráter político-
ideológico dos membros da diretoria da Igreja. Também, não há registros negativos à
atuação da entidade e de seus membros diretores” 519. Em 1985, Melo é novamente citado

517
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Resenha Politica do Interior Paulista.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.82012946. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/82012946/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_82012946_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
518
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.83. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0083/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0083_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
519
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Evangelica Pentecostal o Brasil
para Cristo. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.82002543. Disponível em:
395

pelo SNI como um líder religioso crítico à Teologia da Libertação, tendo dito que ela
“não é fiel às Escrituras Sagradas, no plano transcendental”520.
Outro sintoma do alinhamento da Brasil para Cristo com forças politicamente
conservadoras, e com seus pares pentecostais reunidos na bancada evangélica, foi o
apoio521 fornecido pela Igreja a parlamentares dessa bancada nas eleições de 1986, como
o membro da Assembleia de Deus Matheus Iensen, eleito pelo PMDB do Paraná.

3.4 – A Igreja Pentecostal Deus é Amor

A respeito da Igreja de David Miranda, a documentação é escassa de indícios


sobre sua aproximação com o Estado restrito brasileiro para além do caso mencionado no
capítulo 1, sobre a concessão estatal para o funcionamento da Rádio Itaí. Ao mesmo
tempo, a exemplo da IURD, de cujo proselitismo a Deus é Amor se assemelhava bastante,
especialmente no que tange a ênfase na coleta de doações para serviços espirituais, a
Igreja sofreu constante vigilância dos órgãos de informação governamentais, que
frequentemente a viam sob o prisma da “exploração da fé popular”.
Sobre o caso da Rádio Itaí, a concessão para o seu funcionamento foi renovada
pelo período de dez anos em decreto522 presidencial de 9 de dezembro de 1983,
permitindo que continuasse emitindo ondas médias a partir da cidade de Guaíba no Rio
Grande do Sul. Nesse momento, entretanto, a rádio ainda não pertencia à Igreja, mas ao
general Edgar Salis Brasil e a Lorenzo Gabellini, tendo David Miranda a comprado deste
último em janeiro de 1984. De qualquer modo, a rádio permaneceu autorizada a funcionar
após a venda, conforme atesta dossiê do SNI que traz inúmeras denúncias contra a

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/82002543/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_82002543_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
520
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Principais Assuntos no Campo
Psicossocial em OUT 84. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.85016674.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/85016674/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_85016674_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
521
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatos Eleitos que Receberam o Apoio
da Igreja No Parana, SS14 ACT. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.87006992.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/87006992/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_87006992_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
522
ARQUIVO NACIONAL. Conselho de Segurança Nacional. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB N8.0.AGR, LGS.270. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_N8/0/AGR/LGS/0270/BR_DFANBSB_
N8_0_AGR_LGS_0270_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
396

agremiação e suas atividades radiofônicas. Após os locutores profissionais da Itaí serem


substituídos por pastores, o presidente do Sindicato dos Radialistas do Rio Grande do Sul,
Ciro Castilhos Machado, ainda em 1984, teria enviado documentos ao Ministério das
Comunicações indicando o “desvirtuamento acintoso dos princípios que regulam a
radiodifusão” 523, sem ter recebido qualquer resposta. O sindicalista acusava o governo de
facilitar as emissões da Deus é Amor, que para ele funcionariam de modo a “alienar o
povo, ao mesmo tempo em que auxiliam na transferência dos problemas concretos sociais
para o campo do espiritualismo”. Já o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio Grande
do Sul, Flávio Moura de Agosto, também prometia entrar com ação contra a Igreja junto
ao Departamento de Fiscalização do Exercício de Medicina, por causa dos seus programas
de cura espiritual. Para Agosto, tratava-se de um problema de “credibilidade” para com a
classe médica, questão que articulava com a conjuntura política mais ampla, alegando ser
essa uma “matéria-prima” em falta no Brasil naquele momento, escassez que “parte lá de
cima”. Sua fala, registrada em detalhes pelo SNI, prosseguia: “Há uns dez anos eu dizia
que a tendência era ninguém acreditar em mais nada, porque o povo não tinha meios de
participar e decidir os seus destinos. Com isto, não se sentia co-responsável por nada.
Então tudo degringola e reina o charlatanismo”.
O próprio Departamento Nacional de Telecomunicações - DENTEL tinha sérias
reservas à prática radiofônica da Deus é Amor. Seu assistente jurídico em Porto Alegre,
Luiz Carlos Santos Ferraz, considerava a programação da Rádio Itaí “discriminatória, por
se dirigir a apenas uma parcela do público, uma vez que o serviço de radiodifusão deve
ser estendido ao interesse de todo o público”. Ferraz externava também a preocupação do
DENTEL com as “soluções mágicas” oferecidas no ar. O SNI, por sua vez, concordava
haver indícios de atividades ilícitas nos programas da Deus é Amor, mas preocupava-se
principalmente com as declarações de religiosos progressistas, que tentavam imputar ao
governo a facilitação dessas atividades, sendo o aspecto de “maior repercussão e que
atinge frontalmente o Governo vigente” o fato de a autorização para o funcionamento da
Rádio Itaí ser “assinada pelo presidente da República”, dando fôlego às denúncias de
conluio. Em dezembro de 1984, em matéria do jornal Zero Hora anexa a outro dossiê do
SNI, Luiz Carlos Ferraz, lavava suas mãos sobre a aventada cassação da concessão da

523
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação da Igreja Pentecostal Deus E
Amor em Porto Alegre RS, Exploração da Credulidade Popular. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.GGG.84010295. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/84010295/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_84010295_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
397

Rádio Itaí, declarando que ela “será decidida em Brasília” 524. Passaria o caso para a
direção geral do DENTEL que, após ouvir as partes envolvidas, orientaria o departamento
regional para a cassação ou não da rádio.
A concessão presidencial, entretanto, não foi retirada e nem, tampouco, a Itaí se
privou de irradiar programas com curas espirituais, sendo multada pela Secretaria de
fazenda Saúde e Meio Ambiente do Rio Grande do Sul em março de 1985 pela promoção
de “métodos não reconhecidos pela ciência médica”525. A última informação sobre o caso
fornecida pela documentação figura em amplo relatório de maio de 1993 da Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República sobre os inúmeros percalços legais de
David Miranda e sua Igreja. Ali é dito que o procurador do pastor contestou a multa do
governo do Rio Grande do Sul, “alegando falta de competência jurídica daquela
Secretaria para aplicar multas, pois tal competência, segundo ele, pertencia ao Governo
Federal, como concessionário dos serviços de telecomunicações” 526.
A Rádio Itaí continua em funcionamento nos dias atuais, ainda sob a posse da
Igreja, tendo inclusive modificado seu nome para Rádio Itaí Deus é Amor.

3.5 – A Igreja Pentecostal de Nova Vida

Um dos principais pastores da Igreja Pentecostal de Nova Vida, Herbert Otavio


Pettersson, filho do missionário sueco assembleiano Aldor Petterson, tem uma história
interessante registrada pelos serviços de inteligência da ditadura de 1964, que mostra
como ele conseguiu travar contato com altos escalões do regime a fim de resolver
problemas burocráticos. Trata-se da compra da Rádio Relógio Federal pela Igreja em
finais de 1967.

524
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Irregularidades no Conteudo
Programatico da Radio Itai LTDA, Porto Alegre RS. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.GGG.85012529. Acesso em: 19 mar. 2021.
525
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confirmação de Multa a Radio Itai, por
Acordão do TJE. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.85012949. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/85012949/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_85012949_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
526
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB V8 MIC PTR DIT 0513. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/ptr/dit/0513/br_dfanbsb_v8_mic_ptr
_dit_0513_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
398

Documentos527528 secretos da Comissão Geral de Investigações, datados de


janeiro e março de 1968, revelam dificuldades para a regularização da concessão da rádio,
brecada por funcionários do Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL, que
exigiam propina para agilizar o processo. O pastor Pettersson se fez chegar ao almirante
Henry British Lins de Barros por intermédio de um certo Milton Parnes, que mantinha
escritório em prédio no número 417-A da Avenida Presidente Vargas, mesmo endereço
da Rádio Relógio, onde prestava trabalhos para a “Editora do Diário Israelita”. Segundo
Parnes, sua relação com o pastor começou quando ofereceu “graciosamente” uma sala
para o funcionamento provisório da Rádio, enquanto obras eram realizadas no estúdio em
que funcionava. Certo dia, o pastor, “muito indignado”, lhe informara sobre as
dificuldades que enfrentava com funcionários do CONTEL para revalidar um decreto
presidencial concedendo aumento de potência e mudança de programação para a rádio,
ao que Parnes prontamente acionou o almirante Henry British Lins de Barros, presidente
da Associação Brasileira de Telecomunicações. Não há detalhes sobre a relação entre
Parnes e o almirante, mas o documento sugere que o segundo tinha o primeiro em alta
conta pois, conforme palavras do próprio militar, chamado a comparecer urgentemente
ao escritório da Presidente Vargas para ouvir da boca de Pettersson as queixas contra o
CONTEL, atendeu ao pedido “imediatamente”. Uma vez no local e inteirado da situação,
Parnes pediu ao almirante que telefonasse para seu amigo, o general Guilherme José
Rodrigues Júnior, diretor da Divisão de Segurança e Informações do Ministério do
Trabalho a fim de solicitar orientações. Estando o general ocupado, despachando em
Petrópolis - RJ com Jarbas Passarinho e o presidente de fato Costa e Silva, o almirante
agendara uma reunião para alguns dias depois na própria DSI-MT onde, além de Parnes
e o pastor, estariam presente os generais Guilherme José Rodrigues Júnior e Sérvulo Mota
Lima, este último diretor da DSI do Ministério das Comunicações. Pettersson acabou não
comparecendo, mas Parnes concordou em representá-lo, conseguindo a pronta
cooperação de Mota Lima, disposto a “tomar providências imediatamente”. Precisando
ausentar-se do país, Parnes deixou o número do pastor com o diretor da DSI do Ministério

527
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 1M.0.0.3192. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/3192/BR_DFANBSB_1M_0_0
_3192_d0005de0060.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2021.
528
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Arquivo Nacional. Código de
Referência: BR DFANBSB 1M.0.0.3192. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_1m/0/0/3192/br_dfanbsb_1m_0_0_3192_d0
023de0060.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2021.
399

das Comunicações e, ao voltar, “teve a satisfação de verificar que o Governo tomara as


providências necessárias”, com um Inquérito Administrativo para apurar as queixas sido
instaurado pelo ministro das Comunicações.
A despeito de nunca ter conquistado uma grande membresia, a Igreja de Nova
Vida tem importância crucial para o panorama religioso brasileiro das últimas décadas,
pois, além de conter “de forma embrionária as principais características do
neopentecostalismo” (MARIANO, 2014, p. 51), como a ênfase na batalha contra as forças
do Diabo e a ideia de que a riqueza material poderia ser conseguida através de
contribuições monetárias à Igreja, saiu de seus quadros aquele que viria a ser o mais bem
sucedido propagador desses preceitos, o dono da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir
Macedo.

3.6 – A Igreja Universal do Reino de Deus

Não se pode dizer que as relações da IURD com a ditadura foram amistosas.
Pentecostais tardios, inaugurando uma série de práticas proselitistas e aprofundando a
monetização de outras já comuns, como as sessões de cura, a Universal começa a se
expandir no exato momento em que o regime dos generais se desagrega rapidamente. A
organização não foi integrada, portanto, em programas de sustentação ideológica, tal
como outras pentecostais mais antigas, recebendo neste período a desconfiança do Estado
restrito ao invés de afagos e benesses. Tais desentendimentos parecem em grande parte
reportar-se à ênfase na Teologia da Prosperidade e no correspondente impulso
arrecadatório dos cultos, não sendo impossível também que o “pé atrás” da ditadura tenha
relação com as origens pobres de Edir Macedo e seus sócios. Dossiê encontrado nos
arquivos do Serviço Nacional de Informações – SNI, mostra a vigilância constante e o
mau juízo que o regime fazia do empreendimento. Retrocedendo a maio de 1981, poucos
anos desde a fundação da Igreja, o dossiê contém documento da Delegacia de Polícia
Fazendária do Departamento de Polícia Federal comunicando abertura de investigação
sobre denúncias de contrabando dirigidas a Edir Macedo e ao pastor José Cabral
Vasconcelos. Ambos estariam trazendo dos Estados Unidos “diversas mercadorias” 529

529
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus.
Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89017556. Disponível em
400

como máquinas de escrever, calculadoras, microfones e fitas para gravação, “contando,


para desembaraçar-se na Alfândega, com a ajuda de uma falsa funcionária”. Em anexo,
temos a denúncia anônima, vinda dos Estados Unidos e redigida em papel timbrado da
própria filial novaiorquina da Igreja Universal do Reino Deus, em português precário,
sugerindo que o redator fosse um estrangeiro ou alguém tentando passar por um. Dizia o
denunciante que os bens eram remetidos tanto por avião como por navio, meio através do
qual a próxima remessa chegaria, em nome de Vasconcelos. As investigações
encontraram indícios das denúncias, tendo o próprio Macedo em depoimento reconhecido
que trouxera dos Estados Unidos algumas fitas de videocassete e microfones que
passaram pela alfândega com a ajuda de uma “Sr.ª Lúcia”, de fato funcionária da Receita,
além de frequentadora da IURD, mas que fora isso não trouxera nenhuma outra
mercadoria. Tais fitas e microfones haviam sido encontrados em templos da Universal
por agentes federais, que no entanto não recuperaram maiores provas da denúncia. As
investigações, assim, não prosseguiram, tendo o inquérito sido arquivado a pedido do
chefe da Delegacia de Polícia Fazendária, considerando que “as provas colhidas são muito
frágeis para a indiciação deste ou daquele elemento, mormente da servidora da Receita
Federal”.
Os serviços de inteligência do Estado, porém, permaneceram antenados nas
atividades da IURD, conforme revela documento confidencial de 1989, juntado ao
mesmo dossiê, que discorria sobre as agressivas campanhas dizimistas da Universal. Em
função delas, julgava o SNI ser a Igreja essencialmente uma “organização comercial que
usa como fachada o nome de Igreja, ficando isenta de alguns tributos e fiscalização”,
valendo-se de “charlatanismo e curandeirismo como forma de arrecadar “doações”’.
Chamava atenção do Serviço sobretudo o fato de os pastores e a cúpula da Universal se
sustentarem, com despudorado fausto no caso da segunda, apenas com os recursos
angariados nos cultos, enquanto outros pastores “possuem empregos para sustentar a
família e ainda contribuem com parte dos seus ganhos para a Igreja” e os católicos “fazem
voto de pobreza e não podem possuir bens materiais”. A IURD, por outro lado, em tempos
de hiperinflação, chegava a solicitar doações em dólar, entoando slogans como “Quanto
Vale um Milagre e Quem Não Tem Dólar Dá Cruzado”, seguidos da circulação de sacolas
entre o público, “pressionado” ainda a comprar produtos religiosos como discos e livretos.
O “bispo” chegou mesmo a ser brevemente preso em 1992 em função de inquérito aberto

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/89017556/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89017556_d0001de0003.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2021.
401

em 1989 sobre queixas de ex-seguidores que, após doarem o que tinham e não tinham,
não receberam as dádivas divinas prometidas. Paralelamente, o Ministério Público
Federal manteve seu olho sobre as atividades da IURD durante boa parte da década de
1990, interessado no processo de conversão do não tributável dízimo, através de
manobras cuja licitude é suspeita, em capital investido em vasto número de atividades
lucrativas.
Mas a despeito da resistência, Edir Macedo, desde os primeiros dias de sua Igreja,
alimentou planos para frequentar o Estado restrito. Segundo seu biógrafo Gilberto
Nascimento (2019, posição 139-140), os planos verbalizados livremente pelo “bispo” não
se restringiam à acumulação de riqueza material, completando-se na penetração do
universo partidário a fim de atingir um “patamar superior na estrutura de poder”. Não é
fortuito, assim, que a Igreja Universal seja uma das pentecostais cujas incursões na
disputa partidária se deu em menor tempo após a fundação, já em 1982 a Igreja lançando
candidatos a funções legislativas. Não demorou, dessa forma, para que a IURD fosse
acolhida pela República brasileira, o que se deu já nos primeiros anos da
redemocratização, sendo o marco inicial desse processo a eleição de Roberto Augusto
Lopes, cofundador da IURD, para o cargo de deputado federal em 1986. Influente no seio
da bancada evangélica, Lopes parece ter sido o seu principal interlocutor com José
Sarney. Documento530 formulado pelo Serviço Nacional de Informações, conta como o
pastor conseguiu o favor do presidente em troca de apoio de algumas igrejas evangélicas
ao seu governo. A parceria foi firmada em julho de 1987, envolvendo a nomeação de
Jeremias Soares de Oliveira para a direção da Superintendência do Desenvolvimento da
Pesca - SUDEPE, confirmada a Lopes por ligação telefônica de Sarney. Selada a aliança,
mesmo instado por seu partido, o PTB, a assinar documento reivindicando eleições diretas
em 1988, o deputado iurdiano declinara “em razão de compromissos já firmados com o
Governo Federal” 531. No mais, após a nomeação de Oliveira, Lopes e o restante dos

530
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0002de0002.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2021.
531
As negociações passaram primeiramente pelo ministro da Agricultura, o também evangélico Iris
Rezende, que deu o sinal verde para o seu prosseguimento com Sarney. Pastor da Assembleia de Deus em
Alecrim – RN, Jeremias Soares de Oliveira era também 4° suplente de deputado federal pelo PMDB do
Rio Grande do Norte e ex-delegado regional do trabalho naquele estado. O SNI teceu um perfil lisonjeiro
de Jeremias, que, no campo ideológico, seria “Integrado com os mais sadios princípios democráticos”, no
psicossocial fora “distinguido com a medalha “amigo da Marinha”’ e no político tinha posicionamento
favorável ao governo. ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar
402

parlamentares-pastores prometiam realizar em vários estados, “a pretexto de reuniões


litúrgicas, manifestações de apoio ao Presidente Sarney e ao seu Governo”. Outro
documento do SNI sobre o mesmo tema deixa claro o interesse do grupo evangélico na
SUDEPE. Pretendia ele contrapor-se ao trabalho da Pastoral da Pesca, “organismo
progressista vinculado à CNBB” 532
, buscando ali mais espaços para as suas em
detrimento dos católicos.
Com a eleição de Fernando Collor de Mello em 1989, a IURD avança mais alguns
degraus em direção à sua integração ao Estado restrito. A amizade entre Macedo e Collor,
que viu no “bispo” grande cabo eleitoral, foi costurada pelo empresário Aberto Felipe
Haddad Filho, mais conhecido como Bebetto Haddad, dono de destilaria, distribuidora e
refinaria de álcool e de uma fábrica de balas, que apresentara ambos em reunião num
hotel carioca (NASCIMENTO, 2019, posição 1396-1398). A triangulação continuaria ao
longo do governo de Collor, com Haddad, eleito deputado federal, aproximando-se do
círculo íntimo do presidente, formado pelo ex-tesoureiro de campanha Paulo César Farias
e os deputados Renan Calheiros e Cleto Falcão (NASCIMENTO, 2019, posição 1626-
1629). PC Farias, inclusive, teria papel decisivo no desembaraço da complicada compra
da TV Record ao conseguir para Macedo, a pedido do presidente, uma necessária carta
de fiança de uma instituição bancária. O próprio Collor Ligara para Sílvio Santos, dono
da Record, pedindo que a negociação fosse facilitada: “Silvio, quem está comprando a
TV sou eu. É para mim que o Macedo está comprando”, teria ele dito, ao que o empresário
e apresentador de programas de auditório respondeu “Presidente, por que o senhor não
avisou antes?” (NASCIMENTO, 2019, posição 1706-1711).
A parceria entre a burocracia estatal e Macedo prosseguiu nos anos de Fernando
Henrique Cardoso, cuja eleição o “bispo” também facilitou. A aliança foi providencial
para afastar a Universal dos braços da Justiça, demandando o Executivo em troca o apoio
da IURD ao candidato tucano José Serra, ministro do Planejamento de FHC, para a
prefeitura de São Paulo em 1996. Naquele ano o deputado iurdiano Bispo Rodrigues, o

Evangelico, Apoio Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,


GNC.AAA.87063733. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0002de0002.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2021.
532
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2021.
403

ministro das Comunicações Sérgio Motta e o vice-líder do governo, o tucano Arnaldo


Madeira, firmaram o conluio, cujas condições seriam o encerramento das investigações
da Receita, do Banco Central e do Ministério das Comunicações contra a Igreja Universal
(NASCIMENTO, 2019, posição 3489-3494). Mas isso não foi tudo, a IURD foi atendida
em outra reivindicação ao Ministério das Comunicações: a regularização de canais de TV
no Rio de Janeiro e na Bahia, cuja transferência de controle acionário encontrava-se
emperrada por estarem as emissoras em nomes de “laranjas”. Não obstante, Fernando
Henrique autorizaria a transação com o aval do Ministério de Sérgio Motta
(NASCIMENTO, 2019, posição 3504-3507).
Mas nem tudo foram flores na relação de Edir Macedo com FHC. Em virtude de
multas aplicadas pela Receita Federal à Rede Record, à Igreja Universal e ao próprio Edir
Macedo, a IURD não se envolveu na sua reeleição em 1998, ao que parece mantendo
certa neutralidade.
De todo modo, sintomático da mudança de opinião do Estado restrito brasileiro
sobre a IURD neste período, documento confidencial redigido pela Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República de Fernando Henrique, em março de
1998, invertia argumentos usados uma década antes pelo extinto SNI sobre a disputa entre
a Rede Globo e a Igreja Universal, vistos no capítulo passado. O papel falava
especificamente do programa Globo Repórter que, “à guisa de informar e fazer denúncias
em prol da sociedade” 533, deixava “transparecer suas “tintas de imprensa marron” no
serviço de interesses inconfessáveis dos proprietários” (SIC). Arrolava a Secretaria uma
série de reportagens “que receberam apoio de pessoas desenformadas” (SIC), por
exemplo contra o Exército, a Marinha, a Aeronáutica e a “Igreja Universal do Reino de
Deus e seu bispo Edir Macedo, este grande concorrente do Grupo Roberto Marinho na
área de comunicação social”. A mesma Secretaria, apenas seis anos antes, alarmada com
a incontida expansão da Igreja, que vinha “submetendo parcela significativa da população
a processos inescrupulosos que só beneficiam os seus dirigentes” 534
, sugeria “a
conveniência de reavaliação da concessão de um canal de televisão”, além de uma

533
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4.MIC,GNC.CCC.990021497. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021497/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021497_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2021.
534
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.DIT.920076033. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/920076033/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_920076033_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2021.
404

“devassa fiscal, objetivando conter os excessos da IURD e o poder de influência do seu


principal líder”.
Também em 1998, a Secretaria formulou outro documento que sugere que tanto a
IURD quanto a Igreja Católica podem ter tido o acesso a penitenciárias facilitado pelo
Estado restrito em seus trabalhos de cunho não apenas religioso, mas também educativo
e assistencialista. Ao comentar a campanha realizada pelos católicos naquele ano,
intitulada A Fraternidade e os Encarcerados, o órgão destacava também a presença da
Igreja de Macedo junto aos presos, conectando tais fatos a uma alegada melhoria na
administração penitenciária em estados como o Rio de Janeiro. Essas ações eram vistas,
assim, como desejáveis, pois “neutralizam as campanhas assacadas contra o Brasil por
ONGs nacionais e internacionais vinculadas aos direitos humanos” 535. De fato, Gilberto
Nascimento (2019, posição 2746-2750) menciona que a IURD conseguira autorização
para abrir inclusive templos em prisões por todo o país.
Passou a IURD ao longo dos anos 1990, assim, por um processo de legitimação
social e integração ao Estado restrito, fenômeno que prosseguiria ao longo dos governos
do Partido dos Trabalhadores, apesar de antigas rusgas. Esse período extrapola os limites
cronológicos deste trabalho, mas destaco uma curiosidade: a permanência do interesse
iurdiano sobre o setor pesqueiro, manifesta dessa vez não mais pela nomeação de seus
homens de confiança para a SUDEPE, já extinta, mas do sobrinho de Edir Macedo,
Marcelo Crivella, nomeado ministro da Pesca em 2012.

3.7 – A Igreja da Unificação (“Seita Moon”)

O percurso da Igreja da Unificação no Brasil em seus momentos iniciais foi


extremamente conturbado, passando a organização a partir de 1981 a enfrentar frequentes
denúncias criminais, seguidas de episódios de ira popular. Os fatos encontram-se
documentados em amplo dossiê536 da Divisão de Segurança e Informações do Ministério

535
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.CCC.990021496. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021496/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021496_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
536
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2021.
405

das Relações Exteriores, com informações detalhadas sobre a atuação da organização no


Brasil e no mundo. Entre seus anexos, há uma edição especial do veículo de imprensa
oficial da Igreja no Brasil, a revista Mundo Unificado, chamando holofotes para atos de
violência dos quais teria sido vítima após a transmissão de quatro programas televisivos
da Rede Globo acompanhados de matérias na mídia impressa ao longo de agosto de 1981.
Como resultado, suas sedes de Belém - PA ,Teresina - PI, Boa Vista - RR, Brasília, São
Paulo - SP e Rio de Janeiro foram apedrejadas. Atribuindo as denúncias a ‘“patrulhas
ideológicas” da extrema-esquerda”, atuantes na Globo e em outros veículos de
comunicação, enraivecidas com suas ações anticomunistas, a Igreja relatava ter levado o
problema até o ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, que recebeu sua advogada em 20
de agosto.
Os serviços de inteligência da ditadura, contudo, tinham dúvidas sobre a
improcedência das denúncias, tendo mantido firme vigilância sobre a Igreja da Unificação
por boa parte da década de 1980. Documento secreto da Divisão de Segurança e
Informações do Ministério das Relações Exteriores de agosto de 1981, presente no
mesmo dossiê, arrola uma série de indícios criminosos em todo mundo537, enquanto
criticava os métodos da Igreja para angariar seguidores, taxados “lavagem cerebral”.
Asseverava a DSI que “Os “moonies” são mantidos em grande atividade, dieta de baixa
proteína, o que, juntamente com o uso de drogas, tornaria a mente dos mesmos mais frágil
à penetração das “doutrinas” da “Unification Church” e a sua total submissão a tal igreja”.
Já o SNI acrescentava que o principal alvo da pregação unificacionista seria a “população
menos privilegiada”538, sobretudo os jovens, “cooptados a trabalhar” para a organização.
Sustentando a hipótese, documento da Divisão de Segurança e Informações do
Ministério da Justiça descreve o caso de Luiza Maria Facchinetto, “aliciada pela seita” 539
em Porto Alegre em 1978. Desaparecendo antes de ser localizada em São Paulo, Luiza
foi trazida para o Rio Grande do Sul e internada em clínica psiquiátrica, onde foi atendida
pelo médico Ronaldo M. Brum. Em seu laudo, Brum dizia que a paciente “apresenta

537
O fundador da Igreja da Unificação, o empresário Sun Myung Moon, chegou inclusive a ser processado
nos Estados Unidos por sonegação de impostos.
538
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seita Moon em Belo Horizonte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.86012256. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ooo/86012256/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ooo_86012256_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
539
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. Processo
DICOM n. 16.618. Código de Referência: BR RJANRIO TT.0.JUS, PRO.343. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_TT/0/JUS/PRO/0343/BR_RJANRIO_TT
_0_JUS_PRO_0343_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
406

reação esquizofrênica paranóide, desencadeada, por grau de probabilidade por seu


aliciamento por seita religiosa”, “podendo supor-se métodos de condicionamento são
utilizados a fim de submeter os aliciados à disciplina da seita” (SIC). Recortes de jornal,
encontrados no mencionado dossiê da Divisão de Segurança e Informações do Ministério
das Relações Exteriores, contam casos semelhantes. Matéria da Tribuna da Imprensa, de
27 de junho de 1984, relata os reveses do ex-deputado paraense Rubens Nogueira de
Azevedo, “que perdeu uma de suas filhas” 540
para a Igreja em 1981, levada para os
Estados Unidos para participar de “seminários doutrinários”, resolvendo não voltar mais.
Tendo recorrido sem sucesso ao Ministério das Relações Exteriores, Azevedo decide ir
pessoalmente ao exterior, onde passa quatro meses tentando convencê-la, sem sucesso,
chegando ela a “desistir da viagem no aeroporto, com as passagens compradas e o avião
esperando”. De volta ao Brasil, dizia o deputado que a Igreja iludia muitos jovens para
angariar um exército de vendedores, de onde viria boa parte de sua receita.
De fato, informação confidencial de novembro de 1981 da Divisão de Segurança
e Informações do Ministério da Justiça diz que a agremiação tinha como “norma a auto-
sustentação”541, a partir de empresas paralelas que produziam itens comercializáveis, cujo
lucro lhe era revertido na íntegra. Já a “mão de obra utilizada, quase toda é recrutada pela
seita através de seus vários cursos e estágios, ou seja, é uma “mão-de-obra missionária”,
e assim sendo, não é remunerada”, sendo todo o dinheiro entregue a um responsável local,
“que inclusive determina um mínimo a ser arrecadado”. Para manter essa estrutura
funcionando, a Igreja mantinha empresas como a porto alegrense Unificação Comércio
de Vestuário e Alimentos Ltda, produtora de artigos de pequeno valor como balas e flores,
que chegou a ser multada por sonegação em 1979, não tendo “recolhido impostos
decorrentes de operações de venda”. Em São Paulo, de acordo com outro papel542, a Igreja
da Unificação controlaria em 1986 os seguintes empreendimentos: Unificação Confecção

540
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2021.
541
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. Processo
DICOM n. 16.618. Código de Referência: BR RJANRIO TT.0.JUS, PRO.343. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_TT/0/JUS/PRO/0343/BR_RJANRIO_TT
_0_JUS_PRO_0343_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
542
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Causa no Brasil. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87060643. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87060643/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87060643_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
407

de Roupas Ltda, Importadora Il-Hwa do Brasil, Bijouterias Mundial, Tipografia Ilrung


Gráfica e Editora Ltda, Distribuidora SCL.
Uma das principais bases da organização, o Rio Grande do Sul parece ter sido a
origem da série de denúncias, muito mais graves que as alegações de agressivos métodos
de recrutamento, que motivaram revoltas em todo o país. Segundo o SNI 543, em queixas
aos órgãos policiais, ex-adeptos e parentes de seguidores acusaram a Igreja de escravidão,
cárcere privado, regime abusivo de trabalho, enriquecimento ilícito, remessa ilegal de
dinheiro para o exterior, corrupção de menores, tráfico de mulheres, fraude e coação e
exploração do lenocínio, além de pairar sobre ela suspeita do assassinato de Elisabeth
Egídio da Silva, desaparecida em junho de 1979.
Todavia, uma enxurrada de protestos de intelectuais norte-americanos e
simpatizantes da Igreja, criticando a violência da reação popular, chegou ao Ministério
das Relações Exteriores. Alguns que se manifestaram foram o teólogo Frederick Carney,
professor da Universidade metodista SMU em Dallas, reclamando de violação dos
direitos humanos e apelando para que o governo protegesse os direitos da organização;
Michael F. Beard, diretor regional da Igreja da Unificação em Denver, Colorado, que fez
protestos e demandas semelhantes; o professor pacifista Henry Finch, da Universidade de
Nova Iorque, frisando que a Igreja merecia a mesma proteção que qualquer outro grupo
religioso; o reverendo William R. Jones, da Igreja Unitária, que demandou “ações diretas
e imediatas” contra tamanha “violação dos direitos humanos”; o teólogo Paul W. Skarkey,
solicitando ao governo brasileiro proteção contra a “perseguição recentemente sofrida
pela Igreja da Unificação no Brasil”; o professor adjunto de Filosofia na Universidade de
Fairfield, Theodore E. James, indagando “como vocês e seu governo permitem tão
desumano tratamento tão graves injustiças serem cometidas contra os membros da Igreja
da Unificação”; e Gay M. Ross, diretor associado do Departamento de Relações Públicas
e Liberdade Religiosa da Conferência Geral dos Adventistas do Sétimo dia, repudiando
os “ataques arbitrários contra a Igreja da Unificação perpetrados por terroristas de
esquerda no Brasil que violam perigosamente os direitos humanos e a liberdade religiosa
no Brasil e pedem imediatas ações corretivas pelo governo brasileiro”544.

543
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Seita Igreja Unificação ou
Associação do Espirito Santo para Unificação do Cristianismo Mundial 4.6.1. Código de Referência: BR
DFANBSB V8/MIC/GNC/GGG/81003201. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/81003201/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_81003201_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2021.
544
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
408

Pressões sobre a ditadura foram feitas também pela cúpula da Igreja da


Unificação, cujo presidente nos Estados Unidos, Mose Durst, procurou o embaixador da
Missão do Brasil na ONU, Carlos Calero Rodrigues, em 9 de setembro de 1981, para
expressar “sua preocupação ante os atos de violência popular praticados contra a Seita
Moon no Brasil” 545, manifestando também a impressão que “as autoridades brasileiras,
em nível local, não haviam feito quanto seria necessário para impedir ou controlar a
violência” e insistindo “na possibilidade de alguma manifestação oficial de condenação
das violências”. Calero tranquilizava seus superiores, entretanto, ao informar não ter o
religioso em momento nenhum mencionado “a possibilidade, em que ouvi falar, de que
sua organização estivesse disposta a fazer uma comunicação à ONU sobre os incidentes
caracterizando-os como uma violação de direitos humanos”.
Ao mesmo tempo, outra avalanche de cartas de brasileiros chegava ao Ministério
da Justiça e à Presidência da República cobrando ações contra a Igreja da Unificação. Um
certo Paulo César da Cunha, do Rio de Janeiro, escreveu diretamente para João Figueiredo
em agosto de 1981 querendo saber “Onde estão as garantias às famílias brasileiras dadas
pela revolução de 64 à qual vossa excelência, meu avô e meu pai tomaram parte?” 546 e
“Por que o SNI, que é acima de tudo um órgão de segurança, não tomou providência? Por
que o DOPS, cujo nome mesmo diz é um órgão social, não fez intervenções nesses centros
de lavagem cerebral, de onde evasivos já denunciaram a ocorrência de mortes?”. Ousado,
prosseguia com ironia e caixas altas: “Na hora de derrubarem um governo
CONSTITUCIONAL, a coisa foi rápida e bem feita”, pedindo o fechamento da Igreja da
Unificação no espaço de uma semana, afinal “O presidente João Goulart não foi deposto
em apenas 24 horas?”. Não bastasse a alfinetada, ameaçava Figueiredo de, em sua inação,
estar criando uma “grande mágoa no seio da família brasileira”, que se voltaria contra ele
próprio, fazendo votos para que, “se o sr. não tomar as providências CERTAS para esse
problema”, “o sr. perca entes queridos para alucinadores desse tipo; para que o seu

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em 03 mar 2021.
545
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em 03 mar 2021.
546
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. Processo
DICOM n. 16.618. Código de Referência: BR RJANRIO TT.0.JUS, PRO.343. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_TT/0/JUS/PRO/0343/BR_RJANRIO_TT
_0_JUS_PRO_0343_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
409

coração se encha da mágoa e desespero que transborda das mães que estão pelo NOSSO
Brasil afora sem seus filhos”.
O DOPS, todavia, se ocupou, de fato, do caso. Conforme matéria do jornal Folha
da Tarde, a Igreja da Unificação chegou a ser investigada por ordem de Romeu Tuma,
diretor da divisão paulista. O delegado, entretanto, já iniciou os trabalhos alegando ter
informações que, a exemplo do que acontecera com outra organização conservadora, a
Tradição Família e Propriedade - TFP, a Igreja da Unificação poderia estar sendo alvo da
“fúria de setores esquerdistas” 547, não passando os fatos brasileiros de “repetições do que
já aconteceu em outros países, especialmente depois que o ditador cubano Fidel Castro
declarou ver naquele movimento religioso-filosófico o único inimigo, em termos
ideológicos, que lhe causa temor”.
A ditadura, assim, se fez de surda às vozes populares e Figueiredo manteve sua
inércia, motivado não apenas pela pressão norte-americana, mas por interesses políticos
do regime. Ao longo dos anos de 1981 e 1982 parece ter havido um estreitamento de laços
entre a Igreja da Unificação e o Estado brasileiro. Em amplo dossiê 548, documento da
Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores de setembro
de 1981 informa que os brasileiros Nuno Linhares Velloso, chefe da Divisão de Assuntos
Políticos da Escola Superior de Guerra, e Antonio Aggio Junior 549, editor do jornal
paulista Folha da Tarde, atenderiam à IV World Media Conference, evento concentrado
no papel da mídia no combate ao comunismo organizado pela Igreja da Unificação em
outubro daquele ano em Nova Iorque. Os convidados teriam suas despesas pagas pela
News World Communications Inc., empresa de comunicação fundada em 1976 na mesma
cidade por Sun Myung Moon, líder da Igreja da Unificação. O mesmo papel revela que a
empresa fizera convites para diplomatas brasileiros na embaixada de Washington e no
consulado de Nova Iorque. O dossiê traz ainda outro texto, da embaixada do Brasil em

547
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
548
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2021
549
Conforme Beatriz Kushnir (2004), O jornal Folha da Tarde pertencia ao grupo Folha de São Paulo.
Mantendo um corpo de redatores com tendências progressistas até o golpe de 1964, durante o regime
autoritário o periódico teve seus quadros à esquerda expurgados pelos proprietários Octávio Frias e Carlos
Caldeira, substituídos por nomes com estreitas relações com os órgãos repressivos do governo, entre eles
Antonio Aggio Junior, nomeado editor chefe.
410

Seul datado de novembro de 1982, falando sobre a realização ali da V World Media
Conference, com a participação de 270 pessoas, entre intelectuais, jornalistas e
autoridades, vindas de 74 países. É informado que o Brasil foi representado novamente
pelo jornalista Antonio Aggio Junior e pelo dirigente da ESG Nuno Linhares Velloso, ao
lado desta vez do integrante do DOPS de São Paulo, órgão que como vimos investigava
a Igreja, Carlos Antonio Guimarães550.
O dossiê traz, ainda, informe do SNI de dezembro de 1982, dando conta da
realização de um Seminário de Filosofia e Teologia para Professores Universitários em
Canela - RS, em outubro daquele ano e promovido pela Associação Internacional
Cultural, subsidiária da Igreja da Unificação, alegando que Clóvis Oliveira, delegado de
Polícia em Belém - PA que investigou a Igreja em inquérito sobre aliciamento de
menores, “participou do encontro como convidado especial”. O papel não traz
informações aprofundadas sobre o evento, mas matéria divulgada pelo Jornal de Minas
em 27 de agosto de 1981, e transcrita em edição do mesmo ano do periódico
unificacionista Mundo Unificado, reporta a realização de outro “Congresso de
Professores” no Hotel Nacional no Rio de Janeiro, que, a despeito do propósito declarado
de debater Teologia, “no bojo dos debates, foram aventadas e discutidas estratégias para
enfrentar e derrotar o comunismo nas Igrejas e nos colégios”. Sobre esse último evento,
veremos mais no próximo capítulo.
Em Porto Alegre em julho de 1981, documento não assinado, porém emitido por
um “Grupo Combate à Omissão”, muito provavelmente vinculado à Seita Moon, uma vez
que o papel se encontra em outro amplo dossiê do SNI sobre a organização, e ao que
parece endereçado ao próprio Serviço, relata ações universitárias contra a influência da
esquerda no meio estudantil. Dizia o escrito que, desde 1980, criara-se um grupo de
universitários devotados ao estudo de teóricos ultraliberais, como “Milton Friedman,
Friedrich Hayek, Von-Mises, Bhöm-Bawerk”551 e “técnicas de enfrentamento de
totalitários”. A carta concluía com uma proposta de aliança, manifestando o desejo de
“manter contato com V. Sa., pois cremos ser esta uma hora para lutarmos pela
democracia”. O nome do destinatário, infelizmente, permanece em branco, mas

550
Provavelmente se trata de Carlos Antônio Guimarães Sequeira, delegado do DOPS que, ao lado de
Antônio Aggio Júnior, acumulava a função de editor internacional do jornal Folha da Tarde.
551
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Causa Internacional, Washington DC
Atividades. Unificacionismo, Unification Moviment. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.CCC.81005027. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/81005027/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_81005027_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
411

provavelmente tratava-se de um funcionário do SNI, se notarmos que uma das metas do


Grupo Combate à Omissão, a exemplo do que almejava outra associação da Seita Moon,
a Associação Internacional de Vitória sobre o Comunismo, era “colaborar com os órgãos
governamentais no sentido da manutenção e preservação da ordem pública e dos bons
costumes”. É possível, ainda, que o Grupo Combate à Omissão fosse o protótipo de outra
organização, financiada pela Seita Moon e dedicada ao ambiente estudantil, que entraria
em funcionamento poucos anos depois, o Colegiado Acadêmico para a Reflexão de
Princípios – CARP, que veremos melhor no próximo capítulo.
Outra evidência de favorecimento da Igreja da Unificação pela cúpula governista
é encontrada em dossiê da Divisão de Segurança e Informações do Ministério das
Relações Exteriores. Ali há um relatório descrevendo ligação telefônica de um certo
coronel Thompson, que se identifica como membro da Agência Central do SNI, para um
funcionário da DSI identificado apenas como “Adolpho”552 em 8 de julho de 1981.
Avisava o coronel sobre o envio para a DSI de informações sobre conferência da CAUSA
Internacional, subsidiária da Igreja da Unificação, a ser realizada em breve. Para tanto,
alguns coreanos pediam visto de entrada no país, manifestando o coronel que “A posição
da AC é favorável à vinda dos coreanos e há interesse em que os vistos sejam
concedidos”. Por outro lado, a mesma folha registra que Thompson falou também sobre
o pedido similar de atores cubanos para a participação de um festival de teatro, pleiteado
pela atriz Ruth Escobar junto ao ministro da Educação, que dissera que iria interceder
junto ao MRE para a sua obtenção. Para este caso, no entanto, “O Gal. Newton pediu que
telefonasse pare você, declarando que o ponto-de-vista da AC é o de negar o visto para
qualquer cubano”. Trata-se do general Newton Cruz, chefe da Agência Central do SNI
entre 1977 e 1983.
A opinião final do regime sobre a Igreja da Unificação aparece de forma cristalina
em outros documentos. A despeito das convulsões populares, da cobertura midiática e de
todos os indícios de crimes cometidos pela Igreja da Unificação, a Divisão de Segurança
e Informações do Ministério da Justiça, em papel de novembro de 1981 entregue ao
próprio ministro Ibrahim Abi-Ackel, concluía não haver “qualquer comprovação efetiva

552
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
República Nacional da China. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.REX.IPS.91. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_z4/rex/ips/0091/br_dfanbsb_z4_rex_ips_009
1_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
412

de utilização de métodos perniciosos de arregimentação de adeptos” 553


. Ainda que
reconhecesse que “modificações substanciais ocorrem na mentalidade das pessoas que
passam a integrar aquela seita”, enquadrava tais fatos no domínio da “subjetividade” e da
“liberdade individual”, sendo portanto “juridicamente inatacável a presença daquela
organização no país”. Tendo sustentado a legalidade do movimento diante do ministro,
que como vimos recebera havia alguns meses a advogada da Igreja da Unificação para
discutir o caso, o documento prossegue em tom mais incisivo seu parecer favorável à
organização. Afirmava-se que “Mais importante do que ser juridicamente inatacável é o
fato da “Igreja da Unificação” lutar abertamente contra o comunismo internacional”, ação
pela qual “se apresenta como um meio para pôr em equilíbrio a balança já há muito
desnivelada pela atuação das Organizações Subversivas em nosso país”. Outro papel,
agora um documento confidencial do SNI, relatando a realização de mais um evento
patrocinado pela Igreja, a II Convenção Panamericana da CAUSA Internacional, em São
Paulo em julho de 1985, conclui que “A “Causa” constitui-se, efetivamente, em um dos
obstáculos que se antepõem à expansão do comunismo” 554
. Ainda em mais um
documento confidencial, o SNI expôs que em 1986 a “campanha”555 contra a Igreja da
Unificação no Brasil teria amainado consideravelmente, aludindo aos fatos de 1981 como
“a execução de um verdadeiro “pogrom”’ levado a cabo por “setores tidos como
“esquerdistas” inseridos na direção da Rede Globo de Televisão”. Dessa forma, o Estado
brasileiro toma para si a tese exposta em 1981 pela própria Igreja da Unificação nas
páginas de sua revista oficial que, como visto, atribuía tais eventos a ““patrulhas
ideológicas” da extrema-esquerda” presentes nos órgãos de comunicação. Advogava
ainda o SNI não existirem “efetivas evidências de que a ação da Causa no Brasil infrinja
ou, mesmo que indiretamente, viole a legislação vigente”. Indo além, dizia que “no que
tange ao aspecto ideológico, pode-se afirmar que a pregação desenvolvida pela Causa no
País em muito contribui para robustecer as convicções nacionalistas, religiosas e

553
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. Processo
DICOM n. 16.618. Código de Referência: BR RJANRIO TT.0.JUS, PRO.343. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_TT/0/JUS/PRO/0343/BR_RJANRIO_TT
_0_JUS_PRO_0343_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
554
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. II Convenção Panamericana da CAUSA
Internacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.85051420. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/85051420/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85051420_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
555
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Causa no Brasil. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87060643. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87060643/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87060643_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
413

democráticas”, que a “denúncia sistemática do caráter insidioso e deletério de ideologias


antidemocráticas e espúrias, como o comunismo, que faz parte do cotidiano de atividades
desenvolvidas pela Causa” “fortalece o nível de conscientização político-ideológica da
população, aprimorando, destarte, suas defesas imunológicas à propaganda marxista-
leninista”, pois “procura desmistificar o chamado “socialismo científico” e, sobretudo,
porque busca demonstrar, de forma lógica, que a democracia e comunismo são
antípodas”.
Apesar do fim do regime, a Igreja da Unificação manteve sua proximidade com o
Estado restrito, desta vez trazendo políticos para sua órbita e financiando candidaturas.
Documento do SNI, com um balanço de candidatos eleitos no pleito legislativo de 1986
que receberam apoio de organizações religiosas, revela que a Igreja alegava ter auxiliado
a eleição de 27 deputados federais, mas que preferia manter os seus nomes em sigilo,
“para não prejudicar o trabalho desses parlamentares na Constituinte, pela má fama que
a seita possui” 556
. O fato indica a possibilidade de que a organização tenha
desempenhado, de forma oculta, importante papel no financiamento de candidaturas ao
longo da Nova República, contradizendo as palavras do seu presidente no Brasil em 1981,
César Zaduski, que, em coletiva de imprensa onde procurou rechaçar as denúncias acima,
dissera que, ao contrário do que a Igreja fizera nos Estados Unidos, apoiando a eleição de
Ronald Reagan, no Brasil a orientação seria “não defender Partidos ou políticos, mas
apoiar pessoas que têm posição a favor de Deus, sempre em função da religião”557. Outro
relatório do SNI revela alguns dos apoiados pela Igreja, por intermédio da CAUSA Brasil,
caracterizados “pelo conservadorismo, religiosidade e aparentemente moralismo no trato
da coisa pública”558. Seriam eles os candidatos a deputado federal Fausto Auromir Lopes
Rocha, do PFL, José Maria Eymael, do PDC, Herbert Vítor Levy, do PSC e Guilherme
Afif Domingos, do PL. Uma das metas da organização para o “futuro próximo”, inclusive,
seria a construção de “uma frente partidária envolvendo pequenas agremiações políticas

556
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatos Eleitos que Receberam Apoio
da Igreja. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.87005996. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/87005996/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_87005996_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
557
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
558
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Causa no Brasil. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87060643. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87060643/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87060643_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
414

como o PMB, PSC, PDC, PPB e outras que têm afinidade com os principais suportes da
doutrina defendida pela Causa: o nacionalismo e o anti-comunismo”. Talvez não por
acaso, portanto, alguns desses partidos tenham sido os principais responsáveis pela
eleição de candidatos da dita bancada evangélica. O PDC, por exemplo, elegeu em 1986
os assembleianos Gidel Dantas e Sotero Cunha; em 1990 Francisco da Silva, da
Congregação Cristã no Brasil e o mórmon Moroni Torgan. Já o PPB emplacou em 1998
os assembleianos Salatiel Carvalho e Amarildo Martins da Silva; o iurdiano Wagner
Salustiano; Francisco Silva da Congregação Cristã; Mario de Oliveira, da Igreja do
Evangelho Quadrangular; Lamartine Posella, da Igreja Batista; e o luterano Hugo Biehl.
Conforme outro documento confidencial do SNI, Fausto Auromir Lopes Rocha seria
membro diretor da Confederação Evangélica do Brasil - CEB, organização que, como
vimos, foi expurgada de seus quadros progressistas após o golpe de 1964. Como
secretário de desburocratização de São Paulo entre 1981 e 1982, dizia o Serviço, Rocha
formulou em abril de 1981 projeto aprovado pelo governador Paulo Maluf que reconhecia
a Igreja da Unificação “como de utilidade pública” 559.
O último documento produzido pelo Estado brasileiro a respeito da Igreja da
Unificação localizado na base de dados eletrônica do Arquivo Nacional é um relatório
confidencial, intitulado “Atividades da Seita Moon em Goiás” 560, redigido pela Secretaria
de Assuntos Estratégicos da Presidência da República em junho de 1996. O papel conta
sobre um grande evento planejado pela organização na cidade de Goiânia na mesma data,
destacando como principais representantes da Igreja no estado os pastores Romilton
Amaral e Paulo Carvalho. Mas seu conteúdo mais importante é um diagnóstico sobre os
planos da Igreja para o Brasil naquele momento. Segundo a Secretaria, buscavam os
“moonitas” “a aproximação com grupos evangélicos” a fim de “cooptar maior número de
lideranças e fiéis”. Tal fato, contudo, não é novidade, uma vez que eventos realizados
pela Igreja ao redor do mundo, conforme vimos no capítulo 3, e no Brasil, que veremos
adiante, se diziam ecumênicos e eram, de fato, frequentados por religiosos de diversas
procedências. O papel informa, porém, que também a mais nova estrela pentecostal do

559
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confederação Evangélica do Brasil, CEB.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020924. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020924/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020924_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
560
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
BR DFANBSB H4 MIC.GNC.RRR 990014702. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/990014702/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_rrr_990014702_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
415

país, a Igreja Universal do Reino de Deus, promovia aproximações com a Igreja da


Unificação, tendo participado de recente encontro havido na capital uruguaia
“evangélicos ligados à Igreja Universal do Reino de Deus, do Bispo Edir Macedo”. Ao
lado do possível financiamento de candidatos da bancada evangélica, revela-se aqui um
importante nexo entre as organizações religiosas conservadoras no Brasil, mesmo as mais
recentes, e porções estrangeiras do Partido da Fé Capitalista, sendo a Igreja da Unificação,
conforme vimos no capítulo 3, importante ponto de encontro do consórcio empresarial-
religioso tema deste trabalho.

3.8 – A Renovação Carismática Católica

Mariano (2014, p. 12) sustenta que a Renovação Carismática Católica – RCC


“tornou-se a grande arma do Vaticano para tentar conter o crescimento pentecostal,
combater a Teologia da Libertação e recuperar parte do rebanho desgarrado”. De fato,
contrariando o que propunham as CEBs, segundo o SNI em papel de abril de 1982, a RCC
aglutinaria “pessoas que possuem problemas de toda ordem” 561
, mas procurando
“resolvê-los com base na fé”, portanto à moda pentecostal, ao contrário das CEBs que
buscavam indicar causas e remédios sociais para tais problemas. Relata o documento,
ainda, que em seus primórdios teria havido alguma aproximação entre a RCC e os adeptos
da Teologia da Libertação, “mas, posteriormente, os dogmas dela oriundos deixaram de
ser considerados”, ainda que elementos “progressistas”, como bispo de Santos, David
Picão, permanecessem por ali. A RCC aparecia como um movimento de teor conservador
também para o Comando do II Exército, que em junho de 1983 esforçava-se para
distingui-la de outro movimento católico com o nome muito parecido, o Movimento de
Renovação Cristã. Para o Exército, enquanto este “é mais um movimento da Esquerda
clerical”562, a RCC “é tida como um movimento do clero conservador, originado nos
Estados Unidos”. Desnecessário acrescentar que o documento traz descrições

561
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Renovação Carismatica Catolica do Brasil.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.82011500. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/82011500/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_82011500_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
562
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Levantamento dos Campos Militar,
Politico, Economico, Psicossocial e Subversão na Area do IIEX, no Periodo de 01 a 31 MAI 83. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.83014573. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/83014573/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_83014573_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar 2021.
416

pormenorizadas das atividades do Movimento de Renovação Cristã e nenhuma outra


linha sobre a RCC. Na mesma direção, outro papel do SNI, agora de agosto de 1986,
dispunha sobre a Congregação Nova Jerusalém, fundada em Fortaleza - CE em 1985 pela
RCC. Dizia o Serviço que a escola religiosa tinha como meta formar padres e freiras
“dentro de uma linha conservadora”563.
Os próprios católicos tinham algo a dizer sobre o conservadorismo da RCC. A
esse respeito se pronunciou, por exemplo, o arcebispo da Paraíba, José Maria Pires, na
publicação A Segurança do Povo: um desafio à comunicação564, editada em 1984 pela
União Cristã Brasileira de Comunicação Social e retida nos arquivos do SNI. Pires
criticava a ausência da percepção da “dimensão política da fé” por parte de muitos
religiosos, como os “numerosíssimos seguidores da Renovação Carismática”. Não
haveria entre eles “a consciência de que a opção preferencial pelos pobres supõe a
participação na luta por mudanças de estruturas”, levando essa porção da Igreja a
continuar dialogando com o governo que, por sua vez, “sabe disso e não deixa de tirar o
máximo de proveito dessa “divisão”’.
A RCC, contudo, permaneceu indiferente às palavras do bispo, passando como
um trator sobre o projeto evangelístico formulado pela CNBB ao apresentar em 1988 seus
próprios planos, denominados Evangelização 2000. Matéria publicada em maio de 1988
no boletim da Agência Ecumênica de Notícias - AGEN, também depositada nos arquivos
do SNI, relata a presença do padre carismático norte-americano Tom Forrest na 26ª
Assembleia Geral da CNBB. Cabia a ele a direção da iniciativa e do seu irmão gêmeo, o
Lumen 2000, desdobramento voltado para as comunicações em massa, “dois projetos
bilionários da Igreja Católica, voltados para a “conquista” do mundo para Jesus Cristo,
principalmente na década 1990/2000” 565, com o aval do papa João Paulo II. Dizia o norte-
americano que o orçamento estimado para o projeto era de 400 milhões de dólares, dos
quais o Brasil receberia uma expressiva quantia por ser o maior país católico do mundo.

563
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Congregação Nova Jerusalem. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.86003509. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/86003509/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_86003509_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
564
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. XIII Congresso Brasileiro de Comunicação
Social UCBC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.84016567. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/84016567/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_84016567_an_01_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
565
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Boletim Agencia Ecumenica de Noticias.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.88016052. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/88016052/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_88016052_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
417

Notava a matéria a reserva da CNBB, afinal, a Igreja brasileira já tinha sua linha pastoral
bem clara, o “compromisso objetivo com os empobrecidos”. O novo programa, por outro
lado, além de exibir um tom mais espiritualista, seria financiado por “grandes empresários
norte-americanos e europeus”, sendo o embaixador dos Estados Unidos na Santa Sé, o
nosso conhecido Frank Shakespeare566, “um dos que mais apoiam a nova cruzada”. A
despeito da indisposição da CNBB, entretanto, “As “escolas de evangelização” já estão
sendo instaladas em várias regiões brasileiras, preparando quadros para a nova cruzada”.
Um dos grupos católicos mais afetados pelo acachapante despontar da RCC,
paralelo à perda de espaço também para pentecostais e evangélicos em geral, foram as
Comunidades Eclesiais de Base - CEBs. Tentativas de reação foram esboçadas, contudo,
a partir de julho 1997, quando ocorreu um encontro nacional de delegados das CEBs,
vigiado com zelo pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
sob Fernando Henrique Cardoso. Tentou-se ali, analisar “os métodos com os quais
cristãos pentecostais, católicos e evangélicos estão conquistando cada vez mais
adeptos”567, postulando-se a “necessidade de serem efetivadas as alterações na atuação
das CEBs” (SIC) a fim de revitalizá-las e dar-lhes novo relevo na superação das injustiças.
Entre as experiências apresentadas, os agentes estatais sublinharam “o envolvimento de
integrantes dessas Comunidades com o movimento de ocupação de terrenos nas periferias
urbanas”. Em fevereiro de 1998, a mesma Secretaria frisava em outro papel a diferença
entre a RCC e as CEBs. Para ela, “a RCC diverge e confronta com as CEBs”568 em vista
de os membros da primeira “declinarem do coletivismo, não envolverem questões
religiosas com as sociais, renunciarem a militância política, dedicando-se tão somente
para desenvolverem alto controle moral no âmbito da família, dos costumes, da
sexualidade” (SIC).

566
Como visto no capítulo 6, além de presidente da empresa RKO Generale, Shakespeare foi membro da
associação conservadora Council for National Policy, do laboratório de ideias Heritage Foundation e do
conselho da Lynde and Harry Bradley Foundation, fundação com um amplo histórico de financiamento de
organizações religiosas conservadoras nos Estados Unidos. No governo norte-americano, desempenhou os
cargos de diretor da United States Information Agency - USIA e do Board of International Broadcast,
responsável pelas emissões radiofônicas da Radio Free Europe, além de embaixador em Portugal e no
Vaticano.
567
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência: BR DFANBSB H4.MIC,GNC.GGG.980019076. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ggg/980019076/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ggg_980019076_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
568
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.CCC.990021519. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021519/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021519_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
418

Além do diálogo entre a RCC e o regime, destacado pelo arcebispo José Maria
Pires, a documentação não traz maiores informações das relações entre a RCC e o regime
militar, mas há outros indícios de que ela tenha sido amigável, pelo menos no que se
refere a alguns dos seus setores. É o que sugere, por exemplo, telegrama569 enviado pelo
padre Alírio Pedrini a Ernesto Geisel em setembro de 1974 agradecendo a escolha do
senador Antônio Carlos Konder Reis, ex-membro da UDN e naquele momento filiado à
ARENA, para governador biônico de Santa Catarina. Alírio Pedrini é listado na página
oficial da RCC como um grande divulgador do movimento na década de 1970.
A exemplo de outras organizações religiosas conservadoras, a RCC lançou-se com
afinco à disputa partidária. Para o Legislativo federal, em 1990, lançou 15 candidatos
pelas legendas PFL, PMDB, PSC e PSDB, entre eles Osmânio Pereira de Oliveira, um
dos líderes do movimento no Brasil, que saiu pelo PSDB de Minas Gerais. Em grande
evento realizado pela RCC em junho de 1990, o XII Cenáculo da Igreja Católica,
Osmânio justificou a recente inserção partidária da organização atribuindo-a, de forma
um tanto demagógica, visto não ser este o foco da atuação da RCC segundo os próprios
serviços de inteligência do Estado brasileiro, a um “chamado” 570 para “provocar
mudanças nas estruturas da sociedade”. A informação consta em informe confidencial da
Polícia Militar de São Paulo, que relata também que futuros candidatos da RCC já
estavam sendo preparados para concorrer às eleições municipais de 1992. As
candidaturas, ao que tudo indica, se apresentavam como resposta aos setores progressistas
da mesma Igreja Católica, tendo integrantes de grupos de oração da RCC nas eleições
presidenciais de 1989 protestado “contra a utilização da política partidária na Igreja
Católica”571. Uma das queixosas foi Maricy Trussardi, esposa do presidente da
Associação Comercial de São Paulo, o empresário Romeu Trussardi, que reclamou do
“uso do púlpito como palanque eleitoral em igrejas do Estado de São Paulo”. Tendo entre
seus fundadores muitos católicos progressistas, sobretudo oriundos das CEBs, cabe

569
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.56. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0056/BR_DFANBSB_JF_E
BG_0_0056_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
570
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência: BR DFANBSB H4.MIC,GNC.EEE.900023981. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900023981/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_900023981_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
571
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.EEE.900023963. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900023963/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_900023963_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
419

lembrar que nas eleições de 1989 boa parte da Igreja Católica aderiu à candidatura do PT,
com Luiz Inácio Lula da Silva, contra Fernando Collor de Mello.
Essa significativa inclinação de setores católicos pelo Partido dos Trabalhadores
surge também em documento de dezembro de 1988, onde o SNI reparava na grande
participação partidária de padres em tempos recentes, notando que “os sacerdotes
optantes pela política, em sua quase totalidade, identificam-se com a “Teologia da
Libertação”, consideram-se “progressistas” e, com raras exceções, buscam o Partido dos
Trabalhadores (PT) como opção partidária” 572. Em outro lugar, o SNI relatava ainda que
o candidato do PT contaria com a preferência de diversos líderes católicos, como as irmãs
Deyse Darce e Cecília Pousa, de Pernambuco e Alagoas; Paulo Evaristo Arns, arcebispo
de São Paulo; Mauro Morelli, bispo de Duque de Caxias - RJ; Pedro Casaldáliga, bispo
de São Félix - MT; Tomás Balduíno, bispo de Goiás; Waldemar Rossi, da Coordenação
Nacional da Pastoral Operária em São Paulo; o padre Dionísio, coordenador da Comissão
Pastoral da Terra no Amazonas; Erwin Krautler, bispo do Xingu - PA; Lelis Lara, bispo
de Itabira e de Coronel Fabriciano - MG; o padre Darci Luiz Marin, membro da revista
Vida Pastoral; os freis Betto e Leonardo Boff; João Bergese, bispo de Guarulhos - SP;
Benedito Albuquerque, bispo de Itapipoca - CE; José Rodrigues de Souza, bispo de
Juazeiro – BA; e de órgãos católicos como a Pastoral Operária de Sapopemba - SP; a
Pastoral da Moradia da Arquidiocese de São Paulo; o Movimento Fé e Política; o
Movimento de Educação de Base – MEB; a Comissão de Justiça e Paz em São Paulo; o
Movimento Popular de Saúde em Cuiabá - MT; e a Comissão Pastoral da Terra - CPT da
Arquidiocese de Olinda e Recife - PE573.
Não parece ter demorado, entretanto, para que as porções católicas conservadoras,
como a RCC, ultrapassassem os progressistas em seus esforços partidários. Enquanto
clérigos esquerdistas, segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência de
Fernando Henrique Cardoso, começavam a se organizar para eleger representantes nas
eleições de 1998, fazendo planos para pedir votos aos fiéis, conforme Amaury Castanho,

572
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos nas Eleições
Municipais de Nov 88. SE142 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88068868.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/88068868/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_88068868_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
573
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação Política de Grupos Religiosos.
SE143 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.90073651. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/90073651/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_90073651_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
420

da diocese de Jundiaí - SP, “parte da Renovação Carismática Católica”574 já vinha fazendo


isso “de maneira não-oficial e indireta”. A RCC foi também uma das principais opositoras
à tentativa de setores da hierarquia católica, como a seção paranaense da CNBB, em finais
de 1998, de vetar a candidatura de padres com argumentos do Direito Canônico.
Tencionando apresentar nas eleições de outubro as candidaturas dos padres Paulo Dias e
Fábio Zamberlan, da Arquidiocese de São Paulo, o grande envolvimento eleitoral
Carismático traduzia-se, por exemplo, no fato do movimento já dispor nesta data inclusive
de uma “secretaria de estudos políticos”575.

3.9 – Agências missionárias estrangeiras na Amazônia

Confirmando os anos 1950 como ponto de partida de uma imensa penetração de


agremiações religiosas conservadoras estrangeiras no país, estudo576 do Conselho de
Segurança Nacional datado de julho de 1961, acerca do missionarismo na Amazônia,
indicava a presença desde esta década de uma série organizações norte-americanas
atuando junto aos povos indígenas, apesar de não ser possível ter uma ideia precisa do
seu número. Após expor as várias denúncias recebidas desde 1957 contra os missionários,
como a presença ilegal de indivíduos e organizações estrangeiras e desnacionalização de
áreas de fronteira, o Conselho concluía que, segundo dados do Serviço de Proteção aos
Índios - SPI, era possível, contudo, ter certeza sobre a presença das seguintes entidades
no ano de 1959: Missão Novas Tribos do Brasil - MNTB; Cruzada de Evangelização
Mundial; Asas de Socorro; Mid-Missions; Cruzada Nacional de Evangelização; Missão
da Amazônia Ocidental; Missão para os Índios da América do Sul; Missão Cristã
Evangélica; e Missão Adventista. Apesar de Algumas denúncias terem sido confirmadas

574
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.GGG.980019214. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ggg/980019214/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ggg_980019214_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
575
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.CCC.990021609. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021609/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021609_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
576
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armada. Sem título. Código de Referência: BR
DFANBSB 2M.0.0.349, v.4. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0349_v_04/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0349_v_04_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 fev. 2021.
421

pelo major Fonseca Hermes577, que procedera a Inquérito Policial Militar na região do
Rio Içana, próximo à fronteira colombiana no Amazonas, o Conselho preferiu minimizá-
las, taxando-as de uma campanha contra evangélicos norte-americanos “não isenta de
jacobinismo acanhado e por vezes suspeito”. Mais que isso, fez questão de sublinhar o
“lado positivo do trabalho dos missionários”, que desempenhariam importante papel de
povoamento da Amazônia e de “pacificação e integração do índio à civilização”.
Recomendava apenas um melhor trabalho de orientação e fiscalização, pelo Serviço de
Proteção aos Índios, desse “auxílio”, que não convinha recusar.
A presença de missionários estrangeiros, em grande parte evangélicos,
permaneceria portanto em alta ao longo das décadas seguintes, fato confirmado pelo
Centro de Informações do Exército, que em relatório de julho de 1987, onde rebatia
acusações do bispo progressista Ivo Lorscheiter de que o governo brasileiro estaria
dificultando a entrada de missionários católicos, sustentava que “O Brasil possui um dos
maiores percentuais de missionários estrangeiros” 578. Argumentava-se que uma “falta de
vocações” impeliria a vinda dos estrangeiros, inclusive progressistas, e que de 1981 a
1985 foram pedidos 1.705 vistos de entrada, cujo “índice de restrição” foi de apenas 1,3%.
Mas, a despeito das palavras do Exército sobre a não discriminação entre católicos
e evangélicos nas concessões de vistos, o governo brasileiro conservou uma explícita
predileção pelos segundos, conforme expresso em documento confidencial de junho de
1987 da Divisão de Segurança e Informações do Ministério do Interior. Além de atestar
a manutenção do interesse estatal na presença missionária na Amazônia, que como vimos
vinha pelo menos desde 1961, “insubstituível quanto à dedicação, à permanência e ao
baixo custo” 579
, dizia-se que as missões católicas, “normalmente sob influência da
Teologia da Libertação, procuram a conscientização do índio para seus direitos”,
contestando frequentemente as disposições do governo e da FUNAI. Além disso,
“Exacerbam a reivindicação pela terra indígena”, conferindo “importância secundária à

577
O militar constatou a presença de missionários sem visto de entrada no Brasil e a desnacionalização de
áreas fronteiriças, onde o único idioma falado, além dos indígenas, era o inglês.
578
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades do Movimento Religioso,
Problemas Fundiarios e Indigenas, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.87062555. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87062555/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87062555_d0001de0003.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.
579
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio.
Seminário Funai/Missões Religiosas Amazonas e Roraima. Código de Referência: BR DFANBSB
AA3.0.MRL.16. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/MRL/0016/BR_DFANBSB_AA
3_0_MRL_0016_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.
422

catequese”. Indicando a “pressão ideológica e reivindicatória” como ponto negativo da


permanência missionária, pretendia-se reduzir o teor religioso e ideológico dessas
iniciativas, referindo-se este último ponto não aos evangélicos, uma vez que a “ação
contestadora só ocorre com os missionários católicos”. Assim, a exemplo do que fizera o
Conselho de Segurança Nacional 26 anos antes, propunha-se para a melhor regulação
dessas atividades um reforço da supervisão estatal, desta vez por via de convênios com a
FUNAI, o que não era feito “de maneira sistemática” nos últimos anos. Noto que em 1983
a FUNAI retomara convênio rompido na década de 1970 com o Instituto Linguístico de
Verão, ação certamente alinhada com tal disposição de aprimorar o monitoramento das
missões e reduzir a influência católica naqueles espaços.
Mas a política de convênios era entravada, novamente, por culpa do clero
progressista que, reunido no Conselho Indigenista Missionário - CIMI, “através de
artifícios e oportunismos, tem explorado as dificuldades dos missionários protestantes”.
Eram de autoria dos primeiros, também, acusações que teimavam em surgir contra os
últimos, “falsamente denunciados de trabalhar para a CIA/USA, contrabandear minérios
e pedras, instalar-se em locais estratégicos”, tudo não passando “de divergência religiosa
explorada para conquista de espaço de poder junto às etnias”. Devido aos católicos, assim,
o número de missões conveniadas permaneceria “insignificante”, conseguindo eles
cooptar os funcionários da FUNAI “pela ideologia e ação religiosa adversa ao
indigenismo oficial” e impor “delongas administrativas”, como acontecido em novembro
de 1985, quando o órgão teve que suspender por seis meses a assinatura e renovação de
convênios.
Por fim, mencionava-se uma série de conclusões tiradas por grupo de trabalho de
1981 sobre os povos Yanomami, envolvendo, além da DSI do Ministério do Interior, o
Conselho de Segurança Nacional, a Agência Central do SNI, a FUNAI e a Força Aérea
Brasileira – FAB. Uma das mais importantes, seria reavaliar o trabalho das missões “com
vistas a julgar a conveniência da sua permanência na área, particularmente das católicas”.
Trazendo tais recomendações de novo à baila, em 1987 advogava o DSI que elas deveriam
ser estendidas a “todas as comunidades da FUNAI”.
A orientação favorável ao missionarismo estrangeiro evangélico parece ter
predominado no Estado brasileiro mesmo durante a restauração do poder Executivo a
mãos civis. Documento da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República em princípios dos anos 1990 expõe de maneira concisa a distinta opinião do
Estado brasileiro, agora sob Fernando Collor de Mello, sobre as missões indígenas
423

católicas e evangélicas. Tratando da condição imposta pelo Banco Mundial - BIRD para
a liberação de empréstimos: maiores medidas para a proteção do meio ambiente, o papel
contém um anexo sobre a presença de organizações estrangeiras na Amazônia, entre elas
missões religiosas. Segundo a Presidência, as católicas, marcadas pela simpatia à
Teologia da Libertação, buscariam o “isolamento do índio” 580, compreendido como única
forma de preservá-lo física e culturalmente. Distanciamento que garantiria também a
posse da terra, “superdimensionada” aos olhos da Presidência, porém necessária, segundo
os religiosos, para o crescimento demográfico, razão pela qual os padres defenderiam “a
intocabilidade dos recursos naturais em terras indígenas”. Já as missões evangélicas, por
outro lado, teriam em comum “a característica de não contestar a política indigenista
oficial”. Tal como os órgãos de inteligência da ditadura, a Presidência situa as
persistentes, porém “não confirmadas”, denúncias contra missionários evangélicos na
“constante disputa pelo espaço de atuação”. Acusações como “descaracterização étnica
dos grupos indígenas ao impor novos valores morais”, fomentar a alienação “à medida
que não conscientiza o índio politicamente, favorecendo a sua exploração pela sociedade
envolvente”, e “trabalhos de prospecção mineral, de contrabando e de espionagem”,
algumas delas, como vimos, ventiladas desde princípios dos anos 1960.
O número de missões estrangeiras em áreas indígenas multiplicou-se, portanto, de
forma descontrolada nas últimas décadas do século XX, pairando sobre muitas as
suspeitas de praxe. Puderam elas contar, todavia, com a complacência do Estado
brasileiro para manter suas atividades com o mínimo de obstáculos.

3.9.1 – O Instituto Linguístico de Verão (Summer Institute of Linguistics)

Segundo relatório confidencial de dezembro de 1980 da Divisão de Segurança e


Informações do Ministério da Educação e Cultura, parte de um dossiê581 produzido pelos
serviços de inteligência da ditadura, a organização missionária interdenominacional

580
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4.MIC,GNC.DIT.910075843. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075843/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075843_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2021.
581
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Summer Institute of Linguistics, SIL.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86054288. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86054288/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86054288_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 fev. 2021.
424

Instituto Linguístico de Verão, vista no capítulo 4, vem para o Brasil em 1959, quando
assinou um acordo de colaboração técnico-científica com o Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. No documento, antropólogos do Museu
encaminham ao governo parecer elencando as razões para pleitearem o término do
acordo, trazendo uma série de informações sobre as atividades do SIL.
O motivo alegado para o tratado foi a carência em 1959 de quadro de pessoal
nacional habilitado a pesquisar as línguas indígenas. Ficava obrigado o Instituto
Linguístico de Verão, portanto, a prover cursos para a formação de linguistas brasileiros
e produzir descrições gramaticais de diferentes idiomas, material a ser encaminhado para
o Museu Nacional que, por sua vez, forneceria “serviços e espaços” para facilitar o
trabalho do SIL. Segundo os antropólogos, o acordo continha termos bastante
desfavoráveis ao Museu Nacional, como o que lhe vedava “qualquer direito de ingerência
ou controle” sobre o fornecimento de resultados e as ações da organização norte-
americana junto aos nativos, tendo a comunicação sido ainda mais dificultada após 1969,
com a mudança da sede do SIL do Rio de Janeiro para Brasília. Quanto à formação de
professores, disseram os antropólogos que, de fato, a entidade ofereceu cursos no Museu
Nacional até 1970, quando a pós-graduação em Linguística da UFRJ foi transferida para
a Faculdade de Letras. Já sobre a produção das gramáticas, foi alegado que, apesar de ter
sido entregue estudos sobre cerca de 50 línguas, em muitos casos havia “uma
desproporção entre o tempo de campo dos pesquisadores e a extensão e qualidade dos
resultados”, faltando, por exemplo, gramáticas pedagógicas e dicionários de línguas que
estariam sendo estudadas pelo SIL havia muitos anos. Sustentando haver condições
presentes para que brasileiros levassem a diante o trabalho e denunciando o mero papel
de receptor relegado ao Museu Nacional, pedia-se o cancelamento do acordo e uma
revisão de futuros tratados de cooperação científica, que deveriam levar em conta não
apenas o aspecto linguístico, “mas o conjunto da atividade desse Instituto junto aos grupos
indígenas do país”.
Em paralelo ao tratado com o Museu Nacional, o Instituto Linguístico de Verão
travou acordos com outras universidades brasileiras e com a Fundação Nacional do Índio
– FUNAI entre 1969 e 1977. Como vimos, ao longo da década de 1970 a organização foi
alvo de inúmeras denúncias em diversos países do mundo, não acontecendo diferente no
Brasil, fato que redundou na interrupção de vários convênios, inclusive com a própria
FUNAI, e que pode ter motivado os professores da UFRJ a tentarem fazer o mesmo. Em
princípios da década de 1980, contudo, se discutia a retomada das atividades do SIL no
425

Brasil, de forma conveniada com a FUNAI, apesar de informação confidencial de 19 de


fevereiro de 1981 emitida pela Agência Central do Serviço Nacional de Informações,
encontrada no mesmo dossiê, enumerar algumas das denúncias, como destruição cultural,
exploração ilegal de minérios, trabalho forçado e ligações com a CIA. O SNI, no entanto,
era da opinião de que o convênio com a FUNAI deveria ser renovado, avaliando as
acusações como infundadas e que “interesses contrariados - de ordem religiosa e relativos
à problemática de aculturação do índio - podem ter concorrido para depreciar a imagem
do trabalho da Entidade perante o Governo Brasileiro”. Trabalho que, de fato, “se reveste
de seriedade e de significativa utilidade para o trato do problema indígena”. O documento
não é explícito neste ponto, mas, conforme vimos, ao falar em interesses religiosos
contrariados, o SNI se referia aos católicos, que, por via do Conselho Indigenista
Missionário, prestavam séria resistência à política indigenista oficial, tecendo críticas a
organizações como o SIL.
Não obstante, a boa vontade do Estado brasileiro para com os evangélicos
traduziu-se, por fim, na retomada do convênio com a FUNAI. Conforme memorando do
SNI de princípios dos anos 1990, desde o cancelamento do convênio com a FUNAI em
1977 o SIL realizou “um trabalho de convencimento das autoridades brasileiras” 582.
Sucedendo em seu intento em 1983, a partir de então a organização passou a enviar para
o SNI e outros órgãos regulares relatórios com suas atividades, procurando “antecipar-se
a possíveis denúncias de atividades ilegais ou desconhecidas, evitando, com isso, a
repetição de 1977”.

3.9.2 – A Missão Novas Tribos do Brasil e Sociedade Asas de Socorro

Outras duas grandes organizações missionárias presentes no Brasil envolvidas em


enrascadas legais foram a Sociedade Asas de Socorro - SAS e a Missão Novas Tribos do
Brasil - MNTB. Foco de polêmicas desde princípios da década de 1960, as suspeitas de
setores estatais permaneceram ao longo dos anos 1980, embora suas atividades não

582
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação do Summer Institute of Linguistics,
SIL. SE143 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.90073621. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/90073621/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_90073621_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2021.
426

tenham sido obstadas, sendo a Asas de Socorro inclusive reconhecida como entidade de
utilidade pública pelo decreto federal 86.871 de 1982.
Ativa no Brasil até hoje, a SAS, representante da organização norte-americana
Mission Aviation Fellowship, baseada em Fullerton, Califórnia, chegou ao país em 1955
pelas mãos dos missionários Harold e Elsie Berk, implantando-se na cidade goiana de
Anápolis. Com o propósito de atingir populações indígenas isoladas, fornecendo suporte
aéreo para diferentes grupos missionários evangélicos, a organização inicia suas
atividades em 1956, chegando até os povos Xavante, Bororo, Nambiquara e Parecis, no
Mato Grosso. Em 1959 a SAS inicia longa parceria com o grupo Missão Novas Tribos
do Brasil, em Roraima, e em 1969 recebe do governo brasileiro, através do Conselho
Nacional de Telecomunicações - CONTEL, licença para instalar um serviço de rádio em
Boa Vista - RR, abrindo em 1976 uma base de operação em Manaus - AM. No final do
século, apesar dos percalços, a SAS alega estar “mais presente na região amazônica”
(NOSSA História. Asas de Socorro, [s.d.]) do que nunca, valendo-se de aviões anfíbios
para aumentar sua capacidade logística.
Já a Missão Novas Tribos do Brasil, subsidiária da New Tribes Mission, fundada
em Chicago em 1942 pelo missionário Paul Fleming e posteriormente sediada em
Sanford, Flórida, penetra no Brasil em 1953, instalando-se em Vianópolis - GO. Também
inteiramente controlada por estrangeiros, alguns dos seus primeiros missionários foram
Olga Dorozowsky, Carl e Cora Taylor, Byron e Jeanne Russel, Mary Jeans Bowman,
Ruth Halk, Rudy Ficek, William Neufeld, Otto e Dreda Austel, Adalberto e Madalena
Denelsbeck, Abraão Kopp e Joe Moreno, que começam trabalho de evangelização com
os povos Pacaas Novos em Rondônia. Logo em seguida, o grupo atinge os Baniua,
Coripaco, Nyengatu, Kaingang, Karajá e Marubo. A organização orgulha-se de ter
estabelecido 102 igrejas em áreas indígenas, mantendo atualmente 480 missionários em
contato com 45 etnias em todas as regiões do país. De maneira um tanto contraditória,
sustenta que todos os povos atingidos “têm a sua identidade étnica e cultural preservada”
(NOSSA História. Missão Novas Tribos do Brasil, [s.d.].), embora conheçam “a Palavra
de Deus e o amor de Cristo alcançou o coração de muitos deles”. Em tempos mais
recentes, sua base foi movida para a cidade goiana de Anápolis, próximo portanto à
parceira SAS. Segundo a Polícia Federal583, apesar de ser um órgão interdenominacional,

583
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Missão Novas Tribos do Brasil Stanton
Roy Donmoyer e Outros Vianopolis Go. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.86053719. Disponível em:
427

a maior parte dos frequentadores da MNTB provêm das igrejas Presbiteriana


Independente e Batista.
Passarei a mostrar agora a existência de fortes indícios da prática de ilícitos por
missionários de ambas as organizações na década de 1980, levados muito a sério por
setores da administração pública brasileira, enquanto outros, sobretudo as esferas
superiores, teimavam em abafá-los, a exemplo do que fizera o Conselho de Segurança
Nacional em 1961.
Um ano antes da Asas de Socorro ser decretada de utilidade pública, o SNI redigiu
um relatório onde é dito que, segundo informações do Departamento de Polícia Federal
do Acre, haveria “possibilidades da Missão Novas Tribos do Brasil ter ligação com
traficantes de drogas” 584. Suspeitava o SNI que os campos de pouso em Cruzeiro do Sul
- AC e Eirunepé - AM, pertencentes à Asas de Socorro, fossem utilizados “na rota do
tráfico de cocaína”, sendo ali fornecida a pasta base da droga por traficantes peruanos.
Conforme dossiê585 confidencial do SNI, em 15 de agosto de 1985 vazara para a
imprensa o fato de que o Departamento de Polícia Federal investigava as ações de uma
quadrilha de traficantes de pedras preciosas que já teria levado para os Estados Unidos
gemas superando o valor de dez milhões de dólares. Alguns nomes envolvidos seriam o
norte-americano Mark Lewis, filho de um dos líderes da Asas de Socorro, preso na
alfândega de Miami com as malas repletas de pedras preciosas; Antonio Carlos Alves de
Calvares, sócio majoritário da Empresa Brasileira de Mineração, Importação e
Exportação LTDA – Embraime; e seu advogado, o ex-ministro da Justiça Ibrahim Abi-
Ackel, como vimos um dos responsáveis pelo contato entre o governo brasileiro e a Igreja
da Unificação em 1981.
De fato, informava o SNI que a Polícia Federal encontrara na residência do dono
da Embraime um cheque de Mark Lewis no valor de 200 mil dólares e a nota fiscal da
transação denunciada pela imprensa, além de “uma procuração de Calvares para o ex-
Ministro Ibrahim Abi-Ackel, que deveria defendê-lo contra duas acusações: de

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86053719/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86053719_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
584
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Suspeita de Trafico de Toxico Missão
Novas Tribos do Brasil, Asas do Socorro. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.LLL.81001241. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/81001241/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_81001241_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
585
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Contrabando de Pedras Preciosas para os
Estados Unidos. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.85010198. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/85010198/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_85010198_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
428

estelionato e de declaração falsa para ostentação de passaporte” 586. Além das recentes
denúncias, Calvares responderia a um processo de falsidade ideológica, estando também
indiciado em outros nove inquéritos por estelionato. Sua ficha criminal, porém, não
parava por aí. Informe de 1983 da Polícia Militar de Goiás anexo ao dossiê contava que
ele fora preso em 1968 por posse ilegal de arma; em julho de 1970 por passar-se por
agente da Polícia Federal; em agosto e setembro do mesmo ano por furto e ao ser autuado
em flagrante delito, cumprindo quatro meses de prisão; sendo encarcerado, novamente,
em 1971 por “briga e arruaça”.
Em depoimento à Polícia Federal em agosto de 1985, Calvares alegou ter
realizado cinco vendas para Mark Edward Lewis entre 1984 e 1985, sempre recebendo
como pagamento cheques de bancos norte-americanos. O depoente dizia desconhecer o
envio clandestino do material para os Estados Unidos, uma vez que Lewis “sempre dizia
ao declarante que venderia as pedras no Brasil para aquisição de peças de avião para a
instituição Asas de Socorro”. Ainda sobre as transações, alegou Calvares ter emitido notas
fiscais, embora essas fossem invariavelmente recusadas pelo comprador, e que lhe
passara despercebido o fato do endereço do norte-americano, constante nas notas, ser do
estado estrangeiro de Kentucky. Tendo Lewis partido para os Estados Unidos e
revelando-se seus cheques sem fundo, Calvares contratara os serviços do advogado,
também norte-americano, Charles See Hayes para cobrar os valores devidos. Hayes,
entretanto, teria entrado em acordo com Lewis e ambos passaram a acusar a Embraime e
seu advogado, Ibrahim Abi-Ackel, de tráfico. Diante de todos esses fatos, a Asas do
Socorro desmentiu publicamente, em matérias de jornais anexas ao dossiê, seu
envolvimento com o caso. Um dos dirigentes brasileiros, Edésio de Oliveira, disse que os
únicos contatos da organização com Calvares aconteceram já havia algum tempo, tendo
o empresário procurado os missionários para reparos em seu avião, serviço regularmente
oferecido pela oficina da SAS. Oliveira negava também relações com Mark Lewis, “salvo
aquelas que decorrem de sua condição de filho de um dos líderes da Asas de Socorro,
Paul Lewis”, apesar de Calvares ter declarado que Mark se apresentara como supervisor
da organização. A ligação da Embraime com a Asas do Socorro, no entanto, é atestada
pelo próprio SNI em outro dossiê587, de outubro de 1985, que registra que a empresa fizera

586
Uma cópia da procuração está anexada ao dossiê.
587
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Sociedade Asas de Socorro.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86054790. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86054790/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86054790_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
429

uma doação à SAS em janeiro daquele ano, portanto em data bem próxima à declaração
de Edésio, de peças de aeronaves no valor de quase seis milhões de cruzeiros.
No mesmo dossiê, consta relatório da Divisão de Política Fazendária da Polícia
Federal que enumera denúncias feitas à SAS desde 1962. Notava o papel que as “áreas
em que normalmente opera, estão localizadas em reservas indígenas e áreas de garimpo”.
Tratava-se sobretudo da região denominada Surucucu, dentro de uma reserva Yanomami
em Roraima. Contava-se que levantamentos sobre as ações da organização tinham sido
feitos em 1984 pelo Departamento Nacional de Telecomunicações - DENTEL, que
recomendara ao Conselho de Segurança Nacional “uma investigação mais acurada” do
grupo. Isso porque fora constatado um intenso movimento de aviões, a implantação de
um robusto sistema de telecomunicações, a presença de uma grande quantidade de
estrangeiros, “inclusive, ao que tudo indica, dirigindo efetivamente a entidade e as
atividades em locais remotos”, além de um “aparente desvirtuamento das finalidades da
Sociedade”. Sobre a estrutura administrativa da SAS, chamava atenção da Polícia Federal
o fato de que, apesar do seu presidente ser sempre um brasileiro, este mantinha procuração
com amplos poderes em nome dos membros norte-americanos, e que o secretário-geral
“sempre foi um norte-americano desde a sua fundação”, sendo este “quem praticamente
gere a Sociedade”. Os agentes federais estavam, enfim, convencidos da “associação da
entidade “Missionária” com o contrabandista Antônio Calvares”, segundo eles evidentes
tanto pelas doações de Calvares como pelo fato de que, segundo o próprio, a SAS sempre
avalizava os cheques emitidos por Lewis. Argumentava-se, ainda, que desde muito a SAS
“chama a atenção de funcionários das estatais que circulam pela Amazônia”. Como por
exemplo o antropólogo Terri Vale de Aquino, membro da Comissão pró-índio do Acre e
coordenador de assuntos indígenas na Fundação Cultural do Estado, que “por várias vezes
alertou as autoridades brasileiras para o envolvimento dos missionários com o
contrabando de minérios”, denunciando que os indígenas “chegam a ajudá-los,
inocentemente, “no embarque de sacos de material colhido na floresta camuflado com
areia”’. Terri teria sugerido inclusive “a intervenção do Exército e Aeronáutica para
impedir que o grupo Asas do Socorro e a missão novas tribos “continuem
contrabandeando pedras preciosas para os Estados Unidos e envolvendo os índios nessa
operações criminais e nocivas ao país”’ (SIC). Mais adiante, a PF relata contados mantido
com fonte anônima, um “piloto acostumado a sobrevoar a área do Surucucu”, que
informara que apesar da reserva indígena na região ser fechada aos brancos, os aviões da
SAS circulavam sem problemas. Aeronaves modernas, capazes de pousar em pistas
430

pequenas e com autonomia suficiente para deixar o Brasil. Informava o piloto, também,
ter notado locais “sem vegetação natural”, não aparentando ser resultado de
deslizamentos e/ ou queimadas, suspeitando da execução de pesquisas geológicas na área,
riquíssima em cassiterita, ouro, diamantes e outros metais. Outro fato que despertava a
sua desconfiança seria a constante vigilância dos aviões da organização no hangar próprio
mantido do aeroporto de Boa Vista, único completamente fechado em toda a região, sob
o olhar de segurança privada que impediria “a aproximação de curiosos”.
Conforme matéria publicada pelo Jornal de Brasília em 27 de agosto daquele ano,
anexa a outro amplo dossiê da Divisão de Segurança e Informações do Ministério das
Relações Exteriores sobre as denúncias a órgãos missionários estrangeiros, líderes da
etnia Tikuna reunidos em Brasília endossaram as acusações, sustentando que tanto a SAS
como a MNTB impediam frequentemente brasileiros de entrar na em áreas próximas ao
rio Ituí, no estado do Amazonas, de onde saíam semanalmente aviões carregados de
pedras, acrescentando que fazia anos “que eles carregam pedras lá das terras dos
marubo588”589. Em outra matéria, de 25 de agosto, o Jornal de Brasília acusou o ex-
ministro da justiça Ibrahim Abi-Ackel, suspeito de cumplicidade no contrabando, de ter
facilitado a concessão da autorização para que a SAS funcionasse em terras amazônicas
como entidade filantrópica sem fins lucrativos, apesar de parecer desfavorável do
Conselho de Segurança Nacional. Ackel terminaria, entretanto, inocentado das acusações.
Finalmente, as atividades amazônicas da SAS tiveram uma interrupção temporária agosto
de 1985 por ordem do presidente da FUNAI, Gerson da Silva Alves, assim
permanecendo, contudo, apenas até 1988.
Também a Missão Novas Tribos do Brasil estava sob a mira da Polícia Federal
em finais de 1985. Em informe confidencial do Centro de Informações da PF de outubro
daquele ano, era destacada a coincidência de a MNTB somente atuar “em regiões que
possuem recursos naturais aproveitáveis economicamente” 590, estranhando-se também o

588
Etnia que habita as margens dos rios Curuçá e Ituí, na Terra Indígena Vale do Javari no estado do
Amazonas, próximo à fronteira com o Acre.
589
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
590
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Missão Novas Tribos do Brasil Stanton
Roy Donmoyer e Outros Vianopolis Go. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.86053719. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86053719/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86053719_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
431

fato de a organização estar “impondo restrições à visita de estranhos às suas atividades


por razões desconhecidas e não justificadas”.
Mas, a despeito dos múltiplos indícios de operações ilícitas e lesivas aos interesses
nacionais, os missionários conservavam a simpatia de muitas porções regime. O
departamento da Polícia Federal de Goiás, inquirido em dezembro de 1974 pelo SNI a
respeito das ações da SAS, manifestou-se sobre os grupos missionários por ela assistidas
da seguinte forma:

Quanto aos hábitos, costumes sociais e familiares são genuinamente dentro do


estritamente humano e religioso, pois todos os missionários são evangélicos,
alheios aos vícios, defendem a moral social e os bons costumes, levam um
estilo de vida parcimonioso, dentro do sistema nacional brasileiro, despertando
o amor a patria brasileira, pondo em evidência a afetividade natural de seu
povo, sempre cordial, agradável e sincero. Inculcam nas comunidades em que
atuam, os ensinos educacional, de saúde, de higiene, de alfabetização, de
trabalhos manuais e de agricultura, prestando ainda assistência médico-
hospitalar591. (SIC)

Era de opinião semelhante a Divisão de Segurança e Informações do Ministério


da Justiça em agosto de 1986. Reforçando a importância da SAS para as operações
missionárias no país, notava o órgão que ela era “o único elo de ligação e de
comunicações, no que tange ao fluxo logístico de pessoal e de material, entre as missões
protestantes no Brasil”592, insistindo na falta de provas de atividades ilícitas tanto da SAS
como de outras organizações missionárias norte-americanas, como o Instituto Linguístico
de Verão, a Missão Novas Tribos do Brasil e a Missão Evangélica da Amazônia - MEVA.
Ignorando as informações fornecidas por outros órgãos do Executivo Federal, as mais
altas esferas do regime voltavam, aqui, à velha tese de que a origem das denúncias
“repousa na disputa acirrada dos missionários católicos contra os pastores protestantes,
sob a orientação e com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (CIMI)”. Acusava a
DSI inclusive os próprios funcionários da FUNAI de estarem sob influência do CIMI,
que “sensibilizou e envolveu as autoridades interessadas, a ponto de os convênios com o
SIL, a MNTB, A MEVA e a SAS terem sido denunciados pela FUNAI”, órgão onde os

591
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores, Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
592
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Sociedade Asas do Socorro, SAS, SE132
AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86060054. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86060054/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86060054_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
432

católicos teriam conseguido infiltrar “alguns de seus quadros de maior projeção”. Mas a
influência do CIMI não se restringiria aos órgãos do Executivo, também no Congresso
estaria movendo pesada campanha ideológica desde 1982, através do deputado federal da
etnia Xavante Mário Juruna. O propósito desses atos de “infiltração, de pressão e de
insuflação exercidos contra os missionários protestantes” seria a “destruição gradual das
missões protestantes, a diluição de sua assistência às comunidades indígenas e a negação
de sua presença da parte das lideranças comunais silvícolas”. Voltando-se
especificamente para a SAS, dizia-se que “nada há configurado em desabono aos
interesses nacionais, em especial no concernente ao comportamento desses religiosos
segundo os ditames da Política indigenista”. Muito pelo contrário, para a DSI, “Ao
contrário de determinadas entidades católicas, tem-se observado que as missões religiosas
protestantes, voluntariamente, costumam mostrar de modo transparente as suas estruturas,
os seus objetivos e os seus meios de ação”.
Já o SNI, em documento de setembro de 1986, também se fazia de surdo aos
pareceres negativos emitidos por outros órgãos do Executivo, como a própria Polícia
Federal, alegando haver preconceitos, uma “ideia generalizada, comum até a nível de
órgãos de segurança” 593, que tenderiam a atribuir a organizações como a MNTB e a SAS
suspeitas de contrabando, de destruição da cultura indígena e da “prestação camuflada de
serviços de inteligência para a CIA”. No fundo, alegações vazias, difundidas por
“antropólogos, indigenistas de fora e de dentro dos quadros da FUNAI, compromissados
com o chamado “indigenismo autêntico”’. Por outro lado, destacava-se a necessidade de
manutenção das atividades da MNTB e da SAS, em razão de a FUNAI não ter “recursos
orçamentários e muito menos, a nível de pessoal, condições para assumir os encargos e
os trabalhos desenvolvidos pelas Missões na Amazônia”, sustentando haver uma “grande
dependência, em alguns casos vitais, do índio para com a MNTB, que conta na região
com o decisivo apoio logístico aéreo mantido pela organização “Asas do Socorro”’. Eram
mencionadas palavras do superintendente da FUNAI em Manaus - AM, o “sertanista”
Sebastião Amâncio da Costa, que, além de julgar “meritório” o trabalho da MNTB,
alertava para o fato de que o órgão “não “subverte o índio”, como é o caso de algumas
organizações de fortes condicionamentos político-ideológicos, integradas por indivíduos

593
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Comunidades Indigenas assistidas pela
Missão Religiosa Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.LLL.86006629. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/86006629/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_86006629_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
433

radicais, que “procuram induzir os índios a conflitos com colonos, autoridades e até
mesmo com a própria FUNAI”. Amâncio recomendava, inclusive, que se aumentasse o
número de comunidades indígenas assistidas pela MNTB.
O favor estatal para com os missionários evangélicos estrangeiros era admitido
pelo próprio Comando Militar da Amazônia, que chamava atenção para “uma
complacência e até mesmo apoio das autoridades municipais, estaduais e federais com
relação a estes missionários”594. Relatório de 1974 do CMA arrolava, assim, uma série de
críticas baseadas em “relatórios, operações de tropa, operações de informações, buscas
etc.”, constatando “que a obra de missionários estrangeiros, se não é nociva, pelo menos
nada de construtivo apresenta, senão a pregação da Bíblia que normalmente estes
“abnegados” fazem com a tradução para o dialeto indígena”. Reconhecendo não possuir
naquele momento “confirmação tácita” de muitas das irregularidades atribuídas aos
missionários, notava-se, porém, o seu zelo em “manter afastados os curiosos da região
onde operam”, e que, de fato, muitos encontravam-se ilegalmente no país, figurando entre
eles, ainda, muitos pesquisadores que poderiam servir às supostas operações de garimpo
ilegais. O CMA lamentava também a total falta de fiscalização de suas ações,
argumentando que

se o fenômeno fosse inverso, isto é 50, 60 ou mais missionários brasileiros, nos


Estados Unidos, França ou Alemanha, se propusessem a realizar qualquer
trabalho de pesquisa, evangelização ou o que fosse, teriam naturalmente uma
série de dificuldades junto às autoridades daqueles países, no mínimo a
apresentação de passaporte, além dos controle periódicos a que seriam
submetidos.

Mas a posição predominante no seio do governo brasileiro era favorável à paz


com as organizações missionárias. Ela acabou sendo costurada, em finais de 1986, entre
missionários e a direção da Fundação Nacional do Índio do Acre, sessão da FUNAI que
contava “com um maior apoio da MNTB e da “Asas do Socorro”595, em sua jurisdição”.
Ali, os religiosos Bruce Weldon Hartman e Antonio Pereira Neto externaram o temor de

594
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Estrangeiros em Territorio
Brasileiro. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.74085577. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/74085577/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_74085577_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2021.
595
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Comunidades Indigenas assistidas pela
Missão Religiosa Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.LLL.86006629. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/86006629/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_86006629_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
434

represálias dos setores progressistas, pois eram “contra a linha de atuação” da Comissão
Pró-Índio do Acre – CPI/AC e do CIMI, “por comprometerem na visão dos mesmo,
dentro de um processo de convencimento, retaliativo, a política indigenista do Governo,
a desestabilização social e emocional do índio, “por via de tantas pressões e mudanças
bruscas de natureza político-ideológica”’ (SIC). Reunião que ocorreu no âmbito de uma
excursão de reconhecimento a áreas indígenas no Acre e na Amazônia, entre 7 e 12 de
setembro de 1986, de representantes do SNI, da Divisão de Segurança e Informações do
Ministério do Interior e da Assessoria de Segurança e Informações596 da FUNAI. Viagem
que contou com a assistência de missionários da MNTB e que serviu para o SNI concluir
sobre a necessidade “de se imprimir algumas correções de rumos” ao missionarismo no
país, referindo-se, entretanto, apenas aos católicos, “porque a estratégia de ocupação de
espaços que está sendo gradativamente levado a termo pelo CIMI e CPI, precisa ser
neutralizada” (SIC).
Sendo assim, não apenas as atividades dos missionários prosseguiriam nos anos
seguintes, como seus laços com o Estado restrito se aprofundariam. Em maio de 1988,
documento assinado pelo secretário executivo da Asas de Socorro, Eldon R. Larsen,
mostra que a organização abrira outra frente de trabalho, o “projeto AMDE” 597, iniciado
em junho de 1985 com o fito de levar assistência médica e odontológica para “povos
carentes em regiões de difícil acesso”. Informando a ampliação do programa ao longo de
1987, com um decorrente aumento de despesas, o grupo se encontrara com a coordenação
da Secretaria Especial de Ação Comunitária- SEAC, órgão da Presidência da República
voltado, entre outras coisas, para estimular a canalização de recursos federais para
trabalhos de assistência junto a órgãos governamentais, mas também empresas e
organizações privadas. Pretendia a SAS incluir o AMDE “entre 20 projetos assistenciais
que serão visitados por técnicos do governo visando a destinação de verbas”, justificando
a necessidade da ajuda governamental pela “defazagem no sustento deste trabalho
assistencial” (SIC), impossível de ser mantido apenas com as doações de particulares.

596
Durante a ditadura, as assessorias de segurança e informação - ASI eram seções instalados em diversos
órgãos do poder Executivo Federal, como empresas estatais, autarquias e Universidades, ligadas
diretamente às divisões de Segurança e Informações de cada ministério e, a partir delas, ao Serviço Nacional
de Informações - SNI. Cuidavam, sobretudo, de vigiar a dissidência política no interior desses órgãos.
Diante da manifesta desconfiança da cúpula governamental a funcionários da FUNAI, não surpreende,
portanto, que tenham sido apenas os membros da ASI deste órgão a participar da expedição.
597
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 2M.0.0.155, v.3. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0155_v_03/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0155_v_03_d0006de0014.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
435

Ainda durante o ano de 1988, diversas organizações missionárias, como o Instituto


Linguístico de Verão, a Missão Novas Tribos do Brasil e a Missão Evangélica
Amazônica, voltaram a celebrar convênios com a FUNAI, agora gerida por Romero
Jucá598. Conforme noticiado pelo Jornal de Brasília em 8 de setembro daquele ano,
matéria recortada e acumulada pelos arquivos da DSI do MRE, a renovação de múltiplos
convênios teve como pano de fundo o lançamento de portaria da FUNAI trazendo novas
normas para o acesso de homens brancos às reservas indígenas. A medida foi celebrada
por Jucá, que a anunciava como um dispositivo para aumentar o poder fiscalizador do
governo junto às missões, e pelo presidente do Instituto Linguístico de Verão, John
Michael Taylor, segundo o qual “a Portaria 0745/88 favorece os índios, pois nos dá acesso
às áreas e ficamos numa situação de transparência: todos podem saber o que o SIL faz e
aonde. Isto é importante porque evita, até mesmo, denúncias infundadas” 599 (SIC). Jucá
lamentava, entretanto, que muitos não compreendiam que o que se procurava era “apenas
normatizar o trabalho das missões em benefício dos próprios índios”. Seja como for,
ficava o SIL, a partir de então, autorizado a atuar em 44 áreas indígenas com oitenta
missionários.
Já o contrato firmado com a MNTB, com a duração de três anos, prazo que poderia
ser renovado, para a prestação de serviços “no campo de Educação, Saúde e Assistência
Comunitária” 600, permitia a presença da organização em 39 postos da FUNAI. A área de
abrangência do convênio incluía estados dentro e fora de áreas amazônicas, autorizando
a ação dos missionários no Amazonas, Rondônia, Roraima, Acre, Maranhão, Mato
Grosso, Goiás, Pernambuco, Bahia, Alagoas e Rio Grande do Sul. Os povos atendidos
seriam os Yanomami, Sateré Mawé, Hixkaryana, Macu, Canamari, Kuripako, Baniua,

598
Presidente da FUNAI de maio de 1986 a setembro de 1988, quando foi nomeado por José Sarney
governador de Roraima. Desde 1995 tem acumulado sucessivos mandatos de senador por aquele estado,
nomeado ministro da Previdência Social em 2005 e do Planejamento em 2016. Segundo matéria publicada
pelo jornal El País em 24 de maio de 2016, enquanto presidente da FUNAI, Jucá teria autorizado os
indígenas a celebrarem contratos com empresas madeireiras “para que a mata nativa fosse explorada, o que
segundo especialistas ampliou o ritmo da degradação ambiental nas reservas”, além de facilitar a “venda e
permuta de madeiras nobres apreendidas para as próprias madeireiras em troca de serviços e benfeitorias
nos territórios indígenas”. Teria ele ainda reduzido o tamanho da áreas de reserva dos povos Yanomami,
revisto para patamares inferiores aos estabelecidos pela própria FUNAI no passado (ALESSI, 2016).
599
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Summer Institute of Linguistics. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.ENI.210. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0210/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0210_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.
600
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio.
Atuação em área indígena da Missões Novas Tribos do Brasil - MNTB - Volume II. Código de Referência:
BR DFANBSB AA3.0.MRL.14. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/MRL/0014/BR_DFANBSB_AA
3_0_MRL_0014_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
436

Werekena, Nyengatu, Marubo, Waiãpi, Galibi-Maruorno, Krikati, Timbira, Deni, Pacaas


Novos, Kaingang, Guarani, Kachinawá, Katukina, Manchineri, Apinagé, Culina, Karajá,
Pankaruru, Pankararé, Pataxó, Fulni-ô, Kariri-Xocó, Krahô e Urubu-Kaapor. Aonde a
MNTB chegava também ia a SAS, responsável pelo transporte aéreo de missionários e
equipamentos.
O convênio e a portaria de Jucá, entretanto, não impediram que novas suspeitas
recaíssem sobre a MNTB ao longo dos anos 1990. Em documento de 1991, a Polícia
Federal relata outra denúncia, notando, contudo, não poder confirmá-la, uma vez que não
dispunha de “dados que envolvam os membros dessa instituição em atos ilícitos” 601602.
De qualquer modo, registrou-se que em agosto de 1989 “uma ex-aluna da MNTB”
implicava os missionários em evasões de divisas em dólares. Mais adiante, a PF relata
ainda que alguns missionários “são acusados de exercer atividades mineradoras nas áreas
indígenas”. Ainda que nada pudesse fazer, desprovida de provas contra os missionários,
a PF dá a entender que as missões evangélicas não seriam as mais engajadas no combate
ao garimpo ilegal ao declarar que as “católicas, coordenadas por Dom Aldo Mongiano 603,
são as que mais pressionam os órgãos governamentais para a retirada dos garimpeiros”
de áreas como as habitadas pelos Yanomami em Roraima.

4 - Conclusão

Vimos que o Estado brasileiro desde os momentos iniciais da projeção norte-


americana como principal potência mundial, em sua política de aproximação cultural e
abertura econômica para a nação do norte, abriu, da mesma forma, nossas fronteiras para
organizações religiosas dali provenientes. A aliança econômica de nossos empresários
com os Estados Unidos repercutiu, assim, no universo religioso nacional, uma vez que
organizações de fé estrangeiras e conservadoras mostraram-se dispostas a sustentar
ideológica e politicamente um Estado restrito hegemonizado por essa burguesia ao longo
de toda a segunda metade do século XX.

601
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075798/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
602
Como vimos, entretanto, a documentação mostra que a Polícia Federal investigava a MNTB pelo menos
desde 1985.
603
Bispo da diocese de Roraima muito ativo na defesa dos direitos indígenas.
437

Tal parceria se mostrou mais evidente nos anos ditatoriais, quando se verifica uma
relação simbiótica entre o regime empresarial-militar e múltiplas organizações religiosas
estrangeiras. Puderam religiosos conservadores, portanto, contar com o auxílio e a
complacência do Estado brasileiro, que por todo o período recorreu a critérios políticos,
muitas vezes em prejuízo dos técnicos604 e legais, para nortear seu trato com tais
organizações. Relação cooperativa que persistiu após a derrocada do regime, que, diga-
se de passagem, teve uma sobrevida sob a forma de um “entulho autoritário”
perfeitamente ilustrado pelo funcionamento até o final da década de 1980 do Serviço
Nacional de Informações. Órgão que, mostra a documentação, continuou até seus últimos
dias imiscuindo-se na política burocrática oficial voltada para o universo religioso. De
todo modo, no contexto da redemocratização, as organizações religiosas conservadoras
conseguiram reconfigurar sua forma de inserção no Estado restrito, reforçando a presença
nos Três Poderes e conferindo nos púlpitos, aos governos civis, a mesma legitimação e
sustento que muitas delas proveram à ditadura, continuando a receber desses governos
dádivas para a preservação de sua expansão.
Nos anos 1990, provavelmente seguindo as prescrições do Relatório Santa Fé II,
o conservadorismo religioso projeta-se decididamente através dos meios de comunicação
em massa, com periódicos impressos, uma vasta rede de rádios, programas televisivos e
inclusive uma emissora de televisão, a Rede Record. Em paralelo, a Renovação
Carismática Católica se lança no espaço da mídia eletrônica com a mesma disposição,
expondo seu catolicismo desligado de reflexões sociais e projetado para contrapor-se aos
setores progressistas da CNBB em todas as mídias, controlando muitos veículos de
comunicação eletrônicos. No meio estudantil, outro espaço onde urgia combater a
“campanha comunista”, a Igreja da Unificação se fez presente com publicações voltadas
para esse público e organizando grupos de estudo dedicados a intelectuais conservadores

604
Como por exemplo expresso pelo já mencionado parecer emitido por antropólogos do Museu Nacional,
que trazia críticas à qualidade técnica dos trabalhos do Instituto Linguístico de Verão com povos indígenas.
Tais deficiências eram conhecidas pelo menos desde finais dos anos 1970 pelo governo brasileiro e não se
circunscreviam ao país. Telegrama da embaixada do Brasil no México informava ao Ministério das
Relações Exteriores em agosto de 1979 que o ministro da Educação mexicano se queixara que, apesar de
manter 300 doutores em linguística no país por quarenta anos, o SIL apresentou como resultado o
levantamento de apenas vinte idiomas, sem ter formado sequer um único linguista nacional. O mesmo
dossiê que traz o telegrama exibe relatório do Ministério do Interior de janeiro de 1978, mencionando que
levantamentos da FUNAI sobre as atividades do SIL constataram uma “grande morosidade nos trabalhos
linguísticos e, inclusive, possíveis atividades fora do objetivo do que fora acordado”. ARQUIVO
NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores. Summer Institute
of Linguistics. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.ENI.210. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0210/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0210_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.
438

e à organização de militância política conservadora naquele espaço, como o Colegiado


Acadêmico para a Reflexão de Princípios – CARP. Ali atuou, também, patrocinando
múltiplos congressos e seminários para professores com a meta de discutir “estratégias
para enfrentar e derrotar o comunismo nas Igrejas e nos colégios” 605, fatos que serão
melhor vistos no capítulo seguinte.
No ramo do missionarismo indígena, a postura do Estado restrito brasileiro com
relação às organizações estrangeiras não parece ter se modificado por todo o período,
manifesta numa perene política indigenista oficial, inclinada a tratar os povos originários
como bolsões populacionais desligados do restante da sociedade brasileira que convinha
trazer para a sua concepção de civilização. Neste ponto, a preferência por grupos
evangélicos, menos dispostos a contestar esse projeto, ao contrário dos católicos, é
evidente em todo a segunda metade do século. Razões econômicas também eram
oferecidas para a justificação da abertura dos espaços indígenas à penetração estrangeira,
arcando os próprios missionários com os custos de atendimento desses povos, que ao
Estado não convinha suportar. Abertura que, no mais, tem sido confessadamente
descontrolada, uma vez que órgãos como a FUNAI aparecem incapazes de monitorar o
grande número de missões estrangeiras no país. Em tempos pós-ditadura, a simpatia
estatal para com essas organizações não parece ter sido afetada. Como dito, o SNI
permaneceu até 1990 cuidando das atividades de missionários estrangeiros, emitindo
opiniões muito semelhantes às do Conselho de Segurança Nacional em 1961 no tocante
à conveniência do trabalho missionarista evangélico estrangeiro. Todavia, sua sucessora,
a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, que tinha como
atribuição fornecer subsídios para as decisões do presidente da República, manifestava
durante o governo Collor a mesma desconfiança com relação às missões não evangélicas,
opostas à linha oficial e reivindicando a posse da terra indígena além de limites
considerados razoáveis.
Todas estas iniciativas puderam contar com o apoio de um Estado que se mostrava
disposto inclusive se fazer de cego para sólidos indícios de atos criminosos, sempre
creditados à “campanha ideológica esquerdista”. Assim, vemos que acusações contra

605
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem título. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 mar 2021.
439

religiosos conservadores são minimizadas pelas instâncias governamentais superiores,


como as Divisões de Segurança e Informações e o Serviço Nacional de Informações, que
invariavelmente repetem o argumento da propaganda difamatória, de maneira muito
semelhante ao que o Estado norte-americano fez com acusações direcionadas ao Instituto
Linguístico de Verão por todo o mundo. Em meados da década de 1970, por exemplo, o
embaixador estadunidense em Bogotá, Viron P. Vaky, creditava as inúmeras denúncias
contra o SIL, como associação com a CIA, veículo para o imperialismo norte-americano
e contrabando de esmeraldas e de urânio, à “crítica esquerdista” 606. Afirmações
improcedentes, infladas pelo “fato de que a maioria dos seus programas acontece em
remotas áreas rurais”, tornando fácil “acusá-los de vários malfeitos com pouca
necessidade do suporte de evidências”.

606
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Summer Institute of Linguistics Draws Criticism.
Código de referência 1975BOGOTA06132_b. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1975BOGOTA06132_b.html>. Acesso em: 17 mar. 2021.
440

CAPÍTULO 9
Os fóruns do Partido da Fé Capitalista no Brasil

1- Introdução

Tal como acontecera nos Estados Unidos em princípios da década de 1950, o


Brasil viu a abertura de inúmeros espaços de discussão que se propuseram a integrar o
empresariado, camadas da nossa intelectualidade, agentes governamentais e sacerdotes
em ações ideológicas, de fundo religioso, dispostas a neutralizar as esquerdas e alavancar
pautas economicamente liberais.
País-chave na América Latina, a guerra psicológica e de propaganda estruturada
nos primórdios da Guerra Fria pelas porções superiores do Estado norte-americano
também se desenrolou com vigor por aqui. Conforme visto na Parte II, essa campanha
ganha ímpeto ao longo do governo de Dwight Eisenhower, quando passa a convidar
setores religiosos para dela tomarem parte. Neste momento, destaca Vicente Gil da Silva
(2020, p. 387) que um dos principais pontos de contato entre o governo estadunidense e
organizações civis brasileiras, na articulação e viabilização dessa campanha, foi a
Sociedade de Estudos Interamericanos - SEI.
Ainda que as origens de tal organismo não estejam esclarecidas, Silva (2020, p.
388) supõe que as conversas iniciais para o seu estabelecimento remontem a fevereiro de
1956, em encontro no Rio de Janeiro com membros do governo Juscelino Kubitschek, o
vice-presidente norte-americano Richard Nixon e o secretário de Estado adjunto, Henry
Holland. Na ocasião, este último expressou o desejo de seu governo em apoiar a fundação
no Brasil de uma organização dedicada ao planejamento de ações ideológicas
anticomunistas, contando com o aceite do ministro das relações exteriores, José Carlos
de Macedo Soares, que, conforme citado por Silva, destacou a importância da “unidade
de ação entre os Estados Unidos e o Brasil nesse combate”. No mais, concordava o
brasileiro que seria desejável que tal entidade mantivesse “contato permanente com os
órgãos dos Estados Unidos” a fim de melhor coordenar essa cooperação. De fato, o
projeto viria a concretizar-se por via de um “programa de intercâmbio de informações”
que, conforme Silva, teve na diplomata Odette de Carvalho e Souza elo entre o governo
brasileiro e a CIA. O historiador supõe, contudo, que o general Henrique Teixeira Lott,
ministro da Guerra, teria concebido com Macedo Soares uma segunda estrutura voltada
441

para os mesmos fins. Lott expusera a este último o desejo de criar uma organização
educativa secreta de cunho anticomunista, conseguindo para tanto a simpatia de Macedo
Soares, que propôs, contudo, que num segundo momento a nova organização precisaria
vestir uma “outra fachada” pública, a fim de operar com maior facilidade. Teria nascido
dessa forma a Sociedade de Estudos Interamericanos – SEI, em momento impreciso de
meados da década de 1950.
Tendo como público-alvo setores influentes da classe dominante, como lideranças
religiosas, a SEI dialogaria com esses formadores de opinião, por exemplo, a partir de
boletins com tiragem aproximada de três mil cópias. Conforme Vicente Gil da Silva
(2020, p. 398), um dos destinatários do material foi o cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro,
dom Jaime de Barros Câmara. Outros indícios do contato próximo de religiosos com o
SEI, sublinhados pelo historiador, são as palavras do adido trabalhista do consulado norte-
americano de São Paulo, Jack Liebof, que, em princípios da década de 1960, dissera que
a SEI desfrutava do “apoio da hierarquia da Igreja Católica” (SILVA, Vicente, 2020, p.
594).
Já René Dreifuss (1981) expôs como empresários brasileiros e norte-americanos,
articulados em organizações sem fins declaradamente lucrativos, como o Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais - IPES e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática - IBAD,
intervieram na política brasileira em princípios dos anos 1960, pretendendo voltar a
opinião pública contra o governo Goulart, desestabilizá-lo e reunir o empresariado em
torno de um projeto que pressupunha uma maior internacionalização da economia.
Os dados trazidos pelo pesquisador mostram ainda que ações no campo religioso
figuravam no leque de manobras às quais as organizações brasileiras recorriam para
influenciar mentes em favor das suas metas econômicas, inalcançáveis caso não
encontrassem amparo no âmbito das ideias, inclusive entre a classe trabalhadora. Apesar
de não se deter no tema, Dreifuss (1981, p. 189) informa existir na estrutura do IPES de
São Paulo um Grupo Especial de Conjuntura – GEC, que produzia estudos conjunturais
regulares sobre quatro áreas de ação, a política, a psicológica, a econômica e a de relações
exteriores. Tendo como função precípua a coordenação de facções conspiratórias do
Exército e o fornecimento de suas análises para outros setores do IPES, além de outras
organizações com as quais o IPES dialogava, como Sociedade de Estudos
Interamericanos – SEI vista acima, o GEC procurava, ainda, “penetrar nos sindicatos, nas
organizações estudantis, movimentos camponeses, Igreja e mídia”. Também por via de
publicações de cunho explicitamente propagandístico para “criação de barreiras
442

intelectuais” contra o comunismo, trazendo informações deturpadas, ou mesmo “mentiras


declaradas” (DREIFUSS, 1981, p. 236), tentava o IPES alcançar os meios religiosos. Foi
o caso, por exemplo, das Convivium e Síntese, destinadas “à hierarquia da Igreja e à
intelligentsia católica leiga”. Dreifuss (1981, p. 669) também pinçou do arquivo do IPES
documento relatando uma reunião acontecida em 1962 onde o seu Comitê Executivo
esboçou 12 temas a serem abordados em seminários organizados pelo Instituto. Um deles,
o “Inter-relacionamento da liberdade individual com o regime político-ideológico”,
provavelmente ensejando a crítica dos regimes socialistas em contraste com a democracia
liberal planejada para o Brasil, previa discussões acerca do subtema “Moral, religião e
regime político”.
Faz todo o sentido neste momento o foco conferido à Igreja Católica, que até
tempos recentes arrebanhava a esmagadora maioria da população brasileira, tanto pelo
SEI, como pelo IPES e pelos agentes da CIA. Não obstante, o segmento evangélico, ainda
pouco expressivo na década de 1960, experimentaria em paralelo um inédito processo de
inflação, com a afluência de crescente número de missionários estrangeiros que não
tardaram a implantar e nacionalizar por aqui organizações religiosas nascidas nos Estados
Unidos, inclusive a facção católica Renovação Carismática. Tais missionários manteriam
ligações diretas com os fóruns abertos nos próprios Estados Unidos e estudados no
capítulo 3. Organizações ativas nas décadas de 1950 e 1960, como a Foundation for
Religious Action in the Social and Civil Order – FRASCO, que pretendia alistar crentes
de todo mundo para a luta anticomunista, buscando apoios para um esforço internacional
neste sentido e postulando para tanto aproximações com líderes religiosos em atividade
em diversos países. De forma semelhante, na conferência Foreign Aspects of U.S.
National Security, o pastor batista Edwin T. Dahlberg, líder do National Council of
Churches, propôs o lançamento de armas espirituais por todo o globo a fim de frear a
influência ideológica do comunismo, anunciando que sua organização naquele momento
contava para tanto com mais de dez mil missionários em mais de cinquenta países.
Outros espaços dedicados a fornecer munição ideológica, pôr em contato e
articular líderes religiosos e outros grupos de influência da sociedade brasileira em torno
do projeto conservador emanado do Norte, onde evangélicos passam a ter função
destacada, apenas aparecem na documentação do Estado brasileiro em princípios da
década de 1980. Acontecendo com uma diferença de quase três décadas em relação aos
EUA, foram eles certamente impulsionados pela reabertura política daqueles anos, não
sendo então por acaso que em seu interior muito se discutirá a futura Constituinte e a
443

influência crescente das esquerdas no Estado restrito. Num momento em que o Estado,
que se democratizava, via seu poder de coerção relativamente desidratado, uma maior
articulação entre os setores conservadores passou a ser demandada pela necessidade de
incremento das instâncias produtoras de consenso. O panorama era certamente agravado
pela crescente força dos movimentos sociais e do clero progressista, sendo igrejas e
clérigos conservadores chamados a ampliar seus esforços na contenção de ambos e na
manutenção de estruturas sociais preservadas com zelo pelo regime de 64. Assim, o SNI
dirá, em dossiê de 1986 a respeito da crescente influência da Igreja da Unificação, suas
associações ideológicas paralelas, e declarados planos de apoio a candidatos para a
vindoura Constituinte, que “Com a redemocratização, em curso na América Latina, a
Seita passou a vislumbrar a oportunidade de se fazer influir na política dos países onde
atua”607.
Ou seja, as décadas finais do século XX são caracterizadas, para historiadores
como Virgínia Fontes (2010, p. 320), por uma “complexificação do padrão da dominação
burguesa no Brasil” que, ao mesmo tempo em que mantinha em funcionamento boa parte
das estruturas autoritárias onipresentes em nossa história contemporânea, somaria ao seu
repertório “novas modalidades de convencimento”. Os eventos narrados a seguir inserem-
se neste último propósito.

2 – O complexo ideológico organizado pela Igreja da Unificação

A Associação do Espírito Santo para Unificação do Cristianismo Mundial608, ou


Igreja da Unificação, parece ter sido um dos principais mecanismos de coesão do Partido
da Fé Capitalista em âmbito planetário, intenção expressa no próprio nome. Também na
América Latina ela desempenhou papel importantíssimo, sobretudo através de inúmeros
fóruns realizados pelas suas várias subsidiárias a partir de princípios dos anos 1980.
Como vimos, a Igreja não poupou esforços para se aproximar do governo
ditatorial brasileiro, estratagema repetido com os demais regimes autoritários do

607
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Igreja da Unificação em
Curitiba PR, SS14 ACT. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.87007026. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/nnn/87007026/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_nnn_87007026_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
608
Durante a maior parte do século XX esse foi o nome completo da Igreja da Unificação, exibido, por
exemplo, em suas publicações oficiais, como a revista Mundo Unificado.
444

continente. Convite609 de maio de 1983 para conferência que aconteceu em junho daquele
ano em Denver, Colorado, enviado pela CAUSA Internacional, apêndice da Igreja da
Unificação estudado no capítulo 3, ao cônsul-geral brasileiro, Carlos Eduardo Alves de
Souza, esclarece de forma cristalina os planos hegemônicos das organizações
comandadas pelo reverendo Moon. Segundo os organizadores Leonard Chas Brown Jr. e
Warren Richardson, as atividades da CAUSA, “fundeadas por interesses empresariais
conectados com a Igreja da Unificação”, dedicavam-se a disseminar uma “visão de
mundo” norteada por uma “filosofia teocêntrica”, “ecumênica em seu apelo”. Pretendia-
se, portanto, não a conversão a igrejas específicas, mas “prover a fundação para a
cooperação daqueles que aceitam Deus contra o inimigo comum, o comunismo”, projeto
que não deixava o Brasil de fora.

2.1 - Brasileiros em eventos patrocinados pela Igreja da Unificação fora das


américas

Não se restringindo à participação de brasileiros nos fóruns realizados em nosso


país e nos vizinhos, em concordância com o caráter mundial que os unificacionistas
queriam imprimir ao movimento, antes de vermos as ações dessa organização aqui e na
América Latina cabe acompanhar a presença de nacionais em encontros ocorridos em
outros continentes. Aconteceram eles num contexto de rápida extensão mundial das
entidades unificacionistas, informando o SNI610 em 1981 que a CAUSA Internacional já
mantinha representações em 127 países em todos os continentes.
Em 11 de setembro de 1981 aconteceu na capital norte-americana, Washington, o
seminário Unificacionismo: Novas Ideias para uma Sociedade em Crise. Organizado pela
CAUSA Internacional em parceria com outra organização conservadora, o New World
Forum, um dos convidados foi Renato Prado Guimarães, cônsul-geral adjunto e chefe do
escritório comercial do governo brasileiro em Nova Iorque. Bastante restrito, o seminário

609
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
610
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito Santo para
Unificação do Cristianismo Mundial. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.81001953. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0001de0005.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2021.
445

reuniu apenas cinquenta pessoas, procurando promover “um intercâmbio dinâmico entre
as novas ideias do Unificacionismo e os conhecimentos e experiências dos
participantes”611, a fim de traçar “uma estratégia mais firme para o futuro” diante dos
“desafios que as Américas enfrentam hoje em dia”. Ali falaram Paul Perry, identificado
como “investigador da CAUSA Internacional”, e Thomas Ward, diretor acadêmico. Os
temas debatidos foram “Alternativas sociopolíticas para o homem do século vinte”,
“Crítica filosófica e científica e alternativa ao materialismo dialético”, “Quão inevitável
é a revolução marxista nas Américas” e “Implicações práticas do Unificacionismo”.
Outros eventos no exterior contando com brasileiros, como visto nos capítulos 3
e 8, foram a IV e a V World Media Conference, realizadas Nova Iorque em outubro de
1981 e em Seul no mesmo mês de 1982 e direcionadas especificamente para a imprensa.
Conforme a documentação, compareceram, além do jornalista do grupo Folha de São
Paulo Antonio Aggio Júnior, o dirigente da Escola Superior de Guerra, Nuno Linhares
Velloso, e o policial do DOPS de São Paulo, Carlos Antonio Guimarães, ao lado da nata
conservadora mundial. Organizado pela empresa de mídia controlada pela Igreja da
Unificação, News World Communication, o propósito declarado dessas conferências foi
a discussão das “barreiras ideológicas, éticas e políticas à liberdade de imprensa
internacional”612. Mas, levando em conta a ostensiva agenda política da Igreja, bem como
o perfil dos brasileiros convidados, todos ligados a órgãos conservadores de informação,
pode-se supor que o que se pretendia era a articulação de um esforço midiático
internacional anticomunista.
Vista no capítulo 3, a Décima Conferência Internacional sobre a Unidade das
Ciências, em Seul em novembro de 1981, reuniu religiosos, intelectuais e empresários de
várias partes do mundo, entre eles dez brasileiros, com destaque para Mário de Mari,
empresário da construção civil e ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado do
Paraná (FIEP); Saturnino Dadam, então deputado estadual em Santa Catarina pelo partido
governista PDS; Cesário Morey Hossri, professor da Universidade de Taubaté e da Escola
Internacional de Sofrologia de Barcelona e, mais tarde, do SENAI; Alfonso Trujillo

611
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
612
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
446

Ferrari, professor de Sociologia na UNICAMP; Maria Salete Zuske Trujillo, professora


de Antropologia na Pontifícia Universidade Católica de Campinas; Maria Angela
Pimentel Mangeon vice-diretora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Faculdade Nossa Senhora do Patrocínio em Itu – SP; Hilton Amaral, professor de
português e assessor do secretário de Educação de Santa Catarina; Joveny Sebastião
Candido de Oliveira, professor de Teoria Geral do Estado e Ciência Política em Goiânia;
e do gaúcho Hugo de Plínio Paz, sobre o qual não há maiores informações. Entre eles,
teve destaque Cesário Morey Hossri, único conferencista brasileiro, que apresentou a fala
“Treinamento Autógeno Dinâmico”613.
Em extenso relatório, o SNI notava que o movimento anticomunista liderado pelo
complexo de organizações da Igreja da Unificação, naquele momento concentrando
grande parte de suas forças no “combate à parcela do clero católico engajada
ideologicamente à tendência esquerdista”, “vem recebendo adesões nos países onde está
se infiltrando, inclusive nas Forças Armadas e nas estruturas governamentais de países
considerados estratégicos para seus propósitos”. Concluía o Serviço que o movimento
mantinha “tentáculos” por todo o planeta, dotado de um poderio econômico “bastante
grande”.
Em novembro de 1984 aconteceu em Tóquio, Japão, a 7ª Conferência Mundial da
CAUSA. Segundo o SNI614, alguns brasileiros presentes foram Joveny Sebastião Cândido
de Oliveira e Cid Albernaz de Oliveira, professor da Escola Superior de Guerra, ambos
tidos pelo Serviço como “radicais de direita”.

2.2 – A integração anticomunista interamericana

613
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espírito Santo para a
Unificação do Cristianismo Mundial. Arquivo Nacional. Código de referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.81001953. Disponível em: <
http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0002de0005.pdf > e
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0004de0005.pdf>. Acesso em: 30 set. 2020.
614
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Realização da Setima Conferencia Mundial
Da CAUSA Internacional em Toquio e Seul. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.84009632. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/rrr/84009632/br_dfanbsb_v8_mi
c_gnc_rrr_84009632_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
447

Segundo o SNI, as atividades da Igreja da Unificação ao Sul dos Estados Unidos


começaram de modo discreto com “contatos mantidos com as representações
diplomáticas latino-americanas”615 em terras norte-americanas, “inclusive a brasileira”,
“convidadas para eventos que assumiam caráter essencialmente sócio-político”.
Posteriormente, a Igreja começou a estabelecer filiais “em países em que as Forças
Armadas exerciam maior influência no Poder”, conseguindo “penetrar inicialmente no
Chile e na Argentina”, embora não tenha conseguido maiores aproximações com os
grupos dirigentes destes países, “possivelmente pela forte oposição católica que
encontraram em suas Forças Armadas”. Em outros lugares, todavia, o sucesso foi maior.
Na Bolívia, “a Igreja conquistou favores do então Governo do General Luís Garcia Meza,
para implantação de uma estação de rádio e televisão”, no Paraguai, pôde realizar cursos
públicos de anticomunismo em diretórios do Partido Colorado, graças a “certa influência”
junto ao ditador Alfredo Stroessner, enquanto em Honduras um dos mais importantes
adeptos do unificacionismo seria o chefe das Forças Armadas, general Gustavo Alvarez
Martinez. Mostrou-se especialmente acolhedora a ditadura uruguaia, onde “diversos
militares estão envolvidos nas atividades da seita”, que escolheu o país para sua base
latino-americana, pesando também a facilidade de remessas de lucros para o exterior
concedida pelas leis locais.
De acordo com a embaixada brasileira em São Domingos, o primeiro encontro
patrocinado pela organização entre países latino-americanos aconteceu em outubro de
1983 na República Dominicana. Tratou-se de um seminário da CAUSA Internacional que
teve lugar num complexo turístico de propriedade da Gulf and Western Corporation,
empresa que dominava um terço da produção açucareira do país. Com a frequência de
duzentas pessoas, o evento foi presidido pelo coronel coreano Bo Hi Pak, como já vimos
um dos grandes articuladores das atividades anticomunistas da Igreja da Unificação na
América Latina; o secretário-geral Antonio Betancourt, colombiano; o secretário-geral
Thomas Ward e o Diretor William Lay, ambos norte-americanos; além do dissidente
soviético Mikael Makarenko. Em ofício ao seu governo, o embaixador brasileiro Nestor
Luiz F. B. dos Santos Lima repassava informações colhidas junto à imprensa local dando
conta de que a Igreja procurava se instalar no país, tal como fizera em outras partes,

615
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja da Unificação. Objetivos e
Atividades nos EUA e America Latina. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.84041774. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/84041774/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_aaa_84041774_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
448

valendo-se do seu poder econômico, no caso usando como “pretexto”616 a compra do


Hotel Jaragua. Era reportando, ainda, que o jornal El Nacional condenou “a formula neo-
fascista do receituário preconizado pela nebulosa entidade”.
O comunicado do embaixador encontra-se num amplo dossiê da Divisão de
Segurança e informações do Ministério das Relações Exteriores, que fala ainda de um
segundo evento, dessa vez em Montevidéu, que recebeu, em fevereiro de 1984, a I
Convenção Panamericana da Causa Internacional. Conforme informado
confidencialmente pela embaixada brasileira, os organizadores do evento, em entrevista
à imprensa, tentaram camuflar sua proximidade com o governo uruguaio, refutando a
participação nas atividades da CAUSA do ex-comandante-em-chefe do Exército Luís
Vicente Queirolo, um dos principais articuladores da Operação Condor, sobre quem
“circularam rumores de que teria facilitado a entrada de capitais da seita” usados para a
compra de um banco, do jornal Ultimas Notícias e de imóveis, entre eles a sede local da
CAUSA. Segundo matéria do Jornal de Brasília incluída no mesmo dossiê, o presidente
da CAUSA uruguaia seria Julian Safi, por muitos anos porta-voz oficial da ditadura, e o
vice-presidente sogro do ditador Gregorio Álvarez.
O Centro de Informações da Marinha - CENIMAR, que acompanhou o evento de
perto, confirmava o Uruguai como base unificacionista no Cone Sul, frisando que a
CAUSA pretendia instalar, a partir dali, um centro de irradiação de sua campanha
anticomunista, “aproveitando a sua forte influência na área militar e na estrutura
governamental daquele país”617. Já sobre a Convenção, dizia o CENIMAR que a
“delegação brasileira” foi composta por 45 pessoas, entre religiosos, acadêmicos,
funcionários estatais, militares, jornalistas e empresários. Alguns presentes de destaque
foram Cid de Albernaz Oliveira, professor da Escola Superior de Guerra; Hilton Guedes
Alcoforado, diretor da Faculdade de Direito de Recife - PE; Joezil dos Anjos Barros,
jornalista; o padre Emir Caluff, como vimos no capítulo 8 articulista no jornal do
Colegiado Acadêmico para a Reflexão de Princípios - CARP; Joveny Sebastião Candido
de Oliveira, professor de Teoria Geral do Estado e Ciência Política em Goiás; o pastor

616
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
617
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Convenção Panamericana da Organização
Causa Internacional, Seita Moon. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.84041944.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/84041944/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_84041944_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
449

presbiteriano Manoel Peres Sobrinho; Josué Alves Ribeiro Chagas, oficial do Exército;
Aécio Falvio Silveira Coutinho, coronel da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais;
Hermógenes Coelho Júnior, diretor do Departamento de Estradas e Rodagem de Goiás;
Carlos Danilo Costa Côrtes, jornalista; Ari de Cristian, Major do Exército; Rubem José
Ferreira, coronel da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, e dirigente da CAUSA no
Estado; Anésio de Lara Campos Júnior, presidente da Ação Integralista Brasileira; Lino
Rocha, jornalista e assessor de Imprensa do governo de Pernambuco; Lenildo Tabosa
Pessoa, jornalista no Estado de São Paulo e no Jornal da Tarde; Mário de Mari,
empresário e naquela altura presidente do Movimento Brasileiro de Alfabetização -
MOBRAL618 em Curitiba-PR; Hugo di Primo Paz, empresário e professor da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul; e Nuno Linhares Veloso, professor da Escola
Superior de Guerra. Assistido por indivíduos de vários países das duas Américas, o
evento, cuja lista completa de participantes figura em documento619 do Centro de
Informações do Exterior – CIEX620, foi brindado também por proeminentes norte-
americanos. Entre eles destacam-se o brigadeiro-general Robert Richardson II; Philip
Sanchez, presidente da empresa Woodside Inc. e ex-subsecretário de Estado no governo
Gerald Ford; Osborne Scott, pastor da Igreja Batista do Brooklyn; Cleon Skousen,
membro da John Birch Society, associação anticomunista, ultraliberal e reduto
fundamentalista, vista no capítulo 4; David Sullivan, assistente legislativo do Senado; e
o comandante da Marinha Lloyd Bucher.
As atividades da Igreja da Unificação se desdobraram em ainda outras
organizações paralelas em funcionamento no Cone-Sul, como a Associación Pro-Unidad
Latino-Americana - AULA, criada em 1983 e chefiada pelo diplomata colombiano José
Maria Chaves. Até 1986 a AULA realizara três grandes conferências, a primeira em Paris,
em 1984, a segunda em Roma, em 1985, e a mais recente na capital latino-americana do

618
Inaugurado em março de 1968, com o MOBRAL a ditadura pretendia abafar outras iniciativas
alfabetizadoras inspiradas nos métodos projetados por Paulo Freire, opositor do regime de 1964.
619
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Uruguai Participantes do Congresso da
Confederação para a Associação e Unidade das Sociedades Americanas ou Causa Internacional. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.84043228. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/84043228/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_aaa_84043228_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
620
Fundado em 1966, o CIEX era um braço do SNI no Ministério das Relações Exteriores.
450

unificacionismo, Montevidéu621. Acrescentava o SNI622 que ex-presidentes latino-


americanos, como o colombiano Belizário Betancourt e o venezuelano Luís Herrera
Campins, eram alguns dos seus membros. No contexto latino-americano, outras
importantes entidades indicadas pelo Serviço seriam o International Security Council,
visto no capítulo 3, do qual fazia parte o diplomata José Oswaldo de Meira Penna; a
CAUSA Ministerial Alliance, que, de acordo com o SNI, “congrega de forma ecumênica,
representantes de igrejas batistas, luteranas, adventistas, mórmons, católicas e outras”; e
a Associação Mundial dos Meios de Comunicações, dedicada às atividades de mídia.

2.3 – A inserção brasileira do unificacionismo

A exemplo de outros países latino-americanos, se repetiu no Brasil, como visto no


capítulo passado, a simbiose dos unificacionistas com as Forças Armadas e seu governo
autoritário. Mesmo após a redemocratização, a Igreja não deixou de cultivar essa relação,
conforme expresso por documento confidencial do SNI de novembro de 1987. Naqueles
dias, representantes da Igreja foram ao Sétimo Comando Aéreo Regional - VII COMAR,
em Manaus - AM, solicitando permissão para realizar uma conferência da CAUSA Brasil
“para os militares sediados naquela Organização Militar”623, deixando ali “folhetos com
informações sobre essa organização”. O documento não revela se a permissão foi
concedida ou não, concluindo apenas que a iniciativa “pode ser entendida como uma
tentativa de buscar a simpatia de militares para as atividades desse movimento, já que o
conhecido espírito anticomunista do contingente militar brasileiro vai ao encontro dos
preceitos de oposição ao marxismo propagados pela Associação”. Na mesma direção,
outro papel do SNI nota que a CAUSA Brasil “tem feito esforço no sentido de aproximar-
se de jovens oficiais do Exército, da Polícia Militar, dos delegados da Polícia Civil e

621
Sem Título. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB IE.0.0.24. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_ie/0/0/0024/br_dfanbsb_ie_0_0_0024_d0003
de0009.pdf>. Acesso em 25 mar. 2021.
622
Atividades da CAUSA no Brasil. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.86018726. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/eee/86018726/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_eee_86018726_d0001de0001.pdf>. Acesso em 25 mar. 2021.
623
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Internacional CAUSA Brasil.
Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.LLL.87007278. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/lll/87007278/br_dfanbsb_v8_mi
c_gnc_lll_87007278_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 24 mar. 20201.
451

Polícia Federal, de integrantes da Comunidade de Informações, além de políticos e


pessoas influentes na sociedade”624.
Com efeito, para além da complacência com a qual o regime ditatorial brasileiro
tratou a Igreja, sobre a qual pairavam sérios indícios de ilicitudes, em momentos mais
recentes a participação de militares e funcionários do Estado restrito no projeto de
articulação de uma frente ampla conservadora com viés religioso se expressa na sua
presença em diversos eventos patrocinados pelo reverendo Moon, dentro e fora do Brasil.
O próprio SNI confessava haver uma “grande adesão ao movimento” 625 no Brasil, “por
parte de elementos radicais, extremistas da direita”. O Serviço notava mesmo ser possível
estabelecer ligações indiretas entre ele e “atentados sofridos por Bancas de Jornais,
revenda de órgãos comunistas ou subversivos”, tendo ouvido, por “retalhos de
conversas”, menções inclusive à grupos neonazistas, como a Guarda Verde-Amarela.
Em termos geográficos, a penetração dos unificacionistas se deu a partir do Rio
Grande do Sul, não sendo fortuito, portanto, que a série de denúncias feitas à organização
tenha começado naquele estado. A origem gaúcha tanto da Igreja como da CAUSA no
Brasil, que rapidamente alcançaram o resto do país, deve-se à proximidade com
Montevidéu, Uruguai. O Rio Grande do Sul era visto, portanto, como uma “ponte” 626
estratégica, ligando “a sede latino-americana” “e o maior centro industrial do continente,
o Estado de São Paulo”. Após as dificuldades experimentadas pela Igreja em princípios
dos anos 1980, um segundo esforço para entrar no país acontecia em meados da década,
sob a insuspeita nomenclatura da CAUSA Brasil, cujos líderes, de maneira cínica,
inicialmente negavam qualquer conexão com a Igreja da Unificação. Ainda conforme o
SNI, as articulações realizadas pela Igreja para essa segunda entrada “começaram pelo
meio empresarial, após os trabalhos de prospecção de terreno para verificar a viabilidade
de futuros investimentos em vários setores produtivos do Rio Grande do Sul”. As

624
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seita Moon em Belo Horizonte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.86012256. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ooo/86012256/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ooo_86012256_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
625
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espírito Santo para a
Unificação do Cristianismo Mundial. Código de referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.81001953. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0004de0005.pdf>. Acesso em: 04 abr. 2021.
626
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito Santo para
Unificação do Cristianismo Mundial AESUCM do Reverendo Moon, Atividades no Rio Grande do Sul.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.87014949. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ggg/87014949/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ggg_87014949_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
452

atividades econômicas mencionadas pelo Serviço para alavancar as incursões da Igreja


seriam aquelas com alta rentabilidade e pouco risco, havendo “predileção pelo setor
financeiro”, aplicações que “dificilmente serão identificadas, pois são realizadas em
dinheiro, não aparecendo o nome do proprietário”. Já a CAUSA Internacional, “braço
econômico e ideológico” da Igreja, penetraria no meio empresarial patrocinando
atividades culturais, esportivas, veículos de imprensa, restaurantes, lojas comerciais e
fazendo “investimentos industriais em estaleiros navais, fábricas de tornos mecânicos,
casas de preparo de alimentação natural e outras”. Concluía o documento que em finais
de 1987 os unificacionistas já estariam “trabalhando entre estudantes universitários,
jornalistas, sindicalistas, empresários, profissionais liberais e funcionários públicos de
todos os setores das administrações estadual e federal”. Mas o trabalho de infiltração
econômica da CAUSA, intensificado neste momento, retrocedia aos primórdios da
década, como atestaram seus dirigentes ao mencionar, em seminário no Rio de Janeiro
em 1981, “que a Organização está investindo substanciais importâncias no Brasil, com
alguns estabelecimentos já funcionando, e outros em fase de projetos, como por exemplo,
um grande parque gráfico no interior de São Paulo”627.
Num Manual de Conferência publicado em 1985 e distribuído para convidados, a
CAUSA revelava seus planos de crescimento no Brasil e no mundo. Buscava-se
“conseguir o mais rápido possível o maior número de pessoas” 628 através de uma reação
em cadeia onde caberia a cada membro recrutar pelo menos outros dois, ativando uma
“bomba atômica espiritual”. Mas esse expansionismo não se detinha no plano individual,
querendo os unificacionistas servir de ponto de encontro para outras organizações, como
“escolas, sindicatos de operários, clubes, associações, grupos de veteranos e outros
grupos patriotas”, apresentando-se como um “centralizador para encorajar seus trabalhos
e fazê-los relacionarem-se uns com os outros”, costurando, assim, uma vasta trama de
aparelhos ideológicos. Tal rede, declarava-se, “está sendo construída agora e deste modo
a mensagem da CAUSA tem atingido milhões de pessoas”.

627
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito Santo para
Unificação do Cristianismo Mundial. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.81001953. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0001de0005.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2021.
628
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. II Convenção Panamericana da CAUSA
Internacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.85017130. Disponível em: <
http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/85017130/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_EEE_85017130_an_01_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2021.
453

Para facilitar essa articulação, os unificacionistas contavam com uma malha


própria de organizações subsidiárias. Em nosso país em princípios dos anos 1980, tal
como aconteceu em outros lugares onde os seguidores do reverendo Moon se instalaram,
segundo a Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores629,
estariam em atividade várias delas, muitas funcionando na própria sede da Igreja em São
Paulo. Eram elas a Associação Internacional para a União das Religiões, a Associação
Internacional para Liberdade e Paz - AILPA e a Associação Mundial de Assistência e
Amizade - AMASA, além, dessa vez de acordo com o SNI 630, da Associação
Internacional Cultural631. O DEOPS632 de São Paulo, por sua vez, acrescenta a presença
da Associação Internacional de Vitória sobre o Comunismo – AIVICO. Já o Centro de
Informações da Polícia Federal633 informa que operava por aqui também a Associação do
Movimento da Unificação para a Salvação da Pátria - AUSP634.
Em 1981, dizia o SNI635 que essas associações já estavam fixadas em cerca de
oitenta cidades, objetivando desenvolver na América Latina um projeto denominado
Vitória sobre o Comunismo, sediado no Uruguai, que pressupunha a criação de células
em todo o continente, “com coordenação nos Estados Unidos, através da CAUSA
Internacional”. Em paralelo, acrescentava o órgão central de inteligência da ditadura, a
Igreja da Unificação “manipula um serviço de operações com sede em Nova York, que

629
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível
em:<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFAN
BSB_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2021.
630
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Causa Internacional, Washington DC
Atividades. Unificacionismo, Unification Moviment. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.CCC.81005027. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/81005027/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_81005027_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
631
Organização dedicada a atuar junto à comunidade estudantil e acadêmica.
632
ARQUIVO NACIONAL. Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. Informe No 351/A2-IV
COMAR: Associação do Espírito Santo para Unificação do Cristianismo Mundial. Código de Referência:
BR DFANBSB VAZ.0.0.12383. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_VAZ/0/0/12383/BR_DFANBSB_VAZ_
0_0_12383_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
633
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conferencia da Associação do Movimento
da Unificação do Podo para a Salvação da Patria, Curitiba PR. SE143 AC. Arquivo Nacional. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88067311. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/88067311/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_aaa_88067311_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2021.
634
René Dreifuss (1989, p. 93) registra que a Associação funcionava em nosso país ao menos desde 1987.
635
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Causa Internacional, Washington DC
Atividades. Unificacionismo, Unification Moviment. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.CCC.81005027. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/81005027/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_81005027_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
454

possui agentes coreanos entre as colônias radicadas em São Paulo, Rio de Janeiro e
Assunção, no Paraguai”636. Em 1986 a documentação637 indica que a CAUSA
Internacional já mantinha, ao que parece havia dois anos, uma representação própria no
Brasil denominada Associação Internacional CAUSA Brasil, com sede na Rua Galvão
Bueno, 470, no bairro paulistano da Liberdade, próximo, portanto, da sede da Igreja da
Unificação, que funcionava na Rua Tamandaré, 533, no mesmo bairro.
Em entrevista coletiva, resumida pelo Correio Brasiliense em matéria638 transcrita
na edição de 1981 da revista Mundo Unificado, publicação oficial da Igreja da Unificação
no Brasil, alguns dos seus dirigentes, como o norte-americano Mose Durst, falaram sobre
a razão de ser de algumas dessas organizações. Caberia à Associação Mundial de
Assistência e Amizade promover ações filantrópicas, como a distribuição de “alimentos,
roupas e medicamentos”639. A Associação Internacional para a União das Religiões teria
como meta promover o “diálogo e a cooperação entre diferentes grupos religiosos”, por
via de “várias reuniões ecumênicas”. A Associação Internacional Cultural concentrou-se
nos ambientes acadêmico e estudantil, fornecendo bolsas de estudo e realizando
conferências para professores. Já a Associação Internacional para Liberdade e Paz
objetivava a publicação de “literatura que critica o comunismo” e a realização de
conferências voltadas para alertar sobre “o perigo do comunismo”, trabalho realizado nos
demais continentes “através de outras organizações”. Presidente da Igreja da Unificação
das Américas, Durst resumia a presença do órgão no Brasil da seguinte forma: “Há muitos
anos atrás os brasileiros fizeram uma grande campanha contra a febre amarela no Brasil;
agora os unificacionistas, liderados pelo Reverendo Moon, estão fazendo uma campanha
apara eliminar uma febre perigosa, que é a febre do comunismo”.

636
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Cultura. Arquivo
Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.82013036. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/82013036/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_82013036_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2021.
637
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Causa no Brasil. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87060643. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87060643/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87060643_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
638
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
639
Conforme René Dreifuss (1989, p. 93), em fins da década de 1980 a Associação mantinha creches e
distribuía “alimentos a populações carentes, num trabalho de penetração ideológica e busca de
legitimação”.
455

Quanto aos quadros principais desse complexo de associações, papel640


confidencial do SNI datado de 1981 indica como figura proeminente o catarinense,
advogado e servidor público, desempenhando o cargo de fiscal de rendas em São Paulo,
José Francisco Squizzato641. Acumulava ele os cargos de presidente da Associação
Internacional Cultural, vice-presidente da Associação Internacional de Vitória sobre o
Comunismo e relações públicas da Associação Mundial de Assistência e Amizade e da
Associação do Espírito Santo para a Unificação do Cristianismo Mundial. Outros
elementos centrais da Igreja no Brasil seriam o comerciante César Zaduski, presidente da
Associação do Espírito Santo para a Unificação do Cristianismo Mundial, da Associação
Internacional de Vitória sobre o Comunismo e vice-presidente da Associação
Internacional Cultural; o professor Waldir Cipriani, 1° secretário da Associação do
Espírito Santo para a Unificação do Cristianismo Mundial, presidente da Associação
Mundial de Assistência e Amizade, e vice-presidente da Associação Internacional para a
União das Religiões; e o também professor Maurício Raimundo Baldino, vice-presidente
da Associação do Espírito Santo para a Unificação do Cristianismo Mundial e da
Associação Mundial de Assistência e Amizade, e 1° secretário da Associação
Internacional de Vitória sobre o Comunismo. A César Zaduski e Osmar Costa Valentim
cabia, ainda, a chefia da revista Mundo Unificado.

2.3.1 – O Colegiado Acadêmico para a Reflexão de Princípios - CARP

Um dos focos da batalha ideológica travada pelo complexo de organizações da


Igreja da Unificação foi o mundo estudantil, onde atuou sobretudo através do Colegiado
Acadêmico para a Reflexão de Princípios – CARP. A genealogia das entidades
subsidiadas pela Igreja da Unificação é labiríntica, marcada por incessantes mudanças de
nomenclaturas, redefinições de atribuições e sigilo642, daí a dificuldade em rastreá-las. A

640
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. Processo
DICOM n. 16.618. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR RJANRIO TT.0.JUS, PRO.343.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_TT/0/JUS/PRO/0343/BR_RJANRIO_TT
_0_JUS_PRO_0343_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
641
Squizzato ostentava, ainda, o título de bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo - USP, e pós-
graduações em Administração e Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas e Pela USP.
642
As metamorfoses e frequentes mudanças de nomenclaturas parecem ter atendido a uma estratégia de
dissimulação, diante da imprensa e do público em geral, das atividades dessas organizações, dificultando
também a sua associação à Igreja da Unificação, cuja reputação no Brasil e em outras partes do mundo,
como vimos, não era das melhores.
456

documentação do Estado brasileiro, entretanto, permite-nos remontar as origens do CARP


até finais dos anos 1970 ou inícios dos anos 1980, quando passa a funcionar no Brasil a
Associação Internacional de Vitória sobre o Comunismo – AIVICO.
A organização mudaria seu nome em janeiro de 1981 para Associação
Internacional para Liberdade e Paz – AILPA, segundo o SNI643 principal representante
brasileira da CAUSA Internacional até a fundação, por volta de 1984, da CAUSA Brasil.
De acordo com os estatutos registrados naquele ano, algumas das finalidades da AILPA,
que expressam perfeitamente o propósito de colaboração com o Estado autoritário e de
aglutinar setores da direita brasileira, seriam “colaborar com os órgãos governamentais
no sentido da manutenção e preservação da ordem pública e dos bons costumes”,
“promover simpósios; seminários; palestras; cursos e campanhas sobre a gravidade da
ideologia comunista” e “manter o intercâmbio com outras entidades nacionais e
internacionais de fins análogos”. Em 1985 o organismo troca novamente de nome, vindo
a chamar-se Colegiado Acadêmico para a Reflexão de Princípios - CARP644 e passando
a focar-se no universo estudantil, podendo-se supor que fora substituído em suas funções
originais pela CAUSA Brasil.
A primeira grande ação ideológica da AILPA constante na documentação estatal
brasileira foi o Primeiro Congresso de Estudantes Brasileiros para a Pesquisa de
Princípios, em janeiro de 1983 em Riacho Grande, São Paulo. Sua finalidade expressa foi
debater “as mais novas teorias Nacionais e Internacionais no campo dos Princípios
Fundamentais que sustentam o comportamento das culturas”645, leia-se, “as teses básicas
da Igreja da Unificação”, “bem como as teorias políticas dos mais renomados experts a
nível nacional, no tocante à democracia e as influencias que a democracia tem sofrido”
(SIC), visando fornecer informações para que os acadêmicos brasileiros possam

643
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Jose Francisco Squizzato,
representante no Brasil da Causa Internacional. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.EEE.82011590. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/82011590/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_82011590_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2021.
644
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. CARP, Colegiado Academico para a
Reflexão de Principios. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.86017645. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/86017645/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_86017645_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2021.
645
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades do Movimento de Unificação
do Reverendo Sun Myung Moon. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.82005740.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ggg/82005740/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ggg_82005740_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
457

“compreender e se posicionar perante os mecanismos aos quais estão sujeitos”, ou seja,


as “forças que influem na vida universitária”. Guardado pelo SNI, o folheto com a
programação não traz, infelizmente, maiores detalhes, constando apenas os títulos das
palestras. Ali, além introduções sobre a doutrina unificacionista, chama atenção o debate
“Infiltrações esquerdistas nas Universidades”, que talvez exprima com maior clareza o
propósito do evento. Ao final do papel, distribuído a estudantes universitários, temos uma
ficha de inscrição onde se pede que todas as informações pessoais fossem devidamente
preenchidas, para que se pudesse “providenciar as passagens e acomodações”, arcadas na
íntegra pela Igreja.
Em junho e julho de 1984, outro seminário teve lugar, agora no Metropolitan Plaza
Hotel, em São Paulo, com a participação de apenas vinte pessoas, leitoras do jornal
Tribuna Universitária que teriam manifestado interesse em conhecer melhor o
movimento. O evento foi dividido em dois encontros, ilustrando a natureza dual da
iniciativa, religiosa e política. No primeiro foram apresentados os princípios
unificacionistas e no segundo, conforme palavras do Ministério da Aeronáutica “dedicado
quase que exclusivamente a luta contra a subversão ideológica” 646, sobraram críticas ao
marxismo, seguidas de demonstrações pretensamente científicas de que “a cooperação e
a harmonia, não a contradição e a luta” são as forças que determinam o progresso humano.
As conferências couberam aos dirigentes da AILPA e da CAUSA Waldir Cipriano,
Leornes Ferreira, Miguel Bueno Rocha e Alejandro Mateesco Franco.
Já no ano seguinte a organização passava a ostentar o nome Colegiado Acadêmico
para a Reflexão de Princípios – CARP, presente em todo o mundo com a marca Collegiate
Association for the Research of Principles – CARP, entidade dedicada à organização do
meio estudantil em torno de ideias pró-capitalistas. O fazia principalmente com
publicações, simpósios, como o realizado em Tóquio em 1986 que discutira temas como

646
ARQUIVO NACIONAL. Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. Informe No 734/A-2/IV
COMAR: Associação Internacional para Liberdade e Paz. Código de Referência: BR DFANBSB
VAZ.0.0.17734. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_vaz/0/0/17734/br_dfanbsb_vaz_0_0_17734_
d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
458

“A Visão de Valores dos Estudantes para o século XXI”647, e o patrocínio a uma miríade
de atividades culturais e esportivas648.
No Brasil, o CARP publicava um folheto, o Informativo CARP, a CARP
Magazine649 e o jornal Tribuna Universitária. Inicialmente editado pela AILPA em algum
momento de 1983, chegando à tiragem de cem mil exemplares em 1985, a Tribuna era
presidida por Leornes Ferreira da Silva, diretor da Igreja da Unificação em João Pessoa –
PB, e tinha a colaboração do general Jarbas Passarinho, nome de peso do regime de 1964
e grande viabilizador da estratégia de fortalecimento das organizações religiosas
conservadoras no Brasil. Outros envolvidos foram o então membro do Ministério Público
Luiz Antônio Fleury Filho; o padre Emir Calluf; o intelectual católico Felipe Rinaldo
Queiroz de Aquino; o então advogado e atual desembargador Roy Reis Friede; e o
estudante de filosofia da Universidade Federal do Paraná - UFPR, José Carlos Lauter,
“líder do movimento CARP naquele Estado”.
Além de divulgar as ações do CARP e artigos de intelectuais conservadores, o
veículo parece ter dedicado grande espaço à propaganda explicitamente política. A edição
n. 3, por exemplo, refere-se à União Democrática Ruralista – UDR650 “como sendo uma
organização legal e composta de homens bem-intencionados” 651 que manteria o governo
bem-informado “através de relatórios mensais” enviados ao SNI. Juízo coerente com uma
das funções primordiais do órgão que deu origem ao CARP, a AILPA, que procurava

647
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Igreja da Unificação em
Curitiba PR, SS14 ACT. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.87007026. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/nnn/87007026/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_nnn_87007026_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
648
O CARP patrocinava, por exemplo, uma Mostra de Arte Brasileira, um Festival CARP da Música
Brasileira, um Grupo Musical CARP, torneios esportivos, a Academia WONHWA-DO de arte marcial
unificada, um clube de atletismo, e concursos de beleza para jovens universitários de ambos os sexos em
âmbito nacional, realizando atividades de doutrinação com os participantes. Outros eventos realizados eram
ciclos de debates, a Conferência unificada para Estudantes Universitários – COESU e a Convenção
Nacional CARP, a Convenção Internacional CARP.
649
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Colegiado Acadêmico para a Reflexão de
Principios, CARP. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.85017492. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/eee/85017492/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_eee_85017492_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
650
Fundada em 1985, a UDR é um grupo de Lobby favorável aos interesses dos grandes proprietários de
terra. Uma de suas principais bandeiras no interior da Constituinte de 1987 foi a inviabilização de propostas
para uma ampla Reforma Agrária no país.
651
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Igreja da Unificação em
Curitiba PR, SS14 ACT. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.87007026. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/nnn/87007026/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_nnn_87007026_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
459

“colaborar com os órgãos governamentais no sentido da manutenção e preservação da


ordem pública e dos bons costumes”.
Uma das principais fornecedoras de quadros para o CARP foi a Faculdade de
Teologia da Unificação, fundada pela Igreja em março de 1985, em São Bernardo do
Campo, e cujos alunos, conforme o SNI652, participariam regularmente das atividades do
Colegiado. Não apenas concentrada no ensino religioso e contando com professores da
Universidade de São Paulo - USP e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo -
PUC/SP, a instituição mantinha também uma Faculdade de Ciências Humanas e
preparava-se para abrir um curso de Filosofia, projetando também um de Pedagogia.
Em junho de 1986 debatia-se nos escalões superiores do governo a aprovação do
curso de Filosofia, que já tinha parecer favorável da relatora Zilma Parente de Barros, do
Conselho Federal de Educação. Na ocasião, a Divisão de Segurança e Informações do
Ministério da Educação enviou um pedido de busca à Agência Central do SNI, solicitando
orientações “sobre a conveniência ou não conveniência, sob aspectos de Segurança
Nacional”653 da aprovação. Arrolando denúncias feitas contra a Igreja, porém repetindo a
velha cantilena de que nada fora comprovado, “havendo apenas indícios de que, pelo seu
caráter anticomunista, a Seita se constitui “alvo” de propaganda negativa por parte das
esquerdas, manipulada nos meios de comunicação”, a Agência Central era de opinião
favorável ao pleito, bastando que fossem atendidos os requisitos legais. Afinal, “negar
essa pretensão, seria discriminar a “Unificação” em relação a outros grupos religiosos que
a ela se opõem, mas que, anteriormente, foram beneficiados com idêntica concessão”.

2.3.2 – Incursões midiáticas do grupo Igreja da Unificação

Os empreendimentos unificacionistas no meio midiático não se restringiram às


publicações acima e à revista Mundo Unificado. Em fevereiro de 1986 a Igreja anunciou

652
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito Santo para a
Unificação do Cristianismo Mundial Seita Moon. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.86018091. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/86018091/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_86018091_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
653
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito Santo para a
Unificação do Cristianismo Mundial Seita Moon. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.86057528. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86057528/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86057528_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
460

o lançamento do Folha do Brasil, jornal com tiragem inicial de cinquenta mil exemplares.
O caso foi debatido pelo Conselho de Segurança Nacional que, preocupado com o avanço
do complexo de organizações da Igreja, cujo radicalismo não lhe era estranho, assinalava
“que os extremismos são perniciosos, ainda que se trate de movimentos chamados de
direita”654, recomendando ao governo Sarney que se opusesse à iniciativa, uma vez que
“a Constituição veda a propriedade e a administração de empresas jornalísticas aos
estrangeiros”. Já aos “órgãos de informação”, o Conselho pedia que fossem examinados
“possíveis envolvimentos com grupos estrangeiros” de outros órgãos de imprensa,
inclusive eletrônica. Não obstante, o jornal chegou a circular em 1987, tendo como editor-
chefe o mesmo Leornes Ferreira, responsável pelo Tribuna Universitária do CARP, com
contribuições especiais de outros importantes unificacionistas, como José Oswaldo de
Meira Penna, e bancado pela empresa Notícias do Brasil Comunicações LTDA
pertencente à Igreja da Unificação. Seu número II contava ainda com artigos de Sandra
Cavalcanti, deputada federal pelo PFL, Austregésilo de Athayde, presidente da Academia
Brasileira de Letras, e de jornalistas do Estado de São Paulo, como Waldo Claro, que
assinou o artigo “A Cuba que o Brasil finge não ver”655. Não pude verificar até quando a
publicação sobreviveu, mas noto que atualmente há em atividade um jornal digital com o
mesmo título com claras inclinações de extrema direita. Apesar de trazer uma aba
intitulada “Quem Somos” (QUEM Somos. Folha do Brasil, [s.d.]) em sua página, a
sessão permanece vazia, não trazendo qualquer informação sobre o veículo, figurando ali
apenas uma “Página de Exemplo” padrão da plataforma WordPress onde a página é
construída. O único dado disponível sobre seus artífices é uma inscrição no canto inferior,
atribuindo sua posse a outro veículo de imprensa, a FDR, Economia Simplificada, por
sua vez propriedade da Gridmidia, empresa com sede em Recife - PE e Orlando, Flórida.
As origens obscuras do jornal saltam aos olhos, ainda, ao repararmos que ele foi um dos
órgãos de imprensa incentivadores de atos antidemocráticos sobre os quais o ministro do
Supremo Tribunal Federal – STF, Alexandre de Morais, pediu às redes sociais, em junho
de 2020, dados sobre o financiamento.

654
ARQUIVO NACIONAL. Conselho de Segurança Nacional. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB N8.0.PSN, IVT.91. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_n8/0/psn/ivt/0091/br_dfanbsb_n8_0_psn_ivt
_0091_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
655
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Circulação em São Paulo do Jornal Folha
do Brasil, da Associação Internacional CAUSA Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.87019444. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/eee/87019444/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_eee_87019444_an_03_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
461

2.3.3 – A CAUSA chega ao Brasil

Conforme o SNI656, até novembro de 1981 a CAUSA Internacional já havia


realizado seis seminários para “apresentar ideias e unir pessoas que se interessam no
combate à expansão do comunismo internacional”, na Bolívia, Paraguai, Uruguai,
Argentina, Chile e Brasil. Vejamos mais de perto alguns desses eventos ocorridos em
nosso país, cujo marco inicial foi o Seminário Novas Ideias para uma Sociedade em Crise,
no Rio de Janeiro em agosto de 1981.
Com o mesmo título do seminário que ocorreria em Washington D.C. em
setembro do mesmo ano, o evento teve lugar nos hotéis cariocas Othon Palace e Nacional.
Matéria publicada pelo jornal O Globo em 15 de agosto de 1981 enfatizava o sigilo que
o circundou e a presença de alguns nomes de peso da ditadura. Segundo o periódico,
estavam ali Ronald James Watters, ex-funcionário do Ministério da Agricultura
investigado pelo atentado à bomba que matou Lyda Monteiro da Silva, secretária da
Ordem dos Advogados do Brasil - OAB em agosto de 1980. O suspeito de terrorismo
teria sido convidado pelo general Antônio Adolfo Manta, presidente da Rede Ferroviária
Federal no governo Médici e membro da então extinta Ação Democrática Renovadora -
ADR, organização anticomunista que, segundo palavras do militar reproduzidas pela
matéria, estaria naquele momento “ressurgindo no Rio Grande do Sul”657.
A matéria figura em amplo dossiê da Divisão de Segurança e Informações do
Ministério das Relações Exteriores sobre a Igreja da Unificação no Brasil. Entre outros
recortes, encontramos texto publicado pelo Jornal do Brasil em 14 de agosto
acrescentando que, além de Manta, pelo menos outros dois generais participaram do
Seminário. Evento tão sigiloso que aos próprios funcionários do Othon Palace fora dito
se tratar “de um congresso de dentistas”, informando o JB, ainda, que a imprensa apenas
tomara ciência dele graças a um folheto encontrado no lixo. Também segundo o jornal,

656
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Jose Francisco Squizzato,
representante no Brasil da Causa Internacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.82011590. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/82011590/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_82011590_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2021.
657
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2021.
462

falaram ali os membros da CAUSA Internacional Paul Perry e Thomas Ward; Lev
Navzorov, dissidente russo que fugira para os Estados Unidos em 1971; o padre católico
polonês, Sebastian Matczak; o coronel Bo Hi Pak, braço direito do reverendo Moon; e o
brasileiro José Francisco Squizzato. Discursaram eles sobre os temas: “História do
Comunismo”, “O New York Times e a Desinformação”, “Materialismo Histórico”,
“Materialismo Dialético”, “Significado do Unificacionismo no Mundo de Hoje”,
“Estratégia do Comunismo no Brasil”, “Teologia da Libertação” e “Implicações Práticas
do Unificacionismo”.
Apesar de todo o segredo, o SNI tinha total ciência do acontecimento, registrando
em relatório, parte de outro dossiê, que o encontro no Othon foi precedido de mais um,
em julho de 1981, no Hotel Nacional, havendo “planos para novos seminários no
Brasil”658. O Serviço contou os convidados em aproximadamente duzentos, colhendo
relatos de dois participantes do primeiro encontro, mantidos anônimos. Um deles
resumira o propósito do seminário como “lançar a semente do Movimento de Unificação
a um grupo de intelectuais brasileiros” e conscientizar sobre a “necessidade de uma
integração indiscriminada de religiões”, de acordo, portanto, com a meta declarada da
Igreja da Unificação: contribuir na aglutinação de um movimento religioso conservador
mundial. Reforçava o SNI a natureza sigilosa do evento, observando ter sido a imprensa
proibida de entrar no hotel e que “os telefones eram vigiados e havia controle na entrega
e devolução de crachás”. Além disso, “os participantes dispunham de segurança pessoal
quando se ausentavam do local para passeio”, sendo reiteradamente orientados a manter
“sigilo sobre os assuntos tratados”.
Listada nominalmente pelo SNI, a audiência do encontro de julho de 1981
continha sobretudo membros de quadros dirigentes de instituições de ensino superior de
norte a sul do país, denotando o interesse em atrair setores da intelligentsia nacional. Ao
lado deles, encontramos também alguns religiosos, empresários e funcionários da
ditadura, grupos que a Igreja também pretendia imantar ao Partido da Fé Capitalista, todos
com passagem, estadia e alimentação inteiramente pagos. Ao que parece, muitos não

658
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito Santo para
Unificação do Cristianismo Mundial. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.81001953. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0001de0005.pdf> e <
http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/81001953/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0004de0005.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2021.
463

tinham uma ideia precisa do teor do evento, acompanhando os convites apenas currículos
sumários dos expositores e o título das falas. Reparo que o encontro ocorreu alguns meses
antes da série de denúncias feitas à Igreja da Unificação receberem grande cobertura
midiática, sendo plausível que boa parte da plateia desconhecesse a Igreja e suas
organizações paralelas. De fato, dias depois, o professor Luis Alberto Peluzzo, da
Universidade MacKenzie, segundo matéria de 17 de agosto de 1981 do jornal O Globo
constante no mesmo dossiê do SNI, denunciou que a Igreja da Unificação pretenderia
estabelecer no cone-sul uma “República Unificacionista”, acrescentando a matéria que
“quase todos” os presentes se sentiram enganados, queixando-se do nível primário das
conferências. Muitos deles se distanciariam, assim, da opinião expressa pelo SNI no
dossiê, que via um excelente “nível cultural e intelectual” em todos os falantes, doutores
em Filosofia ou Teologia. Entretanto, ainda que boa parte dos convidados tenha sido
refratária às ideias expostas, alguns voltariam a aparecer em reuniões semelhantes,
demonstrando o sucesso dos unificacionistas em cooptar parte da intelectualidade e do
Estado restrito brasileiros.
Entre os acadêmicos presentes, listados pelo SNI, vemos uma predominância das
Ciências Humanas, desde muito alvo de ataques da direita organizada. Alguns dos de
maior projeção foram Adalice Maria de Araújo, chefe do Departamento de Artes da
Universidade Federal do Paraná; Alboni Marisa Dudeque Pianovski, chefe do
Departamento de Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Tuiuti; Alfonso
Trujillo Ferrari, sociólogo; Antônio Beraldo de Almeida, chefe do Departamento de
Psicologia da Educação e Orientação Educacional da Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras de Presidente Venceslau; Arlindo Bernart, diretor da Faculdade de Ciências
Jurídicas de Blumenau; Armando Biondo Filho, chefe do Departamento de Física e
Química da Universidade Federal do Espírito Santo; Biágio B. Dante Chiappetta, diretor
da Faculdade Olindense de Administração; Cesário Morey Hossri, chefe do
Departamento de Psicologia da Universidade de Taubaté; Darci Dusilek, diretor do
Departamento de Estudos Teológicos e Filosóficos da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro; Djalma Monteiro Colombi, secretário executivo da Universidade de Taubaté;
Egídio José Romanello, diretor executivo da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
Tuiuti; Evaldo Macedo de Oliveira, chefe do Departamento Administrativo da Fundação
da Universidade de Brasília; Flávio de Braga, diretor da Escola de Sociologia e Política
de São Paulo; Francisco Martins, vice-diretor da Faculdade de Tecnologia da
Universidade de Brasília; George Browne do Rego, pró-reitor para assuntos acadêmicos
464

da Universidade Federal de Pernambuco; Hilton Amaral, professor universitário de


Português; José Camilo dos Santos Filho, vice-chefe do Departamento de Administração
e supervisor educacional da Faculdade de Educação da UNICAMP; José Francisco Paes
Landim, chefe do Departamento de Direito da Universidade de Brasília e procurador-
geral do Instituto Brasileiro do Café; José Maria G. de Almeida Jr., chefe do
Departamento de Biologia da Universidade de Brasília; José Raimundo Braga Coelho,
vice-diretor do Instituto de Ciências Exatas da Universidade de Brasília; José Valdir
Pereira, diretor do Centro de Ensino Superior de Rondônia; Léa Brígida Rocha de
Alvarenga Rosa, professora de História Econômica filiada ao Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro - IHGB; o jornalista, poeta e professor de Educação na
Universidade para o Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina Liberato Manuel
Pinheiro Neto; Maria Salete Zuske Trujillo, professora de antropologia e coordenadora
do Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas; Orlando Maria Murphy, reitor da Fundação Regional da Universidade de
Blumenau - FURB; Palhares Moreira Reis, pró-reitor de apoio administrativo da
Universidade Federal de Pernambuco; Renato Colagrande, diretor geral da Faculdade de
Engenharia de Joinville; Maurício Prates de Campos, diretor da Faculdade de Engenharia
de Campinas - UNICAMP; Valpi Costa, diretor do Centro de Ciência da Educação da
Universidade Federal de Santa Cataria - UFSC; Wilson Regis, diretor da faculdade de
Educação e Letras da Universidade Mackenzie; e Yaro Burian Jr., diretor do Instituto de
Artes da Unicamp.
Atrás dos acadêmicos, o segundo maior grupo foi o de funcionários
governamentais, muitos também membros da comunidade acadêmica, ilustrando a
disposição unificacionista em construir pontes com as administrações autoritárias do
Cone Sul. Conforme o SNI, ali estiveram Alcino Teixeira de Mello, membro do Conselho
Superior de Censura; Aldo Medeiros, assessor da Secretaria da Saúde e Bem Estar Social
do Paraná; Benedito O. R. Nogueira de Sá, professor de Ciências Sociais Jurídicas e
procurador-chefe do Departamento Jurídico da Prefeitura de Taubaté; Domingos de
Macedo Custódio, professor de Linguística e assessor cultural executivo da prefeitura de
São José dos Campos; Hilário Rosa, professor de Ciências Humanas e secretário do
Conselho Municipal de Educação de Bauru – SP; Icleia M. Pereira Netto, professora de
Educação e chefe do Departamento de Apoio Técnico da Secretaria Estadual de Educação
do Espírito Santo; Oswaldo Alves Beraldo, chefe da Divisão de Fiscalização da Delegacia
da Receita Federal de Taubaté - SP; Paulo Alves da Silva, assessor político-legislativo do
465

Ministério da Previdência e Assistência Social; e Saturnino Dadam, deputado estadual


em Santa Catarina.
Os ramos empresarial e religioso aparecem pouco representados, indicando que a
cooptação da área acadêmica fosse o objetivo primordial do Seminário.
Entre os homens de negócio, relata o SNI o aparecimento apenas de José Antônio
de Vasconcelos Costa, presidente da empresa de Águas Minerais de Minas Gerais S. A. -
Hidrominas, membro do Departamento jurídico da Companhia de Distritos Industriais de
Minas, e político pelos partidos governistas PDS e ARENA, além de professor de Direito
Internacional Público na Universidade Federal de Minas Gerais.
Já o ramo religioso foi representado por Oswaldo Dias de Lacerda, pastor da Igreja
Presbiteriana de Jacareí - SP; Prócoro Velasques659, diretor da Faculdade de Teologia do
Instituto Metodista de Ensino superior e pastor da Igreja Metodista; e Olavo Guimarães
Feijó, pastor e conselheiro da Igreja Batista.
A eles foi distribuído material impresso de teor anticomunista. O papel Introdução
ao Unificacionismo - CAUSA Internacional, por exemplo, sintetizava as contrapropostas
da Igreja da Unificação ao materialismo histórico. Advertindo ter chegado “o momento
do mundo cristão tomar a ofensiva”, apresentava-se o unificacionismo como “um sistema
ideológico” capaz de acelerar o processo de bancarrota do comunismo. Segundo
informado, o texto fora improvisado rapidamente “em resposta ao pedido de um número
de participantes de nossos primeiros seminários na América do Sul” de uma apresentação
mais sistemática de uma “crítica coerente do marxismo” e da contraproposta da Igreja.
Exprimindo o conteúdo autoritário e teocêntrico do projeto, desdenhando da democracia,
que dizia-se sofrer de uma “incapacidade básica para distinguir entre o que está bem e o
que está mal”, as ideias ali apresentadas, por outro lado, seriam baseadas “não somente
na opinião da maioria, senão no Ser Absoluto”. Assim divinamente inspirado, o escrito
procurava mostrar que “a repressão, o assassinato e o caos econômico de que padecem os
países comunistas, são o resultado natural de “toda tentativa” de levar a cabo os

659
De tendências progressistas e muito respeitado no meio teológico, em entrevista transcrita pelo SNI ao
jornal O Globo em 17 de agosto de 1981, alguns dias após a realização do seminário, talvez movido por
um ecumenismo ingênuo, Velasques refutou as acusações feitas à Igreja da Unificação a respeito dos seus
agressivos métodos de recrutamento. Segundo ele “o que tem sido denunciado como lavagem cerebral é
um processo utilizado por todas as religiões, incluindo a Católica Romana, muito evidente nos cursilho e
nas comunidades de base, e pelos protestantes, especialmente os pentecostais”. ARQUIVO NACIONAL.
Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça. Processo DICOM nº 16.618. Código de
Referência: BR RJANRIO TT.0.JUS, PRO.343. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_rjanrio_tt/0/jus/pro/0343/br_rjanrio_tt_0_jus_pro_034
3_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 abr. 2021.
466

ensinamentos de Karl Marx”. Seus principais defeitos, arrolados em seguida, seriam a


negação da existência de Deus, forçando o desaparecimento de bases para noções como
“o perdão, a compaixão e o amor”; a ideia de que o espírito humano é apenas expressão
das funções físico-químicas do cérebro, livrando o homem, desprovido de uma alma
eterna, de responsabilidades também eternas para com suas ações; a interpretação dos
fenômenos sócio-políticos por um prisma dialético, estimulando o conflito, para os
marxistas uma inevitabilidade; o significado do trabalho como definidor do valor
humano, justificando a eliminação física dos improdutivos; a existência apenas hipotética
e projetada para o futuro de uma classe proletária, sem bases reais, sobretudo à luz de
uma interpretação leninista que imaginaria esta classe como revolucionários esclarecidos,
mas que para a Igreja da Unificação não passariam de “filhos da odiada classe capitalista”;
a impossibilidade de se atingir a “utopia” marxista, movida pelo amor mútuo entre os
trabalhadores, diante do fato de as revoluções socialistas se darem, ao contrário, por meio
de ondas de violência; a negação da família, com a destruição da “instituição fundamental
que ensina a criar relações verdadeiras” para entregar ao Estado crianças incapazes de
amar.
Tendo visto as críticas, vamos agora às contrapropostas. Postulava-se que o
unificacionismo seria o antídoto ideal para o veneno marxista, em seu ecumenismo660
anticomunista, cuja finalidade não seria “o estabelecimento de uma nova religião, mas
sim a busca de uma prática dos princípios cristãos na vida diária e em todos os níveis da
existência humana”. Faria isso defendendo de forma intransigente a existência de Deus,
fato sobre o qual “o século XX trouxe à luz muita evidência científica”, ao contrário do
marxismo, pensamento ultrapassado, ancorado na ciência do século XIX; fiando-se no
conceito de história de Arnold J. Toynbee 661, para quem todas as grandes civilizações
passariam pelas mesmas etapas históricas: progresso, conquista, desenvolvimento e

660
Em termos da composição religiosa, publicação editada pela Igreja em 1983, intitulada A Igreja da
Unificação e o Reverendo Sun Myung Moon, estimava que 40% dos unificacionistas seriam “protestantes”,
entre os quais os mais numerosos seriam os batistas, com 7,9%, os metodistas, com 7,2%, e os
presbiterianos, com 5,25%. Além deles, 36% seriam católicos, 5,6% judeus, 3,4% budistas, 0,7% mórmons
e 0,3% muçulmanos. ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seita do Reverendo
Moon Manaus AM. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/lll/86006643/br_dfanbsb_v8_mi
c_gnc_lll_86006643_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
661
Historiador britânico de imenso prestígio na primeira metade do século XX. Imprimia grande
importância a aspectos religiosos no processo de ascensão e decadência de grandes civilizações do passado,
recebendo por isso muitas críticas de seus pares após os anos 1960. Em 1936 recebeu um pedido de Adolf
Hitler para entrevistar o líder nazista em Berlim. Após o encontro, Toynbee defendeu junto ao governo
britânico a cooperação com o regime de Hitler, oferecida pelo ditador.
467

decadência, sendo o surgimento de “uma minoria religiosa” com a qual a civilização


venha a se identificar a única força capaz de evitar esta última, mostrando que Deus
intervém historicamente para redimir a humanidade, fatos que condenariam a um fim
inevitável povos ateístas, como os soviéticos; e baseando-se na impossibilidade,
demonstrada por teólogos como São Tomás de Aquino, de que a ordem universal tenha
surgido ao acaso, sem a intervenção de uma causa primordial.
Já o segundo encontro662, no Hotel Othon, segundo o SNI tivera a mesma
preocupação na segurança e sigilo. Aqui não temos a listagem dos presentes, mas, além
dos membros do regime mencionados acima, o dossiê do SNI informa que estava ali o
empresário Mário de Mari, como vimos, um dos participantes da Décima Conferência
Internacional sobre a Unidade das Ciências em Seul em novembro de 1981. Novamente,
a propaganda anticomunista foi a tônica, tendo sido expressa a preocupação norte-
americana com o risco de isolamento da América do Sul diante da expansão do
comunismo na América Central e a sua infiltração em partidos políticos brasileiros, como
o PCB, o PC do B e o MR-8.
Ao que parece, a comunidade de informações compareceu com um agente, pois,
dessa vez, os fatos são narrados em primeira pessoa. Mantido anônimo, ele relata ter
procurado se misturar aos presentes para “absorver mais informações”, terminando
convidado por “dois chefes coreanos” para uma estadia em São Paulo, a fim de conhecer
mais a fundo os princípios do unificacionismo. Dizia ainda que a CAUSA Internacional
“é a organização que serviu de pano de fundo, para o golpe de Estado na Bolívia”, e que
“desde então sustenta o poder naquele país”. Nos Estados Unidos, teria ela financiado a
campanha de Ronald Reagan à Presidência da República, amargando uma única derrota,
a Revolução Sandinista na Nicarágua em 1979. Finalizando, o agente reforçava que o
propósito básico da CAUSA era “unificar a luta contra o comunismo” na América do Sul
e “somar esforços para retirar dos Estados Unidos todas as infiltrações esquerdistas”.
Os esforços da Igreja da Unificação em atrair a intelectualidade brasileira
prosseguiram em 1982. Mencionado no capítulo 8, em outubro de 1982 a Associação
Internacional Cultural realizou em Canela - RS um Seminário de Filosofia e Teologia
para professores universitários. Uma das metas expressas seria “desfazer a imagem
negativa”663 adquirida pela Igreja após as convulsões populares de 1981. Com a

662
É possível que se trate do mesmo evento, cuja programação fora dividida em dias e locais diferentes.
663
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.235. Disponível em:
468

frequência de 150 pessoas vindas de 12 estados, entre eles “professores universitários


dirigentes de órgãos públicos” em Manaus – AM, convidados pessoalmente pelo membro
da Igreja João Urias de Souza. Já os demais convites foram feitos por ofício do norte-
americano Neil Albert Solonem, presidente da International Cultural Foundation,
organização nova-iorquina à qual a representante brasileira, Associação Internacional
Cultural, se reportava, oferecendo total cobertura de despesas de passagens e estadias.
Com conferências, palestras e sessões de cinema, alguns dos palestrantes foram Waldir
Cipriani, presidente da Igreja da Unificação no Brasil; Paul Perry, orador regular nos
eventos da Igreja na América Latina; e Liberto Silva, sobre o qual não há informações.
As falas versaram em sua maioria sobre temas religiosos, como “Predestinação e
Cristologia”, “Finalidade da vinda do Messias” e “História da Salvação”; pretensamente
históricos, como “Paralelos da História“ e “Os Últimos 400 Anos”, onde se discutiu o
“Desenvolvimento cultural, industrial, e religioso para formar um mundo ideal”; e
políticos, como “Crítica e Contraproposta ao Materialismo”.
Embora a CAUSA Internacional desenvolvesse atividades no país desde 1981,
apenas por volta de 1984 passa a ter uma representação brasileira. A CAUSA Brasil,
segundo palavras do SNI, seria resultado de um trabalho de disseminação de células da
Igreja da Unificação, sobretudo no Rio Grande do Sul, enquanto a organização “foi
solidificando os seus contatos entre a classe empresarial, estudantil e outros setores de
relevância da sociedade gaúcha”664.
Conforme o Centro de Informações da Aeronáutica665, a CAUSA Brasil
apresentou-se a um público seleto de brasileiros em eventos como o Seminário
Introdutório à Causa Brasil, em maio de 1985 no Hotel Ipê Amarelo em Belo Horizonte
- MG. A programação ali girou em torno dos temas habituais, a pregação anticomunista
e a apresentação dos pontos básicos do unificacionismo. Com alarmismo, o evento foi
aberto pelo coronel da Polícia Militar e dirigente da CAUSA em Minas Gerais, Rubens

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/0235/BR_DFANBSB
_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em 20 mar. 2021.
664
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito Santo para
Unificação do Cristianismo Mundial AESUCM do Reverendo Moon, Atividades no Rio Grande do Sul.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.87014949. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ggg/87014949/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ggg_87014949_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
665
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. CAUSA Internacional, CAUSA Brasil,
DV42 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86058650. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86058650/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86058650_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
469

José Ferreira, segundo o SNI666 participante do golpe de 1964, que alertou a plateia sobre
a urgência em se ampliar o combate ao comunismo no Brasil no contexto do fim do
regime militar, uma vez que “os militantes da esquerda não mais estão infiltrados no
governo, ao contrário, estão no governo”667. Alguns dos conferencistas foram a professora
universitária Maria José Gonçalves Resende, cuja fala intitulada “Marxismo - Análise e
Crítica” procurou apresentar princípios marxistas acompanhados de um juízo sobre os
“Erros de Marx”; José Cândido de Castro668, professor de Filosofia e ex-padre jesuíta,
que indicou o “deusismo”669 pregado pelos unificacionistas como melhor arma contra o
marxismo, capaz de agregar inteiramente o campo religioso, uma vez que “toda e
qualquer pessoa pode ser adepta de tal ideologia, independentemente da religião que
professe, pois o “deusismo” não comunga (apenas) com as falsas religiões, tais como, por
exemplo, que se baseia na “Teologia de Leonardo Boff e Cia”’; Alejandro Mateesco
Franco, romeno naturalizado brasileiro, professor da Faculdade João Paulo II da
Arquidiocese do Rio de Janeiro, desligado do Instituto Metodista Bennet “por motivos
ideológicos” e representante da CAUSA no Rio de Janeiro, discursou sobre “Aspectos do
Comunismo Russo”; Benedito Honório da Silva, assessor chefe da Assessoria de
Segurança e Informações do MEC e assistente da Procuradoria Geral da Paraíba, proferiu
a palestra “Comunismo X Mundo Livre”; Hilton Guedes Alcoforado, membro da
CAUSA em Pernambuco, discorreu sobre as Constituições brasileiras, concluindo com
comentário sobre a Constituinte prestes a se realizar, alertando para “as manipulações e
influência das “esquerdas”’; e José Raimundo, jornalista da TV Paraná e integrante da
CAUSA, que se apresentou como “ex-guerrilheiro” e fez um apanhado sobre o contexto
político pré-golpe de 64, avaliando cada um dos governos militares, elogiando Castelo

666
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seita Moon em Belo Horizonte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.86012256. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ooo/86012256/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ooo_86012256_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
667
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. CAUSA Internacional, CAUSA Brasil,
DV42 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86058650. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86058650/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86058650_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
668
Também conforme o SNI, Castro participara do golpe de 1964. O serviço indicava, ainda, que o membro
da CAUSA recebia uma “mesada” do empresário Marcos Valle Mendes, da Construtora Mendes Júnior, no
valor de 10 mil cruzados. ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seita Moon em Belo
Horizonte. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.86012256. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ooo/86012256/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ooo_86012256_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
669
Em meados dos anos 1980, a Igreja da Unificação parou de se referir a sua doutrina como
“unificacionismo”, passando a chamá-la de “deusismo”, de forma mais coerente com sua proposta
ecumênica.
470

Branco, Costa e Silva e Médici e criticando Geisel e Figueiredo. O encerramento coube


ao general “linha dura” José Lopes Bragança, que em entrevista ao Estado de Minas em
janeiro de 1977 detalhou planos traçados por setores do Exército para assassinar João
Goulart em 21 de abril de 1964 em comício em Belo Horizonte. Sua fala deteve-se no seu
trabalho nos serviços de informação do regime e nas “perdas” que ele lhe rendera, como
o assassinato de um irmão durante a “Intentona Comunista” de 1935. Não há uma
listagem da plateia, mas o Centro de Informações sublinhou algumas presenças, como a
do deputado federal pelo PDS Bonifácio José Tamm de Andrada, que se declarou
“entusiasmado pelas propostas da “CAUSA”’.
Pouco depois, em julho de 1985, a organização realizou um grande encontro
internacional, a II Convenção Panamericana da Causa Internacional670, no hotel Maksoud
Plaza em São Paulo – SP, com aproximadamente 150 pessoas. Entre os falantes,
despontaram os membros da CAUSA Antônio Betancourt, colombiano e secretário geral;
Thomas Ward, norte-americano, vice-presidente; o general norte-americano E. D.
Wollner, vice-presidente para auxílios sociais internacionais; Willian Lay, editor da
revista Causa; Mark Sharp, vice-presidente para administração e organização
internacional; e Miguel Rocha, coordenador da CAUSA Brasil. Conforme a
documentação, funcionários estatais aparecidos foram Carlos Augusto Noriega, ministro
colombiano; Amilcar Santamaria, secretário de Comunicações Internacionais de
Honduras; Osvaldo Alvarez Paz, deputado venezuelano pelo Partido Socialista Cristão; e
Edward Perry, senador norte-americano. A comunidade acadêmica estava representada
por Ricardo de la Cierva, professor da Universidade de Alcalá de Henares em Madri,
Espanha; José Cândido de Castro, professor de filosofia em Minas Gerais; a estudante
normalista Lara Fonseca; Hilton Guedes Alcoforado, diretor da Faculdade de Direito de
Recife - PE; Adão Rossir Berny de Oliveira, membro da Academia de Letras de Porto
Alegre; Irapuan Teixeira, professor, jornalista e radialista no Rio Grande do Sul; e o
francês Cristian Langlos, membro da Academia de Ciências e Letras Europeias. No ramo
religioso, falaram Agnello Bicudo, arcebispo da Igreja Ortodoxa Ocidental no Brasil;
Waldir Cipriani, presidente da Igreja da Unificação no Brasil; o Monsenhor Freddy
Delgado Acevedo, secretário da Confederação Episcopal de El Salvador; o padre

670
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. II Convenção Panamericana da Causa
Internacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.85051420. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/85051420/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85051420_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
471

Sebastian Labo; o bispo evangélico chileno Juan Andrés Vasquez del Valle; e o teórico
político-teológico Willard Cleon Skousen, membro da organização fundamentalista John
Birch Society. A ala jornalística foi representada por Pedro Joaquim Chamorro, dono do
jornal nicaraguense direitista La Prensa, sendo a oposição aos sandinistas e outros
socialistas centro-americanas encorpada por Omaida Correia, presidente do Comitê pró-
democracia do Panamá/Nicarágua. Também tiveram a palavra os terroristas membros da
organização Comandos L, responsável por inúmeros atentados em Cuba, Antonio Cuesta
del Valle e Anthony Garnet Bryant.
Além deles, teve participação destacada o embaixador José Oswaldo de Meira
Penna, como vimos contribuinte de outras iniciativas do complexo de organizações da
Igreja da Unificação pelo mundo. No jantar de abertura, Penna teria falado que a
realização do evento precisou vencer um “patrulhamento ideológico”, e que “é preciso
combater os inimigos das sociedades abertas, hostilizar os socialistas-marxistas
totalitários e manter nossa terra como uma sociedade livre e aberta, segundo nossa visão
moral do que deva ser uma sociedade democrática”. Nos debates, lamentou a
“defasagem” no desenvolvimento cultural brasileiro na América Latina diante de países
como o Chile e a Costa Rica, “mais politizados”. Desinteressado em camuflar
preconceitos, exemplificava o atraso político brasileiro pela presença de “um cantor semi-
analfabeto e um índio”671 na Câmara Federal. Criticou ainda a “organização da nova
Constituição” e os empréstimos do governo brasileiro à Polônia e à Nicarágua,
esbravejando que assim estaríamos “indiretamente financiando a guerrilha Sandinista”.
Por último, declarou que a falha dos “governos militares” foi ter reproduzido erros de
gestões anteriores, como “empreguismo, nepotismo e corrupção”.
Essencialmente concentradas na suposta doutrinação anticomunista e na discussão
de ações contrárias, as palestras tiveram como temas, segundo programação anexa ao
dossiê do SNI, “O Expansionismo Comunista e o Ocidente”, “Ideologia Marxista: Visão
Geral e Crítica”, “Materialismo Histórico e Dialético”, “Teorias Econômicas Marxistas”,
“O Imperialismo e a Terceira Internacional”, “Confusão no Sistema de Valores do
Ocidente” e “Cosmovisão da Causa”. Já as sessões de debates intitularam-se “A Luta pela
Democracia nas Américas”, “A Resposta dos Cristãos ao Comunismo” e “Caminhos para
o Desenvolvimento Econômico”.

671
Referia-se, provavelmente, aos deputados Agnaldo Timóteo e Mário Juruna, ambos eleitos em 1983
pelo PDT, partido de oposição à ditadura.
472

Thomas Ward, a quem coube três intervenções, resumiu a proposta da CAUSA


como um trabalho de “mudança dos homens, na sociedade e no mundo” contrapondo o
“Deusismo” ao comunismo, na construção de uma sociedade baseada em três pilares:
Deus, a família e o amor altruísta. Por final, enfatizou a “necessidade de aplicar a “reação
em cadeia” para conseguir multiplicar as pessoas e organização em torno da Causa”
(SIC). William Lay procurou destacar as falhas do pensamento marxista, prescrevendo
também o “deusismo” como alternativa ao materialismo histórico e dialético. Carlos
Augusto Noriega criticou a teoria da mais valia de Marx, enfatizando a necessidade de se
conferir maior importância à dimensão espiritual e que a “solução para os abusos” só
pode ser encontrada num mundo livre. Cleon Skousen falou “sobre as pressões exercidas
pelos comunistas nos regimes em que detenham o poder”, elogiando a Constituição norte-
americana, da qual se disse “árduo estudioso”. Antonio Betancourt denunciou “a prática
do comunismo como um crime contra a humanidade”. O Monsenhor Freddy Delgado
lamentou o surgimento na América Latina “da Igreja Popular, apoiada na Teologia da
Libertação”, para ele um “veículo de propaganda do comunismo” inserido numa nova
estratégia de disseminação, que compreenderia a cooptação de sacerdotes, a criação das
Comunidades Eclesiásticas de Base, a formação de grupos de estudo populares para
interpretar politicamente a bíblia, e a seleção de alguns de seus membros para cursos de
aperfeiçoamento, entre os quais quatro fariam um “curso de capacitação política” para
tornarem-se líderes. Cristian Langlos lamentou o fato de a direita não escrever, “enquanto
a esquerda edita muitos livros”, dentro de uma estratégia de influência comunista que
fazia uso também das artes. Osvaldo Paz destacou a pressão comunista sobre a América
Latina, acusando a “Igreja Popular” de incentivar movimentos marxistas, urgindo
combatê-la. O evangélico Juan Andrés Vasquez del Valle também apontou suas armas
para a “Igreja Progressista”, que empurrava “para um abismo sem fundo a crença em
Deus”, reconhecendo a responsabilidade também do ramo evangélico, enfatizando que a
“visão materialista do clero moderno”, inspirada por teólogos alemães, teria desaguado
na Teologia da Libertação. Aqui vemos reverberar a antiga polêmica que originou o
movimento fundamentalista, reação às propostas de reinterpretação bíblica partidas do
modernismo protestante, deixando claro em qual lado da disputa del Valle se situava. O
padre Sebastian Labo frisou e subscreveu a posição “definida e inflexível” da Igreja de
Roma contra o marxismo, lamentando que, todavia, “seus sacerdotes em todo mundo”,
sobretudo os mais jovens, cairiam vítimas da “propaganda soviética”, interessada em
“corromper as bases da igreja”. O nicaraguense Roberto Cardenal denunciou que os
473

sandinistas estariam provocando um cisma católico no país ao construir uma Igreja


paralela, ali chefiada pelo cardeal arcebispo Ovando y Bravo. Queixou-se também de
atividades de doutrinação infantil e da quase exclusiva alocação do orçamento nacional
para a aquisição de armas, em detrimento dos serviços básicos à população. Pedia, assim,
o estrangulamento econômico e um “definitivo isolamento” do “mundo livre”, a fim de
derrubar o governo sandinista. Ricardo de la Cierva foi outro que criticou o clero
progressista, indicando como suas três bases as CEBs, a Teologia da Libertação e o
Movimento dos Cristãos pelo Socialismo. Esclarecedoras sobre as atividades da CAUSA
no Brasil foram as palavras do coordenador local, o “Professor” Miguel Rocha. Segundo
ele, a organização já se prolongaria pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Paraíba e Paraná, com núcleos em formação no Rio Grande do Sul, no Espírito
Santo e em Santa Catarina. O trabalho de “caráter educativo” corria célere, tendo ela, em
pouco mais de um ano, organizado “noventa seminários”, além de palestras e cursos para
mais de três mil pessoas. No mais, a CAUSA atuava junto a “lideranças sociais”, não
especificando o relatório do SNI quais e nem o sentido dessa atuação; procurava criar
uma “cruzada contra a imoralidade” e realizava em “todas as regionais” treinamento de
novos líderes para os seminários e palestras.
Relacionada pelo SNI, a plateia, desta vez, foi predominantemente preenchida por
funcionários estatais, empresários e religiosos. Entre os primeiros, destacam-se Dario
Miranda, adido comercial do Consulado boliviano; Daniel Sossa Miranda, primeiro-
secretário da embaixada do Peru; Fernando Zocco, assessor parlamentar da Assembleia
Legislativa; Gilberto Flávio de Azevedo Lima, assessor parlamentar na Câmara Federal;
Adail Vettorazzo, deputado federal pelo PDS; Aluízio de Abreu Lobo, deputado estadual
no Maranhão pelo PDS; Valdivino Diniz Castelo Branco, deputado estadual no Maranhão
pelo MDB; Bonifácio José Tamm de Andrada, deputado federal pelo PDS; Hélio Pereira
de Rezende, ex-deputado estadual pela Arena e empresário; Jesus Trindade Barreto,
deputado estadual em Minas Gerais pelo PDS; João Correia de Freitas, assessor técnico
da área social do governo de Minas Gerais; Luiz Augusto da Silva Cabral, assessor de
imprensa da Secretaria de Estado de Minas Gerais; Moupir Amaral, chefe do Gabinete
Superior da Polícia Federal; Rochilmer Mello da Rocha, membro do Tribunal de Contas
de Rondônia; Bertolino de Oliveira Neto, delegado e presidente da Comissão de Controle
e Aviação da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra - ADESG;
Antônio Carlos Costa Moreira da Silva, delegado da Polícia Federal, promotor e
procurador da Fazenda nacional; Benedito Honório da Silva, assessor chefe da Assessoria
474

de Segurança e Informações do MEC e assistente da Procuradoria Geral da Paraíba;


Edilaudio Luna de Carvalho, professor e chefe da Assessoria de Segurança e Informações
da Universidade Federal da Paraíba; José Adalberto Targino Araújo, promotor de Justiça;
e José Salles Pontes, assessor do governo federal junto à Casa Militar.
O ramo empresarial foi representado por Jorge Oscar de Melo Flores, um dos
fundadores do IPES no Rio de Janeiro, ex-diretor da Sul América Seguros Terrestres,
Marítimos e Acidentes, ex-diretor e vice presidente do Banco Lar Brasileiro e gerente
fundador da Sociedade Civil de Planejamento e Consultas Técnicas – CONSULTEC e
membro das organizações classistas Sindicato de Empresas de Seguros Privados e
Capitalização do Rio de Janeiro, Sindicato dos Bancos do Estado da Guanabara,
Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e Capitalização e Federação
Nacional dos Bancos. Foi dirigente ainda das empresas Ciquine Indústrias Químicas do
Nordeste S.A., Algimar S.A., Indústria Brasileira de Aço, Companhia Fiduciária do Rio
de Janeiro, Luz Steárica, Moinho Santista, ITN Trading, Molas Sueden S.A., Sulatec
Participações S.A, e presidente da Fundação Getúlio Vargas – FGV. Apareceram também
Ilídio Coelho Sobrinho, dono do jornal paranaense Umuarama Ilustrado; Henrique Deiss,
catarinense, atualmente diretor presidente do Grupo Têxtil Oeste que usa mão de obra de
detentos em Chapecó-SC (EMPRESÁRIOS abordam os benefícios de contratação de mão
de obra prisional, 2018); Joezil dos Anjos Barros, dirigente do jornal Diário de
Pernambuco; José maria Leal de Alvarenga, empresário baiano; Honório Tomelin,
empresário do ramo rural; Luiz Guilherme Mussi, empresário radiofônico; Mario de Mari
Júnior, construtor civil e ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná
- FIEP; Maurício Calixto da Cruz, dono do jornal O Estadão do Norte e da Rádio
Eldorado em Porto Velho, eleito em 1986 deputado estadual pelo PFL de Rondônia; Adão
Rossir Berny de Oliveira, escritor e proprietário da Editora Alcance; Ceslau da Costa
Gadelha Filho, empresário hospitalar; João Figueiredo Coutinho, empresário imobiliário;
e Hsueh Ying Yin, diretor da SUCEFI Imóveis.
Verdadeiramente ecumênico, o evento teve representantes de várias das mais
importantes organizações religiosas do mundo. Foram Antonio Carlos de Souza
Meirelles, membro da Igreja Mórmon de São Paulo; o sacerdote Edmundo da Mata, cuja
Igreja de origem não foi informada; Francisco Gavenas, padre salesiano; Mario Antonio
Firmino de Oliveira, pastor evangélico; Luiz Fernandes Castilho Mendez, bispo patriarca
do Brasil; Anibal Guedys Gangana, padre patriarca; o pastor presbiteriano Rui José de
Moraes Barbosa; Crisóstomos Moussa Matanos Salama, arcebispo da Igreja Síria
475

Ortodoxa do Brasil; Ivan Dutra Moraes, bispo diocesano de Belo Horizonte; Raul Lima
Neto, pastor evangélico e futuro deputado estadual em Minas Gerais; Wilton de Araújo
Sampaio, secretário executivo da Convenção Igrejas Batistas Nacionais do Estado de
Minas Gerais; Dimas Alves de Souza, pastor batista; e Guaracy Batista da Silveira, 1º
pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular no Norte do Brasil, presidente da Associação
Comercial do CEASA do Pará e deputado estadual pelo PDS.
Militares também apareceram em certo número na figura de José Leopoldino e
Silva, tenente-coronel da reserva; Antonio Leite de Araújo, general da reserva; José Lopes
Bragança, general de divisão; Rubens José Ferreira, coronel da reserva da Polícia Militar
de Minas Gerais; Gustavo Adolpho Engelke, capitão-de-mar-e-guerra; José Farias de
Souza Filho, capitão da Polícia Militar do Estado da Paraíba; Marcílio Pio Chaves,
coronel da Polícia Militar do Estado da Paraíba; e Cesar Augusto Soares de Souza, capitão
de fragata e assessor empresarial.
Membros da imprensa presentes foram Antônio Eustáquio Rodrigues Cassimiro,
que em 1993 fundaria o jornal Gazeta do Oeste em Divinópolis - MG; Carlos Danilo
Costa Côrtes, do Diário do Paraná; Francisco das Chagas de Oliveira, diretor do Jornal
do Piauí e do jornal Opinião; Antônio Barroso Pontes, escritor e jornalista no
conglomerado de mídia Diários Associados; e Maviel Horistônio de Oliveira, jornalista
paraibano agraciado em 1982 com diploma de colaborador emérito do Exército.
Os intelectuais convidados foram Cesário Morey Hossri, professor da
Universidade de Taubaté e do SENAI; Fernando Menezes Xavier, do Departamento de
Administração da Universidade de Fortaleza - UFC; Nelson Figueiredo, presidente da
Liga da Defesa Nacional672; Antônio Carlos Belfort de Carvalho, professor de
Odontologia e suplente de vereador em Teresina - PI; e Nilson Nogueira de Melo,
professor de Medicina na Universidade Federal de Campina Grande – PB.
Estavam ali, também, alguns líderes sindicais, expressando a relativa penetração
do Partido da Fé Capitalista também neste meio. Compareceram Roberto Ferreira,
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Goiânia e Cyro Siqueira Filho, diretor do
Sindicato dos Cirurgiões Dentistas.
Além dos acima, cidadãos de outros 22 países, sobretudo latino-americanos,
afluíram ao Maksoud Plaza. Sua identificação, infelizmente, não é possível, pois seus
primeiros nomes aparecem abreviados no relatório do SNI. O Jornal do Brasil, contudo,

672
Fundada em 1916, a Liga buscava fomentar o sentimento patriótico com campanhas cívicas, vindo a ser
declarada órgão de interesse público pela ditadura em novembro de 1970.
476

em matéria anexa em dossiê673 da Divisão de Segurança e Informações do Ministério das


Relações Exteriores, listou entre os presentes outros brasileiros não mencionados pelo
Serviço. Seriam eles os deputados do PFL e PDS Herbert Levy e Sebastião Curió de
Moura, o Major Curió, responsável pela repressão à Guerrilha do Araguaia e acusado de
diversas e graves violações de direitos humanos.
Em fevereiro de 1986 a CAUSA realiza no bairro carioca de Jacarepaguá um
encontro menor, restrito a vinte pessoas, entre eles militares da reserva, professores e
assessores de deputados federais. Políticos como Álvaro Valle, do PFL, e Heitor Furtado,
do PDS, ambos, segundo documento674 do Comando Militar do Leste, membros da
CAUSA Brasil. Integrantes da Escola Superior de Guerra também foram convidados,
embora não tenham comparecido. Novamente, as conferências focaram-se na crítica
marxista embasada no viés ecumênico que os unificacionistas chamam de “deusismo”.
Maiores informações não estão disponíveis no sintético papel do Exército, que nota,
entretanto, que a “mensagem final” dos palestrantes foi a conclamação para “a
mobilização e conscientização das elites, normalmente detentoras do capital, para que
apoiem e lutem em todos os campos de atividades contra o “comunismo ateu”’, ação que,
se esperava, chegasse até as “bases da sociedade”.
Em setembro de 1986, em Boa Vista - RR, a CAUSA Brasil convidava
“autoridades políticas, religiosas e militares, empresários e profissionais liberais para o
Congresso “Introdução ao Deusismo”675. Ali, vangloriava-se a organização de origem
coreana sediada nos Estados Unidos de “levar o Deusismo a todos os recantos do Brasil
e a todos os brasileiros patriotas, que amam sua pátria e a querem livre e próspera”. Sobre
esse encontro, contudo, faltam informações, constando apenas um folheto, guardado pelo
SNI, com um resumo da programação, que pouco difere da de eventos anteriores.

673
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, PFI.237. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_z4/dpn/pes/pfi/0237/br_dfanbsb_z4_dpn_pes
_pfi_0237_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
674
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Ciclo de Conferencias da CAUSA Brasil.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.86012852. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ccc/86012852/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ccc_86012852_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
675
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Folheto Causa Brasil, Introdução ao
Deusismo e Informativo CAUSA Brasil, Edição Especial. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.LLL.86006712. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/lll/86006712/br_dfanbsb_v8_mi
c_gnc_lll_86006712_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
477

Em julho de 1987 a organização realiza outro seminário, no Hotel São Paulo


Center, de nome Em Busca de Uma Nova Ideologia. A abertura coube ao deputado federal
Marcelino Romano Machado, do PDS, que discursou para aproximadamente oitenta
pessoas, segundo o SNI “em sua maioria delegados de polícia, políticos e pastores
evangélicos”676. Tematicamente, a programação não viu nada de novo em comparação
com os eventos anteriores, focada novamente na unidade religiosa contra o comunismo e
na sua crítica. Entre os conferencistas, além dos já mencionados dirigentes da CAUSA
Brasil, destacou-se o deputado federal pelo PDS, Paulo Osório, com a palestra
“Necessidade de Equilíbrio Ideológico e de União para Salvar o Brasil”, e José Oswaldo
de Meira Penna, com “A Ideologia do Século XX”. Conciso, o papel do SNI reporta que
estava previsto para outubro do mesmo ano em Brasília um encontro internacional de
membros do International Security Council, organização paralela da Igreja da Unificação
que, como vimos, tinha Meira Penna em seus quadros, e da Associação para a Unidade
Latino-Americana (AULA).
Na documentação, o último vestígio das atividades do complexo de organizações
da Igreja da Unificação é o relatório677 da Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República mencionado no capítulo passado sobre mais um encontro na
capital uruguaia, com a frequência inclusive de membros da Igreja Universal do Reino de
Deus. É dito ainda que os unificacionistas preparavam, para junho de 1996 na cidade de
Goiânia - GO, um grande evento, conforme o representante da Igreja no estado, o pastor
Romilton Amaral, com o objetivo de discutir a “Família Ideal”. Além dele, a Secretaria
indicava outro “pastor evangélico”, Paulo Carvalho, como um dos principais ‘“ponta-de
lança” dos negócios empresariais” da Igreja em Goiás.
Em princípios de 1998, a Igreja da Unificação mudou seu nome para Associação
das Famílias para Unificação e Paz Mundial. Ainda no final da década, o reverendo Moon,
morto em 2012, teria comprado largas porções de terra no estado do Mato Grosso,
fazendo ali também pesados investimentos agropecuários. As atividades atuais da

676
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Realização em São Paulo, SP, em JUL 87,
de Seminario Promovido pela CAUSA Brasil, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.87063285. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063285/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063285_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
677
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
BR DFANBSB H4 MIC.GNC.RRR 990014702. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/990014702/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_rrr_990014702_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
478

organização, entretanto, mantêm-se perfeitamente sigilosas, tal como os encontros


realizados nos anos 1980, que nos chegam em detalhes apenas através da documentação
dos órgãos de espionagem estatais. Não é possível, por exemplo, encontrar na internet
informações atualizadas sobre nenhuma das entidades estudadas acima em atividade no
Brasil. A própria Associação das Famílias para Unificação e Paz Mundial não tem página
própria, mantendo apenas um perfil na rede social Facebook onde as informações são
também escassas.

2.3.4 – A Associação do Movimento da Unificação para a Salvação da Pátria - AUSP

Outra subdivisão da Igreja da Unificação encarregada de costurar alianças com


frações da classe dominante brasileira foi a Associação do Movimento da Unificação para
a Salvação da Pátria – AUSP, que, segundo René Dreifuss (1989, p. 94), reunia “militares,
profissionais e políticos”. Chamou especial atenção do estudioso o lançamento, em 1987
no Rio Grande do Sul, de um Projeto para a Realidade Brasileira, dirigido por Neudir
Simão Ferabolli, mais um movimento antimarxista financiado pelo grupo Unificação,
desta vez sob os auspícios da AUSP. Seguindo o padrão de expansão brasileiro de suas
organizações filhas, também este tentáculo unificacionista logo avançou da sede gaúcha
em direção a São Paulo, no caminho lançando-se sobre Santa Cataria e Paraná. Neste
último, registra o mesmo Dreifuss (1989, p. 94) que os esforços de cooptação da classe
dominante compreenderam, por exemplo, “jantar comemorativo do sucesso da
doutrinação de seus integrantes”, reunindo acadêmicos, magistrados, políticos e o
comandante da Polícia Militar, Wantuil Borges. O fato é confirmado pelo Centro de
Informações da Polícia Federal, em documento678 de junho de 1988 sobre o jantar-
conferência, segundo a PF ocorrido em 28 de abril daquele ano. Com a coordenação do
presidente da AUSP no Brasil, Ubiratan Pereira de Moraes, mais ou menos 150 pessoas
teriam comparecido. Entre elas, o presidente da Igreja da Unificação no Brasil, Waldir
Cipriani, o coordenador da juventude unificacionista no Paraná, Maurício Baldini, um

678
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conferencia da Associação do Movimento
da Unificação do Podo para a Salvação da Patria, Curitiba PR. SE143 AC. Arquivo Nacional. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88067311. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/88067311/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_aaa_88067311_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 ag. 2021.
479

assessor do governador Álvaro Dias, Mário Celso, e uma representante anônima do


governo de Santa Catarina. As falas teriam sido dominadas pela cúpula unificacionista,
que se encarregou de pôr os presentes à par da história do movimento, dentro e fora do
país e das suas atividades no Brasil. Entre elas, o SNI destaca ter sido frisada “a existência
de um grupo de aproximadamente 20 (vinte) jovens que vêm fazendo um trabalho de
divulgação das idéias da unificação, junto aos parlamentares que elaboram a nova
Constituição”. Ao fim das exposições, um cheque de quinhentos mil cruzados foi
presenteado ao governo do Paraná, dinheiro, segundo Ubiratan de Moraes, “arrecadado
junto a empresários paranaenses”. Entretanto, poucos dias depois, o governador Álvaro
Dias, talvez preocupado com a associação de sua imagem à Igreja da Unificação, que,
como vimos, teve sua reputação pública severamente manchada, “mandou devolver o
valor para a AUSP”, “após tomar conhecimento da origem da doação e do tipo de
movimento que representa a Seita Moon”.
Conforme Dreifuss (1989, p. 94), encontro parecido ocorreu também em Santa
Catarina, brindado pelo governador Pedro Ivo. No Rio Grande do Sul, contudo, a
organização não logrou o mesmo sucesso, tendo o governador Pedro Simon declinado do
convite.

3 – A Associação Brasileira de Defesa da Democracia

Outro importante fórum congregando religiosos, agentes estatais e intelectuais em


torno de pautas pró-capitalistas foi a Associação Brasileira de Defesa da Democracia -
ABDD, organização umbilicalmente ligada ao jornal Letras em Marcha. Conforme
Eduardo Heleno de J. Santos (2018, p. 41-42), distribuído em quartéis e com tiragem de
15 mil exemplares, o jornal era publicado por oficiais relacionados com o Centro de
Informações do Exército - CIE e em princípios dos anos 1980 dedicava-se a fazer
oposição à candidatura de Tancredo Neves à Presidência da República. A campanha se
articularia com um projeto delineado pela direção do CIE, batizado de Operação Bruxos,
em favor do candidato governista do PDS, Paulo Maluf. Consumada a vitória de
Tancredo, parte dos contribuintes do Letras em Marcha passou a se organizar em grupos
de pressão política como a ABDD.
A Associação, contudo, foi fundada em Brasília em nove de janeiro de 1985,
portanto alguns dias antes da eleição de Tancredo, talvez antecipando a derrota de Maluf.
480

Em seus estatutos, figuravam objetivos que expressam de maneira inequívoca um


direcionamento conservador no âmbito dos costumes e economicamente liberal: “a defesa
intransigente dos postulados do verdadeiro regime democrático”679, “a valorização do
País, através da promoção de seus valores, seus símbolos, sua tradição, seus ideias, seus
objetivos, do espírito de civismo de seu povo, do amor à pátria e à nacionalidade”, e “a
defesa dos postulados da propriedade privada e da livre iniciativa no domínio
econômico”. A edição n. 16 da revista oficial, a Ponto de Vista680, entretanto, dava ênfase
ao teor religioso do movimento, apenas implícito nos estatutos. Segundo o periódico,
buscava a ABDD, além das metas acima, “a defesa dos valores morais e espirituais da
nação brasileira e de seus sentimentos cristãos” 681. Para tanto, se recorreria a meios como
“a realização de estudos e pesquisas, divulgando-os por meios de comunicação
apropriados”682; o oferecimento de cursos e conferências; publicações com “estudos e
pesquisas realizadas, e artigos doutrinários de autoria identificada e referentes aos
objetivos da associação”; “o desenvolvimento de relações e a manutenção de intercâmbio
com entidades congêneres” e também com “com órgãos públicos, empresas privadas,
universidades e entidades culturais e sociais”; a instalação de sedes regionais por todo o
país; e “a criação de um centro de estudos políticos, econômicos e sociais, em caráter
permanente, com vistas à propagação dos objetivos da Associação”.
Encabeçando a organização temos, novamente, o diplomata José Oswaldo de
Meira Penna, presidente do Conselho deliberativo, acompanhado dos coronéis do
Exército José Augusto Silveira de Andrade Netto683, 1º vice-presidente, e Arlene Cardoso

679
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87064320.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87064320/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87064320_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
680
A publicação já circulava antes da oficialização do movimento, tendo o seu primeiro número sido
lançado em finais de 1983. Neste momento a autoria da revista era creditada a uma certa Fundação pró-
Brasil, passando a apresentar-se como veículo oficial da ABDD apenas nesta edição n. 16, de fevereiro de
1985.
681
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.85050880. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/85050880/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85050880_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
682
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87064320.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87064320/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87064320_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
683
Ex-chefe do Departamento de Contrainformações e Contrapropaganda do CIE, com destacada atuação
na tentativa de sabotagem da candidatura de Tancredo Neves (CASIMIRO, 2016, p. 70).
481

Amorim684, 2º vice-presidente. Na diretoria nacional, a presidência coube ao coronel da


reserva José Leopoldino e Silva, que tinha ao seu lado o vice-presidente Paulo Antunes
de Souza, sobre quem faltam informações, e o secretário Jethro Bello Torres, engenheiro
agrimensor. No total, a direção da ABDD contava com 45 membros, em sua maioria
militares685, ainda que alguns civis ideologicamente alinhados com o regime de 1964
tenham participado, não deixando, da mesma forma, de atrair intelectuais religiosos,
posto que uma das tarefas a que se lançava era a disputa do campo da fé.
Flavio Henrique Calheiros Casimiro (2016, p. 73) insere a ABDD entre um
punhado de organizações ideológicas nascidas no contexto da redemocratização com o
propósito de atualizar as estratégias burguesas de dominação diante do fim da ditadura.
As ações por ela desempenhadas, que passo agora a abordar, exprimiriam assim o
interesse de grupos ultraconservadores em “defender e difundir o seu próprio modelo de
democracia, garantindo a manutenção de estruturas políticas e sociais características do
regime ditatorial que se encerrava”, sobretudo no que diz respeito ao combate ao
comunismo, à “defesa incondicional da propriedade privada” e à contenção dos
movimentos de contestação populares.
Interessando-se por tudo o que acontecesse no panorama político brasileiro, em
meados de 1985 o SNI passou a monitorar as atividades da ABDD. Foi assim que alguns
número da revista Ponto de Vista chegaram até nós, abrindo uma janela para a melhor
compreensão do que foi a Associação. Com contribuições de intelectuais, religiosos e
laicos, militares e empresários, seu número 15 teve matéria de Ingo Hering, diretor
presidente da empresa de roupas Hering, que advogava uma maior exploração das fontes
energéticas disponíveis, inclusive a nuclear, postulando, contudo, a desnecessidade de se
perseguir a total autonomia no petróleo, bastando chegar a um melhor “equilíbrio
comercial”686 com os países exportadores. O arcebispo de Sergipe, Luciano Cabral
Duarte, em “Frei Leonardo Boff por Ele Mesmo”, criticava o maior expoente da Teologia
da Libertação no país. No número 16, Ingo Hering reaparece para queixar-se da influência

684
Era “especialista em informações com passagem pelo SNI” (CASIMIRO, 2016, p. 70).
685
Uma vez que o regulamento do Exército proibia a participação de membros da ativa em atividades
políticas, muitos dos integrantes militares da ABDD aparecem em seus estatutos com ocupações fictícias.
Assim, os coronéis Arlene Amorim, José Augusto Netto e José Leopoldino e Silva figuravam como
professor de Educação Física, economista e técnico em administração, respectivamente.
686
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.GGG.85012590. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/85012590/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_85012590_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
482

comunista sobre a cultura francesa, por sua vez grande inspiradora de intelectuais, artistas
e estudantes brasileiros, respirando aliviado ao enxergar a bancarrota comunista diante de
fatos recentes, como o a renúncia a um “socialismo humano” e a volta a “métodos
econômicos ortodoxos” pelo governo francês; totalmente desprovido de autocrítica,
Luciano Cabral Duarte procurou sustentar a incompatibilidade entre religião e política,
mas apenas no que diz respeito ao clero progressista, engajado numa “martelante
conscientização política dos católicos na linha do socialismo”; Jarbas Passarinho
comentava sobre o programa Guerra nas Estrelas687, anunciado pelo presidente norte-
americano Ronald Reagan, comemorando que “se esse programa for bem sucedido
tornará vulnerável a União Soviética”; José Oswaldo de Meira Penna criticava a
“Esquerdigreja popular”, caricaturizando o clero progressista e sobretudo Leonardo Boff,
grandes promotores de confusão na Igreja Católica brasileira; Jorge Gerdau, presidente
do Grupo Gerdau, frisava a natureza antidemocrática do socialismo, que submetia as
dimensões econômica e política a um mesmo “código moral/cultural e coletivo”,
enquanto a plena democracia demandaria a separação não só dos poderes, mas também
da economia e da moral e cultura688, afirmando, ainda, que “O grande fiscal do
crescimento econômico é o mercado, aprovando ou rejeitando os produtos, frutos de
necessidades humanas”, missão que “não cabe à burocracia”, cuja rigidez em suas normas
“impede uma nova opção de consumo, gerando entraves de toda ordem”; e o jornalista
Alexandre Garcia assinou artigo onde criticava projetos para eliminar as moradias oficiais
concedidas a ministros, prevendo como consequência um necessário aumento de seus
salários. A revista trazia ainda transcrição de editorial do Jornal da Tarde sobre o suposto
acirramento das divisões internas da esquerda brasileira, sustentando que “agitadores do
PT, as pastorais da terra, as comissões de justiça e paz, os maoístas do PC do B e os
inocentes úteis do movimento universitário, travam uma verdadeira batalha pelo
monopólio das forças totalitárias no Brasil”.
Avaliando o número 18, de abril de 1985, o SNI comentava que o veículo primava
por propagar “uma mensagem anticomunista e democrática”689. A edição abria com a

687
O projeto pretendia a construção de uma rede de interceptação de armas nucleares, em seu percurso fora
da atmosfera da Terra, constituída de radares, satélites e armas modernas. Não prosperou, contudo, devido
ao alto custo e indisponibilidade dos meios tecnológicos para a sua efetivação.
688
Como referência teórica, Gerdau mencionava Michael Novak, ligado ao Institute on Religion and
Democracy, confirmando, mais uma vez, a penetração das ideias propagadas por esse laboratório de ideias
entre a classe dominante brasileira.
689
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.85050880. Disponível em:
483

matéria “O Plano de Doutrinação Marxista”, escrita por um Isnard A. Vieira690, trazendo


a tese de que, após ter abandonado a luta armada em 1974, a esquerda teria passado a se
concentrar na propaganda “como arma prioritária e exclusiva de expansão política com
vistas à conquista de poder”. Em seguida, José Oswaldo de Meira Penna acusava
Leonardo Boff e outros teólogos da libertação de terem ajudado Fidel Castro em exportar
uma “esperança utópica”, falaciosa, dada a total dependência da economia cubana em
relação ao Ocidente; o coronel Jarbas Passarinho assinava o escrito “Ontem e Hoje”, onde
criticava a legalização de organizações populares “que nem o Sr. João Goulart ousou
admitir, como A União Nacional dos Estudantes - UNE e o Comando Geral dos
Trabalhadores - CGT”.
Um mês depois, era pedido à agência de Goiânia do SNI, provavelmente pela
Agência Central do Serviço, apesar de não estar claro na documentação, que investigasse
suspeitas de que a ABDD seria uma organização de direita que estaria “distribuindo textos
impressos e datados aos jornais e revistas de todo o País, contendo críticas ao atual
Governo e acusando-o de “estar cheio de comunistas”’691. Procurava-se apurar o provável
“posicionamento radical” da ABDD contra o governo Sarney, que tomara posse em março
daquele ano após a morte de Tancredo Neves. As diligências, contudo, foram favoráveis
à ABDD, não se constatando críticas incisivas ao governo no n. 19 da Ponto de Vista.
Colocando panos quentes sobre as alegações de radicalismo, sustentavam os goianos não
haver indícios de que se tratava de um órgão direitista “salvo se, nesta classificação,
englobarmos todos os que são anticomunistas”. Não chamavam especial atenção,
também, as críticas à Igreja progressista ali tecidas por Luciano José Cabral Duarte,
arcebispo de Aracaju - SE, e Carlos José Boaventura Kloppenburg, bispo auxiliar de
Salvador - BA, ambos “articulistas contumazes”.
A ABDD, de fato, talvez levada a uma posição mais conciliadora com o governo
Sarney, tranquilizada com a morte de Tancredo Neves, de quem a ultradireita não sabia
ao certo o que esperar, abria o n. 19 de sua revista com palavras do próprio ex-antagonista

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/85050880/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85050880_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
690
É possível que se trate de um pseudônimo, pois, ao contrário do verificado com os demais articulistas,
a matéria não trazia nenhuma informação sobre sua identidade.
691
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.85010134. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/85010134/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_85010134_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
484

falecido. À reflexão dos jovens brasileiros era dedicada a citação: “Não se deixe
instrumentalizar por ideologias. Seja cada vez mais democrata e faça, realmente, da sua
convicção democrática, o seu escudo e instrumento de luta, em favor do Brasil”.
Invocava-se o espírito do presidente morto, portanto, para somá-lo, sem possibilidade de
réplica, ao esforço anticomunista da ABDD.
No miolo da publicação, destacavam-se o bispo Luciano Cabral Duarte que, em
“O Ecumenismo do Sofrimento”, discursava sobre as agruras dos homens de fé
perseguidos na União Soviética, narradas no livro Les Martyes dans les Pays de L'Est (Os
Mártires nos Países Orientais), sublinhando “os métodos satânicos que o comunismo
emprega para a destruição da fé”; Amaury de Souza Mello, escritor, filósofo, advogado,
que, em “A CNBB e o aumento da criminalidade”, acusava o clero progressista de incitar
a ação de grupos criminosos; o articulista do Estado de São Paulo, Lenildo Tabosa
Pessoa, em “Nos Bastidores de Itaici” celebrando a derrota do clero progressista na última
assembleia da CNBB, com a substituição de dom Hélder Câmara no arcebispado de
Olinda e Recife; José Oswaldo de Meira Penna, que o texto “O Novo Itamarati”
comemorava a indicação de Olavo Setúbal, presidente do Banco Itaú, para o Ministério
das Relações Exteriores, esperando “a eliminação do social-estatismo” na política
externa, não se furtando também, em nota, de destacar a “frustração” do clero progressista
com os últimos atos do Vaticano.
Além da revista, conforme previsto em seus estatutos, a ABDD patrocinava
encontros e conferências. Um evento deste tipo ocorreu, por exemplo, em outubro de
1987 na antiga sede carioca do Clube da Aeronáutica, de acordo com documento do
Centro de Informações da Aeronáutica - CISA. Anunciada pela ABDD como “a primeira
de uma série de palestras que terão o objetivo de levar os presentes à meditação sobre os
destinos políticos vividos pelo país no momento em que está sendo elaborada a nova
Constituição”692, o professor da ESG Jorge Boaventura de Souza e Silva falou sobre “A
Conjuntura Atual e a Constituinte” para duzentas pessoas, público superior ao esperado,
pois “muitos espectadores estavam de pé”. O eixo da palestra foi o pensamento do teórico
italiano Antonio Gramsci, que no Brasil basearia “todo trabalho político desenvolvido
pela esquerda” engajada, portanto, numa luta de longo prazo e concentrada no “domínio

692
ARQUIVO NACIONAL. Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. Informacao N° 83/A-
2/III COMAR: Debate na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Código de Referência: BR DFANBSB
VAZ.0.0.22859. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_VAZ/0/0/22859/BR_DFANBSB_VAZ_
0_0_22859_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2021.
485

dos meios de comunicação”. Assim, expunha Boaventura preocupação com o trabalho


“desenvolvido pelos partidos comunistas, através de uma minoria extremamente ativa,
que a despeito da quantidade mínima de votos, responsáveis pela eleição de alguns
parlamentares em novembro de 1986, desfruta de grandes espaços na imprensa”.
Questionado sobre uma solução, o professor respondeu com uma inocente (ou cínica?)
apologia às potencialidades libertárias do livre mercado, afirmando “que somente com a
organização do povo dentro de partidos políticos fortes e através do efetivo estímulo à
iniciativa privada, desprovida de ganância dos lucros, é que se fortalecerá a Democracia
no Brasil”. Foi ele ouvido por membros da imprensa e de “oficiais da reserva” das três
forças, além de professores e estudantes, destacando o CISA a presença do ex-ministro
da Justiça de Ernesto Geisel, Armando Falcão; do marechal Márcio de Souza e Melo; dos
generais Coelho Neto, Hélio Ibiapina e Euclides Figueiredo; e dos brigadeiros Délio
Jardim de Matos, João Paulo Moreira Burnier, Técio Pacciti, Luiz Felippe carneiro de
Lacerda Netto, Gustavo Leigh, Nelson de Souza Taveira, Gino Franciscutti, Ênio Russo,
Márcio César Leal Coqueiro e Nelson de Souza Mendes.
A erudição do palestrante impressionou o redator do documento do CISA, para
quem o professor da ESG teria analisado com sucesso o contexto político brasileiro
“dentro de uma visão estritamente científica, respaldada nos profundos conhecimentos de
doutrinas políticas que detém e numa declarada formação cristã”, dele redigindo também
um pequeno currículo onde constam as seguintes informações. Boaventura era professor
da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, da Escola de Comando e Estado-
Maior do Exército - ECEME, da Escola de Guerra Naval - EGN e da Escola de Comando
e Estado-Maior da Aeronáutica - ECEMAR. Destacava-se também por ter sido chefe da
Divisão de Assuntos Sociais do Colégio Interamericano de Defesa693, na capital norte-
americana, Washington; diretor-geral do Departamento nacional de Educação do
Ministério da Educação e Cultura; presidente do Movimento Brasileiro de Alfabetização
- MOBRAL; e membro da Junta Consultiva do Comando da Escola Superior de Guerra -
ESG. Assinava ainda vários livros, como Marxismo Alvorada ou Crepúsculo e O
Processo Revolucionário Brasileiro, além de colecionar mais de uma dezena de medalhas
e condecorações do governo brasileiro.

693
Vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), o Colégio Interamericano de Defesa,
instalado em território norte-americano, foi fundado em 1962, fornecendo cursos de pós-graduação a
militares e funcionários governamentais de alto escalão. Visa principalmente a maior integração entre essas
porções da classe dominante dos países do continente americano.
486

Pouco mais tarde, em novembro de 1987, foi organizada no Rio de Janeiro


conferência com o ex-ministro do Superior Tribunal Federal - STF, Antônio Nader. O
evento foi coberto pelo jornal Última Hora que, em matéria intitulada “Jurista Fala à
Linha Dura”, guardada pelos arquivos do SNI, destacava trechos da fala e punha lenha
em alegações do Jornal do Brasil sobre o teor subversivo dos encontros da ABDD. O
SNI, entretanto, discordava, não enxergando as ideias ventiladas pela ABDD como
“pregação de contestação ao Governo vigente, ou proselitismo para a mudança de sistema
de governo”694. Indo além, o Serviço estranhava a intenção expressa pela matéria em
associar os membros da ABDD com “setores ligados aos governos militares pós-
Revolução de mar 64”, apesar dessa ligação ser constatável no seu próprio corpo
dirigente, repleto de participantes da ditadura. Fazia vistas grossas, também, ao apoio
manifesto por Nader à eventual necessidade de um novo golpe de Estado, ao comentar a
impossibilidade de o parlamentarismo funcionar no Brasil, regime cogitado por alguns
setores políticos naquele momento. Para o conferencista, uma vez que, “com o nosso
pluripartidarismo, teríamos um Governo Instável, com turbulências”, nesse caso, “os
militares, querendo ou não, teriam que intervir”. Conforme escrito pelo Última Hora,
segundo o jurista, outro “perigo” que poderia advir desse quadro seria “a ascensão das
massas”, que “se tornariam mais reivindicantes, turbulentas e politizadas, escolhendo
dentro delas “ilustres representantes como o Juruna, o Agnaldo Timóteo”, que não têm
esclarecimento ou preparo intelectual para legislar”, “tarefa para a elite intelectual do
País”.
Da mesma forma, a relação de presentes à palestra, rica em contribuintes da
ditadura de 1964, não deixa dúvida quanto ao seu apelo autoritário. Segundo o Última
Hora estavam ali o membro do Supremo Tribunal Militar, tenente-brigadeiro Honório; o
marechal-do-ar Márcio de Souza Melo, integrante da junta militar durante a transição
entre o governo Costa e Silva e Médici; o brigadeiro João Paulo Burnier, acusado de
planejar um atentado contra o gasômetro do Rio de Janeiro695; o general Luís Coelho

694
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87064151.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87064151/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87064151_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
695
Comumente referido como Caso Para-Sar, sigla para Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento, trata-se
de um plano concebido pelo brigadeiro em 1968 para a realização de vários atentados terroristas que se
pretendia creditar à esquerda. Felizmente, o paraquedista Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, apelidado
Sérgio Macaco, não apenas desobedeceu as ordens de Burnier para pôr o plano em curso, como também o
denunciou a outras lideranças da Aeronáutica. Infelizmente, entretanto, o brigadeiro atravessou
praticamente ileso o processo que se seguiu, podendo continuar sua carreira conspiracionista, por exemplo,
487

Neto, um dos autores intelectuais dos DOI-CODIs696; o almirante de esquadra Átila


Soares; o tenente-brigadeiro Luís Felipe de Lacerda Neto; o almirante Gualter Menezes
de Magalhães, chefe do Estado Maior da Marinha do governo Geisel; o brigadeiro
Honório Magalhães; O brigadeiro Márcio Coqueiro; o presidente do grupo de extermínio
Scuderie Le Cocq697, José Guilherme Godinho Ferreira, conhecido como Sivuca; e o
professor da Escola Superior de Guerra - ESG e membro da ABDD, Jorge Boaventura
Souza e Silva.
Este último, também em novembro de 1987, mas agora em São Paulo, repetiu a
palestra “A Conjuntura Nacional e a Constituinte”, que dera no Clube da Aeronáutica.
Patrocinado pela ABDD e o jornal Letras em Marcha, Silva falou para um público de
mais ou menos 350 pessoas, entre militares, religiosos, empresários e intelectuais, ao final
convidados para uma “sessão de perguntas com ativa participação dos presentes”698. A
exposição tratou, nas palavras do SNI, da “demonstração teórica do avanço esquerdista
no País, do declínio do Ocidente cristão e democrático e, particularmente, da denúncia da
deletéria atuação de uma minoria esquerdista junto à Comissão de Sistematização da
Assembleia Nacional Constituinte”. Ouviram com atenção representantes de variadas
organizações, destacando o SNI a CAUSA Brasil e a Igreja da Unificação; a Sociedade
Brasileira para a Defesa da Tradição, Família e Propriedade - TFP; o Partido de Ação
Nacionalista - PAN699; a União Democrática Ruralista - UDR; a Associação dos
Diplomados na Escola Superior de Guerra - ADESG; a União dos Escoteiros do Brasil;
o Sindicato dos Corretores de Imóveis; e a maçonaria. Estiveram ali também diretores da
Bolsa de Valores de São Paulo - BOVESPA; o secretário de Educação da prefeitura de
São Paulo, Paulo Zingg; Fernando Mauro Pires da Rocha, secretário de Higiene da mesma
prefeitura; o deputado federal pelo PFL, Herbert Levy; Nelson Raso, diretor da UDR em
São Paulo; Antônio Erasmo Dias, coronel do Exército e deputado estadual pelo PDS;

nos eventos da ABDD na década de 1980. Sérgio Macaco, por outro lado, terminaria afastado das forças
armadas.
696
Os Destacamentos de Operação Interna - Centros de Operações e Defesa Interna - DOI- CODI eram
órgãos de repressão e tortura controlados por membros das forças armadas em contato estreito com
instituições policiais de fins semelhantes, como os DOPS, de responsabilidade das polícias civis estaduais.
697
A Scuderie Detetive Le Cocq foi uma associação frequentada por policiais cariocas acusada de executar
centenas de pessoas entre 1964 e 2000.
698
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Realização em São Paulo, em 11 Nov 87,
de Palestra Proferida por Jorge Boaventura, Integrante da Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87064324.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87064324/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87064324_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2021.
699
Trata-se de um projeto de partido, financiado pela Igreja da Unificação, que não teve continuidade.
488

Flávio Galvão, editorialista do jornal O Estado de São Paulo; Carlos Tavares, também
jornalista do “Estadão”; os brigadeiros reformados Márcio Coqueiro e Roberto Brandini;
e Luis Maciel Júnior, coronel da aeronáutica. Também conforme informações do SNI, a
ABDD estaria próxima de implantar um núcleo na capital paulista, onde promoveria, em
breve, palestra com José Oswaldo de Meira Penna.
O último vestígio documental da ABDD legado pelo Poder Executivo é um livreto
distribuído em meados de 1988 em parceria com outras três entidades conservadoras, a
União Nacional de Defesa da Democracia, a Ação Democrática Renovadora e a União
Cívica Feminina. Chamada Alerta à Nação em Defesa da Democracia, a publicação trazia
críticas ao estado atual da Assembleia Nacional Constituinte, que dizia estar dominada
por uma minoria interessada “em perturbar, em confundir, em desagregar e em destruir a
estrutura nacional para, sobre seus escombros, erigir a figura de um monstro - o
totalitarismo despótico, escravocrata e imperialista da “esquerda” - que se alimenta da
liberdade e da dignidade humana”700. Na visão ali expressa, a esquerda manobrava para
controlar os trabalhos constituintes, neles imprimindo medidas que redundariam em
sérios prejuízos para o país. Entre elas, condenava-se “a supressão de qualquer tipo de
censura”, sob o manto da “chamada liberdade de manifestação cultural”, que levaria à
imoralidade, licenciosidade e “corrupção da juventude”; o direito de voto para o jovem
de 16 anos, “alvo fácil da manipulação de políticos inescrupulosos”; “a extensão
irresponsável do direito de greve aos trabalhadores de serviços essenciais e aos
funcionários públicos”, causando “inquietação e agitação” e prejuízo para as atividades
produtivas; “o aumento do prazo de licença remunerada para a gestante, acompanhada
da, até ridícula, concessão de licença remunerada para o marido”, uma demagogia que
causaria desemprego; o estabelecimento de regras, preocupadas com a preservação
ambiental, para a exploração de recursos naturais, “posicionamento ultra-chauvinista” e
“em frontal prejuízo do desenvolvimento”; “a despropositada limitação dos juros
bancários”; “as reformas Agrária e Urbana”, propostas em “termos altamente polêmicos”
e “geradoras de lutas de classes”; e as “insidiosas tentativas das minorias extremadas”
para alterar as funções das forças armadas, “procurando limitar sua ação à defesa contra
o inimigo externo, excluindo, portanto, sua efetiva participação no campo da Segurança

700
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. União Nacional de Defesa da Democracia,
Divulgação de Livreto. SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88067393.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/88067393/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_88067393_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2021.
489

Interna”. O livreto traduzia, assim, de forma cristalina as disposições autoritárias e pró-


capitalistas da organização, que se empenhava em garantir que o Estado brasileiro que se
democratizava prosseguisse com uma feição muito próxima daquela desenhada pela
ditadura que mandou até 1985.
Sobre a postura dos órgãos de inteligência e repressão do Estado brasileiro, nesta
altura ainda funcionando sob o “entulho” autoritário Serviço de Segurança Nacional,
pode-se concluir que ela foi de simpatia e acobertamento. O SNI insistia em não
enquadrar a ABDD como uma organização de fins políticos, apesar da constante e
ostensiva pregação contra a esquerda e seus partidos nas páginas da Ponto de Vista.
Repetia o batido argumento, que vemos nestas páginas partilhado por diferentes
organizações conservadoras, de que as críticas à organização partiam de uma campanha
desonesta da esquerda. O posicionamento oficial do Serviço está cristalizado em
documentos como o relatório confidencial de outubro de 1987 intitulado Campanha
Contra o SISNI701, onde era criticada a matéria Linha Dura do Exército se Une para Fazer
Política, onde o Jornal do Brasil cobria a palestra de Jorge Boaventura no Clube da
Aeronáutica. No relatório, o Serviço novamente negava o fato, ventilado pela mídia, de
que a ABDD fora criada por membros do Centro de Informações do Exército - CIE a fim
de articular a direita militar, insistindo em lhe atribuir um caráter apolítico e em esvaziar
críticas, “parte obrigatória de qualquer campanha ou palavra de ordem das organizações
ideológicas de esquerda atuantes no BRASIL”702. Teimava o Serviço, enfim, que “não há
dados que demonstrem que os militares integrantes ou ex-integrantes do SISNI que,
presumivelmente, teriam assinado a ata de criação da ABDD, tenham participado da
reunião do Clube da Aeronáutica”. Se eles participaram dessa reunião em específico, a
documentação não confirma, mas o encontro teve, como vimos, uma plateia colorida de
verde oliva, sendo também inegável, como dito acima, que inúmeros membros do SISNI

701
O Sistema Nacional de Informações e Contrainformações - SISNI foi uma malha de órgãos de
espionagem construída pela ditadura. Ele era composto pelo Serviço Nacional de Informações - SNI e suas
agências regionais, pelas divisões de segurança e informações - DSI, pelas assessorias de segurança e
informações - ASI, pelo Centro de Informações do Exército - CIE, pelo Centro de Informações da Marinha
- CENIMAR, pelo Centro de Informações da Aeronáutica - CISA e pelo Centro de Informações do Exterior
- CIEX. Interconectadas, essas organizações intercambiavam informações de todos os tipos com muita
frequência, sendo os seus documentos, em grande parte disponibilizados digitalmente pelo Arquivo
Nacional e matéria prima principal da Parte III deste trabalho, riquíssima fonte para o estudo da nossa
História recente.
702
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Campanha contra o SISNI, SE122 AC.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87064289. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87064289/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87064289_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 29 mar 2021.
490

figuravam na lista de membros fundadores da ABDD, da qual o SNI tinha pleno


conhecimento. Conforme apurou Flávio Casimiro (2012, p.70-71), por exemplo, o
coronel Agnaldo del Nero foi chefe da seção de Subversão do CIE durante o governo
Figueiredo; o coronel Audir Santos serviu como assessor do general Íris Lustosa em sua
gestão frente ao CIE; o coronel José Augusto Andrade Netto assumiu o cargo de chefe do
Departamento de Contrainformações e Contrapropaganda do CIE; da mesma forma, os
também coronéis Antônio Garbácio, Manoel Praxedes Neto, Anníbal dos Santos Abreu
Júnior, Arlene Cardoso Amorim, Renato Brilhante Ustra e Haroldo Azevedo da Rosa
serviram ao CIE; fazendo o mesmo o primeiro-tenente Nelson Vieira Gomes; sendo que
o capitão-de-fragata César Soares de Souza, por sua vez, passou pelo Centro de
Informações da Marinha - CENIMAR e pelo SNI.
Sobre o financiamento da ABDD, que deve ter contado com auxílio da Hering e
do grupo Gerdau, por exemplo, o SNI traz uma informação interessante. Ouviu o Serviço,
do jornalista José Paulo Godoy Moreira, “lobbysta ligado à Associação Brasileira da
Indústria Farmacêutica - Abifarma”703 (SIC), que a ABDD procurara a Associação para
“levantar recursos, em espécie, para sua “caixinha”’.

4 – O Institute on Religion and Democracy no Brasil

Pelo menos segundo o SNI704 e em inícios dos anos 1980, o Laboratório de ideias
conservador Institute on Religion and Democracy – IRD não possuía um representante
no Brasil. Isso não quer dizer, contudo, que o país tenha se mantido fora do seu alcance,
chegando mesmo a receber um dos seus membros mais notórios, o intelectual católico
Michael Novak705 em uma série de conferências.
Em maio de 1985 o norte-americano falou para um grande público no Auditório
do Jornal Folha de São Paulo, atraindo o interesse do SNI, que, entre outras coisas,

703
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.85050880. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/85050880/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85050880_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
704
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Instituto Sobre Religião e Democracia,
IRD. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.84010468. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/84010468/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_84010468_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.
705
Novak contribuía também para outro laboratório de ideias conservadoras, o American Enterprise
Institute - AEI.
491

registrou que um grupo de duzentas pessoas, “formado por membros de comissões de


direitos humanos, pastorais da igreja e evangélicos, o interrompeu constantemente com
protestos contra a política externa do Governo Reagan na América Latina” 706. Outras
manifestações envolveram cantorias do hino brasileiro e da Frente Sandinista e vaias,
quando o estrangeiro indicou Singapura, Taiwan e Japão como modelos para o Brasil, até
que, expulsos do auditório, “continuaram seus protestos na Rua Barão de Limeira”.
Irritado, Novak chegou a perguntar se o Brasil estava, de fato, entrando numa democracia,
criticando também “o modo pejorativo” que partes do clero tratavam o capitalismo.
Em entrevista coletiva no dia seguinte, referindo-se à Teologia da Libertação,
Novak confessou certa “admiração por uma teologia que concentra sua atenção nos
pobres”, rebatendo, porém, que “os pobres não precisam de palavras, mas de um ativismo,
econômico que os ajude a sair da pobreza”. Postulou, ainda, que as Comunidades
Eclesiais de Base deveriam ser transformadas em microempresas e cooperativas de
crédito, aproveitando para anunciar o breve lançamento no Brasil do seu livro O Espírito
do Capitalismo Democrático, cuja publicação ilegal na Polônia pelo Sindicato
Solidariedade707 comemorou. No mesmo dia, desta vez no consulado norte-americano,
debateu “A Teologia da Criação na América Latina”. Seus interlocutores foram os juristas
Dalmo de Abreu Dallari, Hélio Bicudo e José Queiroz; o economista Paul Singer; os
sociólogos Cândido Procópio Ferreira de Camargo e José Oscar Blozzo; e o teólogo Júlio
de Santana. Sua fala girou em torno da possibilidade de aplicação na América Latina de
“uma economia política libertadora, criativa e inventiva” em prol do desenvolvimento.
Muito mais importante que a pontual presença de membros do IRD no Brasil,
entretanto, foi a reprodução de seus postulados por setores do Estado restrito e da
intelectualidade conservadora.
Em julho de 1988, teólogos progressistas de todo o mundo reuniram-se em Nova
Iorque para a celebração do 20º aniversário da II Assembleia Geral da Conferência
Episcopal Latino-Americana - CELAM, “marco do desenvolvimento da Teologia da
Libertação”708. O acontecimento foi devidamente registrado pelo Centro de Informações

706
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Principais Acontecimentos do Campo
Psicossocial em MAI 85. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.86017584. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/86017584/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_86017584_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.
707
Fundado em 1980 e constituído em grande parte por seguidores da Igreja Católica, o sindicato foi uma
organização de oposição à influência soviética na Polônia.
708
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Ministério do Exército. Código de
Referência: BR DFANBSB 2M.0.0.44, v.1. Disponível em:
492

do Exército, que aproveitou para fixar em papel algumas de suas críticas à Teologia. Para
tanto, foi trazido à baila Michael Novak, que em seu livro Será a Liberdade? -
questionamento da Teologia da Libertação “interroga se o método de análise marxista da
economia trouxe, dentro da TL, algum benefício aos pobres do Terceiro Mundo”.
Responderia o norte-americano que nenhum progresso material pode ser observado,
acrescentando o CIE, por sua vez, “que também nada no campo espiritual”. Não
satisfeitos, os militares sacaram ainda outro autor, Ricardo Vélez Rodriguez, “filósofo” e
professor da Universidade Gama Filho, no Rio de janeiro, que em entrevista ao Estado
de São Paulo subscreveu as críticas do norte-americano à Teologia da Libertação,
somando ainda outras, “em particular à análise da economia utilizada pela TL”.
Em julho de 1990, o professor da Escola Superior de Guerra - ESG, Jorge
Boaventura de Souza e Silva, como vimos também membro da ABDD, aludiu o
pensamento de Novak em fala no IV Simpósio de Estudos Estratégicos, realizado pelo
Estado-Maior das Forças Armadas na capital carioca. Encontro que, além do Brasil, foi
integrado por intelectuais da Argentina, Uruguai e Paraguai, estes últimos apenas como
observadores. Com fala intitulada “Estratégia Subversiva e Atividades Contrárias às
Forças Armadas dos Países Envolvidos” 709, Silva citava o pensador estrangeiro, para
quem “o fenômeno mais preocupante dos nosso dias é o da prevalência das ideias sobre
os fatos, mesmo quando estes as desmintam frontalmente”. Falava o brasileiro sobre a
facilidade com a qual “as maiorias” são assim influenciadas, referindo-se à “tremenda
capacidade dos meios modernos de comunicação e das sofisticadas técnicas à sua
disposição de influir sobre a opinião volúvel das massas, quase sempre conduzidas,
menos pelas vias do raciocínio do que pelos caminhos da emoção”. Indo ao cerne da
questão, usava como exemplo o fato de que “até há poucos meses, dominava a imaginação
e o sentimento, sobretudo das nossas juventudes estudantis, o fascínio, a verdadeira magia
da propaganda dita socialista”, facilmente refutável se, ao invés de cederem aos impulsos,
tais jovens observassem os fatos, que mostram que as “sociedades mais prósperas” não
estavam no bloco socialista.

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0044_v_01/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0044_v_01_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.
709
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. IV Simpósio de Estudos Estratégicos -
Meio ambiente. Código de Referência: BR DFANBSB 2M.0.0.70, v.6. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0070_v_06/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0070_v_06_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.
493

5 - Principais articuladores brasileiros da aliança religiosa conservadora pró-


capitalista

As iniciativas estudadas acima reuniram um enorme número de empresários,


religiosos, intelectuais e agentes governamentais. Alguns nomes, contudo, sobressaem-
se, constando frequentemente nos vários fóruns vistos, restando poucas dúvidas, portanto,
sobre o seu engajamento no projeto por eles expresso. Vejamos agora alguns dos mais
interessados no trabalho de articulação dos diversos setores da classe dominante brasileira
em favor da instrumentalização política da fé.
Encabeçando a lista, pela sua enorme importância política após 1964, temos o
coronel Jarbas Passarinho, governador do Pará (1964-1966), ministro do Trabalho (1967-
1969), da Educação (1969-1974), da Previdência Social (1983-1985) e da Justiça (1990-
1992), além de senador (1967-1983 e 1987-1995). Grande opositor do clero progressista,
que em princípios dos anos 1980 acusou de estar por trás de conflitos pela posse da terra
no interior do Pará, Passarinho foi, como vimos, um generoso dispensador de recursos
financeiros para a Assembleia de Deus. Sua posição de destaque no projeto de
enraizamento de religiosos conservadores no país traduziu-se, ainda, em contribuições
para o jornal Tribuna Universitária do Colegiado Acadêmico para a Reflexão de
Princípios - CARP, organizado pela Igreja da Unificação, e para o periódico Ponto de
Vista, da Associação Brasileira para Defesa da Democracia.
Outra peça fundamental foi o diplomata e professor do Departamento de Ciência
Política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília José Oswaldo de Meira
Penna, como vimos no capítulo 3 membro do Conselho Consultivo Internacional da
revista Global Affairs, publicada pelo International Security Council, desdobramento da
CAUSA Internacional. Era também articulista do jornal Folha do Brasil, lançado pela
Igreja da Unificação em princípios dos anos 1980; participou do Seminário Novas Ideias
para uma Sociedade em Crise, realizado pela CAUSA Internacional no Rio de Janeiro;
do seminário Em Busca de Uma Nova Ideologia, patrocinado pela CAUSA Brasil em São
Paulo em 1987; e acumulava o cargo de presidente do Conselho Deliberativo da
Associação Brasileira para a Defesa da Democracia. Mantinha ele ligações estreitas com
o regime de 1964 e com a Escola Superior de Guerra, onde recebera um diploma honoris
494

causa em dezembro de 1965 em vista de “relevantes e meritórios serviços prestados” 710 e


onde era conferencista contumaz. Embaixador em Israel durante a decretação do Ato
Institucional Número 5711, coube a ele informar o governo brasileiro da reação naquela
região ao AI-5. Em seu telegrama, tranquilizou a cúpula do Ministério das Relações
Exteriores afirmando que, “graças à intervenção pessoal antecipada” 712 do adido de
imprensa da embaixada, Nahum Sirotskim, o primeiro editorial sobre os últimos
acontecimentos no Brasil, publicado em 24 de dezembro de 1968 no principal jornal
israelense, o Maariv, “saiu num tom objetivo e geralmente simpático”. De volta ao Brasil,
em princípios dos anos 1970 Meira Penna assumiu cargo no Ministério da Educação e
Cultura, posteriormente voltando ao serviço diplomático até sua aposentadoria em 1981.
Apesar dos vastos serviços prestados ao regime, o diplomata era visto com reserva por
porções da comunidade de inteligência. Papel do Serviço de Informações da Aeronáutica
- SISA713, datado de maio de 1969, versando sobre o corpo de funcionários do Ministério
das Relações Exteriores e preocupado com casos de corrupção e a repercussão do AI-5
entre eles, trazia uma lista de diplomatas assinalados como “elementos improbos ou de
conduta irregular”714 (SIC). Com 86 nomes, figuravam ao lado de cada um “observações”
sobretudo de cunho moral, sendo as mais comuns “Vida familiar irregular”, “Alcoólatra”,
e “Homossexual”. Alguns que ali estavam foram o “Comunista” João Cabral de Melo
Neto, o poeta Vinícius de Morais, contestador e de vida desregrada e o “esquerdista”
Afonso Arinos de Melo Franco, entre os quais podemos ver também o nome de Meira
Penna. Menciono o caso apenas por ele ilustrar com nitidez que mesmo os maiores
apoiadores de movimentos autoritários expõem também a si próprios às forças
persecutórias que ajudam a libertar.

710
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 2M.0.0.474, v.1. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0474_v_01/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0474_v_01_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2021.
711
Imposto em dezembro de 1968, o AI-5 suspendia uma série de direitos individuais previstos na
Constituição, abrindo a porta para inúmero abusos cometidos pelas forças policiais e militares contra a
população, como torturas, prisões arbitrárias, assassinatos e desaparecimentos forçados.
712
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.REX.IBR.2. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/REX/IBR/0002/BR_DFANBSB_Z4
_REX_IBR_0002_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2021.
713
Órgão que precedeu o Centro de Informações da Aeronáutica – CISA.
714
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conduta Irregular de Diplomatas MRE.
Henrique de Souza Gomes e Outros. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.69014195. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/69014195/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_69014195_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2021.
495

Mais um entusiasmado apoiador foi o empresário Mário de Mari, dono da


empreiteira curitibana Técnica e Industrial de Mari Ltda. Foi também diretor do
Departamento de Urbanismo e chefe da Divisão de Pavimentação da prefeitura de
Curitiba-PR; presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná - FIEP (1968-
1974); e presidente do Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL na capital
paranaense. Esteve nas conferências da CAUSA Internacional nos hotéis Othon e
Nacional em 1981; na Décima Conferência Internacional sobre a Unidade das Ciências,
organizada em Seul no mesmo ano pela International Cultural Foundation, entidade
pertencente à Igreja da Unificação; e na I e II Convenção Panamericana da CAUSA
Internacional, ocorridas em Montevidéu em 1984 e em São Paulo em 1985.
Não posso deixar de mencionar Jorge Boaventura de Souza e Silva, professor da
escola Superior de Guerra - ESG. Seguidor do líder integralista Plínio Salgado na década
de 1950, foi também professor da Faculdade Nacional de Filosofia da UFRJ e da Escola
de Especialistas da Aeronáutica, presidente do Movimento Brasileiro de Alfabetização -
MOBRAL e primeiro presidente da Comissão de Investigação Sumária do MEC-
CISMEC, órgão fundado em 1969 com o propósito de afastar das Universidades Federais
professores tidos como esquerdistas. Vinculado à ABDD, realizou em nome desta
organização a palestra “A Conjuntura Atual e a Constituinte” no Rio de Janeiro e em São
Paulo em finais de 1987; esteve presente na conferência com o ex-ministro do Superior
Tribunal Federal - STF, Antônio Nader, organizada também em 1987 pela ABDD; tendo
também proferido palestra no IV Simpósio de Estudos Estratégicos, realizado em 1990
pelo Estado-Maior das Forças Armadas no Rio de Janeiro, onde citou Michael Novak,
intelectual religioso norte-americano pertencente ao laboratório de ideias cristão e pró-
capitalista Institute on Religion and Democracy.
Muito presente também foi Nuno Linhares Velloso, outro nome de destaque na
Escola Superior de Guerra, onde foi professor de Ciências Políticas, chefe da Divisão de
Assuntos Políticos, jornalista responsável e articulista da revista da mesma instituição
durante boa parte dos anos 1980, condecorado com a Medalha do Mérito Marechal
Cordeiro de Farias em 1985 e figurando nos quadros da instituição ao menos até 2004,
quando ocupava o cargo de assessor técnico. Foi ainda assessor do Colégio
Interamericano de Defesa entre 1986 e 1987, professor da disciplina Estudo de Problemas
Brasileiros no curso de pós-graduação da Fundação Oswaldo Cruz em 1979 e
condecorado com a Ordem do Mérito Aeronáutico pela Força Aérea Brasileira em 1995.
Segundo a documentação, Participou da IV e da V World Media Conference, em Nova
496

Iorque e Seul, eventos organizados pela News World Communication, integrante do


conglomerado controlado pela Igreja da Unificação; das conferências da CAUSA
Internacional em 1981 nos hotéis Othon Palace e Nacional no Rio de Janeiro; e da I
Convenção Panamericana da CAUSA Internacional realizada em Montevidéu em 1984.
O acadêmico goiano Joveny Sebastião Cândido de Oliveira foi outro que, segundo
os papéis do Estado restrito brasileiro, se envolveu profundamente com as atividades aqui
descritas. Professor de Teoria Geral do Estado e Ciência Política, com passagens pelos
cursos de Direito da Faculdade de Ciências Econômicas de Anápolis e da Universidade
Federal de Goiás, foi também professor visitante na norte-americana Southern Florida
University e reitor da Universidade Uni-Anhanguera em Goiânia. Muito próximo da
Igreja da Unificação, marcou presença na Décima Conferência Internacional sobre a
Unidade das Ciências de 1981 em Seul; na 7ª Conferência Mundial da CAUSA, em
Tóquio em 1984; e na I Convenção Panamericana da CAUSA Internacional, em
Montevidéu em 1984. Conforme papel da agência goiana do SNI de maio de 1983,
Joveny, juntamente com outro unificacionista, o professor Cid Albernaz de Oliveira,
participaria de um grupo de indivíduos “de destaque nos meios político, econômico,
social e cultural do Estado”715 que vinha “defendendo ideias de tendência radical de
extrema direita, cujo objetivo imediato seria liquidar e/ou isolar a ação esquerdista nos
diversos segmentos da sociedade goiana”, inclusive dentro do governo do estado, na
ocasião gerido por Iris Rezende, do PMDB. O Serviço listava como outros envolvidos o
coronel do Exército Danilo Darcy de Sá da Cunha e Melo, o empresário Hanns Detles
Richer, o funcionário aposentado do SNI Jair Pereira da Silva, o coronel do Exército e
ex-chefe da agência goiana do SNI Jorge Rodrigues de Siqueira, o ex-prefeito de Goiânia
e pecuarista Manoel dos Reis Silva e o deputado estadual pelo PDS Clarismar Fernandes
dos Santos. Monitorando continuamente as atividades do grupo, em outro documento, o
SNI fez considerações pouco lisonjeiras sobre o professor, que também era proprietário
do 5º tabelionato de notas em Goiânia. Nas palavras do Serviço, Joveny teria sido em
1970 e 1973 “indiciado em Inquéritos Policiais e processado criminalmente por
falsificação de documentos públicos e por envolvimento em transações ilegais de terras

715
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Grupo de Extrema Direita
em Goias Cid Albernaz de Oliveira e Outros. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.83006611. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/rrr/83006611/br_dfanbsb_v8_mi
c_gnc_rrr_83006611_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
497

em Goiás”716 e “Como titular do Cartório do 5º Ofício falsificou documentos para


grilagem de terras”.
Chefe do Departamento de Psicologia da Universidade de Taubaté, professor da
Escola Internacional de Sofrologia de Barcelona e de Psicologia Industrial no SENAI,
Cesário Morey Hossri foi mais um nome frequente nas reuniões da Igreja da Unificação.
Foi o único brasileiro a falar na Décima Conferência Internacional sobre a Unidade das
Ciências, em Seul em 1981. Esteve também na plateia das conferências da CAUSA
Internacional nos hotéis Othon e Nacional, no Rio de Janeiro, em 1981, e na II Convenção
Panamericana da CAUSA Internacional de 1985 em São Paulo.
Hilton Amaral, em princípios dos anos 1980 professor de Português na
Universidade para o Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina e assessor do
secretário de Educação naquele estado durante o governo de Jorge Bornhausen, do partido
governista PDS, foi outro bastante interessado nas reuniões da Igreja da Unificação.
Esteve na Décima Conferência Internacional sobre a Unidade das Ciências, em Seul em
1981, nas conferências nos hotéis Nacional e Othon em 1981 e na I Convenção
Panamericana da CAUSA Internacional, em Montevidéu em 1984.
O ex-diretor da Faculdade de Direito de Recife, Hilton Guedes Alcoforado, líder
da CAUSA Brasil naquele estado, foi também figura importante na instrumentalização
política da religião. Conforme vimos, foi ele um dos conferencistas do Seminário
Introdutório à CAUSA Brasil, em maio de 1985 no Hotel Ipê Amarelo em Belo Horizonte
- MG, onde alardeou a influência negativa das esquerdas na produção da Constituição de
1988. Participou, agora como ouvinte, também da I e II Convenção Panamericana da
CAUSA Internacional, em Montevidéu em 1984 e em São Paulo em 1985.
Benedito Honório da Silva, em meados dos anos 1980 assessor chefe da
Assessoria de Segurança e Informações do Ministério da Educação e Cultura e assistente
da Procuradoria Geral da Paraíba, participou como conferencista no Seminário
Introdutório à CAUSA Brasil, em 1985 em Belo Horizonte, com a fala Comunismo X
Mundo Livre. Esteve também na I Convenção Panamericana da CAUSA Internacional
em São Paulo em 1985.

716
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Realização da Setima Conferencia Mundial
Da CAUSA Internacional em Toquio e Seul. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.84009632. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/rrr/84009632/br_dfanbsb_v8_mi
c_gnc_rrr_84009632_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
498

Dos mesmos dois eventos participou Bonifácio José Tamm de Andrada, escritor
e político que, como deputado federal, acumulou desde 1979 dez mandatos consecutivos
pelo estado de Minas Gerais. Tendo dedicado sua vida à direita partidária, passou pelas
legendas ARENA, PDS, PTB, PSDB e DEM.
Outro político interessado nas atividades da Igreja da Unificação foi Saturnino
Dadam, deputado estadual em Santa Catarina entre 1975 e 1978 e deputado federal entre
1986 e 1990 pelo PDS. Na iniciativa privada foi assessor jurídico da empresa de
engenharia ENERCONSULT, subsidiária da multinacional Arcadis, sediada na Holanda.
Dadam participou da Décima Conferência Internacional sobre a Unidade das Ciências em
Seul em 1981 e das conferências da CAUSA Internacional acontecidas no Rio de Janeiro
no mesmo ano.
Também de inclinações explicitamente direitistas, o político, empresário e
jornalista Herbert Levy, deputado federal por São Paulo com diversos mandatos desde
1947 até 1987, passando pelos partidos UDN, ARENA, PDS, PFL e PSC, esteve em mais
de um dos eventos aqui estudados. Tendo comparecido na II Convenção Panamericana
da CAUSA Internacional, realizada em São Paulo em 1985, reafirmou seu interesse em
iniciativas deste tipo ao aparecer na conferência A Conjuntura Nacional e a Constituinte,
do professor Jorge Boaventura Souza e Silva, realizada pela Associação Brasileira de
Defesa da Democracia na mesma cidade em 1987. Com imenso currículo empresarial,
atuou como diretor da Construtora Camargo Pacheco; diretor-Superintendente da
Panameuro; fundador e diretor-superintendente do Banco da América S.A.; fundador e
diretor-presidente da Indústria Brasileira de Meias; fundador e diretor da Sunbeam
Anticorrosivos do Brasil e da Ibratex; fundador e presidente da firma Empreendimentos
de Produção; presidente do Conselho de Administração do banco Itaú; vice-presidente do
Conselho Administrativo da Itausa - Investimentos Itaú; membro do conselho Fiscal da
Casa Anglo-Brasileira Mappin, e diretor da Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro
- SANBRA. Foi ainda um dos fundadores dos jornais Gazeta Mercantil e Notícias
Populares, professor da Escola de Sociologia e Política da Universidade de São Paulo –
USP e membro do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais - IPES. Como vimos no
capítulo passado, sua eleição para deputado federal fora financiada pela CAUSA Brasil.
Cesar Augusto Soares de Souza, capitão de fragata e assessor empresarial,
trabalhou no Centro de Informações da Marinha - CENIMAR e foi chefe da Agência
Central do Serviço Nacional de Informações – SNI (CASIMIRO, 2016, p. 71). Além de
ter participado da II Convenção Panamericana da CAUSA Internacional em São Paulo
499

em 1985, foi chefe do setor de divulgação da Associação Brasileira de Defesa da


Democracia, ao lado, como vimos de José Oswaldo de Meira Penna, ilustrando o
intercâmbio e a cooperação entre essa organização e as vinculadas à Igreja da Unificação.
Trabalho conjunto reforçado pela presença de José Leopoldino e Silva, tenente-coronel
da reserva e diretor da Associação Brasileira de Defesa da Democracia, na mesma II
Convenção Panamericana da CAUSA Internacional.
Cid Albernaz Oliveira, ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Goiás e em meados dos anos 1980 professor da Escola Superior de Guerra, era
membro destacado da Igreja da Unificação em Goiânia. Conforme vimos, segundo o SNI,
atuava conjuntamente com Joveny Sebastião Cândido de Oliveira e outros num grupo de
extrema-direita naquela cidade. Seria ele um “colaborador eficiente, radical de direita e
ligado à Igreja da Unificação”717 que teria, inclusive, “buscado por diversas vezes”
aproximar a chefia goiana do SNI “com elementos representativos dessa entidade”,
fornecendo constantemente “documentos da CAUSA, para esta Agência”. Sua adesão ao
projeto em questão transparece na presença na I Convenção Panamericana da CAUSA
Internacional, em Montevidéu em 1984, e na 7ª Conferência Mundial da CAUSA,
realizada na capital do Japão no mesmo ano.
O professor de Filosofia, membro da CAUSA Brasil e ex-padre jesuíta José
Cândido de Castro, conforme o SNI718, teve participação destacada no golpe de 1964 e
receberia em meados dos anos 1980 uma “mesada” do empresário Marcos Valle Mendes,
da Construtora Mendes Júnior, no valor de dez mil cruzados. Foi um dos conferencistas
no Seminário Introdutório à CAUSA Brasil, realizado em Belo Horizonte em 1985,
estando também na II Convenção Panamericana da CAUSA Internacional, também em
1985 em São Paulo.
O ramo jornalístico foi bem representado, com destaque para um punhado de
profissionais. É o caso de Antônio Aggio júnior, que foi editor chefe do jornal Folha da
Tarde, pertencente ao grupo Folha de São Paulo, empossado por Octávio Frias e Carlos
Caldeira para dar uma guinada à direita ao jornal, antes do golpe de 1964 muito

717
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Realização da Setima Conferencia Mundial
Da CAUSA Internacional em Toquio e Seul. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.84009632. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/rrr/84009632/br_dfanbsb_v8_mi
c_gnc_rrr_84009632_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
718
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seita Moon em Belo Horizonte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.86012256. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ooo/86012256/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ooo_86012256_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
500

frequentado por jornalistas progressistas. Aggio compareceu à IV e à V World Media


Conference, em 1981 e 1982, em Nova Iorque e Seul, sob os auspícios da Igreja da
Unificação. A jornalista Lílian Perosa, que em seu doutorado estudou a atuação da Folha
da Tarde na cobertura da morte do jornalista Vladimir Herzog, conta que Aggio era
“ligado à polícia e mantinha uma arma sobre a mesa de trabalho” (DIAS, Valéria. Estudo
Analisa Fatores que Influenciaram Cobertura da Morte de Herzog, 2004), versão
reforçada pelo fato de que no evento de 1982 esteve ao seu lado Carlos Antônio
Guimarães Sequeira, delegado do DOPS investido também da função de editor
internacional do Folha da Tarde.
O Jornalista do Diário do Paraná, um dos fundadores do curso de Comunicação
Social da Universidade Federal do Paraná e diretor do curso de Jornalismo da Escola
Superior de Estudos Empresariais e Informática - ESEEI, Carlos Danilo Costa Côrtes, por
sua vez, participou da I e II Convenção Panamericana da CAUSA Internacional, em
Montevidéu em 1984 e em São Paulo em 1985. Também compareceu a ambos os eventos
o colega Joezil dos Anjos Barros, dirigente do jornal Diário de Pernambuco. Na falta de
maiores informações documentais sobre os dois, entretanto, não podemos descartar
completamente a hipótese de que estivessem ali apenas para cobrir jornalisticamente os
encontros.
No âmbito religioso tiveram destaque alguns expoentes da Igreja Católica. Foi o
caso de Luciano José Cabral Duarte, arcebispo de Aracaju, e Carlos José Boaventura
Kloppenburg, bispo auxiliar de Salvador, como vimos contribuintes frequentes na revista
Ponto de Vista da Associação Brasileira de Defesa da Democracia. Do lado deles, teve
importância também o padre Emir Caluff, cuja proximidade com a Igreja da Unificação
evidencia-se na contribuição como articulista do jornal Tribuna Universitária, do
Colegiado Acadêmico para a Reflexão de Princípios - CARP, e no comparecimento à I
Convenção Panamericana da CAUSA Internacional, em Montevidéu no ano de 1984.
Boa parte dos acadêmicos convidados para o Seminário Novas Ideias para uma
Sociedade em Crise, realizado pela CAUSA Internacional no Rio de Janeiro em 1981,
como visto, não tinham qualquer informação prévia sobre essa organização, dali saindo
indignados com a ostensiva tentativa de doutrinação conservadora. Isso não pode ser dito,
no entanto, de vários outros, ao que parece seduzidos pelas ideias ali aventadas, que,
segundo a documentação do Estado brasileiro, voltariam a participar de eventos
organizados pelo complexo de associações da Igreja da Unificação. Foi o caso de Alfonso
Trujillo Ferrari, professor de Sociologia da Unicamp e da Pontifícia Universidade
501

Católica de Campinas; Hugo di Primo Paz, professor da Universidade Federal do Rio


Grande do Sul e empresário; Maria Angela Pimentel Mangeon, vice-diretora da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Faculdade Nossa Senhora do Patrocínio em
Itu – SP; e Maria Salete Zuske Trujillo, antropóloga e coordenadora do Departamento de
Ciências Sociais e Humanas da PUC de Campinas. A recorrente presença desses
intelectuais em encontros financiados pela Igreja da Unificação ilustra o sucesso obtido
pela organização em trazer para junto de si parcelas do mundo acadêmico, trabalho que
apenas se iniciava em 1981.
Além de todos eles, tiveram obviamente papéis destacados também os dirigentes
das organizações abordadas, listados nas páginas precedentes.

6 - Conclusão

A partir do início da década de 1980, diante do fim anunciado da ditadura iniciada


em 1964, o país viu uma multiplicação sem precedentes de aparelhos ideológicos
conectados à classe dominante e ao Estado restrito a fim de preservar a preeminência da
primeira nos assuntos nacionais, contrabalançando o relativo desmonte dos mecanismos
truculentos instalados pelo regime empresarial-militar, por duas décadas importantes
fiadores desse domínio.
Neste movimento vemos surgir, também, aparelhos do mesmo tipo com fundo
religioso, dispostos a melhor organizar igrejas e líderes de fé conservadores ao redor de
projetos hegemônicos dedicados à manutenção de um status quo econômico e social pró-
capitalista e acolhedor dos interesses das grandes multinacionais aqui instaladas
sobretudo após 1964. Entre eles, tem destaque especial o complexo de associações
ideológicas fundeado pela Igreja da Unificação que, em sua pauta ecumênica,
abertamente avessa às esquerdas e simpática aos interesses empresariais sediados no
exterior, procurou incansavelmente irmanar religiosos de todos os tipos, intelectuais,
empresários e funcionários estatais na defesa desses preceitos. Foi responsável, assim,
pela realização de incontáveis encontros, no Brasil, América Latina e resto do mundo,
congregando esses setores sociais; empreendeu um metódico movimento de aproximação
com as classes dominantes e os governos autoritários em todo o cone-sul; e distribuiu
farto número de publicações, auxiliada por fundos virtualmente ilimitados, provenientes
das também incontáveis empresas sob seu controle.
502

Empreendimento que foi seguido de perto por porções do Estado ditatorial que se
retirava, aliadas também a empresários, intelectuais e religiosos, muitos dos quais em
contato próximo com as associações subsidiárias da Igreja da Unificação. Este foi o caso
da Associação Brasileira de Defesa da Democracia - ABDD, que tinha no líder José
Oswaldo de Meira Penna um grande elo com os empreendimentos ideológicos do
reverendo Moon, dentro e fora do Brasil.
No plano estritamente religioso, o feitio realmente ecumênico dessas iniciativas é
constatado ao voltarmos os olhos para suas listas de participantes e contribuintes. Vemos,
assim, que as ações da Igreja da Unificação atraíram com sucesso evangélicos de vários
tipos, como metodistas, luteranos, presbiterianos, batistas, pentecostais da Igreja
Universal do Reino de Deus e da Igreja do Evangelho Quadrangular, além de grupos não
evangélicos, como mórmons e católicos romanos e ortodoxos.
Outros aparelhos ideológicos religiosos, ecumênicos ou não, contudo, operavam
no Brasil desde a década de 1950, diferenciando-se dos aqui abordados por se
concentrarem na conversão religiosa, sobretudo da classe trabalhadora, não se propondo
a abrir amplos espaços de contato com frações da classe dominante e o Estado restrito.
Mais um diferencial foi a proveniência predominantemente estrangeira, sobretudo norte-
americana, de seus líderes, conectados, assim, aos fóruns de planejamento e discussão
instalados fora do Brasil vistos na Parte II. Isso não quer dizer, contudo, que não tenham
contado com o auxílio e a simpatia do Estado restrito e de parcelas da classe dominante
brasileira para a sua instalação e funcionamento, como vimos no capítulo passado. Tais
organizações, que enquadro da categoria de “braços executivos” no Brasil do Partido da
Fé Capitalista, tema principal deste trabalho, será assunto do capítulo seguinte.
503

CAPÍTULO 10
Os braços executivos do Partido da Fé Capitalista no Brasil

1 - Introdução

Muitas ações das entidades abordadas em seguida já foram vistas em capítulos


precedentes, como a sustentação ideológica da ditadura e de governos civis
conservadores. Vejamos agora outras formas através das quais elas atuaram com o fito de
proteger os interesses empresariais nacionais e estrangeiros, incutir opiniões simpáticas
ao modo de produção capitalista, esvaziar movimentos reivindicatórios populares e,
enfim, conformar em massa disposições alinhadas com seus pressupostos políticos,
econômicos e religiosos. Diferentemente das organizações vistas no capítulo anterior, as
que se seguem atuaram especialmente em nível capilar, em contato direto com a classe
trabalhadora, alvo de sua campanha de recrutamento.
As próximas páginas procurarão, portanto, radiografar algumas das principais
entidades comprometidas com a execução do programa político-ideológico internacional,
tema deste trabalho, sendo por isso importantes integrantes da representação brasileira do
Partido da Fé Capitalista.

2 – Igrejas

Alguns dos mais importantes viabilizadores desse programa são as igrejas


conservadoras, sobretudo as de raízes norte-americanas, com crescimento explosivo na
segunda metade do século XX, conforme visto no capítulo 7. Comunicando-se
eficientemente com o povo brasileiro, são formidáveis chamarizes de setores
economicamente dominados para o projeto de sociedade que almejam.

2.1 – A Assembleia de Deus

Popular entre a classe trabalhadora, ao longo da segunda metade do século


passado a Assembleia de Deus, maior organização pentecostal do Brasil, desempenha
504

com progressiva intensidade importante papel executor na instrumentalização política da


religião.
A conexão entre a militância pró-capitalista da Assembleia norte-americana719 e a
da brasileira, na falta de um atrelamento institucional, dada a grande liberdade
organizacional que a Igreja brasileira usufrui, parece ser, sobretudo, de natureza
ideológica, ilustrado pela influência fundamentalista, em maior ou menor grau, sobre as
inúmeras divisões brasileiras da Igreja. Já abordado na Parte I, o fato é também atestado
pela CIA, que desde muito acompanha o panorama social brasileiro em relatórios
recorrentes. O de 1968, por exemplo, afirmava haver “preceitos fundamentalistas comuns
nos maiores grupos protestantes do Brasil”720, que a Agency indicava como sendo a
Assembleia de Deus e a Igreja Luterana, seguidas de longe pelos batistas, presbiterianos
e metodistas. Impressão que se repete no relatório de 1973, onde se lê que “Os
Pentecostais têm se concentrado no evangelismo direto, fundamentalista”721.
A cooperação de membros da Assembleia brasileira com a sua irmã norte-
americana vem à tona, também, na cooperação para ações anticomunistas no exterior. Em
outubro de 1976, conta a Divisão de Segurança e Informações do Ministério das
Comunicações que o brasileiro Theophilo Normundo Karkle, servidor na Empresa
Brasileira de Telecomunicações - EMBRATEL, preparava-se para visitar a União
Soviética acompanhado do pastor Bill Burkett e do futuro membro da bancada evangélica
na Câmara Federal Altomires Sotero Cunha. Este último seria ex-sargento da Marinha
ex-integrante do Partido Comunista Brasileiro - PCB, atualmente proprietário da loja de
tecidos O Bicho da Seda, no Rio de Janeiro, e diretor-geral da Casa Publicadora das
Assembleias de Deus no Brasil. Com inúmeras saídas registradas em passaporte em fins
da década de 1960, quando fora para a Bolívia, Israel, França, Suécia e Dinamarca, “para
assistir conferência da Assembléia de Deus ou por negócios”722, Cunha tinha planos para

719
Vista com maiores detalhes na Parte II.
720
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Intelligence Handbook
(Classified) BRAZIL. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP85-00671R000300020001-
8. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/docs/CIA-RDP85-00671R000300020001-8.pdf>.
Acesso em: 07 abr. 2021.
721
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 94; Brazil; The
Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200080016-0. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/docs/CIA-RDP01-00707R000200080016-0.pdf>. Acesso em: 07
abr. 2021.
722
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Theopilo Normundo Karkle Outros. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.76110301. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/76110301/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76110301_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.
505

“ir à Inglaterra e passar por países da “Cortina de Ferro”’ difundindo sua religião. Já Bill
Burkett “possuiria uma organização clandestina na URSS, que promoveria a distribuição
de Bíblias e pregaria religião nos países comunistas”, estando de passagem no Brasil
“fazendo conferências”, como a realizada no grande templo da Assembleia em São
Cristóvão, Rio de Janeiro, dali seguindo para Manaus - AM. Já Teophilo Karkle
conseguira visto recente para entrar nos Estados Unidos, de onde partiria para o país
socialista com sua esposa, Ruth Alice Nelson Karkle, provavelmente encontrando com
os outros dois em algum ponto do percurso.
O anticomunismo da Assembleia brasileira é também atestado por Chesnut (1997)
em seu extenso trabalho baseado nos arquivos da divisão paraense da organização. Ao
lado da Igreja Católica, havia muito denunciada como a principal responsável pelo atraso
brasileiro, a nossa Assembleia de Deus, desde 1935, apontava o dedo para os soviéticos,
antecipando-se em dez anos à Guerra Fria. Naquele ano saiu o artigo Bolchevismo
Batalhando contra o Cristianismo no periódico oficial da Igreja no Brasil, o Mensageiro
da Paz (Chesnut, 1997, p. 41). Mais recentemente, sobre o pano de fundo da Revolução
Cubana e da guerrilha contra a ditadura de 1964, a militância anticomunista assembleiana
teria se intensificado, chegando a Igreja, como visto no capítulo 8, a “fornecer votos e
legitimação religiosa ao projeto autoritário” (Chesnut, 1997, p. 41) “em troca de recursos
estatais”.
A relação da Assembleia brasileira com organizações religiosas conservadoras
norte-americanas vem à tona também em parcerias com entidades missionárias como a
Youth with a Mission - YWAM, conhecida por aqui como Jovens com Uma Missão -
JOCUM. Fundada em 1960 pelos norte-americanos Loren e Darlene Cunningham,
vinculados à Assembleia de Deus, com o propósito de atrair jovens para o trabalho
evangélico de conversão religiosa intercontinental, a Youth with a Mission chegou ao
Brasil em 1975 pelas mãos dos também estadunidenses Jim e Pamela Stier. Conforme a
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República723, em fevereiro de 1992,
a organização, que além da evangelização desenvolve trabalhos assistencialistas em
países pobres, valeu-se do Templo Central da Assembleia de Deus, em São Luís - MA,
para uma campanha de arrecadação para desabrigados da guerra civil em Angola.

723
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.QQQ.920005184. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/qqq/920005184/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_qqq_920005184_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
506

Conforme a socióloga Sara Diamonds (1990, p. 206), a YWAM é uma das maiores
agências missionárias norte-americanas, no ano de 1985 mantendo 1.741 agentes ao redor
do mundo. Conservando elos próximos com a direita cristã estadunidense, a YWAM
“enxerga seu papel como uma força terrestre contra a Teologia da Libertação”, tendo o
fundador Loren Cunningham, a partir de 1988, passado a incluir elementos da Teologia
do Domínio no “treinamento ideológico” de seus missionários.
Em finais dos anos 1970 e início dos 1980, a cisão do meio religioso entre
conservadores e progressistas estava na ordem do dia também entre evangélicos,
engendrando a criação de associações como o Conselho Latino-Americano de Igrejas -
CLAI e a Confraternidade Evangélica Latino-Americana - CONELA. A Agência
curitibana do SNI acompanhava de perto a situação, assinalando que “os evangélicos
estão se organizando em torno de dois pólos divergentes, um representando a ala
conservadora tradicional da Igreja e o outro, mais recente, representado por liberais
progressistas engajados na doutrina da teologia libertadora do homem” 724. Este último,
concentrado na CLAI, tinha como um dos principais articuladores brasileiros o pastor e
jornalista Roberto Vicente Themundo Lessa, secretário do sínodo de São Paulo da Igreja
Presbiteriana Independente que, ao lado da Igreja Metodista, da Luterana, da Cristã
Reformada, da Brasil para Cristo725 e da Evangélica Árabe, seria o principal grêmio
religioso brasileiro vinculado à CLAI. A conservadora CONELA, por outro lado, segundo
Lessa, “enfeixa o que há de mais reacionário, antiecumênico, conservador e divisionista
no espírito do protestantismo continental”, com potencial para “se tornar um covil de caça
às bruxas, do macartismo latino-americano e da visão do comunismo por toda a parte”.
Segundo o SNI, que as considerava as três mais conservadoras igrejas brasileiras,
integrariam a CONELA as igrejas “Presbiteriana do BRASIL, Batista e Igreja Assembleia
de Deus”. Um dos seus grandes artífices nacionais seria o pastor anglicano Robinson
Cavalcanti, professor de Ciência Política na Universidade Federal de Recife - UFPE. Sua
Igreja é exemplar da cisão progressistas/conservadores, uma vez que, apesar do papel
proeminente de Cavalcanti na CONELA, conforme o SNI outros anglicanos brasileiros
integrariam o CLAI.

724
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conselho Latino Americano de Igrejas.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.82002928. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/82002928/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_82002928_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.
725
Fato que se insere nas atitudes contestatórias tomadas pela Igreja e seu líder, Manoel de Mello, às vezes
interpretadas como “demagógicas”, conforme visto no capítulo 8.
507

A militância economicamente liberal dos líderes da Assembleia de Deus surge de


forma recorrente nas palavras de muitos deles, frequentemente também grandes
empresários, como Silas Malafaia. O fato, contudo, não consiste em novidade, visto que
em finais de 1989 o jornal Folha Cristã, publicação sob controle da Assembleia de Deus,
e das igrejas Batista e Universal do Reino de Deus, trazia declarações do mesmo tipo
proferidas pelo pastor Luís Francisco Fortes. Dizia o presidente da Igreja Matriz das
Assembleias de Deus em Madureira “que a saída para os problemas da nação é a
privatização”726, antecipando-se à vaga liberalizante imposta pelo empresariado brasileiro
na década seguinte por via dos governos de Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e
Fernando Henrique Cardoso. Outra liderança envolvida até o pescoço na proteção dos
interesses capitalistas, segundo Chesnut (1997, p. 152), foi o presidente da Assembleia
de Deus de Belém, Paulo Machado, que emprestou sua influência para a ditadura na
tentativa de deter as greves que pululavam após meados da década de 1970, chegando em
junho de 1980 a instar seus seguidores a não participar de movimentos ideológicos e
protestos populares.
A despeito das posições retrógradas e da ostensiva militância pró-capital da cúpula
assembleiana, porém, parte significativa da sua base parece ter se mantido distante do
trabalho de doutrinação investigado por esta tese, conforme já destacado em capítulos
passados. Ainda que muitos adeptos provenientes da classe trabalhadora tenham, de fato,
aderido à posição dos seus líderes, não são raros casos desviantes, que mostram a
sobrevivência da luta de classes no interior da membresia pentecostal. Em março de 1982,
por exemplo, a Polícia Federal do Acre estava de olho em José Bibiano de Queiroz,
seguidor da Assembleia de Deus e presidente do Sindicato dos Trabalhadores da
Construção Civil na cidade de Cruzeiro do Sul, vigiado por distribuir o jornal Tribuna da
Luta Operária727.
Vimos na Parte I que, conforme expresso por Leonilde Servolo de Medeiros, o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST conta desde muito com a
colaboração de seguidores da Assembleia de Deus, fato confirmado pela documentação.

726
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Veiculos de Comunicação Social, UCS,
Jornais, Radios e Televisões sob Influencia de Seitas Evangelicas. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.CCC.90019323. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/90019323/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_90019323_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.
727
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Campanha Pro Reforma Agraria Radical
PC do B. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.LLL.82002210. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/82002210/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_82002210_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
508

Em novembro de 1981, por exemplo, a Polícia Militar de Minas Gerais acompanhou ato
realizado por trabalhadores rurais em Montes Claros - MG em protesto contra a violência
da qual eram alvo, evento apoiado pelo “Clero progressista, Partidos de Oposição e outras
entidades”728. O relatório da PM registrou várias intervenções, entre elas a de um pastor
não identificado da Assembleia de Deus de Belo Horizonte - MG. Dizia ele que ‘“o povo
deve ser paciente, conforme Deus manda, mas que não deve aceitar nenhuma injustiça,
como vem ocorrendo em todo o Estado”’. Continuando, falou que Deus ‘“quer que
façamos justiça”’, ‘“Deus manda e o povo segue”’. Nos anos seguintes, assembleianos
continuariam lutando pela posse da terra naquele estado, conforme visto em relatório da
Coordenação Geral de Segurança da Secretaria de Estado da Segurança Pública de Minas
Gerais de setembro de 1987. O papel versava sobre queixa de pecuaristas do triângulo
mineiro, liderados por Udelson Nunes Franco, presidente local da União Democrática
Ruralista - UDR, sobre a invasão da fazenda Sertãozinho em Capinópolis, propriedade de
Rubens de Andrade Horta. Depois de disperso o acampamento pela polícia, alguns de
seus membros foram levados à delegacia para prestar depoimento. Interrogados, Aparício
Teodoro de Lima, Divino Aparecido de Lima, Leonor Teodora de Lima e Maria Divina
de Lima disseram que ali se fixaram para ‘“fazer pregação da palavra de Deus, pois são
crentes da Igreja Assembléia de Deus”’729 e que ‘“têm direitos sobre aquelas terras, pois
há mais de 50 anos seus ancestrais ocuparam aquela área de 120 alqueires, que foram
recebidas, segundo eles, após a libertação dos escravos”’.
Em setembro de 1990, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República de Fernando Collor de Mello discorria sobre outro acampamento de
trabalhadores rurais, desta vez despejados da gleba Piauí, em Nova Xavantina - MT.
Concentrados nas margens do rio das Mortes, os trabalhadores bloquearam a ponte
Ministro João Alberto, na rodovia BR-158, com a ajuda da Central Única dos
Trabalhadores - CUT, do Partido dos Trabalhadores e do deputado estadual José
Arimatéia, do PSDB, membro da Assembleia de Deus local730.

728
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Ato Público Promovido por Trabalhadores
Rurais em Montes Claros MG. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.82005797.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/OOO/82005797/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_OOO_82005797_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
729
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Invasão de Terras, SS13 ABH. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.87013304. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/OOO/87013304/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_OOO_87013304_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
730
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB H4.MIC, GNC.MMM.900009183. Disponível em:
509

Em janeiro de 1998, a mesma Secretaria, agora sob Fernando Henrique Cardoso,


registrava a criação do “Superacampamento Canudos”731 pelo MST de Goiás, que
pretendia alocar nas margens da BR - 060, no município de Varjão, por volta de 1.500
famílias. Iniciado em outubro do ano anterior, o acampamento juntava trabalhadores que
aguardavam a desapropriação da Fazenda Palmeiras, improdutiva segundo o INCRA
goiano, e recebia apoio diversos, inclusive da Assembleia de Deus, dizia o governo.

2.2 – A Congregação Cristã do Brasil

A Congregação Cristã do Brasil não se destaca como uma das mais atuantes
igrejas conservadoras brasileiras, em grande parte por manter um perfil discreto,
conforme vimos no capítulo 7, preferindo pregar em ambientes fechados, avessa a
intervenções em logradouros públicos. Em termos partidários, sua ação é também
praticamente nula. Isso não significa, entretanto, que não ostente fortes traços
conservadores, como a tendência a se afastar das lutas sociais, um pendor para o
fundamentalismo teológico e forte moralismo nos costumes. O seu “evangelismo de porta
fechadas”, da mesma forma, não a impede de participar de iniciativas missionárias, forma
por via da qual chegou ao país, presente em aldeias indígenas, como se verá.

2.3 – A Igreja do Evangelho Quadrangular

A Igreja do Evangelho Quadrangular foi outra que, no processo de migração para


o Brasil, trouxe em sua bagagem a militância anticomunista característica da sede norte-
americana, com a qual mantém firmes laços institucionais.
A tensão entre a cúpula e parcelas de sua base, porém, assemelha-se muito ao
exemplo da Assembleia de Deus. Em fevereiro de 1986, um certo Veríssimo Teixeira da
Costa, militante do Partido Comunista Brasileiro - PCB, anunciava-se pastor da IEQ em

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/900009183/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_900009183_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
731
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4.MIC, GNC.DIT.990081135. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/980081135/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_980081135_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
510

Curitiba - PR, dando entrevistas onde conciliava o evangelho com preceitos comunistas,
por exemplo, declarando “que Jesus foi o primeiro revolucionário que tivemos” 732 ao
libertar o povo, opondo-se aos poderosos, de forma parecida com o que o PCB pregava.
O caso provocou grande mal-estar na direção Quadrangular, que por via do vice-
presidente nacional, Eduardo Zdrojenski, prontificou-se a informar que Veríssimo não
falava pela Igreja, já que não fora “ordenado pela Convenção Nacional para o exercício
do ministério sagrado e pastoral, ficando eclesiasticamente incluído na categoria de mero
aspirante ao ministério, tendo sido, no entanto, já também excluído destas funções”.
Incisivo sobre as teses de Teixeira da Costa, Zdrojenski garantia que “a Igreja do
Evangelho Quadrangular não as endossa, pois contrariam frontalmente os genuínos
ensinamentos bíblicos, que pregam o amor, a paz e a concórdia entre todos os homens”.
Dea mesma forma, em agosto de 1986, em manifesto publicado em editorial no
Jornal Realidade Cristã, controlado pela Igreja no estado do Paraná, a IEQ se declarou
publicamente contrária ao reatamento diplomático do Brasil com Cuba, interrompido 22
anos antes por decisão do governo empresarial-militar. Lamentando a decisão do primeiro
presidente brasileiro pós-ditadura de 64, dizia-se que “Cuba nada tem a oferecer ao Brasil
como mercado ou modelo, a não ser os mais de 25 comunistas integrantes da embaixada
cubana que passarão dentro de alguns dias a fazer parte da história política brasileira” 733.
De maneira hipócrita, visto a simpatia que os chefes da Igreja nutriam pelo regime que
terminara no ano anterior, ostensivamente verbalizada, por exemplo, pelo pastor-político
Guaracy Silveira, conforme veremos no próximo capítulo, os quadrangulares atacavam a
“ditadura cubana” reparando que “O Brasil nada tem de aprender desse tipo de regime,
de que já teve gosto semelhante e indigesto durante 20 anos”.

2.4 – A Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo

732
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Entrevista de Verissimo Teixeira da Costa
ao Jornal Folha de Londrina, Londrina PR, FEV 86. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.86006370. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/86006370/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_86006370_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
733
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Posicionamento Contrario ao Reatamento
de Relações Diplomaticas Brasil Cuba, Igreja do Evangelho Quadrangular, Curitiba PR, AGO 86. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.86006670, Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/86006670/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_86006670_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
511

O alinhamento da Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo com a ditadura e com


outras porções evangélicas conservadoras, conforme visto no capítulo 8, foi precedido
por fatos que, até princípios dos anos 1980, sugeriam inclinações progressistas do seu
líder, Manoel de Mello. A Igreja foi, por exemplo, uma das fundadoras da Coordenadoria
Ecumênica de Serviço - CESE, que visava desenvolver projetos para a melhoria das
condições de vida da população, com ênfase na educação para a cidadania e nos direitos
humanos734, ao lado das igrejas Católica, Luterana, Episcopal, Metodista e Presbiteriana.
Mello chegou, inclusive, a presidir a CESE em finais dos anos 1970, ao lado, segundo o
SNI, de “esquerdistas do clero católico e evangélico”735, manifestando o desejo de que o
órgão se configurasse numa “expressão nova do Ecumenismo. Não de união de estruturas
eclesiásticas ou discussões teológicas” e “não a serviço das Igrejas como tais, mas a
serviço do povo marginalizado”. À frente da organização, e graças a outras atitudes
desafiadoras, Mello conseguiu a atenção dos serviços de inteligência da ditadura, que
anotaram a distribuição pela CESE, em várias capitais do Brasil, em 31 de março de 1978,
de quinhentos mil folhetos com os artigos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, coincidindo de maneira proposital “com as comemorações do 14º ano da
Revolução de 31 mar 64”, “para lembrar a importância e a necessidade” do seu
cumprimento no Brasil.
Já em princípios dos anos 1980, Mello participou de evento de cores progressistas
organizado pela CESE e pela Comissão para a Participação das Igrejas no
Desenvolvimento - CPID736. A Consulta Latino-americana sobre Corporações
Transnacionais aconteceu em outubro daquele ano em Itaici - SP, cabendo a Mello a
palestra de abertura. Ali teriam sido debatidos “temas ligados às relações que existem
entre a transnacionalização das economias latino-americanas e a pobreza, injustiça e
desigualdades sociais”737, com destaque para o “impacto das corporações transnacionais
sobre a vida dos povos latino-americanos”.

734
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.940078188. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940078188/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940078188_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2021.
735
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Coordenadoria Ecumenica de Servico
CESE. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.78112021. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/78112021/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_78112021_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2021.
736
Conforme o SNI, tanto a CESE quanto o CPID eram vinculados ao Conselho Mundial das Igrejas –
CMI.
737
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades do Conselho Mundial das
Igrejas CMI, no Brasil Consulta Latino Americana sobre Corporações Transnacionais. Código de
512

A figura de Manoel de Mello, morto em maio de 1990, bem como o sentido


político das suas ações e de sua Igreja, permanecem em aberto, em vista da enorme
ambiguidade deste personagem. Esta pesquisa não tem dados que permitam avaliar se o
progressismo do pastor não passava de um “jogo de cena”, como quer Leonildo Campos
(1996, p. 88), ou se o seu comportamento na sua última década de vida reflete uma
mudança repentina de convicções e/ou de interesses.

2.5 – A Igreja Pentecostal Deus É Amor

A Igreja Pentecostal Deus é Amor, em sua ênfase nas curas espirituais e obtenção
de favores divinos mediante contribuições monetárias, pode ser compreendida, junto a
boa parte do ramo pentecostal, como um mecanismo de reforço da hegemonia capitalista.
Se prestaria ela, portanto, ao fornecimento de soluções espirituais a problemas sociais,
como a doença e o desemprego e à naturalização da ideia de que o dinheiro seria o lastro
principal das relações humanas e entre o homem e a divindade. Amplificada por uma
ampla rede de templos e emissoras de rádio, a ideologia embutida nas pregações da Deus
é Amor tem grande penetração entre a classe trabalhadora, especialmente acometida pelos
problemas para os quais oferece seus remédios místicos.
O conservadorismo da Deus É Amor é ilustrado por documento da Agência
Regional do SNI em São Paulo de setembro de 1976, sobre o seu líder David Miranda,
que, apesar de exprimir desconfiança quanto às suas práticas dizimistas, assegura que
“Nada se consigna de negativo até a presente data nos arquivos desta AR, sobre as
atividades políticas e ideológicas do nominado”738.

2.6 – A Igreja Universal do Reino de Deus

Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.80003879. Disponível em:


<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/80003879/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_80003879_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2021.
738
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. David Martins de Miranda. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.81006062. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/81006062/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_81006062_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2021.
513

A Igreja Universal do Reino de Deus destaca-se por ser a principal introdutora das
teologias da Prosperidade739 e do Domínio740 no país, doutrinas que, como vimos,
ampliaram as possibilidades hegemônicas pró-capitalistas do discurso religioso após
finais da década de 1970. Embalada pelo novo receituário ideológico, foi estrondoso o
sucesso da IURD, seguida de perto por outras organizações que também o aplicaram,
como a Deus é Amor, a Igreja Internacional da Graça de Deus, a Igreja Mundial do Poder
de Deus e, em maior ou menor grau, setores de todas as demais organizações evangélicas,
que, conforme também vimos, passam a abraçar as novas doutrinas. Pouco mais de uma
década após sua fundação, a Igreja arrastava dezenas de milhares de seguidores para
cultos coletivos, como o que teve lugar no Maracanã em dezembro de 1988, com
frequência de 150 mil pessoas estimada pelo SNI. Curas espirituais, exorcismos e
promessas de fartura eram liberalmente ministradas, seguidas de reiterados pedidos para
que o fiel desse “a melhor contribuição que puder”741, novidade que causou perplexidade
aos órgãos de vigilância e instituições internacionais, como o Instituto Cristão de
Pesquisas - ICP, baseado na Califórnia. Em finais da década, o ICP, tal como os
funcionários do SNI, buscava melhor compreender o fenômeno IURD, ambos
preocupados com o “desvirtuamento da atividade religiosa” por “entidades, que mais se
caracterizam como sociedades com fins lucrativos e não verdadeiramente de utilidade
pública”.
O impulso monetizador da religião sob os ventos da Teologia da Prosperidade,
desdobrado em práticas novas e absolutamente heterodoxas, era motivo de estranhamento
para os órgãos governamentais, sobretudo em episódios que testavam os limites das
regras legais, como o ocorrido em Campos dos Goitacazes - RJ em maio de 1989. No dia
18 daquele mês, a polícia deteve Jocelino Gomes da Silva, que tentara repassar uma
cédula falsa no valor de cinquenta cruzados novos. Inquirido, o homem revelou que
recebera a nota numa filial da IURD, das mãos do pastor Jailton Vieira, que as oferecia
“afirmando ser “dinheiro bento”’742, e que era esperado que aqueles que o recebiam

739
A sinergia entre a Teologia da Prosperidade e o capitalismo foram vistas nas partes I e II deste escrito.
740
Além da prática dos exorcismos e os atritos com outras religiões, como as afro-brasileiras, seu principal
reflexo foi decidida entrada da IURD na política partidária, espaço privilegiado para o desenrolar da batalha
pelo mundo terreno contra as forças demoníacas, que será melhor tratada no capítulo seguinte.
741
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89017110. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/89017110/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89017110_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021.
742
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Apreensão de Cedulas Falsas de Cinquenta
Cruzados Novos, Jocelino Gomes da Silva, Campos RJ. SE13 ARJ. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.CCC.89017930. Disponível em:
514

retornassem à Igreja, num futuro próximo, outras notas do mesmo valor, porém
verdadeiras. Resolvendo a polícia visitar o templo apontado como origem do “dinheiro
bento”, grande quantidade de notas falsas foram, de fato, encontradas.
Esses agressivos métodos arrecadatórios, que aparecem em quantidade expressiva
dos relatórios do SNI, bem como a inculcação dos preceitos da Teologia da Prosperidade,
foram investigados também pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República em relatório de maio de 1990, sobre a ação da Igreja de Macedo na região
metropolitana de Recife - PE. Conforme o papel, ao final dos cultos fazia-se chegar às
mãos da membresia envelopes para depósito de doações com os dizeres ‘“aos que me
honram, honrarei, porém os que me desprezam, serão desmerecidos”’743 e ‘“honra ao teu
senhor com teus bens e com as primícias de toda tua renda, e se encherão fartamente os
teus celeiros”’.
Mas a Teologia da Prosperidade é muito mais do que apenas um fundamento
teológico capaz de ampliar as receitas dizimistas, ela é uma doutrina disposta a estimular
a adesão da classe trabalhadora ao modo de produção capitalista em suas cores
contemporâneas. Assim, o empreendedorismo individual aparece nos púlpitos da
Universal como requisito para a recepção das benesses materiais prometidas, o que, dada
a origem social da maioria dos adeptos e os traços particulares do capitalismo brasileiro,
pode ser um grande incentivo à informalidade do mercado de trabalho. O Teólogo Hugo
Assmann (1986, p. 107, 166 e 167), preocupado com as funcionalidades políticas dessa
teologia, observava o estímulo do Estado norte-americano à multiplicação de
televangelistas da prosperidade, fenômeno que via se repetir no Brasil da década de 1980.
Um dos mais importantes, o pentecostal Jimmy Swaggart, aparecia regularmente na Rede
Bandeirantes, logo seguido do programa O Despertar da Fé, da Igreja Universal,
ilustrando a continuidade teológica e doutrinária que atravessa ambos os países.
O embate com as religiosidades afro-brasileiras, coberto no capítulo 7, muito
justificado pela Teologia do Domínio, é enquadrado por líderes populares como aspecto
de uma campanha ideológica, de teor conformista, que visa também arrebatar para a
IURD membros de outras organizações populares. Disputa que transpareceu, por

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/89017930/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89017930_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021.
743
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.III.900008920. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/iii/900008920/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_iii_900008920_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021.
515

exemplo, em passeata bancada pela IURD em Salvador - BA em agosto de 1989. Com


mais ou menos cinco mil presentes, em sua maioria “oriundos de vários bairros da
periferia de Salvador”744, e organizado pelo pastor Gilmar Teixeira Rosas, da IURD de
Itinga - BA, o ato denunciava o suposto sacrifício de crianças em terreiros. Embalado
pelo trio elétrico da banda Skulaxo, que alertava sobre o “perigo da tentação do demônio”
ao ritmo do reggae, lambada e afoxé, o evento crescia, com novas adesões enquanto
cruzava o Centro da cidade.
O acontecimento teve grave repercussão na sociedade baiana, repudiado
especialmente por organizações populares. Dizendo-se estarrecida, a Federação Baiana
do Culto Afro-Brasileiro - FEBACAB, acusou a IURD de calúnia e difamação e de
infringir a lei de imprensa, uma vez que as não comprovadas denúncias contra os terreiros
foram amplamente ventiladas pelas rádios da Igreja; o antropólogo Ordep José Trindade
Serra, presidente da Fundação de Artes e ogã da Casa Branca, tradicional terreiro de
Salvador, afirmou que a Igreja violara a garantia constitucional de liberdade de culto;
Ilmaci Cruz do Carmo, membro da Organização Negra da Diáspora Africana, se referiu
ao caso como “uma das manifestações mais violentas contra as religiões africanas” já
feitas no estado; a professora Valdina Pinto, ligada ao terreiro Tanuri Junsara, taxou a
passeata de racista, cujo objetivo seria a “descaracterização e a divisão da comunidade
negra” com o fim de “tirar um dos traços culturais mais fortes do negro, que é a sua
religião”; a diretora do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da
Bahia, Yêda Pessoa de Castro, também entendeu a manifestação como antidemocrática e
um ataque à liberdade religiosa; Jônhatas Conceição da Silva, diretor do Movimento
Negro Unificado – MNU, anunciou a organização de mobilizações de entidades populares
baianas, como sindicatos, associações de moradores e partidos políticos, acrescentando
que solicitaria ao Departamento nacional de Telecomunicações medidas para impedir que
a Universal prosseguisse depreciando as religiões afro-brasileiras em cadeia de rádio; e
Fernando Conceição, líder da Associação de Moradores do Calabar, bairro popular de
Salvador, destacou que por trás do evento haveria o interesse em “afastar o povo e o negro
de suas lutas específicas”, trazendo-os para a Igreja, onde passariam a desejar apenas o
reino celestial, assim ignorando que precisam “lutar como negros e pobres que são

744
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus de
Itinga, Faz Protesto Contra as Religiões Afro Brasileiras, em Salvador BA. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.PPP.89010798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/PPP/89010798/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_PPP_89010798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021.
516

constantemente discriminados”. As impressões de Fernando Conceição foram


confirmadas em pesquisa de campo da socióloga Roberta Bivar Campos. Realizado em
Recife - PE, o trabalho foi apresentado no congresso internacional As Novas Religiões,
ocorrido na mesma cidade em maio de 1994 e observado pela Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República, interessada em conhecer melhor as tais “novas
religiões”. Conforme os dados apurados por Campos, a taxa de participação prévia dos
adeptos da IURD em atividades políticas, sindicais e associativas, chegando a 30,3%, caía
para 9,6 % após a conversão745.
A passeata também sacudiu o meio partidário soteropolitano, tendo vereadores,
sobretudo de esquerda, solicitado uma sessão de desagravo na Câmara. Seus protestos,
no entanto, encontraram a oposição dos colegas Domingos Antônio Martins Bonifácio,
iurdiano membro do PDC, e Álvaro Martins Santos, do PTB, que não apenas defenderam
a Igreja como reiteraram a acusação de sacrifícios infantis.
Enquanto isso, a imprensa falava com o pastor Gilmar Teixeira Rosas, que ao
Tribuna da Bahia dizia se manter tranquilo, pois contaria com testemunhas oculares das
denúncias. O jornal A Tarde, por seu turno, aproveitava a controvérsia para atacar os
católicos progressistas na matéria “A Igreja Política”, creditando a eles, que teriam
descuidado da religião para interessar-se apenas por política, o crescimento incontido de
organizações como a IURD.
Já o Movimento Negro Unificado anunciava a criação de um comitê em defesa
das religiões afro-brasileiras para peitar as campanhas da IURD, enquanto preparava, em
conjunto com outras entidades negras, uma “passeata de desagravo” a fim de denunciar
os abusos. Ilustrando as dificuldades de enfrentamento da máquina hegemônica
pentecostal, com as qual a classe trabalhadora tem precisado lidar com crescente
intensidade, segundo o SNI746 a “passeata não surtiu o efeito desejado”, atraindo poucas
pessoas além dos seus organizadores, pois nem “os diretamente acusados, como os pais-
de-santo (babalorixás) e mães-de-santo (yalorixás) participaram efetivamente”.
Cabe notar que, em princípios dos anos 1980, a Bahia era o segundo estado com
maior penetração da IURD, atrás apenas do Rio de Janeiro. Conforme o ex-pastor Mário

745
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.940077535. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940077535/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940077535_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
746
Evidentemente não se pode descartar, porém, a possibilidade de que a avaliação do SNI, desfavorável
aos movimentos sociais, tenha sido tendenciosa.
517

Justino (2021, p. 42), os baianos respondiam pela “segunda receita no ranking nacional”
da Igreja, ali conduzida pelo pastor Paulo Roberto Vieira Guimarães, “uma das mais bem
polidas pratas da casa” e depois por Carlos Alberto Rodrigues747. Naquele estado, a Igreja
repetia alguns dos ingredientes de sua bem-sucedida expansão carioca: a absorção de
seguidores das religiões afro-brasileiras748, sob cerrado ataque, ao lado da construção de
uma abrangente malha radiofônica. Assim, tal como o Maracanã, o estádio da Fonte
Nova, em Salvador, foi palco de abarrotados festivais de fé onde Edir Macedo exortava
o público a caprichar nas doações “para comprar uma emissora de rádio em Salvador,
assim como seus fiéis cariocas o haviam contemplado com a Rádio Copacabana”.
A IURD prosseguiu preocupando organizações de trabalhadores negros também
fora de Salvador. Foi o caso da Frente Negra Nacional - FNN, cujos passos eram vigiados
pelo SNI, que nos legou relatos de discussões havidas em seu interior. Conforme o
Serviço, em agosto de 1989, o coordenador do Núcleo de Educação do Instituto de
Pesquisas das Culturas Negras - IPCN/RJ, Jorge Cândido, teria externado preocupação
com as ações autoritárias da Igreja no estado do Rio Grande do Sul, em especial com o
fato de que alguns dos seus membros ostentariam “identificações nazistas nos braços”749.
Como vimos, as organizações paralelas nascidas no interior da Igreja da
Unificação foram importantes pontos de contato e articulação do cristianismo
conservador no Brasil. Interessado no projeto, que segundo também vimos teve
frequência de sua Igreja, presente em encontros organizados pelos unificacionistas, Edir
Macedo contribuiu com iniciativas próprias, costuradas com outras lideranças
evangélicas direitistas. A fim de melhor organizar ações conjuntas de teor político-
ideológico, nasceu o Conselho Nacional de Pastores do Brasil - CNPB, anunciado por
Macedo em megaevento na capital carioca em 1992 750 como um projeto de unificação de

747
Próximo de Macedo e um dos integrantes mais antigos da IURD, Rodrigues é lembrado por Mário
Justino (2021, p. 63) por seu estilo agressivo de gestão e eficiência na coordenação dos esforços dizimistas.
A fim de incrementar a rentabilidade da igreja baiana, por exemplo, teria ele passado o percentual do dízimo
de 10 para 30%, além de criar um carnê com prestações mensais chamado “Pacto da Comunidade”. Sua ida
para a Bahia, em 1985, prendera-se à necessidade de alavancar as rendas da Igreja num momento em que,
além de quitar as prestações da compra da Rádio Bahia, a Igreja esforçava-se para a comprar todos os
imóveis onde operava por todo o Brasil.
748
Noto que o Rio de Janeiro e a Bahia, berço da umbanda e do candomblé, são historicamente espaços
onde religiões afro-brasileiras atingiram maior sucesso.
749
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Reunião da Frente Negra Nacional.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89018615. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/89018615/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89018615_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021.
750
Trata-se de protesto contra a recente prisão do pastor, reunindo meio milhão de seguidores.
518

algumas das principais igrejas evangélicas ‘“sob um só pastor”’751. Oficializado em julho


de 1993, o CNPB reunia, além da IURD, a Assembleia de Deus e as igrejas de Nova Vida,
Batista, Congregacional, Metodista Wesleyana, do Evangelho Quadrangular, da Graça e
Comunidade Evangélica de São Gonçalo.
Conforme a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, a
finalidade da associação seria firmar bases para uma maior integração evangélica contra
a influência política da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB e para
aprofundar sua presença parlamentar, construindo uma aliança que almejaria inclusive o
lançamento de candidatos próprios à presidência da República. Impressão respaldada por
declarações do presidente da CNPB, Manoel Ferreira, líder da Convenção Nacional das
Assembleias de Deus, que frisara à imprensa o tamanho da bancada evangélica, que
naquela altura incluía trinta deputados federais, enfatizando que o grupo gostaria “de
eleger um Presidente da República ou, ao menos, alguém identificado com nossos
objetivos”.
O desejo de reforçar a presença política e influência ideológica vem à tona também
em outras declarações de pastores da IURD pinçadas pela Secretaria, que ilustram não
apenas a finalidade do CNPB, mas a sua vinculação a preceitos emanados da Teologia do
Domínio. O pastor Renato Suhett, por exemplo, dissera que: ‘“Deus está nos mostrando
que o povo daqui precisa assumir a benção de Deus, tomar posse do reino de Deus e
mudar essa terra, porque nós temos esse poder, nós temos essa autoridade, que nos foi
dada pelo senhor Jesus”’ e que ‘“em qualquer país, existem os civis e os militares. Então
a gente tem que ter essa equipe de guerra, um povo de guerra. E eu penso que esse povo
tem que nascer e só pode nascer na Igreja Universal, que tem sido a igreja que tem ido de
frente”’.
Coerentemente, destacou a Secretaria que uma das primeiras ações conjuntas das
igrejas reunidas no CNPB, ocorrida em sete de setembro de 1993, na cidade fluminense
de São Gonçalo, foi um desfile em comemoração ao Dia da Independência intitulado
“Liberta Brasil”. Sintoma da crescente articulação política de igrejas conservadoras não
apenas no país, mas em todo o mundo, esclarecia o organizador, pastor Haroldo Gomes
da Igreja de Nova Vida, que o ato faria parte de uma campanha reunindo igrejas

751
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNG.DIT.940077329. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940077329/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940077329_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
519

evangélicas em todo o planeta numa Marcha Internacional para Jesus, para a Secretaria
“revelando o componente universalista dos movimentos evangélicos”.
No Brasil não é fortuita a apropriação do Dia da Independência pelo recrudescido
evangelicalismo militante baseado na Teologia do Domínio, originado nos Estados
Unidos antes de se tornar um fenômeno mundial. Conforme o estadunidense Chris
Hedges (2006, p. 11), “como todos os movimentos totalitários”, em sua terra o
dominionismo busca apropriar-se não apenas da linguagem religiosa, mas também da
patriótica e de todas as histórias de um povo, “para negar a validade das histórias
diferentes das deles próprios”. A conexão entre o movimento norte-americano e setores
evangélicos brasileiros vem às claras ao vermos que o dominionismo na sede capitalista
do norte, além de um movimento ideológico, é também partidário. Retirando seu nome
do livro do Gênesis, em que Deus aparece conferindo aos homens o domínio sobre a
criação, o movimento dedica-se a “politizar a fé” (HEDGES, 2006, p. 11) e a fundar um
mundo teocrático, preceitos que afloram nas associações cristãs partidárias norte-
americanas vistas na Parte II, que conseguem grande aceitação popular ao prometer “uma
renovação” (HEDGES, 2006, p. 21) e “uma moralizada nação cristã”, palavras comuns
também na boca da nossa bancada evangélica. Sua meta seria a tomada dos três Poderes
para a viabilização de reformas ultraliberais que os reduziriam “à proteção dos direitos de
propriedade e à segurança doméstica” (HEDGES, 2006, p. 12), com a entrega a grupos
privados, muitos dos quais participados por igrejas, de todas as demais funções a cargo
do Estado restrito. Repetido nas palavras do iurdiano Renato Suhett, ainda conforme
Hedges (2006, p. 145), outro componente retórico importantíssimo do dominionismo,
aqui e nos Estados Unidos alimentado por mazelas sociais e pela disseminação do terror,
é o palavreado beligerante e a ideia de uma guerra perene contra os batalhões do demônio,
desenrolada também no plano material. Prega o dominionismo ainda a “obediência cega
a uma hierarquia masculina que frequentemente alega ser porta-voz de Deus” (HEDGES,
2006, p. 13), a intolerância contra outros grupos religiosos, e o “desdém pela investigação
racional, intelectual”, elementos também presentes entre as organizações religiosas
conservadoras no Brasil.
Em junho de 1994, alguns meses portanto antes das eleições para presidente da
República, governadores, e legislativos estaduais e federais, a CNPB organizou outro
megaevento, nas palavras da Secretaria melhor caracterizado como um “grande comício
520

político”752. Trazendo por volta de quatrocentas mil pessoas, o ato ocorreu no Rio de
Janeiro, no Monumento aos Mortos da II Guerra Mundial, localização atípica para
eventos religiosos (e políticos), tendo a Associação Nacional dos Veteranos da Força
Expedicionária Brasileira - FEB se manifestado contrariamente à cessão do espaço, que
todavia acabou concedido pelo Comando Militar do Leste.
Com a presença de candidatos ao governo do Rio de Janeiro, dos quais apenas
Marcello Alencar, do PSDB, permaneceu até o fim, “considerado como o candidato que
receberá apoio dos evangélicos”, o acontecimento foi prestigiado por outros atores do
Estado restrito. Estavam ali Iris Rezende, ex-governador goiano e evangélico; Davi
Noguchi Quindere, deputado estadual do PDT e membro da Igreja Batista; Francisco
Dornelles, deputado federal candidato a reeleição e importante quadro de apoio ao
governo de Fernando Henrique Cardoso; José Maria de Mello Porto, presidente do
Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro - TRT/RJ; e José Nader, presidente da
Assembleia Legislativa do estado.
Com mais de uma hora de duração, de especial importância foi o discurso de Edir
Macedo. Reverberando noções dominionistas acima expostas, o líder declarou que “as
próximas eleições serão disputadas por candidatos de Deus e do diabo, cabendo aos
protestantes apontarem o candidato certo”, “pois queremos transformar este país”.
Indeciso quanto a quem apoiar no primeiro turno do pleito presidencial 753, dizia ele não
estar ali “para promover nenhum político”, apesar de enfatizar “que não votaria no
candidato do PT”, Luiz Inácio Lula da Silva. Ao término, os presentes foram estimulados
a fazer as habituais doações e “os organizadores do evento cobraram contribuição dos
vendedores “ambulantes” presentes”.
Segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República754,
interessado em fortalecer seu conglomerado hegemônico religioso-midiático frente a

752
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.950078559. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/950078559/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_950078559_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
753
Conforme a Secretaria, a CNPB cogitava apoiar o candidato do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, ou
o do PMDB, Orestes Quércia. ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência
da República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.940078073.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940078073/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940078073_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2021.
754
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.960079049. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079049/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_960079049_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
521

outros produtores de consenso, como a Rede Globo, ao mesmo tempo protegendo os


interesses da classe dominante brasileira e tomando adeptos da Igreja Católica, Macedo
preparava uma grande ofensiva ideológica em 1995. Alavancada pela Rede Record de
Televisão e Rádio, pelo jornal Hoje em Dia, propriedade da Igreja em Belo Horizonte -
MG, e pela Folha Universal, a campanha incluía acusações contra seus dois maiores
concorrentes no ramo religioso e empresarial. Aos católicos seriam dirigidas denúncias
de incentivo a invasão de terras, enquanto um amplo leque de crimes seria atribuído a
Roberto Marinho. Nesse período, deve-se notar, as atividades midiáticas da Igreja
Universal aprofundavam-se rapidamente, visando mais ampliar seu alcance ideológico do
que fazer lucros, notando a Secretaria, em outro papel que trata da compra de emissoras
no sul da Bahia, que segundo empresários da área de comunicação “este domínio
crescente tem como objetivo básico a manipulação da opinião pública, pois, como
empresa e em termos de negócio, todos os veículos são deficitários”755.
Ações filantrópicas também figuravam no rol de iniciativas projetadas para
ampliar a presença ideológica iurdiana, contrapondo-se a outras organizações que
capturavam a atenção da classe social dominada. Conforme Nascimento (2019, posição
2760-2762), tais ações tencionariam capitalizar a crescente popularidade no imaginário
coletivo das organizações ditas não-governamentais, disputando holofotes com a Ação da
Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, encabeçada pelo sociólogo Herbert de
Sousa, a Associação Evangélica Brasileira - AEVB, formulada pelo pastor rival, o
presbiteriano Caio Fábio e campanhas da CNBB contra a fome. Articula-se a esse
propósito a tomada de controle, em 1992, da Sociedade Pestalozzi de São Paulo, que
atendia crianças e jovens com necessidades psiquiátricas, e o lançamento da Associação
Beneficente Cristã - ABC, em 1994, desenvolvedora de projetos educativos que também
organizava distribuições de alimentos à população carente.
O mais importante traço da ABC, entretanto, era a transferência para a filantropia
cristã da solução dos problemas do ensino, passando ao largo da valorização da educação
pública. Constatava a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
que o órgão mantinha desde 1994 o projeto alfabetizador Ler e Escrever, que quatro anos
depois já providenciava “kits pedagógicos para serem distribuídos pelos templos nos

755
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.960079086. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079086/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_960079086_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
522

estados”756. No Rio de Janeiro, inclusive, seria criado um curso supletivo a fim de formar
voluntários para as aulas do Ler e Escrever, em paralelo a outras iniciativas, como “cursos
para empresários dos ramos de lingerie e perfumes”. O papel do Estado, contudo, não era
completamente negligenciado, compreensivelmente, em vista do explícito interesse
iurdiano em ocupar a máquina pública, assunto que será melhor tratado no capítulo
seguinte. O que se propunha, porém, eram convênios entre a administração pública e a
Igreja, abrindo maiores espaços para a presença desta última na educação, de maneira
semelhante ao tentado pela direita cristã norte-americana, que se esforçava em arrancá-la
das mãos do Estado com a destruição das escolas públicas em favor das confessionais.
Encabeçado por Paulo Souto, do PFL, o governo da Bahia, por exemplo, mantinha
parcerias com a ABC traduzidas no programa Aja Bahia, “voltado para ministrar cursos
de computação”.
Antes de encerrar essa seção, é cabida uma observação sobre a organização interna
da IURD, eficiente em podar dissenções entre as bases. Construída sobre uma rígida e
autocrática estrutura hierárquica, que tem em seu cume Edir Macedo, a IURD parece
apresentar níveis de coesão ideológica bem superiores, por exemplo, aos da Assembleia
de Deus e mesmo da Igreja do Evangelho Quadrangular, não havendo na documentação
qualquer indício da participação de iurdianos em movimentos de oposição à orientação
política da cúpula. Não os vemos, assim, em organizações populares, como o MST, que
conta com a simpatia de alguns assembleianos, ou militando por partidos explicitamente
situados à esquerda.
Em Pernambuco, por exemplo, uma das primeiras paradas de Mário Justino
quando ainda era apenas um obreiro, dizia o líder estadual, pastor Carlos Magno, que o
dinheiro dos templos não deveria ser mexido, sob nenhuma hipótese, em especial para
“dar aos “pidões” que infestavam os cultos” (JUSTINO, 2021, p. 34). Leia-se, aos
trabalhadores rurais sem-terra que seguiam para a capital em busca de auxílio das igrejas
para o atendimento de necessidades básicas. Assim, as “dezenas de homens, mulheres e
crianças que vinham a nós diariamente” (JUSTINO, 2021, p. 35) deveriam, nas palavras
da missionária Cordélia, esposa de Magno, procurar a Igreja Católica, pois ‘“Aqui, a única
ajuda que oferecemos é a espiritual”’. E assim era feito.

756
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.CCC.990021609. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021609/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021609_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
523

2.7 – A Igreja Batista

Conforme capítulos anteriores, os batistas norte-americanos, ao lado dos


presbiterianos, foram os primeiros aderentes ao movimento teológico reacionário
autointitulado fundamentalismo. São eles atualmente cingidos em duas porções, a do
Norte e a do Sul, tendo os batistas brasileiros laços estreitos com a divisão sulista, a
Convenção Batista do Sul, um dos principais bastiões religiosos conservadores atuais, ao
qual estão vinculados importantes líderes como Billy Graham, Jerry Falwell e Pat
Robertson. Esse alinhamento traduz-se, por exemplo, na imediata e declarada adesão da
Igreja Batista do Brasil ao regime de 1964, na participação de seus membros em
organizações conservadoras interdenominacionais e ecumênicas aqui abordadas e na
significativa frequência dos seus parlamentares na bancada evangélica.
Outros importantes indicadores da postura política predominante no interior dos
nossos batistas são apresentados pelo teólogo Alexandre de Carvalho Castro (2003, p. 12-
13). Ao olhar o catálogo de publicações de editoras evangélicas no Brasil, constata ele
haver desde princípios dos anos 1980 um padrão que indica o incentivo deliberado a uma
dogmática “teologia (da repetição) sistemática” selecionada por grupos fundamentalistas
norte-americanos interessados numa “reprodução acrítica de modelos teológicos
aspirantes à hegemonia”. É mencionada, por exemplo, a Editora Fiel, cujos livros
seguiriam essa linha ideológica de maneira inequívoca. A revista da Fiel, por sua vez,
dialogaria com o periódico Founders Journal, bancado pela facção fundamentalista
Founders Conference, que veio a ser hegemônica757 na Convenção Batista do Sul.
Seriam, então, “explícitas” (CASTRO, A. 2003, p. 44) as ligações teológicas entre
batistas brasileiros e norte-americanos no que diz respeito à disseminação de uma linha
única de pensamento. Predominaria uma “mesmice” teológica, com ênfase num pequeno
número de obras que, se relativamente relevantes em outros tempos e locais, “não
viabilizam a reflexão acerca das problemáticas brasileiras, não operacionalizam o debate
a respeito do sentido atual da fé cristã” (CASTRO, A. 2003, p. 11). Além de consolidar

757
Essa hegemonia manifesta-se na conquista pelo Founders de células batistas, primeiro em território
norte-americano e depois no brasileiro. Como dito na parte II, fizeram isso com ações coordenadas para a
tomada de posições-chave na hierarquia da Igreja e na neutralização dos não alinhados com a sua linha
ideológica.
524

uma artificiosa ligação entre os batistas contemporâneos com o calvinismo e


colonizadores ingleses e holandeses puritanos, as ideias naturalizadas nestes textos e
cristalizadas por uma planejada repetição de jargões, desencorajariam o pensamento
crítico, reforçariam a ideia da eleição divina dos Estados Unidos para a liderança mundial
e promoveriam uma espécie de imperialismo teológico, ao desestimular reflexões
religiosas referidas aos dilemas e anseios específicos do meio social e histórico brasileiro.
Pior do que isso, ao transmitir a ideia falaciosa de que tais ideias remetem-se diretamente
ao receituário ideológico formulado na Europa nos primeiros séculos da Reforma
Protestante, esse imperialismo teológico termina “obliterando a percepção da infiltração
do movimento fundamentalista no Brasil do Século XXI” (CASTRO, A. 2003, p. 102).
Aplicado também nos seminários teológicos, tal arcabouço teórico reforçaria a influência
dos batistas fundamentalistas sobre as novas levas de líderes desta Igreja, convertidos em
reprodutores do discurso único produzido pela liderança da Founders Conference. Fato
que se repetiria na formação dos missionários enviados pela Convenção Batista do Sul
para países como o Brasil (CASTRO, A. 2003, p. 32).
Mas a vinculação dos batistas brasileiros com a Convenção Batista do Sul iria
muito além da ideologia. Conforme o SNI, a Billy Graham Association usaria parte do
seu orçamento anual de 55 bilhões de dólares para apoiar a Igreja Batista do Brasil,
ajudando, por exemplo, “a implantar a nova TV RIO carioca e a GOOD NEWS (BOAS
NOVAS) que está ampliando sua presença no Brasil”758759.
Em termos históricos, essa ligação aflorou na imediata legitimação do golpe de
1964 pelos batistas, que o viram como “uma intervenção política em defesa da
democracia, e da nação” (SILVA, E. 2017, p. 139), noção baseada no anticomunismo
transmitido por setores religiosos conservadores norte-americanos. Nesse ponto, vem à
tona uma contradição fundamental partilhada pela maioria dos grêmios religiosos
brasileiros aqui estudados: a crítica anticomunista fundada no alegado caráter autoritário
dos governos que tentaram aplicá-lo, ao mesmo tempo em que se legitimou a tomada de
poder pelos militares, conforme destacado por Elizete da Silva (2017, p. 139), “como se
o mesmo não fosse um golpe de força que instalaria um regime totalitário”. Aderindo à

758
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Evangelico do PMDB. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020041. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020041/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020041_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
759
O documento não traz maiores informações sobre a Good News, mas é possível que se trate da emissora
religiosa de rádio Boas Novas, fixada em Belém do Pará e atualmente pertencente à Assembleia de Deus.
525

“caça às bruxas” ditatorial, batistas mais conservadores passaram inclusive a delatar seus
irmãos pertencentes a partidos simpáticos ao socialismo ou “apenas por discordarem da
ortodoxia ou dos métodos eclesiásticos” (SILVA, E. 2017, p. 142).
Mais recentemente, o conservadorismo político batista se reflete no apoio a
candidatos à direita do espectro político e em candidaturas próprias comprometidas com
as forças da preservação, tendo a Igreja eleito a segunda maior quantidade dos deputados,
atrás apenas da Assembleia de Deus, que a partir de 1987 viriam inaugurar o embrião da
bancada evangélica. Freston (1993, p. 243) chegou mesmo a afirmar que os batistas
seriam o grupo religioso brasileiro mais influenciado pela Nova Direita Cristã norte-
americana.
Mas isso não quer dizer que a preeminência conservadora entre os batistas seja
inconteste, permanecendo vozes, ainda que minoritárias, dispostas a romper os laços com
o fundamentalismo militante norte-americano, como o próprio Alexandre de Carvalho
Castro, o também teólogo Fábio Py de Murta Almeida e a pastora Odja Barros.

2.8 – A Igreja Presbiteriana

Os presbiterianos tiveram importância central na construção do arcabouço teórico


fundamentalista. Logo em seguida abraçado pelos batistas, a origem intelectual do
movimento coube a eles, creditada a membros do Princeton Theological Seminary, no
estado norte-americano de Nova Jersey, como John Gresham Machen, Benjamin
Breckinridge Warfield, Geerhardus Vos e Charles Hodge. Outros fundamentalistas
recentes, como vimos na Parte II profundamente envolvidos com a militância político-
religiosa, são Carl McIntire, um dos criadores do American Council of Christian
Churches e membro destacado da instituição ecumênica conservadora Internacional
Council of Christian Churches760 (Conselho Internacional de Igrejas Cristãs); Ben
Hayden, ex-agente da CIA e televangelista; Albert Benjamin Simpson, fundador da
agência missionária Christian and Missionary Alliance; e Dennis James Kennedy, líder
do grupo missionarista Evangelism Explosion International.
No Brasil, a adesão de presbiterianos ao Partido da Fé Capitalista aflora, por
exemplo, na presença em iniciativas abordadas pelos capítulos precedentes e no apoio

760
Órgão fundado na Holanda em 1948 congregando sobretudo setores fundamentalistas de diferentes
igrejas. Opõe-se ao mais progressista World Council of Churches (Conselho Mundial de Igrejas).
526

oficial ao regime de 1964. Em livro que pretende esmiuçar “a história sombria da Igreja
Presbiteriana do Brasil”, João Dias de Araújo (2010, p. 95) chega a mencionar que ela
“foi a mais envolvida e comprometida com o governo militar por causa das ligações da
igreja com a classe média e do prestígio político que ela gozava nos meios políticos e
militares”.
Conforme Elizete da Silva (2017, p. 139), o anticomunismo foi importante
motivador da adesão presbiteriana ao regime de 1964, repetindo-se nesta igreja as
perseguições havidas no meio batista, com delações de companheiros de fé “vistos como
progressistas ou marxistas ateus”. A aliança foi cedo selada em ações como a do pastor
Israel Gueiros761, que em programa de rádio veiculado em Recife no dia 31 de março teria
agradecido a Deus pelos movimentos golpistas que se iniciavam, celebrando em apoio às
forças armadas culto de ação de graças na Igreja Presbiteriana Fundamentalista daquela
cidade (SILVA, E. 2017, p. 139).
Noto, porém, que o presbiterianismo se divide em diferentes igrejas, e que me
refiro apenas às igrejas Presbiteriana do Brasil e Presbiteriana Fundamentalista do Brasil.
A Igreja Presbiteriana Independente, separada desde 1903, foi inclusive listada pelo SNI,
conforme vimos no capítulo 8, como um incômodo reduto do clero progressista. No
âmbito partidário, da mesma forma, registro que o deputado federal Lysâneas Maciel,
eleito em 1986, era um presbiteriano progressista não alinhado com a bancada evangélica.

2.9 – A Renovação Carismática Católica

Mencionado em capítulos passados, o Evangelização 2000 parece ter sido a


principal carta na manga da RCC, que a partir do milionário programa expandiu-se de
maneira inédita.
Dizia o SNI, em julho de 1989, que já em março daquele ano fora realizado em
Brasília o I Congresso Nacional de Evangelização 2000, com 2.500 pessoas. Naquela
altura a organização contava com um escritório em Belo Horizonte - MG, uma Escola
Nacional de Evangelização na capital federal, um Centro Juvenil em Franca – SP e por
volta de 26 escolas de evangelização em várias dioceses, além da revista mensal Nova
Evangelização 2000. Aqui dirigido por Osmânio de Oliveira, o projeto desfrutava do

761
A liderança de Gueiros entre os presbiterianos fundamentalistas brasileiros transparece, também, no
desempenho da função de 1º vice-presidente do Internacional Council of Churches.
527

apoio de conservadores católicos de peso, como os cardeais Eugênio de Araújo Salles,


José Freire Falcão e Serafim Fernandes de Araújo. Conforme o SNI, grande parte do seu
financiamento vinha da fundação holandesa Amor a Deus762, tratando-se de uma “grande
ofensiva” 763 da ala conservadora da Santa Sé para “colocar a Igreja Católica nos seus
caminhos normais, neutralizando os desvios doutrinários e as práticas religiosas
introduzidas pela esquerda católica na Teologia da Libertação”. O Serviço reparava,
porém, que a CNBB não vira o Evangelização 2000 com os melhores olhos, concluindo
o Conselho Permanente da instituição em fins de 1988 que seus desdobramentos vinham
“sendo conduzidos de forma paralela à ação episcopal” e sem levar em conta “a crítica
situação social do Brasil, nem seus efeitos para a maioria da população”. Ou seja, os
carismáticos, o papa João Paulo II e o governo norte-americano764 atropelavam os bispos
brasileiros com seu projeto próprio para moldar o catolicismo no país.
Documento da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
sobre a realização da 32ª Assembleia Geral da CNBB, em abril de 1994, mostra o embate
entre os setores progressistas, ali derrotados, e a Renovação Carismática. Apresentaram
os primeiros um documento “que tinha por objetivo limitar a atuação da RCC” 765 em
questões teológicas, como “promessas de cura” à moda pentecostal, que terminou
rejeitado pelos 272 bispos. Tendo assistido a tudo de perto, a Secretaria de Itamar Franco
concluiu que o grupo católico moderado era o que mais crescia, pondo termo ao
“predomínio de aproximadamente vinte anos por parte dos progressistas”.
O boletim766 Firmando Pé, Ano III, n.7, de junho e julho de 1989, publicação de
circulação interna do Serviço Franciscano de Justiça, Paz e Ecologia no Brasil, que
também chegou às mãos do SNI, traz outros importantes dados sobre o Evangelização

762
Esta pesquisa não obteve maiores informações sobre a Fundação Amor a Deus.
763
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Projeto Evangelização 2000 SE143 AC.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.89071367. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/89071367/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_89071367_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
764
Como visto no capítulo 8, o empresário e embaixador norte-americano na Santa Sé, Frank Shakespeare,
envolvido em outras iniciativas para a instrumentalização política da religião aqui estudadas, foi um dos
principais defensores do Evangelização 2000, que contou também com o apoio papal.
765
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.DIT.940077867. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/910025102/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_910025102_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
766
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Publicações Religiosas, Cadernos de
Estudos Numero 04 da Pastoral Universitaria, PU, e Boletim Numero 07 do Serviço Franciscano de
Justiça, Paz e Ecologia do Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.89017599.
Disponível em:
<https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/Pesquisa_Livre_Painel_Resultado.asp?v_CodReferencia_id=1931
422&v_aba=1>. Acesso em: 09 mar. 2021.
528

2000. Consta ali que algumas de suas iniciativas principais seriam a criação de Centros
de Juventude, “para capacitar jovens e evangelizar”; de Escolas de Evangelização, “para
capacitar doutrinal, pastoral e praticamente os evangelizadores”; a publicação mundial de
anuários de homilias e do boletim Evangelização 2000, já lançado pela Editora Loyola; e
o já mencionado Lumen 2000, projeto de evangelização eletrônica “utilizando três
satélites” para emissões de rádio e TV.
Segundo o boletim, alguns dos patrocinadores da ofensiva, além da fundação
Amor a Deus, seriam a empresa norte-americana Global Media e a multinacional Big Ben
Corporation767. A sua porção sul-americana, a ser conduzida pelo Conselho Episcopal
Latino-Americano - CELAM, já disporia de financiamento de seis milhões de dólares,
doados por “organizações da Alemanha Ocidental”, pelo Lumen 2000 e pelo Grupo
Empresarial Cisneros, da Venezuela. Dono de um conglomerado de mais de oitenta
empresas, Gustavo Cisneros teria patrocinado em 1988 o Congresso de Teologia de
Caracas, “consagrado a denunciar a Teologia da Libertação e os bispos que aderiram”.
Com o dinheiro, tencionava a CELAM colocar em órbita o “primeiro satélite católico
latino-americano”. Na sede em Bogotá já funcionaria um supercomputador, a ser ligado
em rede com outros dois em São Paulo e Buenos Aires, a fim de criar um “Banco
Continental de Dados”, alimentado, por exemplo, com “informações sobre os Teólogos
da Liberdade, seus escritos, viagens e contatos internacionais”.
O financiamento empresarial das atividades da RCC também parece ter se
repetido no Brasil. Segundo documento da Polícia Militar de São Paulo, a Associação do
Senhor Jesus, órgão que produzia programas de televisão para os carismáticos, era
“mantida por sócios espalhados em todo o Brasil que com suas contribuições conseguem
não apenas manter a produtora mas ainda comprar espaços nas principais cidades do
País”768. Como vimos, a organização tinha também seguidores relacionados a círculos
empresariais, como Maricy Trussardi, ligada à Associação Comercial de São Paulo.
Conforme percebe-se, o programa Evangelização 2000, bem como a expansão da
RCC na América Latina, sustentou-se largamente na mídia, fato reconhecido pelo próprio

767
O boletim não traz maiores informações sobre a Global Media e a Big Ben. É possível, todavia, que esta
última seja o Big Ben Group, empresa europeia de entretenimento digital.
768
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.EEE.900023981. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900023981/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_900023981_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.
529

SNI, que o via “utilizando-se, especialmente, dos meios de comunicação social”769.


Seguia-se, portanto, uma das prescrições do Relatório Santa Fé II, visto no capítulo 8, que
propunha o combate ao progressismo religioso no continente sobretudo nos “meios de
comunicação social” 770 além de igrejas e escolas, locais mais visados pela campanha
comunista que os Estados norte-americano e brasileiro supunham estar em marcha sob os
auspícios da esquerda.
Um dos reflexos do despontar carismático seria o encolhimento das CEBs e da
influência dos progressistas católicos. Em abril de 1994 dois dos principais expoentes
desse último grupo, Frei Betto e Leonardo Boff, conduziram palestra no Colégio do
Carmo em Vitória – ES. As falas foram acompanhadas pela Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República, que constatou “significativa preocupação com
o avanço da chamada Igreja Carismática”771, acelerado entre lavradores, operários e
estudantes.

3 – Organizações missionárias interdenominacionais

A sistemática articulação de um grande movimento missionário partindo do Norte


em direção à América Latina não é um fenômeno recente. Ainda que evangélicos
estrangeiros dedicados a conversão de latino-americanos estivessem relativamente
disseminados já no século XIX, em 1916 se abriria uma “nova era” (PIEDRA, 2006, p.
159), ano em que as “maiores igrejas e sociedades missionárias dos Estados Unidos
reuniram-se no Panamá para discutir sobre a necessidade de seu trabalho na América
Latina”. O Congresso do Panamá daria início, portanto, a “um esforço consciente” e
inédito para estender a presença das grandes sociedades missionárias por todo o

769
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Projeto Evangelização 2000 SE143 AC.
Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.89071367. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/89071367/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_89071367_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2021.
770
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. James Wright, Serviço Paz e Justiça da
America Latina, Santa Fe: Uma Estrategia para a America Latina nos Anos 90. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89018518. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/89018518/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89018518_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2021.
771
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.940077867. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940077867/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940077867_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
530

continente. Trabalho em grande parte articulado no interior do Comitê de Cooperação da


América Latina – CCLA, organização fundada em Nova Iorque, em 1913, após encontro
com representantes de diversas entidades missionárias. Segundo Piedra (2006, p. 161), a
reunião pode ser compreendida como “uma das primeiras expressões da determinação
das juntas protestantes dos Estados Unidos de considerar a América Latina como parte de
sua responsabilidade missionária”.
Resta pouca dúvida, entretanto, que a descida ao Sul de missionários
estadunidenses redobra seu ímpeto no panorama aberto pela Guerra Fria. Em seu livro
Spiritual Warfare - the politics of the Christian Right (Guerra Espiritual - a política da
direita cristã), a socióloga Sara Diamonds (1990, p. 205-206) denuncia uma dupla
inflexão no missionarismo internacional norte-americano após a Segunda Guerra
Mundial. Em primeiro lugar, teria havido uma explosão numérica, com um incremento
de 26% da força missionária entre 1975 e 1985, distribuída em 764 agências
patrocinadoras de 67.200 agentes com um orçamento anual estimado em um bilhão de
dólares em 1984. Uma segunda modificação se refere à procedência desses missionários
que, se no passado vinham sobretudo de relativamente moderadas igrejas protestantes
históricas, como a Metodista e ramos presbiterianos, em tempos recentes seriam ligados,
em sua maioria, a porções evangélicas representantes “das mais conservadoras posições
teológicas e políticas”772. Entre eles, o trabalho missionário é visto “como um meio de
organizar movimentos sociais e desenvolver programas favoráveis às prioridades
políticas e econômicas dos Estados Unidos”, encaixando-se nesse propósito também
ações filantrópicas, uma vez que “o crescente foco no trabalho humanitário pretende tratar
das necessidades materiais das sociedades subdesenvolvidas e a competir com grupos
religiosos mais progressistas que têm reconhecido essas necessidades há muitos anos”.
Em termos numéricos, dados do National Council of Churches, organização
estudada na Parte II, estimam que dos 32 mil missionários norte-americanos em ação no
mundo em 1982, 2.337, aproximadamente 7,3%, atuavam no Brasil, divididos em 142
missões. Segundo o SNI, os estados mais contemplados seriam São Paulo, com 522
missionários; Paraná, com 214; Minas Gerais, com 173; Pará, com 161; Amazonas, com
156 e Goiás, com 130. Os números constam em documento de 1988, que dizia estarem a

772
Diamonds não especifica de quais grupos fala, mas segundo indicam os documentos estatais e outra
bibliografia aqui consultada, trata-se de setores carismáticos, pentecostais, batistas e não-denominacionais,
pertencentes ao movimento fundamentalista ou ao menos fortemente influenciados por ele, sobretudo em
seus mais recentes postulados, como a Teologia do Domínio.
531

maioria desses missionários articulados em torno de “missões de fé” 773, ou seja, entidades
interdenominacionais “que, organizadas empresarialmente, canalizam imensos recursos
para os missionários”. Ainda segundo o Serviço, tais grupos preocupavam sobretudo a
Igreja Católica, que via seu público encolher, mas também as igrejas não católicas mais
antigas, como a Luterana, Presbiteriana e Metodista.

3.1 – Evangelismo sem Fronteiras

Organização político-religiosa e ecumênica funcionando no Brasil pelo menos


desde a década de 1970, o Movimento Evangelismo sem Fronteiras é subsidiário da
organização missionarista norte-americana Underground Evangelism, atualmente
denominada Mission without Borders. Fundada em 1960, a Underground Evangelism
tinha como metas primordiais contrabandear Bíblias e outros materiais para “apoiar os
cristãos oprimidos - e perseguidos - sob o ateísta e comunista regime soviético” (OUR
History. Mission Without Borders, [s.d.]). Passou a ostentar o nome atual após o fim da
Guerra Fria, continuando a se imiscuir nas diferentes realidades nacionais à pretexto de
trazer “auxílio espiritual, emocional, educacional e material para os necessitados”,
declarando ter distribuído 3.674 Bíblias em países da Europa Oriental no ano de 2020.
Na América Latina, seu secretário executivo foi o pastor batista Roberto Maynes,
cabendo ao também batista André Peticov o mesmo cargo na representação brasileira do
movimento, presidida na década de 1970, conforme o Centro de Informações da
Aeronáutica - CISA, pelo pastor “Cesar Tomé”774, sobre o qual não há maiores
informações. Outros pastores envolvidos eram Davi Gomes e Waldemiro Tymchak, 1º e
2º vice-presidentes; o metodista Benedito Natal Quintanilha, 2º secretário; e os
conselheiros Ivan Espíndola de Ávila, batista e político, João Pereira de Andrade Silva,
assembleiano, e Paulo Hasse, luterano. Além da distribuição de bíblias em países
socialistas, de acordo com o CISA o movimento visava manter programas de rádio, em

773
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações . Movimento Evangelico do PMDB. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020041. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020041/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020041_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
774
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Evangelismo sem Fronteiras. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.76106437. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/76106437/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76106437_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2021.
532

lugares como México, Porto Rico e Venezuela, com transmissões direcionadas para o
bloco soviético; publicar material em português e alemão, para brasileiros em geral e
colonos alemães, “com notícias de perseguições, torturas e situação geral de cristãos na
Cortina de Ferro”; e patrocinar “conferências, palestras e exibições de filmes vindos do
exterior, objetivando conscientizar os brasileiros do sofrimento dos cristãos nos países
dominados pelo comunismo”.

3.2 – A Missão A Voz dos Mártires

Com procedimentos e fins semelhantes ao Evangelismo sem Fronteiras: a


denúncia de crimes que estariam sendo cometidos contra cristãos nos países socialistas e
o contrabando de bíblias, a Missão A Voz dos Mártires - Brado da Hora Final foi
comandada até sua morte em 2001 pelo pastor luterano romeno Richard Wurmbrand,
diretor-geral da organização norte-americana Jesus to the Communist World. Além das
ações voltadas para os países socialistas, no resto do mundo, em suas mais de cinquenta
representações, procurava-se “levar esquerdistas e comunistas a Cristo” 775 e “alertar os
cristãos do ocidente sobre os perigos do comunismo”.
Para lançar o movimento por aqui, Wurmbrand visitou o Brasil em 1973, passando
por São Paulo, Campinas e Curitiba. Delegou sua condução ao pastor alemão Erich
Ostermoor776, ao que parece membro da Igreja Congregacional, entretido em “violenta
campanha contra a perseguição religiosa a cristãos nos países da Cortina de Ferro” a partir
de palestras, sessões cinematográficas e da publicação A Voz Dos Mártires. Conforme o
Centro de Informações da Aeronáutica - CISA, Ostermoor empreendia “verdadeira
cruzada anticomunista em bairros humildes do Rio de Janeiro, informando das
atrocidades cometidas pelos marxistas a pobres operários e donas de casa - que poderiam
ser alvo fácil do proselitismo vermelho” 777. Mas os cariocas não tinham atenção

775
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Evangelismo sem Fronteiras. Arquivo
Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.76106437. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/76106437/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76106437_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 30 mar. 20211.
776
Era ele também dirigente da Igreja Congregacional. Ao seu lado, tinha o pastor Walter de Castro Souza,
vice-presidente, e o reverendo Erasmo Preste Souza, secretário executivo.
777
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Evangelismo sem Fronteiras. Arquivo
Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.76106437. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/76106437/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76106437_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 30 mar. 20211.
533

exclusiva, levando o estrangeiro palestras por todo o Brasil, “falando, inclusive, em


diversas Organizações Militares”.
A Voz dos Mártires parecia aos olhos do CISA, ainda, fortalecer-se em prejuízo
do Evangelismo sem Fronteiras, recebendo dali várias defecções que acusavam seus
antigos companheiros de serem “regiamente pagos, utilizando-se de recursos comerciais
e métodos não muito sinceros, tais como cenas forjadas nos filmes, textos exagerados em
livros, notícias inexatas, etc.”. Apesar de “com objetivos quase idênticos”, enfatizava o
CISA uma diferença principal: as táticas do Underground Evangelism, que abusavam de
“métodos e de ação comerciais, oferecendo grandes vantagens pecuniárias para
conquistar adeptos”. De ares fantasiosos, outra hipótese tecida pelos militares seria a
infiltração comunista no Underground Evangelism e sua representante no Brasil, que
assim procurava minar o bom trabalho que a Voz dos Mártires vinha realizando.
Em janeiro de 1983 foi realizado em Belém - PA uma cruzada anticomunista
patrocinada pela Igreja Evangélica dos Irmãos, ligada aos batistas alemães, e guiada pelo
pastor Raimundo Cardoso. O acontecimento, que recebeu perto de trezentas pessoas, teve
palestra da missionária Miriã Cruz, que de forma sensacionalista informou que a
localização da sede da Voz dos Mártires, em São Paulo, era mantida em segredo, temendo
“sofrer represálias por parte das organizações comunistas brasileiras e estrangeiras” 778,
tendo “em várias ocasiões solicitado a proteção das autoridades brasileiras”. Falou
também sobre os meios usados no trabalho de contrabando bíblico: “balões,
equipamentos industriais comprados em países capitalistas e através dos mares”, artifícios
dispendiosos que levantam interrogações sobre as origens do seu financiamento. Foi
seguida de Raimundo Cardoso, que “enalteceu a liberdade brasileira, onde o povo pode
escolher livremente seus representantes, fato este que não ocorre em países comunistas
onde a liderança é imposta ao povo pela força”, esquecendo que no momento em que
falava, pela força, o povo brasileiro perdera o direito de escolher seu presidente e
governadores já havia quase duas décadas. Foram distribuídos o jornal A Voz dos
Mártires, publicado bimestralmente em mais de cinquenta países, panfletos
anticomunistas e livretos, como Era Karl Marx um Satanista?, onde Wurmbrand

778
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Igreja Evangelica dos
Irmãos. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.83002813, Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/83002813/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_83002813_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 30 mar.
534

sustentava que o pensador alemão, cristão quando jovem, passou a manifestar ódio por
Deus, “chegando a escrever poemas como se estivesse possuído por Satanás”.
Mas as publicações da Voz dos Mártires não circulavam apenas em igrejas
evangélicas. Em agosto de 1983, algumas delas chegaram à Chácara do Torto, enviadas
a João Figueiredo por Erich Ostermoor. Naquele “momento de grande tensão em nossa
pátria”779, talvez referindo-se o alemão à campanha Diretas Já, que desde meados daquele
ano contagiava a sociedade brasileira em torno da proposta de eleições diretas imediatas
para presidente da República, o religioso enviava material impresso “à título de
comunicação, com nossas altas autoridades” (SIC). Tratava-se dos três últimos
informativos da Voz dos Mártires, além dos livros Cristo em Cadeias Comunistas, Cristo
ou a Bandeira Vermelha e Era Karl Marx um Satanista?
Em janeiro de 1985, a organização emitiu ofício circular anunciando, entre outras
coisas, mudança de sede para Curitiba, seu novo quartel general continental, e a
aposentadoria de Erich Ostermoor, tornado presidente honorário. O substituía o chileno
Adam Noé Alvear Maturana, pastor pentecostal na Igreja Apostólica Unicista780, alçado
a presidente sul-americano da Voz dos Mártires. Naquela altura, dizia-se, o órgão já
atuava em sessenta países, insistindo em não ter “cor denominacional”781, ou seja,
colaborando com todas as igrejas evangélicas. Informava-se, ainda, os preparativos para
a iminente realização de uma 1ª Convenção Sul-Americana, cujos convidados especiais
seriam o secretário mundial, Hans Braun, e a integrante dos comitês Internacional e da
Suíça, Hedi Fluri. Anunciava-se, também para breve, uma “sessão aberta a todos os
Pastores, Presbíteros e Oficiais de Igrejas” onde seriam “apresentados e discutidos planos
de trabalho da instituição em todo o território nacional”. O ofício encontra-se anexo a
documento da Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia Federal informando
que Maturana adquirira “à vista” a mansão na Rua Cecília onde funcionava a Voz dos
Mártires. Outro dado interessante: o chileno “Quando fiscalizado, com relação a sua
situação de estrangeiro no País, forneceu panfletos sobre a atuação que exerce contra o

779
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.274. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0274/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0274_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2021.
780
Atualmente conhecida como Igreja de Deus no Brasil.
781
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia Federal. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB ZD.0.0.0041a.0009.d001. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_zd/br_dfanbsb_zd_0/br_dfanbsb_zd_0_0/br_
dfanbsb_zd_0_0_0041a/br_dfanbsb_zd_0_0_0041a_0009/br_dfanbsb_zd_0_0_0041a_0009_d0002.pdf>
Acesso em: 30 mar. 2021.
535

comunismo e, colocou-se à disposição para exibir filmes relativo a essa ideologia, tanto
para a Polícia Federal como para o SNI” (SIC), sugerindo a sensação de que a sua
condição de pregador anticomunista seria suficiente para lhe desembaraçar de qualquer
problema com os serviços de imigração. Também deixando clara sua posição na disputa
que dividia o campo religioso brasileiro, em outra ocasião o pastor criticara com
veemência a Teologia da Libertação, apelidada de “Teologia da Escravidão”782.
Atualmente, a organização continua funcionando a partir do Paraná, mas agora da
cidade de Colombo. Seu nome mudou para MAIS – Missão em Apoio à Igreja Sofredora.
Apesar de morto em 2001, os escritos de Richard Wurmbrand continuam influenciando
novas gerações de religiosos conservadores. Em novembro de 2020, por exemplo, seu
livro Marx e Satã783 foi relançado pela Editora Monergismo. Alguns meses depois, em
14 de abril de 2021, causou certo alvoroço nas redes sociais a videoconferência Karl Marx
era Satanista?, onde o padre Pedro Paulo, que se apresenta como exorcista da
Arquidiocese de Florianópolis, e a historiadora presbiteriana e deputada estadual pelo
PSL em Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo784, apresentaram o livro de
Wurmbrand para um grande público785.

3.3 - A Sociedade Evangélica do Brasil

Podemos resgatar a história da Sociedade Evangélica do Brasil no país graças a


um histórico enviado ao Ministério das Relações Exteriores, em junho de 1977, a fim de
agilizar o processo de concessão de vistos dos seus missionários. Começou ela a operar

782
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Primeira Convenção Sul Americana de A
Voz dos Martires, em Curitiba PR. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.85005683.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/85005683/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_85005683_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2021.
783
Trata-se, provavelmente, do mesmo Era Karl Marx um Satanista?, presenteado por Erich Ostermoor
para João Figueiredo e que vimos circulando em igrejas em 1983.
784
Antifeminista e seguidora do ideólogo ultradireitista Olavo de Carvalho, em 2013 Campagnolo acionou
na Justiça sua orientadora no curso de Mestrado, a docente Marlene de Fáveri, da Universidade do Estado
de Santa Catarina - UESC, acusando-a de perseguição ideológica. Fáveri pediu afastamento da função de
orientação, o que não impediu, contudo, a reprovação de Campagnolo pela banca de professores que julgou
sua dissertação Virgindade e Família: mudança de costumes e o papel da mulher percebido através da
análise de discursos em inquéritos policiais da Comarca de Chapecó. Eleita deputada estadual em 2018,
realizou campanhas nas redes sociais estimulando a denúncia de docentes não alinhados com suas posições
políticas. A queixa contra a professora da UESC terminou arquivada pela Justiça de Chapecó-SC, que a
julgou improcedente.
785
Até 26 de abril de 2021, o vídeo somava mais de 24 mil visualizações no YouTube.
536

por aqui, ainda em caráter informal, alguns dias após do golpe de Estado de 1º de abril de
1964, fundada em Brasília - DF pelos missionários norte-americanos Richard Alan Cape
e Ella Mattie Cape. Alguns anos depois, a “força missionária” 786 foi incrementada pela
chegada de Eugene Nelson Bunt e Grace Anna Bunt, vindo o primeiro a ser diretor
executivo em maio de 1977, quando sua fundação foi formalizada em cartório.
Embora interdenominacional e “autônoma”, o papel enviado ao MRE declarava
vinculação com a organização norte-americana Gospel Fellowship Association Missions,
que mantinha “missionários trabalhando em onze países no mundo”. Fundada em 1940,
a Gospel Fellowship exibia nítido perfil fundamentalista, assim como sua filial brasileira,
declarando que seu missionarismo, sobretudo em tempos recentes, move-se por “uma
grande preocupação” a respeito da “tendência de ‘neo-evangelismo’ e ‘neo-ortodoxia’ e
a transigência das juntas das missões por todo o mundo”. Missões que, se no passado
“ocuparam uma posição firme nos grandes fundamentos da fé e obediência à Palavra de
Deus”, em muitos casos agora associavam-se “com indivíduos ou organizações” sem
fidelidade para com “esses fundamentos da fé”. A organização surge, portanto,
capitaneada pelo pastor fundamentalista Bob Jones Sr., pretendendo aglutinar “cristãos
ortodoxos e nascidos de novo” diante do crescimento do “modernismo e liberalismo” nos
Estados Unidos. Posteriormente, ex-alunos da Universidade fundamentalista Bob Jones
“e outros amigos do Fundamentalismo” manifestaram o desejo de prolongar as suas ações
ao redor do mundo, recomendação aprovada pelo Conselho Administrativo da Gospel
Fellowship Association em maio de 1961, dando partida ao envio de missionários para o
exterior.
A Sociedade declarava pretender evangelizar a população brasileira com “rádio e
filmes, revista e literatura” e sobretudo uma rede de “obreiros” em contato com “as igrejas
fundamentais”, ou seja, identificadas com seus pressupostos ideológicos, e com todos os
aqueles “que não estão envolvidos num compromisso com a apostasia”, leia-se com o
clero progressista. Trabalho que compreendia o encaminhamento de recém-convertidos
para essas “igrejas fundamentais” e, onde não houvesse nenhuma, a fundação de “uma
igreja firme, independente e local com a base bíblica”.

786
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Igreja. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.ENI.95. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0095/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0095_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2021.
537

Os estatutos da Associação deixavam claro a relação pretendida com o governo


ditatorial, vedando aos membros “professar ideologias” e “exercer atividades contrárias
as leis e ao regime democrático brasileiro” (SIC). Nas posições de mando, ao lado de
Eugene Nelson Bunt, estavam os pastores Manoel Lopes Guimarães, vice-diretor, e João
Alves da Costa, secretário-tesoureiro.

3.4 - Organizações missionárias interdenominacionais em ação no mundo estudantil

Muitas organização estrangeiras do mesmo feitio das acima dedicaram-se à


conversão de jovens estudantes, a exemplo, como já visto, do que fazia o Colegiado
Acadêmico para a Reflexão de Princípios - CARP, financiado pela Igreja da Unificação.
A sua presença disseminada ilustra a percepção de que a conversão dos estudantes era
passo importante na transformação do cristianismo conservador em um movimento de
bases no país.

3.4.1 - Aliança Bíblica Universitária - ABU

Focada no meio estudantil, secundarista e universitário, importante trabalho


evangelizador de bases é feito pela Aliança Bíblica Universitária – ABU até o presente.
Apesar de em seus estatutos declarar-se um movimento autóctone, seus fundadores e
muitos dos principais dirigentes foram norte-americanos. Predominância que se manifesta
também nas fontes de financiamento, sendo, pelo menos até a década de 1970,
proveniente do exterior a metade do capital de que dispunha, depositado pela Comunidade
Internacional de Estudantes Evangélicos - CIEE (ITIOKA, 1981, p. 47). Um dos seus
maiores expoentes, contudo, é a brasileira Neuza Itioka, conforme Mariano (2014) grande
propagadora da Teologia do Domínio, também líder da Rede Internacional de Guerra
Espiritual no Brasil.
Originada nos Estados Unidos em 1947, pelas mãos de estudantes reunidos na
Universidade de Harvard, a incisão da CIEE na América Latina se dá já em princípios da
década de 1950, quando os evangélicos Robert Young, norte-americano, e René Poché,
suíço, excursionam pelo subcontinente, concluindo haver uma “tremenda urgência de
atender países da América do Sul, pelo vácuo espiritual que havia se estabelecido nos
538

meios intelectuais” (ITIOKA, 1981, p. 8). Assim, Robert Young inicia em 1957 os
trabalhos de implantação de uma representação da CIEE por aqui, a ABU, neste momento
encontrando resistência de outra entidade religiosa estudantil já em atividade, a
Associação Cristã de Acadêmicos. Desentendimento que se reportaria, ao que parece, ao
fato de esta última, que entraria em declínio com o golpe de 1964, ser praticante do
modernismo teológico, chocando-se com as ideias fundamentalistas infiltradas na
Aliança.
O trabalho iniciado por Young foi reforçado em 1958 com a vinda de Ruth
Siemens, em cujo apartamento a primeira sede da ABU veio a funcionar. No mesmo ano,
a organização realiza um primeiro acampamento com estudantes de todo o país em
Campos de Jordão - SP. Neste período, outros estrangeiros a contribuir foram Stacey
Woods, secretário da CIEE, e John White, coordenador dos grupos latino-americanos da
organização (ITIOKA, 1981, p. 12). Também em 1958, acontece um congresso da CIEE
na Bolívia, marcando o início do processo de infiltração e conexão do movimento em
âmbito latino-americano, sendo o Brasil representado por Lucas Blanco de Oliveira,
advogado paulista, e Lydia Polech, estudante de letras curitibana (ITIOKA, 1981, p. 12-
13).
Em paralelo, tinha continuidade a difusão da ABU, com a instalação de núcleos
em Goiânia, Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, ali iniciada pela própria Ruth Siemens
em 1961. No ano seguinte, a organização se oficializa como um movimento nacional em
congresso reunindo representações de 11 cidades de São Paulo, Paraná, Espírito Santo,
Minas Gerais e Goiás (ITIOKA, 1981, p. 14). A fim de produzir literatura religiosa, em
1963 firma-se parceria com a Missão Batista Conservadora para a criação da Junta
Editorial Cristã, trabalho supervisionado por Russel Shedd (ITIOKA, 1981, p. 19).
O crescimento da ABU não foi afetado pelo golpe de 1964, parecendo encontrar
melhores bases para se expandir com a perseguição da esquerda religiosa e do
modernismo teológico. Em 1965 Hans Burki, secretário da CIEE e do movimento
estudantil suíço, percorre o Brasil com Ruth Siemens realizando conferências em
faculdades de 12 cidades e, em 1966, realiza-se o Primeiro Seminário de Capacitação de
Líderes Estudantis em Lima, Peru, evento que se repetiu em 1971, quando o Brasil foi
representado por Neuza Itioka, do núcleo paulista da ABU (ITIOKA, 1981, p. 21). Já em
1967, inicia-se a preparação de líderes estudantis em São Bernardo do Campo, nos limites
do Seminário Presbiteriano Conservador, “com a presença” (ITIOKA, 1981, p. 23) de
Paul Little, diretor de Evangelização e Missões da CIEE nos Estados Unidos, e frequente
539

contribuição de Hans Burki, iniciativa que se repetiria em outras partes do Brasil nos anos
seguintes.
O período entre 1973 e 1975 foi especialmente proveitoso para a ABU. Se em
1972 o seu número de núcleos era 26, em 1975 ela já estava presente em 120 faculdades
(ITIOKA, 1981, p. 63). Com franqueza, a própria Itioka (1981, p. 64) reconhece que esse
crescimento se deu em grande parte pela ação ditatorial nos meios estudantis, abrindo um
contexto de “tranquilidade do ambiente universitário sem greves, sem passeatas”, tendo
os “militantes de ideologias” desaparecido com a repressão deflagrada pelo Ato
Institucional n. 5. Instaurava-se entre os estudantes, assim, uma “filosofia hedonista,
pragmática, materialista”, ao lado do “espírito desenvolvimentista do Brasil grande”.
Ambiente que, por outro lado, não oferecia as respostas espirituais ansiadas pelos
estudantes, que a ABU se prontificava a fornecer. Sintomático desse crescimento, em
1976 a organização realiza um Primeiro Congresso Missionário em Curitiba - PR.
Outro grande congresso aconteceu em fevereiro de 1983 em Florianópolis – SC,
sendo monitorado pelo SNI, que, nada vendo de errado, se limitou a registrá-lo,
arquivando uma cópia dos estatutos da ABU. A despeito da vigilância, porém, a Aliança
podia contar com a simpatia da comunidade de informação, conforme registrou em outro
papel a Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Aeronáutica em setembro
de 1972, quando investigava a distribuição dos seus folhetos nas Universidades.
Avaliavam os agentes que “o movimento, que visa atingir os universitários com a
mensagem salvadora - segundo a concepção do Evangelho de Jesus Cristo - é bom”787,
nada constando contra ele também na Polícia Federal em São Paulo, Brasília e Rio Grande
do Norte e tampouco no DEOPS de São Paulo.
Guardados pelo SNI, os estatutos em vigor em princípios dos anos 1980 oferecem
outras informações sobre o funcionamento e propósitos da Aliança. Com sede no bairro
paulistano de Vila Clementino, ela definia-se como “um movimento estudantil” 788,
evangélico, porém “interdenominacional”, portanto “sem vínculo formal” com nenhuma

787
ARQUIVO NACIONAL. Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. Resposta Pedido de
Busca N. 174/DIS-COM: Aliança Biblica Universitaria do Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB
VAZ.0.0.4543. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_VAZ/0/0/04543/BR_DFANBSB_VAZ_
0_0_04543_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.
788
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Aliança Biblica Universitaria do Brasil,
ABUB. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.83003823. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/83003823/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_83003823_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.
540

Igreja específica, cujo principal objetivo era “a evangelização dos universitários,


secundaristas e profissionais de nível superior”. Um dos seus postulados, revelando
inspirações fundamentalistas, é a “veracidade e integridade da Bíblica, tal como revelada
originalmente”, ou seja, nada de interpretações modernas e heterodoxas, e a “sua suprema
autoridade em matéria de fé e conduta”. Declarava-se ali também a convicção pré-
milenarista, comum a setores evangélicos conservadores norte-americanos, com a
“certeza da segunda vinda do Senhor Jesus Cristo em corpo glorificado e a consumação
do Seu reino naquela manifestação”, bases teológicas que seguiam de perto as orientações
da CIEE. Já os métodos de conversão compreendiam “Estudos Bíblicos Evangelísticos”;
“Palestras apologéticas”; “Reuniões “abertas”’; a realização de acampamentos; a edição
de livros, folhetos e jornais, como o Kairós, e “apostilas de orientação estratégica e
motivacional para o trabalho”; mesas redondas; eventos teatrais; e “Projetos de Ação
Social”.
Ao lado da ABU, havia outras organizações irmãs, como a ABS, um “ministério”,
implantado em vinte cidades, voltado para estudantes secundaristas; e a ABP,
concentrada no trabalho “com profissionais com vista a evangelização de colegas,
discussão de aspectos de vivência e ética profissional bem como o compromisso com a
igreja e projetos missionários” (SIC).
Apesar do perfil conservador, Zózimo Trabuco (2015, p. 346 e 367) supõe que a
ABU foi também espaço onde se desenvolveu uma forma de evangelicalismo dedicada à
ação política progressista. Trata-se da Teologia da Missão Integral, ali representada
sobretudo pelo sociólogo Paul Freston, do qual muito aqui já se falou, que se apresentava
como uma “alternativa à Teologia da Libertação”, reivindicando “uma identidade distinta
da esquerda marxista e da esquerda ecumênica”. Próximo de universitários evangélicos,
o grupo de Freston desempenharia o importante papel de unir evangélicos teologicamente
conservadores com organizações e partidos políticos progressistas, contribuindo para a
construção de uma “esquerda evangélica” disposta, por exemplo, a formar uma ala
socialista cristã dentro do Partido dos Trabalhadores.

3.4.2 – A Campus Crusade for Christ

A organização missionária estudantil Campus Crusade for Christ, aberta por Bill
Bright em 1951 na Universidade da Califórnia, não poupou o Brasil em suas ações
541

doutrinadoras, aqui aportando em 1970, segundo o Serviço Nacional de Informações789


pelas mãos de Barthimeu Vaz de Almeida e rebatizada como Cruzada Estudantil e
Profissional para Cristo - CEPC. Atualmente chamada apenas CRU, a página oficial da
organização no Brasil, porém, conta uma história diferente. Ali o pioneirismo não teria
cabido a Almeida, mas sim a Manuel Simões Filho, que em 1970 começa a distribuir na
Universidade de São Paulo - USP o folheto As 4 Leis Espirituais (NOSSA História. CRU,
[s.d.]). É possível que tenha sido de fato isso o que aconteceu, pois o documento do SNI
não prima pela precisão, alegando, por exemplo, que o movimento fora fundado nos
Estados Unidos por um tal de “Bio Brás”, corruptela de Bill Bright.
De qualquer maneira, o Serviço informa que em 1980 a organização já chegara a
todas as regiões do país, instalada no Norte, área na qual o dossiê que contém o escrito
do SNI se concentra, pelo paulistano Rubens Macedo Coutinho. Abriu ele em Manaus -
AM um Centro de Treinamento para Líderes, que formou em sua primeira turma
“trezentos líderes comunitários”790, mostrando a vontade da organização em enraizar-se
como um movimento de bases791. Além do Centro, sugere-se que a entidade se valesse de
parcerias para ministrar seus cursos, “realizados nas diversas igrejas evangélicas de
Manaus”. Cooperação repetida em outros empreendimentos, como a campanha
propagandística Já Encontrei, que em 1977, apenas na capital amazonense, “mobilizou
sessenta e sete igrejas e vinte e uma mil pessoas”. Da sede manauara, a organização
operava, ainda, um serviço telefônico de orientação espiritual.
Traço comum às organizações abordadas neste trabalho, a CEPC também
procurava endereçar problemas sociais com ações de base religiosa e filantrópica, como
a campanha Vida para Manaus, de maio de 1980, que procurou contribuir para “diminuir
as estatísticas de criminalidade, divórcio, roubo, suicídio, desordem, tráfico de drogas e
outros”. Afixado ao mesmo dossiê, as informações constam num outro relatório, agora da
Superintendência Regional do Estado do Amazonas da Polícia Federal, que revela ainda
tentativas de contato da CEPC com a PF, a quem pediu, por via do líder regional Rubens

789
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Cruzada Estudantil e Profissional para
Cristo. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.LLL.80001019. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/80001019/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_80001019_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2021.
790
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Cruzada Estudantil e Profissional para
Cristo. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.LLL.80001019. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/80001019/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_80001019_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2021.
791
Na data em que o documento foi escrito, calculava-se em 1.400 o número de pessoas treinadas pela
Cruzada.
542

Macedo Coutinho, “levantamentos estatísticos” referentes ao ano anterior com dados


sobre esses delitos. A solicitação chamou atenção do Serviço Nacional de Informações,
que até então pouco sabia sobre a entidade, mas que diante do relatado emitiu um pedido
de busca para a apuração de dados pormenorizados, como objetivos, dirigentes, número
de participantes e atividades, investigação que retornou as informações contidas acima.
O recurso a grandes campanhas para atrair adeptos e holofotes não foi, contudo,
exclusividade brasileira, mas sim componente principal do modus operandi da Crusade
em toda a América Latina. Acumulada pelo SNI, matéria intitulada “Os “Profetas” do
Anticomunismo na América Central”, publicada no número 69, de agosto de 1984, da
revista progressista Cadernos do Terceiro Mundo, dedicava uma dezena de páginas à
campanha “Esta É a Vida”. Conforme veremos, as similitudes entre ela e a sua prima
brasileira “Vida para Manaus” não param no nome, tendo a organização inclusive usado
o mesmo slogan, “Já Encontrei”, no Brasil, e “Ya lo Econtré”, na América hispânica.
Originalmente publicada na revista estadunidense North American Congress on Latin
America - NACLA e assinada por Debora Huntington, a matéria possibilita uma melhor
compreensão das metas da Crusade para o subcontinente e suas estratégias para atingi-
las. Huntington, por exemplo, insere a campanha realizada em El Salvador em meio às
lutas entre a ditadura ali instituída em 1979 e a Frente Farabundo Martí de Libertação
Nacional - FMLN, organização popular armada de orientação socialista formada em
grande parte por trabalhadores rurais em luta contra a exploração da classe dominante
latifundiária. Lutas semelhantes, entretanto, foram reeditadas em outras partes da
América Central, como a Guatemala e a Nicarágua, também campos de atuação da
Crusade que, ao lado de outras organizações religiosas conservadoras, no contexto
progressivamente convulsionado da região após finais dos anos 1970, teria firmado
parcerias com o “estabilishment que controla a política externa dos EUA” 792. Vínculo
facilitado pela “ideologia, a história e uma visão de mundo coincidente”, que forjara um
“consenso estratégico” onde o maniqueísmo sobre batalhas terrenas do bem contra o mal,
central no ideário dessas organizações, foi facilmente traduzido na polarização
“capitalismo ao estilo norte-americano versus comunismo”. Assim, o conflito

792
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seminario sobre Sindicalismo, Realizado
na Sede do Jornal Hora Extra, em Volta Redonda RJ. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.86055420. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86055420/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86055420_an_01_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2021.
543

salvadorenho era descrito por membros da Crusade como “uma luta pela liberdade do
povo com democracia, contra o domínio tirânico do comunismo”.
A análise de Huntington, entretanto, não despreza a importância do envolvimento
da classe dominante local, indicando que as campanhas da Crusade em El Salvador foi
em parte paga por engarrafadores locais do refrigerante Pepsi, um dos setores mais
poderosos da burguesia daquele país. Segundo o texto, a simpatia angariada pelos
religiosos norte-americanos diante dessa classe reportar-se-ia à função de desmobilização
ideológica da população, “organizando-a em um “bloco apático”’; à ênfase em profecias
e na vontade divina sobre os fatos terrestres, assim minimizando “a responsabilidade
humana pelo violento conflito político da região”; e à sua utilidade, consciente ou não,
em neutralizar setores religiosos resistentes à política do governo Reagan para a América
Central, uma vez que a direita religiosa passara a propagandear sua versão do cristianismo
como a única neutra, atribuindo máculas ideológicas ao progressismo teológico.
A campanha “Esta é a Vida”, originada em princípios dos anos 1970 e muito
financiada por grandes capitalistas estadunidenses, é denunciada como um “ambicioso
plano político”, formulado por Bill Bright em parceria como o membro do Partido
Republicano John Conlan, unindo a ampla rede interdenominacional construída pelo
primeiro com as conexões do segundo com a direita partidária norte-americana. Por via
dela, em El Salvador e em outros países, a Crusade procurava tornar-se um movimento
de bases, convertendo os setores populacionais dominados ao seu programa e construindo
condições para uma expansão geométrica e autossustentável. Em El Salvador, por
exemplo, entre 1978 e 1980, segundo a própria Crusade, 120 mil pessoas teriam sido
recrutadas para a participação em trabalhos de evangelização porta-a-porta e em ações de
conversão em massa, como por exemplo grupos de jovens armados de megafones em
logradouros públicos. Segundo Huntington, outra participante dessa frente político-
religiosa, também dedicada às bases, seria a Assembleia de Deus, para onde afluiriam
muitos dos convertidos pela Crusade, que, conforme exposto, não se organizava como
uma Igreja, mas sim um movimento interdenominacional de apoio a diversas igrejas
evangélicas conservadoras.
Voltando ao Brasil, chama atenção a coincidência entre as atividades da
encarnação nacional da Crusade, descritas pelo SNI, e aquelas narradas pela matéria. Falo
especificamente da ênfase no trabalho de bases como eixo principal da expansão
numérica e de alcance ideológico. Outro ponto de interesse é a menção da Assembleia de
Deus como uma das principais agremiações parceiras da Crusade na América Central,
544

levando a crer que fossem dos assembleianos muitas das igrejas, segundo o SNI,
participantes das campanhas do grupo em Manaus. Lembro que a região Norte foi o berço
desta Igreja no Brasil, ali contando desde cedo com grande número de seguidores e
templos.
Em nosso país, o slogan internacional, “Já Encontrei”, batizou uma grande
campanha nos anos 1980, presente em “todos os meios de comunicação massivos da
época” (NOSSA História. CRU, [s.d.]), onde por uma semana a frase foi insistentemente
divulgada, desacompanhada de maiores explicações. Findo esse espaço de tempo, se
revelou o que havia sido encontrado: “Já encontrei uma nova vida em Jesus Cristo, você
também pode encontrá-la. Solicite seu folheto grátis”. Sob o formato de um teasing793, a
CEPC invadia o imaginário do brasileiro armada das mais modernas táticas publicitárias
norte-americanas.
Prosseguindo com suas atividades de base, cada vez mais amparadas em
avançados recursos informacionais, a organização realizou em 1985, no interior da
campanha Explo 85, “uma ação global de treinamento, onde simultaneamente cristãos de
diversas partes do mundo, incluindo 5 capitais no Brasil, foram treinados via satélite em
estratégia de evangelismo e edificação” (NOSSA História. CRU, [s.d.]). Outro grande
chamariz foi o filme Jesus, de 1979, financiado pela Crusade e pelo empresário Nelson
Bunker Hunt794, “exibido nas praças, cinemas, rádios e TV, mudando a vida de brasileiros
em todo país”.
A última informação sobre sua história brasileira, contida na página nacional da
organização, dá conta de que ela atualmente continua se valendo do folheto As 4 Leis
Espirituais, distribuído desde 1970 e com tiragem de mais de um milhão de exemplares,
para sensibilizar brasileiros a respeito da “mensagem do evangelho de Jesus Cristo”.

3.4.3 - Outros grêmios religiosos conservadores em contato com estudantes

Como visto no capítulo passado, a Igreja da Unificação esforçava-se para atrair a


atenção dos estudantes em iniciativas como o Colegiado Acadêmico para Reflexão de

793
Jargão publicitário, o teasing é uma tática propagandística que compreende a repetição de slogans sem
que se revele, a princípio, a quem e a o que eles se referem, buscando estimular a curiosidade pública, assim
ampliando o alcance de uma campanha de divulgação.
794
como visto em capítulos anteriores também envolvido com outros aparelhos impulsores da politização
conservadora do cristianismo.
545

Princípios - CARP, que segundo relatório de agosto de 1989 da Polícia Militar de São
Paulo atuava sobretudo na Universidade de São Paulo - USP, na Universidade Mackenzie,
na Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP, no Centro Universitário FMU e na
Faculdade Cásper Líbero.
Além do CARP, o mesmo relatório menciona outras organizações religiosas ativas
neste meio. Conforme a PM-SP, a Opus Dei, ala direitista da Igreja Católica, atuaria na
Escola Politécnica e no Instituto de Matemática e Estatística da USP; a Sociedade
Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade - TFP795, concentrava-se na
doutrinação de estudantes primários e secundaristas; e a organização Meninos de Deus 796
teria penetração na USP, na PUC/SP, na Fundação Armando Alvares Penteado e em
escolas públicas, divulgando sua doutrina em “panfletos e cartazes” 797. Também
imiscuídas na USP estariam a Igreja de Cristo de Boston e a Igreja Maranata, enquanto
na FMU a mais presente seria a Igreja Mórmon.

3.5 - O missionarismo entre nossos povos originários

As aldeias indígenas foram outro campo de ação do trabalho de bases de


organizações cristãs conservadoras. Com ações religiosas e filantrópicas de fundo
declaradamente aculturador, agências interdenominacionais e igrejas chegaram aos
confins do Brasil levando bíblias e, às vezes, remédios a nativos isolados.
Conforme visto, pelo menos desde os anos 1950, grande número de agências
missionárias interdenominacionais estrangeiras operam em áreas indígenas, com
destaque especial para o Instituto Linguístico de Verão, a Missão Novas Tribos do Brasil,
a Sociedade Asas de Socorro, a Missão Informadora do Brasil e a Missão Evangélica da
Amazônia. Embora menores, outras entidades do mesmo tipo também presentes eram a
Missão Bíblica da Amazônia e a Acre Gospel Mission. No seu interior circularam
evangélicos conservadores ligados sobretudo às igrejas Batista e Presbiteriana e àquelas

795
Organização fundada por católicos leigos em 1960 com declarados fins anticomunistas.
796
Representação brasileira do The Family International - TFI, movimento fundado na Califórnia em 1968
sob a nomenclatura original de Teens for Christ (Adolescentes por Cristo) e posteriormente The Children
of God (As Crianças de Deus).
797
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Seitas Junto ao Meio
Estudantil. SE14 ASP. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.89022436. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/89022436/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_89022436_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2021.
546

do ramo pentecostal. Embora frequentadas por brasileiros, um traço comum dessas


organizações é a predominância norte-americana em seus quadros dirigentes.
Já sobre o missionarismo executado diretamente por igrejas, o destaque cabe à
Assembleia de Deus. Ainda que em menor grau, porém, outras agremiações instalaram-
se junto a indígenas tão logo chegaram ao Brasil. Foi o caso da Igreja do Evangelho
Quadrangular, cujas atividades com “silvícolas” eram previstas inclusive nos estatutos de
1958. Estudo reservado do Conselho de Segurança Nacional de julho de 1961 observa
que os quadrangulares, na ocasião ainda sob o movimento Cruzada Nacional de
Evangelização, estavam desde 1959 presentes entre indígenas amazônicos798.
Se o pioneirismo pentecostal coube à Assembleia e à IEQ, a Congregação Cristã
do Brasil também marcou presença. Documento da FUNAI indica que em 1984 ela
mantinha contato não autorizado com populações Tikuna no Amazonas. Em dezembro
daquele ano, um membro da FUNAI enviado aos postos indígenas Lago do Beruri e Ilha
do Camaleão teria alertado o pastor Walter Goes de que a Congregação necessitava de
autorização para ali permanecer, ao que um dos seus auxiliares redarguiu “que antes de
os Tukuna serem índios, são filhos de Deus e esse não se preocupa com a questão de
quem é o dono da terra”799. Cortando a conversa, Goes limitou-se a dizer que já se tratava
de “índios “civilizados”’.
Já quanto às pentecostais de terceira onda, conforme a Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República, em princípios dos anos 1990 a Igreja Universal
do Reino de Deus atingiu os Guarani em Angra dos Reis – RJ, pelo seu apêndice
filantrópico, a Associação Beneficente Cristã. O contato se fez por via da doação de
alimentos e auxílio para a construção de uma “casa de oração”800 na reserva.
Ao lado das acima, várias outras organizações pentecostais menores também
aparecem na documentação, indicando a prevalência desse ramo entre as igrejas

798
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 2M.0.0.349, v.4. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0349_v_04/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0349_v_04_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
799
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio. Ações
da Funai no sentido de delimitar e demarcar as áreas indígenas : Betânia, Lago do Beruri, Macarrão,
Évare I, Évare II, São Leopoldo, Feijoal, Bom Intento, Santo Antônio, onde viviam os Tikuna. Código de
Referência: BR DFANBSB AA3.0.DTI, DTR.73. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/DTI/DTR/0073/BR_DFANBSB
_AA3_0_DTI_DTR_0073_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
800
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.CCC.98002100. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/980021122/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_980021122_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
547

evangélicas em contato com os povos originários. Suas ações causavam especial


preocupação à FUNAI.
Em outubro de 1981, técnicos da Fundação formularam um relatório sobre os
povos Guarani em Dourados - MS que traz laudo da antropóloga Silvia Regina Brogiolo
Tafuri. Trata-se de um estudo de caso sobre as desventuras do guarani Gregório Britez,
de 22 anos, trabalhador rural acusado de homicídio. Segundo Brogiolo, o conselheiro da
FUNAI Atanásio Bertolino, da etnia Terena, informara que a derrocada de Britez
começou com a conversão à Igreja Casa da Benção, ativa no “aliciamento de jovens
índios” na região, corrompidos por um certo pastor Francisco, “acusado também de
aliciamento e prostituição de índias daquela Reserva”801.
Ainda sobre a área de Dourados, papel da Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, de março de 1991, dá conta do envio da psicóloga da FUNAI
Maria Aparecida da Costa Pereira para investigar o surto de suicídios entre os povos
Guarani e Kaiowás. As entrevistas por ela realizadas apuraram um conjunto de causas,
indicadas pelos indígenas como principais fatores de desespero, como o álcool e
dificuldades econômicas. Quatro delas referiam-se à presença de missionários, a
“proliferação de seitas evangélicas dentro da AIN (área indígena)” 802, a “substituição da
religião original por outras”, o “feitiço” e a “falta de benzedores”. Concluía a psicóloga,
portanto, que os indígenas “apresentam uma existência transpassada por múltiplas
rupturas nos níveis pessoal, familiar e cultural”, pressionados por fatores de ordem tanto
econômica, como a necessidade de abandonar suas terras para trabalhar como boias-frias,
como social, uma vez que seu modo de vida e identidade eram dilacerados pela sociedade
branca ao redor. No que diz respeito à aculturação religiosa, Pereira denunciava que
inúmeras igrejas vinham “interferindo de modo abrupto na organização socio-cultural”
dos indígenas, “com a conivência da FUNAI”, mencionando especificamente a proibição,
pelas pentecostais, da participação em rituais tradicionais, como os cantos “porahei”, do

801
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio.
Encaminhamento de dados, ocorrências nas Delegacias e Postos Indígenas para ASI em resposta à
solicitação ou com objetivo de disseminar informação. Código de Referência: BR DFANBSB
AA3.0.DAI.84. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/DAI/0084/BR_DFANBSB_AA
3_0_DAI_0084_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
802
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DF ANBSB H4,MIC GNC.III.910009447. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/910009447/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_910009447_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
548

consumo da bebida fermentada chicha, da prática de esportes, e a obrigação do corte de


cabelo “rente à cabeça”.
Em maio de 1991, preocupada com a escalada de suicídios entre os Kaiowá, que
somaram 59 no ano anterior, a FUNAI volta a enviar técnicos. Em relatório, estes
apontam como a raiz do problema “a falta de terras, condicionante da grave situação
econômica vivida pela comunidade e a consequente falta de perspectiva de futuro para o
jovem Kayowá, somada a interferência, na cultura indígena, das várias igrejas presentes
na área”. Entre estas, sobressaem a Presbiteriana e as pentecostais Deus é Amor,
Evangélica Betel, Deus é Verdade, Casa da Benção, Igreja do Evangelho Quadrangular.
Quatro anos depois, persistia o problema, não tendo mudado também o
diagnóstico da FUNAI, conforme o relatório Suicídio Indígena no Mato Grosso do Sul,
de novembro de 1995. Ali era sublinhado o “pronunciado caráter extático” dos cultos
pentecostais que, em seu “forte apelo emocional”803, poderia “provocar certa perturbação
nos índios que deles participam”, informando-se dispor de “indicadores isolados que
sugerem uma maior incidência do suicídio entre os participantes dos cultos pentecostais”,
ainda que faltassem bases para tomá-los como a causa principal dos suicídios. O
documento permite entrever, também, o feitio autossustentável da infiltração pentecostal,
que “depende primordialmente da aceitação dos índios de sua presença na aldeia, já que
essas denominações não costumam requisitar autorização da FUNAI para sua entrada”,
procurando “realizar sua reprodução através dos próprios índios, que constroem casas
para os cultos e tornam-se, como os Terena, prosélitos da nova fé junto aos Kaiowá e
Ñandéva”.
Apesar da preeminência pentecostal, os batistas são outro importante grupo
envolvido no missionarismo indígena. A Confraternidade Batista Mundial do Brasil,
dedicada apenas ao ensino religioso, sem ações de cunho assistencialista, financiada por
“Igrejas Batistas dos Estados Unidos”804 e sediada em Manaus - AM, atuava em finais
dos anos 1970 nos municípios amazonenses de Novo Airão, Barcelos e Ilha Grande. A

803
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio.
Programa Guarani/MS - Vol. I. Código de Referência: BR DFANBSB AA3.0.DTI, DCI.42. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/DTI/DCI/0042/BR_DFANBSB_
AA3_0_DTI_DCI_0042_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
804
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
549

denominação também se via representada junto aos povos originários pela Sociedade
Evangelizadora Baptist Mid-Missions, pela Missão Batista Conservadora do Brasil e pela
Associação dos Batistas para o Evangelismo Mundial.
Segundo a documentação, outras igrejas também em contato com indígenas são a
Igreja Wesleyana dos Estados Unidos, por via da Missão dos Wesleyanos do Brasil, e a
Pilgrim Holiness Church of New York, aqui representada pelas missões da Igreja de
Peregrinos.

3.5.1 – A Igreja Assembleia de Deus

A Assembleia de Deus é uma das igrejas evangélicas como maior penetração em


comunidades indígenas, desde pelo menos 1960 desenvolvendo de Norte a Sul do país
trabalhos essencialmente religiosos. Fato que põe em xeque os argumentos apresentados
pelo Estado brasileiro no capítulo passado, segundo os quais a presença de religiosos
junto a esses povos seria necessária para a prestação de serviços básicos, como auxílio
médico, que o governo tinha dificuldade em fornecer. Também se destaca na
documentação uma estratégia regular de arregimentação de nativos para a formação dos
quadros locais da igreja, que assim pretendia se enraizar como um movimento de base.
O primeiro registro da presença da Assembleia de Deus entre indígenas
encontrado por esta pesquisa data de março de 1975, quando o padre Egydio Schwade
enviou ao presidente da FUNAI, o general Ismart Araújo de Oliveira, relatório sobre suas
viagens a áreas indígenas na região Sul sob os auspícios do Conselho Indigenista
Missionário - CIMI. O padre traçava um panorama da condição atual de algumas
populações nativas, pretendendo levar ao conhecimento do governo as irregularidades
que observara. Conforme Schwade, o povo Xokleng, habitando o posto da FUNAI em
Ibirama - SC, até 1954 virtualmente isolado, teria abandonado quase que completamente
sua “cultura original”805, “devido, entre outros motivos, à atuação da Assembléia de
Deus”. De fato, em outro documento de 1976806, a FUNAI confirma a existência de uma

805
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio.
Conselho Indigenista Missionário - CIMI. Código de Referência: BR DFANBSB AA3.0.MRL.2.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/MRL/0002/BR_DFANBSB_AA
3_0_MRL_0002_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
806
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Questão Indigena: Resoluções
Recomendações Emanadas de Eventos sobre Comunidades Indigenas e Ecossistemas da Amazonia que
550

missão permanente da Assembleia junto aos Xokleg, próxima a outra da pequena Igreja
Pentecostal Filadélfia.
Mas o missionarismo indígena assembleiano no Sul não se restringia ao estado de
Santa Catarina. No ano seguinte, o SNI nota a presença de uma missão dessa Igreja no
município gaúcho de Tenente Portela, área de muitos conflitos entre indígenas e
posseiros, não tendo o Serviço, entretanto, dados sobre o posicionamento da Assembleia
nesses atritos807. Além de Tenente Portela, onde era comandada por Severo Pereira dos
Santos, em outro documento o SNI informa que a Igreja estava também no município de
Miraguaí, capitaneada por Cirilo da Costa, mantendo nas duas localidades seis capelas
“dentro das áreas indígenas”808 e “destinadas exclusivamente à formação espiritual dos
índios”. Quanto à tática de infiltração assembleiana, dizia o documento que membros da
própria comunidade eram ordenados “diáconos” pelas lideranças da Igreja que, assim
estabelecendo bases nas aldeias, “somente as visitam por ocasião de grandes
solenidades”.
Também aos indígenas mato-grossenses a Assembleia chegava. Em julho de 1981
a agência regional do SNI fez um levantamento em postos da Funai com o fim de “detectar
a atuação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI); da Comissão Pastoral da Terra
(CPT); e verificar a origem de problemas fundiários”809. Como vimos no capítulo
passado, tanto o CIMI como a CPT eram vistos com antipatia pelo Estado brasileiro por
contestarem a política indigenista oficial e protegerem de maneira tida como excessiva a
posse da terra indígena. De maneira contrastante, o SNI do Mato Grosso não tecia
nenhuma crítica sobre a Assembleia de Deus, cuja presença era registrada no posto Buriti
ao lado da também pentecostal Congregação Cristã do Brasil e da Igreja Evangélica da

Possam Afetar a Politica Indigenista Brasileira. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,


GNC.AAA.86054030. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86054030/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86054030_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
807
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Areas de Tensão no Rio Grande do Sul,
Suscetiveis de Exploração por Agitadores. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.GGG.79000090. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/79000090/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_79000090_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
808
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Entidades de Proteção ao Indio. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.80001664. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/80001664/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_80001664_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
809
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Levantamento Realizado sobre as
Comunidades Indigenas de Mato Grosso do Sul. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.MMM.81001469. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/MMM/81001469/BR_D
FANBSB_V8_MIC_GNC_MMM_81001469_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
551

América do Sul. Limitava-se o documento a anotar que ali não fora “detectada a presença
de elementos do CIMI, da CPT, e nem de políticos”. Cravado no município de
Sidrolândia, o posto era habitado por 1.156 pessoas da etnia Terena.
Em setembro de 1987, o Instituto de Planejamento Econômico e Social - IPEA,
junto com outros órgãos, formulou um Plano de Proteção do Meio Ambiente e das
Comunidades Indígenas - PMACI com algumas informações sobre o estado dos povos
originários na Amazônia. Por via dele sabemos que pelo menos desde esse momento, ao
lado do Instituto Linguístico de Verão e da Missão Novas Tribos do Brasil, a Assembleia
de Deus mantinha uma missão entre os ameríndios Deni, no município de Itamarati - AM.
Havendo posseiros ameaçando as terras indígenas, desta vez a presença do CIMI era
também confirmada810.
Em meados de 1988, indagado pelo diretor da Administração Regional de Boa
Vista - RR da FUNAI, Raimundo Nonato da Silva, sobre as áreas de atuação da Igreja no
estado e as atividades desenvolvidas, o presidente da Assembleia em Roraima, Fernando
Granjeiro de Menezes, informou que a Igreja se fixara junto a indígenas em 12 diferentes
localidades do estado. Revelando a repetição do mesmo padrão de enraizamento local
descrito para o Rio Grande do Sul, três dos oito religiosos atuantes nessas missões eram
indígenas. Trata-se de dois pastores e um evangelista das etnias Macuxi e Wapixana. Já
sobre os trabalhos levados a cabo pela Igreja, novamente não se mencionava nenhum de
cunho assistencial. Segundo letra do presidente assembleiano, eles consistiam em
evangelismo pessoal com visitas às casas dos indígenas; cultos públicos e orações,
alegadamente solicitados pelos próprios; reuniões de oração; batismos em águas; e
cerimônias fúnebres. O documento figura num dossiê da Assessoria de Segurança e
Informações da FUNAI que contém, ainda, material sobre a presença da Assembleia no
estado do Amazonas, onde atuaria junto aos Tikuna na margem direita do rio Solimões811.
O estado amazônico do Pará, berço brasileiro da Assembleia, evidentemente
também contava com missões indígenas. É o que conta papel do Estado Maior das Forças

810
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de Referência BR
DFANBSB 2M.0.0.303,v.4 d0001de0001. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_2m/0/0/0303_v_04/br_dfanbsb_2m_0_0_03
03_v_04_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
811
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio.
Missões/Missionários - Volume II. Código de Referência: BR DFANBSB AA3.0.MRL.20. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/MRL/0020/BR_DFANBSB_AA
3_0_MRL_0020_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021
552

Armadas de julho de 1989, narrando que a Igreja estaria instalada com nativos em
municípios como Almeirim812.
Apesar do sucesso em se fixar como um movimento de bases em muitos povoados,
a Igreja não deixou de encontrar resistência. Em 1991, por exemplo, indígenas das etnia
Javaé denunciaram à FUNAI a presença ilegal de religiosos na aldeia Canoanã, na Ilha
do Bananal em Tocantins. Preocupada com a possibilidade de que se repetissem ali casos
de suicídios coletivos, a Fundação enviou uma antropóloga. Conforme apurado, as
missões na ilha haviam iniciado fazia mais ou menos oito meses, envolvendo as
pentecostais Congregação Cristã do Brasil e a Assembleia de Deus, estando esta última
inclusive em processo de entrada em outras aldeias do estado. De acordo com a
antropóloga, a Congregação chegara a levantar um templo na localidade, pouco
frequentado, em virtude da “resistência de vários membros daquela comunidade em
conceder livre trânsito aos pastores não índios e seus cooperadores”813. Não muito
distante, em Barreira do Pequi, uma igreja em construção fora destruída pelos nativos.
Destacando os problemas sociais, culturais e econômicos trazidos pelas missões, a
profissional concluía que os Javaé, porém, vinham “tentando resistir à nova cultura que
lhes está sendo imposta, em uma tentativa de manter a sua cultura religiosa e resguardar
a sua identidade cultural”. Entre os interditos forçados pelos religiosos, proibia-se a
participação em festas, inclusive as tradicionais, e o casamento com pessoas não
convertidas à Igreja.
Mas se os técnicos da FUNAI não mantiveram um olhar acrítico sobre as ações
da Assembleia, outras porções do Estado restrito permaneceram nos anos 1990 alinhadas
com o modelo proposto pelas missões evangélicas em oposição ao que pretendiam, por
exemplo, os católicos reunidos no CIMI. O fato, já visto no capítulo 8, no que diz respeito
à Assembleia de Deus transparece nas palavras do governador de Roraima, Ottomar de
Sousa Pinto, ditas no interior da Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Câmara
dos Deputados daquele estado em 1991 para averiguar aeroportos clandestinos e a ação
de missões estrangeiras em áreas de garimpo. Comentando a mobilização de indígenas

812
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 2M.0.0.273, v.1. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0273_v_01/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0273_v_01_d0002de0063.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
813
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNR.RRR.910013998. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/910013998/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_rrr_910013998_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
553

contra garimpeiros e fazendeiros estimulada por missionários, o governador elogiava


igrejas evangélicas, em particular a Assembleia de Deus, que estariam “mais preocupadas
com a pastoral evangélica do que com a pastoral contestatória, a pastoral política” 814.

3.5.2 – O Instituto Linguístico de Verão (Summer Institute of Linguistics)

Conforme relatado por David Witner, chefe do escritório de relações


governamentais do Instituto Linguístico de Verão, em visita815 à embaixada brasileira em
Washington em janeiro de 1982, naquele momento o órgão agia entre 44 grupos indígenas
brasileiros, com cerca de 150 missionários, conveniado com diversos órgãos estatais,
como a Universidade de Campinas – UNICAMP816. Constante no mesmo dossiê,
informação de julho de 1978 da Divisão de Segurança e Informações do Ministério das
Relações Exteriores reportava que todos os seus representantes no país eram estrangeiros,
situação que se repetia no Peru, Colômbia, Equador e Guatemala. Entre eles, em número
de 176, 113 eram norte-americanos e 63 de outras proveniências.
Conveniado com outros órgãos governamentais, a interrupção do acordo com a
FUNAI não afetou em muito as atividades do SIL, segundo relatório do Ministério do
Interior que o investigava, também incluso no dossiê que contém o papel da embaixada,
acumulado pela Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações
Exteriores. Esclarecia o MINTER que “o SIL, mesmo estando proibido de exercer
atividades junto às comunidades indígenas - mas atuando junto às Universidade e outras
entidades - tem, nos convênio assinados, uma forma de burlar aquela proibição e manter-
se coberto pela lei” (SIC).
Também no mesmo dossiê, matéria do Jornal do Brasil, de 20 de dezembro de
1981, traz denúncias da antropóloga Denise Maldi Meireles sobre a destruição cultural
dos povos Karitianas, entre os quais o SIL estava desde 1972. Prestes a enviar suas

814
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 2M.0.0.340, v.2. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0340_v_02/BR_DFANBSB_2
M_0_0_0340_v_02_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
815
O encontro pretendia dar prosseguimento a negociações para a renovação do convênio da organização
com a FUNAI, interrompido em 1977.
816
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Summer Institute of Linguistics. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.ENI.210. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0210/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0210_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.
554

conclusões à FUNAI, a antropóloga refletia sobre a rígida influência ideológica do SIL


junto à etnia, para ela maior inclusive do que a da própria FUNAI. Não raro, a
interferência causaria mesmo a renúncia da identidade indígena, levando muitos a
afirmar: “eu agora não sou mais índio, eu sou crente”. Durante sua visita, em quatro de
dezembro de 1981, Meireles dizia ter testemunhado um culto evangélico, na casa do líder
Karitiana, com a leitura da Bíblia no idioma indígena e a explicação dos textos por dois
pastores, ambos nativos. Em seguida, uma oração coletiva, com êxtases e cantorias em
português, “cujas letras reafirmavam seu credo em Jesus Cristo e sua determinação de
seguir os preceitos religiosas da Igreja que eles chamam de crente”. Conforme apurado
pela antropóloga, o culto se repetia sem falta aos sábados ou domingos. Outros sintomas
de doutrinação destacados seriam a disseminação de artefatos ideológicos referentes ao
universo religioso conservador norte-americano, como a crença de que os sofrimentos da
vida precisam ser enfrentados com passividade, uma vez que recompensas esperariam no
pós-morte; a noção de céu e inferno; de punição e premiação pelos atos praticados; e o
hábito de rezar antes de todas as refeições, levando muitos a agradecerem com fervor
“tudo o que recebem, até um simples biscoito”. Nessa descaracterização cultural, teria
função básica a intervenção linguística, foco da ação do SIL, sustentando a antropóloga
que, longe de inofensiva, a introdução de línguas estranhas configura-se como poderoso
instrumento de dominação étnica nas mãos dos missionários. Sendo então a educação
bilíngue tema de frequentes discussões entre missionários, antropólogos e indigenistas,
que passavam a questionar a sua utilidade como meio de preservação das culturas,
concluía-se que o que o SIL fazia não se tratava, de fato, de um trabalho de alfabetização,
uma vez que os indígenas não seriam analfabetos, e sim ágrafos. Assim, no momento em
que uma grafia é inserida no universo cultural nativo, se possibilitaria a produção de uma
literatura com usos imprevisíveis, capaz inclusive de se tornar “uma ferramenta
ideológica”. Era o que a antropóloga acreditava estar acontecendo com os Karitianas,
cujas tradições eram erodidas pela doutrinação religiosa e a manipulação de textos,
mostrando-se muitos deles, como resultado, “reticentes sobre suas crenças, mitos e
lendas”.
Em outro dossiê, carta de dezembro de 1989 do assessor da direção do SIL, James
Lee Walker, ao general Ivan de Souza Mendes, chefe do SNI, pleiteava a permanência
dos missionários no país por “um prazo de 10 a 15 anos”817, a fim de completarem seus

817
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação do Summer Institute of Linguistics,
SIL. SE143 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.90073621. Disponível em:
555

trabalhos. Explicitando as metas aculturadoras da organização, é dito que o SIL se


esforçava por retirar os indígenas do isolamento linguístico, dotando-lhes de “condições
de se comunicarem com os povos que os rodeiam”. Integração que não se daria apenas
no plano da fala, mas também no das atividades produtivas, pois se esforçavam os
missionários em transferir “qualquer talento ou conhecimento útil”, disso decorrendo que
muitos indígenas “agora tem suas próprias lojas, empresas, etc.” (SIC). Inclusão que era
também religiosa, sendo que a “meta básica do Instituto é traduzir e publicar o Novo
Testamento da Bíblia Sagrada em cada língua alcançada, tornando este livro de inegável
valor moral e cívico acessível a todo grupo linguístico”.

3.5.3 – A Missão Novas Tribos do Brasil (New Tribes Mission)

Segundo informações818 apuradas em agosto de 1980 pelo embaixador Luiz Felipe


Lampreia, da embaixada brasileira em Washington, a New Tribes Mission inicia suas
funções internacionais no ano de sua fundação, 1942, lidando com indígenas da etnia
Ayore na Bolívia. Contato a princípio difícil, uma vez que em 1944 cinco missionários
foram mortos. Em contínua expansão e presidida por Kenneth J. Johnston, em 1980 a
organização teria quase o dobro dos 701 membros declarados em 1973.
O relatório conta as diligências de Lampreia para apurar a reputação da New
Tribes Mission em terras norte-americanas, talvez preocupado com as muitas denúncias
que a organização recebia no Brasil e em outras partes do mundo. O diplomata, no
entanto, não conseguiu formar uma ideia clara, posto que seus contatos “ou evitaram
qualquer apreciação sobre suas atividades ou comentaram que a entidade possuía boa
reputação e desenvolveria trabalho responsável de evangelização”. O brasileiro,
entretanto, também não deixou de registrar que o American Council of Voluntary
Agencies for Foreign Service, associação novaiorquina dedicada a formular relatórios
sobre agências norte-americanas com programas de desenvolvimento em países pobres,

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/90073621/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_90073621_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2021.
818
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
556

admitiu informalmente que a New Tribes Mission “seria um grupo bastante


controvertido”.
O documento está em amplo dossiê da Divisão de Segurança e Informações do
Ministério das Relações Exteriores que traz outro papel, de julho de 1980, revelando que
as atividades da New Tribes Mission no Brasil foram iniciadas em 1946, permanecendo
a organização sem autorização para operar junto a indígenas até 1972, ano que em fez a
primeira solicitação de convênio com a FUNAI. No mesmo dossiê, outro escrito relata
que o Congresso venezuelano abrira em 1979 uma Comissão Parlamentar de Inquérito
para investigar denúncias sobre a sua penetração ilegal através da fronteira brasileira,
também na década de 1940, hipótese que a comunidade de informações da ditadura
julgava plausível, apesar de inconclusiva. Além desta denúncia, outras preocupavam o
governo venezuelano, como a de etnocídio e conluio com empresas. Conforme noticiou
o Correio Brasiliense em oito de fevereiro de 1980, em matéria também anexa ao dossiê,
o capitão Antonio Marinho Blanco, adido militar venezuelano no Equador, dissera que
uma das metas dos missionários seria “avaliar e controlar, para as multinacionais as
jazidas estratégicas da Venezuela”. Uma delas seria a General Dynamics 819, que enviaria
da Califórnia dinheiro e pilotos para a New Tribes Mission.
Também conforme a embaixada brasileira em Washington, os critérios para a
escolha dos locais de intervenção da Missão Novas Tribos do Brasil levavam em conta
“a identificação de tribos que ainda não estejam, ou que estejam apenas em caráter
limitado, recebendo assistência missionária e evangélica”820. Entre os povos isolados
atingidos estavam os Xiriana, “que tiveram pouco contato com os não índios antes da
chegada dos missionários”821 em 1960, o mesmo ocorrendo com os Xamathali, intocados
antes de 1966. A preferência por povos isolados é destacada também pelo Centro de
Informações da Polícia Federal em documento de setembro de 1991 que traz mais dados
sobre as atividades desenvolvidas entre eles, afirmando que a entidade atuaria “no que

819
Trata-se de um grande conglomerado de empresas aeroespaciais e bélicas norte-americanas.
820
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
821
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075798/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
557

diz respeito à assistência médica, educação, no aprendizado bilingue e na agricultura”822


com uma maioria de missionários norte-americanos. De fato, em documento de julho de
1980, o Ministério das Relações Exteriores escreveu que a MNTB mantinha 275
missionários, dos quais apenas setenta eram brasileiros, sendo os outros duzentos quase
todos norte-americanos823.
Para tanto, a MNTB dispunha “de meios materiais, pessoal com qualificação
profissional e grande apoio financeiro, notadamente de fonte exterior” 824. Sua vasta
estrutura no Brasil contava, por exemplo, com as escolas de formação de missionários,
Instituto Missionário e Linguístico Shekinah, fundado no Mato Grosso em 1968; Instituto
Bíblico Peniel, aberto em 1956 em Jacutinga, Minas Gerais; e o Instituto Linguístico
Ebenezer, em Vianópolis, Goiás, desde 1973 cuidando dos treinamentos linguísticos dos
missionários.
Todas essas organizações continuam em funcionamento, trazendo mais
informações a página da internet do Shekinah, transferido para Vianópolis em 2012. Ali,
seu contraditório objetivo manifesto é o preparo de pregadores que serão “luz para aqueles
que ainda vagueiam nas trevas, respeitando o modo de viver desses povos, suas crenças,
sua língua” (NOSSA História. Centro de Treinamento Missionário Shekinah, [s.d.]).
Conforme escrito de junho de 1975 da Assessoria de Segurança e Informações da FUNAI,
o Instituto treinava “para a catequese de índios da Amazônia” 825 “jovens de todas as
igrejas do Brasil”. Para isso valia-se de um quartel general de 150 hectares em Rio
Brilhante, Mato Grosso, terra doada pelo paulistano Antônio Barbosa Reis, sobre o qual
o documento não traz maiores informações. O curso dividia-se em três etapas, sendo

822
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075798/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
823
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
824
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075798/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
825
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional do Índio.
Informações relativas às atividades do CIMI, Missão Evangélica da Amazônia, Missão Anchieta, Instituto
Missionário e Linguístico Shekinah e Província Carmelitana de Santo Elias. Código de Referência: BR
DFANBSB AA3.0.DAI.18. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/DAI/0018/BR_DFANBSB_AA
3_0_DAI_0018_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
558

apenas a segunda, com duração de um ano, realizada em Rio Brilhante. Na primeira, o


futuro missionário era enviado para a escola missionária interdenominacional Instituto
Bíblico Peniel826, onde passaria três anos sendo “inteirado do seu futuro papel na
Amazônia e recebe ensinamentos bíblicos e teóricos das situações que poderão encontrar
no futuro”. Já a terceira e última fase ocorreria no Instituto Linguístico Ebenezer, onde o
treinamento em línguas passou a ocorrer desde 1973, ainda conforme a página da
Shekinah. Ainda de acordo com a ASI da FUNAI, no Ebenezer são ministradas aulas
sobre “Cultura e civilização básica dos povos” e “Cultura indígena e como aprender uma
cultura indígena”, tudo com o propósito de “compreender a civilização da futura tribo a
catequisar e, também, com o intuito final de transformar a sua linguagem para a escrita e
traduzir a Bíblia neste novo dialeto”.
A impressionante estrutura mantida pela MNTB encontrava paralelo em outras
partes do mundo. Conforme a embaixada brasileira em Washington, na década de 1980 a
New Tribes Mission possuía sete centros de treinamento nos Estados Unidos e um número
menor em outros países, como o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia. A organização
sustentava, ainda, uma emissora de rádio no estado de Wisconsin, a Call of the Tribes
Radio Broadcast; um Centro Médico Missionário e outro de Pesquisas e Planejamento,
ambos no Missouri; uma biblioteca pública; e as publicações Brown Gold, Field Papers,
The Amazon Challenge e The Southern Cross, estas duas últimas tratando
“especificamente de trabalhos de catequese no Brasil” 827, além de discos e livros de
Teologia. Mantinha, também, escritório em Belfast, Irlanda do Norte, e centros de
treinamento de nacionais nas Filipinas, a exemplo do que fazia no Brasil. Alcançava a
NTM, naquele momento, mais de cem aldeias na Bolívia, Brasil, Colômbia, Índia,
Indonésia, Panamá, Papua Nova Guiné, Paraguai, Filipinas, Senegal, Tailândia e
Venezuela. A dispendiosa estrutura era bancada “com doações de igrejas, de organizações
privadas e de indivíduos particulares”, tendo o seu orçamento em 1973 atingido a marca
de mais de dois milhões de dólares e perto de quatro milhões em 1976, soma quase
inteiramente “gasta com missões no exterior”.

826
Conforme a página oficial do Shekinah, o Peniel foi o “primeiro instituto bíblico fundado no Brasil com
a finalidade específica de preparar teologicamente missionários para evangelizar os povos transculturais
menos alcançados” (NOSSOS Ministérios, [s.d.]).
827
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
559

Quanto aos métodos empregados, é esclarecedor documento de janeiro de 1978


da Agência Central do SNI, incluído no mesmo dossiê que contém as informações do
parágrafo anterior. É dito que o trabalho missionário se valia de “cartilhas simples,
adaptadas ao meio, livros de leitura, histórias e trechos do Novo Testamento na língua
materna”, estimulando também a formação de monitores bilingues e a edição de jornais
escritos pelos próprios indígenas. O papel traz outros exemplos da ação aculturadora da
MNTB, descritos de maneira acrítica: “percebe-se que a aceitação dos ensinamentos da
Missão tem contribuído para uma sólida agregação, mesmo em grupos não agregados em
termos de moradia”. Já entre os povos que tradicionalmente dividiam o mesmo teto,
notava-se a mudança no feitio dessas casas. Ali, o “costume tradicional de se viver em
uma só habitação comunal está sendo deixado pela maioria dos grupos indígenas dando-
se preferência às habitações menores”, acrescentava o SNI apenas que “Isto ocorre
espontaneamente, conforme a aculturação permite”. Inequívoco, também, é o incentivo
ao abandono das técnicas de construção tradicionais em favor de métodos europeus, como
a “confecção de janelas e portas” e a “fabricação de bancos, mesas, etc.”.

3.5.4 - A Sociedade Asas de Socorro (Mission Aviation Fellowship)

Vista no capítulo 8, a SAS é uma organização interdenominacional de apoio ao


missionarismo estrangeiro fundada na Califórnia em 1944 e cujo objetivo expresso,
segundo a embaixada brasileira em Washington, é o “uso da tecnologia”828 no serviço de
sua função religiosa. Equipada com 120 aeronaves em 1978, mantinha “mais de trezentas
famílias de missionários”, apoiando “150 grupos religiosos norte-americanos que atuam
no exterior”. Chegavam eles ao México, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Equador,
Colômbia, Suriname, Venezuela, Camarões, Quênia, República Centro-Africana,
Tanzânia, Zaire, Zimbábue, Indonésia, Austrália, Chade, Malásia, Papua Nova Guiné e
Sudão. Sua receita, de quase oito milhões de dólares em 1978, provinha sobretudo de
doações particulares, seguidas de rendas auferidas em voos, doações de igrejas e outras

828
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
560

organizações e fundações, além de empréstimos. Em meados dos anos 1970, a embaixada


assinalava a grande escalada nesse orçamento, que subira de pouco mais de um milhão
de dólares em 1971-72 para quase seis milhões no ano fiscal de 1976-77. Outro ponto
sublinhado era o compromisso, firmado em publicações oficiais, de “cooperar com as
autoridades” e evitar “comentários que possam ser vistos como críticas ao governo ou a
suas agências”.
No Brasil, a entidade travava parcerias, além da Missão Novas Tribos do Brasil,
com a Acre Gospel Mission, a Baptist Mid-Missions, a Igreja Presbiteriana do Brasil, a
Independent Baptist Mission, a Mennonite Mission, a Igreja Presbiteriana dos Estados
Unidos e a Unevangelized Fields Mission. Para atendê-las, na década de 1980 tinha bases
aéreas em Anápolis - GO, Araguacema - GO, Boa Vista - RR, Eirupené - AM e Manaus
- AM, além de nove imóveis, oito aeronaves, a maioria monomotores Cessna 206, quatro
oficinas, em Boa Vista - RR, Eirupené - AM, Anápolis - GO e Araguacema - GO, e uma
escola de aviação em Anápolis. Conforme folheto distribuído pela organização no mesmo
período, suas principais atividades seriam o transporte aéreo de doentes, médicos,
dentistas, professores bíblicos, víveres e “missionários e evangelistas em viagens
itinerantes de pregação do evangelho”829; prestar serviços de manutenção de aviões a
outras missões evangélicas; oferecer tratamento médico e dentário em clínicas itinerantes;
fornecer noções de higiene e prevenção de doenças; e, através de uma rede de rádios
licenciada pelo governo, coordenar as suas rotas de voo e transmitir mensagens de
emergência. No mesmo dossiê, o estatuto da SAS revela inclinações fundamentalistas ao
trazer uma “declaração de fé” postulante da inspiração divina e infalibilidade das
escrituras e da criação do homem na imagem e semelhança de Deus.

3.5.5 - A Missão Evangélica da Amazônia - MEVA

Nas palavras da Polícia Federal, a MEVA é um dos mais antigos órgãos


missionários no Brasil, iniciando contatos com indígenas Macuxi em Roraima em 1944.
Fundada por William Neil Hawkins, antes de adquirir a denominação atual em 1970, a

829
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Sociedade Asas de Socorro.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86054790. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/86054790/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86054790_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
561

organização chamou-se Missão Cruzada de Evangelização Mundial e Missão Cristã


Evangélica do Brasil. Com metas semelhantes às organizações missionárias acima, a
MEVA esforça-se para inocular sua acepção religiosa nas bases das sociedades indígenas,
conforme explicitado em sua página oficial, onde consta que ela “visa estabelecer igrejas
indígenas autóctones que se auto multipliquem” (NOSSA História. MEVA - Missão
Evangélica da Amazônia, 2018).
De 1970 a 1982 e em 1988, a organização firmou convênios com a FUNAI
prevendo a realização de trabalhos médicos, educacionais, religiosos e linguísticos. Além
de ações assistencialistas, a MEVA estava autorizada a realizar intervenções
declaradamente dedicadas à transformação da cultura dos povo originários, como a
alfabetização “na língua nacional” e a tradução da bíblia para idiomas indígenas, tal como
fazia o Instituto Linguístico de Verão, ação rotulada pela Polícia Federal como assistência
“comunitária”830. Também de maneira acrítica, o SNI relatava em papel de 1978 alguns
dos trabalhos da MEVA, como auxílios de saúde e educação, ao lado de outros de
pronunciado cunho aculturador, como a “Instrução Cívica e Moral, a conscientização de
que o indígena “é uma parte da comunhão nacional”’831, “noções de sua posição
geográfica política dentro do Brasil” e o ensinamento dos “padrões da ética cristã, visando
o desenvolvimento moral e espiritual”. Ações nem sempre em benefício da inserção
indígena na sociedade branca brasileira, uma vez que os membros da etnia Wai-Wai, por
exemplo, como decorrência do contato prolongado com os missionários, “só se
expressam na sua língua nativa e em inglês”. O documento revela ainda a remoção dessa
etnia de seu local de origem, no Rio Novo, afluente do rio Anauá em Roraima, aldeada
pela MEVA junto a outro grupo, os Waimiri-Atroaris.
A exemplo da MNTB, a MEVA era cliente contumaz do serviço aéreo da
Sociedade Asas do Socorro.

3.5.6 – A Missão Informadora do Brasil - MIB

830
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075798/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
831
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/BR_DFANBSB_Z4
_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021.
562

Sediada em São Paulo pelo menos desde princípios da década de 1970, a MIB
entrou no radar do SNI em maio de 1977, quando convidou o presidente de fato Ernesto
Geisel para um evento em Serra Negra - SP reunindo “300 líderes missionários”832. A
conferência teve falas do psicólogo evangélico Jay Adams, fundamentalista pai da técnica
de psicoterapia religiosa conhecida como nouthetic counseling, que, repelindo as ciências
laicas psicológicas e psiquiátricas, propõe a Bíblia como fundamento para o tratamento
de problemas mentais; e do pastor batista Mark Corts, adepto da Teologia do Domínio
que tem em seu nome obras como The Truth about Spiritual Warfare: Your Place in the
Battle Between God and Satan (A Verdade sobre a Guerra Espiritual: o seu lugar na
batalha entre Deus e Satã).
Os objetivos declarados da MIB seriam “prestar serviços, sem fins lucrativos, às
missões evangélicas em geral, aos pastores e missionários evangélicos, bem como às
instituições e igrejas evangélicas no Brasil”. Expressando claramente alianças com
setores religiosos fundamentalistas, os seus estatutos de 1972 vedavam a adesão daqueles
que não subscrevessem uma série de preceitos, como a leitura literal da Bíblia, devendo
seus membros aceitar a “plena e divina inspiração das Escrituras, sua infalibilidade, sua
única e final autoridade em assuntos de fé e prática”. O quadro de dirigentes no Brasil,
constituído de 15 religiosos, tinha sete estrangeiros, dos quais quatro eram norte-
americanos, “Carlos” Taylor; “Paulo” Overholt, Edgar Hallock e “Richardo” Sturz; dois
canadenses, “Reginaldo” Hoover e Eunice Johnson; e um inglês, David Glass. O controle
estrangeiro se manteria na década seguinte, mostrando os estatutos registrados em junho
de 1984 que, na época, presidia a organização um certo Alan Gary Gordon.
Um ano depois, Richard Sturz escreve em nome da MIB para o Ministério das
Relações Exteriores solicitando visto temporário, devidamente concedido, para o coreano
David Dong Jin Cho participar de sua Conferência Anual, que ocorreria em São Paulo,
“com a participação de missionários de todo o mundo evangélico”833. Pastor presbiteriano
e líder missionário, durante a conversão comunista da Coreia Norte, Cho fugira em

832
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Missão Informadora do Brasil. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.81005593. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/81005593/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_81005593_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2021.
833
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.
Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES, VIS.289. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/VIS/0289/BR_DFANBS
B_Z4_DPN_PES_VIS_0289_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2021.
563

direção ao Sul, onde trabalhou em órgãos missionários e na organização de visitas do


pastor fundamentalista Billy Graham a seu país, passando nos anos subsequentes por
inúmeras organizações de ensino teológico nos Estados Unidos. Além da Conferência
Anual, Sturz dá conta de que a MIB tinha o hábito de realizar regulares encontros com
“Executivos de Missões brasileiras e estrangeiras”. Em ata de reunião realizada pela MIB
em março de 1985, depositada no mesmo dossiê da DSI do MRE que traz a sua carta, é
registrado que a organização fazia planos para abrir conferências também para líderes
brasileiros, ao que o dirigente James Kemp observou que outra organização, a SEPAL 834,
já o fazia com eficiência, ficando combinado, assim, que Kemp estudaria “meios de
promover esse trabalho de forma que complemente a ação da referida Missão”.

3.5.7 – A Visão Mundial (World Vision)

Para Delcio Monteiro de Lima (1991, p. 131-136) a Visão Mundial faria incursões
ideológicas em nosso país desde princípios da década de 1960, pregando o
anticomunismo especialmente em parceria com pentecostais na região Nordeste. Papel
datado de 1993 encontrado nos arquivos da Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, entretanto, indica o ano de 1950 835 como marco inicial de suas
operações, embora a Visão Mundial do Brasil apenas fosse formalizada em 1975.
A afirmação de Lima encontra respaldo no que vimos na Parte II, onde a World
Vision aparece como uma das primeiras associações religiosas expulsas do Laos e do
Vietnã, suspeita de cooperação com a CIA. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, no
entanto, pelo menos no que diz respeito ao Brasil, há uma inflexão na sua maneira de agir
que o historiador Zózimo Trabuco836 atribui à ascensão de partidários da Teologia de

834
Trata-se da organização Servindo aos Pastores e Líderes ou Serviço de evangelização para a América
Latina - SEPAL, segundo Galindo (1996, p. 380) braço na América Latina da entidade missionária
internacional Overseas Crusade. Atualmente, sua representação no Brasil conta com dirigentes formados
no seminário teológico fundamentalista norte-americano Fuller Theological Seminary, como o presidente
e o vice-presidente do seu Conselho de Governança, Jairton Melo e Douglas Lamp.
835
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.MMM.980016967. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/980016967/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_980016967_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2021.
836
Historiador pela Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS, com mestrado pela Universidade
Federal da Bahia - UFBA e doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, é professor de
História do Brasil e História Indígena na Universidade Federal do Oeste da Bahia - UFOB e do Programa
de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da mesma Universidade. Interessado na história
religiosa brasileira, investigou em seu mestrado o Instituto Bíblico Batista do Nordeste, enquanto sua tese
564

Missão Integral837, movimento de cores esquerdistas que ganhava força no meio


evangélico.
Tais mudanças coincidem com a gestão do pastor, teólogo e filósofo, Manfred
Grellert, que assume a direção brasileira em princípios da década de 1980, ali ficando até
2003. A ele a página oficial da Visão Mundial no Brasil credita a formação de uma
“identidade nacional” (MANFRED Grellert: “O passo mais importante da Visão Mundial
foi o ‘fazer com’ em vez de ‘fazer para’, aumentando o protagonismo da comunidade”,
2020), além de esforços para estimular o protagonismo das comunidades locais em
direção a “transformações concretas da própria sociedade”. Outro indicativo de um
distanciamento do evangelicalismo politicamente conservador foi o ensaio de
ecumenismo estimulado por Grellert, que travou “muitos diálogos com gente de dentro
da CNBB”. Disposição traduzida, também, no arcabouço teórico que inspiraria o trabalho
da organização naqueles tempos: o pensamento da ex-freira Frances O’Gorman, autora
de série de livros discutindo “as possibilidades das organizações contribuírem para o
desenvolvimento de uma nova realidade, mais justa e igualitária”. Retrospectivamente,
diz Grellert que impulsionava a Visão Mundial naqueles anos o sonho de que “o
crescimento da igreja evangélica ia produzir um país socialmente, politicamente,
economicamente mais decente”.
Em nossa documentação, o primeiro indicador dessa renovação data de novembro
de 1984, quando o SNI investigava a produção de um documentário “sobre os problemas
da seca do Nordeste”838 que enfocaria, achava a ditadura, “de maneira negativa e
sensacionalista, os resultados da ação das intempéries climáticas junto à população
daquela Região”. Até aí nada de surpreendente, sendo o tema recorrente entre uma
geração de cineastas ativos no período, preocupados com os problemas do povo
abandonado. A novidade, entretanto, era que a película, dizia o SNI, fora “encomendada
pela World Vision”. Atentava-se, ainda, que a peça seria “dublada em inglês e difundida
no Exterior”, certamente em nada contribuindo para imagem internacional do já
desprestigiado regime militar.

de doutorado versou sobre os movimentos políticos progressistas de evangélicos no Brasil. (TRABUCO,


2021).
837
Esse movimento será melhor visto no capítulo 11.
838
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Exploração dos Problemas do Nordeste.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.84016436. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/84016436/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_84016436_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2021.
565

Informações mais detalhadas são trazidas pelo jornal das Assembleias de Deus, o
Mensageiro da Paz. Arquivado pelo SNI e datando de julho de 1985, seu número 1.179
indicava que em meados da década de 1980 a Visão Mundial do Brasil punha em marcha
“361 projetos sociais”839 em benefício de mais de 32 mil crianças. Iniciativas que
pretendiam “atender às necessidades básicas” da população infantil, prestando auxílio
médico, nutricional e educacional, mas sem descuidar da “promoção dos valores
cristãos”. Sediada em Belo Horizonte, a VM recebeu do governo mineiro em 1976 o título
de organização de utilidade pública. Em 1983 foi a vez do governo federal, por via do
MEC, com o qual desenvolvia 253 projetos conveniados, comendá-la como entidade de
fins filantrópicos. Um ano depois, coube ao Ministério do Trabalho nomeá-la como de
utilidade pública.
Mas o proselitismo não parece ter sido o foco exclusivo naqueles anos. Em maio
de 1990, por exemplo, a Visão Mundial do Brasil patrocinou em Goiânia um Congresso
Nacional de Pastores e Líderes, com mais de 150 religiosos e coordenado por Dídimo de
Freitas, pastor da Igreja Presbiteriana Maranatha. Debatendo temas de interesse dos
partidários da Teologia de Missão Integral, os ali reunidos concluíram que ‘“A Igreja
deve atuar na religião, na política, na economia, na sociedade, buscando alcançar o
homem como um todo”’840. Quanto aos povos indígenas, decidia-se que com eles deveria
haver uma maior aproximação. Neste caso, porém, se a Visão Mundial faria o mesmo que
o restante das organizações evangélicas estrangeiras, a justificativa era formulada em
termos mais próximos dos propugnados, por exemplo, por órgãos indigenistas católicos
conduzidos pelo clero progressista, conforme vimos relatado pelos serviços de repressão
da ditadura. Assim, defendia a VM que a presença evangélica precisava adquirir o
“sentido de ajudá-los a defender o seu direito sobre a terra e de se preservarem como
raça”.
Em junho do mesmo ano, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República escreveu que a Visão Mundial também se interessava pelos dilemas do mundo
rural, atuando como “mediadora nos conflitos pela posse da terra, que envolvem

839
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. O Mensageiro da Paz, Casa Publicadora
das Assembleias de Deus, CPAD. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.85012503.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/85012503/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_85012503_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2021.
840
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.RRR. 900013167. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/900013167/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_rrr_900013167_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2021.
566

latifundiários, colonos e posseiros, apoiando os “sem terra”’841 e desenvolvendo


programas “de ajuda ao trabalhador rural no processo de produção”. Outras informações,
porém, sugerem os limites dessa militância no desafio da ordem socioeconômica vigente.
Em documento anexo publicado pela própria VM, observa-se, além de sua sede norte-
americana, da Igreja Presbiteriana e de pessoas físicas e jurídicas de todo mundo, que a
entidade recebia auxílio de 62 empresas, entre elas organizações financeiras como o
Citibank, o Agrobanco e a Fundação Bradesco; construtoras, como a SOMA Engenharia;
e indústrias de papel, como a Eucatex e a Klabin S.A.
Um mês depois, a VM organizou em Campo Grande - MS o encontro “O Cristão
e a Participação Política”. Em sua fala de abertura, o pastor Edward Robinson de Barros
Cavalcanti, da Igreja Episcopal do Brasil, frisou a necessidade de os evangélicos
participarem de maneira mais coerente na política, “não somente nas épocas de
eleições”842, mas engajando-se em trabalhos de auxílio às comunidades locais para,
apenas numa etapa posterior, e como “consequência natural dessas ações”, candidatarem-
se a cargos eletivos. Ainda que o evento contasse com presença maciça de representantes
do PT, o pastor evitou recomendar qualquer partido, destacando apenas que os
evangélicos deveriam afluir para aqueles com “compromisso com a transformação do
País para que o poder, a propriedade e a renda estejam nas mãos do povo e não nas mãos
de patotas e famílias”. Cavalcanti não deixou, contudo, de declarar voto em Luiz Inácio
Lula da Silva nas eleições de 1989, enxergando na candidatura de Collor um “modelo
neoconservador, que é o modelo do presidente Reagan e da Primeira-Ministra Margaret
Thatcher”. Aproveitou também para criticar a ditadura, revelando pretéritas vinculações
com o MDB, pois entendia a adesão à ARENA, “que defendia o fechamento do regime,
a censura e a tortura”, uma traição aos seus princípios religiosos, aprendidos “numa Igreja
que dizia que crente é a favor da democracia”. Tal simpatia de líderes da Visão Mundial
pelo PT não escapou do radar da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da

841
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da \"Visão Mundial\". Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.90015628. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/OOO/90015628/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_OOO_90015628_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2021.
842
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC MMM.900009112. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/900009112/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_900009112_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2021.
567

República de Fernando Collor, que a incluiu numa lista de “pessoas e entidades ligadas
ao Governo Paralelo843 do Partido dos Trabalhadores”844.
Em novembro de 1990 temos outro indicativo da nova disposição combativa da
VM. Naquele momento, a Secretaria acumulava material sobre uma frente ampla em prol
da maior participação popular na Constituinte do Distrito Federal, articulada por dezenas
de organizações populares, como a Central Única dos Trabalhadores - CUT, a Associação
Brasileira de Reforma Agrária, o Movimento Nacional de Direitos Humanos e vários
sindicatos. As fileiras da iniciativa eram engrossadas também pela Visão Mundial 845.
Retratada como “uma organização humanitária cristã” interessada no
“desenvolvimento integral de pessoas e comunidades empobrecidas”, que buscava
“encorajar as comunidades necessitadas a unirem-se, refletir sobre seus problemas e
encontrar soluções adequadas”, tendo como meta final a “auto-suficiência”, a VM parece
ter também incomodado Fernando Henrique Cardoso. Em 1995, informava a Secretaria
de Assuntos Estratégicos da Presidência da República que, em seminário ocorrido em
agosto, Manfred Grellert não poupou críticas ao modelo econômico abraçado pelo
governo, para ele um programa neoliberal que “concentra e marginaliza ainda mais os 30
milhões de miseráveis que o País contabiliza”846.
Na base de dados digital do governo federal disponibilizada pelo Arquivo
Nacional, o último registro referente à Visão Mundial a mostra junto a trabalhadores
rurais sem terra em passeata de abril de 1998. O caso ocorreu nos limites de Wanderlândia
e Araguaína - TO, em comemoração do Dia Internacional de Luta Camponesa e em
recordação ao aniversário de dois anos do Massacre de Eldorado dos Carajás847. Com o
apoio de diversos movimentos sociais, entre as faixas que emolduravam a manifestação

843
O Governo Paralelo foi uma organização criada pelo PT em julho de 1990 e comandada pela cúpula do
partido com vistas a acompanhar de perto as ações do governo Collor e formular propostas alternativas.
844
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.EEE.900024387. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900024387/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_900024387_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2021.
845
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4, MIC GNC.DIT.910075075. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075075/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075075_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2021.
846
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.MMM.980016987. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/980016987/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_980016987_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2021.
847
Trata-se do assassinato pela Polícia Militar de dezenove trabalhadores rurais sem-terra, ocorrido em
abril de 1996 em Eldorado do Carajás, no estado do Pará. A ação se deu em resposta à ocupação da fazenda
Macaxeira.
568

podia-se ver uma, assinada pela Visão Mundial, dizendo: “Desemprego. O Brasil precisa
acabar com esta vergonha”848.

4 – Visitas de evangelistas norte-americanos ao Brasil

Figurões do conservadorismo político-religioso norte-americano de passagem


pelo Brasil também atuaram no sentido de ampliar o alcance ideológico dos aparelhos
religiosos aqui instalados e consolidar sua aliança com o Estado restrito.
O batista Billy Graham, mais importante pastor fundamentalista da história, por
exemplo, esteve várias vezes no país, levando multidões a estádios de futebol. Em
setembro de 1974, durante uma de suas incursões, o reverendo escreve para Ernesto
Geisel agradecendo o “grande privilégio”849 de ser recebido por ele, que teria inclusive
“estendido o tempo normal permitido a visitantes”. Graham aproveitava para convidar o
general para encontros que em breve teriam lugar no Rio de Janeiro, não deixando de
comunicar “o quão encantados estão os evangélicos do Brasil por ter um deles como
Presidente pela primeira vez”. Algumas semanas depois, W. H. Edwards, o único norte-
americano na comitiva de Graham, também escreveu a Geisel, agradecendo a “muito
cordial recepção” e a “grande visita espiritual” do pastor ao ditador, frisando o “grande
sucesso” que fora o encontro no Maracanã, com perto de 220 mil pessoas.
Simultaneamente, relatório da Assessoria de Segurança e Informações da Empresa
Brasileira de Telecomunicações - EMBRATEL, encaminhado à ASI da Telebrás,
criticava uma suposta campanha da esquerda contra a visita de Graham, veiculada em
artigos de jornais e panfletos distribuídos no Rio de Janeiro. Dizia-se que os órgãos de
mídia pretendiam “influenciar a opinião pública” usando “argumentos que equivalem aos
antigos slogans comunistas”850, tais como “a religião é o ópio do povo”, ou “instrumento

848
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.RRR.990015117. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/990015117/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_rrr_990015117_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2021.
849
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.27. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0027/BR_DFANBSB_JF_E
BG_0_0027_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2021.
850
ARQUIVO NACIONAL. Telecomunicações Brasileiras Sociedade Anônima. (011.ASI-TB.1974).
Código de Referência: BR DFANBSB CZ.ASI.0.11. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_CZ/ASI/0/0011/BR_DFANBSB_CZ_A
SI_0_0011_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2021.
569

de opressão dos ricos sobre os pobres”, assim golpeando “todas as religiões” enquanto
aproveitavam, também, para fazer ataques velados ao governo. A EMBRATEL se referia
especialmente ao escrito de Jorge França, publicado na revista A Crítica, onde eram
questionadas as relações íntimas do pastor com o governo dos Estados Unidos e a origem
das vultosas somas empregadas na divulgação da sua passagem, alardeada em “televisão,
rádio e esquemas publicitários de rua”. Mencionava-se, também, artigo publicado no
jornal O Globo, em 29 setembro de 1974, de autoria não identificada e com teor
meramente factual, incomodando talvez por destacar a notória amizade do religioso com
Richard Nixon, que renunciara fazia apenas alguns meses em face do escândalo de
corrupção Watergate.
De volta ao Brasil no final de janeiro de 1978, a nova visita era organizada por
uma equipe da Billy Graham Evangelistic Association, que projetava um público de 250
mil pessoas para a aparição na capital paulista. Segundo informações da embaixada norte-
americana na cidade, que teria avaliado como propícia a data sugerida pela equipe, “Logo
após o Natal, antes do carnaval, e anterior à posse do novo governo” 851, a Association
contava também com membros nacionais. Tratava-se de Volney Archero Faustini, pastor
e candidato a deputado estadual pela ARENA.
Outro que deu as caras foi o ultraconservador Carl McIntire, que vimos no capítulo
3 recomendando ao presidente Harry Truman o uso de armas nucleares contra a Coreia
do Norte. Esteve ele em excursão pela América do Sul em agosto de 1981, visitando
Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru, Uruguai e Brasil. De acordo com o SNI, o
reverendo repetiu em nossas terras declarações semelhantes às feitas no Chile, onde tecera
críticas à Teologia da Libertação. Notava ainda o Serviço que, em visitas a membros da
ditadura Pinochet, como o ministro secretário-geral Júlio Bravo Valdés, McIntire
externou opinião “favorável ao Governo do Chile, em atenção à sua linha
anticomunista”852, acrescentando que os recentes “ataques” da comunidade internacional
ao país seriam “orquestrados pelo comunismo e seus aliados”, como os praticantes da
Teologia da Libertação. O SNI informava também que o passeio pelo Cone-Sul teve
financiamento de igrejas vinculadas ao Internacional Council of Churches, como a

851
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Billy Graham Crusade in Sao Paulo. Canonical
ID:1978SAOPA03106_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978SAOPA03106_d.html>. Acesso em: 26 abr. 2021.
852
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Karl Mc Intire. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81018733. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/81018733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81018733_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2021.
570

chilena Presbiteriana Nacional Fundamentalista, sendo razoável supor, assim, que uma
das que bancaram sua vinda ao Brasil foi a Igreja Presbiteriana Fundamentalista, que tinha
como figura de destaque, como vimos, o pastor Israel Gueiros, também vice-presidente
do ICC.
Também nos visitou mais de uma vez o televangelista pentecostal Alpha Rex
Emmanuel Humbard, mais conhecido como Rex Humbard. Segundo a embaixada norte-
americana em Brasília, em julho de 1978, enquanto o religioso atraía multidões em
aparições públicas e ganhava holofotes midiáticos, sua esposa foi acometida de uma
indisposição súbita, sendo-lhe oferecido tratamento no Hospital das Forças Armadas em
Brasília, onde passou por uma verificação de saúde completa853. No ano seguinte, o “Rei
Alfa” tentou participar de uma inauguração presidencial com representantes
governamentais de outros países, negociada pelo embaixador Robert M. Sayre com
assessores do chefe do Cerimonial do Ministério das Relações Exteriores, João Carlos
Pessoa Fragoso. O pedido, porém, lamentava Sayre, foi declinado em função de
“limitações de espaço”854.

5 - Elos empresariais

Conforme levantado na Parte II, o consórcio empresarial-religioso objeto desta


tese, representado no Brasil pelas organizações estudadas nos últimos capítulos, recebeu
o apoio de inúmeras grandes corporações norte-americanas. Os dados apurados nesta
Parte III, porém, permitem que esse leque seja estendido, sobretudo no que diz respeito a
empresas brasileiras.
Em primeiro lugar, temos a variada rede empresarial mantida pela Igreja da
Unificação, formada por órgãos de mídia, fábricas para a produção de artigos de pequeno
valor, instituições bancárias, hotéis, restaurantes, clubes de futebol, estaleiros, lojas, etc.
Falo aqui, de grandes e médias empresas, como a News World Communications Inc. e a
Notícias do Brasil Comunicações LTDA, e de pequenas, a maioria das quais de muito

853
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Hospitalization of Evangelist's Wife. Canonical
ID:1978BRASIL05783_d. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1978BRASIL05783_d.html>. Acesso em: 26 abr. de 2021.
854
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Presidential Inauguration. Canonical
ID:1979BRASIL00875_e. Disponível em: <https://
WikiLeaks.org/plusd/cables/1979BRASIL00875_e.html>. Acesso em: 26 abr. de 2021.
571

difícil rastreio, como o jornal Folha do Brasil, a Unificação Comércio de Vestuário e


Alimentos Ltda, a Unificação Confecção de Roupas Ltda, a Importadora Il-Hwa do
Brasil, a Bijuterias Mundial, a Tipografia Ilrung Gráfica e Editora Ltda, e a Distribuidora
SCL. Além dos empreendimentos acima, mencionados pelos serviços de informação do
Estado brasileiro, Dreifuss (1989, p. 94) indica outras atividades produtivas onde o
unificacionismo investiu. Conforme ele, em finais da década de 1980, o “império Moon”
no Brasil era dono de 78 embarcações dedicadas à pesca do camarão e da lagosta para
exportação; da comercializadora de pedras preciosas World Stone; da fábrica de molduras
Decolar; da São Paulo-Tóquio Turismo e Passagens LTDA; da marcenaria Wan Sung; e
de “várias lojas de presentes”, “ 14 padarias e um supermercado”.
Outras empresas possivelmente envolvidas com as ações da Igreja, conforme
sugere a frequência de seus dirigentes em eventos patrocinados por ela, são a Woodside
Inc., a Águas Minerais de Minas Gerais S. A. - Hidrominas, a SUCEFI Imóveis, o Grupo
Têxtil Oeste, a Editora Alcance, a empreiteira Técnica e Industrial de Mari Ltda., e a
empresa de engenharia ENERCONSULT.
Dois outros grandes empresários simpáticos à causa unificacionista, indicando a
possibilidade da participação de algumas das empresas que fizeram parte, foram Jorge
Oscar de Melo Flores e Herbert Levy. O primeiro foi membro do Sindicato de Empresas
de Seguros Privados e Capitalização do Rio de Janeiro, do Sindicato dos Bancos do
Estado da Guanabara, da Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e
Capitalização e da Federação Nacional dos Bancos, além de ex-diretor da Sul América
Seguros Terrestres, Marítimos e Acidentes, ex-diretor e vice-presidente do Banco Lar
Brasileiro e gerente fundador da Sociedade Civil de Planejamento e Consultas Técnicas
- CONSULTEC. Flores foi ainda dirigente das empresas Ciquine Indústrias Químicas do
Nordeste S.A., Algimar S.A., Indústria Brasileira de Aço, Companhia Fiduciária do Rio
de Janeiro, Luz Steárica, Moinho Santista, ITN Trading, Molas Sueden S.A., Sulatec
Participações S.A, e presidente da Fundação Getúlio Vargas – FGV. Já o segundo foi
diretor da Construtora Camargo Pacheco, diretor-Superintendente da Panameuro,
fundador e diretor-superintendente do Banco da América S.A., fundador e diretor-
presidente da Indústria Brasileira de Meias, fundador e diretor da Sunbeam
Anticorrosivos do Brasil e da Ibratex, fundador e presidente da firma Empreendimentos
de Produção, presidente do Conselho de Administração do banco Itaú, vice-presidente do
Conselho Administrativo da Itausa - Investimentos Itaú, membro do conselho Fiscal da
572

Casa Anglo-Brasileira Mappin, e diretor da Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro


– SANBRA.
Do lado da Associação Brasileira de Defesa da Democracia, podemos afirmar que
a empresa de roupas Hering e o Grupo Gerdau participaram diretamente da iniciativa
através dos seus presidentes, Ingo Hering e Jorge Gerdau, ambos articulistas regulares da
revista Ponto de Vista, seu veículo ideológico oficial. É possível também que a
Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica - ABIFARMA tenha contribuído com o
projeto. Como visto no capítulo 9, o lobista da Associação, José Paulo Godoy Moreira,
foi procurado pelos líderes da ABDD para a captação de recursos, embora o documento
do SNI que dá conta desse fato não indique se a contribuição foi ou não concedida855.
No âmbito das igrejas conservadoras brasileiras ocorre fenômeno análogo ao
observado com a Igreja da Unificação: a formação de conglomerados empresariais-
religiosos, empreendimentos que surgem e se desenvolvem em sinergia com as demais
atividades da Igreja, seja como meio de captação de recursos, portas de entrada em
diferentes países ou sustentando as atividades ideológicas e proselitistas (caso da Igreja
da Unificação), seja nutrindo-se de capitais angariados com a extração dos dízimos (caso
da Igreja Universal do Reino de Deus), seja ampliando o alcance ideológico do projeto
religioso (caso dos jornais e rádios e TVs bancados por ambas). Assim, o SNI não estava
completamente errado ao taxar a Igreja de Edir Macedo como um negócio disfarçado de
Igreja, pois, ambas as atividades, empresariais e religiosas, são faces inseparáveis de uma
mesma moeda. Trata-se de uma Igreja que se estrutura sob parâmetros empresariais e se
orienta por uma teologia que não distingue o universo das relações econômicas do das
relações divinas, a Teologia da Prosperidade, e que, coerente com os princípios que prega,
faz de suas atividades empresariais uma extensão das especificamente religiosas.
Assim, a IURD procedeu a um processo de conversão do não tributável dízimo
em capital investido em vasto número de atividades lucrativas, através de elaboradas
manobras financeiras cuja licitude o Ministério Público Federal chegou questionar. Como
produto, tem-se a formação de um conglomerado com quase uma centena de empresas,
incluindo emissoras de rádio e TV, bancos856, seguradoras, administradoras de cartão de

855
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de Defesa da
Democracia, ABDD. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.85050880. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/85050880/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85050880_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2021.
856
Também conforme Gilberto Nascimento (2019, posição 5268-5273), Edir Macedo é sócio da empresa
B.A. Empreendimentos e Participações Ltda, que, por sua vez, é dona de 49% das ações do Banco Renner.
573

crédito, jornais, hospitais, clínicas, operadoras de planos de saúde, empresas de logística


em transporte, de segurança patrimonial, e de bebidas não alcoólicas. Todas conectadas
por participações societárias mútuas e contratos para prestações de serviços entre si.
Empresas que também fornecem serviços para a IURD, de modo que grande parte dos
lucros do sistema permanece nele contido. A joia da coroa é a Rede Record, arrematada
por Edir Macedo ao valor de 45 milhões de dólares em 1989, quantia muito superior às
capacidades arrecadadoras do seu empreendimento, naquele momento ainda estritamente
religioso, despertando dúvidas sobre a procedência desses valores. Segundo Nascimento
(2019, posição 2076-2078), um ex-pastor da IURD teria chegado a acusá-la de receber
aportes de um comerciante colombiano de drogas ilícitas.
Investigada pelo mesmo Nascimento (2019, posição 2371-2378), essa conversão
do dízimo em capital funcionaria com a abertura de empresas offshores, como a Invest-
holding, fundada nas Ilhas Cayman em 1991, e a Cableinvest, na ilha de Jersey em 1992.
Ambas receberiam parte dos dízimos, que voltariam sob a forma de empréstimo para
empresas do Grupo Universal e pessoas físicas ligadas à Igreja, “laranjas” 857 que
emprestariam o seu nome para aquisição de órgãos midiáticos, por exemplo.
Caso tais remessas de capital ao exterior tenham mesmo ocorrido, uma das
maneiras através das quais a IURD pode tê-las feito foi pela corretora Disk Line. Em
1998, suspeitava a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República que
a empresa estaria fazendo transferência ilegais em dólar para fora do país “por intermédio
da operação financeira CC5 ou “cabo”’858, “facilitada com a utilização de contas correntes
“fantasmas” existentes sobretudo no UNIBANCO”. Para isso, se valeria de contas em
nome das empresas Tribo Investimentos Ltda e Sunshine International Holdings Ltda,
usando como intermediários os bancos Espírito Santo Bank, em Miami, a agência de
Nova Iorque do Banco do Estado de São Paulo - BANESPA e o BANCRED, no Rio de
Janeiro. Este último era comandado por Venâncio Pereira Velloso, que a secretaria dizia

857
Conforme a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, segundo apurado por
auditores do Tesouro Nacional, o sobrinho de Edir Macedo e ex-prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo
Crivella, foi “um dos beneficiários do dinheiro da Igreja Universal para a compra da TV Record de São
José do Rio preto/SP e de Franca/SP”. ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.920076229. Disponível em:
,http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/920076229/br_dfanbsb_h4_mi
c_gnc_dit_920076229_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2021.
858
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR ANBSB H4,MIC GNC.CCC.990021317. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021317/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021317_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2021.
574

ser suspeito de ter “orquestrado a falência do supermercado Casas da Banha”. Também


conforme a Secretaria, sua Irmã, Gilza Conceição Magacho Velloso Lage, seria dona da
empresa de carioca de turismo Magna Viagens, usada pela Disk Line para “dissimular
suas ilicitudes praticadas no mercado de capital”. Edir Macedo seria um dos maiores
clientes da empresa, mais uma vez segundo palavras da Secretaria, que acrescentava que
ao lado dele, “uma importante parcela do empresariado carioca vem se utilizando da
estrutura organizacional da Disk Line, no sentido de desviar para fora do Brasil suas
reservas de capitais”. Traz o documento, ainda, uma lista com os principais suspeitos de
envolvimento, como integrantes da construtora Andrade Gutierrez e da Sul América
Seguros, com a discriminação dos nomes dos depositantes e valores semanais
transferidos.
Não exatamente parte do conglomerado IURD, outras empresas têm relações
destacadas com Edir Macedo. Segundo Nascimento (2019, posição 3931-3933), O Banco
de Crédito Metropolitano teve importante papel na construção financeira do
conglomerado, atuando Ricardo Arruda, seu presidente entre 1991 e 1995, como
“estrategista financeiro” do bispo. Conforme a Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, o banco seria o “braço financeiro”859 da IURD, mantendo-se
de pé com os depósitos da Igreja, pois contaria na época com muitos clientes
inadimplentes. Segundo o governo brasileiro, as verbas diariamente arrecadadas nos
templos “são canalizadas para o BCM que, em razão disso, pleiteia a concessão de carta-
patente para operar no crédito imobiliário, mediante captação em cadernetas de
poupança”. Acrescentava-se que a IURD controlava suas empresas midiáticas por via de
uma holding “conhecida pela sigla “CREMA”’, que teria, em princípios dos anos 1990,
inclusive planejado comprar o tradicional Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro. Para além
do imenso complexo de rádios, jornais e emissoras de TVs, como a Folha Universal e o
jornal mineiro Hoje em Dia, era dito, ainda, que Macedo tinha a posse de uma rede de
TV a cabo no estado norte-americano da California, uma rádio na Venezuela e quatro
emissoras de rádio em Portugal.
Caso estranhíssimo foi a abertura de uma empresa privada de investigações em
Varginha, Minas Gerais, denominada “Serviço Nacional de Informações”. O fato chamou

859
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.960079081. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079081/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_960079081_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2021.
575

a atenção da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República em junho


de 1998 por “fazer o público geral acreditar numa possível ligação de suas atividades com
o antigo Órgão de Inteligência governamental extinto em 1990”860. Instalada no Centro
da cidade mineira, a empresa estaria em nome de Eloisa Helena da Silva e, segundo
informação repassada para a Secretaria pelo Comando Militar do Leste, seria dirigida por
Sebastião Ribeiro de Mendonça, dono da Imobiliária Mendonça na mesma cidade, e que
“representa o bispo Edir Macedo na Região”. Para a Secretaria, Mendonça se valeria de
uma série de expedientes ilegais em suas atividades, como a expedição de “ofícios para
Delegados de Polícia”, também apresentando-se “como Delegado Regional do SNI,
obtendo cooperação e acesso a documentos sigilosos”; o uso de “identidade falsa de
tenente-coronel do Exército”, e a falsificação de cheques, de identidade militar e da
Polícia Federal, vendidos em sala do Mercado Municipal na Praça Quintino Bocaiúva.
Além disso, manteria uma rede de contatos com “Delegados de Polícia e com a Polícia
Militar de várias cidades”. A meta do novo SNI, na letra da Secretaria, seria “montar uma
rede de informantes por todo o território nacional, denominada por eles de “profissionais
de informações e investigações”, com previsão de expansão aos países que compõem o
MERCOSUL”.
Líderes da Assembleia de Deus, como o pastor Silas Malafaia, também mantêm
um diversificado portfólio de empresas integradas às suas atividades proselitistas.
Segundo matéria publicada pelo jornal Rede Brasil Atual em 6 de fevereiro de 2020,
Malafaia teria em sua conta nada menos que 116 empresas com capital total declarado de
mais de 17 milhões de reais. Algumas delas são a Central Gospel Music, produtora e
comercializadora de CDs e DVDs religiosos; a Editora Central Gospel Ltda; a produtora
audiovisual Talli Eventos e Produções Gospel; e a ESM investimento e Participações
Ltda, voltada para a administração de outras empresas, talvez “um indicativo que
Malafaia esteja se preparando para ampliar seus investimentos” (OLIVEIRA, 2020).
Como vimos, a Renovação Carismática Católica foi a principal viabilizadora na
América Latina do projeto Evangelização 2000, que teve aportes empresariais
milionários. Um dos seus maiores entusiastas, segundo a Agência Ecumênica de Notícias
– AGEN, seria o norte-americano Frank Shakespeare, com passagem pela presidência da

860
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência Br DFANBSB H4,MIC GNC.CCC.990021303. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021303/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021303_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2021.
576

empresa RKO Generale e membro do conselho da Lynde and Harry Bradley Foundation,
fundação vinculada à empresa de tecnologia Allen-Bradley Company, posteriormente
comprada pela Rockwell International. A RCC pôde contar com o patrocínio também do
Grupo Empresarial Cisneros, conglomerado venezuelano, da Global Media, do Big Ben
Group, e, no Brasil, ao que tudo indica, de membros da Associação Comercial de São
Paulo.
As empresas listadas acima não foram, porém, de forma alguma, as únicas que
apoiaram a ascensão de religiosos conservadores. Conforme veremos no capítulo 12, o
estudo das fontes de financiamento das campanhas dos parlamentares evangélicos na
Câmara de Federal revela que essa bancada contou com o apoio de dezenas de outras
corporações, sobretudo ligadas ao setor agropecuário e construtor.

6 - Conclusão

Tendo visto no capítulo passado os pontos de integração ideológica e coordenação


de ações e da classe dominante brasileira em torno do programa político-religioso
sustentado pelo Partido da Fé Capitalista, procedi, nas últimas páginas, ao exame das
organizações que trabalham para adesão da população aos seus pressupostos.
Com este fim, todas elas atuam em nível capilar, junto às bases da sociedade
brasileira, onde angariam levas crescentes de adeptos, assim ampliando sua capacidade
mobilizadora e construindo condições para uma expansão contínua e autossustentável.
Para tanto, valem-se de campanhas midiáticas de conversão em massa, ações em
presídios, aculturação de indígenas, cooptação de estudantes, conquista de adeptos das
religiões afro-brasileiras, etc. O considerável sucesso obtido as habilita a reorganizar em
torno de si parcelas convertidas da classe trabalhadora, cujo universo ideológico passa a
referir-se a uma interpretação particular da Bíblia, frequentemente inspirada nos preceitos
fundamentalistas, e aos ditames geopolíticos da classe dominante norte-americana e seus
sócios locais, com os quais essas organizações mantêm ligações econômicas e/ou
doutrinárias.
Não quero dizer, porém, que a classe dominada assista passivamente a tudo isso e
que todos os trabalhadores participantes de tais organizações religiosas sejam
inevitavelmente absorvidos por esse projeto hegemônico. Vimos assembleianos ao lado
de trabalhadores rurais nas lutas pela terra; a resistência de intelectuais, associações de
577

moradores e movimentos negros e de trabalhadores à campanha iurdiana contra as


religiões de matrizes afro-brasileiras; e revoltas de indígenas, como os Javaé, que
denunciaram à FUNAI a presença ilegal de religiosos da Assembleia de Deus em suas
aldeias, chegando mesmo a pôr abaixo templos dessa denominação. Fatos que mostram a
vitalidade da luta de classes na arena religiosa, essa fundamental instância produtora de
consenso.
578

CAPÍTULO 11
Das Câmaras municipais à Constituinte: “Irmão Vota em Irmão”

1 -Introdução

O Brasil não é citado sequer uma vez na documentação diplomática norte-


americana da década de 1970 concernente ao tema “liberdade religiosa” abordada no
capítulo 4. Isso não impediu, contudo, que religiosos conservadores brasileiros
justificassem a busca de maior influência política usando retórica semelhante à do
Departamento de Estado estadunidense na lida com países insubmissos, que não viam
com melhores olhos a entrada e multiplicação de organizações religiosas provenientes da
potência capitalista, militantes no anticomunismo internacional.
Não deixa dúvida sobre isso o comportamento de agremiações pentecostais na
Constituinte, iniciada em 1987, e na eleição presidencial de 1989. Em ambos os casos,
supostas ameaças à liberdade religiosa foram alardeadas, seja para justificar o crescente
número de pastores candidatos, seja para legitimar o apoio à candidatura de Fernando
Collor, preferida pelo empresariado, apresentada como necessária para o enfretamento do
comunismo, inimigo contra o qual pentecostais norte-americanos e seu governo faziam
escaramuças retóricas havia décadas e que no Brasil seria encarnado pelo Partido dos
Trabalhadores.
Atentos ao fenômeno, concluíram Ricardo Mariano e Antônio Flávio Pierucci
(1996, p. 205) que, para organizações religiosas como as pentecostais, “a negação da
liberdade religiosa é posta como o fundamento da crítica radical que fazem do
comunismo, na mesma medida em que colocam a liberdade religiosa antes e acima (ou
mesmo no lugar) das outras liberdades modernas”. Deve-se reparar, entretanto, que
falamos aqui do mesmo grupo que “durante os vinte anos de ditadura, nunca reclamou da
falta de liberdade de expressão, liberdade de imprensa, liberdade sindical, liberdade de
associação política, liberdade partidária, liberdade de consciência, liberdade de
pensamento” (MARIANO e PIERUCCI, 1996, p. 210). Pelo contrário, como vimos no
capítulo 8, procurou preservar aquele estado de coisas.
O alinhamento retórico entre religiosos conservadores brasileiros e norte-
americanos porém, é ainda mais abrangente. São mimetizadas por aqui visões de mundo
favoráveis ao bom funcionamento capitalista e à liquidez empresarial, comuns entre os
579

homens de fé conservadores norte-americanos, sobretudo ao longo da Guerra Fria.


Encontra paralelo nos seus pares brasileiros, portanto, a noção de que o modo de produção
capitalista é o mais de acordo com o plano divino para a espécie humana e a convicção
sobre a função modelar dos Estados Unidos para o mundo. Assim, a ação partidária dos
membros nacionais do Partido da Fé Capitalista será caracterizada, como procurarei
mostrar, também pela defesa desses pressupostos.
Autores como Freston (1993, p. 181), entretanto, acreditam que a partidarização
do pentecostalismo no Brasil responde sobretudo aos interesses de autopreservação e
expansão dessas igrejas, não sendo possível falar numa articulação política entre
agremiações nacionais e norte-americanas, uma “teoria da conspiração para a qual não há
evidência” (FRESTON, 1993, p. 218). No contexto da nossa última Constituinte, por
exemplo, quando a redemocratização controlada pretendida pela classe dominante
demandou “novas bases sociais para o continuísmo” (FRESTON, 1993, p. 218), a adesão
da bancada evangélica seria meramente fisiológica, cooptada por setores políticos
conservadores preexistentes. Sob esse ponto de vista, a ação partidária coordenada
evangélica se pautaria, sobretudo, pela defesa de uma plataforma religiosa e
comportamental comum, ao mesmo tempo em que era desincentivada “a equação entre
religião e postura política em outras questões” (FRESTON, 1993. p. 229), nas quais “cada
um votaria segundo sua consciência”.
De forma semelhante, Chesnut (1997, p. 146) supõe que um “centrismo”,
caracterizado sobretudo por interesses pessoais e institucionais, caracterizaria a ação
partidária dos pentecostais brasileiros. Embasa sua conclusão no crescimento acelerado
dessa religião, que acabou angariando adeptos tanto à direita como à esquerda, num caso
tendo como exemplo o general genocida guatemalteco Ríos Montt e em outro à
parlamentar petista Benedita da Silva. Sua conclusão, entretanto, se fragiliza caso
compreendamos que uma das principais distinções entre direita e esquerda é a defesa ou
o repúdio da liberalização econômica sem freios. Sendo assim, é possível constatar que
pentecostais como Benedita, que ao menos em certo momento de sua biografia alinhava-
se com esta última tendência, são pontos fora da curva, cada vez mais raros após 1987,
quando a petista se fez deputada federal pela primeira vez. Por outro lado, a trajetória de
uma maioria de líderes, como Silas Malafaia, Marcos Feliciano, Marcelo Crivella e
Magno Malta, ilustra cabalmente que o ativismo político pentecostal pende mais para os
interesses do mercado.
580

Ao mesmo tempo, a hipótese do fisiologismo, talvez a mais aceita por


pesquisadores do fenômeno, passa ao largo do fato de que a aproximação dos políticos
evangélicos conservadores com o governo brasileiro acontece nos quadros de um Estado
desde sempre hegemonizado pela classe burguesa. Tampouco o seu eventual alinhamento
com o PT significa ruptura deste padrão, uma vez que na eleição de 2002 o partido
promoveu um deliberado esvaziamento do conteúdo socialista em seu programa de
governo, expresso pela Carta ao Povo Brasileiro861 lançada em junho daquele ano, em
grande parte visando atrair a adesão de setores antes refratários, como o evangélico.
Também não se pode perder de vista que uma das principais motivações de tais religiosos
em compor com esse Estado, do qual a classe trabalhadora jamais tomou parte se não
subalternamente, deve-se em grande parte a um explícito anticomunismo, frequentemente
desdobrado na repulsa às esquerdas. Artefato ideológico historicamente construído no
seio do conservadorismo religioso norte-americano, influenciado por postulados
fundamentalistas segundo os quais as teses de Marx compunham uma modernidade
laicizante que era preciso combater, e instrumentalizado em benefício de interesses
geopolíticos dos Estados Unidos por iniciativas como a Foundation for Religious Action
in the Social Order - FRASCO.
Assim, não se tem notícia de organizações pentecostais emprestando sua
legitimidade e prestígio para Estados não alinhados com os Estados Unidos. Já vimos
quão conflituosa era a sua relação com a União Soviética e os países do Leste europeu,
não sendo mais fácil em Cuba. Como sugerido acima, a chave para compreender as ações
políticas de tais grupos parece estar na sua vinculação, institucional e/ou ideológica, às
congêneres em funcionamento nos Estados Unidos. O caso cubano, por exemplo,
conforme descrevem Rafael Cepeda862, Elizabeth Carrillo863, Rhode González864 e Carlos

861
A carta pode ser vista como um manifesto pela conciliação de classes. Ao mesmo tempo em que dizia
querer levar adiante a Reforma Agrária, declarava a necessidade de “uma política dirigida a valorizar o
agronegócio”. Enquanto propunha soluções econômicas mais criativas para o país, supostamente afastando-
se da heterodoxia neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, falava no “respeito aos contratos e obrigações
do país”. Enquanto falava em justiça social, sublinhava ser preciso tornar o país mais competitivo no
mercado internacional, insinuando a necessidade de mais reformas previdenciárias e trabalhistas.
Declarava, enfim, que o PT tinha debaixo do braço um projeto de governo apoiado por uma “vasta
coalizão”, formada também por “religiosos dos mais variados matizes ideológicos” e por “Parcelas
significativas do empresariado” (NUNES, 2018).
862
Teólogo pelo Seminário Evangélico Teológico de Cuba, educador cristão pelo Seminário Teológico
Presbiteriano McCormick (Chicago, EUA) e filósofo pela Universidade de Havana, dedica-se à História da
religião. (CEPEDA, Rafael; CARRILLO, Elizabeth; GONZÁLEZ, Rhode; HAM, Carlos E., 1996, p. 288)
863
Socióloga pela Universidade de Havana. (CEPEDA, Rafael; CARRILLO, Elizabeth; GONZÁLEZ,
Rhode; HAM, Carlos E., 1996, p. 288)
864
Formanda em Química pela Universidade de Havana, é obreira na Igreja Cristã Pentecostal. (CEPEDA,
Rafael; CARRILLO, Elizabeth; GONZÁLEZ, Rhode; HAM, Carlos E., 1996, p. 288)
581

E. Ham865 (1996, p. 122 e 130), é ilustrativo do atrelamento do conservadorismo e


anticomunismo pentecostal com a permanência de contatos com o ambiente ideológico
norte-americano. Ali presente desde os anos 1930, a religiosidade pentecostal
“estabeleceu-se nas regiões mais interioranas” e, tal como no Brasil, “nos setores
marginalizados e de escassos recursos econômicos”. Ainda que fragmentos do
anticomunismo e conservadorismo político e comportamental sobrevivam em porções de
diversas destas igrejas, elas descreveram dois caminhos distintos após a revolução.
Enquanto aquelas que ainda dependiam institucionalmente das matrizes norte-americanas
apresentaram um “reforço das posturas conservadoras em todas as dimensões”, outras,
com maior nível de independência, cujo afastamento com o país de origem se aprofundou
ainda mais, abriram-se a um maior diálogo com as demais igrejas cristãs, flexibilizaram
suas normas de conduta e o “tão arraigado fundamentalismo” recuou, dando espaço a
reflexões bíblicas mais sintonizadas com o contexto social cubano. Assim, concluo, no
Brasil, país de trajetória inversa à cubana, que após meados do século passado aprofundou
a abertura econômica e cultural aos Estados Unidos, isso simplesmente não poderia
ocorrer.
O questionamento desse “centrismo”, que sugere haver nada mais que uma
flexibilidade oportunista das lideranças religiosas conservadoras brasileiras, encontra
respaldo inclusive em outras conclusões do próprio Chesnut (1997, p. 166). Embora o
fato seja atribuído às “relações clientelísticas que largamente definem a política no
Brasil”, é dito, por exemplo, que o mandato de deputada estadual de Cláudia Machado,
filha do presidente da Assembleia de Deus em Belém, Paulo Machado, serviu para
cimentar “o status quo social, econômico, e político”866 vigente. Concordando com o
sentido preservador da ação política de mandatários como Machado, refuto, porém, que
esse clientelismo seja aspecto estruturante da militância pentecostal em nosso país,
entendendo que as relações de benefício mútuo entre tais pastores políticos, a classe
dominante e o Estado restrito não se limitam ao espaço brasileiro e ocorrem
exclusivamente diante de governos conservadores. Prefiro, assim, entendê-las como
simbióticas e seletivas, observando que elas se repetem nos Estados Unidos, sobretudo

865
Teólogo pelo Seminário Evangélico Teológico de Cuba, é pastor e secretário nacional da Igreja
Presbiteriana Reformada em Cuba (CEPEDA, Rafael; CARRILLO, Elizabeth; GONZÁLEZ, Rhode;
HAM, Carlos E., 1996, p. 288)
866
Chesnut não consegue enxergar, porém, que reforçar o “status quo” no Brasil significa obrigatoriamente
alinhar-se com os interesses da nossa classe burguesa, em muito afinados com o de parceiros estrangeiros,
artífices do Partido da Fé Capitalista desde a década de 1950.
582

entre os governos do Partido Republicano que, conforme vimos na Parte II, em muito
favorecem e são favorecidos pela direita religiosa. De maneira semelhante, no caso da
Assembleia de Deus no Pará, como constatado também por Chesnut (1997), essa relação
tem se dado historicamente com as porções mais reacionárias e conservadoras de nosso
Estado restrito: a ditadura de 1964 e representantes civis determinados a preservar a
ordem social e econômica estabelecida. Sendo assim, no Brasil e nos Estados Unidos, a
troca de favores entre o Executivo e tais agremiações refere-se mais a um reforço mútuo
de posições do que simples “toma lá, dá cá”.
Não se trata, portanto, de negar as relações amistosas entre a máquina
governamental brasileira e tais igrejas, uma vez que estas têm, de fato, se valido do poder
público em benefício próprio para alimentar sua expansão, mas de indicar que a
constatação dessas relações, melhor compreendidas como cooperativas, não basta para
abordar integralmente o problema. É também preciso notar que essa parceria não é recente
e que ela se baseia grandemente num projeto de país e de mundo partilhado entre a classe
dominante brasileira e porções conservadoras cristãs em ação por aqui, conforme
demonstrado no capítulo 8. Assim, desde muito antes da Constituição, tais líderes
religiosos foram escolhidos como alguns dos parceiros preferenciais por terem se
mostrado inclinados a contribuir para a consolidação do programa político emanado das
nossas cúpulas econômicas e aplicado pelas partidárias.
Questiono também a suposta ausência de articulação entre a direita religiosa norte-
americana e a brasileira, ilustrada por Freston (1993, p. 211) através do caso da IEQ.
Reparo que o sociólogo menciona apenas que a decisão dos quadrangulares brasileiros de
apresentar candidatos à Constituinte aconteceu “contrariando a orientação do presidente
norte-americano”, Rolph McPherson, sem indicar a proveniência dessa informação. Não
encontrei material que possa confirmá-la ou não, mas obtive, como será visto adiante,
documentação comprovando que o mesmo McPherson, ainda em 1964, abençoou a
candidatura do pastor quadrangular Geraldino Campos867 à Câmara de São Paulo.
Outra divergência entre esta pesquisa e as conclusões de Freston (1993, p. 180)
reside na ideia de que 1986 representa o momento inicial de um sistemático interesse
partidário pentecostal, praticamente inexistente em épocas mais remotas. Embora de fato
ausentes do legislativo federal, detectei a presença de políticos pentecostais nos
legislativos locais já desde pelo menos a década de 1960, sugerindo que o seu despontar

867
Geraldino já era vereador em São Paulo, eleito em outubro de 1963.
583

partidário na Constituinte, ainda que de fato impulsionado por um maior esforço partido
das cúpulas dessas igrejas, foi também a culminância de um processo, preparado nas
décadas precedentes, que teve como ponto de partida as esferas municipais. A conclusão
é reforçada pelo fato de que alguns pentecostais eleitos em 1986 já eram deputados
federais em legislaturas anteriores, como Mario de Oliveira e José de Oliveira Fernandes,
ou provinham dos legislativos estaduais e municipais, como Antônio da Conceição Costa
Ferreira e José Viana dos Santos. Já quanto aos outros grupos evangélicos, como os
batistas, um número ainda maior dos constituintes eleitos em 1986 possuíam experiência
política anterior. Em outras palavras, não nego que este ano tenha representado uma
inflexão na participação partidária pentecostal e de religiosos conservadores de um modo
geral, mas é preciso ter em conta que este aprofundamento do interesse político-partidário
de religiosos não surgiu do nada, sustentando-se numa projeção de pastores a cargos
eletivos que, iniciada décadas antes, indica o engajamento prévio dessas igrejas.
Assim, distanciando-me das conclusões de Freston e Chesnut, neste capítulo e no
próximo, procurarei mostrar que as igrejas conservadoras de procedência norte-
americana, sobretudo as pentecostais, mas também outras como a Batista e a
Presbiteriana, vêm guiando sua ação partidária de modo a atender interesses econômicos
de empresários estadunidenses e de seus sócios brasileiros; que essa ação precede a data
de 1986, tendo sido lentamente preparada desde pelo menos a década de 1960; e que o
fazem sintonizadas com o debate político ocorrido nos fóruns norte-americanos e
brasileiros estudados nos capítulos 3 e 9.
Farei isso traçando um perfil desses parlamentares, com destaque para as suas
ligações com o empresariado, e estudando os seus votos não em matérias de interesse
religioso, onde há consenso sobre a coesão da bancada evangélica, mas sim em
importantes decisões econômicas desejadas pelo capital. Acredito, enfim, que estava no
caminho certo o sociólogo Antônio Flávio Pierucci (1996, p. 178), que, observando a
presença política evangélica nas décadas de 1980 e 1990, concluiu que “A direita hoje
torna-se uma “nova direita” justamente por injetar no conservadorismo socioeconômico
revigorada ênfase nas teses conservadoras ou restauracionistas em matéria sexual”.
Esta tese de modo geral, e este capítulo, de maneira específica, procura fornecer
subsídios para a questão levantada pelo mesmo Pierucci em 1996 (p. 166) e que naquele
momento ainda não tinha “elementos suficientes de evidência”: “se o fenômeno da
bancada evangélica conservadora em Brasília inscreve-se num contexto de ação
584

orquestrada da chamada New Christian Right estadunidense para as Américas”. Os dados


reunidos nas páginas passadas e nas seguintes me levam a crer que sim.
Nesta seção me deterei ao período anterior à eleição de Fernando Collor de Mello,
primeiro presidente eleito por voto direto desde o golpe de 1964, abordando os primórdios
da partidarização da religião conservadora de matriz norte-americana no Brasil, processo
de lenta maturação, que precisou de décadas para alçar pastores políticos às esferas mais
altas da administração pública. Já a seguinte se concentrará no governo Collor e nos dois
mandatos de Fernando Henrique Cardoso, onde a bancada evangélica não apenas se
consolida e se expande, mas também desempenha importante papel na reforma do Estado
brasileiro em moldes economicamente liberais.
Por razões práticas, na análise da atuação parlamentar dos religiosos
conservadores, me concentrarei na bancada evangélica868 na Câmara federal, vendo
apenas de passagem a sua simultânea expansão nos legislativos locais.

2 - A esquerda religiosa organizada

Antes de vermos a direita religiosa brasileira, é preciso reparar na permanência da


divisão do campo evangélico também no âmbito partidário.
O historiador Zózimo Antônio Passos Trabuco assinou denso estudo sobre os
evangélicos politicamente engajados à esquerda, divididos sobretudo em duas linhas
principais: o movimento ecumênico e os adeptos da Teologia da Missão Integral.
Aglutinada em finais dos anos 1960 e influenciada pela Teologia da Libertação, a
primeira, que procurou a “cooperação entre as diferentes denominações do
protestantismo” e o diálogo com os católicos, “criou entidades de atuação social e realizou
debates sobre os problemas nacionais fundamentados numa reflexão sobre a
responsabilidade social das igrejas cristãs” (TRABUCO, 2015, p. 23). Já a segunda teria
tomado corpo em princípios dos anos 1970, diferenciando-se tanto pela composição, com

868
Não se deve inferir, entretanto, que a influência partidária de agremiações religiosas conservadoras se
limite à bancada evangélica. Como vimos no capítulo 8, a Igreja da Unificação esteve por trás das eleições
de parlamentares laicos como Guilherme Afif Domingos e Herbert Levy, ao mesmo tempo em que a
Renovação Carismática Católica, que colocará padres conservadores no Congresso, também não deixou de
facilitar o sufrágio de conservadores não ordenados, como Francisco Dornelles, deputado federal pelo Rio
de Janeiro.
585

adeptos provenientes sobretudo do protestantismo “evangelical”869, não ecumênico


porém também não exatamente fundamentalista870, como pela meta de “conciliar a
preocupação com a proposta de responsabilidade social dos ecumênicos com a defesa de
uma identidade evangélica ortodoxa, oscilando entre perspectivas conservadoras e
progressistas” (TRABUCO, 2015, p. 23). Ambos os movimentos convergiriam,
entretanto, “na oposição à atuação política de determinados grupos pentecostais e ao
fundamentalismo” (TRABUCO, 2015, p. 369), apesar de certas organizações onde
tiveram trânsito alguns partidários da Teologia da Missão Integral, como a ABU, também
serem frequentadas por fundamentalistas e simpatizantes, conforme vimos no capítulo
passado.
Ainda conforme Trabuco (2015, p. 371), no Brasil o movimento ecumênico teria
se organizado predominantemente em torno da União Cristã de Estudantes Brasileiros -
UCEB, da Confederação Evangélica Brasileira - CEB original e da junta missionária
Igreja e Sociedade na América Latina - ISAL, nos anos 1950 e 1970, e do Centro
Ecumênico de Documentação e Informação - CEDI, do Instituto Superior de Estudos da
Religião - ISER e da Coordenadoria Ecumênica de Serviços - CESE, nos anos 1970 e
1990. Já a Teologia de Missão Integral se manifestaria no interior da Aliança Bíblica
Universitária - ABU, da Fraternidade Teológica Latino-Americana - FTL, da Visão
Nacional de Evangelização - VINDE e da Visão Mundial.
Em termos partidários, esses evangélicos se distribuiriam mormente entre as
legendas mais próximas do espectro progressista em princípios dos anos 1980, como o
PT, o PDT e o PMDB, com as quais os “Protestantes Ecumênicos e de Missão Integral
mais dialogaram no processo de abertura política” (TRABUCO, 2015, p. 258). O PT,
ainda que frequentemente demonizado pelo movimento pentecostal, não deixou de atrair
inclusive alguns membros dessas igrejas, como o assembleiano Manoel da Conceição
“líder histórico do sindicalismo rural”.
No âmbito da Teologia de Missão Integral, ao longo das décadas de 1980 e 1990,
os intelectuais evangélicos Paul Freston e Robinson Cavalcanti destacam-se nas tentativas

869
O evangelicalismo seria um movimento teologicamente conservador, filho do puritanismo, do pietismo
e do avivalismo (TRABUCO, 2015, p. 63-64). O fato de alguns dos seus setores terem procurado
desenvolver ações políticas progressistas levou autores como Rubem Cesar Fernandes, citado por Trabuco,
a rotulá-lo de “fundamentalismo de esquerda”.
870
Para Trabuco (2015, p. 370), a Teologia de Missão Integral “dividiu os setores conservadores do
protestantismo em uma ala fundamentalista, majoritária, e outra evangelical”.
586

de aproximação entre seus companheiros de fé e a esquerda partidária871. Aglutinados na


revista Ultimato, ambos foram os principais porta-vozes deste movimento, oposto “ao
discurso apolítico ou ao corporativismo pentecostal, sobretudo, durante a Constituinte”
(TRABUCO, 2015, p. 326), daí derivando a criação em 1989 de um Movimento
Evangélico Progressista - MEP.
Este capítulo, porém, não tratará dos grupos acima, mas sim dos setores mais de
perto associados ao fundamentalismo, que como temos visto nucleia e inspira o Partido
da Fé Capitalista. Em tempos recentes, sua mais importante expressão partidária será a
formação, no Congresso Nacional e nos legislativos locais, de uma bancada evangélica
que, esclarece Trabuco (2015, p. 374), “foi constituída majoritariamente por grupos
pentecostais, não aderentes ao ecumenismo ou ao evangelicalismo”. Além deles, também
outros setores religiosos conservadores, sobretudo provenientes das igrejas Batista e
Presbiteriana, têm importante contribuição na sua vertebração, como veremos.

3 - Anos 1960 e 1970: a gestação de um Partido da Fé Capitalista também em sentido


literal

Embora a grande visibilidade da bancada evangélica a partir dos anos 1980 induza
a percepção de que o envolvimento partidário de religiosos conservadores no Brasil seja
fenômeno recente, este não foi o caso. Aqui e no resto do mundo, numa ação que vejo
como coordenada e que ostenta as mesmas características gerais, a ingerência de líderes
religiosos no universo partidário remonta há décadas. Se nos Estados Unidos o seu marco
inicial foi a formalização da Moral Majority em 1979, vimos que clérigos e intelectuais
religiosos conservadores já mantinham contatos frequentes com membros do Estado
restrito desde pelo menos o princípio da Guerra Fria. No Brasil, Rolim (1995, p. 153)
indica o contexto das revoluções em Cuba e na Nicarágua e o golpe de Estado de 1964
como o marco inicial de um “deslocamento do fundamentalismo pentecostal para a órbita
política”, frisando que a Assembleia de Deus guardava na “sua aparente apoliticidade

871
Um traço dos praticantes da Teologia da Missão Integral, entretanto, é a rejeição do ponto de vista
assumido por este trabalho, uma vez que “se distanciaram das críticas ao pentecostalismo como uma nova
estratégia do imperialismo” (TRABUCO, 2015, p. 342). O fato pode explicar, em parte, as atitudes de Paul
Freston, que, como visto no capítulo 1, procurou aproximar o Partido dos Trabalhadores com essas igrejas.
587

uma posição conservadora, que é uma posição política, fazendo eco com as demais
Assembleias de Deus latino-americanas”.
A presença de evangélicos não pentecostais na política partidária, e a mobilização
de rebanhos religiosos em torno de sua eleição, é fenômeno ainda mais antigo. Conforme
destacado por Elizete Silva (2017, p. 133-134), ainda nos anos 1940 vemos metodistas,
presbiterianos e batistas instalados no Poder Legislativo. A historiadora constata, por
exemplo, que na década de 1950 o pastor batista Ebenézer Gomes Cavalcante e o
presbiteriano Basílio Catalá já circulavam na Assembleia baiana. Eleitos pela
conservadora União Democrática Nacional - UDN, “comungando o anticomunismo e o
americanismo dos políticos tradicionais udenistas”, ambos tiveram seus mandatos
viabilizados por votações maciças de “irmãos”.
Batistas e presbiterianos, conforme vimos os dois principais grupos viabilizadores
do movimento fundamentalista, permanecem, portanto, desde muito atuantes na política
partidária brasileira. A novidade introduzida nos anos 1960 foi a chegada de um terceiro
grupo de religiosos conservadores, os pentecostais, que paralelamente ao seu avassalador
processo de instalação e multiplicação, iniciarão um lento caminho também na política
partidária. Trata-se, sugere a documentação, de um processo, maturado com o tempo, de
projeção nacional de lideranças político-religiosas regionais, daí a escalada da presença
pentecostal a partir das câmaras de vereadores, já nos anos 1960, em direção aos
legislativos estaduais e federais, este último passo consolidado apenas na década de 1980.
A Assembleia de Deus, por exemplo, apoia candidatos às legislaturas municipais
pelo menos desde princípios dos anos 1960. Conforme Chesnut (1997, p. 147), após quase
cinquenta anos de distanciamento partidário, a Igreja inicia sua trajetória nesse campo em
1962, quando Antônio Teixeira, um “próspero imigrante português” e assembleiano
desde 1947, é eleito deputado estadual do Pará. Passando para a ARENA após o golpe de
64, já em 1962 Teixeira teria aberto os cofres públicos para a sua Igreja, aproximando-se
do deputado federal Gabriel Hermes Filho, industrial eleito pela UDN, e do senador
Edward Cattete Pinheiro, do Partido Trabalhista Nacional - PTN. Alega Chesnut (1997,
p. 147) que ambos teriam facilitado a transferência de centenas de milhares de dólares
(em cruzeiros, é claro) para projetos educacionais da Igreja. O pacto pressupunha a
transferência de votos dos fiéis da Assembleia, que a partir de então, conforme visto no
capítulo 8, gozaria de um ininterrupto fluxo de verbas estatais, intensificado pela ditadura
e preservado pelos governos democráticos mais recentes.
588

Neste período, contudo, a propaganda partidária assembleiana ainda não seria


explícita e ostensiva, havendo mesmo uma disjunção entre os contatos da Igreja com o
Estado restrito e o pregado por suas publicações, como o jornal Estandarte Evangélico.
Ali, segundo Chesnut (1997, p. 152), teria lugar uma incansável condenação da mistura
entre política e religião e da partidarização dos pastores, ainda que o deputado
assembleiano Antônio Teixeira fornecesse vultosos dividendos à Assembleia e que seu
presidente, Paulo Machado, fosse um grande apologista da ditadura. Tal fato pode ter
levado à percepção de um afastamento pentecostal da política em tempos anteriores à
Constituinte de 1987, hipótese afrontada não apenas pela eleição de Teixeira, mas
também de outros assembleianos. Em março de 1973, por exemplo, José Quirino de
Freitas Filho, chamado a depor em investigação de corrupção no município de São
Lourenço da Mata - PE, declarou que sua vida política naquela câmara começara em
1963, reeleito em 1968 e 1972. Conforme o próprio, tal sucesso era devido “à sua
condição de membro da Igreja Assembléia de Deus”872, onde era secretário.
Também pelo menos desde 1963 a Igreja do Evangelho Quadrangular fazia
incursões partidárias, como mostra o caso do pastor Geraldino dos Santos. Acumulando
altas funções na hierarquia quadrangular, Santos atuava no bairro paulistano da Barra
Funda, era presidente da Confederação Pentecostal do Brasil e vice-presidente do
Instituto Bíblico Quadrangular. Em carta de maio de 1963, vemos a direção nacional da
IEQ endossar o lançamento de sua candidatura a vereador, cargo para o qual foi eleito.
Certos de que o mandatário “defenderá a obra evangélica e a nação da tirania comunista”,
o presidente George Faulkner e o restante da cúpula da brasileira resolviam “emprestá-lo
às atividades públicas de São Paulo, como uma contribuição daquilo que melhor temos,
para que o Reino de Deus seja beneficiado”. A decisão de se afastar das funções
dirigentes, contudo, partiu do próprio Geraldino, acreditando a liderança “que o irmão
poderia concorrer ao pleito, mesmo no exercício das suas funções, sem qualquer
constrangimento e teria de todo o ministério a aprovação”. Feito deputado estadual em
1966, o pastor foi autorizado a permanecer na carreira política pelo próprio Rolph
McPherson, presidente da IEQ nos Estados Unidos, em carta de março de 1964. Apesar
de lamentar o afastamento de Geraldino de algumas de suas funções executivas na Igreja,

872
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 1M.0.0.2819. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/2819/BR_DFANBSB_1M_0_0
_2819_d0005de0032.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
589

agradecendo também as suas visitas de evangelização à África e Portugal, McPherson


dizia-se “especialmente animado por sua visão de levar a Bíblia às mãos de todos os
Representantes pois ela é a mais poderosa arma que podemos dispor”873, desejando
sucesso no desempenho da “grande responsabilidade que Deus lhe deu”.
A participação partidária pentecostal prosseguiu na década de 1970. Em
documento de julho de 1976, a Comissão Executiva do Diretório Regional de São Paulo
da Aliança Renovadora Nacional – ARENA, partido de sustentação ditatorial, expunha
os candidatos escolhidos para a câmara municipal. Os autores do documento estavam
“certos que cada um deles saberá divulgar o “Programa da Arena” e as obras realizadas
nestes últimos doze anos”874, espaço de tempo decorrido desde o golpe de 1964. Entre os
escolhidos, figurava Alfredo Reikdal, “Pastor da Igreja Evangélica “Assembleia de
Deus”, ministro no templo do bairro do Ipiranga, que frequentava desde 1944, e
apresentador do programa de rádio Divulgação da Verdade875, veiculado em três rádios
na Grande São Paulo”. Sem conseguir eleger-se, Reikdal candidatou-se a deputado
estadual em 1978, novamente pela ARENA, e 1982, agora pelo PTB, também sem lograr
sucesso.
Novamente desafiando a ideia de que a presença partidária dos evangélicos, em
especial dos pentecostais, teria sido sistematizada apenas no ambiente da
redemocratização, já em princípios da década de 1980 o Serviço Nacional de Informações
notava um “acréscimo de seus representantes junto aos órgãos legislativos”876. Em outro
lugar, o mesmo SNI informava que em 1982 “os evangélicos brasileiros”877 conseguiram
eleger 12 parlamentares para o Congresso Nacional. Mas esse incremento era verificado
sobretudo nos legislativos estaduais e municipais, onde, conforme visto acima, as igrejas

873
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 1M.0.0.6357. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/6357/BR_DFANBSB_1M_0_0
_6357_d0009de0018.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2021.
874
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatos as Eleições de 15 Nov 76.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.76095368. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/76095368/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76095368_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.
875
Não foi possível localizar maiores informações sobre o programa.
876
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Grupos Religiosos IN 4.6.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.83013846. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/83013846/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_83013846_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.
877
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Evangelico do PMDB. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020041. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020041/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020041_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
590

iniciaram sua penetração política já na década de 1960, seguindo para a Câmara Federal
em tempos mais recentes, sugerindo um processo, amadurecido com o tempo, de projeção
nacional de lideranças político-religiosas regionais878. Além das causas políticas e
econômicas sublinhadas na Parte I, essa marcha em direção à administração federal
provavelmente se liga à evolução natural desse processo de maturação e projeção.
Embasando esta conclusão, notou retrospectivamente a Secretaria de Assuntos
Estratégicos da presidência da República que a “década de 70 registrou um crescimento
sem precedente das Seitas Pentecostais no país. Conscientes da força política adquirida,
elas passaram a buscar representação própria”879, deixando de “recorrer a políticos de
Igrejas Protestantes tradicionais - como a Presbiteriana e a Batista - para defender seus
interesses”. Ou seja, a intensificação da partidarização pentecostal da década de 1980
reflete a simultânea consolidação do enraizamento dessas organizações em solo
brasileiro, que naquela altura mantinham seguidores suficiente e pastores adequadamente
populares para emplacar um número maior de candidaturas.
Assim, já em 1982 sublinhava o SNI que das 177 cadeiras na Câmara Municipal
de São Paulo dez estavam ocupadas por evangélicos “ou pessoas de formação
evangélica”880, e que o vereador Gilberto Nascimento Silva, da Assembleia de Deus,
eleito pelo MDB, conquistou quase quarenta mil votos, vindo a ser o 11º mais votado. Já
na Câmara estadual, seis evangélicos se faziam presentes: Álvaro Alfredo Fraga Moreira,
do PDS, membro da Igreja Presbiteriana do Brasil; Ary Kara José, do PMDB, da Igreja
Presbiteriana Independe; Ademar de Barros, do PDS, metodista; Fausto Auromir Lopes
Rocha, do PDS, batista; Manoel Moreira de Araújo, do PMDB, membro da Assembleia
de Deus; e Carlos Alberto Eugênio Apolinário, do mesmo partido e Igreja. Já no
Congresso nacional, chamava-se atenção para a presença de três evangélicos enviados
por São Paulo: Francisco Dias Alves, da Igreja Presbiteriana Conservadora, eleito pelo
PMDB com quase oitenta mil votos; Rafael Gióia Martins Júnior, um batista do PDS; e
Estevam Galvão de Oliveira, metodista filiado ao PDS.

878
Como por exemplo no caso de Geraldino dos Santos, que, antes de deputado estadual, foi vereador em
São Paulo. Outro bom exemplo é o batista Fausto Auromir Lopes Rocha, deputado estadual pela Arena em
1978 e 1982 e eleito deputado federal em 1986, como vimos com o apoio financeiro da Igreja da Unificação.
879
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.EEE.900023963. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900023963/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_900023963_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
880
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Grupos Religiosos IN 4.6.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.83013846. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/83013846/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_83013846_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.
591

Sem fazer qualquer tipo de juízo, o SNI limitava-se a registrar o avanço político
evangélico. O mesmo, contudo, não pode ser dito sobre a ala católica progressista, objeto
do mesmo documento, responsável por constantes “críticas à política governamental”
sobretudo nos temas “Lei de Segurança Nacional”; “Eleições de Nov. 82”, “Mordomias”;
“Índios”; “Posseiros”; “Ausência de participação do trabalhador na vida nacional”;
“Desemprego”; “Falsificações de cunho ideológico”; “Comunicação Social”; “Reforma
Agrária”; “Direitos Humanos”; e “Lei dos Estrangeiros”. Tais demandas continuariam
“tendo como instrumento eficaz de propulsão as Comunidades Eclesiais de Base (CEB),
ao lado da Comissão de Justiça e Paz (CJP)”.
Se em 1963 José Quirino de Freitas Filho creditava sua eleição à popularidade
obtida como secretário da Assembleia de Deus e Geraldino dos Santos justificava o
lançamento de sua candidatura pelo “insistente apelo dos pentecostais”881, em princípios
dos anos 1980 as igrejas pentecostais continuaram apoiando firmemente candidatos
próprios com campanhas ostensivas no interior de templos. Segundo informado em
novembro de 1982 pela Delegacia em Juiz de Fora da Polícia Federal, o líder da Igreja do
Evangelho Quadrangular, Mariano Júnior, após culto, “pediu alguns minutos de atenção
aos ouvintes, fazendo em seguida propaganda política” para os candidatos a deputado
federal e estadual, pelo PMDB, Mário de Oliveira e Antônio Alves. Distribuindo
panfletos, o pastor dissera “Estes são irmãos, por que votar em um estranho?!” 882. Ainda
em novembro de 1982, a IEQ de Juiz de Fora distribuía um folheto com o título “Eleição”,
onde insinuava um paralelo entre o pleito que se aproximava e a eleição divina dos
cristãos para a salvação espiritual do mundo. Dizia o papel:

o voto, como se sabe, representa a confiança que alguém deposita em alguém.


Representa também a esperança de ver esse alguém em quem se confia,
empreender e realizar alguma coisa ou alguma obra digna. É assim que Deus
espera em nós cristãos. Ele confia e espera que cada um de nós realize a sua
obra (SIC).

881
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB 1M.0.0.6357. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/6357/BR_DFANBSB_1M_0_0
_6357_d0009de0018.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2021.
882
ARQUIVO NACIONAL. Delegacia de Polícia Federal em Juiz de Fora (Minas Gerais). Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB HE.0.IVT.0071. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_he/0/ivt/0071/br_dfanbsb_he_0_ivt_0071_d0
001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.
592

Anexa ao mesmo dossiê, numa “Carta Aberta” ao povo mineiro distribuída por
Mário de Oliveira, este se apresentava como confiável para o depósito do voto, afinal,
“Ninguém melhor do que um homem de minha condição de Pastor de Almas, para
conhecer de perto os problemas do povo”. Comprometia-se a contribuir nos “muitos
muros por edificar no campo da saúde, da educação, do mercado de trabalho, da justiça
social” “e principalmente na defesa dos ideais do povo cristão evangélico do Brasil,
muitas vezes marginalizados, não consultados, e desprezados na hora das grandes
decisões do interesse evangélico brasileiro” (SIC).
Formado em Teologia pelo Instituto Brasileiro do Evangelho Quadrangular em
1986, o pastor Oliveira acumula sucessivos mandatos de deputado federal, até hoje
atuando no interior da bancada evangélica. Com passagem pelo PMDB, PP e PPB,
presentemente vincula-se ao PSC. Foi presidente nacional da Igreja do Evangelho
Quadrangular entre 1996 e 2008; diretor e redator da Revista Quadrangular; secretário
executivo estadual da IEQ; e fundador das Casas de Recuperação para Mulheres e Jovens
Viciados da Igreja do Evangelho Quadrangular em Belo Horizonte - MG. É também
membro do Conselho Nacional de Diretores da Igreja do Evangelho Quadrangular. Em
2013, o STF abriu inquérito para apurar suspeitas de seu envolvimento em ameaça, desvio
de recursos públicos, corrupção de testemunhas, sonegação fiscal e tentativa de
homicídio.

3.1 – Os políticos religiosos e o PDS, herdeiro da ARENA

Em princípios dos anos 1980, o PDS foi a sigla predileta de políticos pentecostais
e evangélicos conservadores de maneira geral, situação que mudaria rapidamente ao
longo do decênio com a sua deterioração e a escalada meteórica do PMDB. Essa filiação
é visível entre muitos dos parlamentares religiosos destacados pelo SNI em 1982 e no
total comprometimento que a sigla recebia de algumas igrejas, como por exemplo a
obscura883 Igreja pentecostal Assembleia dos Santos, sediada em Belo Horizonte, cujo
líder, o “patriarca” Amantino Ribeiro Neto, lançou-se a governador nas eleições de 1982.
Buscando reforçar sua intimidade com os cabeças do regime, Amantino escreveu
para João Figueiredo em setembro de 1982, agradecendo recorrentes visitas do ditador a

883
Poucas informações sobre esta Igreja foram apuradas na pesquisa bibliográfica e documental.
593

Minas Gerais e renovando votos de confiança na sua “capacidade administrativa” 884 “para
deter com urgência a maneira selvagem da oposição fazer política”. No mesmo ano
corriam eleições municipais, e para estas a Assembleia dos Santos também apresentava
candidatos pelo PDS, como Petrônio da Silva Gomes e José Vitoriano Diniz. Este último
escreveu para Amantino em trinta de agosto pedindo uma maior ajuda do patriarca “no
sentido de conseguirmos número maior de votos” pois “a vitória do Partido será sempre
a vitória do grande brasileiro João Figueiredo”.
Importante quadro do PDS no estado, Amantino foi o nome do partido para a
eleição ao executivo de Belo Horizonte alguns anos depois, em 1988. Segundo o SNI, a
aproximação do PDS com os evangélicos significava “uma tentativa da direção partidária
com a finalidade de se conseguir um melhor desempenho nas urnas”885 num estado onde
o partido encontrava-se enfraquecido.
Além das ligações com o mundo partidário, saltam aos olhos outras características
da Assembleia dos Santos em comum com as demais organizações religiosas pentecostais
surgidas no período. Prenunciando a criação de milícias religiosas, como os Gladiadores
do Altar, grupos de jovens com treinamento de inspiração militar dispostos a travar
batalhas pela IURD, a Igreja foi acusada em 1995 de formar um “grupamento paramilitar”
(POLÍCIA apreende nove fardas em igreja evangélica, 1995). Conforme noticiado pela
Folha de São Paulo, a polícia de Minas Gerais apreendeu “fardas e adesivos”, guardados
pelo “patriarca”, que indicariam a criação de uma milícia privada. Amantino, porém,
respondera que estaria, sim, organizando um “Grupamento Evangélico de Guarda Civil”,
com a ajuda de “pessoas da igreja que são ex-policiais”, mas que se tratava de organização
legal, já registrada, aguardando apenas a concessão de alvará de funcionamento. Em
1991, contudo, o pastor já havia sido condenado a um ano de prisão “por formar uma
guarda mirim e entregar armas de fogo para crianças e adolescentes”, caso que não passou
despercebido pelas esferas governamentais superiores. Em maio daquele ano, escreveu a
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República que os soldados mirins
do “patriarca” costumavam desfilar pelas ruas do bairro belo-horizontino de Pompéia “em

884
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Código de Referência: BR
DFANBSB JF.JBF.0.103. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0103/BR_DFANBSB_JF_JBF
_0_0103_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.
885
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Convenção Municipal do Partido
Democratico Social, PDS MG. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.88013927.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ooo/88013927/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_ooo_88013927_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.
594

formação militar, armados com cassetetes” 886 e entoando os cânticos: “Terreiro de


bandido não se varre com vassoura, se varre com fuzil, cassetete e metralhadora” e “Uei,
Uei, Uei, Adamantino887 é o nosso Rei”.
Em outro documento, a Secretaria oferece uma biografia sucinta de Amantino.
Militante de longa data do PDS, além das candidaturas para os poderes Executivos de
Minas Gerais, foi candidato a deputado federal pela legenda em 1990, sem conseguir
novamente eleger-se. O texto concentra-se sobretudo numa considerável ficha criminal,
que sugere um longo rastro de abusos e truculência nas carreiras policial e religiosa.
Guarda civil e policial militar antes de se tornar pastor, Amantino fora desligado das duas
instituições, ao que parece por problemas disciplinares. O primeiro registro criminal
listado pela Secretaria retrocede a 1958, quando foi indiciado em Nova Lima - MG por
sedução de menores. Em março de 1963, foi indiciado na Superintendência de Polícia
Judiciária de Correições pelo crime de “Lesões Corporais - Violência Arbitrária”888, e em
abril de 1964 por lesão corporal pela Corregedoria de Polícia. Voltou a ser alvo de
processos de sedução de menores em 1976, condenado a três anos de prisão, ano em que
foi também acusado de curandeirismo, provavelmente já mantendo atividades religiosas.
Em junho de 1984 é novamente indiciado, mas agora por falsidade ideológica. As
acusações de pedofilia prosseguiram na década de 1990, quando moradores do bairro de
Vera Cruz, em Belo Horizonte, tentaram linchá-lo por “seduzir menores de idade, sob o
pretexto de combater o tráfico de drogas”, menores que seriam atraídos para a Guarda
Mirim, formada por crianças entre 12 e 17 anos.
Amantino e sua Igreja parecem ter desaparecido do mapa, ausentes na
documentação em tempos mais recentes. Talvez pelas enrascadas do “patriarca”, talvez
pela insistência em permanecer no moribundo PDS, enquanto a maior parte dos políticos
evangélicos migrava para o PMDB, que se agigantava na década de 1980, absorvendo
inclusive vastos setores conservadores.

886
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.OOO.910016254. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ooo/910016254/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ooo_910016254_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
887
Talvez querendo frisar supostas qualidades, Amantino se apresentava como “Adamantino”, termo se
significa resistente, rígido.
888
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.MMM.920016796. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/920016796/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_920016796_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
595

4 – Anos 1980: sai de cena a ditadura, cresce o PMDB e amplia-se o protagonismo


pentecostal

Entre outros acadêmicos, Zózimo Trabuco (215, p. 292) detecta um renovado


ânimo de evangélicos progressistas e conservadores em participar da política nos anos
1980. Tal movimento, entretanto, teria favorecido sobretudo os pentecostais, incluído
pelo historiador entre os evangélicos conservadores. Assim, “com bases religiosas mais
amplas, com estratégias políticas de ocupação do Estado mais organizadas, e com maior
inserção nos meios de comunicação” estes viram seus números atingirem patamares
inéditos ao longo da década, rendendo-lhes a maioria das cadeiras na bancada evangélica
na Câmara federal.
O momento viu também a entrada de um novo ator político: a Igreja Universal do
Reino de Deus, fundada em 1977 e que pouco depois já aderia à marcha partidária
pentecostal ao lado das tradicionais Assembleia de Deus e Igreja do Evangelho
Quadrangular, vindo mesmo, em tempos mais recentes, a suplantá-las. De acordo com o
ex-pastor Mário Justino (2021, p. 64), o interesse partidário iurdiano torna-se explícito já
em 1982, quando, dizendo “querer salvar o Rio de Janeiro do “comunista” Leonel
Brizola”, trabalhou pela candidatura derrotada de Sandra Cavalcanti, ligada ao ex-
governador udenista Carlos Lacerda e posteriormente à ARENA. Mas foi às vésperas da
Constituinte que a Igreja teria redobrado seus esforços neste campo. Após 1986, conta o
mesmo Justino (2021. p. 64) que a IURD passara a “apoiar candidatos em vários estados”,
além de lançar os seus próprios, como o irmão de Edir Macedo, Eraldo, naquele ano eleito
deputado estadual no Rio de Janeiro, e Roberto Augusto, deputado federal pelo mesmo
estado, pois “já não queriam apenas intermediários”. Enquanto isso, na segunda mais
importante base iurdiana, a Bahia, a Igreja conseguiu emplacar Mário Kértz, do PMDB,
que, também nas palavras de Mário Justino (2021, p. 64), “sendo desafeto de Antônio
Carlos Magalhães, jamais teria chegado à prefeitura de Salvador sem o apoio da Igreja”.
Em meados da década, o vínculo de muitos desses parlamentares religiosos com
o PMDB, legenda originada do MDB, partido de oposição à ditadura fundado durante o
vigor do regime bipartidário, não pode ser lido como um indicativo de inclinações
predominantemente progressistas889. Em primeiro lugar pois, com o retorno do

889
Ainda que provavelmente não fossem maioria no partido, conforme Trabuco (2015, p. 258), o PMDB
recebeu bom número de religiosos progressistas.
596

multipartidarismo em finais de 1979, a esquerda brasileira se reorganizou sobretudo nos


nascentes Partido dos Trabalhadores - PT e Partido Democrático Trabalhista - PDT. Em
segundo lugar porque, nos anos seguintes, o PMDB acabaria se configurando como esteio
de uma transição democrática conservadora sob o governo José Sarney, nome egresso das
legendas de sustentação da ditadura ARENA e PDS.
Outro fator a ser levado em conta na filiação de pastores políticos a partidos não
explicitamente situados à direita é o puro cálculo eleitoral. Foi o caso do delegado e pastor
da Assembleia de Deus, João de Deus Antunes, deputado federal mais votado pelo PDT
do Rio Grande do Sul nas eleições de 1986. O Comando Militar do Sul, porém, escreveu
que o parlamentar “não comunga das mesmas ideias do Presidente Nacional do PDT,
Leonel de Moura Brizola, tendo realizado sua campanha apoiado nas amizades que possui
entre os seus colegas policiais e os adeptos da sua religião”890. Sua filiação, portanto, “foi
fruto de conclusões a que chegou, após minuciosos estudos. Segundo esses estudos,
aquele Partido era o que se encontrava em maior ascensão, à época, e por isso lhe
proporcionava melhores oportunidades à uma vitória nas urnas” (SIC). A hipótese de que,
neste momento, a escolha de legendas para o lançamento de candidaturas evangélicas
tenha se ligado mais a fatores estratégicos do que a coincidências programáticas também
é reforçada por palavras do SNI em fevereiro de 1987. Segundo o órgão, os parlamentares
evangélicos estariam “dispersos em diversos partidos por circunstâncias eleitorais” 891,
manifestando durante a Constituinte “insatisfação com suas agremiações” ao sentirem-se
“afastados do processo de tomada de decisões partidárias”.
Houve, porém, uma flagrante predileção evangélica pelo PMDB, ao lado de uma
debandada do decadente PDS e generalizada repulsa ao Partido dos Trabalhadores 892.
Ilustram essa preferência informações contidas em escrito do SNI sobre as eleições
municipais de 1988. Apurou-se que, naquele ano, 56,52% dos candidatos evangélicos em
todo o Brasil saíram pelo PMDB e apenas 4,38% pelo PT. O contrário do verificado junto

890
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Publicações sobre o Posicionamento do
Deputado Federal João de Deus Antunes, PDT. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/87014365/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_87014365_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
891
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/87063733/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_aaa_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 28 maio 2021.
892
Com a exceção da parlamentar Benedita da Silva. Esta, embora membro da Assembleia de Deus, logo
afastou-se da bancada evangélica. Outro “ponto fora da curva” foi o também assembleiano José Fernandes,
eleito pelo PDT.
597

ao montante dos candidatos católicos, dos quais 47,37% lançaram-se pelo PT893. No que
se refere ao total de candidatos religiosos em todos os partidos, entretanto, o SNI indica
já em 1988 uma prevalência evangélica, de 44,23% contra 36,54% de católicos. Notava-
se também que “a maioria optou pela vereância” 894, 59,61%, enquanto 36,54% foram
candidatos às prefeituras. Já entre os pentecostais membros da bancada evangélica em
1987, é possível observar que o PMDB trouxe sete deles, tendo logo atrás o PFL e o PTB,
ambos com três cada um, e o PDC, com dois deputados. Prevalecem, portanto, partidos
que podem ser caracterizados como centro-direita (PMDB, PDC895) e direita (PFL896,
PTB897).
Vindo a conformar-se como o partido governista por excelência, o vínculo de
muitos políticos evangélicos ao PMDB pode ser compreendido como sintoma do
interesse dessas igrejas em permanecerem em contato com as esferas governamentais
superiores. Preferência que se remete, também, ao fato de ter a legenda se tornado de
longe o maior partido político do país898, com amplo espaço de propaganda eleitoral
gratuita no rádio e na TV.
A robusta estrutura eleitoral do PMDB contava inclusive, em estados como Goiás,
com um Movimento Democrático Evangélico - MDE, segundo o SNI um “órgão de
cooperação partidária, regido pelo Programa e Código de Ética do PMDB/GO” 899. Em
termos concretos, ali se procurava “Defender os interesses e ideais da comunidade

893
De fato, 69,23% de todos os candidatos religiosos do PT eram católicos, dos quais 61,54% eram padres.
894
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos nas Eleições
Municipais de Nov 88. SE142 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88068868.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/88068868/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_88068868_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
895
O Partido Democrata Cristão - PDC foi fundado em 1985 por Mauro Borges Teixeira, político goiano
egresso do PMDB. Um dos seus membros mais proeminentes foi José Maria Eymael, como vimos eleito
deputado federal por São Paulo em 1986 com o apoio da Igreja da Unificação. Foi extinto em 1993 quando
fundiu-se ao PDS para originar o Partido Progressista Reformador - PPR.
896
O Partido da Frente Liberal - PFL foi fundado em 1985 a partir de defecções do PDS, partido de
sustentação da ditadura em seus últimos dias.
897
A legenda Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, o mais importante partido de tons populares pré-1964,
foi objeto de disputa entre Leonel Brizola e Ivete Vargas. Esta última acabou se dando melhor diante da
Justiça eleitoral, imprimindo à recente edição do PTB uma orientação completamente diferente da
pretendida por Brizola, vindo a abrigar expoentes da direita política, como Jânio Quadros e Roberto
Jeferson. Sob o comando da sobrinha de Getúlio Vargas o partido voltou a funcionar em 1981.
898
Nas eleições para os governos estaduais de 1986 o PMDB obteve uma vitória acachapante, vencendo
em todos os estados do país, exceto em Sergipe, onde Antônio Carlos Valadares, do PFL, foi o eleito.
899
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Posse da Executiva Regional do
Movimento Democratico Evangelico do PMDB GO. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.88011816. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/88011816/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_88011816_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
598

evangélica”, “Promover a efetiva participação dos evangélicos nos centros de decisão


política”; “Fortalecer as entidades evangélicas para que possam cumprir os seus objetivos
e participar na execução dos programas sociais”; “Buscar a descentralização de poderes
para a maior agilização das reivindicações do evangélicos”; e “Lutar pela valorização do
evangélico dentro do quadro político partidário”. Na diretoria empossada em 1988, o
MDE tinha como presidente o pastor assembleiano Mário de Gonzaga Jacó900, abrigando
também as igrejas Presbiteriana, Metodista do Brasil, Igreja de Cristo e Batista. Dando a
medida da importância conferida ao acontecimento, compareceram à posse dos pastores-
diretores o governador Henrique Antônio Santillo, o deputado federal Antônio Jesus Dias
“eleito principalmente com os votos dos evangélicos”, e o governador do Distrito Federal
Joaquim Roriz, nomeado por José Sarney em 1988.
O grande sucesso eleitoral evangélico, no entanto, era creditado pelo SNI
sobretudo à publicidade feita no interior das igrejas, frisando que “mormente entre os não
católicos a atividade religiosa passa a se transformar em um trampolim para a carreira
política, com a vantagem de não exigir grandes investimentos financeiros em campanhas
eleitorais”901. No mesmo documento, o Serviço traz ainda perfis de 52 religiosos que se
candidataram em 1988, entre os quais destacam-se os católicos, objetos de muitos
comentários, e membros da Assembleia de Deus e da Igreja do Evangelho Quadrangular,
reunidos sobre o título “Evangélicos”, sobre os quais pouco se fala. Com o maior número
de candidatos entre todos os grupos religiosos, em número de 23, os “Evangélicos”
tinham 13 políticos vinculados ao PMDB, três ao PDC, um ao PDS, quatro ao PFL, um
ao PL e um ao PT. Outras igrejas evangélicas eram apresentadas separadamente. O grupo
“Batista” apresentava dois candidatos, do PMDB e do PTB, o “Adventista” um candidato
pelo PMDB, e o “Protestante”902 três candidatos pelo PT e um pelo PFL. O único
candidato pentecostal pelo Partido dos Trabalhadores foi o presbítero da Assembleia de
Deus Alcides Inácio dos Santos, em São João do Mirador - SC, que, notava o serviço,

900
Sobre ele pouco pôde ser apurado, mas constatei que, atualmente, Jacó compartilha na rede social
Facebook material de extrema direita, por exemplo pedindo um novo golpe militar e a extinção do Partido
dos Trabalhadores.
901
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos nas Eleições
Municipais de Nov 88. SE142 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88068868.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/88068868/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_88068868_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
902
O documento não esclarece quais igrejas compõem esse grupo, mas, por eliminação, imagino que ele se
refira às protestantes históricas.
599

“Deverá se desligar do Ministério Evangélico”, ilustrando as dificuldades enfrentadas


pelos assembleianos progressistas junto aos seus companheiros de fé.
Distribuídos entre um cada vez mais largo feixe de partidos conservadores, porém,
os parlamentares evangélicos logo buscaram constituir um bloco coeso e relativamente
autônomo, registrando o SNI que, no contexto da Constituinte, passaram eles a “formar
um grupo independente em relação aos seus partidos, sem seguir as lideranças formais e
participando diretamente dos entendimentos com autonomia”903.

4.1 - Surge a bancada evangélica

Nas eleições legislativas de 1986 a expansão partidária evangélica prosseguiu,


fazendo 33 deputados federais. Desse grupo originou-se o bloco de pressão conhecido
como bancada evangélica.
Sintomático da renovada disposição evangélica em converter rebanhos em
eleitores foi o livro Irmão Vota em Irmão904, lançado em 1986 pelo assembleiano Josué
Sylvestre. Conforme depreende-se do título, trata-se de uma exortação para que a
população evangélica preferisse candidatos da mesma fé. Nascido em Carpina - PE,
Sylvestre tem amplo histórico partidário, representante da Paraíba em 1960 na Convenção
do Movimento Nacionalista Brasileiro que homologou a candidatura à presidência da
República do general Teixeira Lott; secretário de Administração da prefeitura de sua
cidade natal entre 1963 e 1964; secretário do Diretório Municipal do PSB e membro do
Diretório Estadual; diretor municipal e estadual e delegado da Convenção Nacional do
MDB e do PMDB; sendo atualmente filiado ao PSDB de Campina Grande. Trabalhou no
Senado Federal e foi diretor e um dos fundadores do Grupo Evangélico de Ação Política
- GEAP, aberto em 1985 para viabilizar as candidaturas de evangélicos à Assembleia
Nacional Constituinte, tendo participado “da coordenação de mais de 30 campanhas
eleitorais nos últimos 50 anos, em diferentes regiões do país” (CADEIRA 40, [s.d.]). Seu
engajamento religioso conservador transparece desde 1974, quando dirigia a Cruzada

903
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confederação Evangélica do Brasil.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020924. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020924/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020924_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
904
Ilustrativo de sua grande circulação, o livro recebeu cinco edições, segundo informações colhidas na
página da Academia Evangélica de Letras do Brasil. Posteriormente relançado em versão compacta e
atualizada, teria tido mais três edições.
600

Billy Graham, entidade organizadora das turnês do batista fundamentalista por todo o
mundo, fato também significativo de suas conexões com porções internacionais do
Partido da Fé Capitalista, expresso também pelas muitas vezes que representou o Brasil
nas convenções internacionais da Gideões Internacionais, fundada nos Estados Unidos
em 1899 e dedicada a distribuição gratuita de Bíblias em mais de duzentos países905.
Segundo a página da Gideões, seus membros restringem-se a “homens de negócios
cristãos e profissionais acima de 21 anos, ou homens de negócios e profissionais
aposentados” (FREQUENTLY Asked Questions, [s.d.]). E por falar em negócios, de
acordo com a Academia Evangélica de Letras, formado em Administração Bancária e
Financeira, na PUC, e em Administração de Recursos Humanos, na FGV - RJ, Sylvestre
atuara, também, como “executivo de grupos financeiros e empresariais” (CADEIRA 40,
[s.d.]). Atualmente, é professor da Escola Bíblica Dominical do Templo Central da
Assembleia de Deus em Curitiba - PR.
Dona do maior número de parlamentares evangélicos eleitos em 1986 e, como
vimos, emplacando deputados estaduais desde ao menos 1962, a Assembleia de Deus foi
ponta de lança no alargamento do espaço partidário pentecostal. Para tanto, somavam-se
à iniciativa de Josué Sylvestre ações de outros líderes assembleianos, como o presidente
da Igreja de Belém, Paulo Machado, que durante culto no Templo Central apresentou dois
candidatos oficiais da Igreja à Câmara federal, Eliel Rodrigues e Mario Freitas,
enfatizando a importância do voto em fiéis nas eleições de 1986 (CHESNUT, 1997, p.
154).
Papel importante na alavancagem partidária evangélica, articulando as diferentes
igrejas interessadas, teve a ressurreta Confederação Evangélica do Brasil - CEB. Fundada
em 1934 e praticamente abandonada após atravessar muitas dificuldades nos anos
ditatoriais, a organização foi revitalizada em 1986, quando, segundo o SNI, “a
comunidade evangélica sentiu que era chegado o momento de unir forças com vistas a
uma representação constituinte legítima”906. Uma nova diretoria foi eleita em junho de
1987, composta de muitos evangélicos recém-eleitos, como Gidel Dantas, seu presidente;
Salatiel Souza, o 1º vice-presidente; Fausto Auromir Lopes, 3º vice-presidente; Daso

905
A organização destaca-se pela doação de Bíblias a hotéis. Quem nunca se deparou com um exemplar do
livro na mesa de cabeceira de habitações onde se hospedou?
906
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confederação Evangelica do Brasil, CEB
Gidel Dantas Queiroz e Outros. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.88004262.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/88004262/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_88004262_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
601

Coimbra, 1º secretário; José de Oliveira Fernandes, 1º tesoureiro; Milton Barbosa, 2º


tesoureiro; Antônio da Conceição Costa Ferreira, conselheiro; e Manoel Moreira de
Araújo, também conselheiro907. Para ressurgir, a CEB contou com generosas ajudas do
governo federal, por intermédio de órgãos como a Legião Brasileira de Assistência -
LBA908, que, segundo o SNI, teria doado em novembro de 1988 “um cheque no valor de
100 milhões de cruzados, para obras sociais”. Conforme matéria do Jornal do Brasil
mencionada pelo Serviço, também os ministérios do Planejamento e da Educação
forneceram mais setenta milhões. De acordo com Dreifuss (1989, p. 202), o governo
Sarney aplicara ainda outros 8,55 milhões de cruzados na CEB, das mãos do ministro do
Planejamento, Aníbal Teixeira, para “a compra de um terreno destinado à instalação da
sede”. Tais fatos, porém, não foram bem-vistos por alguns setores evangélicos, como a
Igreja Evangélica de Confissão Luterana, cujo conselho diretor decidiu pela não filiação
à CEB “por não reconhecê-la como representante legítima das Igrejas Evangélicas e por
estranhar “a natureza política” por ela assumida”909.
Também a Igreja da Unificação cumpriu importante função na eleição de políticos
conservadores, evangélicos, como Fausto Auromir, ou não, como Guilherme Afif
Domingos, tendo também, como mencionado no capítulo 8, financiado partidos pelos
quais se lançaram muitos dos integrantes da bancada evangélica. Nas eleições
majoritárias de 1986, segundo o SNI, a CAUSA Brasil apoiou candidatos da coligação
“União Popular”910, formada pelas legendas direitistas PDS, PFL, PPB, PDC, PMB e
PND. Já conforme Dreifuss (1989, p. 94), a Causa-Brasil investiu “cerca de 600 milhões
de cruzados na campanha de 60 candidatos à Constituinte, em 16 estados”, apoiando
também Jânio Quadros à prefeitura de São Paulo em 1985 e Paulo Maluf ao governo do
estado em 1986 “pois o consideravam capaz de combater o comunismo e, ao mesmo

907
De acordo com Zózimo Trabuco (2015, p. 294), apesar de manter em seus quadros muitos protestantes
históricos, a nova CEB era hegemonizada “pelas lideranças pentecostais, principalmente da Assembleia de
Deus”.
908
A LBA foi uma organização de assistência fundada em 1942. Na ditadura, foi transformada em fundação,
passando a se vincular ao Ministério do Trabalho e Previdência Social. Durante a Constituinte, a LBA ainda
era um órgão do Estado restrito brasileiro, ligada ao Ministério da Previdência Social. Foi extinta em 1995.
909
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confederação Evangelica do Brasil, CEB
Gidel Dantas Queiroz e Outros. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.88004262.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/88004262/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_88004262_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
910
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da CAUSA no Brasil. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87060643. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87060643/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87060643_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio 2021.
602

tempo, promover uma cruzada para expulsar ‘marxistas’ dos cargos ocupados no governo
federal e nas administrações estaduais”. Mas as incursões partidárias unificacionistas não
se resumiram ao financiamento de candidaturas, compreendendo também a organização
de encontros frequentes com mandatários de diversos partidos na década de 1980,
conforme visto no capítulo 9. Ainda, grupos de jovens unificacionistas procuravam
influenciar constituintes, segundo revelado pelos líderes de um dos tentáculos da Igreja,
a Associação do Movimento da Unificação para a Salvação da Pátria – AUSP, em jantar
com representantes do governo do Paraná em abril de 1988911.

4.2 – A bancada evangélica na Constituinte

O pendor economicamente liberal e anticomunista da bancada evangélica eleita


em 1986, bem como as conexões de muitos dos seus membros com o setor empresarial,
será visto mais a fundo a partir de agora.
Primeiramente, cabe apresentar quem foram esses mandatários evangélicos. Seu
número foi de 33, dos quais quase a metade, 16, eram pentecostais. Entre estes
destacaram-se os assembleianos, com uma maioria esmagadora de 14 eleitos. Eram eles
Antônio de Jesus, do PMDB goiano; Antônio da Conceição Costa Ferreira, do PFL
amazonense; Benedita da Silva, do PT fluminense; Eliel Rodrigues, do PMDB paraense;
João de Deus, do PDT e depois do PTB do Rio Grande do Sul; José Fernandes, do PDT
amazonense; José Viana, do PMDB de Rondônia; Manoel Moreira, do PMDB paulistano;
Matheus Iensen, do PMDB paranaense; Milton Barbosa, do PMDB baiano; Orlando
Pacheco, do PFL catarinense; Salatiel Carvalho, do PFL pernambucano; e Altomires
Sotero Cunha, do PDC fluminense. Seguindo-a de longe, a Igreja do Evangelho
Quadrangular elegeu dois representantes, Mário de Oliveira, pelo PMDB de Minas
Gerais, e Jayme Paliarin, pelo PTB de São Paulo. Por último, a Igreja Universal do Reino
de Deus emplacou apenas o seu cofundador, Roberto Augusto Lopes, pelo PTB do Rio
de Janeiro. Bastante coesos, as únicas dissidências pentecostais eram Benedita da Silva e
José Fernandes.

911
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conferencia da Associação do Movimento
da Unificação do Povo para a Salvação da Patria, Curitiba PR. SE143 AC. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88067311. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/88067311/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_aaa_88067311_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2021.
603

Os não pentecostais provieram sobretudo da Igreja Batista, sendo eles Fausto


Auromir Rocha, PFL - SP; Roberto Vital Ferreira, PMDB- MG; Enoch Almeida Vieira,
PDS – MA; Arolde de Oliveira, PFL – RJ; Eraldo Tinoco, PFL – BA; Nelson Aguiar,
PDT – ES; e Edésio Frias, PDT – RJ. A Igreja Presbiteriana contribuiu com Levy Dias,
PFL – MT; Rubem Branquinho, PMDB – AC; Lézio Sathler, PMDB – MG; Lysâneas
Maciel, PDT – RJ; e Celso Dourado, PMDB - BA. A Igreja Congregacional elegeu Daso
Coimbra, PMDB – RJ; a Luterana Norberto Schwantes, PMDB – RS; a Adventista Eunice
Michelis, PFL – AM; a Igreja Cristã Evangélica Naphtali Alves de Souza, PMDB – GO;
e a Igreja de Cristo Gidel Dantas, do PDC cearense.
Entre eles prevaleceria para o SNI, que como vimos no capítulo 9 tinha
dificuldades em situar na extrema direita mesmo organizações como a Associação
Brasileira em Defesa da Democracia, inclinações sobretudo centristas e direitistas, com
predomínio da primeiras. Na segunda se enquadrariam os deputados Milton Barbosa,
Eraldo Tinoco, Fausto Auromir Rocha, Salatiel Carvalho e Jayme Paliarin.
Já as ovelhas negras, ou seja, aqueles que não votaram com o restante da bancada,
foram os batistas Nelson Aguiar e Edésio Frias, os Presbiterianos Celso Dourado e
Lysâneas Maciel. Já o presbiteriano Lézio Sathler, apesar de considerado progressista,
portanto não completamente alinhado com a bancada, não foi, contudo, tão bem avaliado
pelo DIAP912, pontuando 7.0.
Deixando de lado os cinco evangélicos progressistas não pentecostais, os
pentecostais Benedita da Silva e José Fernandes e o luterano Norberto Schwantes, que
morreu pouco após o início dos trabalhos constituintes, ficamos com um “núcleo duro”
da bancada evangélica formado por 25 parlamentares, tratando-se, sobretudo, daqueles
reunidos em torno da Confederação Evangélica do Brasil.
Os serviços de inteligência do Estado brasileiro trazem informações que ajudam
a formar uma imagem dessa porção hegemônica da bancada, que veremos em detalhe nas
próximas páginas. Para tanto, me será útil ainda o dicionário biográfico eletrônico do
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação
Getúlio Vargas, um perfil dos constituintes publicados pelo escritório de Lobby

912
Dirigido e composto por trabalhadores de inúmeras entidades sindicais, o DIAP procura acompanhar a
atividade legislativa no Brasil no que diz respeito sobretudo à transformação em norma das reivindicações
da classe trabalhadora. Neste espírito, a organização atribuiu a cada um dos constituintes notas que
refletiriam sua adesão aos interesses dos assalariados no interior da Assembleia. Tais notas foram
publicadas no livro Quem foi quem na Constituinte: nas questões de interesse dos trabalhadores (DIAP,
1988).
604

SEMPREL, arquivado pelo SNI, e as notas a eles conferidas pelo Departamento


Intersindical de Assessoria Parlamentar - DIAP. Desconsiderando questões referentes aos
costumes, onde é ponto pacífico que a bancada assumiu posições conservadoras coerentes
com pregado por suas igrejas, como por exemplo o unânime veto à legalização do aborto,
verei de perto cada um desses deputados e como eles se comportaram em matéria
econômica e nas mais importantes votações concernentes aos direitos dos trabalhadores.
Membro da Igreja Batista, Arolde de Oliveira913 era um ex-militar com variada
formação, versado em Engenharia, Economia, Mecânica Quântica e Matemática, com
passagem também pela Escola Superior de Guerra - ESG. Nos governos ditatoriais
desempenhou recorrentes funções administrativas, como superintendente da
EMBRATEL na Amazônia em 1971, secretário de Telecomunicações do Ministério das
Comunicações em 1973, diretor da EMBRATEL em 1974, diretor do DENTEL no Rio
de Janeiro em 1979, vice-presidente da companhia de telefones do estado do Rio de
Janeiro TELERJ e conselheiro da Superintendência da Amazônia SUDAM. Com ficha
ideológica limpa no SNI, foi outro evangélico atuante na Câmara federal desde 1982,
então empossado como suplente. Para sua eleição em 1986, contou com “o apoio
ostensivo dos protestantes de Niterói/RJ”914, prevendo o SNI que na Constituinte se
alinharia “aos setores mais conservadores do Congresso Nacional”. Segundo o
SEMPREL, Oliveira foi um “privatista”915 e defensor da “flexibilidade para os
investimentos estrangeiros”. Já a base de dados do CPDOC-FGV informa que Oliveira
foi um dos vice-líderes do PFL na Constituinte, posicionando-se contra a limitação do
direito de propriedade privada, a remuneração extra de 50% para as horas extras de
trabalho, a nacionalização do subsolo, a estatização do sistema financeiro, a

913
Oliveira morreu em 21 de outubro de 2020, quando cumpria o mandato de senador, vitimado pela
epidemia de COVID-19. Segundo matéria divulgada pelo G1, portal de notícias do Grupo O Globo, em
seus últimos meses de vida manifestou-se contra o isolamento social, medida recomendada pela
Organização Mundial de Saúde - OMS para a contenção da epidemia, e a favor do medicamento
Cloroquina, sem eficácia para o tratamento da doença (SENADOR morto por Covid, Arolde de Oliveira
defendia uso de cloroquina e era contra o isolamento, 2020).
914
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
915
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Perfil da Constituinte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87061031/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87061031_d0003de0003.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
605

desapropriação da propriedade produtiva e a estabilidade no emprego (OLIVEIRA,


AROLDE, [s.d.]), obtendo, assim, nota 0,75 do DIAP.
“Ingresso na vida política graças ao seu prestígio como pastor protestante” 916, o
batista Enoch Almeida Vieira inicia carreira partidária em 1970, quando foi vereador em
São Luís - MA, elegendo-se posteriormente deputado estadual em 1974 e federal em 1982
e 1986, sempre pelos partidos direitistas ARENA e PDS. Considerado um “Governista
oportunista”, o SNI lhe nutria grandes desconfianças, havendo em seus arquivos registros
que lhe atribuiriam no passado simpatias comunistas e atitudes em defesa de posseiros,
em Barra do Corda - MA, frente a empresas que o deputado acusara de usar força contra
os primeiros. Não obstante, segundo o SEMPREL era amigo íntimo de José Sarney e
“considerado liberal”917. Na Constituinte, votou contra a maior remuneração das horas
extras, a jornada semanal máxima de quarenta horas, o turno de trabalho máximo de seis
horas ininterruptas, a estatização do sistema financeiro, a soberania popular, a
nacionalização do subsolo, a criação de um fundo de apoio à reforma agrária e a
desapropriação da propriedade produtiva (ENOC ALMEIDA VIEIRA, [s.d.]). Obteve do
DIAP apenas 0,5.
Também batista, Eraldo Tinoco era um intelectual conservador da área da
Educação. Antes de deputado, foi assessor-chefe da Secretaria da Educação e Cultura da
Bahia no governo de Antônio Carlos Magalhães, da ARENA, entre 1971 e 1974. Alçado
à administração federal no governo Geisel, foi diretor do Departamento de Pessoal do
MEC de 1974 a 1977 e secretário de apoio do MEC de 1977 a 1979. Voltando à Bahia,
foi secretário de Educação entre 1979 e 1982 na segunda gestão de ACM. Foi mais um
dos evangélicos a se eleger deputado federal ainda em 1982, concorrendo pelo PDS.
passando para o PFL, aparece em 1986 como segundo vice-presidente da Comissão
Executiva Nacional desta legenda. Uma ressalva lhe era feita no campo ideológico:
quando secretário de Educação e Cultura na Bahia teria instruído o diretor do Colégio
Central a não fornecer aos órgãos de inteligência informações sobre as atividades de
estudantes daquele colégio no movimento secundarista de Salvador. Não obstante,

916
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
917
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Perfil da Constituinte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87061031/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87061031_d0002de0003.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
606

integrava o grupo “Carlista”918, sob liderança do ex-governador da Bahia, e era “a favor


da reserva de mercado, da privatização da economia e do sistema parlamentar de
governo”. Votou contra a limitação do direito de propriedade, a remuneração superior
para a hora extra, a jornada semanal de quarenta horas, o turno ininterrupto de seis horas,
a nacionalização do subsolo, a estatização do sistema financeiro, o limite de 12% ao ano
para os juros reais, a criação de um fundo de apoio à reforma agrária e a desapropriação
da propriedade produtiva (TINOCO, Eraldo, [s.d.]). Conforme o DIAP (2002, p. 55), na
Constituinte “teve como principal objetivo reduzir a influência da esquerda na votação
dos direitos sociais e ordem econômica”. Sendo assim, quase zerou, conseguindo nota
apenas 0,25.
O batista Fausto Auromir Lopes Rocha, como vimos um dos eleitos com o apoio
da Igreja da Unificação, fora deputado estadual em São Paulo pela Arena em 1979 e pelo
PDS em 1983, além de secretário de Desburocratização do governo Paulo Maluf. Ficha
ideológica limpa, era também diretor da Associação Evangélica Beneficente - AEB, e da
Associação Cristã de Moços - ACM. Votou contra a limitação do direito de propriedade
privada, a estabilidade no emprego, a remuneração superior para o trabalho extra, a
jornada de trabalho de quarenta horas, o aviso prévio proporcional, o turno ininterrupto
de seis horas, a soberania popular, a nacionalização do subsolo, a estatização do sistema
financeiro, a proibição do comércio de sangue, a criação de um fundo de apoio à reforma
agrária, e a desapropriação da propriedade produtiva (FAUSTO AUROMIR LOPES
ROCHA, [s.d.]), tendo assim nota 0,5 no DIAP. Ao lado de Manoel Moreira, era
considerado pelo SNI líder da bancada evangélica.
O batista Roberto Vital Ferreira, vereador em Minas Gerais entre 1982 e 1986,
também não tinha anotações em sua ficha ideológica e psicossocial junto ao SNI. Era
médico e empresário, possuindo “três clínicas especializadas em Raios X e
Abreugrafia”919. “Liberal e conciliador”, pleiteava reformas tributárias e uma maior
autonomia administrativa dos estados frente à União. Também se dizia favorável à

918
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
919
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
607

Reforma Agrária, apesar de ter votado contra a desapropriação da propriedade produtiva


e bombado no DIAP, com nota 4,0. Votou ainda contra a limitação do direito de
propriedade privada, a jornada semanal de quarenta horas e a estatização do sistema
financeiro (ROBERTO VITAL FERREIRA, [s.d.]).
O presbiteriano Rubem Soares Branquinho, ideologicamente inatacável pelo SNI,
era, contudo, suspeito de “malversação de recursos públicos”920 quando secretário de
Transporte e Serviços Públicos no estado do Acre, entre 1964 e 1971. As denúncias teriam
inclusive sido comprovadas por comissão de sindicância, terminando o caso, porém,
abafado pelo governador Nabor Júnior, do MDB, por pressões do deputado federal
Aluízio Bezerra, do mesmo partido. Visto pelo SNI como de “centro-direita”, foi eleito
“com o apoio ostensivo do setor de transportes do Amazonas”, estado onde, segundo o
SEMPREL, tinha “terras e plantações”921. Obteve apenas 1,0 com o DIAP, votando contra
a estabilidade no emprego, a jornada de quarenta horas, o turno ininterrupto de seis horas,
o direito de greve, a desapropriação da propriedade produtiva, a criação de um fundo de
apoio à reforma agrária e a soberania popular (BRANQUINHO, Rubem, [s.d.]).
O presbiteriano e ex-prefeito de Campo Grande - MS pelo PDS, Levy Dias,
começou sua vida legislativa no cargo de deputado estadual no Mato Grosso do Sul pela
ARENA em 1970. Foi um dos mais antigos deputados federais evangélicos, eleito em
1978 e nas subsequentes legislaturas. O SEMPREL o descreveu como “Conservador,
pecuarista e proprietário de terras”, com “compromissos com o setor agrário” 922. Na
Constituinte votou contra a jornada de quarenta horas semanais, o turno ininterrupto de
seis horas, a estatização do sistema financeiro, a criação de um fundo de apoio à reforma
agrária e a desapropriação da propriedade produtiva (DIAS, Levi, [s.d.]). Obteve nota
DIAP 1,25.

920
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0002de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
921
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Perfil da Constituinte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87061031/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87061031_d0001de0003.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
922
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Perfil da Constituinte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87061031/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87061031_d0002de0003.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
608

Naphtali Alves de Souza, membro da Igreja Cristã Evangélica, prefeito de


Morrinhos - GO pela ARENA entre 1977 e 1983, era outro que tinha a ficha ideológica
incólume. À moda norte-americana, e ao gosto dos economicamente liberais, pleiteava
um texto constitucional “o mais sucinto possível”923. Próximo do líder goiano Iris
Rezende, de quem é primo, foi diretor do Consórcio Rodoviário Intermunicipal - CRISA
do governo daquele estado, por isso angariando apoio “por parte de Prefeitos, de
empreiteiras e construtoras nacionais que atuam na área de estradas vicinais no Estado”.
Recebeu também ajuda monetária do seu irmão, o empresário Arédio Teixeira, ex-diretor
do Agrobanco e então presidente da Empresa de Transporte Urbano do Estado de Goiás.
Outros laços empresariais eram detectados pelo SNI, que dizia ser ele defensor dos
“interesses dos agricultores e pecuaristas do Estado”. Atuante no interior da Subcomissão
de Orçamento e Fiscalização Financeira da Comissão do Sistema Tributário e Finanças,
teve nota 5,5 conferida pelo DIAP. Votou contra a limitação do direito de propriedade, a
nacionalização do subsolo, a estatização do sistema financeiro, a proibição do comércio
de sangue, a criação de um fundo de apoio à reforma agrária, a desapropriação da
propriedade produtiva, o turno ininterrupto de seis horas, a jornada de trabalho de
quarenta horas e a demissão sem justa causa (SOUSA, NAFTALI ALVES DE, [s.d.]).
Pastor da Igreja de Cristo, Gidel Dantas Queiroz, que assumiu uma série de cargos
públicos no Ceará durante o regime militar, teve os Estados Unidos como importante
referência em sua formação intelectual. Em 1968 o vemos inscrito no curso de
Desenvolvimento Comunitário na Agency For Internacional Development, voltando ao
país para formar-se em Administração Pública na Universidade de Miami em 1983. Foi
diretor administrativo do DETRAN de Fortaleza de 1971 até 1979, quando é empossado
diretor-geral, cargo que exerceu até 1983. Foi ainda Chefe da VI Região Fiscal da
Secretaria da Fazenda em Fortaleza, diretor-geral do Patrimônio do Estado do Ceará e
chefe do Gabinete do secretário da Fazenda de Fortaleza. Por todo o período, o estado foi
governado pela ARENA, sob César Cals, Adauto Bezerra, Waldemar Alcântara, Virgílio
Távora e Manuel de Castro, todos nomeados pelos ditadores de 64. No plano religioso,
foi secretário-executivo da Confederação Evangélica do Brasil entre 1960 e 1964 e
professor de Psicologia Pastoral no Seminário da Igreja de Cristo no Brasil entre 1974 e

923
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
609

1979. Conforme o SNI, teve “o apoio de quase todos os grupos religiosos - não católicos
- do Estado”924, exibia “tendências à direita” e era conhecido por seu anticomunismo.
Membro das subcomissões da Questão Urbana e Transporte e da União, Distrito Federal
e Território, teve nota 5,25 atribuída pelo DIAP. Votou contra a limitação do direito de
propriedade privada, a remuneração superior para o trabalho extra, a jornada semanal de
quarenta horas, a estatização do sistema financeiro e a criação de um fundo de apoio à
reforma agrária (GIDEL DANTAS DE QUEIROS, [s.d.]).
A adventista Eunice Mafalda Michiles, antes de debutar na Câmara federal, foi
deputada estadual no Amazonas pela ARENA, entre 1974 e 1978, suplente de senadora
em 1978 e senadora em 1979. Do governador amazonense do PDS, José Lindoso, foi
secretária do Trabalho e Serviço Social e diretora do Departamento de Assistência da
Previdência Social. Com ficha ideológica limpa, tinha apenas uma observação no campo
psicossocial: os serviços de inteligência registravam que em 1973 ela se manifestou
favorável ao divórcio. Notava-se também uma falha administrativa, em 1964 fora
exonerada do cargo de professora da rede estadual do Amazonas, “com base no AI-1”925,
por ter falsificado documentos “para fins de prestação de contas”, quando trabalhou no
Departamento de Assistência e Previdência Social de Maués - AM, demissão revertida
em 1972 pela Justiça do Amazonas. Sua carreira política em muito se sustentaria no
“apoio da classe evangélica” e nas conexões de seu marido, Darcy Michiles, ex-deputado
estadual. Manifestava-se “contra o aborto e favoravelmente a um programa de
planejamento familiar cristão”. Votou contra a limitação do direito de propriedade
privada, a remuneração superior para o trabalho extra, a soberania popular, a proibição
do comércio de sangue e a desapropriação de propriedade produtiva, também
concordando com a participação das multinacionais onde o capital nacional fosse
insuficiente (EUNICE MAFALDA MICHILES, [s.d.]). Obteve apenas 1,5 em seu
trabalho constituinte segundo o DIAP.

924
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
925
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
610

Daso Coimbra, da Igreja Congregacional, era um político experiente e um dos


mais antigos evangélicos na política partidária, eleito deputado estadual em 1955 pelo
PTB, em 1963 pelo PSD, em 1967, 1971, 1975 e 1979 pela ARENA e em 1983 pelo
PMDB. Por conta de seu passado no PTB, tinha restrições no campo ideológico,
registrando-se que naqueles tempos chegou a apoiar a legalização do PCB e a participar
de comemorações do aniversário do partido. Pouco depois, contudo, foi um dos principais
organizadores da partidarização evangélica, fundando em 1965 um “Grupo Parlamentar
Cristão”926, que presidiu em 1969, 1970, 1975, 1976, 1977, 1978, 1982, 1983 e 1986,
sendo também vice-presidente do Diretório Estadual da ARENA no Rio de Janeiro entre
1969 e 1970. Taxado de “conservador” pelo SNI, notava-se ainda que era favorável à
função conferida às forças armadas pela Constituição de 1967: defensora da Pátria, dos
poderes constituídos e da lei e ordem. Conforme o SEMPREL, seria ele representante dos
“interesses do setor hospitalar privado, que lhe dá apoio eleitoral” 927. Votou contra a
limitação do direito de propriedade privada, a remuneração superior para o trabalho extra,
a jornada semanal de quarenta horas, o turno ininterrupto de seis horas diárias, o aviso
prévio proporcional, a proibição do comércio de sangue, a desapropriação da propriedade
produtiva, a estabilidade de emprego, e a estatização do sistema financeiro. De acordo
com o que previra o SEMPREL, segundo o CPDOC - FGV, Coimbra teria, de fato, agido
para favorecer a iniciativa privada na estruturação do novo sistema de Saúde
implementado pela Carta de 1988 (DASO DE OLIVEIRA COIMBRA, [s.d.]). Recebeu
1,25 do DIAP.
O pastor Roberto Augusto Lopes, antes de político, foi professor de evangelismo
e vice-diretor da Faculdade Teológica da Igreja Universal do Reino de Deus. Bispo da
IURD em meados dos anos 1980, no passado fora diácono da Igreja de Nova Vida. Com
ficha ideológica limpa, era avaliado pelo SNI como “conservador e anti-comunista”928,

926
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
927
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Perfil da Constituinte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87061031/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87061031_d0003de0003.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
928
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021
611

elegendo-se com “ostensivo apoio da comunidade evangélica”. Votou contra a limitação


do direito de propriedade, a estabilidade no emprego, e a criação de um fundo de apoio à
reforma agrária (ROBERTO AUGUSTO LOPES, [s.d.]). Em maio de 1989, em
documento sobre a atuação da União Democrática Ruralista nos estados do Rio de Janeiro
e Espírito Santo, o SNI relacionou uma série de constituintes fluminenses “que de alguma
forma defendem a agricultura e a iniciativa privada, bandeira da UDR” 929. Entre eles
aparece Roberto Augusto Lopes, ao lado dos companheiros de bancada Arolde de
Oliveira e Daso Coimbra. Teve nota 5,75 conferida pelo DIAP.
Pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular, Jayme Paliarin era pecuarista,
“Conservador, defensor da moralidade”930 e “da iniciativa privada”931. Votou contra a
criação de um fundo de apoio à reforma agrária, a desapropriação da propriedade
produtiva, a estabilidade do emprego, o aviso prévio proporcional e se absteve sobre a
estatização do sistema financeiro. Ainda conforme o CPDOC, foi indicado pelo
presidente da Central Única dos Trabalhadores - CUT, Jair Meneghelli, como um dos
constituintes contrários aos interesses dos trabalhadores, ao que respondeu depositando
na tribuna da Câmara um penico endereçado a ele (PALIARIN, JAIME, [s.d.]). Obteve
nota 7,75 do DIAP.
O pastor quadrangular Mário de Oliveira foi outro evangélico eleito para a Câmara
federal já em 1982. Sem problemas ideológicos com o SNI, mantinha atuação discreta,
concentrado no “atendimento de suas bases religiosas e eleitorais” 932. Votou contra a
estatização do sistema financeiro, agindo contra o interesse dos trabalhadores em outras
discussões na Constituinte, assim ganhando 3,5 do DIAP.

929
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação Politica da União Democratica
Ruralista no Rio de Janeiro e Espirito Santo. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.CCC.89017724. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/89017724/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89017724_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
930
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Perfil da Constituinte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87061031/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87061031_d0001de0003.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
931
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Perfil da Constituinte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87061031/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87061031_d0003de0003.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
932
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.87063733. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
612

A vida partidária do pastor Antônio da Conceição Costa Ferreira começou em


1979, quando foi eleito vereador naquela cidade pela ARENA, partido do qual foi líder
na Câmara municipal, reeleito em 1982 pelo PDS. No Maranhão, além de primeiro-
secretário da Assembleia de Deus, era presidente do Gideões Internacional, organização
que, conforme vimos, tinha também Josué Sylvestre em seus quadros. Instalado nas
subcomissões dos Direitos e Garantias Individuais e do Poder Executivo, o SNI notava
que “seu ingresso na política foi precedido e facilitado pela sua militância religiosa. Eleito
para a Câmara dos Deputados com o apoio integral dos adeptos da Assembléia de Deus”.
Era destacado, ainda, seu conservadorismo comportamental e “ligações com o grupo
liderado pela família SARNEY”. Votou contra a limitação do direito de propriedade
privada, o turno ininterrupto de seis horas, a estatização do sistema financeiro, e a
desapropriação da propriedade produtiva (ANTONIO DA CONCEICAO COSTA
FERREIRA, [s.d.]). A nota a ele atribuída pelo DIAP foi 7,0.
Altomires Sotero Cunha era pastor da Assembleia de Deus, com passagem pela
diretoria da editora desta Igreja, e empresário, sócio-gerente das empresas Tecidos
Cunhatex e Aso Transportes Ltda e proprietário da loja de tecidos O Bicho da Seda, no
Rio de Janeiro. Como visto no capítulo 10, nos anos 1940 Cunha teve passagem pela
Marinha e fora inclusive militante do Partido Comunista Brasileiro – PCB. Não obstante,
convertera-se à fé pentecostal nos anos 1960, passando nas décadas posteriores inclusive
a envolver-se no contrabando de Bíblias para países socialistas933, tendo junto ao SNI
ficha sem qualquer observação de cunho ideológico e psicossocial. Para sua eleição, “foi
favorecido por sua condição de Pastor Evangélico, uma vez que recebeu expressivo apoio
dos evangélicos que professam o credo batista”934. No mais, o SEMPREL o via como um
representante dos “interesses da iniciativa privada”, um “conservador no plano
econômico e institucional”935. Votou contra a soberania popular, a criação de um fundo

933
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Theopilo Normundo Karkle Outros. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.76110301. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/76110301/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76110301_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.
934
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em 04 maio 2021
935
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Perfil da Constituinte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87061031/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87061031_d0003de0003.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
613

de apoio à reforma agrária, a limitação do direito à propriedade privada, a jornada semanal


de quarenta horas e a estabilidade no emprego. Curiosamente, entretanto, posicionou-se
favoravelmente à estatização do sistema financeiro (ALTOMIRES SOTERO DA
CUNHA, [s.d.]). Teve nota DIAP 4,75.
Da mesma Igreja, Antônio de Jesus Dias, pastor e ficha ideológica limpa, foi eleito
com “votos da ala conservadora da Sociedade Goiana ao apresentar uma linguagem
anticomunista e moralista”936. Sendo assim, deu grande destaque à pauta moral,
defendendo a manutenção da censura e que “membros da Igreja integrem o Conselho
Superior de Censura”. Votou contra a limitação do direito de propriedade, a estatização
do sistema financeiro, a remuneração superior para o trabalho extra, a jornada semanal de
quarenta horas, o turno ininterrupto de seis horas, a criação de um fundo de apoio à
reforma agrária e a desapropriação da propriedade produtiva (ANTONIO DE JESUS
DIAS, [s.d.]). Recebeu apenas 3,25 do DIAP.
Eliel Rodrigues se elegera pelo PMDB, partido que se filiara não por afinidade,
mas para evitar a competição com outros evangélicos no PDS (CHESNUT, 1997, p. 156),
segundo o SNI, “tendo recebido o apoio de protestantes da Igreja Assembléia de Deus,
da qual é pastor”937. Engenheiro no Ministério da Aeronáutica entre 1951 e 1979, tinha
ficha ideológica imaculada, sem observações também no campo psicossocial. Suas
principais bandeiras seriam a defesa da “manutenção da liberdade religiosa no País” e do
restabelecimento do “equilíbrio moral e espiritual entre os brasileiros”. O Serviço notava
ainda sua proximidade com o então ex-governador Jáder Barbalho. Já o SEMPREL dizia
que o pastor contara em sua campanha “com a simpatia de empresários do setor de
transportes”938 e que era um “político liberal”, defensor do “fortalecimento da iniciativa
privada e do mercado interno”. Para Chesnut (1997, p. 155) a plataforma política de Eliel
Rodrigues se assemelharia àquela da direita cristã norte-americana, concentrada em temas

936
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.8706373. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
937
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.8706373.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0002de0002.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
938
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Perfil da Constituinte. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87061031/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87061031_d0002de0003.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
614

como homossexualidade, tabaco e pornografia. Teria ainda atuado contra as populações


indígenas, retratadas como os maiores latifundiários do país, e os ambientalistas, que
poriam em risco a soberania sobre a região amazônica (CHESNUT, 1997, p. 155). Votou
contra a estabilidade no emprego, a limitação do direito de propriedade privada, a
remuneração superior para o trabalho extra, a jornada semanal de quarenta horas, o turno
ininterrupto de seis horas, o aviso prévio proporcional, a estatização do sistema
financeiro, a criação de um fundo de apoio à reforma agrária, e a desapropriação da
propriedade produtiva (RODRIGUES, ELIEL, [s.d.]). Teve nota DIAP 3,75.
João de Deus Antunes, antes de deputar, teve longa carreira na comunidade de
informações e repressão da ditadura, na qualidade de delegado de polícia no Rio Grande
do Sul, funcionário da Superintendência Central de Informações da Secretaria de
Segurança Pública do mesmo estado e estudante da Escola Nacional de Informações –
EsNI, onde fez um Estágio de Operações em 1978. Segundo o SNI, seu “bom
relacionamento com a “Comunidade de Informação”’939 lhe rendera a ‘“reserva” dos
setores progressistas da classe política gaúcha”, apesar de, ainda que por oportunismo,
como vimos, ter se candidatado pela sigla de esquerda PDT. Contava, contudo, com forte
apoio da Assembleia de Deus, cuja Convenção Nacional o indicou como um dos seus
candidatos preferenciais. Outros dados são fornecidos pela Agência de Porto Alegre da
Presidência da República, que registrou ser ele “considerado de direita” 940 e que fora o
candidato mais votado do PDT no estado, com quase 51 mil votos. No âmbito religioso,
estudou na escola de teologia Ministério Bernard Johnson em 1983, instalada em
Campinas - SP e dirigida pelo missionário norte-americano homônimo, e em cursos que
o pentecostal norte-americano Morris Cerullo ministrou no Brasil em 1984, sendo este
importante elo ideológico entre o parlamentar e os membros do Partido da Fé Capitalista
nos Estados Unidos. Na Assembleia de Deus atuou como assistente jurídico e conselheiro
da Sociedade Beneficente O Bom Redentor; diretor do orfanato Lar Esperança; e
dirigente de três congregações da Igreja, participando de campanhas evangélicas em

939
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.8706373.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
940
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Publicações sobre o Posicionamento do
Deputado Federal João de Deus Antunes, PDT. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.GGG.87014365. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/87014365/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_87014365_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
615

várias cidade gaúchas e nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Goiás. Em
janeiro de 1987 escreveu ao general Edson Boscacci Guedes, do Comando Militar do Sul,
manifestando interesse em alargar o espectro de atuação das forças armadas, na
contramão do que se propunha ao longo do processo de redemocratização. Dizia que “o
chamado “retorno aos quartéis”’ significaria um “isolamento social, contraproducente à
idéia de integração da sociedade”, sugerindo, ao contrário, “uma ampliação generosa” do
papel social das forças armadas, constituídas por uma “elite cultural” imprescindível para
a condução dos assuntos nacionais. Participando da Subcomissão dos Direitos dos
Trabalhadores e dos Servidores Públicos da Comissão da Ordem Social na Constituinte,
teve nota 6,0, no DIAP. Votou contra a limitação do direito de propriedade privada, a
estabilidade no emprego, a estatização do sistema financeiro, a proibição do comércio de
sangue, a criação de um fundo de apoio à reforma agrária e a desapropriação da
propriedade produtiva (ANTUNES, JOAO DE DEUS, [s.d.]).
Outro adepto da Assembleia de Deus, José de Oliveira Fernandes, antes de eleger-
se pelo PDT em 1986, foi prefeito de Manaus em 1979 e deputado Federal pela Arena em
1978, candidato mais votado do partido no estado, e em 1982 pelo PDS. Acumulava
ampla experiência administrativa no Amazonas, atuando como assessor financeiro e
diretor-geral do Departamento de Estradas e Rodagens - DER, entre 1970 e 1971 e em
1975, e secretário dos Transportes no governo de Enoque Reis, da ARENA, entre 1975 e
1979. Ideologicamente irreparável, teria passado do PDS para o PDT apenas para
“ampliar seu espaço político”941 e disputar as eleições de 1982 para o governo do
Amazonas. De maneira surpreendente, sua atuação constitucional em matérias
econômicas e trabalhistas se mostrou muitas vezes divergente da do restante da bancada.
Votou a favor da limitação do direito de propriedade privada, da remuneração superior
para o trabalho extra, da jornada de trabalho de quarenta horas, do turno ininterrupto de
seis horas, do aviso prévio proporcional, da nacionalização do subsolo, e da
desapropriação da propriedade produtiva (JOSE DE OLIVEIRA FERNANDES, [s.d.]).
Apesar disso, sua nota no DIAP não foi estelar, marcando apenas 6,25.
O também assembleiano José Viana dos Santos fora vereador pelo PMDB em Ji-
Paraná, Rondônia, entre 1977 e 1978, onde presidia o Diretório Municipal do partido,

941
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.8706373.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0002de0002.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
616

sendo também assessor parlamentar na Assembleia Legislativa do estado em 1984. Em


tempos pré-golpe, exibia tendências esquerdistas, sendo próximo ao PCB e participando
do Sindicato de Lavradores em Mutum - MT. Em princípios dos anos 1980 militou pelas
eleições diretas em seu estado, portanto considerado pelo SNI como de “centro-
esquerda”942. Na Constituinte, avaliava-se que sua atuação se guiaria por um misto de
conservadorismo no ramo dos costumes, sendo membro da Comissão de Soberania e dos
Direitos e Garantias do Homem e da Mulher, ali pretendendo “restringir o uso do fumo,
álcool, drogas e jogos no País”943, e progressismo econômico, dizendo-se favorável à
Reforma Agrária. De fato, votou a favor da desapropriação de propriedades produtivas,
na contramão do restante da bancada. Em outras matérias, entretanto, convergiu com seus
colegas, posicionando-se contra a limitação do direito de propriedade privada, a
estabilidade no emprego, a remuneração superior para o trabalho extra, a jornada semanal
de quarenta horas e a estatização do sistema financeiro (JOSE VIANA DOS SANTOS,
[s.d.]). A despeito do seu passado, foi mal avaliado pelo DIAP, recebendo nota 4,25.
Também com um passado progressista, o pastor assembleiano Manoel Moreira,
líder da bancada evangélica ao lado de Fausto Auromir, firmava-se nos anos 1980 como
nome importante do PMDB em São Paulo, próximo ao governador Orestes Quércia.
Muito ativo na organização política de sua Igreja, registra o SNI que na convenção
municipal do PMDB de 1988 “utilizou a influência dos seus colegas reverendos e filiou
mais de 18 mil pessoas ao diretório local”944. Sua atuação em assuntos de interesse do
trabalhador na Constituinte não foi das piores segundo o DIAP, recebendo nota 7,25.
Votou, entretanto, contra a estabilidade, a remuneração superior para o trabalho extra e a
estatização do sistema financeiro (MANUEL MOREIRA DE ARAUJO FILHO, [s.d.]).
Mais um de ficha ideológica limpa, o cantor assembleiano Matheus Iensen, antes
de se eleger pelo PMDB em 1986, era membro do partido de sustentação da ditadura PDS.

942
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.8706373. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
943
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.8706373. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0002de0002.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
944
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confederação Evangelica do Brasil, CEB.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020924. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020924/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020924_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
617

Proprietário da Rádio Morumbi em Curitiba - PR, teve o apoio de diversas igrejas


conservadoras, como a Assembleia de Deus, a Igreja do Evangelho Quadrangular e a
Batista, sendo considerado “um “extremado” na defesa das teses religiosas” 945. Como
reflexo de sua militância conservadora no ramo dos costumes, alojou-se na Subcomissão
da família, do menor e do Idoso da Comissão da Família, de Educação, Cultura, Esporte,
Comunicação, Ciência e Tecnologia. Foi contra a limitação do direito de propriedade, a
nacionalização do subsolo, a estatização do sistema financeiro, a soberania popular, a
remuneração superior para o trabalho extra, a jornada semanal de quarenta horas, o turno
ininterrupto de seis horas, a demissão sem justa causa, a criação de um fundo de apoio à
reforma agrária e a desapropriação da propriedade produtiva (IENSEN, MATEUS,
[s.d.]). Foi um dos autores da proposta que conferia mais um ano de mandato a José
Sarney, adiando a primeira eleição direta para presidente da República pós-golpe de 1964
para 1989. Teve péssima nota no DIAP, marcando apenas 0,75.
Milton João Soares Barbosa era presidente da Sociedade Beneficente da
Assembleia de Deus em Salvador - BA, onde também dirigia o programa de rádio Cristo
no Lar. Ideologicamente inatacável, era tido pelo SNI como “anticomunista” 946 e se
elegera “com o apoio da comunidade que representa, da qual foi candidato oficial”,
defendendo a “reserva de mercado” e a “privatização da economia”. Votou contra a
limitação do direito de propriedade privada, a jornada de trabalho de quarenta horas, o
turno ininterrupto de seis horas, a estatização do sistema financeiro e a criação de um
fundo de apoio à reforma agrária (MÍLTON JOÃO SOARAS BARBOSA, [s.d.]). Obteve
3,75 do DIAP.
O pastor da Assembleia de Deus Orlando Pacheco era presidente do Centro
Evangélico de Missões Internacionais - CEMI e conselheiro da Escola de Educação
Teológica das Assembleias de Deus em Campinas - SP. Com ficha limpa, o SNI sabia
pouco sobre ele, além de que fora “lançado politicamente pela Igreja Assembléia de

945
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.8706373.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
946
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.8706373.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
618

Deus”947, também “apoiado por outras seitas evangélicas”. Fato atestado pelo
Departamento de Polícia Federal de Santa Catarina, que o relaciona como um dos
religiosos eleitos com forte apoio de suas congregações. Segundo a PF, apesar de novato
na política, o pastor, ativo na cidade de Navegantes - SC, “contou com o apoio de
aproximadamente 50% dos fiéis dos quase 100 mil que frequentam sua Igreja” 948. Foi
membro da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher na
Constituinte e votou contra a limitação do direito de propriedade privada, a estabilidade
no emprego público, a remuneração superior para o trabalho extra, a jornada semanal de
quarenta horas, a nacionalização do subsolo e a desapropriação da propriedade privada
(ORLANDO CAMILO PACHECO, [s.d.]). Auferiu junto ao DIAP a nota 1,0.
O pastor assembleiano Salatiel Souza Carvalho foi outro que teria tido “votação
maciça de setores protestantes”949. Por seu carisma, foi escolhido pelo PFL “para atuar na
linha de frente da verdadeira guerra ideológica” contra a candidatura de Miguel Arraes a
governador de Pernambuco em 1986. Segundo o SNI, Carvalho chegou mesmo a afirmar
na TV que Arraes “defenderia a luta armada como instrumento de conquistas sociais”,
referindo-se a escritos que o ex-governador produzira na década de 1960. A polêmica
teria projetado Carvalho ainda mais entre o público conservador local, significando “um
reforço de sua votação”. Tal experiência eleitoral lhe valeria, mais tarde, a função de
“coordenador nacional da campanha de Collor entre os evangélicos” (MARIANO e
PIERUCCI, 1996, p. 203). Ainda conforme o mesmo papel do SNI, sua vitoriosa
campanha se baseou “numa dialética antimaterialista e cristã”. Reeleito em 1990, dois
anos depois a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República o
descrevia como defensor dos interesses empresariais e religiosos, observando ainda que
era sócio da Rádio Maranata, em Recife - PE, de propriedade do seu sogro, o também

947
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.8706373.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0002de0002.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
948
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatos Eleitos que Receberam o Apoio
da Igreja no Parana, SS14 ACT. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.87006992.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/87006992/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_87006992_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
949
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.8706373.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0002de0002.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
619

pastor Isaac Martins Rodrigues950. Votou contra a limitação do direito de propriedade


privada, a estatização do sistema financeiro, a criação de um fundo de apoio à reforma
agrária e a estabilidade no emprego (SALATIEL SOUSA CARVALHO, [s.d.]) e ganhou
a nota 6,75 do DIAP.

4.3 – O voto dos constituintes evangélicos

Aos olhos do SNI, alguns dos principais feitos dos evangélicos na Constituinte
foram a manutenção do ensino religioso nos currículos escolares, “a derrota da pretensão
das esquerdas de excluir o terrorismo dos crimes inafiançáveis”951, a inclusão no
preâmbulo da Constituição da declaração que a sua aprovação se dava sob a proteção de
Deus, e a rejeição da proposta de inclusão da pena de morte no código legal brasileiro 952.
Mais interessante para esta tese, porém, é a constatação, pelo próprio SNI, que “Os
evangélicos defendem, também os princípios que colocam, de um modo geral, o cidadão
mais importante que o Estado, como no liberalismo clássico”. O órgão notava ainda a
oposição tenaz que o grupo oferecia ao clero progressista, para os evangélicos equivocado
em “abordar questões de ordem ideológica, utilizando “palavras de ordem”, como se fosse
um sindicato, o que pode culminar com a mudança do sistema democrático e o
fechamento da própria Igreja, em decorrência de uma eventual mudança de regime” 953.
Neste ponto, vibravam eles a cansada corda do autoritarismo ateu socialista, bandeira

950
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.940077568. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940077568/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940077568_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
951
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confederação Evangelica do Brasil, CEB.
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020924. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/88020924/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020924_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 maio 2021.
952
Neste ponto, a ação política dos religiosos conservadores no Brasil distingue-se da dos norte-americanos,
não sendo a abolição da pena de morte uma bandeira das organizações político-religiosas estudadas na Parte
II. Como hipótese, imagino que essa diferença possa reportar-se à distinta composição do público
evangélico nos dois países, apresentando os brasileiros poder aquisitivo muito inferior aos norte-
americanos, sendo, portanto, alvos majoritários da coerção estatal. Noto também que diversas igrejas
conservadoras brasileiras, como a Igreja Universal do Reino de Deus, conforme vimos no capítulo 8,
desenvolvem projetos pastorais em penitenciárias, dali retirando porção substancial de sua membresia.
953
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangélico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em: <
http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/87063733/BR_DFA
NBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf >. Acesso em: 04 maio 2021.
620

ideológica central também entre representantes do Partido da Fé Capitalista nos Estados


Unidos, como vimos na Parte II.
Entre as medidas econômicas às quais se opuseram os parlamentares evangélicos,
as que encontraram maior consenso foram a estatização do sistema financeiro, a limitação
da propriedade privada, a desapropriação de propriedades produtivas para fins de reforma
agrária, a criação de um fundo para esta reforma e a jornada de trabalho semanal máxima
de quarenta horas.
Sobre a primeira delas, o deputado constituinte Luiz Gushiken, do PT, apresentou
emenda propondo a estatização do sistema financeiro nacional, que terminou rejeitada
por 316 a 136, contribuindo a bancada evangélica com vinte dos seus 25 votos para
enterrá-la.
Quanto à limitação do direito à propriedade privada, a Constituição de 1988 trouxe
avanços, uma vez que, ao menos na letra da lei, este direito deixava de ser absoluto. O
progresso foi, contudo, modesto, pois essa “relativização do tradicional teor absoluto do
instituto da propriedade se dá, no entanto, mais no plano formal do que no
verdadeiramente prático, haja vista a existência de óbices à sua concretização no contexto
do próprio texto da Constituição” (TEIXEIRA, 2013, p. 2). De todo modo, a nova Carta
passou a condicionar a manutenção deste direito ao cumprimento de funções sociais,
abrindo margem para desapropriações em nome do interesse público. O novo
condicionante permitiu que constituintes progressistas tentassem fazer avançar a Reforma
Agrária, procurando, sem sucesso, incluir no rol de propriedades passíveis de
desapropriação latifúndios que, embora produtivos, não cumpriam os tais requisitos
sociais. Segundo informações constantes no banco digital de biografias de deputados
federais mantido pelo CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, nada menos que vinte dos
25 membros da bancada evangélica se opuseram à limitação do direito de propriedade.
Um grupo de parlamentares conservadores, constituído em grande parte pelos
membros da União Democrática Ruralista - UDR, pretendia vedar completamente a
desapropriação de propriedades produtivas, enquanto outros constituintes tentavam abrir
brechas para a desapropriação, como visto acima sob o argumento do cumprimento de
funções sociais por essas propriedades. Tais funções compreenderiam, por exemplo, a
racionalidade no uso da terra, a preservação do meio ambiente e o respeito aos direitos
do trabalhador rural. No texto final, contudo, prevaleceu a intocabilidade incondicional
das terras produtivas para Reforma Agrária, mesmo quando tais funções não fossem
observadas. Dos nossos 25 evangélicos, 16 disseram não à possibilidade de
621

desapropriação de latifúndios produtivos, opondo-se, também em número de 16, à criação


de um fundo público para bancar as desapropriações para fins de Reforma Agrária.
A proposta de jornada de trabalho máxima de quarenta horas semanais foi
apresentada pelos deputados Olívio Dutra, do PT, e Aldo Arantes, do PCdoB. De acordo
com os anseios patronais, a disposição terminou derrotada por 308 a 193 votos,
aumentando a Constituição esse limite para 44 horas. Os parlamentares evangélicos
contribuíram com uma maioria de 15 votos para a sua rejeição.

4.4 – Um “apoio irrestrito” ao governo Sarney

Mas a atuação da bancada evangélica na legislatura iniciada em 1987 não se


resumiu aos trabalhos constituintes. Também um “apoio irrestrito ao presidente
Sarney”954 era destacado pelo SNI, que em junho daquele ano escreveu que os
parlamentares evangélicos “hipotecaram o seu apoio ao presidente da República” com a
prometida, e efetivada, nomeação de Jeremias Soares de Oliveira para a Superintendência
da Pesca. Como reflexo, em fevereiro de 1987, “um grupo de vinte e oito parlamentares
protestantes assinou e apresentou, ao Presidente da República, um manifesto de apoio a
um mandato presidencial de 06 anos, independentemente de orientações e siglas
partidárias”. Outras benesses angariadas, como já visto, foram verbas e concessões para
emissoras de rádio, sendo os beneficiados “políticos articulados na CEB e integrantes da
bancada evangélica” (TRABUCO, 2015, p. 298).
Sobre o pastor da Assembleia de Deus Jeremias Soares de Oliveira, consta que
começara carreira política em 1976, nomeado delegado regional do Trabalho pelo
governador biônico do Rio Grande do Norte, Tarcísio Maia, da ARENA. Em 1983
conseguiu o cargo de procurador-geral em Roraima, indicado pelo brigadeiro Vicente
Magalhães, nomeado por João Figueiredo governador do então território. Desde sempre
tido como “elemento de “direita”’955, causou surpresa o seu desligamento do PDS e ida

954
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio
Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/87063733/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_aaa_87063733_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 28 maio 2021.
955
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Jeremias Soares de Oliveira. SS11 ARE.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.III.88008123. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/III/88008123/BR_DFAN
BSB_V8_MIC_GNC_III_88008123_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
622

para o PMDB em 1986, fato se deveu à ligação com o deputado Vigolvino Wanderley
Mariz, seu amigo íntimo, e com o governador Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo,
ambos também saídos do partido de sustentação da ditadura em direção ao de sustentação
do governo Sarney. Quando nomeado em 1986, atuava como assessor dos constituintes
da bancada evangélica que, desde a formação do bloco, “estariam gestionando para que
o mesmo assumisse um cargo nos escalões superiores do Governo Federal”.

5 – Conclusão

Não é fenômeno recente a frequência no ambiente partidário de líderes religiosos


conservadores vinculados às organizações de fé com raízes norte-americanas, em especial
as pentecostais e as igrejas Batista e Presbiteriana. Remontando pelo menos aos anos
1960, vemos uma intensificação dessa presença ao longo das décadas, acompanhando a
própria expansão numérica desses grupos no Brasil. Partindo das realidades locais para a
nacional, o processo parece ter sido apoiado desde o princípio pelas cúpulas eclesiásticas.
Fato expresso pelo endosso de Rolph McPherson e da Direção brasileira da Igreja do
Evangelho Quadrangular à candidatura do pastor Geraldino Campos ao legislativo
estadual de São Paulo em 1966 e pela presença, nesta mesma década, de membros
influentes da Assembleia de Deus nos legislativos locais. É o que se verifica, por exemplo,
no estado do Pará, onde Antônio Teixeira, em contato com políticos instalados em
Brasília, teria agido como “ponte” para a transferência de recursos estatais para a Igreja.
Outro assembleiano, José Quirino de Freitas Filho, vereador de São Lourenço da Mata -
PE por consecutivos mandatos desde 1963, atribuía seu sucesso eleitoral à vinculação
com a Igreja.
Ainda que a escolha de legendas partidárias tenha se devido mais a um cálculo de
potencial de votos, tais parlamentares se inclinaram sobretudo para legendas
conservadoras, num primeiro momento a ARENA e o PDS, e depois divididos entre uma
ampla gama de partidos situacionistas instaurados no ambiente da redemocratização,
especialmente o PMDB, manifestando ao mesmo tempo declarada repulsa ao principal
partido que se apresentava como defensor dos interesses populares, o PT.
Na Constituinte, antes de ater-se apenas a matérias de cunho religioso e moral,
vimos que a bancada evangélica alcançou expressivo consenso em votações de interesse
do capital. Ao invés de mero fisiologismo, o perfil individual desses parlamentares,
623

indicando conexões com setores empresariais, impõe que seja revista a versão segundo a
qual o voto evangélico em questões econômicas oscilou ao sabor de conchavos e
interesses pontuais. Não parece, em absoluto, ter sido este o caso. Impressão que as três
legislaturas seguintes, que veremos a seguir, apenas reforça.
624

CAPÍTULO 12
O retorno do voto direto e a consolidação da presença do Partido da Fé Capitalista
no Estado restrito

1 – Introdução

Os elos empresariais e a ação parlamentar da bancada evangélica em favor de


proposições econômicas favoráveis ao capital e avessas aos interesses dos trabalhadores
tornam-se ainda mais claros nas três primeiras legislaturas após a restauração do voto
direto para a Presidência da República. Durante esses anos, haverá uma ampla reforma
do Estado brasileiro em bases economicamente liberais, procedendo-se a revisões do
texto constitucional, aprovado apenas dois anos antes do início do mandato de Fernando
Collor de Mello. A maior abertura da economia brasileira, a retirada do Estado do setor
produtivo, com múltiplas privatizações de empresas públicas, e a redução dos direitos dos
trabalhadores serão os traços principais da política econômica brasileira a partir do
governo Collor, que não apenas se manterão intocados mas também serão aprofundados
ao longo da presidência de Itamar Franco e sobretudo nos dois mandatos de Fernando
Henrique Cardoso. Neste panorama, os evangélicos, em franco crescimento em número
de fiéis e representantes políticos, fornecerão importante ajuda para a transformação em
curso, emprestando voto para as reformas dos dois Fernandos que ajudaram a eleger.

2 - Eleições municipais de 1988

A expansão partidária evangélica manteve-se nas eleições municipais de 1988, em


que o SNI notou a grande presença de candidatos religiosos, tanto católicos quanto
evangélicos, tecendo as habituais críticas aos primeiros, em sua quase totalidade afeitos
à Teologia da Libertação e próximos ao Partido dos Trabalhadores. Vigiando esses
desdobramentos de perto, o Serviço elaborou uma listagem com os principais candidatos
religiosos em cada estado. A relação, no entanto, apenas compreende pastores e padres,
deixando de fora religiosos não ordenados. Me deterei no primeiro grupo, que é o que
interessa para este trabalho, dele excluindo uma muito pequena porção de candidatos por
partidos progressistas.
625

No Ceará, chamava atenção a candidatura à prefeitura de Fortaleza do deputado


Constituinte Gidel Dantas Queiroz, então presidente da Confederação Evangélica
Brasileira, que saiu pelo PDC coligado ao PFL.
Em Minas Gerais, a Assembleia de Deus apresentava o pastor José Maria Duarte,
candidato a vereador em Pouso Alegre pelo PMDB; Abílio Luiz Figueiredo, em Divisa
Nova pelo PFL; Luiz Carlos de Mores, em Leopoldina pelo PL; e Manuel Messias da
Lapa Cunha, em Araguari pelo PMDB. Já a Igreja do Evangelho Quadrangular lançaria
o diácono Mauro Lúcio e os pastores Antônio Henrique de Deusdério Silva, todos a
vereador de Belo Horizonte pelo PMDB, e Lair Druzian José de Brito, a vereador em São
João Nepomuceno, pelo PMDB. Os batistas vieram com o pastor Jadyr Elon Braga,
candidato à Câmara de Belo Horizonte pelo PMDB e Natanael Alecrim de Souza, em
Manhuaçi, pelo PTB. Tanto a Assembleia de Deus quanto a Igreja do Evangelho
Quadrangular tinham candidatos também em Conselheiro Lafaiete, Santos Dumont,
Manuque e Coronel Fabriciano956.
Em Santa Catarina, o SNI destacava a maior frequência de pastores no pleito
municipal, entre os quais “predominam os oriundos da Igreja Evangélica Assembléia de
Deus”957. A Igreja apresentou Lauro Leopoldo Garcia, candidato a vereador em Laguna,
pelo PFL; Sidney Cipriano de Oliveira, em Lages, pelo PMDB; e Argemiro Wilson
Madruga, na mesma cidade mas pelo PDS. Aqui o Serviço não detectou a presença de
clérigos quadrangulares e batistas, mas notou que a também conservadora Igreja
Adventista lançara o seu presidente, Valdelino Pacheco, à Câmara de Laguna, pelo
PMDB958.
A situação se repetia em Cuiabá - MT e Campo Grande - MS, onde o Serviço
reparou que a candidatura de evangélicos “tem maior receptividade juntos aos seguidores
das referidas entidades religiosas, não se podendo ainda, traçar a aceitação dos mesmos

956
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos nas Eleições
Municipais 88, SS14 ABH. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.88014545.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/OOO/88014545/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_OOO_88014545_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
957
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos nas Eleições
Municipais de 15 Nov 88, Santa Catarina e Parana, set 88. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.88007815. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/88007815/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_88007815_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
958
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos nas Eleições
Municipais de Nov 88. SE142 AC. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/88068868/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_88068868_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 06 maio 2021.
626

junto aos demais eleitores”959, fato indicativo da realização de campanhas no interior


dessas igrejas e do sucesso das lideranças em transferir para candidatos oficiais os votos
de boa parte de seu rebanho. Em Cuiabá, quatro candidaturas religiosas foram detectadas,
três delas da Assembleia de Deus e uma da Igreja Batista. Já em Campo Grande, foram
dez os pastores candidatos, sete pela Assembleia de Deus, um pela Igreja Batista, um pela
Presbiteriana e um pela pequena pentecostal Igreja Palavra de Cristo para o Brasil.
Como se vê, manteve-se a Assembleia de Deus na vanguarda do investimento
partidário, seguida pela Igreja do Evangelho Quadrangular e pelos batistas. Neste
momento, a Igreja Universal do Reino de Deus ainda não se impunha como um ator de
peso, o que mudaria rapidamente na década de 1990. Com efeito, o SNI apurara em 1988
junto a membros da Assembleia de Deus que a Igreja “pretende intensificar, nas eleições
deste ano, o que fez em 1986, elegendo candidatos em todas as cidades onde está
implantada”960. Assim, a diretoria assembleiana elaborava listas de candidatos, escolhidos
“através de reuniões da comunidade ou da hierarquia, que funcionam como verdadeiras
pré-convenções”, que receberiam “o apoio de todos os fiéis, independente do partido que
concorrem”, com a exceção dos “de orientação marxista e “certos segmentos do PT”’.
Também profundamente envolvida com o projeto eleitoral, a IEQ tinha uma forte
base no Norte, lançando como candidato a prefeito de Belém o deputado estadual Guaracy
Batista da Silveira, do PDC. Ao lado dele, outros dois pastores pleitearam cadeiras de
vereador.
Como vimos no capítulo 9, Guaracy Silveira, importante líder regional dos
quadrangulares, frequentava reuniões organizadas pela Igreja da Unificação, junto a
outros religiosos, intelectuais, políticos e militares comprometidos com um projeto
conservador para o país. Segundo o SNI, antes de migrar para o PDC, o pastor-político
pertencera ao PDS e ao PFL, apresentando “uma tendência política de direita” 961.

959
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos nas Eleições
Municipais, em Cuiaba MT e Campo Grande MS. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.MMM.88007941. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/88007815/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_88007815_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
960
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação de Religiosos nas Eleições
Municipais de Nov 88. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.88016511. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/88016511/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_88016511_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
961
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação de Religiosos nas Eleições
Municipais de Nov 88. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.88007087. Disponível
em:
627

De maneira coerente, portanto, Silveira fez parte da base de sustentação da


ditadura. Neste espírito, em junho de 1984, o vemos pronunciar-se favoravelmente a João
Figueiredo, que acabara de retirar Proposta de Emenda Constitucional que estipulava a
realização de eleição direta para presidente em 1988, procurando assim enterrar as
pretensões da oposição reunidas em torno da campanha Diretas Já. Segundo o pastor, a
atitude “democrática” de Figueiredo fora obstruída por “radicais que tentam levar o País
ao caos político e social”962. Dizia Guaracy que ao fazê-lo, porém, a oposição cavara a
própria cova. Confiando que a campanha não lograria êxito, o quadrangular concluía que
a esquerda teria que engolir a vitória de Paulo Maluf nas eleições indiretas de 1985, “para
a honra e glória desse País” e a tristeza “de alguns radicais comunistas e subversivos”.
Dois anos depois, o SNI informa que Guaracy Silveira lamentava as pequenas
possibilidades de eleição do ex-governador do estado, Alacid Nunes. Como vimos no
capítulo 8, segundo Chesnut (1997, p. 150), Nunes seria importante peça na transferência
de recursos públicos para a Assembleia de Deus. Para Guaracy, no entanto, tratava-se de
‘“um homem de brilho e de uma capacidade administrativa incontestável”’ 963.
Também no capítulo 8, vimos que o PDC era um dos partidos que a Igreja da
Unificação planejava apoiar a partir de 1986. Já no capítulo 9, encontramos Guaracy
frequentando as reuniões dos unificacionistas. Coincidência ou não, o fato é que no
momento de instalação do PDC no estado do Pará, em junho de 1987, o quadrangular
retira-se do PFL para atuar na diretoria regional do novo partido, do qual, em curto espaço
de tempo, viria a ser o presidente regional. Segundo o SNI, “A partir da Ascensão de
Guaracy Silveira à presidência da agremiação, esta passou a organizar-se nos diversos
municípios do Estado, atraindo, ao mesmo tempo, nomes para suas fileiras”964, muitos

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/88007087/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_88007087_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
962
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Pronunciamento de Parlamentares
Paraenses Quando da Votação da Emenda Figueiredo, Humberto Rocha Cunha e Outros. SS15. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.84004724. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/84004724/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_84004724_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
963
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conjuntura Politica no Estado do Para.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.86005885. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/kkk/86005885/br_dfanbsb_v8_m
ic_gnc_kkk_86005885_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
964
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Primeira Convenção Regional do Partido
Democrata Cristão no Para, Eleição do Diretorio e da Comissão Executiva Regionais. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/88006675/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_88006675_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
628

deles saídos do PMDB e do PFL. O Serviço creditava a Silveira, portanto, a função de


um dos principais organizadores da legenda no estado.
Cabe ainda destacar que, em suas atividades legislativas, vemos o pastor ecoar
noções semelhantes às dos políticos religiosos norte-americanos vistos na Parte II, que
diagnosticavam religiosamente problemas muito sociais. Durante comemoração do
centenário da Abolição, em maio de 1988, por exemplo, disse ele na Câmara do Pará que
‘“A escravidão não é causada pela ideologia, mas pelo pecado”’965. Fazendo assim,
Silveira indicava filiação à uma determinada concepção de racismo, identificada por
estudiosos como Sílvio Almeida (2019, posição 291-294) como “individualista”966, onde
este “é concebido como uma espécie de “patologia” ou anormalidade”, ou seja, “um
fenômeno ético ou psicológico de caráter individual ou coletivo, atribuído a grupos
isolados”, ou, ainda, uma ‘“irracionalidade” a ser combatida no campo jurídico”. Outros
traços dessa concepção, que se apresenta frequentemente apenas como uma “fraseologia
moralista inconsequente” (ALMEIDA, S. 2019, posição 302-303), seriam a total
desconsideração do papel da História na produção do racismo, bem como de maiores
reflexões sobre os seus efeitos práticos. Por fim, o fato seria ilustrativo, também, da
adesão de Silveira ao universo doutrinário liberal. Isto por que, ainda segundo Almeida
(2019, posição 820-821), a concepção individualista do racismo é típica das teorias
liberais sobre o Estado, onde não há espaço para o tratamento da questão racial como um
fenômeno estrutural, ali abordada como uma excepcionalidade a ser corrigida pelo
aprimoramento da máquina administrativa.
Apesar da estrela de Guaracy Silveira, a colheita de votos quadrangulares,
entretanto, não se resumia ao Norte. Além do Sudeste, visto anteriormente, a Igreja
também fazia sucesso eleitoral no Sul. Nota publicada na revista Aconteceu no Mundo
Evangélico, depositada nos arquivos do SNI em maio de 1988, dava conta de que no Rio
Grande do Sul a IEQ lançaria setenta candidatos a vereador, dos quais 69 seriam pastores,
estimando poder contar os noventa mil seguidores no estado. A maioria esmagadora

965
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Centenário da Abolição em Belem PA.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.88006604. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/88006604/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_88006604_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
966
Ao contrário, Almeida demonstra que ele é um aspecto estrutural de uma dada sociedade, integrado à
sua organização econômica e política, uma vez que as instituições e alicerces ideológicos dessa sociedade,
como a filosofia, a ciência política, e as teorias do direito e da economia, “mantêm, ainda que de modo
velado, um diálogo com o conceito de raça” (ALMEIDA, S. 2019, posição 127-128). Sendo assim, seria o
racismo “a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum
tipo de anormalidade” (ALMEIDA, S. 2019, posição 132-133), como sugere o religioso quadrangular.
629

desses candidatos sairia pelo PMDB, sendo os restantes, por volta de um terço, filiados
ao PDS, PDT e PFL967. A preferência pelo PMDB surge também nas ações de Guaracy
Silveira, que, conforme outro papel do SNI, pressionava os candidatos de sua Igreja em
Ananindeua - PA “a não se candidatarem à prefeitura Municipal por outros partidos
políticos, que não sejam o PDC, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e outros,
perfilados como linha auxiliar do PMDB”968.
Já a Igreja Universal do Reino de Deus prosseguia em seus primeiros avanços
eleitorais, tendo emplacado em Salvador - BA o vereador Domingos Antônio Martins
Bonifácio, pelo PDC. Segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República o “Bom Domingos”969, “vice-presidente nacional da IURD”, teria sido
sufragado “basicamente com votos de seguidores da Igreja Universal”.

3 – As eleições presidenciais de 1989

As igrejas tiveram papel destacado na primeira eleição direta após o golpe de


1964, convergindo os evangélicos, de modo geral, para candidaturas conservadoras.
Exceções, evidentemente, aconteceram, como no caso do Colégio Episcopal da Igreja
Metodista, que chegou a dividir os candidatos em dois grupos, o primeiro formado por
neoliberais, ligado aos interesses empresariais e estrangeiros, e um outro mais afinado
com os anseios dos trabalhadores (TRABUCO, 2015, p. 350).
Entre os pentecostais, por outro lado, o conservadorismo foi consenso, ainda que
não houvesse, a princípio, uma candidatura que arrebatasse o entusiasmo das muitas
igrejas, indecisas diante do extenso rol de presidenciáveis direitistas que se apresentou,
embora estendessem suas mãos para o ex-governador de Alagoas Fernando Collor de

967
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Boletins Aconteceu no Mundo Evangelico.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.88016421. Acesso em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/88016421/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_88016421_d0001de0001.pdf>. Disponível em: 08 maio 2021.
968
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação de Religiosos nas Eleições
Municipais de Nov. 88. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.88006861. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/88006861/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_88006861_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
969
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB H4,MIC GNC.PPP.910011515. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ppp/910011515/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ppp_910011515_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 maio 2021.
630

Mello, do PRN, mais do que para qualquer outro. Assim, já no primeiro turno, o SNI
reparava numa “Preferência nos meios evangélicos pentecostais”970 por Fernando Collor
de Mello, o único que a poucas semanas das eleições contava com o apoio declarado desse
segmento, pelo menos no que dizia respeito ao distrito federal, região em que o
documento se concentrava.
Entre a Igreja Universal do Reino de Deus, por outro lado, o apoio a Collor foi
inequívoco e de primeira hora, tal como a franca hostilidade ao PT. Diante do crescimento
de Lula da Silva no segundo turno, Edir Macedo teria inclusive apelado para o dom
pentecostal da revelação para inflar a candidatura do “caçador de marajás”, que ameaçava
perder fôlego. Após jejuns e súplicas de iluminações, o Espírito Santo o teria indicado
Fernando Collor como o preferido de Deus, enquanto Lula não passaria de um Diabo
barbudo (TRABUCO, 2015, p. 349). O apoio entusiasmado da IURD compreendeu
inclusive convites a Collor para a participação em programas de rádio, panfletagens em
igrejas e cânticos como “O diabo na corda bamba, vamos collorir” (SILVA, E. 2002, p.
13). Também Mário Justino (2021, p. 97) confirma o furor iurdiano naqueles dias.
Testemunha ocular, conta o ex-pastor que durante o pleito de 1989 os cultos religiosos
“haviam se transformado em comícios eleitorais com o púlpito transformado em palanque
onde se revezavam os candidatos próprios da Igreja e os que eram apoiados pelo bispo”.
Abertas as urnas, o êxito de muitas dessas candidaturas teria confirmado a impressão de
que Macedo, de fato, era “um líder com extraordinário poder sobre seus seguidores”.
Já a Assembleia de Deus chegou a travar aproximações com Paulo Maluf, do PDS.
Sua presença foi documentada pelo SNI no Encontro das Escolas Bíblicas do Templo da
Igreja Assembleia de Deus, “onde cerca de 500 pastores de todo o País o receberam com
palmas e gritos de “aleluia, aleluia”’971. Apesar de conversas também terem ocorrido com
Ulysses Guimarães e Leonel Brizola, “o convite a Maluf foi especial, de acordo com um
dos pastores presentes”. Ali, o filho de libaneses Paulo Salim Maluf, ex-prefeito nomeado
pela ditadura em 1969, eleito governador por voto indireto em 1978 e candidato do regime
para as eleições presidenciais indiretas de 1985, “falou sobre sua identificação com os

970
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação Política de Grupos Religiosos.
SE143 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.90073651. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/90073651/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_90073651_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
971
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Resenha Política de 03 de Outubro de
1989. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.90073270. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/90073270/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_90073270_d0001de0004.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.
631

evangélicos e, em tom emocionado, assegurou que sua maneira de orar todos os dias é
trabalhando, quando aproveitou para enumerar as obras realizadas em São Paulo”.
No segundo turno, contudo, os assembleianos foram com Fernando Collor. Anos
depois, o presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, José
Wellington, revelou que, diante da possível vitória de Lula, sua Igreja operou um
movimento nacional em prol do candidato do PRN. Manoel Ferreira, líder do Ministério
de Madureira, também se engajou, não poupando críticas a Lula, taxado de comunista e
portador de um programa de governo inspirado na Albânia (MARIANO e PIERUCCI,
1996, p. 205).
Já a Igreja do Evangelho Quadrangular limitou-se no primeiro turno a instruir seus
seguidores a evitarem os candidatos de esquerda Roberto Freire, do PCB; Lula, do PT;
Brizola, do PDT; e Mário Covas, do PSDB (TRABUCO, 2015, p. 350), formando nítida
opção por Fernando Collor no segundo turno. O pastor Daniel Marins e deputado estadual
em São Paulo, por exemplo, enviou mala direta para quase dois milhões de eleitores com
o texto 10 razões para não votarmos em Lula, pedindo voto para o cristão Fernando
Collor e enfatizando o radicalismo do petista, sua simpatia pela luta armada e tendência
a cercear as liberdades religiosas (TRABUCO, 2015, p. 353).
Mas apesar da posição oficial da Igreja, vozes dissonantes não deixaram de se
fazer ouvir, ainda que concentradas nos níveis hierárquicos inferiores. Foi o caso do
pastor Antônio Carlos Miranda, da IEQ de Assis - SP, que em entrevista ao jornal A
Gazeta de Assis, em agosto de 1989, dizia-se preocupado “com o perigo de um confronto
mais agressivo entre os presidenciáveis”972, que poderia dificultar a transição
democrática. Miranda tinha “medo de um novo golpe, idêntico ao violento golpe militar
de 64”. Entre os presidenciáveis, o único que recebia restrições do pastor era Roberto
Freire, do PCB, por ter-se declarado ateu, reparando, porém, que ‘“é melhor um ateu
honesto do que um religioso falso”’.
Outras igrejas evangélicas também se manifestaram favoravelmente a Collor. A
Igreja de Cristo, por exemplo, representada no Congresso Nacional por Gidel Dantas,
realizou grandes eventos partidário-religiosos no Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. O
próprio Dantas percorreu esses estados ao lado de seu irmão, Gineton Dantas de Queirós,

972
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Catolica e as Eleições Presidenciais.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.89022704. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/89022704/BR_DF
ANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_89022704_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
632

e pai, Vicente de Queirós, ambos também pastores. Consumada a vitória de Fernando


Collor, Gidel Dantas assumiria a função de vice-líder do governo na Câmara dos
Deputados (MARIANO e PIERUCCI, 1996, p. 204).
A adesão destas agremiações a Collor foi justificada largamente pelo alegado risco
do cerceamento da liberdade religiosa sob Lula. Trabuco (2015, p. 354) destaca, contudo,
que não apenas fatores religiosos motivavam a repulsa pentecostal ao barbudo, mas
também outros, “relativos às concessões de rádio e televisão, que foram negociadas pela
bancada evangélica durante a Constituinte e estavam em negociação naquela eleição”.
Segundo o historiador, os demais pontos sensíveis para os evangélicos, em jogo naquela
conjuntura, seriam isenções fiscais, a liberdade para a evangelização de povos originários,
com a divulgação da Bíblia nas línguas indígenas, como vimos importante baluarte da
presença de evangélicos conservadores no país, e o reconhecimento da utilidade pública
das organizações evangélicas, a exemplo do que fizera o governo de São Paulo com a
Igreja da Unificação.

4 - O primeiro ano do governo Collor e a bancada evangélica

O curto governo de Fernando Collor, que renunciaria em dezembro de 1992 após


a abertura de um processo de impeachment no Congresso em função de graves denúncias
de corrupção e do acentuado desgaste popular, teve como marca principal dois planos
econômicos que falharam em estabilizar a moeda brasileira e a deflagração de um
ambicioso projeto de abertura ao capital estrangeiro e de privatizações do setor público.
Estes dois últimos pontos são os que mais interessam a este trabalho, pois, observando
como se comportaram os parlamentares evangélicos na Câmara dos Deputados, podemos
dar mais alguns passos para a caracterização de sua atuação em matérias econômicas.
Sendo assim, a votação ocorrida no Congresso neste período que mais me
interessa é a da medida provisória 155 de 1990, que propunha um Plano Nacional de
Desestatização - PND. Após sofrer alguns ajustes, a MP foi transformada no Projeto de
Lei de Conversão finalmente aprovado em dez de abril de 1990. Tendo também passado
pelo crivo do Senado, o Plano foi finalmente transformado na lei 8031/90, sancionada por
Fernando Collor em 12 de abril.
Durante a sua votação na Câmara, o deputado e sociólogo Florestan Fernandes,
do PT, teceu duras críticas ao Plano, argumentando que o termo “desestatização”
633

(DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1990, p. 51-52) “está ocultando aquilo que


poderíamos chamar de uma expropriação da riqueza nacional pelas classes privilegiadas”.
Isto porque, dentro de uma economia capitalista, a desestatização nunca redundaria na
“criação de uma propriedade submetida ao controle democrático dos trabalhadores”,
significando, ao contrário, “o envolvimento do Estado no processo de acumulação de
capital e, portanto, na produção da infraestrutura e de empresas que podem gerar essa
infraestrutura e acelerar a acumulação de capital”. Fatos facilitados pelo estágio de
desenvolvimento capitalista que o país vivia, já plenamente associado com “o grande
capital internacional”. Enfatizava Florestan que, nesse quadro, o Plano redundaria numa
continuação da via “colonial e neocolonial de crescimento econômico” em detrimento da
“autonomia no desenvolvimento capitalista”, pois, entre outras coisas, um dos
dispositivos da medida provisória facilitava a entrada do capital estrangeiro nas empresas
estatais, elevando a sua possibilidade de participação do capital social total a 49% e
conferindo-lhe poder de veto.
Para esta votação, contudo, a composição da Câmara ainda era aquela empossada
em 1987, havendo a renovação apenas nas eleições de outubro de 1990973. Insensíveis aos
argumentos de Florestan, com a exceção de Roberto Vital Ferreira, que se ausentou, todos
os parlamentares da bancada evangélica votaram a favor do PND. De inequívoco interesse
para o capital, a lei 8031/90 seria o principal sustentáculo da série sem precedentes de
privatizações de empresas públicas que prosseguiria ao longo dos mandatos de Itamar
Franco e Fernando Henrique Cardoso.

5 – Eleições gerais de 1990

Em outubro de 1990 o Brasil realizou eleições gerais para a renovação dos


legislativos federais e estaduais e para a escolha de governadores. Essas eleições

973
Os deputados eleitos em 1986, para a 48ª Legislatura, iniciaram seu mandato em 1º de fevereiro de 1987,
quase dois anos após o início do primeiro governo civil depois do golpe de 1964, em 15 de março de 1985.
Sendo assim, seus mandatos apenas terminaram em janeiro de 1991, um ano após o segundo governo civil,
de Fernando Collor de Mello. O mandato de Collor, entretanto, fora definido pela Constituição de 1988
com a duração de cinco anos, o que fez com que o fim da legislatura empossada em 1991 coincidisse com
o término do governo de Itamar Franco, vice-presidente que assumiu após a aprovação do impeachment de
Collor pelo Congresso em finais de 1992. A partir da 50ª legislatura, iniciada em princípios de 1995, porém,
os mandatos dos deputados federais passariam a coincidir com os dos presidentes da República, que tiveram
seus mandatos reduzidos para quatro anos pela emenda constitucional de revisão n. 5, aprovada em junho
de 1994.
634

marcaram o debute partidário da Renovação Carismática Católica, certamente como


resposta à prevalência de católicos progressistas nos pleitos anteriores. Conforme a
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, a RCC bancava nada
menos que 15 candidatos ao Legislativo federal pelas legendas PFL, PMDB, PSC e
PSDB. Um deles era o líder carismático Osmânio Pereira de Oliveira974, candidato pelo
PSDB de Minas Gerais. Reeleito, em 1996 Oliveira aparece em matéria do Jornal do
Brasil como “principal articulador da Igreja Católica no Congresso” (KRIEGER E
FELIX, 1996, p. 4). Naquela altura, reportou o JB uma aproximação entre deputados
católicos e a bancada evangélica em torno de questões de interesse mútuo no plano dos
costumes, como a proibição do aborto e do casamento gay.
Tal cooperação foi confirmada em finais de 1998 pelo coordenador da Comissão
Executiva da RCC, Tácito José Andrade Coutinho. Segundo anunciado por ele e noticiado
pelo Jornal do Brasil, “os deputados eleitos com o apoio do movimento não hesitarão em
se somar a outros blocos para a aprovação ou rejeição de propostas de conteúdo moral”
(MAYRINK, 1998). Não há espaço para a análise detalhada da ação legislativa da RCC
no plano econômico, mas, a julgar pelo perfil de muitos dos seus candidatos, esta não
diferiu muito da bancada evangélica. No Rio de Janeiro, por exemplo, os carismáticos
apoiavam o conservador Francisco Dornelles do PPB para a Câmara Federal. Já em São
Paulo, o nome escolhido foi Salvador Zimbaldi, deputado federal mais votado naquele
estado em 1998, ao lado de Dornelles importante pilar do governo Fernando Henrique
Cardoso e de seu programa liberalizante.
Entre o ramo evangélico, a expansão partidária prosseguiu em todos os estados,
conforme relatado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República975.
No Piauí, notava a Secretaria, a Assembleia de Deus vinha com Aldo Pereira
Paixão, candidato a deputado estadual pelo PDS, e os quadrangulares, mais ambiciosos,
lançavam ao governo do estado Francisco Barbosa de Macedo, pastor filiado ao PMN.
No Maranhão, o assembleiano Antônio da Conceição Costa Ferreira, tentava se
reeleger pelo PFL à câmara estadual, ao lado do companheiro de fé Iribeu Veras Galvão,
do mesmo partido, eleito em 1986 “para defender os interesses da Igreja na Constituinte

974
Eleito em 1990 e nas duas subsequentes legislaturas.
975
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.QQQ.900004753. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/qqq/900004753/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_qqq_900004753_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
635

Estadual”, e do pastor Samuel de Castro Sá, do PSC, vereador em São Luís desde 1988.
Também a deputado estadual concorreu Edivaldo Holanda Braga, do PSC, “membro
influente da Igreja Batista” e candidato derrotado à prefeitura de São Luís em 1988. Os
batistas lançaram ainda o pastor Francisco das Chagas Barbosa Brandão, pelo PDC,
partido em que presidia o diretório regional.
No Ceará, o pastor Gidel Dantas tentava a reeleição, tendo trocado o PMDB pelo
PDC, legenda que, como temos visto, crescia na preferência dos políticos religiosos. A
mudança de sigla, no entanto, não dizia muita coisa, pois, como também vimos, segundo
o pastor-político quadrangular Guaracy Silveira, o PDC não passaria de “linha auxiliar”
do PMDB. À Câmara federal concorriam também o vereador, radialista e pastor da
Assembleia de Deus, Pedro Ribeiro Filho, pelo PSDB; Othoniel Silva Martins, pastor
presbiteriano e ex-conselheiro da CEB, do mesmo partido; Carlos Magno de Miranda,
pastor e dirigente da sede cearense da Igreja Universal do Reino de Deus, do PMDB; e o
bispo da Igreja Mórmon, Moroni Torgan, delegado da Polícia Federal e ex-secretário
estadual de Segurança Pública no governo de Tasso Jereissati, concorrendo pelo PDC. Já
para o Legislativo estadual candidatava-se Elpídio Nogueira Moreira, diácono da Igreja
Batista, filiado ao PSDB.
Após o pleito, em outro papel976 prosseguiu a Secretaria sua radiografia eleitoral.
Olhando a Bahia, destacava que a Igreja Universal do Reino de Deus emplacara o
deputado federal, Luiz Moreira da Silva, do PTB, “eleito com expressiva colaboração de
adeptos”977, e a deputada estadual Zelinda Novaes e Silva, no mesmo partido, “com cerca
de 12 mil votos, oriundos, na sua maioria, de fiéis da Igreja Universal”.
No Mato Grosso do Sul, o integrante da bancada evangélica, Levy Dias,
presbiteriano, teve sucesso em alçar voos mais altos. Elegendo-se para uma vaga no
Senado, pelo PST, acreditava a Secretaria que ele capitalizara sua “grande penetração
junto à Comunidade Evangélica”. Não teve a mesma sorte Elias Fernando Fontoura
Vieira, pastor auxiliar e vice-presidente da Igreja Assembleia de Deus de Belém, que quis
ser deputado federal pelo PST. Também da Assembleia de Belém, outro que tentou a

976
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.MMM.900009147. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/900009147/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_900009147_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
977
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.PPP.910011515. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ppp/910011515/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ppp_910011515_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 maio 2021.
636

Câmara federal sem sucesso foi Ademar Antônio da Silva, apesar de contar com “apoio
integral da comunidade evangélica” de Novo Mundo - MS, bem como de “parcela
considerável” dos seguidores de outras congregações. Já no Legislativo estadual,
concorreu pelo PRN Antônio Ferreira da Cruz Filho, mais um da Assembleia de Belém,
também agraciado “com apoio da Comunidade Evangélica do Estado”. Caso interessante
foi a candidatura de Ibrahim Amin Yeha, do PL, membro não da Assembleia de Belém,
como vimos incentivadora de longa data da participação eleitoral de pastores, mas do
ministério de Madureira, que segundo a Secretaria não pôde dispor do apoio oficial da
Igreja, pois, o presidente daquele ministério, Eliseu Feitosa de Alencar, embora não se
opusesse a candidaturas de companheiros de fé, não permitia campanhas eleitorais em
seus púlpitos. Por último, o batista Ozéias Luiz Pereira concorreu à reeleição na câmara
estadual pelo PST, procurando “firmar sua base de sustentação política junto aos
evangélicos”.
No Mato Grosso, o pecuarista Jaime Veríssimo Campos, candidato a governador
e coordenador da campanha de Fernando Collor de Mello em 1989, segundo a Secretaria
também vinha “tendo o apoio da Comunidade Evangélica em sua campanha”, terminando
eleito ainda no primeiro turno. Naquele estado, ao Legislativo federal candidatava-se pelo
PFL, também com o apoio evangélico, Itsuo Takayama, da Assembleia de Deus de
Belém, acompanhado dos também assembleianos e pefelistas Alacir Vieira Cândido e
Benedito Pinto da Silva, candidatos a deputado estadual. Também à Câmara estadual, a
Igreja Batista lançou Deuslírio Ferreira, do PRN, e a Adventista Luiz Mário do
Nascimento, do PDC.
A Secretaria notava, porém, uma dificuldade dos líderes evangélicos em
emplacarem seus candidatos nos dois Mato Grossos, onde ainda prevaleceria a ideia de
que “a política não foi feita para o crente”. Outro obstáculo seria a “falta de união
existente entre as Igrejas Evangélicas” dali.
Para o Rio Grande do Sul não temos os nomes de todos os candidatos, mas a
Secretaria informa que foram 14 evangélicos pleiteantes no Legislativo federal, com
apenas dois eleitos. Trata-se de João de Deus Antunes, reeleito, e Manoel Maria dos
Santos, “a maior autoridade da Igreja do Evangelho Quadrangular no Estado” 978. Vice-

978
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.GGG.900018007. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ggg/900018007%20/br_dfanbsb
_h4_mic_gnc_ggg_900018007%20_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
637

presidente nacional e acumulando uma série de outros cargos na estrutura da Igreja, em


1982 Santos fora candidato a vereador de São José dos Campos - SP, pelo PDS, sem
êxito. Em 1990 “foi escolhido, pelos 18 líderes regionais da Igreja no Rio Grande do Sul”,
como único quadrangular a disputar as eleições no estado. João de Deus, por sua vez,
pastor da Assembleia de Deus, delegado e membro da comunidade de informações da
ditadura, em 1988 deixara o PDT, elegendo-se em 1990 pelo PDS.
Em Goiás, os evangélicos se uniram ao redor do também evangélico Iris Rezende,
do PMDB. Conforme a Secretaria, o comitê central de sua campanha, em Goiânia, era
frequentado por “vários pastores evangélicos os quais estão percorrendo as igrejas
“Assembléia de Deus” nos diversos setores da Capital, conclamando seus companheiros
a votarem nos candidatos a cargos majoritários da coligação: Iris Rezende, para
Governador, e Onofre Quinan979, para Senador”980. Mas o político do PMDB parece não
ter conseguido o apoio unânime da Assembleia de Deus, manifestando o presidente da
Convenção Regional, Abigail Carlos de Oliveira, a opinião de que o fato de ser ele o
único candidato evangélico “não é condição determinante para os fiéis”981, havendo
outros “que têm beneficiado os evangélicos em Goiás mais que o postulante”. O que teria
levado Abigail a romper com o preceito “irmão vota em irmão”, lançado pela própria
Assembleia em 1986? A documentação não revela, mas podemos inferir que o pastor
nutrisse preferências pelo segundo colocado, o empresário agrário, próximo da União
Democrática Ruralista, Paulo Roberto Cunha, candidato por uma ampla coalizão
conservadora que aglutinou o PDC, o PDS, o PFL, o PTB, o PRN, o PRP, o PSC, o PSD,
o PST, e o PTdoB. Isso porque dificilmente estaria ele pensando no terceiro colocado,
Valdi Camarcio, do Partido dos Trabalhadores, ou no quarto, Iram Saraiva, do PDT. De
todo modo, a Secretaria registrou que algumas igrejas pentecostais distribuíram em
Goiânia um panfleto favorável a chapa de Rezende, exortando os crentes a não votar “em
um incrédulo” e frisando que “A ordem de Deus é escolher e deve ser dentre os nossos
irmãos”.

979
Dono do Grupo Onogás, que além do engarrafamento e distribuição de gás atua no setor bancário por
via da Onogás Crédito, Onofre financiaria a carreira política de sua esposa, Lídia Quinan, eleita deputada
federal e membro da bancada evangélica.
980
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.RRR.900013290. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/900013290/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_rrr_900013290_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
981
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.RRR.900013339. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/900013339/br_dfanbsb_h4_m
ic_gnc_rrr_900013339_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
638

No Rio de Janeiro e no Espírito Santo, foram 27 os candidatos religiosos em 1990,


11 para deputado federal e 16 para estadual. Entre os eleitos, a Secretaria constatava uma
maioria de evangélicos, enquanto os umbandistas conseguiram apenas um representante,
embora a presença de evangélicos nos dois estados tenha se reduzido em comparação com
a eleição anterior. Apesar disso, no Rio de Janeiro chamou atenção “a força da Igreja
Universal do Reino de Deus, que conseguiu eleger 02 (dois) Deputados Federais e 01
(um) Deputado Estadual”982, angariando 112.096 votos. O deputado estadual em questão
era ninguém menos que Eraldo Macedo Bezerra, irmão de Edir Macedo, reeleito pelo
PMDB com quase 36 mil votos. Relatava-se que a receita do sucesso iurdiano, segundo
lideranças ecumênicas ouvidas, era devida “à realização de um grande investimento na
campanha eleitoral do RJ, onde está localizada a sua sede”, contribuindo também a
“convocação de seus adeptos a reagir, através do voto, contra a ‘“grande campanha de
desmoralização de sua Igreja desenvolvida pelos meios de comunicação”’. Além da
IURD, a Assembleia de Deus, a Congregação Cristã do Brasil e a Igreja Batista elegeram,
cada uma, um deputado federal. A deputada assembleiana, contudo, era Benedita da Silva,
do PT, que para a Secretaria deveria seu êxito “mais à sua atuação político-partidário do
que religiosa”, posto que “o eleitorado religioso elegeu os candidatos filiados a partidos
conservadores”.
No Espírito Santo o recuo foi ainda maior, com nenhum evangélico eleito às
câmaras estadual e federal. Acreditava a Secretaria que o fenômeno era devido à “atuação
negativa da maioria dos deputados protestantes na Constituinte, motivada, em grande
parte, pelos escândalos das concessões de emissoras de rádio e televisão em troca de votos
favoráveis ao Governo Federal”. Também afastara o eleitorado o reerguimento da
Confederação Evangélica do Brasil “através de verbas públicas”.
Tal como no Rio, em São Paulo a Igreja Universal se destacou. Ali a Secretaria 983
documentou o importante apoio da Igreja a Luiz Antônio Fleury Filho, eleito governador
pelo PMDB. Como visto no capítulo 9, Fleury mantinha boas relações com religiosos
conservadores, aparecendo como articulista no jornal universitário da Igreja da

982
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.CCC.910020224. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/910020224/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_910020224_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
983
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.PPP.910011515. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ppp/910011515/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ppp_910011515_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 maio 2021.
639

Unificação. As eleições de 1990 naquele estado viram também o despontar de mais um


pastor-político: Joel Freire da Costa, sacerdote da Assembleia de Deus, eleito com mais
de trinta mil votos pelo PMDB para a Câmara estadual, e filho de José Wellington Bezerra
da Costa, por quase trinta anos presidente da Convenção Geral desta Igreja no Brasil. Na
mesma eleição, ganhou cadeira na Câmara paulista o também pastor Daniel Marins
Alessi, da Igreja do Evangelho Quadrangular, receptor de 28.261 votos984.

6 – A bancada evangélica empossada na Câmara federal em 1991

Não é tarefa fácil relacionar os membros da bancada evangélica após a


Constituinte, informação menos acessível, em vista da maior produção bibliográfica sobre
a atuação de políticos religiosos no período da redemocratização do que nos anos
subsequentes. As listagens aqui expostas são, portanto, aproximações, podendo haver
imprecisões pontuais. Cheguei a esses dados cruzando informações retiradas da pesquisa
bibliográfica e documental, da página oficial da Câmara dos Deputados, da Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional, contendo jornais daquele período, das ferramentas de
busca da internet985 e do dicionário biográfico digital disponibilizado pelo CPDOC-FGV.
Outra dificuldade, entretanto, se impõe: o fato de nem todos os políticos que professam
fé evangélica aderirem a essa bancada, ao mesmo tempo em que nem todos os seus
membros eram/são pastores. Esses obstáculos podem ter induzido os órgãos de imprensa,
por exemplo, a listar parlamentares como membros da bancada evangélica apenas por
serem eles evangélicos, sem que, contudo, mantivessem relações estreitas e votassem em
bloco, ao mesmo tempo que outros podem ter ficado de fora por não desempenharem
funções pastorais. Mais um complicador é a constante flutuação nos números dessa
bancada em virtude de licenças, do empossamento de suplentes e mesmo da morte de
alguns parlamentares. Feitas essas ressalvas, acredito, porém, que as informações que

984
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.EEE.900024207. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900024207/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_900024207_d0001de0001.pdf>. Acesso: em 09 maio 2021.
985
Fio-me, por exemplo, em lista publicada pelo jornal Folha de São Paulo, em 17 de setembro de 1995,
com os parlamentares naquele momento integrantes da bancada evangélica. Muitos dos quais já
frequentavam a Câmara desde 1991 e continuaram o fazendo na legislatura iniciada em 1999
(EVANGÉLICOS no Congresso, 1995).
640

seguem são precisas e extensas o suficientes para a análise das linhas gerais da atuação
evangélica na Câmara federal.
Na 49ª legislatura, eleita em finais de 1990, a bancada evangélica sofreu um
decréscimo, trazendo 23 parlamentares, número que subiu para 24 em maio de 1991, com
a posse de Eliel Rodrigues na vaga do deputado Manoel Ribeiro, do PMDB paraense.
Entre os reeleitos, além de Rodrigues, a bancada teve Costa Ferreira; Antônio
Jesus; João de Deus Antunes, que mudara para o PDS; Manoel Moreira; Matheus Iensen,
agora no PTB; Salatiel Carvalho; Mário de Oliveira, desta vez pelo PRN; Orlando
Pacheco; Arolde de Oliveira; Eraldo Tinoco; Fausto Auromir Lopes Rocha, que migrara
para o PRN; e Naphtali Alves de Souza.
Pela Igreja Universal do Reino de Deus, a que ganhou maior espaço, debutaram
Alberto Felipe Haddad Filho, pelo PRN - SP; Aldir Cabral, PTB-RJ; Luiz Moreira, PTB-
BA; e Odenir Laprovita Vieira, PMDB-RJ. A Assembleia de Deus manteve sua maioria,
reelegendo sete parlamentares e trazendo os novatos Benedito Domingos, PP-DF, e
Valdenor Guedes, PTB-AP. Outros estreantes foram Francisco da Silva, PDC-RJ, da
Congregação Cristã do Brasil; os luteranos Paulo Bauer, PDS-SC; Werner Wanderer,
PFL-PR; Hugo Biehl, PDS-SC; e o mórmon986 Moroni Torgan, PDC-CE.
A bancada ainda receberia um esforço esporádico do deputado constituinte Milton
Barbosa, suplente empossado em agosto de 1992. Barbosa, porém, passou pouco tempo
na Câmara, licenciado por longos períodos.
Em termos partidários vemos um recuo do PMDB. Se levarmos em conta as
palavras de Guaracy Silveira, porém, que indicam o PTB e o PDC como partidos de “linha
auxiliar” do PMDB, os que gravitam em torno deste partido ainda são maioria, somando
11 parlamentares no total. O PFL, cuja árvore genealógica remete ao PDS e à ARENA,
agremiações sustentadoras da ditadura, continua bem representado, com seis deputados.
A grande novidade, contudo, é a vinculação de três desses deputados ao novo Partido da
Reconstrução Nacional - PRN, do recém-eleito presidente Fernando Collor de Mello. A
maioria da bancada vinculava-se, portanto, a grupos políticos sustentadores dos últimos
três governos federais, atestando a sua vocação governista no interior de um Estado
restrito dominado em todo o período pelo empresariado.

986
Apesar da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias não ser considerada uma denominação
evangélica, Torgan votou em bloco com o resto da bancada evangélica e aparece como seu membro,
inclusive, na página oficial da Câmara dos Deputados (FRENTE Parlamentar Evangélica do Congresso
Nacional, 2015).
641

Vejamos cada um dos novos membros.


Alberto Felipe Haddad Filho, mais conhecido como Bebeto Haddad, amigo íntimo
de Edir Macedo, como vimos no capítulo 8 teria apresentado o bispo a Fernando Collor
de Mello, iniciando a cooperação da IURD com sua candidatura e governo. Foi também
intermediário na compra da Rede Record de TV pela Igreja em 1989. É descrito pelo
dicionário biográfico do CPDOC-FGV como “investidor e empresário nos setores de
produção e distribuição de álcool, alimentos e transportes” (ALBERTO FELIPE
HADDAD FILHO, [s.d.]) e pertencente, em 2005, ao conselho da Central Petroquímica
Brasileira Ltda. A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
sublinhou sua proximidade com setores agrários, e defesa de “interesses industriais,
comerciais e religiosos”987. Animado com o projeto de privatização dos serviços públicos
iniciados por Collor, a Secretaria notou também que, na sessão legislativa de 24 de
outubro de 1991, o deputado “congratulou-se com o Governo pela privatização da
USIMINAS”988. Conforme noticiado em 1992 pelo jornal Tribuna da Imprensa, Haddad
foi suspeito também de receber propina de empresários para votar a favor do projeto de
desregulamentação dos portos (QUEM é quem e como devem votar os 49, 1992, p. 3),
que abria caminho para a privatização desta atividade no país.
Membro da IURD e delegado de polícia federal, Aldir de Araújo Cabral iniciou
sua carreira partidária em 1990. Pouco após a posse, se licenciou para executar a função
de secretário estadual de Trabalho e Ação Social no Rio de Janeiro, sob o governo de
Marcello Alencar, do PSDB, ali ficando até novembro de 1996. Segundo a Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Cabral ganhara o cargo “decorrente
do apoio que o Governador recebeu ao comparecer à uma grande concentração política,
promovida pelo Bispo Edir Macedo antes das eleições de OUT 94, em protesto contra a
candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva” 989 (SIC) e que, ao assumir, “nomeou vários
evangélicos para cargos de primeiro escalão na secretaria”. Foi um dos vários deputados

987
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075829. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075829/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075829_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 maio 2021.
988
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075776. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075776/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075776_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 maio 2021.
989
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.960079105. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079105/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_960079105_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
642

evangélicos que faziam parte do Bloco da Economia Moderna, que será melhor visto
adiante.
Também iurdiano, dizia a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República que a eleição de Luiz Moreira da Silva se dera “com expressiva colaboração
de adeptos”990. Empresário, médico e militar, tinha em seu currículo a presidência da
Associação Baiana de Medicina e a vice-presidência da Associação de Pequenos e
Microempresários da Bahia. Formou-se em 1966 pela Escola de Aperfeiçoamento de
Oficiais do Exército, chegando a presidir o Conselho Permanente de Justiça do Exército.
Eleito pelo PFL baiano, tinha proximidade com Antônio Carlos Magalhães, tendo
dirigido o Departamento Nacional de Telecomunicações da Bahia entre 1985 e 1990. É
descrito pelo DIAP (2002, p. 65) como “Adepto da economia de mercado”, “contrário à
reforma agrária” e favorável ao ensino superior privado com “bolsas para os alunos
carentes”.
O pastor Odenir Laprovita Vieira, descrito na página da Câmara dos Deputados
como comerciário, empresário e agricultor (LAPROVITA Vieira, [s.d.]), era outro nome
da IURD. Ainda segundo a Câmara, Vieira fora também militar, constando o exercício
da função de paraquedista do Exército em data indeterminada. Já na edição de cinco de
junho de 1992 do jornal Tribuna da Imprensa, é apontado como diretor, e elo de Edir
Macedo com esta empresa, da Unifacturing/Uniparticipações, atuante no mercado de
compra de duplicatas e que em 1991 teria comprado o Banco Dime, que “segundo
informações que circulam no mercado financeiro de São Paulo” (RELIGIOSO já tem o
seu banco, 1992, p. 5) passara ao controle do líder da Universal. Envolvido também nas
negociações para a compra da Rede Record, no momento de sua eleição presidia a IURD
e dirigia a Rádio Copacabana, de propriedade da Igreja. Já a Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República o descrevia como “Pastor evangélico e
empresário, defende os interesses de indústrias, religiosos e do setor de comunicações”991.
Outro entusiasta da pauta liberalizante, em abril de 1994, nas discussões no Congresso
sobre privatizações e a quebra de monopólios estatais, “criticou a falta de investimentos,

990
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.PPP.910011515. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ppp/910011515/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ppp_910011515_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
991
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075829. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075829/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075829_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
643

de pesquisa e de produtividade das estatais, defendendo a abertura para o capital externo,


como forma de dar qualidade ao setor e bons salários aos funcionários” 992. Foi outro
membro da bancada evangélica integrante do Bloco da Economia Moderna.
Segundo a página da Câmara empresário e advogado, o pastor assembleiano
Benedito Augusto Domingos foi diretor-presidente da FIBRAL Indústria e Comércio de
Vidros e Fibras Ltda., fundador da Centro-Oeste Turismo e Passagens Ltda. e da Empresa
Auto-Posto B-4 Comércio de Derivados do Petróleo, além de vice-presidente da
Federação das Associações Comerciais e Industriais do Distrito Federal (BENEDITO
Domingos , [s.d.]). Licenciou-se do cargo entre 1992 e 1993 para ser secretário de
Joaquim Roriz no governo do Distrito Federal, renunciando para assumir como vice-
governador do Distrito Federal no novo mandato de Roriz em 1999. Iniciou sua vida
política pela ARENA em 1979, quando foi nomeado administrador da região de
Taguatinga no Distrito Federal. Como deputado, ilustrando sua adesão ao plano
liberalizante em curso, manifestou-se na sessão legislativa de oito de novembro de 1991
considerando “acertada a decisão do Governo de privatizar empresas estatais” 993.
O também pastor da Assembleia de Deus, Valdenor Guedes Soares, antes de
eleito, foi chefe da Divisão Ambiental Estadual do Meio Ambiente do Amapá em 1990
no governo de Gilton Garcia, do PDS. Sobre ele as informações são escassas.
Membro da Congregação Cristã no Brasil, o empresário Oliveira Francisco da
Silva foi dirigente da empresa farmacêutica Instituto Fleming do Brasil e proprietário da
Rádio Melodia FM e Rádio Brasil AM, ambas no Rio de Janeiro (FRANCISCO Silva,
[s.d.]). Fazendo parte do Bloco da Economia Moderna, era descrito, ainda, como defensor
dos “interesses religiosos e do setor de comunicações”994, coerentemente com a condição
de pentecostal e proprietário de empresas de rádio. A Secretaria de Assuntos Estratégicos

992
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,TXT CEX.1968. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/txt/cex/1968/br_dfanbsb_h4_txt_cex_196
8_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
993
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075827. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075827/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075827_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
994
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075829. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075829/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075829_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
644

da Presidência da República considerava ainda que o deputado “Acredita na política


econômica do presidente Collor”995.
O luterano Hugo Biehl iniciou carreira política ao ser eleito deputado estadual em
1983 pelo PDS de Santa Catarina. Foi vice-líder do PDS no Congresso em 1992 e em
1993 do bloco conservador formado pelas legendas PDS, PFL, PTB, PRN, PDC, PL,
PSC, PRS e PRONA. Na Câmara, defendeu os interesses agrários, tendo a maioria de
suas intervenções no plenário se referido a este tema, de acordo com a Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Na sessão legislativa de 16 de
outubro de 1991, por exemplo, elogiou o pacote agrícola havia pouco lançado pelo
governo, asseverando que “com a retomada dos investimentos no campo, a produção será
viabilizada e a crise superada”996. O DIAP (2002, p. 314), por sua vez, o viu como “um
dos principais operadores da bancada ruralista na Câmara”.
Político experiente, o luterano Paulo Bauer já em 1978 fazia parte da Comissão
Diretora do Movimento Arenista Jovem, em Joinville-SC. Obteve seu primeiro mandato
em 1987, como deputado estadual em Santa Catarina pelo PDS. Eleito para a Câmara
federal em 1991, licenciou-se por longo período para cumprir a função de secretário da
Educação, Cultura e Desporto de Santa Catarina no governo de Vilson Kleinübing, do
PFL. Reeleito em 1994, renunciou três anos depois para assumir como vice-governador
catarinense pelo PFL, até 2002, ao lado do titular Esperidião Amin, do PPB. Tarimbado
também no ramo empresarial, foi administrador e gerente-geral da empreiteira Stein, em
Joinville-SC, entre 1975 e 1980; e vice-presidente e presidente, entre 1980 e 1983 e 1983
e 1986, da Eletrificação Rural de Santa Catarina, sociedade anônima de economia mista
fundada pelo governo daquele estado em 1973 (PAULO Bauer, [s.d.]).
Outro luterano, Werner Wanderer, agricultor e empresário, estreia na política em
1965, quando foi prefeito no interior do Paraná pelo PTB, sendo ainda deputado estadual
pela ARENA, PDS e PFL entre 1975 e 1991 (WERNER Wanderer, [s.d.]). Em fevereiro
de 1991, escreveu a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República que
Wanderer encontrou-se com o prefeito de Medianeira - PR, também do PFL, prestando

995
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075450. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075450/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075450_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
996
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075704. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075704/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075704_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 maio 2021.
645

apoio ao projeto de reabertura da rodovia PR-495997, conhecida como Estrada do Colono,


que cortava o Parque Nacional do Iguaçu, fechada por decisão da justiça em setembro de
1986 por pressão de ambientalistas998. Com efeito, veremos adiante que produtores rurais
paranaenses, talvez interessados na reabertura deste canal de escoamento, serão um dos
principais financiadores de sua campanha. A Secretaria o descreveu também como
defensor dos “interesses de pequenos e médios produtores rurais e de empresários do setor
de comunicações”999, dono ainda de uma ampla experiência política e integrante do Bloco
da Economia Moderna. Seu interesse pelos pequenos agricultores, entretanto, é posto em
dúvida na Edição de março/abril do informativo O Trabalhador Rural, editado pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas - CONTAG e acumulado pela
Presidência da República, onde aparece numa lista de “Inimigos dos trabalhadores
rurais”1000. Segundo a CONTAG, no contexto das revisões constitucionais debatidas pelo
Congresso Nacional, trazendo projetos potencialmente danosos aos trabalhadores,
preocupava a proposta, de sua autoria, para alteração do artigo 190 da Constituição, que
impunha limitações e condições para a aquisição de terras por estrangeiros.
O delegado da Polícia Federal e membro da Igreja Mórmon, Moroni Torgan, foi
secretário de Segurança do Ceará entre 1988 e 1990 no governo de Tasso Jereissati, do
PSDB, do qual seria vice-governador em 1995. Foi vice-líder do governo Itamar Franco
na Câmara dos Deputados em 1993. Em seu currículo policial constam cursos de
especialização contra o Crime Organizado, ministrado pelo FBI em 1986, e em Lavagem
de Dinheiro - Narcotráfico, pelo Departamento do Tesouro norte-americano em 1991
(MORONI Torgan, [s.d.]). Em novembro deste ano, a Secretaria de Assuntos Estratégicos
da Presidência da República o retratou como defensor dos interesses de sua Igreja e dos
policiais, um político “ético, jovem e inteligente” dedicado à “formulação de uma

997
Após a reabertura ilegal da estrada em 1997, a UNESCO colocou o Parque Nacional do Iguaçu na lista
de patrimônios mundiais em risco, dali removido apenas em dezembro de 2001 com o seu fechamento
definitivo.
998
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.NNN.910009096. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/nnn/910009096/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_nnn_910009096_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
999
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075829. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075829/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075829_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
1000
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DF ANBSB H4,MIC GNC.DIT.940078119. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940078119/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940078119_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
646

legislação mais dura contra o tráfego de entorpecentes”1001 e que votara contra o governo
Collor na maioria das votações até então.

6.1 – A renovada bancada evangélica e o governo Collor

Já em seu segundo ano de governo, Fernando Collor de Mello sofria acentuado


desgaste político por fatores como o insucesso do seu plano de estabilização econômica,
o confisco da Caderneta de Poupança1002 e denúncias de corrupção. Refletindo na
Câmara, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República notava uma
grande redução no apoio incondicional ao governo. Em duas listagens1003, formuladas em
junho e novembro de 1991, o órgão desenhava um mapa do Congresso identificando
parlamentares que não apoiavam o governo, aqueles que apoiavam condicionalmente e
os que apoiavam de maneira irrestrita. Essas listas mostram que nenhum parlamentar da
bancada evangélica era tido entre os que não apoiavam o governo 1004 (inclusive Moroni
Torgan), sendo que dois deles, Benedito Domingos e Hugo Biehl, figuravam ainda no
minúsculo grupo dos que o apoiavam incondicionalmente.
Outro índice útil para medir a adesão da bancada evangélica ao governo Collor de
Mello, especificamente aos seus projetos econômicos liberalizantes, é a presença de
parlamentares evangélicos no Bloco da Economia Moderna - BEM, grupo de pressão
formado por mais de 120 mandatários, entre eles alguns expoentes do liberalismo no país,
como Delfim Netto e Roberto Campos, ambos ministros de Estado nos tempos ditatoriais.
Segundo o dicionário biográfico do CPDOC-FGV, o Bloco pretenderia servir de

1001
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075829. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075829/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075829_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
1002
Uma das medidas integrantes do pacote de estabilização econômica batizado como Plano Collor 1, em
16 de março de 1990 o governo federal bloqueou, pelo prazo de um ano e meio, quantias superiores a 50
mil cruzados depositadas em cadernetas de poupança e contas correntes. Com isso, pretendia-se limitar o
dinheiro circulante, visando frear a inflação. A medida não apenas não logrou êxito como redundou em
graves prejuízos para boa parte da população, privada de suas economias.
1003
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075772. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075772/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075772_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021; e ARQUIVO NACIONAL.
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075031/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075031_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
1004
A secretaria, entretanto, parece ter esquecido Naphtali Alves de Souza, que não aparece nas listas.
647

“referência para posicionamentos dos liberais no Congresso” (ANTÔNIO DELFIM


NETO, [s.d.]) no calor das reformas privatizadoras iniciadas em princípios dos anos 1990.
Conforme a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, pelo menos
sete deputados evangélicos eram integrantes: Aldir Cabral, Fausto Rocha, Eraldo Tinoco,
Werner Wanderer, Arolde de Oliveira, Francisco Silva e Laprovita Vieira1005.

7 - Eleições Municipais de 1992

Por razões desconhecidas, nos arquivos da Secretaria de Assuntos Estratégicos da


Presidência da República são escassas as informações sobre a participação de religiosos
no pleito municipal de 1992. É possível, entretanto, supor o prosseguimento dos esforços
evangélicos, bem como a continuidade da ascensão da Igreja Universal. De fato, o único
documento localizado diz respeito a ela. Segundo a Secretaria, a IURD começara seus
preparativos um ano antes, escolhendo “representantes para as Câmaras Municipais de
importantes cidade do sul da Bahia, e até mesmo para Prefeituras” 1006, investindo a
quantia estimada de trezentos milhões de cruzeiros ou por volta de oitocentos mil
dólares1007. Para tanto, podia contar com 98 templos no estado, 120 mil seguidores e “o
apoio da Rádio Jornal da Cidade Ltda”, a Rádio Bahia de Salvador, comprada pela Igreja.

8 - As eleições de 1994

Em 1994, para a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República,


“A articulação do Movimento Religioso em torno das eleições gerais foi a maior que se
tem notícia no País”1008, com grande empenho de católicos e evangélicos em orientar seus
rebanhos contra o voto nulo.

1005
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.910075829. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075829/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_910075829_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 maio 2021.
1006
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.PPP.910011515. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ppp/910011515/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ppp_910011515_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 maio 2021.
1007
Cotação em 16 de outubro de 1991, data provável da redação do documento.
1008
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.950078736. Disponível em:
648

Findo o governo Itamar Franco, que conseguira a façanha de estabilizar a moeda


por via do Plano Real, o ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso despontava
como o favorito para assumir a Presidência, precisando primeiramente derrotar o
candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. A tarefa se mostrou mais fácil do que se
esperava, muito em função da aprovação popular ao plano Real e, em parte, da contumaz
campanha religiosa contra Lula, iniciada meses antes do pleito. Em junho de 1994 a
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República reportou que o jornal
oficial da IURD, a Folha Universal, veiculou virulenta matéria contra o “diabo barbudo”.
Intitulado Sem Ordem e Sem Progresso, o escrito, assinado pelo pastor e dirigente
Ronaldo Didini, acusava o PT de “usar a democracia como elo de ligação para o
autoritarismo e a intolerância”1009. Enumerava-se graves defeitos do PT, como divisões
internas, “em várias facções antagônicas”; o fato dos seus integrantes defenderem a ajuda
financeira a Cuba; a “influência direta na formação de opiniões e conceitos através da
infiltração de militantes na educação, nos meios de comunicação e no funcionalismo
público”1010; a defesa do casamento entre pessoas do mesmo sexo e da legalização do
aborto; o interesse em estatizar a economia e em não pagar a dívida externa; sua ligação
com as comunidades Eclesiais de Base, “controladas pela ala progressista da Igreja
Católica”; e o estímulo à invasão e ocupação de terras “consideradas improdutivas”.
Representaria o partido, portanto, “o radicalismo, o atraso e a destruição dos valores
familiares e cívicos”.
Por volta de um mês antes das votações, a IURD mantinha sua “cruzada
eleitoral”1011 contra Lula, interessada mais em combater o “anti-candidato e a
“personificação do diabo”’, do que em apoiar qualquer outro. Já a Assembleia de Deus
fazia movimentos em direção a Orestes Quércia, atraída por seu vice, Iris Rezende. Em

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/950078736/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_950078736_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
1009
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.940077267. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940077267/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940077267_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
1010
Vemos aqui a continuidade da retórica ventilada no interior dos encontros financiados pela Igreja da
Unificação, nos documentos Santa Fé I e II e no relatório Rockefeller, segundo a qual as esquerdas
manteriam uma ofensiva ideológica em vários níveis. É um prenúncio também de uma bandeira hasteada
com progressiva intensidade pela extrema direita brasileira em tempos mais recentes, por exemplo alegando
a presença de propaganda política no interior das salas de aula a fim de cercear a liberdade de expressão de
professores e professoras e imprimir ao ensino brasileiro seu próprio viés ideológico.
1011
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.950078736. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/950078736/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_950078736_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
649

termos legislativos, as igrejas envolvidas na Conferência Nacional dos pastores do Brasil


CNPB, que como vimos era formada sobretudo pela IURD, a Assembleia, os batistas e a
Igreja do Evangelho Quadrangular, pretendiam eleger 12 deputados federais, meta um
tanto modesta diante do tamanho que a bancada evangélica atingiu nesta legislação. A
CNPB faria grandes atos ao longo dessa eleição, como aquele, visto no capítulo passado,
com a presença de quase quatrocentas mil pessoas no Rio de Janeiro e de diversos
candidatos, entre eles Iris Rezende.
A Secretaria relatou também que, a fim de melhor articular suas candidaturas, a
Igreja Universal do Reino de Deus criara uma “coordenadoria política”1012. Rendendo
resultados, a IURD “foi a grande favorecida das eleições”, dobrando o número de
deputados federais e triplicando seus representantes na Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro. Por último, era dito que a Igreja procurava estender seu alcance partidário
inclusive no exterior, colhendo assinaturas para fundar seu próprio partido em Portugal,
onde vinha “obtendo grande sucesso” , a fim de disputar as eleições legislativas em 1995.
De fato fundado naquele ano e inicialmente batizado Partido Social Cristão, a legenda
acabou vindo a se chamar Partido da Gente. Conforme apurado pela Secretaria, junto a
“fontes políticas e da própria IURD”1013, “a denominação do novo partido político seria
uma forma de aludi-lo ao governo Collor, em virtude do seu slogan “minha gente”’ e “em
agradecimento aos benefícios obtidos por Edir Macedo na Concessão de canais de rádio
e televisão”. Planejava o bispo lançar o Partido da Gente também no Brasil, para tanto já
tendo conseguido o apoio da ex-deputada Dayse Lucidi. O projeto, entretanto, não saiu
do papel, não tendo ido muito longe também em Portugal, onde terminou extinto em 1999.
Do lado de Lula, marcava a Secretaria que mantinha “cerrados contatos” com o
candidato do PT o presbiteriano Caio Fábio1014, crítico da Igreja Universal do Reino de
Deus e do Conselho Nacional dos Pastores do Brasil, “embora venha pregando ser

1012
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.950078803. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/950078803/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_950078803_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
1013
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.960079184. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079184/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_960079184_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
1014
Conforme Zózimo Trabuco (2015, p. 357), a Associação Evangélica Brasileira - AEVB, dirigida por
Fábio, foi uma importante organização ligada à Teologia da Missão Integral, “preocupada com a
representação dos evangélicos diante da opinião pública após os escândalos da bancada evangélica na
Constituinte e no apoio à eleição de Collor”.
650

inaceitável que se faça política em nome da fé ou da igreja” 1015. Os encontros com Fábio,
segundo a Secretaria em número de 15 apenas nos últimos dois anos, teriam levado a
campanha petista a intensificar aproximações com evangélicos em comitês a eles
dedicados, ativos desde a campanha de 1989.
A despeito desses esforços, o voto evangélico migrou, em sua maioria, para
Fernando Henrique Cardoso. Pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha entre 16 de
agosto e cinco de setembro de 1994 mostrou a preferência pelo tucano de 40,3 % dos
evangélicos, contra 18,6 % de Lula, obtendo o primeiro vantagem ainda maior entre os
pentecostais, 41,9 % contra 17,4 % (PIERUCCI e PRANDI, 1996, p. 227). Aqui, salta
aos olhos o fato de ambos os candidatos terem recebido entre os evangélicos um
percentual de votos menor do que aquele conseguido entre população total, 54,24%,
contra 27,07%. Do lado de FHC, uma explicação provável é o fato de Orestes Quércia,
como vimos apoiado pela Assembleia de Deus, ter atingido 8,3 % na pesquisa dos votos
evangélicos, quase o dobro dos 4,38% somados pelo TSE, havendo também muitos
indecisos, 13,8%. Já para Lula, a diferença certamente reporta-se à sua grande rejeição,
que chegou a 51,7% entre todos os evangélicos e 55,1% no meio pentecostal (PIERUCCI
e PRANDI, 1996, p. 236).

9 - A bancada evangélica e o primeiro mandato de FHC

Tal como fizeram com Collor, os parlamentares religiosos foram leais aliados do
programa econômico liberalizante anunciado já nos primeiros momentos do governo
Fernando Henrique Cardoso. Conforme o Jornal do Brasil de 11 de abril de 1995, a
bancada evangélica visitara o presidente no dia anterior “para dar seu apoio às reformas
constitucionais” (LANCE-Livre, 1995, p. 6).
Conseguindo bons resultados no último pleito, o grupo aumentou para,
aproximadamente, 28 representantes. Em termos partidários, há desta vez uma grande
heterogeneidade, ainda que circunscrita ao universo de partidos conservadores, sem a
supremacia de qualquer legenda. O PFL e o PP são os preferidos, fazendo cada um seis

1015
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.940078073. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940078073/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_940078073_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
651

deputados evangélicos, seguido de perto pelo PMDB, com cinco, e pelo PPR, com quatro.
Em termos confessionais, permanece a superioridade da Assembleia de Deus, que
contribuiu com nove deputados, enquanto a Igreja Universal do Reino de Deus crescia
rapidamente, elegendo outros seis, e os batistas continuavam fortes, com cinco membros.
Alto também foi o índice de reeleição, tendo voltado ao congresso 14 deputados
evangélicos. Foram eles Benedito Domingos, que passara para o PPB; Costa Ferreira;
Salatiel Carvalho, agora no PP; Valdenor Guedes, que mudara para o mesmo partido;
Laprovita Vieira, também agora pelo PP; Luiz Moreira, desta vez pelo PTB; Aldir Cabral,
que que passara também ao PTB; Francisco Silva, agora pelo PP; Mário de Oliveira,
idem; Eraldo Tinoco; Arolde de Oliveira; Hugo Biehl, que passou para o PPR; Paulo
Bauer, que trocou o PDS pelo PPR; e Werner Wanderer. Os estreantes foram os
assembleianos Carlos Apolinário, PMDB-SP; João Iensen, PTB-PR; Philemon
Rodrigues, PTB-MG; Raimundo Santos, PPR-PA; e Silas Brasileiro, PMDB-MG; os
iurdianos Paulo de Velasco, PSD-SP, Wagner Salustiano, PPR-SP, e Jorge Wilson,
PMDB-RJ; os batistas Carlos Magno, PFL-SE, Herculano Anghinetti, PSDB-MG, e
Lamartine Posella, PP-SP. A Igreja Presbiteriana fez os deputados Elias Abrahão, PMDB-
PR; José Carlos Lacerda, PPR-RJ; e Lídia Quinan, PMDB-GO. Um último estreante foi
Ildemar Kussler, PSDB-RO, mas sobre a sua filiação religiosa as fontes jornalísticas são
desencontradas, ora sugerindo que fosse membro da Assembleia de Deus, ora luterano.
A Câmara dos Deputados descreve a ocupação principal de Carlos Apolinário
como “Empresário” (CARLOS Apolinário, [s.d.]). De fato, o deputado era dono de uma
fábrica de produtos plásticos e posteriormente de empresas de rádio. Iniciou sua vida
política em 1983 como deputado estadual em São Paulo pelo PMDB, reeleito até 1995.
Na Câmara federal, foi vice-líder do PMDB entre 1995 e 1999, desempenhando o mesmo
papel no bloco formado pelo PMDB, PSD, PSL e PSC em 1996. Membro da Assembleia
de Deus, segundo o dicionário biográfico do CPDOC-FGV, a eleição de Apolinário em
1982 valeu-se do slogan “se Deus é por nós, quem será contra nós?” (CARLOS
ALBERTO EUGENIO APOLINARIO, [s.d.]). O mesmo dicionário repara que, apesar
de ligado ao líder político paulistano Orestes Quércia, Apolinário “alinhou-se ao governo
de Fernando Henrique Cardoso nas principais propostas de emendas constitucionais
encaminhadas ao Congresso pelo Palácio do Planalto em 1995”. Em entrevista a eles
concedida em maio de 1992, quando ainda era deputado estadual em São Paulo, Mariano
e Pierucci (1996, p. 207) destacam a aversão de Apolinário à esquerda e a sua participação
na eleição de Fernando Collor. Uma vez que “a esquerda no mundo todo proíbe a
652

liberdade religiosa”, Collor seria o candidato natural contra Lula, posto que “Os
evangélicos preferem muito mais viver num barraco e poder dizer que Cristo Salva, a
morar numa mansão e não poder dizer que Deus existe” (SIC).
Filho do ex-deputado federal Matheus Iensen, João Iensen começou como
deputado estadual no Paraná em 1991. Em 1994 resolveu concorrer para o Legislativo
federal, cargo ao qual o pai não tentara se reeleger, dele herdando, além do nome,
provavelmente muitos votos. Conforme a página da Câmara, era empresário do ramo
radiofônico, tal como o pai, aparecendo desde 1976 como sócio-cotista do Sistema Iensen
de Comunicações, empresa por trás da rádio evangélica Marumby (JOÃO Iensen, [s.d.]).
O pastor assembleiano Philemon Rodrigues inicia sua vida partidária em 1986
como diretor administrativo da Secretaria de Educação de Minas Gerais no governo de
Hélio Garcia, do PMDB. Prosseguiu empregado em cargos de confiança do governo
mineiro na gestão de Newton Cardoso (1987-1991) e no segundo mandato de Hélio
Garcia (1991-1995).
A carreira partidária do cantor da Assembleia de Deus, Raimundo Santos,
começou em 1984, quando assumiu a função de assessor jurídico da Prefeitura de
Paragominas - PA até 1986. Em seguida, foi deputado estadual no Pará pelo PFL em 1987
e em 1991, desta vez pelo PRN. Naquela Câmara, foi vice-líder do PFL entre 1987 e 1989
e do PRN entre 1989 e 1993. Advogado, representou o banco Bamerindus em
Paragominas entre 1985 e 1987 e foi presidente da Associação Comercial, Agrícola e
Pastoril da mesma cidade entre 1984 e 1986 (RAIMUNDO Santos, [s.d.]). Investigando
a aceitação do primeiro Plano Collor entre líderes partidários em abril de 1990, a
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República dissera que Raimundo
Santos, então na Assembleia Legislativa do Pará, era um dos parlamentares “que se
manifestam de forma incisiva em favor do plano”1016.
Conforme a página da Câmara administrador de empresas, agricultor, empresário
e pecuarista, o assembleiano Silas Brasileiro iniciou na política como prefeito da cidade
mineira de Patrocínio em 1989 (SILAS Brasileiro, [s.d.]). A Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência o descreveu como membro da Bancada ruralista “muito

1016
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.KKK.900007738. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/kkk/900007738/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_kkk_900007738_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 maio 2021.
653

ligado ao setor cafeeiro”1017. Também o DIAP (2002, p. 170) atestava que, durante seu
mandato, o “Grande cafeicultor de Patrocínio” votou com a bancada ruralista. Em tempos
mais recentes assumiu inclusive os cargos de diretor executivo e posteriormente
presidente do Conselho Nacional do Café. Em 2003 passou a atuar como secretário da
Agricultura Pecuária e Abastecimento no governo de Minas Gerais sob Aécio Neves, do
PSDB, indicado por Arlindo Porto, do PTB, ex-ministro da agricultura de Fernando
Henrique Cardoso. Como se verá adiante, o parlamentar tinha fortes ligações também
com o setor empreiteiro.
O pastor da Igreja Universal Paulo de Velasco, segundo a página da Câmara,
acumulava as funções de relações públicas, advogado, comunicador e empresário. Seu
primeiro mandato foi como deputado estadual em São Paulo pelo PST entre 1991 e 1995.
Transferindo-se para o PSD ainda em 1991, foi segundo vice-presidente da Executiva
Nacional deste partido em 1994, por ele também elegendo-se deputado federal no mesmo
ano. Passaria posteriormente para o PRONA, onde foi membro da Comissão Diretora
Regional Provisória em São Paulo, conseguindo um segundo mandato na Câmara federal
em 1998. Pouco depois, transfere-se para o PSL, partido do qual foi vice-líder entre 2000
e 2002. No ramo empresarial, foi diretor da empresa INTERPLAN, entre 1985 e 1989;
gerente de treinamento e comercial da Gold Invest, Indústria e Comércio de Ouro S.A.,
entre 1986 e 1987; e superintendente comercial da Zurich Trade do Brasil S.A., em 1987.
Já como comunicador, trabalhou em várias rádios e TVs no Rio de Janeiro, passando após
1987, quando torna-se pastor da IURD, a concentrar-se nos órgãos de informação da
Igreja. Assim, atuou de 1988 a 1989 na Rádio Copacabana; foi debatedor e comentarista
político no programa Record em Notícias; e diretor administrativo e financeiro da Rede
Record de Rádio e TV em 1990 (DE Velasco, [s.d.]). Conforme o dicionário biográfico
do CPDOC-FGV, Velasco foi, também, diretor do Lions Club do Brasil e vice-presidente
da Sociedade Pestalozzi (PAULO CESAR MARQUES DE VELASCO, [s.d.]),
organização filantrópica baseada em São Paulo que tem na Rede Record de Televisão
uma grande apoiadora.
O Iurdiano Wagner Salustiano, outro cuja ocupação atribuída pela página da
Câmara é a de “Empresário”, debutou no mundo partidário nas eleições de 1994, vindo a

1017
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.MMM.990017269. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/990017269/br_dfanbsb_h
4_mic_gnc_mmm_990017269_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 maio 2021.
654

ser vice-líder do PPR em 1995; do PPB, entre 1995 e 1997 e em 1999; e do Bloco PPB/PL,
entre 1996-1997 (WAGNER Salustiano, [s.d.]). O CPDOC-FGV acrescenta que
Salustiano era membro da direção estadual da IURD em São Paulo, além de coordenador
político da Igreja naquele estado. Teria cabido a ele a decisão de negar o apoio da
agremiação religiosa à Francisco Rossi, do PDT, nas eleições de 1996, aderindo à
candidatura de José Serra, do PSDB (VAGNER AMARAL SALUSTIANO, [s.d.]). Serra,
porém, não iria para o segundo turno e, entre Luiza Erundina, do PT, e Celso Pitta,
afilhado político de Paulo Maluf e candidato pelo PPB, ao que parece a preferência da
IURD recaiu sobre o último, que terminaria vitorioso. É o que sugere documento da
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, que em meados de 1999
examinava suspeitas de corrupção na Anhembi Turismo e Eventos, empresa pública
vinculada à Prefeitura de São Paulo. Conforme o papel, por volta de 15 funcionários
estavam prestes a ser indiciados por suspeitas de corrupção, entre eles Laércio do Amaral
Salustiano, Walter Salustiano e Andressa Salustiano, irmãos e filha do deputado federal.
Todos eram suspeitos de ser “fantasmas na Anhembi”, tendo Laércio revelado, em
depoimento, que foi indicado ao cargo de assessor técnico 2 da Anhembi por Paulo Maluf
em 19961018 “como uma espécie de recompensa por ter ajudado em sua campanha
eleitoral”1019. No Congresso, o DIAP (2002, p. 356) descreveu Wagner Salustiano como
um “governista” que “apóia incondicionalmente as teses e propostas de FHC” (SIC).
Último iurdiano debutante, Jorge Wilson de Matos se prestou, na Câmara, ao
papel de vice-líder do PMDB entre 1999 e 2001; do bloco PMDB/PSD/PRONA, entre
1998 e 1999; e do bloco PMDB/PTN, em 1999. Segundo matéria da Folha de São Paulo,
seu filho, Jorge Wilson de Matos Júnior, foi um dos iurdianos empregados por Aldir
Cabral em 1995, quando este ocupava o cargo de secretário estadual de Trabalho e Ação
Social do governo do Rio de Janeiro. Júnior chefiou o posto de Niterói do Sistema
Nacional de Empregos - SINE do Rio de Janeiro (FILHO, 1996).
O médico batista Carlos Magno Costa Garcia entrou na política em 1983,
empossado prefeito de Estância - SE pelo PDS, partido de sustentação da ditadura. Em
1990 faz-se deputado estadual naquele estado, agora pelo PFL. Em julho de 1995, a

1018
Prefeito de São Paulo entre 1993 e 1997, Maluf, não pôde se candidatar naquela eleição, trabalhando
para eleger seu sucessor, Celso Pitta. Provavelmente é a essa “campanha eleitoral” que Laércio do Amaral
Salustiano se refere.
1019
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.EEE.990026300. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/990026300/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_eee_990026300_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 maio 2021.
655

Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República investigava o apoio


parlamentar às propostas de emendas constitucionais de Fernando Henrique Cardoso.
Sobre Carlos Magno, esperava-se um apoio condicional, sublinhando-se que ele tenderia
a votar com a maioria do PFL, “sem se incomodar com as pressões do Presidente” 1020.
Recentemente, notava-se, o deputado haveria inclusive criticado ações do governo e de
alguns dos seus principais nomes, “mas sempre ressalvando a figura do presidente, que
não estaria sendo informado da realidade, ou dificuldades que existiam no País”. Em outro
papel, de setembro de 1995, a Secretaria arrolou Carlos Magno como um dos apoiadores
sergipanos, ainda que não fosse membro, da bancada ruralista1021.
Herculano Anghinetti, agricultor, corretor de seguros e membro da Igreja Batista,
iniciou sua vida partidária com a eleição de 1994. Na Câmara, foi líder do PPB em seu
segundo mandato, entre 1999 e 2003. Outras atividades profissionais relacionadas pela
Câmara são a de “Produtor Rural”, entre 1984 e 2006, e corretor de seguros na empresa
mineira Oregon Seguros, entre 1988 e 1994 (HERCULANO Anghinetti, [s.d.]). Foi
membro da bancada ruralista até seu último mandato, entre 2003 e 2007. Em tempos
recentes parece ter se afastado do Estado restrito, fazendo política a partir da Associação
Brasileira Pró-Desenvolvimento Regional Sustentável - ADIAL BRASIL, órgão de
defesa dos interesses patronais fundado em 2006 e onde é presidente-executivo. Descrita
como um espaço de reunião das “principais empresas brasileiras de vários setores e
portes, que compartilham a certeza de que políticas de incentivos fiscais são fundamentais
para a conquista da verdadeira independência, do crescimento e desenvolvimento das
empresas e o equilíbrio regional”, a Associação tem como filosofia a noção de que os
impostos são óbices ao desenvolvimento econômico, pleiteando a redução dos tributos
sobre as atividades empresariais. Defende, assim, que “a chamada renúncia fiscal é um
auto incentivo, que não representa a utilização de recursos públicos, mas a conquista de
avanços que não se teria sem o mecanismo” (QUEM Somos. ADIAL Brasil, [s.d.]).
Fundador e presidente da Igreja Batista Palavra Viva, o pastor Lamartine Posella
passa a deputar na Câmara Federal apenas em princípios de 1997, tomando posse como

1020
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.DIT.970079883. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/970079883/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_dit_970079883_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 maio 2021.
1021
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC GNC.PPP.980011873. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ppp/980011873/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ppp_980011873_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 maio 2021.
656

suplente. Naquele espaço, foi vice-líder do PPB entre 1997 e 1999. É autor do livro O
Céu na Terra: um projeto de conquista (São Paulo: Naós, 1998) (LAMARTINE Posella,
[s.d.]), panfleto em defesa da tutela evangélica sobre a sociedade em geral.
O pastor da Igreja Presbiteriana Central Elias Abrahão, antes de entrar no
Legislativo, foi secretário municipal do Meio Ambiente em Curitiba, entre 1986 e 1988,
na prefeitura de Roberto Requião, do PMDB; coordenador do Meio Ambiente da
Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado do Paraná, entre 1989 e 1990, no
governo de Álvaro Dias, do PMDB; e secretário de Educação do Estado do Paraná, entre
1991 e 1994, nas gestões de Requião e Mário Pereira, ambos também do PMDB. Na
Câmara federal foi vice-líder do mesmo partido entre 1995 e 1996 e do bloco
PMDB/PSD/PSL/PSC, em 1996 (ELIAS Abrahão, [s.d.]).
O “Empresário” presbiteriano José Carlos Lacerda começou a frequentar o Estado
restrito em 1970, eleito vereador no Rio de janeiro pela ARENA. Transferindo-se para o
MDB, foi reeleito vereador e posteriormente empossado como deputado estadual.
Aderindo ao PFL, foi feito vice-prefeito da cidade fluminense de Duque de Caxias em
1988. Entre 1996 até sua morte em 1997, foi secretário de Desenvolvimento da Baixada
Fluminense e Municípios Adjacentes do governo do estado do Rio de Janeiro sob Marcelo
Alencar, do PSDB, permanecendo por pouco tempo, portanto, na Câmara federal (JOSÉ
Carlos Lacerda, [s.d.]).
Também presbiteriana, a “Empresária” Lídia Quinan não tinha experiência
partidária prévia. Não obstante, em Brasília, foi vice-líder do bloco PMDB/PSD/PSL
entre 1997 e 1999. É listada pela página da Câmara como vice-presidente da distribuidora
de gás em Goiânia - GO, Grupo Onogás, e da organização financeira Onocrédito S.A.
Quinan aparece ali também como membro do Conselho Consultivo do órgão patronal
Associação Comercial e Industrial de Goiás (LÍDIA Quinan, [s.d.]).
Ildemar Kussler também chegava “verde” ao Congresso. Na Câmara, cumpriu
apenas a metade do mandato, renunciando em janeiro de 1997 para assumir a prefeitura
de Ji-Paraná - RO. Sua vinculação religiosa não está clara, constando no dicionário
biográfico do CPDOC-FGV que foi professor na Universidade Luterana do Brasil, em Ji-
Paraná, mas aparecendo como membro da Assembleia de Deus em outros lugares
(KUSSLER, ILDEMAR, [s.d.]).

9.1 – Principais votações na Câmara dos Deputados


657

Procurando aprofundar ainda mais a internacionalização da economia e o


programa privatizador iniciado por Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso
precisou desfigurar diversas disposições da Constituição de 1988. A dificuldade em fazê-
lo reside no fato de que as emendas constitucionais não podem ser aprovadas apenas com
maiorias simples, requerendo três quintos dos votos na Câmara dos Deputados. Já a
facilidade com que FHC conseguiu emplacar mais de uma dezena delas explica-se pela
força política angariada por sua expressiva votação, por acordos e negociatas travadas
com o Congresso e pelo interesse da classe dominante em que tais medidas saíssem do
papel. Para tanto, o presidente contou com a adesão praticamente unânime da bancada
evangélica.
Passarei agora a observar o comportamento desses parlamentares diante de
algumas das mais importantes votações ocorridas na Câmara federal entre 1995 e 1999.
A primeira delas é a Proposta de Emenda Constitucional n. 5/95, aprovada em
segundo turno na Câmara dos Deputados, em 23 de maio de 1995, por 349 a 105 e
transformada na emenda constitucional n. 6, em 15 de agosto de 1995. Seu efeito foi
revogar a diferenciação constitucional entre empresa brasileira e empresa brasileira de
capital nacional. A emenda teve importante papel no projeto de aprofundamento das
privatizações e de abertura da economia nacional ao capital estrangeiro por abrir caminho
para que empresas estrangeiras, desde que constituídas sob as leis brasileiras e com sede
aqui, pudessem explorar os recursos minerais e hidráulicos nacionais, que no texto
constitucional original estavam reservados a brasileiros e empresas brasileiras de capital
nacional. Mais do que isso, a emenda removia qualquer diferenciação legal entre
empresas brasileiras e empresas brasileiras de capital nacional, intensificando ainda mais
a internacionalização de nossa economia.
Toda a bancada evangélica votou a favor da medida, com a exceção de Aldir
Cabral e Erado Tinoco, licenciados, Lamartine Posella, que apenas tomaria posse em
janeiro de 1997, e Philemon Rodrigues, que se absteve (DIÁRIO DO CONGRESSO
NACIONAL, Ano L, n. 85, 1995).
A Proposta de Emenda Constitucional n. 7/95, aprovada em segundo turno na
Câmara em 31 de maio de 1995, com 360 votos a favor e 113 contra, e transformada na
Emenda Constitucional n. 7, em 15 de agosto de 1995, franqueava os portos brasileiros
para a navegação de cabotagem de navios estrangeiros, monopolizada por embarcações
nacionais na letra da Constituição de 1988.
658

Novamente, todos os membros da bancada evangélica votaram a favor da


proposição do Poder Executivo, com a exceção dos mesmos ausentes na votação anterior.
Nenhum dos seus membros se pronunciou a respeito da matéria nas discussões em
plenário. O deputado Salatiel Carvalho, entretanto, pediu a palavra para endereçar um
outro assunto, a greve dos petroleiros, deflagrada em três de maio e, conforme a
Federação Única dos Petroleiros, “a mais longa greve da história da categoria” (1995: A
maior greve dos petroleiros, 2019). Reivindicando a observância de acordos travados com
o governo no ano anterior e em protesto às investidas privatizadoras de Fernando
Henrique contra a Petrobrás, a greve, declarada abusiva pelo Tribunal Superior do
Trabalho, sofreu violenta repressão do governo, que procedeu a cortes salariais,
suspensões, a demissão de 73 trabalhadores, ordenou a ocupação de refinarias pelo
Exército e impôs pesadas multas aos vinte sindicatos envolvidos. Não obstante, Carvalho
tomou o púlpito da Câmara para parabenizar Fernando Henrique por seu “comportamento
firme e sereno” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Ano L, n. 91, 1995) e
“lucidez” ao acionar o ministro da Justiça, Nelson Jobim, para que se tomasse as “devidas
providências”, que, frisou o deputado, “vão desde a demissão sumária até a prisão”.
A PEC n. 3/95, aprovada em segundo turno na Câmara em seis de junho de 1995,
por 357 votos contra 136, e transformada na Emenda Constitucional n. 8, em 15 de agosto,
tinha como função precípua habilitar empresas privadas a explorarem serviços de
telecomunicações no país. Assim, onde a Constituição de 1988 dizia que a União apenas
poderia conceder a empresas estatais o fornecimento desses serviços, removia-se esse
condicionante, acrescentando-se a criação de uma agência reguladora.
Nos debates que precederam a votação, Philemon Rodrigues pediu a palavra para
criticar “a maneira açodada como vem sendo proposta nesta Casa a reforma da
Constituição” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Ano L, n. 94, 1995),
sublinhando a falta de diálogo com o governo e confessando a insuficiência do seu
conhecimento sobre a PEC n. 3, o que não o impediu de votar em seu favor, e sobre a
“proposta da quebra do monopólio do petróleo”. Deixava claro, contudo, que concordava
com os planos de FHC, declarando-se “pela modernização do Estado”, pedindo apenas
que os líderes do governo “não busquem os votos dos Deputados através de telefone”,
mas que frequentassem mais a Câmara para expor “com clareza aos partidos as propostas
do Governo”.
Laprovita Vieira também tomou o púlpito, mas dessa vez para declarar o apoio do
seu partido, o PP, à proposta governamental. Limitou-se a dizer que “o País não precisa
659

mais se preocupar com investimentos, que competem à iniciativa privada. Portanto, tem
de investir em saúde, educação, segurança e transporte”1022 e que ele e seus colegas de
partido entendiam “que os monopólios estatais devem realmente ser flexibilizados”.
A proposta foi, novamente, acolhida de maneira unânime pelos evangélicos, com
as mesmas ausências da votação anterior.
A PEC 6/95, aprovada em segundo turno na Câmara por 360 a 129, em vinte de
junho de 1995, e transformada na Emenda Constitucional n. 9 de 1995, avançou o
esvaziamento da Petrobrás e a maior abertura da economia brasileira ao capital
estrangeiro. Punha-se fim ao monopólio da estatal na exploração do petróleo em solo
nacional, permitindo à União contratar empresas privadas para as atividades de pesquisa
e extração e para o refino, a importação, a exportação e o transporte marinho de petróleo,
gás e derivados.
Desta vez não houve unanimidade. Apesar da maioria esmagadora da bancada
votar a favor, três membros se manifestaram contra, Philemon Rodrigues, Paulo de
Velasco e Elias Abrahão. João Iensen faltou à votação e os outros três deputados
evangélicos ausentes nas votações anteriores assim permaneceram pelas mesmas razões.
Mas apesar das discordâncias, nenhum parlamentar evangélico participou dos
debates que precederam a votação. Apenas dois deles pediram a palavra naquela sessão
legislativa, ambos para tratarem de outras questões.
José Carlos Lacerda manifestou-se para divulgar o livro Medicina Familiar: base
para um sistema de saúde no Brasil, assinado por Mário Barreto Corrêa Lima e editado
pela Escola Superior de Guerra - ESG, sugerindo uma possível ligação do deputado com
esse órgão. Segundo apresentado por Lacerda, uma das propostas principais do livro era
fazer frente ao problema da insuficiência de recursos públicos para o atendimento médico
das “populações carentes” a fim de garantir o cumprimento de “alguns dos Objetivos
Nacionais Permanentes” entre eles a “Paz Social e a própria Segurança Nacional”1023.

1022
Aqui vemos ecoar na boca do pastor iurdiano um dos principais argumentos de teóricos econômicos
liberais para o encolhimento do Estado: a suposta maior eficiência em atender os serviços básicos à
população quando liberado de investir nos setores produtivos, uma das razões alegadas para a venda das
empresas estatais.
1023
Tais Objetivos Nacionais Permanentes foram formulados pela Escola Superior de Guerra no interior de
sua Doutrina de Segurança Nacional. A DSN tem suas raízes na Guerra Fria, em muito baseando-se na
ideia de uma guerra total que levava em conta conflitos no campo ideológico dividindo o mundo entre áreas
de influência dos Estados Unidos e da União Soviética. A DSN teve importância fundamental para os
governos ditatoriais pós-64, tanto no que diz respeito à política interna como externa. Sua menção por
Lacerda indica a afiliação do parlamentar evangélico à linha doutrinária autoritária formulada pela ESG e
aplicada pela ditadura.
660

Arolde de Oliveira aproveitou para pronunciar-se sobre a PEC 3/95, que retirava
o monopólio estatal nas telecomunicações. Exortou os deputados a se “ocupar,
imediatamente, em dar consequências práticas a essa decisão” (DIÁRIO DO
CONGRESSO NACIONAL. Ano L, n. 103, 1995), ou seja, pedia celeridade na produção
de uma Lei Ordinária para “regulamentar a desregulamentação do setor de
telecomunicações”. Sobre a PEC, dizia que ela veio para remover empecilhos
constitucionais a “medidas modernizadoras”, permitindo a transição “do atual modelo
estatizado e monopolista para esse novo modelo de competição”. Frisou, ainda, que o
“setor industrial, que gera mais de cem mil empregos diretos e indiretos”, plenamente
preparado para a competição, alcançava “elevados níveis de produtividade”, praticando
“as normas internacionais de controle de qualidade”. Defendia também a necessidade de
revisão da estrutura tarifária corrente, em atenção à “remuneração do capital investido”,
a fim de “estimular investimentos”. Almejava, portanto, a construção de condições para
que vigorasse “um sistema de preços justo e estável, com a mínima interferência por parte
do poder concedente para que os efeitos da competição sejam os mais positivos
possíveis”. Mas seria apenas em dezembro de 1996 que o governo encaminharia ao
Congresso um projeto para a Lei Geral de Telecomunicações, sob a forma do PL
821/1995, que buscava regular a nova organização das telecomunicações e fixar
condições para a privatização do sistema Telebrás. Aprovado, transformou-se na Lei n.
9.472, endossada por Fernando Henrique em 16 de julho de 1997.
Em 17 de julho de 1996, a Câmara dos deputados aprovou em segundo turno, por
318 votos a 136, a PEC 33/1995, transformada na Emenda Constitucional n. 20 em 1998.
Assim, possibilitava-se a Reforma da Previdência, uma das prioridades do governo FHC,
que supunha haver um desequilíbrio nas contas públicas pondo em risco a confiança do
mercado financeiro com o Brasil, assim ameaçando a estabilização monetária. Para o
trabalhador, a reforma dificultou o acesso à aposentadoria ao instituir o tempo de
contribuição, no lugar do tempo de serviço, como fator principal para os cálculos, além
de firmar idades mínimas para a sua concessão no setor público. Abriu-se caminho,
também, para a futura instituição de um Regime de Previdência Complementar para o
setor público, que forneceu à iniciativa privada, por via de empresas financeiras, a
oportunidade de gerir e extrair lucros de fundos de pensão.
Novamente, a medida foi amplamente abraçada pelos políticos evangélicos, deles
recebendo apenas dois votos contrários, de Raimundo Santos e Francisco Silva. Não
votaram novamente e pelas mesmas razões, Aldir Cabral, Eraldo Tinoco e Lamartine
661

Posella, além de José Carlos Lacerda, que faltou. Nenhum evangélico pediu a palavra
nesta sessão legislativa (DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1996).
Outra importante medida do primeiro mandato de FHC foi a Reforma
Administrativa, aprovada em 1998, que procurou, entre outras coisas, eliminar a
estabilidade dos servidores públicos de acordo com avaliações de desempenho. No
entanto, o presidente não conseguiu a aplicação prática da nova norma, pois a PEC previa
a produção de uma lei complementar pelo Congresso para regular tais avaliações, que não
chegou a sair do papel.
A reforma foi enviada pelo Executivo ao Congresso sob a forma da PEC 173/95,
aprovada em segundo turno na Câmara em 19 de novembro de 1997, por 354 votos contra
134, e tornada a Emenda Constitucional n. 19 em quatro de junho de 1998.
Desta vez, novamente, não houve unanimidade. A esmagadora maioria da
bancada, porém, endossou a emenda de Fernando Henrique, com apenas dois votos
contrários, de Benedito Domingos e Philemon Rodrigues. Não votaram Eraldo Tinoco,
ainda licenciado, Ildemar Kussler, que renunciou em janeiro de 1997, e os faltantes Costa
Ferreira e Elias Abrahão.
O deputado Carlos Magno chegou a entregar à presidência da Câmara “declaração
de voto em separado contra a quebra da estabilidade do servidor público” (DIÁRIO DA
CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1997). O fez por acreditar que da “instabilidade resulta
forçosamente a insegurança dos servidores e, daí, a vulnerabilidade a pressões de natureza
política ou administrativa”. Não deixou, contudo, de manifestar seu apoio à Emenda,
“providência importante no contexto da reforma do Estado”, e aos seus pressupostos, uma
“Nova visão” onde “a prioridade até então admitida na execução é substituída por uma
postura reguladora”, redefinindo a ação estatal, que se retirava das atividades econômicas
e, por isso, poderia ser “fundamentalmente centrada nos aspectos sociais”. Para todos os
efeitos, então, a emenda que viabilizou a mudança não deixou de receber seu voto
favorável.

10 - Eleições municipais de 1996

Neste pleito prosseguiu a expansão partidária evangélica, aumentando a


visibilidade política dessas agremiações e suas contradições. Ao longo deste trabalho, tem
sido uma constante o desencontro em matérias políticas entre alguns setores da
662

Assembleia de Deus, sobretudo das bases, e sua cúpula. Examinando aquelas eleições,
em particular o êxito de pessoas “identificadas”1024 com o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra - MST, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República destacava a eleição para a cidade de Bom Jesus da Selva do padre José Ribamar
Silva Moraes Filho, “simpatizante do MST”, com participação em ações de ocupação de
terra. Chocando-se com a orientação predominantemente favorável à grande propriedade
rural da direção assembleiana e seus representantes em Brasília, bem como a típica
aversão aos católicos progressistas, o padre Ribamar teve como vice-prefeito uma
“liderança da comunidade ligada à Igreja Assembléia de Deus”, o pastor Pedro Fernandes
da Silva.
A Igreja Universal do Reino de Deus, por seu turno, “que nunca omitiu ser uma
de suas estratégias de crescimento no País a conquista do poder político” 1025, mantinha
esforços eleitoreiros, preparando pastores-candidatos a todo o vapor. Em princípios de
1996, por exemplo, filiou mais de dez deles ao PTB do Rio Grande do Sul, “com vistas
ao lançamento de candidaturas às eleições municipais”. Em Belo Horizonte, notava a
Secretaria, os esforços da IURD converteram-se em grandes resultados, fazendo a
vereadora mais votada, Maria Helena Alves Soares, do PFL. Com a eleição de Soares, a
bancada evangélica na cidade aumentava para oito membros (EVANGÉLICA é campeã,
1996, p. 10).
Também se mexiam os batistas. Em janeiro de 1996, o presidente da Aliança
Batista Mundial, pastor Nilson Fanini1026, um dos maiores interessados no projeto
partidário evangélico, ambicionando a Presidência da República nas próximas eleições,
dizia em matéria do Jornal do Brasil que parlamentares evangélicos mantinham
articulações para “uma aliança entre várias igrejas” (RAMOS, 1996, p. 3) com o fim de
lançar candidatos às prefeituras e, no futuro, para os governos estaduais e federal.
Conforme Fanini, que lançou o slogan “Ano 2000, maioria evangélica no Brasil”,
“candidatos agnósticos não devem administrar o país, porque faltariam a eles valores
cristãos, como a solidariedade humana”.

1024
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.QQQ.990005498. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/qqq/990005498/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_qqq_990005498_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
1025
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.GGG.980018844. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ggg/980018844/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ggg_980018844_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
1026
Conforme vimos no capítulo 8 frequentador da Escola Superior de Guerra.
663

11 – As eleições de 1998

Em março de 1998, preocupada com as eleições vindouras, a Secretaria de


Assuntos Estratégicos da Presidência da República anotou que “lideranças
evangélicas”1027, sem especificar de quais igrejas, se encontraram no auditório da TV
Record, no Rio de Janeiro, para coordenar ações partidárias. Presidida pelo bispo Carlos
Rodrigues, que se firmava como principal articulador político da IURD, foi ali proposta
a “união de todos os evangélicos”, anunciando-se que qualquer político eleito pela IURD
“terá compromissos indistintamente com todas as denominações de igrejas evangélicas,
defendendo suas necessidades em conjunto”, e que os candidatos da Igreja usariam um
único slogan: “Fé para Vencer”. Dizia a Secretaria, ainda, que “Os políticos de confissão
evangélica” adotaram para aquelas eleições o lema “conheceis o seu voto e o seu voto
vos libertará”1028.
Em âmbito presidencial, porções paulistanas da IURD, que se distanciava de
Fernando Henrique Cardoso, aderiram à candidatura de Enéas Carneiro, do PRONA. Já
no Legislativo, almejava a Igreja aumentar sua presença na Câmara federal de quatro para
dez deputados e eleger outros vinte para a Assembleia de Legislativa de São Paulo. Sua
campanha era embalada por grandes atos partidário-religiosos, como o ocorrido em 19 de
abril na Praça da Apoteose, Rio de Janeiro, com cinquenta mil pessoas. Segundo a
Secretaria, ali ocorrera um culto religioso precedido por “ampla panfletagem,
conclamando os fiéis a votarem em “homens de Deus para cargos públicos”’. Intitulado
Carta Aberta aos Cidadãos do Reino, o panfleto dizia que ‘“Deus quer usar pessoas
escolhidas por Ele nas funções políticas de nosso país, para fazer cumprir a Sua Palavra”’.
Concluía-se, ainda, que a propaganda política da IURD não era limitada aos cargos
legislativos, abrangendo também os governadores, como Íris Rezende, candidato em
Goiás.

1027
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título.
Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.CCC.990021609. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021609/br_dfanbsb_h4_
mic_gnc_ccc_990021609_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
1028
A frase é uma adaptação eleitoreira do versículo bíblico constante no Evangelho de João “Conhecereis
a verdade, e a verdade vos libertará”. Segundo matéria do Estado de Minas em fevereiro de 2020, a
apropriação da frase pela direita partidária permanece aos dias de hoje, liberalmente proferida pelo
presidente Jair Bolsonaro para criticar as denúncias a ele feitas pela imprensa. Também durante as eleições
de 2018, “a frase era amplamente usada por ele e candidatos da base eleitoral” (MENDONÇA, Ana, 2020).
664

Refletia a Secretaria que, para o debate político em 1998, as questões que seriam
priorizadas pelas igrejas, não apenas as evangélicas, mas também a Católica, eram o
desemprego e a educação. Da parte da IURD, a abordagem do desemprego
desconsiderava motores sociais, situando sua solução no plano espiritual, à semelhança
do que fazia na mesma época a direita religiosa norte-americana, conforme vimos na Parte
II, e coerentemente com os princípios da Teologia da Prosperidade. Assim, preocupada
com os altos índices de desemprego no bairro paulistano de Santo Amaro, onde estava a
sua catedral, a Igreja de Macedo promovia uma ‘“Corrente dos Doze Bispos, de fé e
oração, em favor da vida financeira de todos os trabalhadores e contra o desemprego que
assola o povo”’. Já quanto à educação, a IURD ancorava-se mais na realidade material,
ainda que a solução proposta residisse não na democratização da educação pública, mas
na filantropia cristã, por via das ações desenvolvidas pela Associação Beneficente Cristã
- ABC, vistas no capítulo anterior, encampadas por mandatários conservadores como
Paulo Souto, o pefelista governador da Bahia.
No que se refere ao pleito presidencial, as negociações entre FHC e a IURD foram
estorvadas por multas conferidas pela Receita Federal à TV Record e à própria Igreja1029.
De qualquer forma, o coordenador político e futuro deputado federal, Bispo Rodrigues,
encontrou Fernando Henrique no mesmo mês de junho para barganhar ao menos a
neutralidade iurdiana. Como contrapartida, os evangélicos pediam uma maior
participação das suas instituições em convênios com o governo para a liberação de verbas
para obras de assistência social, naquele momento concentrados nas instituições católicas
(FRANCO, 1998, p. 3). De maneira inédita, entretanto, essa neutralidade parece ter sido
concedida também ao candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, pois, em finais de maio
de 1998, Edir Macedo se encontrara com Lula “para fechar um pacto de não agressão”
(LOPES, 1998, p. 4).
A Assembleia de Deus, por outro lado, já em 28 de setembro de 1997, manifestava
apoio à reeleição de FHC. Convidado para o encerramento do 2º congresso Mundial das
Assembleias de Deus, em São Paulo, Fernando Henrique foi ovacionado por seiscentos
mil evangélicos. Na ocasião, segundo o Jornal do Brasil, José Wellington Bezerra,

1029
Conforme o JB, a Rede Record foi multada em 118 milhões, a Igreja Universal em 98 milhões e o
próprio Edir Macedo em seis milhões. Segundo Gilberto Nascimento (2019, posição 3545), a multa teria
sido aplicada em 3 de julho de 1997 “com base nas atividades financeiras da igreja entre 1991 e 1994”.
Além de Macedo, Marcelo Crivella fora outro multado, em 51 mil reais. A IURD recorreu, alegando
imunidade tributária, e conseguiu a redução da multa pelo Conselho de Contribuintes da Receita para 39,9
milhões. Questionada pelo Ministério Público Federal, a revisão da multa segue em disputa até os dias de
hoje.
665

presidente nacional das Assembleias, ofereceu ao político uma “proposta inovadora”


(CASTRO, G. 1997, p. 3) para resolver os problemas com o MST: “Cada brasileiro que
se converte à Igreja Evangélica é um sem-terra a menos, porque não queremos a terra,
queremos o céu”. FHC, por sua vez, comunicou a certeza de que os ali presentes eram
“cidadãos que têm a bandeira do Brasil lá em cima. Deus no coração e o cumprimento da
cidadania como Norte”.
Conforme noticiado pelo Jornal do Commércio em 17 de julho de 1998, os
assembleianos Benedito Domingos e Salatiel Carvalho, este último “coordenador da
bancada evangélica aliada ao governo” (FHC adota cautela na viagem à PB, 1998, p. A-
14), eram alguns dos nomes mais engajados na reeleição de Fernando Henrique,
organizando atos públicos, como o planejado para o Rio de Janeiro no mês de agosto. Já
o Jornal do Brasil, em trinta de junho de 1998, relatou um encontro entre lideranças
evangélicas e o aliado de FHC e presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer,
para fechar acordo em torno da reeleição. Além da Assembleia de Deus, compareceram
líderes das igrejas Batista, Presbiteriana e Evangelho Quadrangular para formalizar o
apoio, a ser declarado em grande ato no Rio de Janeiro coordenado pelo presidente da
Convenção Nacional das Assembleias de Deus, Manoel Ferreira (FRANCO, 1998, p. 3).

12 - A bancada evangélica e o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso

A partir deste período, os arquivos governamentais são progressivamente escassos


em informações, tendo sido a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República extinta em janeiro de 1999 pela medida provisória n. 1795. Sendo assim, para
chegar a um perfil aproximado desses parlamentares, me fiarei sobretudo em dados
colhidos junto à página da Câmara dos Deputados, no dicionário biográfico
disponibilizado pelo CPDOC-FGV, em matérias de imprensa e nas publicações do DIAP.
A 51ª Legislatura, iniciada em 1999 com fim em 2003, caracterizou-se pela maior
expansão da bancada evangélica até então. Foram por volta de 42 os deputados eleitos,
integrantes daquilo que neste trabalho chamo de núcleo duro da bancada evangélica, ou
seja, estando de fora uma minoria de evangélicos que não votaram de maneira contumaz
com o restante do bloco, como Gilmar Machado, do PT mineiro; Walter Pinheiro, do
mesmo partido na Bahia; Paulo Baltazar e Miriam Reid, ambos do PSB fluminense. A
nova Câmara trouxe também uma importante mudança na composição da bancada:
666

desbancando o predomínio da Assembleia de Deus desde a Legislatura de 1987, a Igreja


Universal do Reino de Deus passa a ser a força principal, com 14 deputados. Não
obstante, a Assembleia mantém uma grande representação, com doze mandatários. Já os
batistas se veem aumentados para sete. Em termos partidários, a legenda mais presente é,
de longe, o PFL, eleitora de doze membros, seguida do PPB, com sete, e de um PMDB
que não para de encolher, fazendo apenas cinco deputados.
Reelegeram-se Aldir Cabral; Jorge Wilson; Luiz Moreira; Paulo de Velasco,
agora pelo PRONA; Wagner Salustiano, dessa vez pelo PPB; Costa Ferreira; Philemon
Rodrigues; Raimundo Santos, que passara para o PPR; Salatiel Carvalho, agora pelo PPB;
Silas Brasileiro; Mário de Oliveira, que mudara para o PPR; Arolde Oliveira; Eraldo
Tinoco; Lamartine Posella, agora no PPB; Francisco Silva, também pelo PPB; Lídia
Quinan; Hugo Biehl, que passara para o PPB; e Werner Wanderer. Ausente na última
legislatura, Moroni Torgan também voltou à Câmara, mas desta vez pelo PSDB.
Os novatos foram os iurdianos Almeida de Jesus, PMDB-CE; Carlos Rodrigues,
PFL-RJ; Valdeci Paiva, PSDB-RJ; Jorge Pinheiro, PRONA-DF; Marcos de Jesus, PL-
PE; Paulo Gouvêa, PTB-RS; Reginaldo Germano, PFL-BA; Wanderval Santos, PTB-SP;
Oliveira Filho, PL-PR; os assembleianos Agnaldo Muniz, PDT-RO; Silas Câmara, PL-
AM; Cabo Júlio, PL-MG; José Aleksandro, PFL-AC; Amarildo Martins da Silva, PPB-
TO; Neuton Lima, PFL-SP; e Nilton Capixaba, PTB-RO; o quadrangular Josué Bengston,
PTB-PA; os batistas Eber Silva, PDT-RJ; Gerson Gabrielli, PFL-BA; Lincoln Portela,
PST-MG; Lino Rossi, PSDB-MT; e Magno Malta, PTB-ES; o presbiteriano Euler Morais,
PMDB-GO; e João Caldas da Silva, PMN-AL, cuja vinculação religiosa não pôde ser
verificada.
Ao longo da legislatura, os 42 eleitos receberiam três novas adesões, com a
chegada dos assembleianos Antônio Cruz, PMDB-MS; Carlos Nader, PFL-RJ; e Milton
Barbosa, PSC-BA, empossados como suplentes em agosto e outubro de 2001, e novembro
de 2000, respectivamente.
Almeida de Jesus (Francisco Almeida Lima), entrou na política partidária em
1997, eleito vereador de Fortaleza pelo PTB. Na Câmara federal, se licenciou entre junho
de 2000 a junho de 2001 para assumir a função de secretário municipal em Fortaleza -
CE na prefeitura de Juraci Magalhães – PMDB (ALMEIDA de Jesus, [s.d.]). Foi um dos
muitos deputados da bancada evangélica investigados pela CPI dos Sanguessugas 1030.

1030
Iniciada em junho de 2006, a CPI dos Sanguessugas investigou a compra superfaturada de ambulâncias
descoberta por operação homônima da Polícia Federal. Conforme apurado, o esquema para desvio de verbas
667

Carlos Rodrigues, o “Bispo Rodrigues”, previamente à sua eleição em 1998


acumulou grande experiência partidária ao coordenar as iniciativas da IURD nesta área.
Na Câmara, foi vice-líder do bloco PL/PST/PSL, entre 1999 e 2000; e PL/PSL, entre 2000
e 2005; sendo vice-líder, ainda, do seu partido, o PL, em 2005. Muito ativo também nos
empreendimentos midiáticos da IURD, foi diretor das rádios Bahia e Record de São Paulo
- SP, e da rádio Atalaia, de Belo Horizonte - MG, além de membro do Conselho
Consultivo do jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte - MG (CARLOS Rodrigues, [s.d.]).
O pastor Valdeci Paiva entra na arena partidária em 1998. Foi vice-líder do PSL
entre 2000 e 2001 e líder da mesma legenda entre 2001 e 2002. Experiência, de fato, tinha
no ramo das comunicações. Muito envolvido com o material midiático da IURD,
apresentou o programa Alerta Rio, na Rede Record de Televisão, e o Fala que Eu te
Escuto, na Rádio Copacabana, do Rio de Janeiro. Foi assassinado pouco após se fazer
deputado estadual no Rio de Janeiro, em 24 de janeiro de 2003 (VALDECI Paiva, [s.d.]).
Também pastor iurdiano, Jorge Pinheiro era outro novato na política partidária.
Antes de eleger-se em 1998, dedicava-se a apresentar o programa televisivo Fala Brasília,
da Rede Record (JORGE Pinheiro, [s.d.]).
Marcos de Jesus (Marcos Antônio de Barros), pastor da Igreja Universal, também
debutava. Com ampla experiência nas empresas de comunicação do Grupo IURD, foi
apresentador nas rádios Tamandaré, Rádio 91.9 e SBT em Olinda - PE (MARCOS de
Jesus, [s.d.] ).
O Pastor da Igreja Universal Paulo Gouvêa seguiu o mesmo padrão exibido pelos
seus companheiros, estreante na Câmara e tarimbado comunicador religioso. Foi
radialista na Rádio Capital; apresentador do programa A Voz da Comunidade, na TV
Pampa; e comentarista na rádio FM 100.5, sempre em Porto Alegre - RS. Sua
inexperiência, contudo, não o impediu de ser vice-líder do Bloco PL/PST/PSL, entre 1999
e 2000 (PAULO Gouvêa, [s.d.]). Conforme o DIAP (2002, p. 317), tinha relações com a
indústria têxtil de Santa Catarina.
O também pastor e comunicador iurdiano Reginaldo Germano, eleito para a
suplência, assumiu pouco depois do início da legislatura, em 01 de fevereiro de 2003

iniciara no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. A bancada evangélica se destacou entre os
deputados investigados, sendo alguns de seus integrantes apontados inclusive como líderes do esquema.
Da bancada eleita em 1998, foram investigados Almeida de Jesus, Bispo Rodrigues, Reginaldo Germano,
Wanderval Santos, Cabo Júlio, Amarildo Martins da Silva, Neuton Lima, Nilton Capixaba, Raimundo
Santos, Josué Bengston, Lino Rossi e João Caldas da Silva, muitos dos quais terminaram condenados (CPI
dos Sanguessugas divulga lista com 57 parlamentares investigados por fraudes, 2006).
668

(REGINALDO Germano, [s.d.]). Deixando a IURD e o Congresso, mas ainda filiado ao


PP, foi preso em flagrante em 2008 acusado de interceptar dois carros roubados
(OLIVEIRA, A. 2008).
Wanderval Santos, o “Bispo Wanderval”, empresário e comunicador, também não
tinha experiência partidária prévia. No passado agira como diretor da Rádio Bahia, entre
1992 e 1995, da Rádio Trans Difusão Ltda., de 1992 a 1995, e da TV Cabrália, entre 1992
e 1995. Em 1997 apresentava o programa ABC em Ação, da Rede Record de Televisão,
e o Viva a Vida, da Rádio São Paulo. Foi ainda vice-presidente da Associação Brasileira
de Rádio e Televisão - Abratel (WANDERVAL Santos, [s.d.]).
Oliveira Filho, o “Pastor Oliveira”, fora vereador em Curitiba - PR entre 1997 e
1999. Na Câmara federal, foi vice-líder do bloco PL/PSL entre 2001 e 2003. Começando
sua vida profissional como taxista no Rio de Janeiro, logo conseguiu colocações na malha
midiática da Igreja Universal, figurando como locutor, noticiarista e programador na
Rádio Copacabana, entre 1984 e 1987; repórter na Rede Record de Televisão, em São
Paulo - SP, entre 1987 e 1989; diretor e apresentador da Rádio São Paulo, entre 1987 e
1989; da Rádio Record, em Porto Alegre - RS, entre 1989 e 1991; da Rádio Miramar, em
Lisboa, Portugal, entre 1991 e 1993; da Rádio Placard, em Porto, Portugal, de 1993 a
1994; da Rádio Atalaia, em Curitiba - PR, de 1994 a 1996; da Rádio Gospel, em Curitiba
- PR, de 1995 a 1996; e diretor da Rádio Scala, na mesma cidade, entre 1995 e 1996. Foi
ainda membro do Conselho Fiscal na Companhia de Desenvolvimento de Curitiba, de
1997 a 1998, na prefeitura de Cassio Taniguchi, do PDT (OLIVEIRA Filho, [s.d.]).
Agnaldo Muniz, membro do Conselho Fiscal do Conselho das Assembleias de
Deus em Porto Velho - RO, era também politicamente inexperiente. Na Câmara, foi vice-
líder do PPS, de 2000 a 2002 e de 2003 a 2004 (AGNALDO Muniz, [s.d.]).
O “Empresário” assembleiano Silas Câmara também estreava na política
partidária. Desde então tem tido grande êxito eleitoral, acumulando mandatos na Câmara
Federal aos dias de hoje. Em sua extensa carreira, foi líder de vários partidos e blocos que
frequentou (SILAS Câmara, [s.d.]). Conforme o DIAP (2002, p. 48), sua atuação
econômica parlamentar se pautou, sobretudo, por “temas relacionados à agricultura e
política rural”.
O ex-policial e pastor da Assembleia de Deus, Júlio Cesar Gomes dos Santos, o
“Cabo Júlio”, foi vice-líder do Bloco PL/PST/PSL, de 1999 a 2000; do bloco PL/PSL, de
2000 a 2001; e líder do PST, em 2001 e de 2002 a 2003 (CABO Júlio, [s.d.]). Foi duas
669

vezes condenado por participação no esquema da Máfia das Sanguessugas, a sete e a


quatro anos de prisão, começando em 2018 a cumprir pena no regime semiaberto.
O primeiro mandato de José Aleksandro foi como vereador em Rio Branco - AC
em 1992, reeleito em 1996. Foi ainda chefe de gabinete da Secretaria de Transportes e
Obras Públicas a prefeitura de Rio Branco no governo de Jorge Kalume, do PDS (JOSÉ
Aleksandro, [s.d.]).
O “Empresário” no “setor papeleiro” Amarildo Martins da Silva, “Pastor
Amarildo”, antes de deputado federal foi vereador em Palmas - TO, entre 1997 e 1999.
Licenciando-se da Câmara em dois períodos, foi secretário de Esportes e Turismo do
estado de Tocantins, no governo de Siqueira Campos - PFL, entre março e novembro de
2000, e secretário de Indústria e do Comércio no mesmo estado entre 2001 e 2002 ainda
na gestão de Campos. Foi ainda presidente e fundador da Associação Beneficente
Evangélica da Assembleia de Deus no Estado do Tocantins - ABEADETINS, entre 1994
e 1998 (PASTOR Amarildo, [s.d.]).
Neuton Lima entra na política partidária em 1989, eleito vereador em Indaiatuba
- SP pelo PMDB e em 1997 pelo PDT. Foi fundador e presidiu a Associação dos
Vereadores Evangélicos do Estado de São Paulo, entre 1990 e 1997, e coordenador da
Bancada Parlamentar da Igreja Assembleia de Deus na Câmara federal entre 1999 e 2002
(NEUTON Lima, [s.d.]).
O “Empresário” assembleiano Nilton Capixaba, eleito pela primeira vez em 1998,
foi vice-Líder do PTB, entre 2000 e 2001, do bloco PTB/PROS/PSL em 2018; e do bloco
PTB/PROS/ no mesmo ano (NILTON Capixaba, [s.d.]). Ligado ao setor agrário, uma de
suas primeiras medidas na Câmara foi a proposta do projeto de lei PL 721/1999, que
pretendia conceder isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI para
maquinário agrícola. Conforme o DIAP (2002, p . 297) era “Comerciante no setor
cafeeiro”.
Como visto no capítulo 7, um dos mais importantes nomes da Igreja do Evangelho
Quadrangular no Brasil e figura fundamental para a sua penetração na região Norte e no
estado da Bahia, o pastor Josué Bengston foi empossado pela primeira vez em 1998,
sendo reeleito subsequentes vezes até a legislatura 2015-2019, sempre pelo PTB. Em sua
longa carreira política, liderou incontáveis blocos integrados pelo seu partido na Câmara.
Mais extenso, porém, é seu currículo religioso. Foi ele supervisor nas regiões Norte e
Nordeste da Igreja do Evangelho Quadrangular, entre 1975 e 1977; na região Norte, entre
1978 e 1988; secretário executivo da mesma Igreja, entre 1988 e 1992; vice-presidente
670

da Confraternidade das Igrejas Quadrangulares Sul Americanas - CIQSA, na Argentina,


em 1990; supervisor da Igreja nos estados do Pará, Tocantins, Maranhão e Piauí, entre
1992 e 2000; presidente da Igreja do Evangelho Quadrangular, em 2006; presidente da
Ordem dos Ministros Evangélicos do Brasil, em Belém-PA, entre 1987 e 1988;
conselheiro da Sociedade Bíblica do Brasil, entre 2000 e 2004; presidente do Conselho
Estadual de Diretores da Igreja do Evangelho Quadrangular, entre 2000 e 2010; e
presidente do Conselho Estadual da Igreja do Evangelho Quadrangular no Pará, entre
2001 e 2004 (JOSUÉ Bengston, [s.d.]). Como dito em capítulos anteriores, foi condenado
a cinco anos e seis meses de prisão no esquema da Máfia das Ambulâncias em junho de
2017. Mais recentemente, conforme informações do portal de notícias das organizações
Globo, o G1, em maio de 2018 a Justiça Federal determinou sua perda de mandato e
direitos políticos por oito anos. A decisão se baseara em denúncia do Ministério Público
Federal segundo as quais “o pastor direcionava verbas a municípios, onde licitações eram
fraudadas e o dinheiro era depositado na conta dele e da igreja que faz parte, a Igreja do
Evangelho Quadrangular” (DEPUTADO federal pastor Josué Bengston, envolvido na
‘máfia das ambulâncias’, é condenado à perda de mandado, 2018).
O pastor batista Eber Silva inicia na política em 1998, sendo este o seu único
mandato. Na Câmara foi vice-líder do PST em 2001. A exemplo de Bengston, sua carreira
religiosa em muito ofusca a partidária. Foi primeiro-vice-presidente e vice-presidente da
Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, em 1991 e 1998; presidente da Ordem dos Pastores
Batistas Fluminenses, em 1992; e presidente da Associação Batista da Planície, entre
1996 e 1997 (EBER Silva, [s.d.]).
O “Empresário” (GERSON Gabrielli, [s.d.]) batista Gerson Gabrielli também
entrava na política partidária em 1998. Conforme o CPDOC-FGV, foi presidente da
Câmara dos Dirigentes Lojistas - CDL de Salvador em 1992 e membro da Confederação
Latino-Americana de Comércio Lojista (GERSON SILVA GABRIELLI, [s.d.]). Tem em
sua conta o livro A revolução dos pequenos (Salvador: BDA, 1997), sobre o papel das
pequenas e microempresas. Para o DIAP (2002, p. 57), representou “os interesses do
segmento lojista no Congresso Nacional”.
O pastor Lincoln Portela entrou em 1998 na política partidária para não sair mais,
reeleito deputado federal até o presente. Foi líder dos diversos partidos pelos quais passou
e de blocos por eles formados na Câmara. Com ampla carreira radiofônica, foi membro
da Ordem de Ministros Batistas Nacionais - ORMIBAN, de 1978 a 2006 (LINCOLN
Portela, [s.d.]).
671

O batista Lino Rossi foi eleito pela primeira vez em 1996, vereador de Cuiabá-
MT. Conforme o DIAP (2002, p. 131), em sua ação parlamentar, era “fiel à orientação do
governo FHC”.
O pastor e cantor batista Magno Malta entrou na política em 1992, vereador em
Cachoeiro do Itapemirim - ES, pelo PTB. Em seguida, fez-se deputado estadual por
aquele estado em 1994 e federal em 1998. Em Brasília foi líder do bloco PL/PSL em 2000
(MAGNO Malta, [s.d.]). Chegando a senador em 2002, sua trajetória é ilustrativa do
processo de projeção nacional de líderes religiosos a partir da realidade local.
O presbiteriano Euler Morais passa a se aplicar na política partidária em 1992,
quando foi coordenador evangélico na campanha para a prefeitura de Goiânia.
Economista, doutorou-se pela University of Lancaster, na Inglaterra. Assina ampla
bibliografia, versando principalmente sobre a agropecuária (EULER Morais, [s.d.]). Sua
afinidade com a economia rural provavelmente lhe rendeu o cargo de coordenador-geral
da Secretaria Nacional de Reforma Agrária do Ministério da Agricultura, em 1990, no
governo de Fernando Collor de Mello. Já entre 1991 e 1992, foi diretor-geral do Instituto
de Desenvolvimento Agrário de Goiás, em Goiânia, e, de 1992 a 1994, diretor de reforma
agrária e assentamento rural da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de
Goiás, em ambos os casos no governo de Iris Rezende (ROSSI, LINO, [s.d.]).
João Caldas foi vereador em Ibateguara - AL em 1983, prefeito daquela cidade
em 1989 e deputado estadual por Alagoas em 1995 (JOÃO Caldas, [s.d.]). Conforme o
DIAP (2002, p. 31) era “empresário da área de comunicação e produtor rural”, fazendo
parte da bancada ruralista.
O Presbítero da Assembleia de Deus, Antonio Cruz, assumiu em agosto de 2001
por ocasião da morte do deputado Flávio Derzi. Foi vice-líder do PP em diversas
oportunidades entre 2006 e 2010. Começou na vida partidária como vereador em Campo
Grande - MS em 1989 (ANTONIO Cruz, [s.d.]).
O “Empresário” assembleiano Carlos Nader, presidente do PFL em Barra Mansa
- RJ, assumiu em outubro de 2001, eleito para a suplência em 1998 (CARLOS Nader,
[s.d.]).
O pastor assembleiano Milton Barbosa é um velho conhecido. Foi deputado
constituinte em 1987 e, em seu perfil, traçado páginas atrás, consta que se saiu mal nos
trabalho constituintes na avaliação do DIAP, além de ser considerado de direita até pelo
SNI. Nesta legislatura passa a frequentar a Câmara em 2000, eleito suplente.
672

12.1 – A bancada evangélica e os principais debates na Câmara federal entre 1999 e


2002

Com 11 propostas de emenda constitucional aprovadas no primeiro mandato e


apenas quatro no segundo, o impulso reformador de FHC reduz-se sensivelmente em face
de diversos fatores, como o grande êxito do primeiro mandato em fazê-lo, a crise
econômica que assomava e a crescente impopularidade do governo, implicando numa
perda de apoio parlamentar.
Assim, a adesão da bancada evangélica às emendas propostas pelo Executivo para
a reforma do Estado em bases liberais deixa de ser o melhor índice para aferir o
engajamento dos parlamentares evangélicos eleitos em 1998 em matérias de interesse do
capital. Ainda que grande parte delas tenha sido arquivada, as propostas lançadas por
esses deputados afinadas com o processo de liberalização econômica, porém, são talvez
melhores índices para lançar luz sobre o feitio da ação parlamentar da bancada nesta
legislatura. Vejamos algumas.
Vimos na Parte II que o trabalho forçado da população carcerária era uma das
principais propostas do manifesto Contract with the American Family, publicado em 1995
pela Christian Coalition, maior representante da direita cristã norte-americana na década
de 1990. Talvez exprimindo os seus elos com a porção brasileira do Partido da Fé
Capitalista, também por aqui a ideia foi acolhida por membros da bancada evangélica.
Trata-se da Indicação 267, de 19 de maio de 1999, do deputado Eber Silva, que sugeria
ao Poder Executivo “a implantação de presídios produtivos, com a obrigatoriedade de
trabalho e de implementação de escolas profissionais nas casas prisionais” (DIÁRIO DA
CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1999).
Em novembro de 1999, o deputado assembleiano Silas Brasileiro apresentou o
Projeto de Lei 2062/1999, buscando reduzir as multas de mora aplicadas sobre
financiamentos aos setores industrial e rural. Propunha ele que tais multas não superassem
o limite de 2% do valor da prestação que, no caso dos financiamentos industriais,
encontrava-se fixada em até 10% pelo artigo 58 do Decreto-Lei 413 de janeiro de 1969,
cuja revogação era pleiteada (BRASIL, Projeto de Lei n. 2.062, de 1999).
Simultaneamente, Brasileiro trazia outro projeto, o PL 2058/1999, com o qual
pretendia inaugurar uma nova modalidade de contratação de trabalhadores, um “Contrato
Especial de Trabalho na Agricultura e na Construção Civil (Ceetacc)” (BRASIL. Projeto
673

de Lei n. 2.058, de 1999). Tal contrato se firmaria num “acordo ou convenção coletiva de
trabalho, negociadas pelos sindicatos representantes das categorias econômicas e
profissionais” diretamente com as empresas. O parlamentar sustentava que a meta
primária do projeto era “flexibilizar as regras de contratação de trabalhadores para
permitir a ampliação da oferta de novos empregos”, supondo que “a atual legislação
laboral dificulta um melhor entendimento entre capital e trabalho, criando amarras
injustificáveis que tolhem a possibilidade de pactos que permitam novas formas de
contratação” que propiciariam “uma maior oferta de novos postos de trabalho”. Apelava-
se, enfim, para o recorrente argumento segundo o qual um excesso de normas e encargos
estatais para a formalização das relações de trabalho obstaria o pleno emprego, facilitado
pela liberalização dessas relações.
Com efeito, segundo dados do DIAP (2002, p. 170), os setores agrícola e
empreiteiro foram os maiores doadores nas campanhas de Brasileiro em 1998, recebendo
o deputado generosas ajudas da CBPO Engenharia, da Cooperativa Agropecuária do Alto
Parnaíba e da empresa de produtos agrícolas Bolsa de Insumos de Patrocínio Ltda. A
adesão de Silas Brasileiro aos interesses do setor agrícola foi expressa, também, pelo
deputado Giovanni Queiroz, em audiência ocorrida na sessão legislativa do dia 18 de
junho de 2002 versando entre outras coisas sobre a introdução da cultura de transgênicos
no Brasil. Ali, Queiroz retratou Brasileiro como “o expoente maior da defesa da tese de
que temos que abrir nosso mercado e o Brasil para o momento de avanço do setor agrícola,
que passa, indiscutivelmente pela questão dos transgênicos” (DIÁRIO DA CÂMARA
DOS DEPUTADOS, Ano LVII, n. 082, 2002).
Assemelhava-se ao PL de Silas Brasileiro o requerimento 23/2001, de 15 de maio
de 2001, enviado à Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e
Serviço pelo deputado Gerson Gabrielli, batista e pefelista. Sugeria-se “a realização de
ciclo de debates para discutir a Desoneração da Folha de Pagamento, com Juristas,
representantes do Governo, das Centrais Sindicais, da Indústria, do Comércio, dos
Transportes, de Serviços e das Entidade Patronais” (BRASIL. Requerimento n. 23/2001).
Sintonizado com a solidariedade anticomunista da direita religiosa norte-
americana com a ilha de Taiwan, vista na Parte II, e com interesses empresariais
transnacionais, o assembleiano Salatiel Carvalho, por via do Requerimento 57 de 2002,
pedia ao Ministério das Relações Exteriores que ao escritório de representação comercial
de Taiwan no Brasil fosse concedido status diplomático. O pedido entrava em choque
com o fato de o Brasil não reconhecer Taiwan como um país em separado da China
674

continental. Apesar de não questionar diretamente a decisão brasileira de aquiescer ao


pedido chinês em não travar relações diplomáticas oficiais com Taiwan, o deputado trazia
razões econômicas para que fosse dado mais um passo na direção de uma relativa
formalização das relações exteriores a fim de intensificar as trocas econômicas com a
ilha, “plataforma de exportação de empresas oriundas principalmente do Japão e dos
Estados Unidos que ali se estabeleceram há bastante tempo” (BRASIL. Requerimento n.
57/2002). Relações que já aconteciam de fato, mas em caráter extraoficial, daí a ausência
do status diplomático do escritório.
Mas nem todas as propostas formuladas pela bancada evangélica deixaram de
prosperar. É o caso, por exemplo, da PEC 203, redigida pelo iurdiano Laprovita Vieira
em 1995, porém aprovada apenas em 26 fevereiro de 2002, após ser apresentada por
Aloysio Nunes, do PSDB, que foi transformada na Emenda Constitucional n. 36 em 28
de maio de 2002.
Se o texto constitucional original estipulava que a propriedade de empresa
jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens era privativa de brasileiros natos
ou naturalizados há mais de dez anos, a emenda acrescentava como também aptas as
pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País. Definia-
se, ainda, em 70% o percentual mínimo de participação do capital nacional nessas
empresas, franqueando aos estrangeiros os restantes 30%. Cabe aqui notar que o
obstáculo constitucional era uma pedra no sapato de organizações religiosas com
interesses midiáticos, como a Igreja da Unificação. Conforme visto no capítulo 9, por
exemplo, o Conselho de Segurança Nacional baseava-se neste trecho da Constituição para
recomendar ao presidente José Sarney o veto ao lançamento do jornal Folha do Brasil,
bancado pelos unificacionistas, notando que “a Constituição veda a propriedade e a
administração de empresas jornalísticas aos estrangeiros”1031
A matéria, todavia, teve trâmite muito fácil na Câmara federal, em grande parte
graças à cooperação do maior partido de oposição, o PT, que recomendou voto favorável.
Assim, a proposta do pastor iurdiano, encampada pelo PSDB, foi aprovada por 402
deputados e recusada por apenas 23.

1031
ARQUIVO NACIONAL. Conselho de Segurança Nacional. Sem Título. Código de Referência: BR
DFANBSB N8.0.PSN, IVT.91. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_n8/0/psn/ivt/0091/br_dfanbsb_n8_0_psn_ivt
_0091_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
675

No que se refere à bancada evangélica, apenas Agnaldo Muniz votou contra. De


resto, os outros 23 deputados contrários à proposta provieram sobretudo do PDT,
fornecendo o PT apenas dois votos divergentes, dos deputados Babá e Milton Temer,
talvez não por coincidência justamente alguns dos primeiros a se desligarem do partido
para aderir à legenda Psol, surgida em meados de 2004.
O PCdoB foi outro partido de oposição favorável, segundo o deputado Haroldo
Lima por considerar que “foram estabelecidas diversas limitações e seguranças relativas
aos interesses brasileiros no texto da medida” (DIÁRIO DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS. Ano LVII, n. 007, 2002). Não deixava ele, porém, de registrar “certo
constrangimento” em fazê-lo, preocupado “que isso possa significar um patamar
conquistado pelo capital estrangeiro, a partir do qual ele vai tentar galgar graus
superiores”.
Já conforme Jose Genoino, um dos principais nomes do PT, o voto favorável se
justificava diante da inserção, pela oposição, de três dispositivos na PEC. O primeiro
firmava a obrigatoriedade da gestão das atividades e o planejamento do conteúdo por
brasileiros; o segundo reservava, também a brasileiros, a “responsabilidade editorial e as
atividades de seleção e direção da programação e a veiculação”; e o último submetia essas
atividades ao artigo 221 da Constituição de 1988, que determinava que fossem
privilegiadas as finalidades educativas e artísticas, a cultura nacional e regional, o
estímulo à produção independente e o respeito a valores éticos e sociais. Genoino
mostrava-se convencido, portanto, que a “força da identidade deste País do carnaval, do
futebol, do samba, do maracatu, da literatura regional” seria suficiente para garantir que,
mesmo diante da abertura ao capital estrangeiro, a identidade cultural brasileira “não vai
se submeter ao calendário ou à agenda do país que investir 30% nos meios de
comunicação eletrônica”.
Entre os que rejeitaram a proposta, o deputado José Roberto Batochio, do PDT,
desconfiava da eficácia dos dispositivos propagandeados por Genoino e do limite à
participação do capital externo, uma vez que não faltariam subterfúgios para contornar os
entraves ao controle estrangeiro da mídia, sendo que os “30% oficiais podem
perfeitamente traduzir o comando nas diretrizes e na direção das empresas de
comunicação”.
O comportamento do PT e do PCdoB nesta votação, partidos que formariam a
coalização vencedora nas eleições presidenciais de 2002, pode se referir às aproximações
de ambos com a Igreja Universal do Reino de Deus, cujo apoio o candidato Lula da Silva
676

contou no pleito que ocorreria apenas dali a alguns meses. Ele pode ser expressão,
também, de um traço que o Partido dos Trabalhadores e seus aliados traziam de maneira
progressivamente pronunciada: um pragmatismo disposto a atender interesses do capital
em troca de resultados muitas vezes questionáveis. A mudança de atitudes do PT em finais
do segundo mandato de FHC é reparada pelo próprio DIAP (2002, p. 10). Segundo o
Departamento, convencido de que chegara “a sua vez de assumir a Presidência da
República”, o PT “modificou alguns pontos de vista sobre matérias em votação”, trocando
o “confronto pelo entendimento” e contribuindo “enormemente na construção do
consenso, já que os outros partidos de oposição, numericamente menores, ficaram sem
condições de sozinhos fazer o enfrentamento”.
Outra matéria sensível que passou pela Câmara nesse período foi a Medida
Provisória n. 35, de 27 de março de 2002, estipulando o novo valor do salário mínimo em
duzentos reais, em lugar dos 180 em vigor. Dessa vez, entretanto, o PT apresentou tenaz
resistência às pretensões de FHC. Mas apesar dos esforços da oposição, que pretendia um
aumento maior, o novo valor foi aprovado pelos deputados em 18 de junho daquele ano.
Segundo o parlamentar petista Paulo Paim, o governo teria manobrado para
reduzir ao máximo o reajuste do mínimo, que, se aprovada a MP, seria 11,2% inferior ao
do ano precedente, além de, também a exemplo de 2001, deixar de fora aposentados e
pensionistas, cujo aumento salarial seria ainda menor. Diante deste quadro, o PT
propunha um substitutivo formulado pela Comissão de Trabalho, de Administração e
Serviço Público, que tinha como redator o próprio Paim, garantindo a elevação do mínimo
ao patamar de cem dólares, conforme prometido em campanha por Fernando Henrique
Cardoso, valor a ser estendido também aos aposentados e pensionistas.
O substituto, entretanto, nunca foi apreciado, sendo a MP aprovada tal como
apresentada pelo governo. Os resultados numéricos dessa votação, contudo, não constam
no Diário da Câmara dos Deputados. Ao que parece, ela se deu apenas por contraste,
registrando o Diário da Câmara dos Deputados apenas o seguinte pronunciamento do
presidente da Câmara, Aécio Neves: “Aqueles que forem pela aprovação permaneçam
como se acham” (DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Ano LVII, n. 082, 2002).
Após uma “pausa”, Aécio apenas sentenciou que a Medida Provisória estava “Aprovada”.
É inviável, portanto, mensurar a adesão da bancada evangélica, ainda que
possamos deduzir que tenha sido alta, estando boa parte dela ainda integrada formalmente
à base parlamentar governista, apesar dos recentes atritos com a Igreja Universal do Reino
de Deus. É fato, também, que nenhum parlamentar evangélico se manifestou
677

contrariamente à proposta do governo, tampouco pedindo a palavra para apoiar o


substitutivo do PT.
Fatos que não impediram, todavia, que fosse comemorado o alegado papel dos
parlamentares assembleianos em favor da justiça econômica, em sessão solene para
homenagear os 91 anos de fundação das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus do
Brasil ocorrida na mesma sessão legislativa. Requerido por Raimundo Santos e Salatiel
Carvalho, muitos membros da bancada participaram do evento, rasgando elogios à
aniversariante. O deputado Costa Ferreira, por exemplo, fazendo um balanço da “atuação
da Assembléia de Deus durante esses 91 anos”, advogava que ela não se resumia à
propagação da “Palavra de Deus”, procurando a instituição colaborar “com a organização
do Estado brasileiro” ao ceder “seus quadros para militar na política”. Assim, não
satisfeita em divulgar “o bom exemplo do Evangelho como poder de Deus e salvação”, e
apesar do recente arroxo do salário mínimo, “Defende ainda renda justa e bem distribuída,
a fim de diminuir o sofrimento do nosso povo”.

12.2 – O voto evangélico e os trabalhadores no segundo mandato de FHC

Outro termômetro útil sobre o comportamento da bancada evangélica nas matérias


que interessam a esta tese é fornecido pelo DIAP, que em suas publicações relacionou
onze medidas de interesse dos trabalhadores que tramitaram no Congresso entre 1999 e
2002, indicando o posicionamento de cada deputado. No geral, a bancada evangélica se
manifestou de maneira desfavorável aos trabalhadores, ainda que o grande consenso
obtido no primeiro governo de FHC não tenha se repetido.
Verei de perto aqui três delas, todas propostas pelo Poder Executivo. Trata-se do
PL 5.483/01, que pretendia alterar o artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho -
CLT a fim de estabelecer a prevalência de convenção ou acordos coletivos de trabalho
sobre a legislação; o PL 4.811/98, permitindo a contratação pela CLT no serviço público,
“sem direito à negociação, estabilidade ou aposentadoria integral” (DIAP, 2002, p.12); e
o PL 4.694/98, restringindo o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho, induzindo a
conciliação nos limites da empresa
Apreciado pela Câmara em outubro de 1999, o PL 4.694/98, que dificultava o
acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho, obteve um considerável consenso entre os
deputados evangélicos. O projeto abriu caminho para a criação de “comissões de
678

conciliação prévia” dentro das empresas, “com poderes para conciliar e dar quitação a
toda e qualquer demanda trabalhista”. Assim, o trabalhador ficava impedido de acionar a
Justiça do Trabalho caso não tivesse previamente passado por essas comissões. Na
prática, segundo o DIAP (2002, p. 14), forçava-se “uma conciliação privada, sob pressão
do empregador”. Desconsiderando as ausências, 26 membros da bancada foram
favoráveis, votando contrariamente apenas Paulo de Velasco, Agnaldo Muniz e Eber
Silva.
O PL 4.811/98, votado em novembro de 1999, determinava que “os futuros
servidores públicos que não fizerem parte das chamadas carreiras exclusivas de Estado
serão contratados pela CLT, não terão direito à negociação coletiva, terão seus reajustes
definidos por lei, poderão ser livremente demitidos e não terão direito à estabilidade no
emprego”, na prática pondo abaixo a estabilidade do emprego público. A bancada
evangélica se posicionou majoritariamente a favor do projeto, lhe oferecendo 24 votos
contra oito contrários e um bom número de ausências.
A flexibilização da CLT, proposta pelo PL 5.483/01, votado em dezembro de
2001, rachou a bancada evangélica, ainda que tenha prevalecido o apoio à matéria.
Conforme o DIAP (2002, p. 13), o projeto permitiria que “todos os direitos previstos em
lei” pudessem ser “reduzidos ou eliminados desde que haja negociação coletiva e,
portanto, concordância do sindicato”. Estavam aí incluídos as férias de trinta dias, o 13º
salário, a duração da jornada de trabalho, e o repouso semanal remunerado, por exemplo.
Apoiado por vinte deputados evangélicos, foi rejeitado por outros 15, tendo vários deles
se ausentado. Além do teor altamente impopular da matéria, a proximidade das eleições
de 2002 e a deterioração do apoio popular e parlamentar ao governo FHC podem ter
contribuído para a adesão relativamente mais baixa da bancada ao pleito do governo.

13 - Eleições municipais de 2000

Novamente, o fim da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da


República, cujo acervo documental é importante para a compreensão do universo político
brasileiro na última década do século XX, implicou na escassez de informações sobre as
eleições municipais do ano 2000. Os jornais da época sugerem, porém, que manteve o
seu ritmo a expansão partidária evangélica, sobretudo no que diz respeito à Igreja
Universal do Reino de Deus. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a bancada
679

evangélica dobrou de tamanho, partindo de três para seis vereadores, cinco deles
pertencentes à Igreja de Edir Macedo (ABSALÃO, 2000, p. 6).
O resultado deveu-se a um planejamento que precedeu em meses a realização do
pleito de outubro. Já em março de 2000, o Jornal do Brasil notava que a IURD se
preparava para “repetir a ofensiva eleitoral bem sucedida em 1998” (NOEL, 2000, p. 2).
Para tanto, sua tática consistia em “destinar número determinado de templos a cada
candidato e fazer, nos cultos, os pastores de cabos eleitorais”.

14 – As eleições de 2002

As eleições de outubro de 2002 para presidente da república, governadores e


legislativos estaduais e federais é a última ocorrida na baliza temporal deste trabalho. Sua
grande novidade foi a finalmente concretizada vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, do
PT, que desta vez conseguira o apoio de alguns setores evangélicos.
Não foi o caso, entretanto, da Assembleia de Deus, que preferiu permanecer ao
lado do PSDB e seu candidato José Serra. O acordo foi selado entre o presidenciável e o
presidente da AD, Manuel Ferreira, que se candidatara ao Senado no Rio de Janeiro pelo
PPB, acabando derrotado. Segundo matéria do Jornal do Commercio, importante para a
adesão dos assembleianos teria sido o compromisso de Serra em vetar propostas
favoráveis ao casamento de pessoas do mesmo sexo, como a apresentada pela deputada
Marta Suplicy, do PT, e a legalização do aborto. Além disso, dissera o líder assembleiano
que “As propostas de Serra têm mais compatibilidade com as nossas que as do Lula”
(SERRA Consegue Apoio Oficial da Assembleia de Deus, 2002, p. A-9), anunciando que
iria “sair a campo em todas as assembléias do País em busca de votos”. Serra, por sua
vez, afirmara que “as convergências que as suas propostas de Governo têm com os
evangélicos e as assembleias de Deus são o fortalecimento da família e a parceria entre o
poder público e a sociedade na solução dos problemas sociais”, também destacando “o
papel importante das Assembléias, no sentido de afastar a juventude das drogas”.
Na sessão solene em homenagem aos 91 anos da Igreja no Brasil, ocorrida na
Câmara dos Deputados em 18 de junho de 2002, o deputado Neuton Lima comemorava
a grande integração institucional e política da Igreja conseguida em nível nacional,
redundando numa melhor coordenação das candidaturas. Falava ele especificamente do
estreitamento de contatos entre a Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil e
680

uma “Comissão de Política Nacional” da mesma Igreja1032, provendo “um princípio ético
e político agora muito mais eficaz” (DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Ano
LVII, n. 082, 2002) e permitindo “a instrumentalização de todos os fiéis para apresentar
o Parlamentar, o político recomendado pela instituição”. Encarregado de presidir a
Comissão Política estava o pastor Ronaldo Fonseca, eleito em 2011 deputado federal por
Brasília.
Costurado com alguma dificuldade pelo candidato a vice, o empresário José de
Alencar, Lula conseguira, entretanto, o apoio do Partido Liberal - PL, que concentrava
grande número de evangélicos, sobretudo da Igreja Universal do Reino de Deus1033.
Conforme noticiado pela Tribuna da Imprensa em junho de 2002, “Os bastidores da
aliança do PL com o PT foram muito mais turbulentos do que se noticiou” (QUESTÃO
de fé, 2002, p. 2), tendo a porção evangélica do partido resistido à proposta em função da
“vinculação forte com a igreja católica” de Lula. A questão apenas foi resolvida com um
ultimato de Alencar, que ameaçou retirar-se do partido se o acordo não saísse.
A disputa do voto evangélico pelo petista incluiu também encontros com diversas
lideranças religiosas e a aproximação com o pentecostal Anthony Garotinho, derrotado
no primeiro turno, que angariou a preferência de boa parte deste público. Segundo o
Jornal do Brasil de 12 de outubro de 2002, na reta final da campanha, em eventos
organizados por Garotinho, pelo bispo Rodrigues, coordenador da bancada evangélica e
membro da IURD, e por “petistas evangélicos”, Lula intensificava contatos com pastores,
“que recomendarão aos fiéis que votem nele” (BREVE, 2002, p. A-3).
Em outra matéria do JB, antecipando a eleição de Lula, Rodrigues anunciava uma
mudança na atuação partidária dos evangélicos, que tencionariam, agora, “priorizar uma
pauta voltada aos excluídos” (CARNEIRO, 2002, p. A-8), inaugurando aquilo que
chamou de “socialismo de resultados”.
Os resultados dos consecutivos governos do PT são objeto de um debate que não
cabe nessas páginas. Entretanto, parece ser ponto pacífico que não se tratou de um
governo socialista, não havendo entre 2003 e 2016, por exemplo, propostas de profundas

1032
Como vimos, a Assembleia de Deus, formada por diferentes ministérios autônomos, tem na sua
Convenção Geral um importante ponto de encontro entre as múltiplas e independentes Igrejas. Da fala de
Neuton Lima se depreende que uma das principais funções da Comissão de Política Nacional da
Assembleia, da mesma forma, seja a integração dessas igrejas em torno de um programa político-eleitoral
mais ou menos unificado.
1033
Nos anos finais do governo de FHC, diversos deputados evangélicos trocaram seus partidos pelo PL,
como o batista Magno Malta e o principal articulador político da Igreja Universal do Reino de Deus, Bispo
Rodrigues. Outros iurdianos que passaram para o PL foram os deputados, reeleitos em 2002, Almeida de
Jesus, Paulo Gouvêa, Wanderval Santos e Oliveira Filho.
681

alterações na estrutura agrária brasileira e da posse dos meios de produção em geral,


continuando a vigorar no campo o latifúndio e nas cidades a concentração das atividades
econômicas nas mãos de oligopólios recheados de capital estrangeiro. Não se procedeu,
da mesma forma, à reversão de nenhuma das reformas liberalizantes iniciadas em 1990 e
que desde então conformam o cenário econômico e político do país. Tampouco socialistas
foram os líderes evangélicos que aderiram à campanha de Lula, muitos dos quais, como
Magno Malta e Marcelo Crivella, vindo mais tarde a abraçar, com alegria inédita, o
presidenciável de extrema direita, Jair Bolsonaro.
Interessa mais a esta tese, entretanto, o fato inconteste de que a ascensão partidária
dos evangélicos se manteve vigorosa, tendo a sua bancada na Câmara Federal aumentada
para, aproximadamente, cinquenta parlamentares em 2002, quando foram também eleitos
quatro senadores. Tendência que não se reverteria nas décadas posteriores, contando a
bancada evangélica de 2018 com quase o dobro deste número na Câmara federal, além
de sete senadores.

15 – Principais financiadores da bancada evangélica

Como dito, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar - DIAP,


desde princípios dos anos 1980, acompanha nossos deputados federais de perto, atento a
sua prática parlamentar em questões que interessam aos trabalhadores, publicando
diagnósticos regulares. Neste material encontramos também informações sobre os grupos
privados financiadores das campanhas. Tais dados, infelizmente, estão disponíveis apenas
para as eleições de 1994 e 1998, não havendo ali, e tampouco na página eletrônica do
TSE, informações sobre as eleições anteriores. O material disponível, não obstante,
permite uma visão aproximada dos principais grupos econômicos interessados na eleição
da bancada evangélica.
De maneira preliminar, duas importantes observações sobres esses dados se fazem
necessárias. Em primeiro lugar, com exceções pontuais, as campanhas evangélicas
destacam-se por serem poucos dispendiosas1034, pelo menos de acordo com as

1034
Em 1990 as exceções foram o iurdiano Alberto Felipe Haddad Filho, o Bebeto Haddad, “dono de usina,
fabricante de bebida”, destacado como tendo uma das campanhas mais caras do estado de São Paulo,
estimada em por volta de um milhão de dólares, o “representante da área rural”, Hugo Biehl, e o “empresário
da área de alimentação”, Paulo Bauer, ambos luteranos eleitos por Santa Catarina, também com campanhas
girando em “mais de um milhão de dólares” (DIAP – INFORMATIVO MENSAL, 1990).
682

informações entregues ao TSE, a partir das quais o DIAP se orientou. Não há informações
suficientes para embasar uma explicação consolidada, mas minha hipótese é que a
comprovada realização de campanhas durante cultos religiosos, numa vasta rede de
templos que concentram regularmente grande número de pessoas, implique no
barateamento dessas campanhas. Há também a possibilidade de que os valores declarados
simplesmente tenham sido subdimensionados.
Em segundo lugar, em grande parte dos casos, segundo o DIAP, os dados do
financiamento simplesmente não foram disponibilizados pelo TSE 1035, sugerindo graves
falhas na prestação de contas dessas campanhas. Sobre este último ponto, uma outra
observação é cabida: na legislatura iniciada em 1999, que teve, como vimos, um grande
aumento da representação parlamentar da Igreja Universal do Reino de Deus, são
justamente os eleitos por essa Igreja que, em sua maioria, apresentam esse problema em
suas contas de campanha1036. Por último, um número não desprezível de eleitos apontou
a si mesmo e outras pessoas físicas como os financiadores1037.
Sendo assim, vejamos quem são os principais bancadores dos candidatos
evangélicos.
Em valores absolutos, o setor agrícola foi o que mais investiu. A maior doadora
foi a Usina Caeté S.A., pertencente ao grupo Carlos Lyra, envolvido em atividades
sucroenergéticas em Alagoas. Em 1998, a Usina doou a exorbitante quantia de
aproximadamente 260 mil dólares1038 para a campanha de João Caldas da Silva. A
Cooperativa Agropecuária do Alto Paranaíba presenteou a campanha de 1998 de Silas
Brasileiro com 24.840 dólares, enquanto a Bolsa de Insumos de Patrocínio Ltda.,
negociadora de produtos agrícolas, contribuiu com 16.560 dólares para a mesma
campanha. Já a Cafeeira Espírito Santo Ltda., transferiu 12.418 dólares para Nilton
Capixaba, também em 1998. Werner Wanderer, por sua vez, recebeu no mesmo ano 8.278
dólares da Cooperativa Central Regional Iguaçu Ltda – COTRIGUAÇU (DIAP, 2002, p.
31, 170, 213 e 297).

1035
Sobre 15 dos 42 evangélicos não há dados sobre a fonte de financiamento para a campanha de 1998.
1036
Dos 14 eleitos pela IURD naquele pleito, sete não tiveram os seus dados de financiamento divulgados.
São eles o Bispo Rodrigues, Almeida de Jesus, Valdeci Paiva, Aldir Cabral, Jorge Wilson, Luiz Moreira e
Paulo Gouvêa. Outro iurdiano, Jorge Pinheiro, não consta no levantamento, provavelmente por erro do
DIAP. Sendo assim, apenas seis deles têm os dados de financiamento disponíveis (DIAP, 2002).
1037
Seis em 1994 e sete na campanha de 1998
1038
Valores aproximados. Para chegar a eles usei a cotação da moeda americana de 31 de dezembro de
1998.
683

Quase empatado, temos o setor de construção. Aqui a mais generosa foi a CBPO
Engenharia, que em 1998 forneceu 31.886 dólares para Amarildo Martins, 4.139 para
Salatiel Carvalho e 41.394 para Silas Brasileiro. Em seguida, a Construtora Norberto
Odebrecht repassou 8.278 (cotação de dezembro de 19981039) dólares para a campanha de
Luiz Moreira em 1994, 11.176 para Carlos Magno no mesmo ano e 4.139 para Salatiel
Carvalho em 1998. A Inepar S.A Indústria e Construções doou 41.394 dólares para
Werner Wanderer em 1998, a Andrade Gutierrez forneceu 33.942 dólares para Amarildo
Martins em 1998, a JC Construções e Comércio LTDA doou 24.836 dólares para Silas
Câmara em 1998, a Construtora Greca LTDA repassou 23.180 para Oliveira Filho no
mesmo ano, a Técnica Nacional de Engenharia - TENENGE deu 16.557 para Amarildo
Martins e 4.139 para Salatiel Carvalho em 1998, a COESA Engenharia forneceu 12.418
a Wagner Salustiano em 1998, a Sólida Engenharia deu 8.278 para Salatiel Carvalho em
1994, a CALDART Engenharia doou 6.622 a Paulo Bauer no mesmo ano e a Construtora
Ilha repassou para o mesmo parlamentar e na mesma data a quantia de 4.139 dólares
(DIAP 2002, p. 170, 213, 228, 356 e 372) (DIAP, 1998, p. 86, 244 e 332).
Bem próximo esteve o setor varejista, que contribuiu com mais de 274 mil dólares
por via de inúmeras empresas, muitas das quais de pequeno e médio porte, como
farmácias e posto de gasolina. Listarei aqui apenas as que forneceram os maiores
montantes. A Modelar LTDA, empresa do comércio de móveis pertencente ao Grupo
Onogás, de Onofre Quinan, transferiu par a esposa deste último, Lídia Quinan, a
assombrosa quantia de 134.737 dólares em 1998. O Supermercado Moreira deu 57.951
dólares a Euler Morais em 1998, a Pharmacia Artesanal, que lida com medicamentos de
manipulação em São Paulo, doou 24.836 dólares em 1994 para Carlos Apolinário e a
empresa de comércio de móveis A Provedora repassou em 1998 12.032 a Gerson
Gabrielli, que recebeu no mesmo ano contribuição no valor de 9.934 da Dismel
Distribuidora de Material Elétrico (DIAP, 2002, p. 57, 108 e 110) (DIAP, 1998, p. 345).
O setor bancário vem em seguida. Aqui, novamente, o Grupo Onogás é campeão,
tendo doado, novamente para Lídia Quinan, através da empresa Onocrédito, nada menos
que 151.667 dólares em 1998. O Banco Itaú contribuiu com 24.836 para Eraldo Tinoco
em 1994, que no mesmo ano ganhou 16.557 do Banco Econômico. A Golden Cross
Seguradora, por sua vez, doou à campanha de Werner Wanderer o mesmo valor de 16.557
dólares também em 1994. (DIAP, 2002, p. 110) (DIAP, 1998, p. 76 e 231).

1039
Os valores seguem a cotação do dólar de 1998 e não de 1994, uma vez que a publicação do DIAP que
contém os dados sobre o financiamento foi lançada em 1998.
684

Lídia Quinan recebeu maciças somas também diretamente da Onogás S.A.


Comércio e Indústria, envolvida no engarrafamento e distribuição de gás em Goiás.
Foram 193.393 dólares aplicados em suas campanhas de 1994 e 1998 (DIAP, 1999, p.
127) (DIAP, 2002, p. 110).
Empresas importadoras também contribuíram com considerável quantia. A
Thomas Goergen Comércio e Importação forneceu 130.942 mil dólares à campanha de
Lamartine Posella em 1998, enquanto a Magomi Importadora e Exportadora deu 49.672
para Carlos Apolinário em 1994 (DIAP, 2002, p. 342) (DIAP, 1998, p. 345).
O setor de transportes também esteve presente. Novamente, Lídia Quinan é a
maior agraciada, recebendo 153.985 dólares em 1994 da Transportadora Contato,
enquanto Philemon Rodrigues ganhou, em 1998, 16.557 da Metalnave S.A. - Comércio
e Indústria, que atua no transporte de carga por navegação interior. (DIAP, 1998, p. 127)
(DIAP, 2002, p. 166).
A indústria vem logo a seguir. A Hoechst do Brasil S.A. repassou a Werner
Wanderer em 1998 41.394 dólares; a CAF Santa Bárbara LTDA, produtora de carvão
vegetal, doou 27.319 a Philemon Rodrigues em 1998; a Comércio e Indústria Gráfica
Conselheiro, fabricante de recipientes de papel, forneceu 16.557 a Paulo de Velasco em
1994; a Cruzadas Auto Peças deu a Werner Wanderer, em 1998, 12.418; a EMBRACO
Empresa Brasileira de Compressores, representante no brasil da multinacional Nidec
Global Appliance, em 1994 deu a Paulo Bauer 9.934; a Federação das Cooperativas de
Eletrificação do Paraná doou a Werner Wanderer 4.139 em 1994; e a Champion Papel e
Celulose transferiu para Neuton Lima, em 1998, a quantia de 2.142 dólares (DIAP, 2002,
p. 166, 213, 348) (DIAP, 1998, p. 231, 332, 348).
Por último, o setor de serviços, sobretudo através de firmas de propaganda e de
consultoria empresarial, forneceu mais de setenta mil dólares, em especial para a
campanha de Lamartine Posella em 1994, que recebeu 43.119 dólares da Lavoro
Consultoria. Outros beneficiados com quantias menores foram Salatiel Carvalho,
Wanderval santos, Herculano Anghinetti e Wagner Salustiano (DIAP, 1998, p. 360)
(DIAP, 2002).

16 – Conclusão
685

Procurei demonstrar nesta seção que a bancada evangélica na Câmara federal teve
atuação providencial para a reforma neoliberal do Estado restrito brasileiro proposta por
Fernando Collor de Mello e completada por Fernando Henrique Cardoso. Em matérias de
interesse do capital, que significaram uma acentuada liberalização da nossa economia e
abertura externa, a bancada contribuiu de maneira quase unânime, sobretudo até o fim do
primeiro mandato de FHC. Paralelamente, a partir do perfil individual de cada
parlamentar e das prestações de contas de suas campanhas, vemos de maneira mais nítida
a sua conexão com diferentes setores empresariais. Combinados com o que foi
apresentado no capítulo passado, os dados indicam, portanto, que a hipótese de um
oscilante fisiologismo dessa bancada, supostamente norteador de sua orientação
econômica, não se sustenta, havendo desde a Constituinte uma sistemática adesão às
matérias legislativas de interesse do empresariado, com quem, além do mais, seus
membros mantém laços estreitos.
Ao mesmo tempo, vimos como a penetração partidária de segmentos religiosos
conservadores, apesar de intensificada durante a Constituinte, foi um projeto perene,
iniciado em meados do século passado, em constante aceleração e cultivado com método
e fartos recursos pelas diferentes igrejas. Esse projeto, concebido a partir das cúpulas
eclesiásticas, buscou, muitas vezes com sucesso, conforme interpretado pelos órgãos de
inteligência do Estado brasileiro, converter membresias em “currais eleitorais”, fazendo
de púlpitos palanques, de cultos comícios e de templos espaços de aglomeração para a
distribuição dos únicos santinhos ali tolerados, os eleitorais.
686

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Nós somos um império agora, e quando agimos, nós criamos a nossa própria
realidade” (SUSKIND, 2004). Ouvidas pelo jornalista Ron Suskind de conselheiros do
presidente George W. Bush em outubro de 2004, as palavras sintetizam a sensação,
partilhada pelos círculos governamentais, do pleno domínio estadunidense não apenas
sobre a realidade material, mas também sobre a totalidade do mundo simbólico, que
acabariam se confundindo. Com efeito, desde que o país ensaiou os primeiros passos
como líder do mundo capitalista, após a Segunda Guerra Mundial, a manipulação de
consciências é componente básico de sua geopolítica. Operação sistematizada em
princípios da década de 1950 sob a forma de uma guerra psicológica e de propaganda,
desenrolada também no campo religioso.
Recebendo grande impulso no governo de Dwight Eisenhower (1953-1961), uma
das primeiras manifestações desse programa foi a abertura, em 1954, da Foundation for
Religious Action in the Social and Civil Order - FRASCO, apadrinhada pelo presidente
e à qual seguiram-se outras iniciativas semelhantes, como a conferência Foreign Aspects
of U.S. National Security de 1958. Abriam-se, assim, espaços de articulação de
empresários com seus prepostos no Estado restrito e no campo intelectual e religioso,
estes últimos envolvidos num esforço ecumênico, com papel destacado de evangélicos
norte-americanos, para o planejamento de uma estratégia que pressupunha o uso da
religião para o reforço da influência global estadunidense e contenção do avanço
socialista.
Como resultado, em 1963, vemos o chefe do Conselho de Planejamento Político
do Departamento de Estado, Walt Whitman Rostow, relatar o grande avanço na
participação de organizações privadas no combate externo ao comunismo, de maneira
semelhante ao que propunha o empresário David Sarnoff em memorando enviado a
Eisenhower em 1955, que pedia “contramedidas”1040 e “métodos”, “inovadores, não-
convencionais, ousados e flexíveis” de propaganda, a serem empregados tanto pelo
governo como por grupos privados para “tornar a nossa verdade tão efetiva e mais
produtiva que a mentira de Moscou”.

1040
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Hearings before the
Subcomitee to Investigate the Administration of the Internal Security Act and Other Internal Security Laws
of the Comittee on the Judiciary United States Senate. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP64B00346R000500030098-1. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp64b00346r000500030098-1>. Acesso em: 22 set. 2020.
687

Os contatos entre o empresariado, intelectuais religiosos e laicos e membros do


governo norte-americano prosseguiram pelas décadas seguintes, por exemplo sob a forma
de reuniões, como a articulada em agosto de 1971 pelo secretário de Estado Henry
Kissinger e pelo pastor fundamentalista Billy Graham para discutir a política externa do
país para o Oriente. Outras iniciativas semelhantes foram os encontros patrocinados pela
Igreja da Unificação, desde pelo menos princípios dos anos 1980; o aparelho ideológico
frequentado por empresários, religiosos conservadores e políticos Council for National
Policy, aberto em 1981; o Grupo de Trabalho para Assistência da América Central,
instaurado pelo governo Reagan em 1983; e o clube de empresários cristãos Laymen's
National Bible Association, fundado em 1940 e ativo até hoje.
No Brasil, esses espaços de articulação foram abertos com grande atraso,
sugerindo que a plena inclusão de nacionais ao projeto levara algumas décadas para
amadurecer, ao que parece acompanhando o processo simultâneo de consolidação da
internacionalização de nossa economia. Segundo a documentação, eles aparecem de
maneira regular a partir de princípios dos anos 1980, em face do esfacelamento do regime
ditatorial de 1964, conjuntura que demandava uma melhor coordenação das atividades de
aparelhos produtores de consenso. Assim, em reuniões organizadas sobretudo pela Igreja
da Unificação e por entidades como a Associação Brasileira de Defesa da Democracia,
será produzida uma integração horizontal entre porções religiosas nacionais, empresários,
intelectuais e agentes governamentais. Ao mesmo tempo, aprofundava-se a organização
vertical de religiosos conservadores em torno de entidades como a nova Confederação
Evangélica Brasileira - CEB e o Conselho Nacional de Pastores do Brasil - CNPB.
A execução do projeto de conquista religiosa/ideológica global, idealizado nos
encontros havidos nos Estados Unido e no mundo periférico, coube a uma multiplicidade
de organizações de fé, cuja conexão com esses fóruns transparece na presença ali de
muitos dos seus líderes. Trata-se especialmente de associações geridas por
fundamentalistas, pentecostais e carismáticos, ao lado de uma miríade de religiosos
ligados às mais variadas confissões.
Em primeiro lugar, temos as igrejas propriamente ditas, como a Assembleia de
Deus, a Igreja do Evangelho Quadrangular, a Igreja da Unificação, a Igreja Batista, seções
presbiterianas e os católicos, estes últimos por via sobretudo de frações conservadoras
como a Renovação Carismática. Ao lado delas, despontam organizações
interdenominacionais dedicadas à colaboração de porções religiosas conservadoras, à
proselitização em massa e ao suporte e realização de empreendimentos missionários
688

dentro e fora dos Estados Unidos, como a National Association of Evangelicals, o


Summer Institute of Linguistics, a New Tribes Mission, a Christian and Missionary
Alliance, e a Campus Crusade for Christ. Já na extensão desse trabalho doutrinário por
todo o Estado Ampliado, desempenham papel fundamental as entidades direcionadas ao
universo da política estritamente partidária. Nos Estados Unidos, as vemos em ação
sobretudo após finais dos anos 1970, encarnadas por organizações como a Moral
Majority, a Christian Coalition, a Focus on the Family e o Family Research Council, cujo
aparecimento se deu de maneira concomitante ao aprofundamento do engajamento
partidário religioso conservador em diferentes partes do globo, ilustrado, por exemplo,
pela formação de uma bancada evangélica no Brasil. Por último, prestam importante
contribuição também os laboratórios de ideias religiosos, como o Institute on Religion
and Democracy, cuja influência alcançou setores da intelectualidade e da classe
dominante de países periféricos.
Ao redor do mundo, tais organizações buscaram conquistar para os Estados
Unidos a simpatia das populações com as quais entraram em contato, ao mesmo tempo
em que propagaram um proselitismo capaz de afastar a classe trabalhadora das lutas
sociais, transferindo as causas de variadas mazelas para o mundo divino, e de justificar a
distribuição desigual da renda, enquanto na esfera partidária forjaram alianças com
governos conservadores e participaram de eleições, remetendo seus membros para o
interior do aparelho governamental, onde contribuirão para o aprofundamento do
processo de liberalização econômica mundial.
Em sua escalada global, puderam elas contar com o suporte da diplomacia norte-
americana. Transparente no manejo calculado de uma política internacional de liberdade
religiosa que, apesar de dizer defender este direito universal, busca, ao contrário, atender
a interesses bastante específicos. Assim, durante boa parte da segunda metade do século
XX, a maioria esmagadora da correspondência diplomática daquele país referente à
liberdade religiosa concerne seus rivais geopolíticos, como os membros do bloco
socialista, onde a presença religiosa estadunidense agia como poderoso fator de
desestabilização interna, ou nações onde convinha reforçar a influência
político/ideológica da potência capitalista. Simultaneamente, países amistosos porém
notoriamente violadores dessas liberdades, como a Arábia Saudita, são ignorados,
desnudando a parcialidade da campanha movida pelo Departamento de Estado.
No Brasil, em paralelo ao deslanche do programa de guerra psicológica e de
propaganda norte-americano, a década de 1950 vê a penetração de um inédito número de
689

organizações religiosas daquele país. Principalmente igrejas e entidades missionárias,


como a Visão Mundial (1950), a Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), a Missão
Novas Tribos do Brasil (1953), a Sociedade Asas de Socorro (1955), a Aliança Bíblica
Universitária (1957), o Instituto Linguístico de Verão (1959) e a Igreja Pentecostal de
Nova Vida (1960), ao lado de várias outras cuja presença foi registrada em finais da
década pelo governo brasileiro, operando em nosso território desde data desconhecida.
Ao mesmo tempo, outras igrejas inspiradas no ambiente religioso norte-
americano, como a Brasil para Cristo e a Deus é Amor, são abertas por brasileiros, a
maioria dos quais com passagem por agremiações estrangeiras. Essa nacionalização de
manifestações religiosas provenientes do norte, contudo, nada tem de acidental. Foi, ao
contrário, um aspecto central na estratégia de colonização religiosa do mundo
contemporâneo traçada nos Estados Unidos durante a Guerra Fria. Ela aparece no
memorando1041 que o empresário David Sarnoff enviou a Dwight Eisenhower em 1955,
pedindo recursos para a organização no espaço internacional de movimentos particulares,
como os religiosos, a fim de resistir ao socialismo, “incluindo treinamento de lideranças”;
nas ações de igrejas norte-americanas na América Central, que, conforme os arquivos da
CIA, buscavam formar bases nativas “para assumir papéis de liderança”1042 em entidades
que aos poucos se transformavam em “igrejas “nacionais”; no trabalho missionário de
organizações interdenominacionais como a Christian and Missionary Alliance, que, em
todos os lugares onde atua, busca formar unidades “autossuficientes, auto propagadoras
e autogovernadas” (THE Evangelical Era: 1947-1974, [s.d.]); e da Missão Evangélica da
Amazônia, que procura se enraizar em sociedades indígenas, revelando em sua página a
ambição de “estabelecer igrejas indígenas autóctones que se auto multipliquem” (NOSSA
História. MEVA - Missão Evangélica da Amazônia, 2018); trabalho semelhante ao
executado por igrejas como a Assembleia de Deus, cuja conversão de povos amazônicos
pressupõe a formação de diáconos locais.

1041
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Hearings before the Subcomitee
to Investigate the Administration of the Internal Security Act and Other Internal Security Laws of the
Comittee on the Judiciary United States Senate. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP64B00346R000500030098-1. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-
rdp64b00346r000500030098-1>. Acesso em: 22 set. 2020.
1042
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 73; Honduras;
The Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-00707R000200070018-9.
Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200070018-9>.
Acesso em: 05 out. 2020.
690

De todas essas organizações, as de maior sucesso no mundo periférico são as


igrejas pentecostais, por razões tanto externas como internas. No primeiro caso, em
função da sua grande aplicação na conquista mundial de almas e das ações do
Departamento de Estado em abrir espaços para a sua instalação onde quer que fosse. Em
segundo lugar, graças à atratividade do seu receituário teológico para os trabalhadores
urbanos de baixa renda, porção considerável da população desses países; de aspectos
preexistentes da religiosidade popular, aos quais o rito pentecostal se adaptou com
maestria; e ao favorecimento de administrações alinhadas com os interesses do capital
norte-americano, como o Brasil ditatorial e os seguintes governos democráticos.
Os anos 1950 e 1960, porém, marcam uma primeira etapa da inserção de aparelhos
ideológicos/religiosos norte-americanos pelo mundo periférico, abrindo-se uma segunda
na década de 1970. Desde então, multiplicam-se em países como o Brasil igrejas
pentecostais de tipo novo, como a Igreja Universal do Reino de Deus (1977), ao lado de
diversas outras organizações conservadoras estrangeiras que também iniciam um bem-
sucedido processo de enraizamento. Chegam por aqui, assim, a Campus Crusade for
Christ (1970), a Renovação Carismática Católica (1970), a Missão A Voz dos Mártires
(1973), a Igreja da Unificação (1975), a Evangelismo sem Fronteiras e a Missão
Informadora do Brasil -MIB, essas últimas em momento impreciso da década.
Desta vez a ação hegemônica de muitas destas agremiações será incrementada por
novo ideário religioso trazido dos Estados Unidos, as teologias da Prosperidade e do
Domínio. Como decorrência, a transferência das causas das mazelas sociais para a
dimensão religiosa será ainda mais facilitada por uma doutrina capaz de justificar
religiosamente a distribuição desigual da renda, enquanto a disputa do mundo terreno com
as forças não alinhadas com a visão de mundo expressa por essas igrejas passará a ser
impulsionada por uma teologia que incitará, inclusive, a maior presença partidária
evangélica.
A ação política dessas organizações, entretanto, apenas se intensifica neste
momento, já praticada desde cedo no plano da sociedade civil através de pregações com
fundo político, que aqui chamo de proselitismo hegemônico capitalista; e mesmo no
âmbito do Estado restrito, pela legitimação de governos conservadores e o lançamento de
candidaturas próprias, embora de maneira ainda incipiente. A novidade é o maior vigor
do seu prolongamento para o interior do aparelho burocrático oficial, onde pastores-
mandatários passarão a contribuir diretamente para a consecução da mesma pauta dupla,
691

conservadora nos costumes e ultraliberal na economia, que sempre apoiaram, em sermões


ou auxiliando ditaduras.
As razões para essa inflexão residem tanto no plano teológico como no social e
econômico, referindo-se à uma redefinição do movimento fundamentalista cristão e ao
novo contexto político e econômico mundial. Assim, o recrudescimento da agressividade
do cristianismo conservador e seu engajamento eleitoral, tanto nos Estados Unidos como
no Brasil, ocorrem também em resposta ao período de crise hegemônica dos anos 1960,
quando os valores que sustentavam as sociedades ocidentais são progressivamente
ameaçados por movimentos de estudantes e trabalhadores, e à consolidação de uma nova
forma de imperialismo.
Caracterizado pela progressiva internacionalização do capital, porém com um
predomínio dos interesses daquele sediado nos Estados Unidos, esse novo imperialismo
que vinha sendo gestado desde finais da Segunda Guerra verá uma crescente integração
da burguesia mundial, abrindo espaço inclusive para abrigar os interesses do
empresariado periférico, mesmo que de maneira dependente. Concomitantemente, haverá
uma inflação do capital fictício, ou capital financeiro, no interior do qual essa integração
se dará de maneira ainda mais completa. Deslocando-se rapidamente pelo planeta a
procura de melhores oportunidades de valorização, esse capital demandará o
aprofundamento da liberalização da economia mundial, nutrindo-se da extração de mais
valia do trabalho mas também da desapropriação de direitos e propriedades em mãos da
classe trabalhadora. A fim de sustentar esse estado de coisas, um grande incremento das
instâncias produtoras de convencimento no interior da sociedade civil será demandado,
enquanto no Estado restrito políticas liberalizantes exigirão mandatários plenamente
afinados com a nova agenda capitalista.
Tanto no mundo periférico como nos Estados Unidos, as organizações
constituintes do Partido da Fé Capitalista se prestarão a esse duplo papel. No plano
estritamente partidário veremos, então, o surgimento de entidades geridas por religiosos
conservadores cada vez mais empenhadas na propulsão da dupla pauta moral/econômica,
embalada, na potência do Norte, pela dissolução do consenso da classe dominante em
torno do New Deal, que previa alguma participação do Estado nas atividades produtivas.
Organizações como a Moral Majority e a Christian Coalition, por exemplo, irão
pressionar o Estado restrito norte-americano, com progressiva determinação após a
segunda metade da década de 1970, para a adoção de reformas ultraliberais, pedindo
692

inclusive a sua retirada total do fornecimento de serviços básicos à população como a


Educação e a Saúde.
No Brasil, não farão diferente políticos religiosos coligados sobretudo na bancada
evangélica no Congresso Nacional, de grande contribuição para as reformas econômicas
da década de 1990. Bancada em muito financiada por empresas agrícolas, empreiteiras,
pelo setor varejista e por instituições bancárias. Outros segmentos empresariais
brasileiros interessados no projeto doutrinário religioso, conforme representado pelo
trânsito de seus chefes nos fóruns abertos por aqui para este fim, foram o grupo Gerdau,
a Hering, a Águas Minerais de Minas Gerais S. A. - Hidrominas, a SUCEFI Imóveis, o
Grupo Têxtil Oeste, a Editora Alcance e a empreiteira Técnica e Industrial de Mari Ltda.
Nos Estados Unidos, foi possível esboçar um leque muito maior de empresas
participantes do programa, desde suas origens na década de 1950. São principalmente
grandes multinacionais, com interesses enraizados em países periféricos cuja influência
norte-americana convinha preservar, como a W. R. Grace & Company, a General Electric,
a General Tire and Rubber Company, a Mellon Financial Corporation, a Olin Corporation
e a Vick Chemical Company.
Mas a participação empresarial no projeto encarnado pelo Partido da Fé
Capitalista não era restrita às grandes corporações e seus membros. A abertura em países
como o Brasil de organizações religiosas reprodutoras do pacote ideológico-teológico
norte-americano, como a Igreja Universal do Reino de Deus, induziu a criação na periferia
capitalista de novas burguesias que, erguidas pelos dividendos auferidos nesses
empreendimentos, logo expandem sua presença para atividades lucrativas convencionais,
como bancos, emissoras de rádio e TV, etc. No contexto das décadas finais do século XX,
onde, conforme já assinalado, há uma progressiva internacionalização do capital, ocorre
uma natural comunhão de interesses dessas novas e locais burguesias com o grande
empresariado norte-americano, visível no que diz respeito à irrestrita liberalização dos
mercados, projeto ao qual a direita religiosa no Brasil e em todo o mundo se aplica com
afinco. Integração que se dá em moldes subalternos, evidentes, por exemplo, inclusive no
processo de internacionalização dos próprios empreendimentos religiosos. É o caso do
Centro de Treinamento Bíblico Rhema, sediado nos Estados Unidos, mas cujas atividades
em outras partes do mundo, como Angola, Argentina, Chile e Portugal, são
supervisionadas pela filial brasileira.
Muito esclarecedor, também, é o cruzamento dos nomes de líderes corporativos
ativos nos fóruns político-religiosos mencionados com listagens organizadas por René
693

Dreifuss em seus trabalhos A Internacional Capitalista e 1964: a Conquista do Estado,


onde descobriu uma “pirâmide de poder global” (DREIFUSS, 1986, p. 93) ao observar a
presença recorrente de indivíduos e corporações nas principais organizações empresariais
dedicadas a organização da burguesia mundial e promoção de seus interesses. Tal
cruzamento mostra a recorrência de muitos deles também nas iniciativas de fundo
religioso aqui tratadas, indicando que elas se integraram a um esforço hegemônico mais
amplo idealizado por um número restrito de atores, homens como Joseph Peter Grace,
presidente da multinacional W. R. Grace & Co.
A trajetória de Grace é paradigmática, também, do grande alcance dessa pirâmide,
capilarizado em aparelhos hegemônicos instalados no mundo periférico. Assim, a mão do
industrial norte-americano chegava também ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais -
IPES, ao qual remetia fundos por via da empresa Light, fixada no Rio de Janeiro. Entidade
de suma importância na desestabilização do governo de João Goulart e na organização da
burguesia brasileira ao redor do projeto de internacionalização de nossa economia,
pretendido por corporações norte-americanas, abrindo caminho para o governo ditatorial
que se seguiu ao golpe de 1964.
Regime que acolheu e cooperou com aparelhos ideológicos religiosos, como
igrejas e organizações missionárias, ligados institucionalmente e/ou doutrinariamente aos
Estados Unidos por via do centro nervoso do Partido da Fé Capitalista, ali instalado.
Ditadura que, tal como desejavam os assessores de George W. Bush, também pretendeu
vender como realidade um discurso hegemônico que oculta um legado de graves crimes
cometidos contra a população, de superexploração da classe trabalhadora e de submissão
política, econômica e cultural aos ditames do grande capital estadunidense, do qual o
empresariado brasileiro aceitou ser sócio minoritário. O fracasso dessa versão distorcida
dos fatos em se firmar comprova, entretanto, que a realidade não pode ser esculpida por
palavras rascunhadas em reuniões em Nova Iorque, Washington ou Brasília. Ela é um
dado verificável, cujo curso é muitas vezes determinado pela luta de pessoas comuns,
porém organizadas e informadas.
Já quanto ao campo das práticas religiosas, chamado a participar dessa maquiagem
do real, um dos maiores desafios humanos no presente é a sua democratização. Uma vez
que o fim da religião não parece figurar no horizonte próximo, permanecendo ela a
atender variadas necessidades de porções da classe trabalhadora contemporânea, urge
quebrar o monopólio das grandes organizações de fé, comprometidas com interesses
detrimentosos aos da coletividade. Assim, no mundo periférico, onde o evangelicalismo
694

norte-americano se enraizou profundamente, caberia, por exemplo, regatar o sentido


igualitário daquele pentecostalismo popular praticado por trabalhadores na rua Azuza em
princípios do século XX.
695

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Ronaldo. “A expansão pentecostal: circulação e flexibilidade”. In:


TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (orgs.). As religiões no Brasil: continuidades
e rupturas. Petrópolis: Vozes, 2006.
ALMEIDA, Sílvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Editora Jandaíra, 2019. Arquivo
Kindle.
ÁLVAREZ. Carmelo E. Panorama Histórico dos Pentecostalismos Latino Americanos e
Caribenhos. In: Na Força do Espírito Os Pentecostais na América Latina: um desafio às
igrejas históricas. São Paulo: Editora Associação Evangélica Literária Pendão Real, 1996.
ARAÚJO, João Dias de. Inquisição sem fogueiras. A História sombria da Igreja
Presbiteriana do Brasil. 3ª edição. São Paulo: Fonte Editorial, 2010.
ARMSTRONG, Karen. Em Nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no
cristianismo e no islamismo. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009. Arquivo Kindle.
ASSMANN, Hugo. A Igreja eletrônica e seu impacto na América Latina. Petrópolis:
Vozes, 1986.
AZEVEDO. Cecília. Em nome da América: os Corpos da Paz no Brasil. São Paulo:
Alameda, 2007.
BAMAT, Tomás. Salvación o dominación?: las sectas religiosas en el Ecuador. Quito:
Editorial El Conejo, 1986.
BRASIL. Comissão Nacional da Verdade - Relatório. Volume II, Textos Temáticos.
Brasília-DF: 2014. Disponível em:
<https://cnv.grauna.org.br/images/pdf/relatorio/Volume%202%20-
%20Texto%208.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2020.
CASTRO, Alexandre de Carvalho. A Sedução da Imaginação Terminal: uma análise das
práticas discursivas do fundamentalismo americano. Rio de Janeiro: IERSAL, Horizontal
Editora e Consultoria LTDA, 2003.
CAMPOS, Leonildo. Teatro, templo e mercado, Petrópolis/ São Paulo/ São Bernardo do
Campo: Vozes/ Simpósio/ Unesp, 1997.
CEPEDA, Rafael; CARRILLO, Elizabeth; GONZÁLEZ, Rhode; HAM, Carlos E. Causas
e Desafios do Crescimento das Igrejas Protestantes em Cuba: a influência do movimento
pentecostal. In: Na Força do Espírito Os Pentecostais na América Latina: um desafio às
igrejas históricas. São Paulo Editora Associação Evangélica Literária Pendão Real, 1996.
696

CHESNUT, Andrew R. Born Again in Brazil: the pentecostal boom and the pathogenes
of poverty. New Brunswick, New Jersey, and London: Rutgers University Press, 1997.
CORTEN, André. Os Pobres e o Espírito Santo: o pentecostalismo no Brasil. Petrópolis:
Vozes, 1996.
DIAMONDS, Sara. Spiritual Warfare: the politics of the christian right. Montreal - Nova
Iorque: Black Rose Books, 1990.
DIAP. Quem foi quem na Constituinte: nas questões de interesse dos trabalhadores. São
Paulo: Cortez, Oboré, 1988. Disponível em:
<https://www.diap.org.br/index.php/publicacoes/category/32-quem-foi-quem-na-
constituinte-nas-questoes-de-interesse-do-trabalhadores-1988>. Acesso em: 26 mai.
2021.
______. Quem Foi Quem no Congresso nas Matérias de Interesse dos Assalariados:
1999-2003. Brasília, DIAP: 2002. Disponível em: <
https://www.diap.org.br/index.php/publicacoes/send/48-quem-foi-quem-nas-materias-
de-interesse-dos-assalariados-1999-2003/348-quem-foi-quem-nas-materias-de-
interesse-dos-assalariados-1999-2003-publicacao-completa>. Acesso em: 27 mai. 2021.
DREHER, Martin Norberto. História do Povo de Jesus: uma leitura latino-americana.
São Leopoldo: Sinodal, 2017.
DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe.
Petrópolis: Vozes, 1981.
______. A Internacional Capitalista. Rio de Janeiro: Editora Espaço e Tempo, 1986.
______. O Jogo da Direita na Nova República. Petrópolis: Vozes, 1989.
ENGELS, Friedrich. Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã. In: MARX,
Karl; ENGELS, Friedrich. Sobre a Religião. 2. ed. (G. Badia, P. Bange, E. Bottigelli,
orgs). Trad. Raquel Silva. Lisboa: Edições 70, 1976.
FARIA, Vilmar. Desenvolvimento, urbanização e mudanças na estrutura do emprego: a
experiência brasileira dos últimos trinta anos. p. 182-245. In: SORJ, Bernardo;
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de (orgs). Sociedade política no Brasil pós-64. Rio
de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 1984.
FERNANDES, Rubem César; SANCHIS, Pierre; VELHO, Otávio G.; PIQUET,
Leandro; MARIZ, Cecília; MAFRA, Clara. Novo nascimento: os evangélicos em casa, na
igreja e na política. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.
FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. Rio de Janeiro:
Edufrj, 2010.
697

GALINDO, Florencio. C.M.. O fenômeno das seitas fundamentalistas. Petrópolis: Vozes,


1995.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
v.1. Introdução ao estudo da filosofia. A filosofia de Benedetto Croce, 1999.
______. Cadernos do Cárcere. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v.2. Os
Intelectuais, o princípio educativo, jornalismo, 2001.
______. Cadernos do Cárcere. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 3.
Maquiavel, Notas sobre o Estado e a política, 2001.
GARRARD-BURNETT, Virginia. Protestantism in Guatemala: Living in the New
Jerusalem. Austin: University of Texas Press, 1998.
HEDGES, Chris. American Fascists the christian right and the war on America. Nova
Iorque: Free Press, 2006.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
ITIOKA, Neuza. Encarnando a Palavra Libertadora: um breve histórico da Aliança
Bíblica do Brasil. São Paulo: ABU Editora S.C., 1981.
JUSTINO, Mário. Nos Bastidores do Reino: a vida secreta da igreja Universal do Reino
de Deus. 2ª ed. São Paulo: Geração Editorial, 2021. Arquivo Kindle.
KUSHNIR, Beatriz. Cães de Guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de
1988. São Paulo: Boitempo, 2004.
LIMA, Delcio Monteiro de. Os demônios descem do Norte. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1991.
LÖWY, Michael. A Jaula de Aço – Max Weber e o marxismo weberiano. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2014.
MADURO, Otto. Religião e Luta de Classes. Petrópolis: Vozes, 1980.
MARSDEN, George. Understanding Fundamentalism and Evangelicalism. Grand
Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co, 1991. Arquivo Kindle.
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. 5.
Ed. São Paulo: Loyola, 2014.
______.; PIERUCCI, Antônio Flávio. O envolvimento dos pentecostais na eleição de
Collor. In: PIERUCCI, Antônio Flávio & PRANDI, Reginaldo (1996). A realidade social
das religiões no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1996.
MARX, Karl. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858 – esboços da crítica da
economia política. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015a. Arquivo Kindle.
698

______. Teses sobre Feuerbach. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Sobre a Religião.
2. ed. (G. Badia, P. Bange, E. Bottigelli, orgs). Trad. Raquel Silva. Lisboa: Edições 70,
1976.
______. O Capital: Crítica da Economia Política – Livro 1: o processo de produção do
capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015b. Arquivo Kindle.
______.; ENGELS, Friedrich. A Ideologia alemã. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich.
Sobre a Religião. 2. ed. (G. Badia, P. Bange, E. Bottigelli, orgs). Trad. Raquel Silva.
Lisboa: Edições 70, 1976a.
______.;______. Manifesto do Partido Comunista (Extratos dos capítulos II e III). In:
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Sobre a Religião. 2. ed. (G. Badia, P. Bange, E.
Bottigelli, orgs). Trad. Raquel Silva. Lisboa: Edições 70, 1976b.
______.;______. Notícia do livro de G. F. Daumer <<A Religião da Nova Era. Ensaio de
Fundamento Combinatório e Aforístico>> (3 volumes, Hamburgo, 1850). In: MARX,
Karl; ENGELS, Friedrich. Sobre a Religião. 2. ed. (G. Badia, P. Bange, E. Bottigelli,
orgs). Trad. Raquel Silva. Lisboa: Edições 70, 1976c.
MEDEIROS, Leonilde Servolo de. História dos movimentos sociais no campo. Rio de
Janeiro: FASE, 1989.
MENDONÇA, Antônio Gouvêa. O Celeste Porvir. São Paulo: Paulos, 1984.
______. “Evangélicos e pentecostais: um campo religioso em ebulição”. In: TEIXEIRA,
Faustino; MENEZES, Renata (orgs.). As religiões no Brasil: continuidades e rupturas.
Petrópolis: Vozes, 2006.
______. Evolução histórica e configuração atual do protestantismo no Brasil. In:
MENDONÇA, Antônio Gouvêa; VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao
Protestantismo no Brasil. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002.
MENDONÇA, Sonia Regina de. Estado e Economia no Brasil: opções de
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Graal, 2003.
______.; FONTES, Virginia Maria. História do Brasil recente – 1964-1992. São Paulo:
Ática, 2006.
NASCIMENTO, Gilberto. O Reino: a história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja
Universal. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. Arquivo Kindle.
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista - o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2003.
ORO, Ivo Pedro. O Outro é o Demônio: uma análise sociológica do fundamentalismo.
São Paulo: Paulus, 1996.
699

PACE, Enzo. Il Regime della Veritá. Bolonha: Società editrice il Mulino, 1990.
PIEDRA. Arturo. Evangelização Protestante na América Latina: análise das razões que
justificaram e promoveram a expansão protestante (1830-1960). Vol. 1. São Leopoldo:
Sinodal; Equador: CLAI, 2006.
______. Evangelização Protestante na América Latina: análise das razões que
justificaram e promoveram a expansão protestante. Vol. 2. São Leopoldo: Sinodal;
Equador: CLAI, 2008.
PIERUCCI, Antônio Flávio. Representantes de Deus em Brasília. In: PIERUCCI,
Antônio Flávio & PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil. São
Paulo: Hucitec, 1996.
___________; PRANDI, Reginaldo. Religiões e voto: a eleição presidencial de 1994. In:
PIERUCCI, Antônio Flávio & PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no
Brasil. São Paulo: Hucitec, 1996.
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1981.
ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostalismo: Brasil e América Latina. Petrópolis:
Vozes, 1994.
SIEPIERSKI, Paulo D. Contribuições para uma tipologia do pentecostalismo brasileiro.
In: GUERRIERO, Silas (org.). O estudo das Religiões: desafios contemporâneos. São
Paulo: Paulinas, 2008.
SILVA, Elizete da. Engels e a abordagem científica da religião. In: FERREIRA, Muniz;
MORENO, Ricardo; CASTELO BRANCO, Mauro (orgs). Friedrich Engels e a Ciência
Contemporânea. Salvador: EDUFBA, 2007.
______. Protestantes e ditadura civil-militar no Brasil: entre a adesão e a resistência. In:
ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro (org.). 1964: 50 anos depois a ditadura em
debate. Aracaju: EDISE, 2015.
SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira: 5. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2009.
_________.; SILVEIRA, María Laura. Brasil: território e sociedade no início do século
XXI. 7ª edição, Rio de Janeiro: Record, 2005.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004. Arquivo Kindle.

Comunicações em eventos
700

SILVA, Elizete da . A Igreja Universal do Reino de Deus e os Reinos Deste Mundo. In: I
Encontro de História da Bahia(ANPUH), 2002, llhéus. Memória Eletrônica do I Encontro
de História da Bahia(ANPUH). Ilhéus: UESC/ANPUH, 2002.
______. Expansão Protestante em Feira de Santana. In: III Congresso da Associação
Brasileira de História da Religião, 2001, Recife. Memória Eletrônica do III Congresso da
Associação Brasileira de História da Religião. Recife: ABHR, 2001.
TEIXEIRA, Samantha Ribas. O Direito (fundamental) à Propriedade no Âmbito
Constitucional e a sua Relativização pelo Instituto da Função Social da Propriedade.
Comunicação apresentada no XXII Encontro Nacional do CONPEDI / UNICURITIBA.
Curitiba - PR, 29 de maio a 01 de junho de 2013. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=59d9b46aa00c7023>. Acesso em 07
mai. 2021.

Currículos Lattes
ALBANO, Fernando. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 20 out. 2021.
Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/5519417916210238>. Acesso em: 20 nov. 2021.
ALENCAR, Gedeon Freire de. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 05 nov.
2021. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/9237173613583224>. Acesso em: 20 nov.
2021.
ALMEIDA, Adroaldo José Silva. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 21
jun. 2021. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/8135373094988808>. Acesso em: 20
nov. 2021.
ALMEIDA, Fábio Py de Murta. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 10 nov.
2021. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/9482390225415714>. Acesso em: 20 nov.
2021.
ASSMANN, Hugo. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 27 jul. 2005.
Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/8529724736528121>. Acesso em: 07 dez. 2019.
AZEVEDO, Cecília da Silva. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 06 set.
2021. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/3264420612989260>. Acesso em: 02 nov.
2021.
CAMPOS, Leonildo Silveira. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 17 nov.
2017. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/7704623587837753>. Acesso em: 28 ago.
2019.
701

DREHER, Martin Norberto. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 22 dez.


2020. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/3539434803899444>. Acesso em: 16 dez.
2021.
FARIA, Vilmar Evangelista. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 26 jun.
2000. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/2765246383352778>. Acesso em: 17 nov.
2019.
FERREIRA, Fábio Alves. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 17 jul. 2021.
Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/9132241090120488>. Acesso em: 20 nov. 2021.
FONTES, Virginia Maria Gomes de Mattos. Currículo do sistema currículo Lattes.
[Brasília], 19 jan. 2021. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/6459112125274953>.
Acesso em: 20 nov. 2021.
FRESTON, Paul Charles. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 29 ago. 2014.
Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/4864799809509408>. Acesso em: 10 out. 2019.
MARIANO, Ricardo. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 22 fev. 2021.
Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/1796133639096827>. Acesso em: 15 nov. 2021.
MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 09
out. 2021. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/6874717097891723>. Acesso em: 20
nov. 2021.
MENDONÇA, Antônio Gouvêa. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 02 fev.
2007. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/5558874019360496>. Acesso em: 07 set.
2019.
MENDONÇA, Sonia Regina de. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 12 ago.
2021. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/9394207706423778>. Acesso em: 23 ago.
2021.
MOURA, Mauro Castelo Branco de. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 02
nov. 2021. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/8081639759656421>. Acesso em: 20
nov. 2021.
NOVAES, Regina Celia Reyes. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 10 jun.
2021. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/4659182276807502>. Acesso em: 20 nov.
2021.
PASSOS, Mauro. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 08 abr. 2021.
Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/3367561119753735>. Acesso em: 20 nov. 2021.
702

PEDLOWSKI, Marcos Antonio. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 19 nov.


2021. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/7764577113401685>. Acesso em: 20 nov.
2021.
PIERUCCI, Antônio Flávio. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 2012.
Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/8326373409734809>. Acesso em: 07 set. 2019.
ROCHA, Daniel. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 05 nov. 2021.
Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/3341441972649937>. Acesso em: 20 nov. 2021.
SIEPIERSKI, Paulo Donizéti. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 14 jul.
2020. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/0202829707210477>. Acesso em: 20 nov.
2021.
SILVA, Elizete da. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 14 jun. 2021.
Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/0557949565804841>. Acesso em: 20 nov. 2021.
SILVA, Vicente Gil da. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 17 ago. 2020.
Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/6573456308744079>. Acesso em: 16 jul. 2021.
SILVA, Victor Augusto da. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília], 26 out.
2021. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/5734001678392256>. Acesso em: 20 nov.
2021.
TRABUCO, Zózimo Antônio Passos. Currículo do sistema currículo Lattes. [Brasília],
23 ago. 2021. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/2871102284979509>. Acesso em: 25
nov. 2021.

Matérias de jornal ou revista online


ALESSI, Gil. Da Funai à Lava Jato, Romero Jucá coleciona escândalos e já perdeu
ministério antes - Senador que foi também aliado de FHC, Lula e Dilma é acusado de
beneficiar mineradoras. EL País, São Paulo, 24 maio 2016. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/23/politica/1464031365_583264.html>.
Acesso em: 24 abr. 2021.
ANTUNES, Anderson. The Richest Pastors in Brazil. Forbes. Jersey City, 14 jan. 2013.
Disponível em: <https://www.forbes.com/sites/andersonantunes/2013/01/17/the-richest-
pastors-in-brazil/>. Acesso em: 21 dez. 2019.
CUNHA, Magali do Nascimento. Sobre crentes, protestantes, evangélicos e Rubem
Alves. Carta Capital, São Paulo, 19 fev. 2020. Disponível em:
<https://www.cartacapital.com.br/blogs/sobre-crentes-protestantes-evangelicos-e-
rubem-alves/>. Acesso em: 22 mar. 2022.
703

DEP. Josué Bengston é condenado por corrupção passiva. SBC do Brasil Agência de
Notícias, Várzea Grande, 05 jul. 2017. Disponível em:
<http://www.sbcbrasil.com.br/noticias/conteudo/dep-josue-bengtson-e-condenado-por-
corrupcao-passiva/19348>. Acesso em: 31 ago. 2021.
DEPUTADO federal pastor Josué Bengston, envolvido na ‘máfia das ambulâncias’, é
condenado a perda de mandado. G1 Pará, 2018. Disponível em:
<https://g1.globo.com/pa/para/noticia/deputado-federal-pastor-josue-bengston-e-
condenado-por-desviar-recursos-da-saude-no-para.ghtml>. Acesso em: 31 ago. 2021.
DIAS, Valéria. Estudo Analisa Fatores que Influenciaram Cobertura da Morte de Herzog.
Agência USP de Notícias, São Paulo, 05 nov. 2004. Disponível em:
<http://www.usp.br/agen/repgs/2004/pags/217.htm>. Acesso em: 01 abr. 2021.
EDWIN J. Thomas Dead at 87; Retired Goodyear Chairman. The New York Times,
Nova Iorque, 07 jan. 1987. Disponível em
<https://www.nytimes.com/1987/01/07/obituaries/edwin-j-thomas-dead-at-87-retired-
goodyear-chairman.html>. Acesso em: 18 nov. 2020.
GORTÁZAR, Naiara Galarraga. Um ministro “terrivelmente evangélico” a caminho do
Supremo Tribunal Federal. El País, Brasília, 10 jul. 2019. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07/10/politica/1562786946_406680.html>.
Acesso em: 03 set. 2019.
MALCOLM Reed, 79, Ex-U.S. Steel Aide. The New York Times, Nova Iorque, 26 maio
1975. Disponível em: <https://www.nytimes.com/1975/05/26/archives/malcolm-reed-
79-exus-steel-aide.html>. Acesso em: 20 nov. 2020.
OLIVEIRA, Cida de. Proprietário de 116 empresas, Malafaia reclama a Bolsonaro:
‘Trabalhador brasileiro tem muito privilégio’. Rede Brasil Atual, São Paulo, 06 fev.
2020. Disponível em:
<https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2020/02/proprietario-de-116-empresas-
malafaia-reclama-a-bolsonaro-trabalhador-brasileiro-tem-muito-privilegio/>. Acesso
em: 27 abr. 2021.
PAIXÃO, Roberta. O Sucessor de Edir Macedo. Veja, São Paulo, 03 nov. 1999.
Disponível em: <https://acervo.veja.abril.com.br/#/edition/32906?page=46&section=1>.
Acesso em: 17 jan. 2020.
PASSARINHO, Nathalia. Por que igrejas evangélicas ganharam tanto peso na política da
América Latina? Especialista aponta 5 fatores. BBC, Londres, 22 nov. 2019. Disponível
704

em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50462031?ocid=socialflow_twitter>.
Acesso em: 24 nov. 2019.
PLOWMAN, Edward E. Explo ’74: ‘Christianizing’ Korea. Christianity Today, 13 set.
1974. Disponível em: <https://www.christianitytoday.com/ct/1974/september-13/explo-
74-christianizing-korea.html>. Acesso em: 23 jun. 2021
POLÍCIA apreende nove fardas em igreja evangélica. Folha de S. Paulo, 25 jul. 1995.
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/7/25/cotidiano/19.html>.
Acesso em: 02 maio 2021.
PRESIDENTE de iglesia evangélica chilena fue agente de la CNI. Cooperativa.cl.
Santiago, 11 abr. de 2011. Disponível em:
<https://www.cooperativa.cl/noticias/pais/religiones/iglesias-evangelicas/presidente-de-
iglesia-evangelica-chilena-fue-agente-de-la-cni/2011-04-11/120128.html>. Acesso em:
15 dez. 2020.
SCAHILL, Jeremy. The Prosecution of Julian Assange Is an Attack on Our Freedom of
Speech. The Intercept, 04 jun. 2019. Disponível em:
<https://theintercept.com/2019/06/04/the-prosecution-of-julian-assange-is-an-attack-on-
our-freedom-of-speech/>. Acesso em: 05 fev. 2020.
SENADOR morto por Covid, Arolde de Oliveira defendia uso de cloroquina e era contra
o isolamento. G1, 22 out. 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-
janeiro/noticia/2020/10/22/senador-morto-por-covid-arolde-de-oliveira-defendia-uso-
de-cloroquina-e-era-contra-o-isolamento.ghtml>. Acesso em: 22 maio 2021.
SUSKIND, Ron. Faith, Certainty and the Presidency of George W. Bush. The New York
Times, Nova Iorque, 17 out. 2004. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/2004/10/17/magazine/faith-certainty-and-the-presidency-of-
george-w-bush.html>. Acesso em: 05 jam. 2022.
VAZ, Tatiana. Os Bilionários Brasileiros na Lista da Forbes em 2013. Exame, São Paulo,
13 set. 2016. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/negocios/os-bilionarios-
brasileiros-na-lista-da-forbes-em-2013/>. Acesso em: 21 dez. 2019.

Jornais
ABSALÃO, Tomás. Eleição Muda o Perfil da Câmara dos Vereadores. Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 08 out. 2000, p. 6. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_12&pesq=bancada%2
0evang%C3%A9lica&pasta=ano%20200&pagfis=21713>. Acesso em: 29 maio 2021.
705

BREVE, Nelson. Cultos Vão Ser Usados na Busca de Votos. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 12 out. 2002, p. A3. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_12&pesq=%22bancad
a%20evang%C3%A9lica%22&pasta=ano%20200&pagfis=68014>. Acesso em: 29 maio
2021.
CARNEIRO, Sonia. Um Congresso de 'neo-evangélicos'. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 13 out. 2002, p. A-8. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_12&pesq=%22bancad
a%20evang%C3%A9lica%22&pasta=ano%20200&pagfis=68092>. Acesso em: 31 maio
2021.
CASTRO, Gleise de. Presidente é Ovacionado por 600 mil Evangélicos. Jornal do
Brasil, 29 set. 1997. p. 3. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_11&pesq=%22bancad
a%20evang%C3%A9lica%22&pasta=ano%20199&pagfis=214332>. Acesso em: 15
maio 2021.
COLE, Robert J. Mellon and Girard Banks Plan to Merge. The New York Times, 03
ago. 1982. Disponível em: <https://www.nytimes.com/1982/08/03/business/mellon-and-
girard-banks-plan-to-merge.html>. Acesso em: 17 nov. 2020.
EVANGÉLICA é campeã. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 08 out. 1996, p. 10.
Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_11&pesq=%22bancad
a%20evang%C3%A9lica%22&pasta=ano%20199&pagfis=180867>. Acesso em: 28
maio 2021.
EVANGÉLICOS no Congresso. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 set. 1995.
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/9/17/brasil/36.html>. Acesso
em: 19 maio 2021.
FHC adota cautela na viagem à PB. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 17 jul. 1998,
p. A-14. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=364568_18&Pesq=%22bancad
a%20evang%c3%a9lica%22&pagfis=103189>. Acesso em: 10 maio 2021.
FILHO, Aziz. Secretário é acusado de privilegiar a Universal. Folha de São Paulo, São
Paulo, 06 jan. 1996. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/1/06/brasil/25.html>. Acesso em: 18 maio
2021.
706

FRANCO, Ilmar. FH recebe bispo de Edir Macedo. Jornal do Brasil, 19 jul. 1998, p.3.
Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_11&pesq=%22bancad
a%20evang%C3%A9lica%22&pasta=ano%20199&pagfis=240738>. Acesso em: 10
maio 2021.
JENSEN, Christopher. John J. Riccardo, Former Chairman of Chrysler, Dies at 91. The
New York Times, Nova Iorque, 16 fev. 2016. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/2016/02/17/business/john-j-riccardo-former-chairman-of-
chrysler-dies-at-91.html>. Acesso em: 18 nov. 2020.
KRIEGER, Gustavo. FELIX, Jorgemar. Fé acima das diferenças de partido. Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 02 jun. 1996. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_11&pesq=%22bancad
a%20evang%C3%A9lica%22&pasta=ano%20199&pagfis=170286>. Acesso em: 10
maio 2021.
LANCE-Livre. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 abr. 1995, p. 6. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_11&Pesq=%22bancad
a%20evang%c3%a9lica%22&pagfis=139828>. Acesso em: 28 maio 2021.
LOPES, Eugênia. Governo Propõe Trégua na Previdência. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 19 jun. 1998. p. 4. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_11&pesq=%22bancad
a%20evang%C3%A9lica%22&pasta=ano%20199&pagfis=237933>. Acesso em: 31
maio 2021.
MARQUAND, Bryan. Thomas L. Phillips, Raytheon chief who was guided by his faith,
dies at 94. Boston Globe, Boston, 12 jan. 2019. Disponível em:
<https://www.bostonglobe.com/metro/obituaries/2019/01/12/thomas-phillips-who-led-
raytheon-and-was-guided-his-faith-dies/dMT4uaV7gp1QOI5ZoPv9rL/story.html>.
Acesso em: 19 nov. 2020.
MAYRINK, José Maria. Bancada Carismática. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 03 out.
1998, p. 10. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_11&pesq=%22bancad
a%20evang%C3%A9lica%22&pasta=ano%20199&pagfis=247545>. Acesso em: 10
maio 2021.
MENDONÇA, Ana. 'Todo jornalista deveria ter João 8:32 carimbado na testa', afirma
Bolsonaro. Estado de Minas, Belo Horizonte, 20 fev. 2020. Disponível em:
707

<https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/02/20/interna_politica,1123332/todo
-jornalista-deveria-ter-joao-8-32-carimbado-na-testa-afirma-bol.shtml>. Acesso em: 13
maio 2021.
NOEL. Francisco Luiz. Guerra Santa pela Prefeitura. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
19 mar. 2000, p. 2. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_12&pesq=bancada%2
0evang%C3%A9lica&pasta=ano%20200&pagfis=5664>. Acesso em: 29 maio 2021.
OLIVEIRA, Ana Cristina. Ex-deputado Reginaldo Germano é preso por receptação de
carro clonado. A Tarde, Salvador, 24 jul. 2008. Disponível em:
<https://atarde.uol.com.br/politica/noticias/1120544-ex-deputado--reginaldo-germano-
e-preso-por-receptacao-de-carro-clonado>. Acesso em: 19 maio 2021.
PETER, Josh. Televangelist Pat Robertson predicts Trump win, then chaos, then the end
of the world. USA TODAY. 20 jun. 2019. Disponível em:
<https://www.usatoday.com/story/news/2020/10/20/televangelist-pat-robertson-
predicts-trump-win-end-world/5996435002/>. Acesso em: 14 nov. 2020.
QUEM é quem e como devem votar os 49. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 09
set. 1992, p. 3. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154083_05&Pesq=%22bancad
a%20evang%c3%a9lica%22&pagfis=15172>. Acesso em: 11 maio 2021.
QUESTÃO de fé. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 22 e 23 jun. 2002, p. 2.
Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154083_06&pesq=%22bancad
a%20evang%C3%A9lica%22&pasta=ano%20200&pagfis=14730>. Acesso em: 11 maio
20201.
RAINER, Thom S. The 15 Largest Protestant Denominations in the United States. The
Christian Post, Washington, 27 mar. 2013. Disponível em:
<https://www.christianpost.com/news/the-15-largest-protestant-denominations-in-the-
united-states.html>. Acesso em: 21 dez. 2019.
RAMOS, Mônica. Fanini sonha com o Planalto. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 08
jan. 1996, p. 3. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_11&pesq=%22bancad
a%20evang%C3%A9lica%22&pasta=ano%20199&pagfis=159159>. Acesso em: 28
maio 2021.
708

RELIGIOSO já tem o seu banco. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 05 jun. 1992, p.
5. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154083_05&Pesq=%22bancad
a%20evang%c3%a9lica%22&pagfis=13698>. Acesso em: 11 maio 2021.
REYNOLDS, Maura. Bush says U.S. must spread democracy. The Baltimore Sun,
Baltimore, 07 nov. 2003. Disponível em: <https://www.baltimoresun.com/news/bal-
te.bush07nov07-story.html>. Acesso em: 22 nov. 2020.
SERRA Consegue Apoio Oficial da Assembleia de Deus. Jornal do Commercio, Rio de
Janeiro, 11 out. 2002, p. A-9. Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=364568_19&pesq=%22As%20
propostas%20de%20Serra%20t%C3%AAm%20mais%20compatibilidade%22&pasta=a
no%20200&pagfis=41864>. Acesso em: 29 maio 2021.

Páginas da internet
1950 – 1959. CRU, [s.d.]. Disponível em: <https://www.cru.org/us/en/about/what-we-
do/milestones.1.html>. Acesso em: 28 nov. 2020.

1980 - 1989. CRU, [s.d.]. Disponível em: <https://www.cru.org/us/en/about/what-we-


do/milestones.4.html>. Acesso em: 28 nov. 2020.

1990 – 1999. CRU, [s.d.]. Disponível em: <https://www.cru.org/us/en/about/what-we-


do/milestones.5.html>. Acesso em: 28 nov. 2020.

1995: A maior greve dos petroleiros. FUP – Federação Única dos Petroleiros, 2019.
Disponível em: <https://www.fup.org.br/ultimas-noticias/item/24271-1995-a-maior-
greve-dos-petroleiros>. Acesso em: 22 maio 2021.

2018 Report on International Religious Freedom: Honduras. U. S. Department of State,


[2018?]. Disponível em: <https://www.state.gov/reports/2018-report-on-international-
religious-freedom/honduras/>. Acesso em: 09 out. 2020.

2019 Annual Report. BNY Mellon, [2019?]. Disponível em:


<https://www.bnymellon.com/us/en/investor-relations/annual-report-2019.html>.
Acesso em: 17 nov. 2020.

A Compelling Investment. DOW, [s.d.]. Disponível em:


<https://investors.dow.com/en/investors/default.aspx>. Acesso em: 18 nov. 2020.
709

A Global Leader in Specialty Chemicals and Materials. Grace, [s.d.]. Disponível em:
<https://grace.com/en-us/Pages/About-Grace.aspx>. Acesso em: 16 nov. 2020.

ABOUT. Ethnos360, [s.d.] . Disponível em: <https://ethnos360.org/abou>. Acesso em:


01 nov. 2020.

ABOUT. The Institute of Religion and Democracy, [s.d.]. Disponível em


<https://theird.org/about/>. Acesso em: 29 nov. 2020.

ABOUT. The Trilateral Commission, [s.d.]. Disponível em:


<https://trilateral.org/page/2/about>. Acesso em: 24 nov. 2020.
ABOUT Catholic Charismatic Renewal. Catholic Charismatic Renewal National
Service Comitee, [s.d.]. Disponível em: <https://www.nsc-chariscenter.org/about-ccr/>.
Acesso em: 23 jun. 2021.
ABOUT CED. CED – Comitee for Economic Development, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.ced.org/about>. Acesso em: 24 nov. 2020.
ABOUT Heritage. The Heritage Foundation, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.heritage.org/about-heritage/mission>. Acesso em: 15 nov. 2020.
ABOUT Pioneers. Pioneers, [s.d.]. Disponível em: <https://pioneers.org/pioneers>.
Acesso em: 01 nov. 2020.

ABOUT Us. The Christian Century, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.christiancentury.org/about>. Acesso em: 17 nov. 2020.

AGNALDO Muniz. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/74358/biografia>. Acesso em: 19 maio 2021.
ALMEIDA de Jesus. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74451/biografia>. Acesso em: 19 maio 2021.

AMERICAS Facilities. Goodyear, [s.d.]. Disponível em


<https://corporate.goodyear.com/en-US/about/global/americas.html>. Acesso em: 18
nov. de 2020.

ANTONIO Cruz. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/73817/biografia>. Acesso em: 20 maio 2021.
ANUAL Reports. ExxonMobil, [2020?]. Disponível em
<https://corporate.exxonmobil.com/Investors/Annual-Report>. Acesso em: 18 nov.
2020.
710

ANYWHERE Is Possible. General Tire, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.generaltire-tyres.com/car/the-brand>. Acesso em: 19 nov. 2020.

BELIEFS. The Foursquare Church, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.foursquare.org/about/beliefs/>. Acesso em: 09 out. 2020.
BENEDITO Domingos. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/73656/biografia>. Acesso em: 13 maio 2021.
BILL Bright. CRU, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.cru.org/us/en/about/billbright/profile.html>. Acesso em: 23 jun. 2021
BIOGRAPHY. The Official Site of Pat Robertson, [s.d.]. Disponível em:
<http://patrobertson.com/Biography/index.asp>. Acesso em: 14 nov. 2020.
BRIDGING the Generation Gap. Raytheon Technologies, 2019. Disponível em:
<https://www.raytheon.com/uae/news/feature/generation-gap>. Acesso em: 21 nov.
2020.
CABO Júlio. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74577/biografia>. Acesso em: 19 maio 2021.
CADEIRA 40. Academia Evangélica de Letras do Brasil – AELB, [s.d.]. Disponível
em: <https://www.aelb.org/cadeira40>. Acesso em: 10 maio 2021.
CARLOS Apolinário. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/73438/biografia>. Acesso em: 17 maio 2021.

CARLOS Nader. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/73825/biografia>. Acesso em: 20 maio 2021.

CARLOS Rodrigues. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/74676/biografia>. Acesso em: 19 maio 2021.
CATÁLOGO. IBGE, [s.d.]. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-
catalogo?view=detalhes&id=720>. Acesso em: 21 fev. 2021.
CELEBRATING 40 Years of God’s Faithfulness. Pioneers, [s.d.]. Disponível em:
<https://pioneers.org/annual-report-2019>. Acesso em: 01 nov. 2020.
CONHEÇA um pouco sobre nós. SEPAL Servindo aos Pastores e Líderes, [s.d.].
Disponível em: <https://sepal.org.br/quem-somos/>. Acesso em: 01 nov. 2020.

CPI dos Sanguessugas divulga lista com 57 parlamentares investigados por fraudes.
JUSBRASIL, 2006. Disponível em: <https://expresso-
711

noticia.jusbrasil.com.br/noticias/5781/cpi-dos-sanguessugas-divulga-lista-com-57-
parlamentares-investigados-por-fraudes>. Acesso em: 31 ago. 2021.

DE Velasco. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/73554/biografia>. Acesso em: 18 maio 2021.

DENOMINACIONALISMO. Antonio Carlos (AC) Fazendo Arte na Vida Cristã,


[s.d.]. Disponível em: <http://www.antoniocarlos.org/v1/denominacionalismo/>. Acesso
em: 01 dez. 2019.
EBER Silva. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74682/biografia>. Acesso em: 20 maio 2021.

ELIAS Abrahão. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/73769/biografia>. Acesso em: 18 maio 2021.
EMPRESÁRIOS abordam os benefícios de contratação de mão de obra prisional.
Superintendência dos Serviços Penitenciários, 2018. Disponível em:
<http://www.susepe.rs.gov.br/conteudo.php?cod_menu=4&cod_conteudo=4200>.
Acesso em: 03 abr. 2021.
ESTATÍSTICAS do Séc. XX. populacionais, sociais, políticas e culturais. Religião.
População presente recenseada, segundo o estado conjugal, religião, nacionalidade e
alfabetização — 1872-1970. IBGE, [s.d.]. Disponível em:
<https://seculoxx.ibge.gov.br/images/seculoxx/arquivos_download/populacao/1977/pop
ulacao1977aeb_002.xls>. Acesso em: 16 fev. 2021.

EULER Morais. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/74807/biografia>. Acesso em: 20 maio 2021.

FACT Sheet. Raytheon Technologies, [s.d]. Disponível em: <https://www.rtx.com/Our-


Company/What-we-do>. Acesso em: 19 nov. 2020.
FRANCISCO Silva. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74845/biografia>. Acesso em: 13 maio 2021.
FRENTE Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional. Câmara dos Deputados,
2015. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=53658>. Acesso
em: 12 maio 2021.
712

FINANCIAL Reports. Goodyear, [s.d.]. Disponível em


<https://corporate.goodyear.com/en-US/investors/financial-reports.html>. Acesso em:
18 nov. 2020.
FRANK Shakespeare. The Heritage Foundation, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.heritage.org/staff/the-hon-frank-shakespeare>. Acesso em: 19 nov. 2020.
FREQUENTLY Asked Questions. The Gideons International, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.gideons.org/faq>. Acesso em: 10 maio 2021.
FREQUENTLY Asked Questions and Answers. GE, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.ge.com/faq>. Acesso em: 16 nov. 2020.

FROM Humble Beginnings to Global Success. Olin Corporation, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.olin.com/about-olin/>. Acesso em: 17 nov. 2020.
FUNDAÇÃO da Igreja. Portal da Igreja do Evangelho Quadrangular, [s.d].
Disponível em: <http://portalbr4.com.br/materias/5>. Acesso em: 09 out. 2020.

GERSON Gabrielli. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/74567/biografia>. Acesso em: 20 maio 2021.

GILBERT A. Robinson. Council of American Ambassadors, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.americanambassadors.org/members/gilbert-a-robinson>. Acesso em: 01
out. 2020.
HERCULANO Anghinetti. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74660/biografia>. Acesso em: 18 maio 2021.
HISTÓRIA da CGADB. Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, [s.d.].
Disponível em: <http://cgadb.org.br/quem-somos/>. Acesso em 20 nov. 2021.
HISTÓRICO da RCC. Renovação Carismática Católica Brasil, 2011. Disponível em:
<https://rccbrasil.org.br/institucional/historico-da-rcc.html>. Acesso em: 09 mar. 2021.
HISTORY. FCA Fiat Chrysler Automobiles, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.fcagroup.com/en-US/group/history/Pages/default.aspx>. Acesso em: 18
nov. 2020.
HISTORY. Goodyear, [s.d.]. Disponível em <https://corporate.goodyear.com/en-
US/about/history.html#>. Acesso em: 18 nov. 2020.
HISTORY ...the origins of the Catholic Biblical Federation. Catholic Bible Federation,
[2019?]. Disponível em: <https://c-b-f.org/en/Who-we-are/History>. Acesso em: 27 ago.
2019.
713

HOME. Pioneers, [s.d.]. Disponível em: <https://pioneers.org/#/>. Acesso em: 01 nov.


2020.

JOÃO Caldas. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/74559/biografia>. Acesso em: 20 maio 2021.

JOÃO Iensen. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/73774/biografia>. Acesso em: 17 maio 2021.
JOÃO Vitor Oliveira. Faculdade Teológica Sul Americana. Londrina, 2019. Disponível
em: <https://ftsa.edu.br/index.php/estudantes-em-destaque/613-joao-vitor-oliveira-da-
silva>. Acesso em 19 nov. 2021.
JOHNSON, A. Ross. History. Radio Free Europe, 2008. Disponível em
<https://pressroom.rferl.org/history>. Acesso em: 09 mar. de 2020.

JORGE Pinheiro. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/73569/biografia>. Acesso em: 19 maio 2021.
JOSÉ Aleksandro. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/73587/biografia>. Acesso em: 20 maio 2021.
JOSÉ Carlos Lacerda. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74852/biografia>. Acesso em: 18 maio 2021.

JOSUÉ Bengston. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/74351/biografia>. Acesso em: 20 maio 2021.
LAMARTINE Posella. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74134/biografia>. Acesso em: 18 maio 2021.

LAPROVITA Vieira. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/74855/biografia>. Acesso em: 13 maio 2021.

LÍDIA Quinan. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/73667/biografia>. Acesso em: 19 maio 2021.

LINCOLN Portela. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/74585/biografia>. Acesso em: 20 maio 2021.

LINGUISTIC Research in Sabah by the Summer Institute of Linguistics. SIL


International, [s.d.]. Disponível em: <https://www.sil.org/resources/archives/36737>.
Acesso em: 23 out. 2020.
714

LITERACY & Education: Quechua Riddles and Reading. SIL International, 2013.
Disponível em: <https://www.sil.org/story/quechua-riddles-and-reading>. Acesso em: 22
out. 2020.

MAGNO Malta. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/74672/biografia>. Acesso em: 29 maio 2021.

MANFRED Grellert: “O passo mais importante da Visão Mundial foi o ‘fazer com’ em
vez de ‘fazer para’, aumentando o protagonismo da comunidade”. Visão Mundial, 2020.
Disponível em: <https://visaomundial.org.br/historias/manfred-grellert-o-passo-mais-
importante-da-visao-mundial-foi-o-fazer-com-em-vez-de-fazer-para-aumentando-o-
protagonismo-da-comunidade>. Acesso em: 15 jun. 2021.

MARCOS de Jesus. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/74479/biografia>. Acesso em: 19 maio 2021.
MEET Our Leaders. The Foursquare Church, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.foursquare.org/about/leadership/>. Acesso em 09 out. 2020.
MEMBERS of the Assemblies of God. Pew Research Center, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.pewforum.org/religious-landscape-study/religious-
denomination/assemblies-of-god/>. Acesso em 22 jun. 2021.
MORONI Torgan. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74457/biografia>. Acesso em: 13 maio 2021.
NEUTON Lima. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74790/biografia>. Acesso em: 20 maio 2021.
NILTON Capixaba. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74359/biografia>. Acesso em: 20 maio 2021.
NOSSA História. Asas de Socorro, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.asasdesocorro.org.br/nossa-historia/>. Acesso em: 15 mar. 2021.
NOSSA História. Centro de Treinamento Missionário Shekinah, [s.d.]. Disponível
em: <https://ctms.org.br/sobre/nossahistoria/>. Acesso em: 21 abr. 2021.

NOSSA História. CRU, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.cru.org/br/pt/about/vision.html>. Acesso em: 14 abr. 2021.
NOSSA História. MEVA - Missão Evangélica da Amazônia, 2018. Disponível em:
<https://www.meva.org.br/historia>. Acesso em: 24 abr. 2021.
715

NOSSA História. Missão Novas Tribos do Brasil, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.novastribosdobrasil.org.br/historia>. Acesso em: 15 mar. 2021.
NOSSAS operações. ExxonMobil, 2020. Disponível em:
<https://corporate.exxonmobil.com/Locations/Brazil/Our-operations-in-Brazil>. Acesso
em: 18 nov. 2020.

NOSSOS Ministérios. Centro de Treinamento Missionário Shekinah, [s.d.].


Disponível em: <https://www.novastribosdobrasil.org.br/ministerios>. Acesso em: 21
abr. 2021.

NOTÍCIAS - Censo 2010: número de católicos cai e aumenta o de evangélicos, espíritas


e sem religião IBGE, 2012. Disponível em: <https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-
censo?id=3&idnoticia=2170&view=noticia>. Acesso em: 13 fev. 2021.

NUNES, Henrique. Há 16 anos, Lula lançava a “Carta ao Povo Brasileiro”. Partido dos
Trabalhadores, 2018. Disponível em: <https://pt.org.br/ha-16-anos-lula-lancava-a-
carta-ao-povo-brasileiro/>. Acesso em: 30 maio 2021.

O que é o Rhema? Ministério Verbo da Vida, [s.d.]. Disponível em:


<https://verbodavida.org.br/rhema/o-que-e-o-rhema/>. Acesso em: 19 nov. 2021.
OLIVEIRA Filho. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/73464/biografia>. Acesso em: 19 maio 2021.
OTTO Maduro. Drew University, 2007. Disponível em:
<https://users.drew.edu/omaduro/>. Acesso em 27 out. 2021.
OUR Focus. The Nathan Cummings Foundation, [s.d.]. Disponível em
<https://nathancummings.org/our-focus/>. Acesso em: 29 out. 2020.
OUR History. ExxonMobil, 2021. Disponível em:
<https://corporate.exxonmobil.com/Company/Who-we-are/Our-history>. Acesso em: 22
nov. 2021.
OUR History. Mission Without Borders, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.mwbi.org/about-us/our-history>. Acesso em: 30 mar. 2021.
OUR History. NAE – National Association of Evangelicals. [s.d.]. Disponível em:
<https://www.nae.net/about-nae/history/>. Acesso em: 10 out. 2020.
OUR History. World Vision, [s.d.]. Disponível em: <https://www.wvi.org/our-history>.
Acesso em: 01 nov. 2020.
716

OUR Promise - Going further. World Vision, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.wvi.org/our-promise>. Acesso em: 01 nov. 2020.
PASTOR Amarildo. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74444/biografia>. Acesso em: 20 maio 2021.
PAULO Bauer. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/73882/biografia>. Acesso em: 19 maio 2021.
PAULO Gouvêa. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/73485/biografia>. Acesso em: 19 maio 2021.
PAVEL Nicolescu – mesaj despre suferință la BCB „Nădejdea” București (2009). Istorie
Evanghelica, 2014. Disponível em: <https://istorieevanghelica.ro/2014/07/25/pavel-
nicolescu-mesaj-despre-suferinta-la-bcb-nadejdea-bucuresti-2009/>. Acesso em: 13 mar.
2020.
PONTIFÍCIA Comissão Bíblica. A Santa Sé, [2014?]. Disponível em:
<http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfait
h_pro_14071997_pcbible_po.html>. Acesso em: 27 ago. 2019.
PROYECTOS subvencionados por Adveniat. Adveniat, [2019?]. Disponível em:
<http://www.adveniat.org/hacerunasolicitud/proyectos-subvencionados-por-
adveniat.html>. Acesso em: 27 ago. 2019.
QUICKFACTS. United States Census Bureau, [2019?]. Disponível em:
<https://www.census.gov/quickfacts/fact/table/US/PST045219>. Acesso em: 23 jun.
2021.
QUEM Somos. ADIAL Brasil, [s.d.]. Disponível em: <https://adialbrasil.org.br/adial-
brasil/#missaovisaovalores>. Acesso em: 18 maio 2021.
QUEM Somos. Folha do Brasil, [s.d.]. Disponível em:
<https://folhadobrasil.com.br/pagina-exemplo/>. Acesso em: 25 mar. 2021.
QUEM Somos. Ministério Verbo da Vida, [s.d.]. Disponível em:
<https://verbodavida.org.br/ministerio/>. Acesso em: 19 nov. 2021.
RAIMUNDO Santos. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74084/biografia>. Acesso em: 17 maio 2021.
RECORDS of the Foreign Broadcast Intelligence Service. National Archives and
Records Administration – NARA, 2016. Disponível em:
<https://www.archives.gov/research/guide-fed-records/groups/262.html>. Acesso em:
27 out. 2020.
717

REGINALDO Germano. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/deputados/73574/biografia>. Acesso em: 19 maio 2021.
REGULATIONS. NFIB, [s.d]. Disponível em:
<https://www.nfib.com/advocacy/regulations/>. Acesso em: 19 out. 2020.
RELIGIÓN en América Latina: Cambio Generalizado en una región históricamente
católica. Pew Research Center, 2014. Disponível em: <https://www.pewresearch.org/wp-
content/uploads/sites/7/2014/11/PEW-RESEARCH-CENTER-Religion-in-Latin-
America-Overview-SPANISH-TRANSLATION-for-publication-11-13.pdf>. Acesso
em: 05 out. 2020.
RELIGIOUS Freedom Report 2016. Ajuda à Igreja que Sofre, [2016?]. Disponível em:
<http://2016.religious-freedom-report.org/ptb/report/saudi-arabia/>. Acesso em: 06 fev.
2020.
RELIGIOUS Landscape Study. Pew Research Center, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.pewforum.org/religious-landscape-study/>. Acesso em: 22 jun. 2021.

RELIGIOUS Landscape Study - Catholics. Pew Research Center, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.pewforum.org/religious-landscape-study/religious-tradition/catholic/>.
Acesso em: 22 jun. 2021.

RELIGIOUS Landscape Study - Members of the Southern Baptist Convention. Pew


Research Center [s.d.]. Disponível em: <https://www.pewforum.org/religious-
landscape-study/religious-denomination/southern-baptist-convention/>. Acesso em: 22
jun. 2021.

REPORTS, Filings & Presentations. United States Steel Corporation, [s.d.]. Disponível
em: <https://www.ussteel.com/investors/reports-filings>. Acesso em: 20 nov. 2020.

RESOLUTION On Appreciation For Porter Wroe Routh. SBC, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.sbc.net/resource-library/resolutions/resolution-on-appreciation-for-porter-
wroe-routh/>. Acesso em: 14 nov. 2020.
ROMANIA - Population: Demographic Situation, Languages and Religions. European
Comission, 2019. Disponível em: <https://eacea.ec.europa.eu/national-
policies/eurydice/content/population-demographic-situation-languages-and-religions-
64_en>. Acesso em: 09 mar. 2020.

SENATE Select Committee to Study Governmental Operations with Respect to


Intelligence Activities. United States Senate, [s.d.]. Disponível em:
718

<https://www.senate.gov/about/powers-procedures/investigations/church-
committee.htm#Origins>. Acesso em: 08 dez. 2020.
SILAS Brasileiro. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74765/biografia>. Acesso em: 17 maio 2021.
SILAS Câmara. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74356/biografia>. Acesso em: 19 maio 2021.
SOBRE a Unigrejas. Unigrejas, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.unigrejas.com/pg/3/sobre-o-unigrejas.html>. Acesso em: 01 dez. 2019.
SOBRE nós. Ajuda à Igreja que Sofre, [2016?]. Disponível em: <http://2016.religious-
freedom-report.org/pt/sobre-nos/>. Acesso em: 08 dez. 2020.
TABELA 137 - População residente, por religião. IBGE, [2010?]. Disponível em:
<https://sidra.ibge.gov.br/tabela/137>. Acesso em: 19 mar. 2021.
TABELA 2103 - População residente, por situação do domicílio, sexo, grupos de idade e
religião - Município = Pindamonhangaba –SP. IBGE, [2010?]. Disponível em
<https://archive.is/qz9e7>. Acesso em: 13 fev. 20201.
THE Evangelical Era: 1947-1974. The Alliance, [s.d.]. Disponível em:
<https://cmalliance.org/about/history/evangelical>. Acesso em: 27 out. 2020.
THE U.S. Department of State: Structure and Organization. U.S. Department of State,
1995. Disponível em: <https://1997-2001.state.gov/about_state/dosstruc.html>. Acesso
em: 18 set. 2020.
THE WikiLeaks Public Library of US Diplomacy. WikiLeaks, [2013?]. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/about/>. Acesso em: 08 nov. 2020.
THEN & Now. The Alliance, [s.d.]. Disponível em:
<https://cmalliance.org/about/history/>. Acesso em: 27 out. 2020.
OBERG, Ruthie Edgerly. This Week in AG History -- Jan. 20, 1940. Assemblies of God,
2018. Disponível em: <https://news.ag.org/en/Features/This-Week-in-AG-History-Jan-
20-1940>. Acesso em: 22 set. 2020.
ORGANIZATIONS Controlled By And/Or Associated With Moon. Cult Education
Institute, [s.d.]. Trenton, New Jersey. Disponível em:
<https://culteducation.com/unif121.html>. Acesso em: 30 set. 2020.
VALDECI Paiva. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74691/biografia>. Acesso em: 19 maio 2021.
719

VISUALIZING Our History. DOW, [s.d]. Disponível em:


<https://corporate.dow.com/en-us/about/company/history/timeline.html>. Acesso em: 18
nov. 2020.
WAGNER Salustiano. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/73643/biografia>. Acesso em: 18 maio 2021.
WANDERVAL Santos. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/74702/biografia>. acesso em: 19 maio 2021.
WERNER Wanderer. Portal da Câmara dos Deputados, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/deputados/73792/biografia>. Acesso em: 13 maio 2021.

WHAT We Believe. Assemblies of God Theological Seminary, [s.d.]. Disponível em:


<https://agts.edu/about/who-we-are/what-we-believe/>. Acesso em: 20 nov. 2021.
WHAT We Do. CRU, [s.d.]. Disponível em: <https://www.cru.org/us/en/about/what-we-
do.html>. Acesso em: 28 nov. 2020.

WHAT We Do. Raytheon Technologies, [s.d.]. Disponível em:


<https://www.rtx.com/Our-Company/What-we-do>. Acesso em: 19 nov. 2020.

Revistas
ALBANO, Fernando. Dualismo corpo/alma na teologia pentecostal. Protestantismo em
Revista - Revista Eletrônica do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Protestantismo da Escola
Superior de Teologia, São Leopoldo (RS), V. 25, p.108-116, 2011. Disponível em:
<http://periodicos.est.edu.br/index.php/nepp/article/view/163/200>. Acesso em: 29 ago.
2019.
ALENCAR, Gedeon Freire de. A Teologia da Prosperidade e o neoliberalismo são
irmãos siameses. [Entrevista concedida a Graziela Wolfart]. IHU ON-LINE - Revista do
Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo (RS), Edição 329, p. 15-17, maio 2019.
Disponível em: <http://www.ihuonline.unisinos.br/edicao/329>. Acesso em: 08 out.
2019.
ALMEIDA, Fábio Py Murta de; PEDLOWSKI, Marcos Antonio. Atuação de Religiosos
Luteranos nos Movimentos Sociais Rurais no Brasil (1975-1985). Tempo, Niterói, vol.
24, n. 2, p. 233 – 252, maio/ago. 2018.
CAMPOS, Leonildo Silveira. As Origens Norte-americanas do Pentecostalismo
Brasileiro: observações sobre uma relação ainda pouco avaliada. Revista USP, São Paulo,
n. 67, p. 100-115, set./nov. 2005.
720

CUNHA, Magali do Nascimento. “Quero Trazer à Memória o que me Traz Esperança”.


Movimento Ecumênico: Avaliação e Perspectivas. Numen: revista de estudos e pesquisa
da religião, Juiz de Fora, v. 13, n. 1 e 2, p. 103-135, 2011.
FERREIRA, Fabio Alves. O Teoricamente Produzido e o Empiricamente Recorrente:
hipóteses, experiências e sugestões sobre a população pentecostal (sem-terra). Revista de
Teologia e Ciências da Religião da Universidade Católica de Pernambuco, Recife, V. 6,
n. 1, p. 217-243, jan./jun. 2016.
FRESTON, Paul. Os trabalhadores e os evangélicos. Teoria & Debate, São Paulo, edição
25, jun. 1994. Disponível em <https://teoriaedebate.org.br/1994/06/01/os-trabalhadores-
e-os-evangelicos/>. Acesso em: 09 out. 2019.
HERVIEU-LÉGER, Daniele. Les Fundamentalistes américaines em politique. Lumiere
et Vie, Lyon, tomo 37, n. 186, p. 19-30, mar. 1988. Disponível em: <http://lumiere-et-
vie.fr/n186-le-courant-fondamentaliste-chretien/#>. Acesso em: 03 set. 2019.
LÖWY, Michael. Marx e Engels como Sociólogos da Religião. Lua Nova, São Paulo, n.
43, p. 157-170, 1998.
______. Teologia da Libertação: Leonardo Boff e Frei Betto. Pravda.ru, 2008. Disponível
em <http://port.pravda.ru/sociedade/cultura/27-10-2008/25022-teologialibertacao-0/>.
Acesso em: 08 out. 2019.
MARQUES, Marília Bernardes; POSSAS, Cristina de Albuquerque. A reforma da saúde
de Clinton: lições para o Brasil? Revista Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v.19, n. 44, p.
44-47, set. 1994.
MATOS, Alderi Souza. O Movimento Pentecostal: reflexões a propósito do seu primeiro
centenário. Fides Reformata, São Paulo, v. 11, n. 2, p. 23-50, 2006. Disponível em:
<https://cpaj.mackenzie.br/wp-content/uploads/2018/11/2-O-movimento-pentecostal-
reflex%C3%B5es-a-prop%C3%B3sito-do-seu-primeiro-centen%C3%A1rio-Alderi-
Souza-de-Matos.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2019.
______. Pentecostalismo: traços históricos. [Entrevista concedida a Graziela Wolfart].
IHU ON-LINE - Revista do Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo (RS), Edição
329, p. 8-11, maio 2019. Disponível em:
<http://www.ihuonline.unisinos.br/edicao/329>. Acesso em: 12 set. 2019.
MATTOS, Marco Aurélio Vanucchi Leme de. Contra as reformas e o comunismo: a
atuação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no governo Goulart. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v. 25, n. 49, jan./jun. 2012. Disponível em:
721

<https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-
21862012000100010&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em: 28 nov. 2020.
MESQUITA, Wania. Os pentecostais e a vida em favela no Rio de Janeiro - A batalha
espiritual na ordem violenta na periferia de Campos dos Goytacazes. Estudos de
Religião, São Paulo, v. 23, n. 37, p. 89-103, jul./dez. 2009.
MOURA, Mauro Castelo Branco. Marx e a crítica da religião. Verinotio – Revista on-
line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 24, n. 2, p. 115-127, nov. 2018.
Disponível em:
<http://www.verinotio.org/sistema/index.php/verinotio/article/view/361>. Acesso em:
12 set. 2019.
NOVAES, Regina Reyes. A Divina Política - notas sobre as relações delicadas entre
religião e política. Revista USP, São Paulo, n. 49, p. 60-81, mar./maio 2001.
PASSOS, Mauro; ROCHA, Daniel. Em tempos de pós-pentecostalismo: repensando a
contribuição de Paulo Siepierski para o estudo do pentecostalismo brasileiro. Revista
Angelus Novus, São Paulo, Ano III, n. 3, p. 261-290, jul. 2012. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/ran/article/view/98999>. Acesso em: 11 set. 2019.
ROCHA, Daniel. “Ganhando o Brasil para Jesus”: alguns apontamentos sobre a
influência do movimento fundamentalista norte-americano sobre as práticas políticas do
pentecostalismo brasileiro. Horizonte - Revista de Estudos de Teologia e Ciências da
Religião, Belo Horizonte, v. 9, n. 22, p. 583-604, jul./set. 2011.
________. Da “minoria silenciosa” à Maioria Moral: Transformações nas relações entre
religião e política no fundamentalismo norte-americano na década de 1970. Religião e
Sociedade, Rio de Janeiro, v. 40, n. 1, p. 91-113, 2020.
SANTA Fé Confidencial. Cadernos do Terceiro Mundo, n. 38, p. 22-30, nov. 1981.
SANTOS, Eduardo Heleno de J. Outro Olhar Sobre as Forças Armadas: os grupos de
pressão política formados por militares da reserva. Em Debate, Belo Horizonte, v. 10, n.
1, p. 39-45, abr. 2018. Disponível em:
<http://opiniaopublica.ufmg.br/site/files/artigo/8Outro-olhar-sobre-as-forcas-armadas-
os-grupos-de-pressao-politica-formados-por-militares-da-reserva-Dossie.pdf>. Acesso
em: 28 mar. 2021.
SAVIANI, Demerval. O legado educacional do regime militar. Cadernos CEDES,
Campinas, v. 28, n. 76, set./dez. 2008. Disponível em:
<https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
32622008000300002>. Acesso em: 28 nov. 2020.
722

SILVA, Elizete da Protestantismo e Questões sociais. Sitientibus - Revista da


Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, n. 14, p. 129-142, 1996.
______. Protestantes no Brasil: entre a omissão e o engajamento político. Esboços
(UFSC), Florianópolis, v. 24, p. 126-148, 2017.
USARKI, Frank. Interações entre ciência e religião. Revista Espaço Acadêmico,
Maringá, ano II, n. 17, out. 2002. Disponível em:
<https://web.archive.org/web/20150610074616/http://espacoacademico.com.br/017/17c
usarski.htm>. Acesso em: 29 ago. 2019.

Outros periódicos
DIAP – INFORMATIVO MENSAL. N. 11, nov. 1990. Disponível em:
<https://www.diap.org.br/index.php/publicacoes/send/13-radiografia-do-novo-
congresso/408-radiografia-do-novo-congresso-legislatura-1991-1995>. Acesso em: 27
maio 2021.
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Ano LI, n. 130, 18 de julho de 1996.
Disponível em:
<http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD18JUL1996.pdf#page=>. Acesso em:
24 maio 2021.
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Ano LII, n. 211, 20 de novembro de 1997.
Disponível em:
<http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD20NOV1997.pdf#page=>. Acesso
em: 23 maio 2021.

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Ano LIV, n. 089, 20 de maio de 1999.


Disponível em:
<http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD20MAI1999.pdf#page=>. Acesso
em: 25 maio 2021.
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Ano LVII, n. 007, 27 de fevereiro de 2002.
Disponível em:
<http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD27FEV2002.pdf#page=>. Acesso
em: 24 maio 2021.
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. Ano LVII, n. 082, 19 de junho de 2002.
Disponível em:
723

<http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD19JUN2002.pdf#page=>. Acesso em:


29 maio 2021.
DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Ano L, n. 85. 24 de maio de 1995. Disponível
em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD24MAI1995.pdf#page=>.
Acesso em 22 maio 2021.
DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Ano L, n. 91, 01 de junho de 1995. Disponível
em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD01JUN1995.pdf#page=>. Acesso
em: 22 maio 2021.
DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Ano L, n. 94, 07 de junho de 1995. Disponível
em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD07JUN1995.pdf#page=>. Acesso
em: 22 maio 2021.
DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Ano L, n. 103, 21 de junho de 1995.
Disponível em:
<http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD21JUN1995.pdf#page=>. Acesso em:
23 maio 2021.
DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Ano XLV, n. 25, 12 de abril de 1990. p. 51-
52. Disponível em:
<https://imagem.camara.leg.br/dc_20b.asp?selCodColecaoCsv=J&Datain=12/4/1990#/
>. Acesso em: 14 maio 2021.

Teses e dissertações
ALMEIDA, Adroaldo José Silva. “Pelo Senhor, marchamos”: os evangélicos e a
ditadura militar no Brasil (1964-1985). Tese (Doutorado em História). Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 2016.
ALMEIDA. Fábio Py Murta de. Lauro Bretones, um protestante heterodoxo no Brasil de
1948 a 1956. Tese (Doutorado em Teologia). PUC-RIO, Rio de Janeiro, 2016.
BAPTISTA, Saulo de Tarso Cerqueira. “Fora do mundo”- dentro da política: identidade
e “missão parlamentar” da Assembléia de Deus em Belém. Dissertação (Mestrado em
Sociologia). UFPA, Belém, 2002.
CASIMIRO, Flávio Henrique Calheiros. A Nova Direita no Brasil: aparelhos de ação
político-ideológica e atualização das estratégias de dominação burguesa (1980 - 2014).
Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2016.
Disponível em: <https://www.historia.uff.br/stricto/td/1905.pdf>. Acesso em: 28 mar.
2021.
724

ENDRUVEIT, Wilson. Pentecostalism in Brazil: a historical and theological study of its


characteristics. Tese de doutorado. Nortwestern University, Evanston, 1975.
FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao impeachment. Tese
(Doutorado em Sociologia). UNICAMP, Campinas, 1993.
SILVA. Victor Augusto Araújo. A religião distrai os pobres? Pentecostalismo e voto
redistributivo no Brasil. Tese (doutorado em Ciência Política). USP, São Paulo, 2019
SILVA, Vicente Gil da. Planejamento e organização da contrarrevolução preventiva no
Brasil: atores e articulações transnacionais (1936-1964). Tese (Doutorado em História).
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
TRABUCO, Zózimo Antônio Passos. “À direita de Deus, à esquerda do povo”:
Protestantismos, esquerdas e minorias em tempos de ditadura e democracia (1974-1994).
Tese (doutorado em História). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de janeiro,
2015.

Verbetes eletrônicos
ALBERTO FELIPE HADDAD FILHO. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro -
DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/alberto-felipe-haddad-
filho>. Acesso em: 12 maio 2021.
ALTOMIRES SOTERO DA CUNHA. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro -
DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/altomires-sotero-da-
cunha>. Acesso em: 06 maio 2021.
ANTONIO DA CONCEICAO COSTA FERREIRA. In: Dicionário Histórico-Biográfico
Brasileiro - DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.].
Disponível em: <http://fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/antonio-da-
conceicao-costa-ferreira>. Acesso em: 06 maio 2021.
ANTONIO DE JESUS DIAS. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB.
Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
- CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
725

<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/antonio-de-jesus-dias>.
Acesso em: 06 maio 2021.
ANTÔNIO DELFIM NETO. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB. Rio
de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil -
CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/antonio-delfim-neto>.
Acesso em: 13 maio 2021.
ANTONIO L. BETANCOURT. In: Prabook, [s.d.]. Disponível em:
<https://prabook.com/web/antonio_l.betancourt.lopez/322693>. Acesso em: 30 set.
2020.
ANTUNES, JOAO DE DEUS. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB.
Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
- CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/antunes-joao-de-deus>.
Acesso em: 06 maio 2021.
BRANQUINHO, Rubem. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB. Rio de
Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil -
CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/rubem-soares-
branquinho>. Acesso em: 06 maio 2021.
CARLOS ALBERTO EUGENIO APOLINARIO. In: Dicionário Histórico-Biográfico
Brasileiro - DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.].
Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/carlos-
alberto-eugenio-apolinario>. Acesso em: 17 maio 2021.
DASO DE OLIVEIRA COIMBRA. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro -
DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/daso-de-oliveira-
coimbra>. Acesso em: 06 maio 2021.
DIAS, Levi. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB. Rio de Janeiro:
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC da
Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
726

<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/dias-levi>. Acesso em:


07 maio 2021.
ENOC ALMEIDA VIEIRA. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB. Rio
de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil -
CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/enoc-almeida-vieira>.
Acesso em: 06 maio 2021.
EUNICE MAFALDA MICHILES. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro -
DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/eunice-mafalda-
michiles>. Acesso em: 06 maio 2021.

FAUSTO AUROMIR LOPES ROCHA. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro -


DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/fausto-auromir-lopes-
rocha>. Acesso em: 06 maio 2021.
GALLOTTI, ANTONIO. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB. Rio de
Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil -
CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/gallotti-antonio>.
Acesso em: 27 nov. 2020.
GERSON SILVA GABRIELLI. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB.
Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
- CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/gabrielli-gerson>. Acesso
em: 20 maio 2021.
GIDEL DANTAS DE QUEIROS. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro -
DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/gidel-dantas-de-
queiros>. Acesso em: 06 maio 2021.
727

IENSEN, MATEUS. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB. Rio de


Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil -
CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/iensen-mateus>.
Acesso em: 06 maio 2021.

JOSE DE OLIVEIRA FERNANDES. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro -


DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/jose-de-oliveira-
fernandes>. Acesso em: 07 maio de 2021.
JOSE VIANA DOS SANTOS. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB.
Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
- CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/jose-viana-dos-
santos>. Acesso em: 06 maio 2021.
KUSSLER, ILDEMAR. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB. Rio de
Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil -
CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/kussler-ildemar>.
Acesso em: 19 maio 2021.
MANUEL MOREIRA DE ARAUJO FILHO. In: Dicionário Histórico-Biográfico
Brasileiro - DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.].
Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
biografico/manuel-moreira-de-araujo-filho>. Acesso em: 06 maio 2021.
MÍLTON JOÃO SOARAS BARBOSA. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro -
DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/milton-joao-soares-
barbosa>. Acesso em: 06 maio 2021.
OLIVEIRA, AROLDE. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB. Rio de
Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil -
CPDOC da Fundação Getúlio Vargas – FGV, [s.d.]. Disponível em:
728

<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/oliveira-arolde>.
Acesso em: 06 maio 2021.
ORLANDO CAMILO PACHECO. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro -
DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/orlando-camilo-
pacheco>. Acesso em: 06 maio 2021.

PALIARIN, JAIME. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB. Rio de


Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil -
CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/paliarin-jaime>.
Acesso em: 06 maio 2021.
PAULO CESAR MARQUES DE VELASCO. In: Dicionário Histórico-Biográfico
Brasileiro - DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.].
Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/paulo-
cesar-marques-de-velasco>. Acesso em: 18 maio 2021.
PIETISMO. In: HISTEDBR Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e
Educação no Brasil”. Campinas: UNICAMP, 2006. Disponível em:
<http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_pietismo.htm> Acesso
em: 24 nov. 2019.
ROBERTO AUGUSTO LOPES. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB.
Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
- CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/roberto-augusto-
lopes>. Acesso em: 06 maio 2021.
ROBERTO VITAL FERREIRA. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB.
Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
- CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/roberto-vital-ferreira>.
Acesso em: 06 maio 2021.
729

ROCKWELL INTERNATIONAL CORPORATION. In: BRITANNICA, [s.d.].


Disponível em: <https://www.britannica.com/topic/Rockwell-International-
Corporation>. Acesso em: 19 nov. 2020.
RODRIGUES, ELIEL. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB. Rio de
Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil -
CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/rodrigues-eliel>. Acesso em:
06 maio 2021.
ROSSI, LINO. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB. Rio de Janeiro:
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC da
Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/rossi-lino>. Acesso em:
20 maio 2021.
SALATIEL SOUSA CARVALHO. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro -
DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/salatiel-sousa-
carvalho>. Acesso em: 06 maio 2021.
SILVER THURSDAY. In: Britannica, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.britannica.com/topic/Silver-Thursday#ref1241472>. Acesso em: 21 nov.
2020.
SOUSA, NAFTALI ALVES DE. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB.
Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
- CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/sousa-naftali-alves-
de>. Acesso em: 06 maio 2021.
TINOCO, Eraldo. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro - DHBB. Rio de Janeiro:
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC da
Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/eraldo-tinoco-melo>.
Acesso em: 06 maio 2021.
UNITED STATES STEEL CORPORATION. In: Britannica, [s.d.]. Disponível em:
<https://www.britannica.com/topic/United-States-Steel-Corporation>. Acesso em: 20
nov. 2020.
730

VAGNER AMARAL SALUSTIANO. In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro -


DHBB. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas - FGV, [s.d.]. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/vagner-amaral-
salustiano>. Acesso em: 18 maio 2021.

FONTES DOCUMENTAIS

Documentos arquivísticos

Arquivo Público do Estado do Espírito Santo


ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DES – Delegacia de
Ordem Política e Social do Espírito Santo. Aroldo Pereira dos Santos. Código de
Referência: BR ESAPEES DES.0.INV, DPES.30.
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DES – Delegacia de
Ordem Política e Social do Espírito Santo. Arquidiocese de Vitória. Código de
Referência: BR ESAPEES DES.0.MR.4.
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DES – Delegacia de
Ordem Política e Social do Espírito Santo. Delegacia de Ordem Política e Social do
Espírito Santo. Código de Referência BBR ESAPEES DES.0.MR.12.
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DES – Delegacia de
Ordem Política e Social do Espírito Santo. Eventos Religiosos. Código de Referência: BR
ESAPEES DES.0.MR.12.

Arquivo Público do Estado de Minas Gerais


ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Delegacia de Ordem Política
e Social. Código de referência BR MGAPM,XX DMG.0.0.1603.

Arquivo Nacional
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional
do Índio. Ações da Funai no sentido de delimitar e demarcar as áreas indígenas :
Betânia, Lago do Beruri, Macarrão, Évare I, Évare II, São Leopoldo, Feijoal, Bom
731

Intento, Santo Antônio, onde viviam os Tikuna. Código de Referência: BR DFANBSB


AA3.0.DTI, DTR.73. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/DTI/DTR/007
3/BR_DFANBSB_AA3_0_DTI_DTR_0073_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional
do Índio. Atuação em área indígena da Missões Novas Tribos do Brasil - MNTB - Volume
II. Código de Referência: BR DFANBSB AA3.0.MRL.14. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/MRL/0014/BR
_DFANBSB_AA3_0_MRL_0014_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional
do Índio. Conselho Indigenista Missionário - CIMI. Código de Referência: BR
DFANBSB AA3.0.MRL.2. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/MRL/0002/BR
_DFANBSB_AA3_0_MRL_0002_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional
do Índio. Encaminhamento de dados, ocorrências nas Delegacias e Postos Indígenas
para ASI em resposta à solicitação ou com objetivo de disseminar informação. Código
de Referência: BR DFANBSB AA3.0.DAI.84. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/DAI/0084/BR
_DFANBSB_AA3_0_DAI_0084_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional
do Índio. Informações relativas às atividades do CIMI, Missão Evangélica da Amazônia,
Missão Anchieta, Instituto Missionário e Linguístico Shekinah e Província Carmelitana
de Santo Elias. Código de Referência: BR DFANBSB AA3.0.DAI.18. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/DAI/0018/BR
_DFANBSB_AA3_0_DAI_0018_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional
do Índio. Missões/Missionários - Volume II. Código de Referência: BR DFANBSB
AA3.0.MRL.20. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/MRL/0020/BR
_DFANBSB_AA3_0_MRL_0020_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional
do Índio. Programa Guarani/MS - Vol. I. Código de Referência: BR DFANBSB
732

AA3.0.DTI, DCI.42. Disponível em:


<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/DTI/DCI/0042
/BR_DFANBSB_AA3_0_DTI_DCI_0042_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021
ARQUIVO NACIONAL. Assessoria de Segurança e Informações da Fundação Nacional
do Índio. Seminário Funai/Missões Religiosas Amazonas e Roraima. Código de
Referência: BR DFANBSB AA3.0.MRL.16. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_AA3/0/MRL/0016/BR
_DFANBSB_AA3_0_MRL_0016_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica.


Informacao N° 83/A-2/III COMAR: Debate na Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
Código de Referência: BR DFANBSB VAZ.0.0.22859. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_VAZ/0/0/22859/BR_
DFANBSB_VAZ_0_0_22859_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. Informe
No 351/A2-IV COMAR: Associação do Espírito Santo para Unificação do Cristianismo
Mundial. Código de Referência: BR DFANBSB VAZ.0.0.12383. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_VAZ/0/0/12383/BR_
DFANBSB_VAZ_0_0_12383_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. Informe
No 734/A-2/IV COMAR: Associação Internacional para Liberdade e Paz. Código de
Referência: BR DFANBSB VAZ.0.0.17734. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_vaz/0/0/17734/br_dfanbsb_
vaz_0_0_17734_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. Resposta
Pedido de Busca N. 174/DIS-COM: Aliança Biblica Universitaria do Brasil. Código de
Referência: BR DFANBSB VAZ.0.0.4543. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_VAZ/0/0/04543/BR_
DFANBSB_VAZ_0_0_04543_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Código de


Referência: BR DFANBSB 1M.0.0.2819. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/2819/BR_DF
ANBSB_1M_0_0_2819_d0005de0032.pdf>. Acesso em: 05 maio 2021.
733

ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Código de


Referência: BR DFANBSB 1M.0.0.3192. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/3192/BR_DF
ANBSB_1M_0_0_3192_d0005de0060.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB 1M.0.0.3464. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/3464/BR_DF
ANBSB_1M_0_0_3464_d0011de0041.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB 1M.0.0.6357. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/6357/BR_DF
ANBSB_1M_0_0_6357_d0009de0018.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Comissão Geral de Investigações. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB 1M.0.0.7185. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_1M/0/0/7185/BR_DF
ANBSB_1M_0_0_7185_d0012de0012.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Conselho de Segurança Nacional. Sem Título. Código de


Referência: BR DFANBSB N8.0.AGR, LGS.270. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_N8/0/AGR/LGS/0270
/BR_DFANBSB_N8_0_AGR_LGS_0270_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Conselho de Segurança Nacional. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB N8.0.PSN, IVT.91. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_n8/0/psn/ivt/0091/br_dfanb
sb_n8_0_psn_ivt_0091_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Delegacia de Polícia Federal em Juiz de Fora (Minas Gerais).


Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB HE.0.IVT.0071. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_he/0/ivt/0071/br_dfanbsb_
he_0_ivt_0071_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.
734

ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia Federal.


Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB ZD.0.0.0015A.0007.d0004.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_zd/br_dfanbsb_zd_0/br_df
anbsb_zd_0_0/br_dfanbsb_zd_0_0_0015a/br_dfanbsb_zd_0_0_0015a_0007/br_dfanbsb
_zd_0_0_0015a_0007_d0004.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia Federal.
Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB ZD.0.0.0041a.0009.d001. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_zd/br_dfanbsb_zd_0/br_df
anbsb_zd_0_0/br_dfanbsb_zd_0_0_0041a/br_dfanbsb_zd_0_0_0041a_0009/br_dfanbsb
_zd_0_0_0041a_0009_d0002.pdf> Acesso em: 30 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça.


Processo DICOM n. 16.618. Código de Referência: BR RJANRIO TT.0.JUS, PRO.343.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_TT/0/JUS/PRO/0343/B
R_RJANRIO_TT_0_JUS_PRO_0343_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das


Relações Exteriores. Dossiê. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES,
PFI.235. Disponível
em:<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/
0235/BR_DFANBSB_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03
mar 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das
Relações Exteriores. Igreja. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.ENI.95.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0095/B
R_DFANBSB_Z4_DPN_ENI_0095_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das
Relações Exteriores. Missionários Aviadores. Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do
Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
735

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/B
R_DFANBSB_Z4_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2021
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das
Relações Exteriores. Missionários Aviadores, Asas do Socorro. Missão Novas Tribos do
Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.ENI.146. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0146/B
R_DFANBSB_Z4_DPN_ENI_0146_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das
Relações Exteriores. República Nacional da China. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.REX.IPS.91. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_z4/rex/ips/0091/br_dfanbsb
_z4_rex_ips_0091_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das
Relações Exteriores. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES,
PFI.235. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/PFI/023
5/BR_DFANBSB_Z4_DPN_PES_PFI_0235_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 mar.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das
Relações Exteriores. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES,
PFI.237. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_z4/dpn/pes/pfi/0237/br_dfa
nbsb_z4_dpn_pes_pfi_0237_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das
Relações Exteriores. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.REX.IBR.2.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/REX/IBR/0002/B
R_DFANBSB_Z4_REX_IBR_0002_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das
Relações Exteriores. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB Z4.DPN.PES,
VIS.289. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/PES/VIS/028
9/BR_DFANBSB_Z4_DPN_PES_VIS_0289_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 abr.
2021.
736

ARQUIVO NACIONAL. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das


Relações Exteriores. Summer Institute of Linguistics. Código de Referência: BR
DFANBSB Z4.DPN.ENI.210. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_Z4/DPN/ENI/0210/B
R_DFANBSB_Z4_DPN_ENI_0210_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. IV Simpósio de Estudos


Estratégicos - Meio ambiente. Código de Referência: BR DFANBSB 2M.0.0.70, v.6.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0070_v_06/B
R_DFANBSB_2M_0_0_0070_v_06_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Ministério do Exército.
Código de Referência: BR DFANBSB 2M.0.0.44, v.1. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0044_v_01/B
R_DFANBSB_2M_0_0_0044_v_01_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB 2M.0.0.155, v.3. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0155_v_03/B
R_DFANBSB_2M_0_0_0155_v_03_d0006de0014.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB 2M.0.0.273, v.1. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0273_v_01/B
R_DFANBSB_2M_0_0_0273_v_01_d0002de0063.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de
Referência BR DFANBSB 2M.0.0.303,v.4 d0001de0001. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_2m/0/0/0303_v_04/br_dfan
bsb_2m_0_0_0303_v_04_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB 2M.0.0.340, v.2. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0340_v_02/B
R_DFANBSB_2M_0_0_0340_v_02_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB 2M.0.0.349, v.4. Disponível em:
737

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0349_v_04/B
R_DFANBSB_2M_0_0_0349_v_04_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Estado-Maior das Forças Armadas. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB 2M.0.0.474, v.1. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0474_v_01/B
R_DFANBSB_2M_0_0_0474_v_01_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Estado Maior das Forças Armadas. Sem título. Código de
Referência: BR DFANBSB 2M.0.0.349, v.4. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_2M/0/0/0349_v_04/B
R_DFANBSB_2M_0_0_0349_v_04_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título.


Código de Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.10. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0010/BR_
DFANBSB_JF_EBG_0_0010_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título.


Código de Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.27. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0027/BR_
DFANBSB_JF_EBG_0_0027_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título.


Código de Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.56. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0056/BR_
DFANBSB_JF_EBG_0_0056_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Código de


Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.103. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0103/BR_D
FANBSB_JF_JBF_0_0103_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título.


Código de Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.172. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_jf/ebg/0/0172/br_dfanbsb_j
f_ebg_0_0172_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.
738

ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título.


Código de Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.231. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0231/BR_
DFANBSB_JF_EBG_0_0231_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 20201.

ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título.


Código de Referência: BR DFANBSB JF.EBG.0.60. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/EBG/0/0060/BR_
DFANBSB_JF_EBG_0_0060_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título.


Código de Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.83. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0083/BR_D
FANBSB_JF_JBF_0_0083_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título.


Código de Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.103. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0103/BR_D
FANBSB_JF_JBF_0_0103_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 mar. 20201.

ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título.


Código de Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.109. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0109/BR_D
FANBSB_JF_JBF_0_0109_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título.


Código de Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.120. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0120/BR_D
FANBSB_JF_JBF_0_0120_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal da Presidência da República. Sem título.


Código de Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.158. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0158/BR_D
FANBSB_JF_JBF_0_0158_d0001de0001.pdf>. Acesso em 20 dez. 2020.

ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título.


Código de Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.256. Disponível em:
739

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0256/BR_D
FANBSB_JF_JBF_0_0256_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem Título.


Código de Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.274. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0274/BR_D
FANBSB_JF_JBF_0_0274_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Gabinete Pessoal do Presidente da República. Sem título.
Código de Referência: BR DFANBSB JF.JBF.0.276. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_JF/JBF/0/0276/BR_D
FANBSB_JF_JBF_0_0276_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da


República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.CCC.910020224. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/910020224
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ccc_910020224_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.CCC.98002100. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/980021122
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ccc_980021122_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência Br DFANBSB H4,MIC
GNC.CCC.990021303. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021303
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ccc_990021303_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 abr.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR ANBSB H4,MIC
GNC.CCC.990021317. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021317
740

/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ccc_990021317_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 abr.


2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.CCC.990021496. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021496
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ccc_990021496_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB
H4.MIC,GNC.CCC.990021497. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021497
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ccc_990021497_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 fev.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB
H4.MIC,GNC.CCC.990021519. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021519
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ccc_990021519_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB
H4.MIC,GNC.CCC.990021609. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021609
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ccc_990021609_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB
H4.MIC,GNC.CCC.990021611. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ccc/990021611
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ccc_990021611_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 mar.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
741

GNC.DIT.910075031. Disponível em:


<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075031/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_910075031_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4, MIC
GNC.DIT.910075075. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075075/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_910075075_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.910075450. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075450/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_910075450_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.910075704. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075704/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_910075704_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 14 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.910075772. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075772/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_910075772_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.910075776. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075776/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_910075776_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.910075798. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075798/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_910075798_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.
742

ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da


República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.910075829. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075829/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_910075829_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB
H4.MIC,GNC.DIT.910075843. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/910075843/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_910075843_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de referência BR DFANBSB
H4.MIC,GNC.DIT.920076033. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/920076033/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_920076033_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.920076229. Disponível em:
,http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/920076229/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_920076229_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.940077267. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940077267/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_940077267_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNG.DIT.940077329. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940077329/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_940077329_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.940077535. Disponível em:
743

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940077535/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_940077535_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.940077568. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940077568/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_940077568_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de referência BR DFANBSB
H4.MIC,GNC.DIT.940077867. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/910025102
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_eee_910025102_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.940078073. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940078073/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_940078073_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DF ANBSB H4,MIC
GNC.DIT.940078119. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940078119/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_940078119_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.940078188. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/940078188/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_940078188_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.950078559. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/950078559/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_950078559_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.
744

ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da


República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.950078736. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/950078736/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_950078736_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021

ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da


República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.950078803. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/950078803/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_950078803_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da


República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.960079049. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079049/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_960079049_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da


República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.960079081. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079081/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_960079081_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da


República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.960079086. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079086/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_960079086_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da


República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.960079105. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079105/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_960079105_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.
745

ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da


República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.960079184. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/960079184/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_960079184_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da


República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.DIT.970079883. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/970079883/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_970079883_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4.MIC,
GNC.DIT.990081135. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/dit/980081135/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_980081135_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de referência BR DFANBSB
H4.MIC,GNC.EEE.900023963. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900023963
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_eee_900023963_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar.
2021
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de referência BR DFANBSB.H4.MIC.GNC.EEE
900023981. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900023981
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_eee_900023981_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.EEE.900024207. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900024207
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_eee_900024207_d0001de0001.pdf>. Acesso: em 09 maio
2021.
746

ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da


República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.EEE.900024387. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/900024387
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_eee_900024387_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de referência BR DFANBSB H4.GNC.EEE.910025102.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/910025102
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_eee_910025102_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.EEE.990026300. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/eee/990026300
/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_eee_990026300_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 maio
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.GGG.900018007. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ggg/90001800
7%20/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ggg_900018007%20_d0001de0001.pdf>. Acesso em:
09 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.GGG.980018844. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ggg/98001884
4/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ggg_980018844_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de referência: BR DFANBSB
H4.MIC,GNC.GGG.980019076. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ggg/98001907
747

6/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ggg_980019076_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar.


2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de referência BR DFANBSB
H4.MIC,GNC.GGG.980019214. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ggg/98001921
4/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ggg_980019214_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 10 mar.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.III.900008920. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/iii/900008920/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_iii_900008920_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.KKK.900007738. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/kkk/90000773
8/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_kkk_900007738_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 maio
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC
MMM.900009112. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/9000091
12/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_mmm_900009112_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.MMM.900009147. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/9000091
47/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_mmm_900009147_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09
maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de referência BR DFANBSB H4.MIC,
GNC.MMM.900009183. Disponível em:
748

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/9000091
83/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_mmm_900009183_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DF ANBSB H4,MIC
GNC.III.910009447. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/9100094
47/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_mmm_910009447_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17 abr.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem título. Código de Referência BR DFANBSB H4. MIC,
GNC.MMM.920016796. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/9200167
96/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_mmm_920016796_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 26 fev.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.MMM.980016967. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/9800169
67/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_mmm_980016967_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.MMM.980016987. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/9800169
87/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_mmm_980016987_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun.
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.MMM.990017269. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/mmm/9900172
69/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_mmm_990017269_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 17
maio 2021.
749

ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da


República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
GNC.NNN.910009096. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/nnn/91000909
6/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_nnn_910009096_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.OOO.910016254. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ooo/91001625
4/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ooo_910016254_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 03 maio
2021.
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título. Código de
Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.PPP.910011515. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ppp/91001151
5/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ppp_910011515_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 28 maio
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.PPP.980011873. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ppp/98001187
3/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ppp_980011873_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 maio
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.QQQ.900004753. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/qqq/90000475
3/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_qqq_900004753_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB
H4.MIC,GNC.QQQ.920005184. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/qqq/92000518
750

4/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_qqq_920005184_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 abr.


2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB
H4,MIC GNC.QQQ.990005498. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/qqq/99000549
8/br_dfanbsb_h4_mic_gnc_qqq_990005498_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 maio
2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC GNC.RRR.
900013167. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/900013167/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_rrr_900013167_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.RRR.900013290. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/900013290/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_rrr_900013290_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.RRR.900013339. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/900013339/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_rrr_900013339_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 09 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC
GNC.RRR.910013998. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/910013998/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_rrr_910013998_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. BR DFANBSB H4 MIC.GNC.RRR 990014702. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/990014702/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_rrr_990014702_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,MIC
751

GNC.RRR.990015117. Disponível em:


<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/rrr/990015117/
br_dfanbsb_h4_mic_gnc_rrr_990015117_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República. Sem Título. Código de Referência: BR DFANBSB H4,TXT CEX.1968.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/txt/cex/1968/br_dfanbs
b_h4_txt_cex_1968_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 13 maio 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. A Posição da Igreja católica


Apostólica Romana em Relação às demais Religiões ou Seitas. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.82001191. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/8
2001191/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_82001191_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 12 fev. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Aliança Biblica
Universitaria do Brasil, ABUB. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.83003823. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/8
3003823/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_83003823_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 26 mar. 2021
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Apreensão de Cedulas
Falsas de Cinquenta Cruzados Novos, Jocelino Gomes da Silva, Campos RJ. SE13 ARJ.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89017930. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/8
9017930/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89017930_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 09 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Areas de Tensão no Rio
Grande do Sul, Suscetiveis de Exploração por Agitadores. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.79000090. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/7
9000090/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_79000090_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 16 abr. 2021.
752

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de


Cultura. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.82013036. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
2013036/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_82013036_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 05 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de
Defesa da Democracia, ABDD. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.85050880. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
5050880/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85050880_d0001de0002.pdf>.
Acesso em: 28 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de
Defesa da Democracia, ABDD. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.GGG.85012590. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/8
5012590/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_85012590_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 28 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de
Defesa da Democracia, ABDD. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.RRR.85010134. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/8
5010134/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_85010134_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 28 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Brasileira de
Defesa da Democracia, ABDD, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.AAA.87064320. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
7064320/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87064320_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 28 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito
Santo para Unificação do Cristianismo Mundial. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.NNN.81001953. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/8
753

1001953/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0001de0005.pdf>.
Acesso em: 03 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito
Santo para Unificação do Cristianismo Mundial. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.NNN.81001953. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/8
1001953/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0001de0005.pdf>.
Acesso em: 22 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espírito
Santo para a Unificação do Cristianismo Mundial. Arquivo Nacional. Código de
referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.81001953 - Dossiê. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/8
1001953/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0002de0005.pdf>.
Acesso em: 30 set. 2020.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espírito
Santo para a Unificação do Cristianismo Mundial. Código de referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.NNN.81001953. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/8
1001953/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_81001953_d0004de0005.pdf>.
Acesso em: 04 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito
Santo para Unificação do Cristianismo Mundial AESUCM do Reverendo Moon,
Atividades no Rio Grande do Sul. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.GGG.87014949. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ggg/87014949/
br_dfanbsb_v8_mic_gnc_ggg_87014949_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito
Santo para a Unificação do Cristianismo Mundial Seita Moon. Código de Referência:
BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86057528. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
6057528/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86057528_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 25 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação do Espirito
Santo para a Unificação do Cristianismo Mundial Seita Moon. Código de Referência:
754

BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.86018091. Disponível em:


<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
6018091/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_86018091_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 25 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Associação Internacional
CAUSA Brasil. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.LLL.87007278. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/lll/87007278/br
_dfanbsb_v8_mic_gnc_lll_87007278_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 24 mar. 20201.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Causa no
Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87060643.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
7060643/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87060643_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 04 mar. 20201.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Igreja da
Unificação em Curitiba PR, SS14 ACT. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.87007026. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/nnn/87007026/
br_dfanbsb_v8_mic_gnc_nnn_87007026_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Igreja
Evangelica dos Irmãos. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.KKK.83002813, Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/8
3002813/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_83002813_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 30 mar.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Seita Igreja
Unificação ou Associação do Espirito Santo para Unificação do Cristianismo Mundial
4.6.1. Código de Referência: BR DFANBSB V8/MIC/GNC/GGG/81003201. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/8
1003201/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_81003201_d0001de0002.pdf>.
Acesso em: 05 mar. 2021.
755

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da Sociedade


Asas de Socorro. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86054790.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
6054790/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86054790_d0001de0002.pdf>.
Acesso em: 15 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades da \"Visão
Mundial\". Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.90015628.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/OOO/9
0015628/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_OOO_90015628_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 19 jun. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Altamiro
Pires Borges, em Vitoria ES. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.CCC.90019563. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/9
0019563/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_90019563_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 14 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Estrangeiros
em Territorio Brasileiro. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.74085577. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/7
4085577/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_74085577_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 23 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Grupos
Religiosos. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.82001595.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/8
2001595/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_82001595_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 09 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Grupos
Religiosos IN 4.6. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.83013846.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
756

3013846/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_83013846_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 02 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Grupo de
Extrema Direita em Goias Cid Albernaz de Oliveira e Outros. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.83006611. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/rrr/83006611/b
r_dfanbsb_v8_mic_gnc_rrr_83006611_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Jose
Francisco Squizzato, representante no Brasil da Causa Internacional. Arquivo Nacional.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.82011590. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
2011590/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_82011590_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 05 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades de Seitas Junto
ao Meio Estudantil. SE14 ASP. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.89022436. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
9022436/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_89022436_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 13 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades do Conselho
Mundial das Igrejas CMI, no Brasil Consulta Latino Americana sobre Corporações
Transnacionais. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.80003879.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/8
0003879/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_80003879_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 26 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades do Movimento de
Unificação do Reverendo Sun Myung Moon. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.GGG.82005740. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ggg/82005740/
br_dfanbsb_v8_mic_gnc_ggg_82005740_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades do Movimento
Religioso, Problemas Fundiarios e Indigenas, SE122 AC. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87062555. Disponível em:
757

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
7062555/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87062555_d0001de0003.pdf>.
Acesso em: 14 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atividades Religiosas na
Area 119Z. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.78111881.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/7
8111881/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_78111881_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 06 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Ato Público Promovido por
Trabalhadores Rurais em Montes Claros MG. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.OOO.82005797. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/OOO/8
2005797/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_OOO_82005797_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 08 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação da Igreja
Pentecostal Deus E Amor em Porto Alegre RS, Exploração da Credulidade Popular.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.84010295. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/8
4010295/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_84010295_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 16 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação da Igreja
Pentecostal Deus e Amor no RS. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.GGG.84010489. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/8
4010489/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_84010489_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 19 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação da Igreja Universal
do Reino de Deus. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.89012965.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/8
9012965/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_89012965_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 14 mar. 2021.
758

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação do Summer


Institute of Linguistics, SIL. SE143 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.90073621. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/9
0073621/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_90073621_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 26 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação Politica da União
Democratica Ruralista no Rio de Janeiro e Espirito Santo. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89017724. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/8
9017724/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89017724_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 09 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação Política de Grupos
Religiosos. SE143 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.90073651. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/9
0073651/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_90073651_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 08 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Avaliação da Conjuntura.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.85051630. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
5051630/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85051630_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 12 fev. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar
Evangelico, Apoio Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.AAA.87063733. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
7063733/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0001de0002.pdf>.
Acesso em: 27 fev. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar
Evangelico, Apoio Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.AAA.87063733. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
759

7063733/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063733_d0002de0002.pdf>.
Acesso em: 27 fev. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Boletim Agencia Ecumenica
de Noticias. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.88016052.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/8
8016052/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_88016052_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 09 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Boletins Aconteceu no
Mundo Evangelico. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.CCC.88016421. Acesso em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/8
8016421/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_88016421_d0001de0001.pdf>.
Disponível em: 08 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Campanha contra o SISNI,
SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87064289.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
7064289/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87064289_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 29 mar 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Campanha Pro Reforma
Agraria Radical PC do B. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.LLL.82002210. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/8
2002210/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_82002210_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 08 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatos as Eleições de
15 Nov 76. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.76095368.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/7
6095368/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76095368_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 02 maio 2021
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatos Eleitos que
Receberam Apoio da Igreja. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
760

GNC.KKK.87005996. Disponível em:


<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/8
7005996/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_87005996_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 04 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatos Eleitos que
Receberam o Apoio da Igreja No Parana, SS14 ACT. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.87006992. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/8
7006992/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_87006992_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 16 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos
nas Eleições Municipais 88, SS14 ABH. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.OOO.88014545. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/OOO/8
8014545/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_OOO_88014545_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 08 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos
nas Eleições Municipais de 15 Nov 88, Santa Catarina e Parana, set 88. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.88007815. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/8
8007815/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_88007815_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 08 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos
nas Eleições Municipais de Nov 88. SE142 AC. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.AAA.88068868. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
8068868/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_88068868_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 03 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Candidatura de Religiosos
nas Eleições Municipais, em Cuiaba MT e Campo Grande MS. Código de Referência:
BR DFANBSB V8.MIC, GNC.MMM.88007941. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/8
8007815/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_88007815_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 08 maio 2021.
761

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. CARP, Colegiado


Academico para a Reflexão de Principios. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.EEE.86017645. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
6017645/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_86017645_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 05 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. CAUSA Internacional,
CAUSA Brasil, DV42 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.86058650. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
6058650/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86058650_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 24 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Causa Internacional,
Washington DC Atividades. Unificacionismo, Unification Moviment. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.81005027. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/8
1005027/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_81005027_d0001de0002.pdf>. Acesso
em: 04 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Ciclo de Conferencias da
CAUSA Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.86012852.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ccc/86012852/
br_dfanbsb_v8_mic_gnc_ccc_86012852_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Circulação em São Paulo
do Jornal Folha do Brasil, da Associação Internacional CAUSA Brasil. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.87019444. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/eee/87019444/
br_dfanbsb_v8_mic_gnc_eee_87019444_an_03_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25
mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Colegiado Acadêmico para
a Reflexão de Principios, CARP. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.85017492. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/eee/85017492/
br_dfanbsb_v8_mic_gnc_eee_85017492_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
762

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Comportamento das


Editoras e Livrarias Catolicas e Protestantes. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.OOO.88014528. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/OOO/8
8014528/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_OOO_88014528_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 07 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Comunidades Indigenas
assistidas pela Missão Religiosa Missão Novas Tribos do Brasil. Código de Referência:
BR DFANBSB V8.MIC, GNC.LLL.86006629. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/8
6006629/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_86006629_d0001de0002.pdf>. Acesso
em: 15 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conduta Irregular de
Diplomatas MRE. Henrique de Souza Gomes e Outros. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.69014195. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/6
9014195/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_69014195_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 21 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confederação Evangélica
do Brasil, CEB. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020924.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
8020924/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020924_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 04 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confederação Evangelica
do Brasil, CEB Gidel Dantas Queiroz e Outros. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.QQQ.88004262. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/8
8004262/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_88004262_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 09 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conferencia da Associação
do Movimento da Unificação do Povo para a Salvação da Patria, Curitiba PR. SE143
AC. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.88067311. Disponível em:
763

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/88067311/
br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_88067311_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Confirmação de Multa a


Radio Itai, por Acordão do TJE. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.GGG.85012949. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/8
5012949/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_85012949_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 16 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Congregação Nova
Jerusalem. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.86003509.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/8
6003509/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_86003509_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 09 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Congresso Nacional de
Mocidades das Igrejas Evangelicas Assembleias de Deus de Mato Grosso. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.MMM.82002758. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/MMM/
82002758/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_MMM_82002758_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 03 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conjuntura Politica no


Estado do Para. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.KKK.86005885.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/kkk/86005885/
br_dfanbsb_v8_mic_gnc_kkk_86005885_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 08 maio 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Conselho Latino Americano


de Igrejas. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.82002928.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/8
2002928/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_82002928_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 07 abr. 2021.
764

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Contrabando de Pedras


Preciosas para os Estados Unidos. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.RRR.85010198. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/8
5010198/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_85010198_d0001de0002.pdf>. Acesso
em: 15 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Convenção Geral das


Igrejas Evangelicas Assembleias de Deus em Anapolis GO. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.85009756. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/8
5009756/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_85009756_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 07 abr. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Convenção Municipal do


Partido Democratico Social, PDS MG. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.OOO.88013927. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ooo/88013927/
br_dfanbsb_v8_mic_gnc_ooo_88013927_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 02 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Convenção Panamericana
da Organização Causa Internacional, Seita Moon. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.AAA.84041944. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
4041944/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_84041944_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 24 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Coordenadoria Ecumenica


de Servico CESE. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.78112021.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/7
8112021/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_78112021_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 26 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Cruzada Estudantil e
Profissional para Cristo. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.LLL.80001019. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/8
765

0001019/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_80001019_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 14 abr. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. David Martins de Miranda.


Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.81006062. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
1006062/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_81006062_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 18 abr. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Entidades de Proteção ao


Indio. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.80001664. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/8
0001664/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_80001664_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 16 abr. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Entrevista de Verissimo


Teixeira da Costa ao Jornal Folha de Londrina, Londrina PR, FEV 86. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.86006370. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/8
6006370/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_86006370_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 08 abr. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Evangelismo sem


Fronteiras. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.76106437.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/7
6106437/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76106437_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 30 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Exploração dos Problemas
do Nordeste. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.84016436.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
4016436/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_84016436_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 14 jun. 2021.
766

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. II Convenção


Panamericana da CAUSA Internacional. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.85051420. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
5051420/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_85051420_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 04 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. II Convenção


Panamericana da CAUSA Internacional. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.EEE.85017130. Disponível em: <
http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/85
017130/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_85017130_an_01_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 03 abr. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Folheto Causa Brasil,


Introdução ao Deusismo e Informativo CAUSA Brasil, Edição Especial. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.LLL.86006712. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/lll/86006712/br
_dfanbsb_v8_mic_gnc_lll_86006712_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Catolica e as Eleições


Presidenciais. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.89022704.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
9022704/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_89022704_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 09 maio 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja da Unificação.


Objetivos e Atividades nos EUA e America Latina. Arquivo Nacional. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.84041774. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/84041774/
br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_84041774_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho


Quadrangular. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.III.87007665. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/III/870
767

07665/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_III_87007665_d0001de0001.pdf>. Acesso em:


07 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho
Quadrangular. Prece Poderosa. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.81019991. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
1019991/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81019991_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 07 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja do Evangelho
Quadrangular Prece Poderosa BA. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.81021200. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
1021200/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81021200_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 06 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Evangelica
Pentecostal o Brasil para Cristo. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.NNN.82002543. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/8
2002543/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_82002543_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 16 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Pentecostal Unida do
Brasil Solicita Autorização para Nacionalizar Hidroavião. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.82025249. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
2025249/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_82025249_d0001de0001.pdf >.
Acesso em: 20 dez. 2020.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino
de Deus. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89017110.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/8
9017110/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89017110_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 09 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino
de Deus de Itinga, Faz Protesto Contra as Religiões Afro Brasileiras, em Salvador BA.
768

Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.PPP.89010798. Disponível em:


<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/PPP/89
010798/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_89010798_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 09 abr. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino


de Deus - Dossiê. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.CCC.89017556. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/8
9017556/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89017556_d0001de0003.pdf>. Acesso
em: 14 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino
de Deus - Dossiê. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.89004476.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/QQQ/8
9004476/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_QQQ_89004476_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 14 mar. 20201.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino
de Deus - Dossiê. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.89012868.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/8
9012868/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_89012868_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 14 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino
de Deus, IURD. SE141 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.89071864. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
9071864/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_89071864_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 23 fev. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Instituto Sobre Religião e


Democracia, IRD. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.CCC.84010468. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/8
769

4010468/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_84010468_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 29 nov. 2020.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Invasão de Terras, SS13
ABH. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.87013304. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/OOO/8
7013304/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_OOO_87013304_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 08 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Irregularidades no
Conteudo Programatico da Radio Itai LTDA, Porto Alegre RS. Código de Referência:
BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.85012529. Acesso em: 19 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. James Wright, Serviço Paz
e Justiça da America Latina, Santa Fe: Uma Estrategia para a America Latina nos Anos
90. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89018518. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/8
9018518/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89018518_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 13 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Jeremias Soares de
Oliveira. SS11 ARE. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.III.88008123.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/III/880
08123/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_III_88008123_d0001de0001.pdf>. Acesso em:
05 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Jesuino da Silva Lima.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.84009070. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/8
4009070/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_84009070_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 28 fev. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. João Batista Vogel. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.71025115. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/7
1025115/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_71025115_d0001de0002.pdf>.
Acesso em: 09 mar. 2021.
770

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Karl Mc Intire. Código de


Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81018733. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
1018733/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_81018733_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 19 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Levantamento dos Campos
Militar, Politico, Economico, Psicossocial e Subversão na Area do IIEX, no Periodo de
01 a 31 MAI 83. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.83014573.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
3014573/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_83014573_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 09 mar 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Levantamento Realizado
sobre as Comunidades Indigenas de Mato Grosso do Sul. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.MMM.81001469. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/MMM/
81001469/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_MMM_81001469_d0001de0002.pdf>.
Acesso em: 16 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Evangelico do
PMDB. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.88020041.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
8020041/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_88020041_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 04 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Religioso.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.PPP.81001969. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/PPP/81
001969/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_PPP_81001969_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 06 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Movimento Religioso SE143
AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.89072051. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
771

9072051/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_89072051_d0001de0002.pdf>.
Acesso em: 13 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Missão Informadora do
Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.81005593. Disponível
em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
1005593/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_81005593_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 19 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Missão Novas Tribos do
Brasil Stanton Roy Donmoyer e Outros Vianopolis Go. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86053719. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
6053719/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86053719_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 15 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. O Mensageiro da Paz, Casa
Publicadora das Assembleias de Deus, CPAD. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.CCC.85012503. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/8
5012503/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_85012503_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 15 jun. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Os Estados Unidos Contra
as Igrejas na America Latina. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.CCC.82006975. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/8
2006975/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_82006975_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 13 mar. 20201.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Perfil da Constituinte.
Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87061031. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
7061031/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87061031_d0003de0003.pdf>.
Acesso em: 05 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Posicionamento Contrario
ao Reatamento de Relações Diplomaticas Brasil Cuba, Igreja do Evangelho
Quadrangular, Curitiba PR, AGO 86. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
772

GNC.NNN.86006670, Disponível em:


<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/8
6006670/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_86006670_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 08 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Posse da Executiva
Regional do Movimento Democratico Evangelico do PMDB GO. Código de Referência:
BR DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.88011816. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/RRR/8
8011816/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_RRR_88011816_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 03 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Primeira Convenção
Regional do Partido Democrata Cristão no Para, Eleição do Diretorio e da Comissão
Executiva Regionais. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/8
8006675/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_88006675_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 08 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Primeira Convenção Sul
Americana de A Voz dos Martires, em Curitiba PR. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.NNN.85005683. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/NNN/8
5005683/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_NNN_85005683_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 30 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Principais Acontecimentos
do Campo Psicossocial em MAI 85. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.86017584. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
6017584/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_86017584_d0001de0002.pdf>. Acesso
em: 26 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Principais Assuntos no
Campo Psicossocial em OUT 84. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.85016674. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
5016674/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_85016674_d0001de0002.pdf>. Acesso
em: 16 mar. 2021
773

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Projeto Evangelização 2000


SE143 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.89071367.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
9071367/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_89071367_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 09 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Pronunciamento de
Parlamentares Paraenses Quando da Votação da Emenda Figueiredo, Humberto Rocha
Cunha e Outros. SS15. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.KKK.84004724. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/KKK/8
4004724/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_KKK_84004724_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 08 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Protestantismo,
Progressismo e Ecumenismo, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.86059710. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
6059710/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86059710_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 12 fev. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Publicações Religiosas,
Cadernos de Estudos Numero 04 da Pastoral Universitaria, PU, e Boletim Numero 07
do Serviço Franciscano de Justiça, Paz e Ecologia do Brasil. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.GGG.89017599. Disponível em:
<https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/Pesquisa_Livre_Painel_Resultado.asp?v_CodRe
ferencia_id=1931422&v_aba=1>. Acesso em: 09 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Publicações sobre o
Posicionamento do Deputado Federal João de Deus Antunes, PDT. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/GGG/8
7014365/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_GGG_87014365_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 03 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Questão Indigena:
Resoluções Recomendações Emanadas de Eventos sobre Comunidades Indigenas e
Ecossistemas da Amazonia que Possam Afetar a Politica Indigenista Brasileira. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86054030. Disponível em:
774

<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
6054030/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86054030_d0001de0002.pdf>.
Acesso em: 16 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Realização da Setima
Conferencia Mundial Da CAUSA Internacional em Toquio e Seul. Código de Referência:
BR DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.84009632. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/rrr/84009632/b
r_dfanbsb_v8_mic_gnc_rrr_84009632_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Realização em São Paulo,
em 11 Nov 87, de Palestra Proferida por Jorge Boaventura, Integrante da Associação
Brasileira de Defesa da Democracia, SE122 AC. Código de Referência: BR DFANBSB
V8.MIC, GNC.AAA.87064324. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
7064324/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87064324_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 29 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Realização em São Paulo,


SP, em JUL 87, de Seminario Promovido pela CAUSA Brasil, SE122 AC. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063285. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
7063285/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063285_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 25 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Relatório Rockefeller. A
Subversão Comunista e a Segurança do Hemisferio. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.69008956. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/6
9008956/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_69008956_d0001de0002.pdf>.
Acesso em: 13 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Renato Roque de Barth
Padre Comunidades Eclesiais de Base. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.MMM.81001994. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/MMM/
81001994/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_MMM_81001994_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 12 mar. 20201.
775

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Renovação Carismatica


Catolica do Brasil. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.82011500. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
2011500/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_82011500_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 09 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Resenha Política de 03 de
Outubro de 1989. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.90073270.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/9
0073270/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_90073270_d0001de0004.pdf>.
Acesso em 08 maio 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Resenha Politica do Interior
Paulista. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.EEE.82012946.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
2012946/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_82012946_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 16 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Reunião da Frente Negra
Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89018615.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/8
9018615/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_89018615_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 09 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seita do Reverendo Moon
Manaus AM. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/lll/86006643/br
_dfanbsb_v8_mic_gnc_lll_86006643_d0001de0002.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seita Moon em Belo
Horizonte. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.OOO.86012256.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/ooo/86012256/
br_dfanbsb_v8_mic_gnc_ooo_86012256_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2021.
776

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Sem Título. Código de


referência: BR DFANBSB V8 MIC PTR DIT 0513. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/ptr/dit/0513/br_dfa
nbsb_v8_mic_ptr_dit_0513_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 19 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Seminario sobre
Sindicalismo, Realizado na Sede do Jornal Hora Extra, em Volta Redonda RJ. Código de
Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86055420. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
6055420/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86055420_an_01_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 15 abr. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Sociedade Asas do Socorro,
SAS, SE132 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86060054.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
6060054/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86060054_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 15 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Summer Institute of
Linguistics, SIL. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.86054288.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
6054288/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_86054288_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 18 fev. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Suspeita de Trafico de
Toxico Missão Novas Tribos do Brasil, Asas do Socorro. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.LLL.81001241. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/LLL/8
1001241/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_LLL_81001241_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 15 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Theopilo Normundo Karkle
Outros. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.76110301.
Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/7
6110301/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_76110301_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 07 abr. 2021.
777

ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. União Nacional de Defesa


da Democracia, Divulgação de Livreto. SE122 AC. Código de Referência: BR
DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.88067393. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/AAA/8
8067393/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_88067393_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 29 mar. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Uruguai Participantes do
Congresso da Confederação para a Associação e Unidade das Sociedades Americanas
ou Causa Internacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.AAA.84043228. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_v8/mic/gnc/aaa/84043228/
br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_84043228_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Veículos de Comunicação
Social, UCS, Jornais, Rádios e Televisões sob Influência de Seitas Evangélicas. Código
de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.90019323. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/CCC/9
0019323/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_CCC_90019323_d0001de0001.pdf>. Acesso
em: 23 fev. 2021.
ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. XIII Congresso Brasileiro
de Comunicação Social UCBC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC,
GNC.EEE.84016567. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_V8/MIC/GNC/EEE/8
4016567/BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_EEE_84016567_an_01_d0001de0001.pdf>.
Acesso em: 09 mar. 2021.

ARQUIVO NACIONAL. Telecomunicações Brasileiras Sociedade Anônima. (011.ASI-


TB.1974). Código de Referência: BR DFANBSB CZ.ASI.0.11. Disponível em:
<http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_DFANBSB_CZ/ASI/0/0011/BR_D
FANBSB_CZ_ASI_0_0011_d0001de0001.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2021.

Central Intelligence Agency - CIA


CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. FOIA Collection. President Jose Efrain
Rios Montt and the Spiritual Rebirth of Guatemala. Document Number (FOIA) /ESDN
778

(CREST): 0000720638. Disponível em:


<https://www.cia.gov/readingroom/document/0000720638>. Acesso em: 15 dez. 2020.

CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Agenda for


Meeting on Political Action August 5 1982. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST):
CIA-RDP84B00049R001102750018-2. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp84b00049r001102750018-2>.
Acesso em: 27 set. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Dear Staff
Member. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST):

CIA-RDP83-00423R000201040001-3. Disponível em:


<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp83-00423r000201040001-3>.
Acesso em: 06 out. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Domestic
Stresses in the USSR. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP87T00787R000200180006-0. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87t00787r000200180006-0>.
Acesso em: 07 nov. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Ethnic German
Pentecostals Plan Hunger Strike. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP91B00135R000500930009-7. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp91b00135r000500930009-7>.
Acesso em: 07 nov. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. H.R. 13177--
Freedom Commission Extension of Remarks of Hon. Burt L. Talcott of California in the
House of Representatives Thursday, march 10, 1966. Document Number (FOIA) /ESDN
(CREST): CIA-RDP67B00446R000600080001-7. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp67b00446r000600080001-7>.
Acesso em 23 set. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Hearings before
the Subcomitee to Investigate the Administration of the Internal Security Act and Other
Internal Security Laws of the Comittee on the Judiciary United States Senate. Document
Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP64B00346R000500030098-1. Disponível
779

em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp64b00346r000500030098-1>.
Acesso em 22 set. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Indian Leaders
Asked the Government Thursday to Expel the U.S.-Based Summer Institute of Linguistics
from Southern Mexico. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90-
00806R000201050003-0. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90-00806r000201050003-0>.
Acesso em: 23 out. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Intelligence
Handbook (Classified) BRAZIL. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP85-00671R000300020001-8. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/docs/CIA-RDP85-00671R000300020001-8.pdf>.
Acesso em: 07 abr. 2021.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Invitation to
Address the Council for National Policy. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST):
CIA-RDP87M00539R002904740044-5. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87m00539r002904740044-5>.
Acesso em: 26 set. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Latin America
Review. Código de referência: CIA-RDP87T00289R000200910001-7. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87t00289r000200910001-7>.
Acesso em: 11 mar. 2021.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Latin America
Review. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP87T00289R000200940001-4. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87t00289r000200940001-4>.
Acesso em: 11 mar. 2021.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Latin America
Review. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP87T00289R000301570001-3. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87t00289r000301570001-3>.
Acesso em: 11 mar. 2021.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to Dr. H.
Paul Guhse from Allen W. Dulles. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
780

RDP80B01676R004100010021-5. Disponível em:


<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp80b01676r004100010021-5>.
Acesso em 19 set. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to Gilbert
A. Robinson from William H. Webster. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST):
CIA-RDP90G01353R002000010007-6. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90g01353r002000010007-6>.
Acesso em: 01 out. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to John H.
McMahon from Antonio Betancourt. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP87M00539R002904770010-9. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp87m00539r002904770010-9>.
Acesso em: 30 set. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to Robert
Gates from Paul M. Weyrich. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP90G00152R001202420018-0. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90g00152r001202420018-0>.
Acesso em: 16 nov. 2020.

CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to


(Sanitized) from L. K. White. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP78-
03097A000200040114-5. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp78-03097a000200040114-5>.
Acesso em: 27 out. 2020.

CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to the


Honorable Allen Dulles from Charles W. Lowry. Document Number (FOIA) /ESDN
(CREST): CIA-RDP80R01731R001200070073-6. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp80r01731r001200070073-6>.
Acesso em: 17 set. 2020.

CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to the


Honorable Eric Johnston from Allen W. Dulles. Document Number (FOIA) /ESDN
(CREST): CIA-RDP80B01676R003800100021-9. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp80b01676r003800100021-9>.
Acesso em 20 set. 2020.
781

CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Letter to William


J. Casey from (Sanitized). Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP85M00364R002204230067-9. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp85m00364r002204230067-9>.
Acesso em: 11 out. 2020.

CENTRAL INTELIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Liberation


Theology: Religion, Reform, and Revolution.

Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP97R00694R000600050001-9.


Disponível em: <https://www.cia.gov/library/readingroom/document/cia-
rdp97r00694r000600050001-9>. Acesso em: 15 abr. 2020.

CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Liberation


Theology: Religion, Reform, and Revolution. Document Number (FOIA) /ESDN
(CREST): CIA-RDP97R00694R000600050001-9. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp97r00694r000600050001-9>.
Acesso em: 15 abril 2020.

CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Missionaries with


a Mission? Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90-
00552R000605830018-2. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90-00552r000605830018-2>.
Acesso em: 20 out. 2020.

CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Moscow


Pentecostals Annouce Hunger Strike. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP90B01370R000801040003-6. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90b01370r000801040003-6>.
Acesso em: 08 out. 2020.

CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. National


Conference on the Spiritual Foundations of American Democracy. Document Number
(FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP80R01731R001200070075-4. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp80r01731r001200070075-4>.
Acesso em 17 set. 2020.
782

CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Proposed


Acknowledgment of Receipt of the Free World Review. Document Number (FOIA)
/ESDN (CREST): CIA-RDP80B01676R003800120023-5. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp80b01676r003800120023-5>.
Acesso em 19 set. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Reagan's
Cabinet: It's Got Religion. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90-
00552R000302430011-9. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90-00552r000302430011-9>.
Acesso em: 07 out. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Regional
Development in Southern Venezuela: the planners have some problems. Document
Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP84-00825R000300200001-8. Disponível
em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp84-00825r000300200001-8>.
Acesso em: 01 nov. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Soviet Dissent
and its Repression since the 1975 Helsinki Accords. Document Number (FOIA) /ESDN
(CREST): CIA-RDP86T00591R000300330003-3. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp86t00591r000300330003-3>.
Acesso em: 07 nov. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Speakers for the
White House Outreach Working Group on Central America. Document Number (FOIA)
/ESDN (CREST): CIA-RDP85M00364R001803590011-7. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp85m00364r001803590011-7>.
Acesso em 27 set. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Studies in
Intelligence [Vol. 4 No. 4, Fall 1960]. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP78-03921A000300280001-4. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp78-03921a000300280001-4>.
Acesso em: 21 out. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. The International
Security Council, a Washington and New York Based Public Policy Institution, Is
Concerned Exclusivly with the Character and Scope of the Soviet Threat to the Security
of Free Nations. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
783

RDP90M01364R000700140052-9. Disponível em:


<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90m01364r000700140052-9>.
Acesso em: 30 set. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. The Summer
Institute of Linguistics Might Seem to Be an Unlikely Target of Suspicions of CIA
Involvement. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP99-
00498R000200020098-4. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp99-00498r000200020098-4>.
Acesso em: 28 out. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Transcript on
Central America. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP86M00886R001200340008-7. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp86m00886r001200340008-7>.
Acesso em: 29 set. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. (Untitled).
Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP75-00001R000100370074-6.
Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp75-
00001r000100370074-6>. Acesso em: 03 out. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. USSR Monthly
Review. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-
RDP83T00853R000300030004-7. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp83t00853r000300030004-7>.
Acesso em: 07 nov. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. Who's Funding
the ‘Contras’?. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP90-
00806R000201090033-3. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp90-00806r000201090033-3>.
Acesso em: 25 set. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. General CIA Records. You are Cordially
Invited to Attend a Sunday Brunch and Seminar on December 9. Document Number
(FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP86M00886R002600010006-0. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp86m00886r002600010006-0>.
Acesso em: 30 set. 2020.
784

CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. National Intelligence Council (NIC).


Collection. Dimensions of Civil Unrest in the Soviet Union (NIC M-83-10006). Document
Number (FOIA) /ESDN (CREST): 0000273394. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/0000273394>. Acesso em: 07 nov. 2020.

CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 71;


Guatemala; The Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-
00707R000200110050-8. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200110050-8>.
Acesso em: 05 out. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 73;
Honduras; The Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-
00707R000200070018-9. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200070018-9>.
Acesso em: 05 out. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 77;
Panama; The Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-
00707R000200080046-7. Disponível em:
<https://www.cia.gov/readingroom/document/cia-rdp01-00707r000200080046-7>.
Acesso em: 05 out. 2020.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY – CIA. NIS. National Intelligence Survey 94;
Brazil; The Society. Document Number (FOIA) /ESDN (CREST): CIA-RDP01-
00707R000200080016-0. Disponível em: <https://www.cia.gov/readingroom/docs/CIA-
RDP01-00707R000200080016-0.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2021.

National Archives and Records Administration - NARA


NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
General Records of the Department of State, 1763 - 2002. October 12 -20, 1905.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/153675878>. Acesso em: 27 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
General Records of the Department of State, 1763 - 2002. May 31, 1906. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/153698529>. Acesso em: 27 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
General Records of the Department of State, 1763 - 2002. Volume 4: Special Missions:
785

Oct. 15, 1886 - June 20, 1906. Disponível em:


<https://catalog.archives.gov/id/152649210>. Acesso em: 27 out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Matthew J. Connelly White House Files (Truman Administration), 1945 - 1952. Daily
Appointment Sheet for President Harry S. Truman, 5/13/1948. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/24619423>. Acesso em 23 set. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


President's Speeches and Statements Reading Copies (Ford Administration), 1974 –
1977. 1/28/75 - National Religious Broadcasters' 32nd Annual Congressional Breakfast.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/1252207>. Acesso em: 02 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
President's Speeches and Statements Reading Copies (Ford Administration), 1974 –
1977. 2/22/76 - Remarks at a Meeting with Members and Guests of the National Religious
Broadcasters Association and the National Association of Evangelicals. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/1252703>. Acesso em: 24 set. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Presidential Briefing Papers, 1/20/1981 - 1/18/1989. Records of the Office of the
President (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/118567254>. Acesso em: 24 set. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Presidential Electronic Mail from the Automated Records Management System (ARMS),
1/20/1993 - 1/20/2001. [01/08/2000 – 01/11/2000]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/122241968>. Acesso em: 03 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Presidential Electronic Mail from the Automated Records Management System (ARMS),
1/20/1993 - 1/20/2001. [02/04/1994 – 02/22/1994]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/122241930>. Acesso em: 14 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Presidential Electronic Mail from the Automated Records Management System (ARMS),
786

1/20/1993 - 1/20/2001. [07/13/1996 – 09/04/1996]. Disponível em:


<https://catalog.archives.gov/id/122241650>. Acesso em: 07 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Presidential Electronic Mail from the Automated Records Management System (ARMS),
1/20/1993 - 1/20/2001. [11/12/1998]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/40491175>. Acesso em: 02 nov. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Ecuador –


Texaco Suits Climate [3]. Coleção Records of the Council on Environmental Quality
(Clinton Administration), 1993 - 2001. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/134759472>. Acesso em: 23 out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the Domestic Policy Council (Clinton Administration), ca. 1992 - 1/20/2001.
Chron. File, April 1994. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26413318>.
Acesso em: 10 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Domestic Policy Council (Clinton Administration), ca. 1992 - 1/20/2001.
Crime Projects Bruce Reed. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/120356898>. Acesso em: 15 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Domestic Policy Council (Clinton Administration), ca. 1992 - 1/20/2001.
PBS Town Hall. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/158701604>. Acesso
em: 19 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Domestic Policy Council (Clinton Administration), ca. 1992 - 1/20/2001.
School Prayer. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/122243906>. Acesso em:
12 out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the First Lady's Office (Clinton Administration), 1993 - 2001. Health Care
October 94 - December 94 [4]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/21332044>. Acesso em: 12 out. 2020.
787

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the First Lady's Office (Clinton Administration), 1993 – 2001. HRC Health
Care Press. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/21331977>. Acesso em: 05
out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the First Lady's Office (Clinton Administration), 1993 - 2001. HRC Speeches
9/98-12/98: [9/22 Vislack for Governor, Talking Points]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/40490036>. Acesso em: 14 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the First Lady's Office (Clinton Administration), 1993 – 2001. Nathan
Cummings. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26080086>. Acesso em: 29
out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the Foreign Service Posts of the Department of State, 1788 - ca. 1991.
Correspondence American Consulate In Yokohama 1932 Vol. 3 File Number 125.5-200.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/79326057>. Acesso em: 03 out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the National AIDS Policy Office (Clinton Administration), 1993 - 2001.
World Relief. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/54977228>. Acesso em: 10
out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the National Park Service, 1785 - 2006. Tennessee MPS Rural African-
American Churches in Tennessee MPS. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/135817337>. Acesso em: 02 out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the National Security Council (Clinton Administration), 1993 - 2001.
[12/02/1996 - 12/11/1996] [Beijing Women's Conference]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/41051262>. Acesso em: 17 nov. 2020.
788

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the National Security Council Speechwriting Office (Clinton Administration),
ca. 1993 - ca. 2001. New Direction - Kemp-Weber Briefing. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/40477844>. Acesso em: 02 nov. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the Office of Policy Development (Clinton Administration), 1993 - 2001.
Trade Publications [Fast Track] [2]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/158701990>. Acesso em: 03 nov. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the Office of Presidential Papers, 1969 - 1974. 057 August 1-15 1971.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/40032198>. Acesso em: 23 set. 2020.

ATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the Office of Public Liaison (George W. Bush Administration), 1/20/2001 -
1/20/2009. Focus on the Family Visit (Wednesday, 05/28/2003). Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/82579144>. Acesso em: 16 out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 - 2001. [1996
Final Minority Report Volume I] [Binder] [5]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/18514423>. Acesso em: 20 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 - 2001. Arts and
Humanities Medals 11/5/98 [3]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/34427136>. Acesso em: 02 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 - 2001. Elections:
[Mike] Lux Analysis of 1994/1996 Elections. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/18513918>. Acesso em: 12 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 – 2001. FEC
789

[Federal Election Commission] Soft Money/Campaign Finance. Disponível em:


<https://catalog.archives.gov/id/18511543>. Acesso em: 03 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 - 2001. [Press
Clips] Monday, July 19, 1993. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/20759811>. Acesso em: 02 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 – 2001. [Press
Clips] Monday, October 25, 1993 [1]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/20759876>. Acesso em: 29 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 – 2001. Michigan
State Commencement [2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/23904109>.
Acesso em: 11 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 - 2001.
[Reemployment Act] [Binder] [1]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/18514046>. Acesso em: 07 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Office of Speechwriting (Clinton Administration), 1993 – 2001. REA
[Reemployment Act] Congressional Committee Member Profiles [Binder] [4].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/18514053>. Acesso em: 02 out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the Office of the Chief of Staff (Reagan Administration), 1/20/1981 -
1/20/1989. [Religious Groups]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/118568818>. Acesso em: 07 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Office of the Chief of Staff (Clinton Administration), 1993 - 2001. Talk
Radio - White House [2]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/23902359>.
Acesso em: 14 out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the Office of the Chief Signal Officer, 1860 - 1985. Index to Personalities in
790

the U.S. Army Signal Corps Photographic Files, 1940 - 1954: Lough - Luckcuck.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/109921489>. Acesso em: 13 nov. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the Office of the Counsel to the President (Clinton Administration), 1993 -
2001. Thompson Committee Final Report Volume 1 [3]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/41027827>. Acesso em: 03 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Office of the Counsel to the President (Clinton Administration), 1993 -
2001. Thompson Committee Minority Report Volume 1 [6]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/41027860>. Acesso em: 20 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Office of the Counsel to the President (Clinton Administration), 1993 –
2001. Thompson Committee Minority Report Volume 1 [7]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/41027861>. Acesso em: 12 out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the Office of the President (Reagan Administration), 1/20/1981 - 1/20/1989.
01/31/1983 (case file 117231). Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/118567192>. Acesso em: 02 nov. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the Office of the Public Liaison (Clinton Administration), 1993 - 2001.
Invitations for Alexis Herman Regretted, December 1994-January 1995 [1]. Disponível
em: <https://catalog.archives.gov/id/120355460>. Acesso em: 10 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Office of the Public Liaison (Clinton Administration), 1993 - 2001.
[Invitations]-October 1994 Accepted [2]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/120355418>. Acesso em: 02 nov. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 –
1994. Abortion: General News Articles. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/40483880>. Acesso em: 07 out. 2020.
791

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 –
1994. Correspondence Non-Response Published Clippings w/Comments [Folder 1] [1].
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/16893224>. Acesso em: 03 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 -
1994. Sundquist, Don (R-TN). Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/26055703>. Acesso em: 19 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 –
1994. [Green Sheet Summaries of News Content – May 1995] [3]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/17615910>. Acesso em: 12 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 –
1994. [Morning News Summaries 7/93] [1]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/40483599>. Acesso em: 12 out. 2020
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 -
1994. [News Articles – Health Care Reform] [loose]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/26056677>. Acesso em: 12 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 -
1994. Sin Taxes 2 of 2: Tobacco [3]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/40483701>. Acesso em: 20 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 -
1994. [White House News Reports – April 27 1995]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/17615869>. Acesso em: 14 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 –
1994. [White House News Reports – February 21 1995]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/17615821>. Acesso em: 19 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 -
792

1994. [White House News Reports – May 5 1995]. Disponível em:


<https://catalog.archives.gov/id/17615875>. Acesso em: 14 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the Task Force on National Health Care (Clinton Administration), 1993 -
1994. [White House News Reports – May 30 1995]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/17615890>. Acesso em: 20 nov. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the White House Office of Policy Development (Reagan Administration),
1/20/1981 - 1/20/1989. Chron File, 05/16/1983-06/13/1983. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/135838594>. Acesso em: 07 out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981
- 1/20/1989. American Council for Free Asia. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/135840624>. Acesso em: 21 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981
- 1/20/1989. American Law Enforcement Officers Association. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/135840626>. Acesso em: 14 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981
- 1/20/1989. Balanced Budget Amendment (2 of 3). Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/135840668>. Acesso em: 02 nov. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981
- 1/20/1989. Briefings Book (2 of 4). Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/135840689>. Acesso em: 06 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981
- 1/20/1989. Coalitions for America (1 of 2). Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/135840769>. Acesso em: 02 nov. 2020.
793

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981
- 1/20/1989. Coalitions for America (2 of 2). Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/135840771>. Acesso em: 02 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Public Liaison (Reagan Administration), 1/20/1981
- 1/20/1989. Coalition for Peace through Security. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/135840767>. Acesso em: 15 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (Clinton Administration),
1993 – 2001. 118879. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/158697914>.
Acesso em: 12 out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 11/05/2003 [601624]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/82578894>. Acesso em: 14 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 02/28/2003 [539668]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/82578892>. Acesso em: 16 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 05/03/2001 [460583]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/77828647>. Acesso em: 26 set. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 508641 [2]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/82578936>. Acesso em: 15 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 508642 [2]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/82578940>. Acesso em: 20 out. 2020.
794

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 536004 [2]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/82578952>. Acesso em: 22 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 536140 [1]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/82578976>. Acesso em: 14 out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 536140 [2]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/82578978>. Acesso em: 26 set. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 536140 [3]. Disponível em
<https://catalog.archives.gov/id/82578980>. Acesso em: 22 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 538440. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/122414926>. Acesso em: 14 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 562653 [2]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/77828787>. Acesso em: 21 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 563076. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/119650659>. Acesso em: 10 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 565237 [1]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/119650881>. Acesso em: 29 nov. 2020.
795

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 574156 [3]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/134610180>. Acesso em: 29 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 576030 [2]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/119651293>. Acesso em: 14 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 600826 [1]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/82578990>. Acesso em: 19 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 601487. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/119650691>. Acesso em: 21 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 607825 [1]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/82578998>. Acesso em: 03 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 691460. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/82579082>. Acesso em: 19 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 736121. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/77828797>. Acesso em: 13 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of Records Management (George W. Bush
Administration), 1/20/2001 - 1/20/2009. 751221 [1]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/77828849>. Acesso em: 09 out. 2020.
796

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Records of the White House Office of the Deputy Chief of Staff (Reagan Administration),
1/20/1981 - 1/20/1989. Correspondence – January 1982 (4). Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/66327768>. Acesso em: 11 out. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Records of the White House Office of the Deputy Chief of Staff (Reagan Administration),
1/20/1981 - 1/20/1989. Correspondence – January 1982 (2). Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/66327764>. Acesso em: 11 out. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Richard M. Nixon's Returned Materials Collection, 1969 - 1974. WHSF: Contested, 6-
78. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26145015>. Acesso em: 13 nov.
2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Richard M. Nixon's Returned Materials Collection, 1969 - 1974. WHSF: Returned, 7-4.
Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26126158>. Acesso em: 13 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Richard M. Nixon's Returned Materials Collection, 1969 - 1974. WHSF: Contested, 7-
46. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/26145127>. Acesso em: 21 nov.
2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Richard M. Nixon's Returned Materials Collection, 1969 - 1974. WHSF: Returned, 31-5.
National Archives and Records Administration – NARA. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/26126722>. Acesso em: 13 nov. 2020.

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


Tape Restoration Project (TRP) Emails, 1/20/1993 - 1/20/1993. [03/17/1997 –
05/29/1997]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/122242114>. Acesso em:
03 nov. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
Tape Restoration Project (TRP) Emails, 1/20/1993 - 1/20/1993. [07/06/1998 –
07/29/1998]. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/122242188>. Acesso em:
19 out. 2020.
797

NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção


White House Public Opinion Mail Files (Truman Administration), 1945 – 1953. Korea -
Telegrams. Disponível em: <https://catalog.archives.gov/id/145807647>. Acesso em: 23
set. 2020.
NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION – NARA. Coleção
White House Public Opinion Mail Files (Truman Administration), 1945 – 1953. National
Day of Prayer, Requests For [2 of 3]. Disponível em:
<https://catalog.archives.gov/id/145807653>. Acesso em: 03 out. 2020.

WikiLeaks
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. 33rd UNGA -- Third Commitee:
Elimination of All Forms of Religious Intolerance. Canonical ID: 1978STATE259236_d.
Disponível em: <https://wikileaks.org/plusd/cables/1978STATE259236_d.html>.
Acesso em: 11 fev. 2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Alliance East-West Study: Italian


Contribution on Religion. Canonical ID: 1977NATO09220_c. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1977NATO09220_c.html>. Acesso em: 07 mar. de
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Annual Human Rights Report - Korea.


Canonical ID: 1978STATE023816_d. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1978STATE023816_d.html>. Acesso em: 30 mar.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Anti-SIL Campaign and the Church.


Canonical ID: 1976LIMA00216_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1976LIMA00216_b.html>. Acesso em: 22 out. 2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. ARENA: El Salvador Right Faces


Uncertain Political Future. Canonical ID: 08SANSALVADOR1045_a. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/08SANSALVADOR1045_a.html>. Acesso em: 06
nov. 2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Assemblies of God in Vietnam: Still an


“Underground Organization”. Canonical ID: 02HOCHIMINHCITY400_a. Disponível
798

em: <https://wikileaks.org/plusd/cables/02HOCHIMINHCITY400_a.html>. Acesso em:


07 out. 2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Attack in Panama Press on Summer


Institute of Linguistics. Canonical ID: 1975PANAMA06140_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1975PANAMA06140_b.html>. Acesso em: 21 out.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Attacks on SIL Continue. Canonical ID:


1975LIMA10435_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1975LIMA10435_b.html>. Acesso em: 22 out. 2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Belarus, Protestants Consolidate Efforts


to Promote Change. Canonical ID: 07MINSK106_a. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/07MINSK106_a.html>. Acesso em: 06 nov. 2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Billy Graham Crusade in Sao Paulo.


Canonical ID:1978SAOPA03106_d. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1978SAOPA03106_d.html>. Acesso em: 26 abr.
2021.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. (C) POLADS Paper on Poland.


Canonical ID: 1979STATE165408_e. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1979STATE165408_e.html>. Acesso em: 15 mar.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Chin State: Where There Is Will, There
Is a Way. Canonical ID: 07RANGOON33_a. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/07RANGOON33_a.html>. Acesso em: 09 out. 2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Christian MP Complains about USG


Religious Freedom Policy in Jordan, the Middle East. Canonical ID: 03AMMAN5330_a.
Disponível em: <https://wikileaks.org/plusd/cables/03AMMAN5330_a.html>. Acesso
em: 06 fev. 2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. CODEL Wolff Press Conference in


Moscow August 22. Canonical ID: 1979MOSCOW20970_e. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1979MOSCOW20970_e.html>. Acesso em: 11 fev.
2020.
799

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Church Protests Resume with


Missionary Participation. Canonical ID: 1974STATE267253_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1975SEOUL00063_b.html>. Acesso em: 31 mar.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Dissident Trials and US-Czechoslovak


Relations. Canonical ID: 1979STATE274486_e. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1979STATE274486_e.html>. Acesso em: 22 mar. de
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. December 5 EA Press Summary.


Disponível em: <https://wikileaks.org/plusd/cables/1974STATE267253_b.html>.
Acesso em: 31 mar. 2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Entry of Protestors at ROK Embassy.


Canonical ID: 1975STATE089148_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1975STATE089148_b.html>. Acesso em: 31 mar.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Evangelical Unhappiness with ARENA


Could Impact Election. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/08SANSALVADOR1398_a.html>. Acesso em: 06
nov. 2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Explo '74. Canonical ID:


1974SEOUL05202_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1974SEOUL05202_b.html>. Acesso em: 05 nov.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Expulsion of Reverend Robert Ferguson


from Singapore. Wikileaks. Canonical ID: 1976SINGAP00560_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1976SINGAP00560_b.html>. Acesso em: 05 out.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Expulsion of Reverend Robert Ferguson
from Singapore. Canonical ID: 1976STATE020608_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1976STATE020608_b.html>. Acesso em: 05 out.
2020.
800

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. GOK Deports dr. Carl McIntire.


Canonical ID: 1975NAIROB06326_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1975NAIROB06326_b.html>. Acesso em: 05 nov.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. GOU Bans Certain Religious
Organizations. Canonical ID: 1973KAMPAL01904_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1973KAMPAL01904_b.html>. Acesso em: 03 out.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Human Rights Action Plan. Canonical


ID: 1978LILONG00080_d. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1978LILONG00080_d.html>. Acesso em: 06 mar.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Human Rights Conference Denouces


ROKG. Canonical ID: 1973SEOUL08017_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1973SEOUL08017_b.html>. Acesso em: 31 mar.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Human Rights: Country Action Plans.


Canonical ID: 1977STATE127478_c. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1977STATE127478_c.html>. Acesso em: 09 mar.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Hospitalization of Evangelist's Wife.


Canonical ID:1978BRASIL05783_d. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1978BRASIL05783_d.html>. Acesso em: 26 abr. de
2021.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Information for Congressman Eilberg.


Canonical ID: 1977PRAGUE02977_c. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1977PRAGUE02977_c.html>. Acesso em: 22 mar.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Invitation to Ruth Carter Stapleton to


Visit Korea. Canonical ID: 1978SEOUL08445_d. Disponível em:
801

<https://wikileaks.org/plusd/cables/1978SEOUL08445_d.html>. Acesso em: 06 nov.


2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. John Paul II: 25 Year Champion of
Human Dignity. Canonical ID: 03VATICAN4751_a. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/03VATICAN4751_a.html>. Acesso em: 06 fev.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Kenyan Deportation of dr. Carl
McIntire. Canonical ID: 1975NAIROB06357_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1975NAIROB06357_b.html>. Acesso em: 05 nov.
2011.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Leader of Seventh-Day Adventist


Church Praises Freedom. Canonical ID: 1977LILONG02085_c. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1977LILONG02085_c.html>. Acesso em: 05 mar.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Letelier/moffit Case: Media Attention


Slackens. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1978SANTIA05878_d.html>. Acesso em: 05 nov.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Lopez Announces Colombian Intention
to Take over Summer Institute for Linguistics Operation. Canonical ID:
1975BOGOTA09904_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1975BOGOTA09904_b.html>. Acesso em: 21 out.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Meeting with Romanian Baptist Union
Leaders. Canonical ID: 1979BUCHAR02831_e. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1979BUCHAR02831_e.html>. Acesso em: 14 mar.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Missionary Reaction to Pro-ROKG
Statement New York Times (NYT). Canonical ID: 1974SEOUL04586_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1974SEOUL04586_b.html>. Acesso em: 31 mar.
2020.
802

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Muslim-Coptic Conflict in Assuit.


Canonical ID: 1977CAIRO14314_c. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1977CAIRO14314_c.html>. Acesso em: 05 out.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. NATO Assessment Series Contribution
Pass Following Via the NATO-Wide Communications System. Canonical ID:
1978STATE195038_d. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1978STATE195038_d.html>. Acesso em: 11 mar.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. NCCC-K Finances and Detention of
Rev. Kim Kwan-Sok. Canonical ID: 1975SEOUL02297_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1975SEOUL02297_b.html>. Acesso em: 31 mar.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Northern Protestant Church Holds Long
Awaited Congress. Wikileaks. Canonical ID: 04HANOI3257_a. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/04HANOI3257_a.html>. Acesso em: 27 out. 2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Partners for Progress - Working with
Vatican Development Agencies. Canonical ID: 03VATICAN283_a. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/03VATICAN283_a.html>. Acesso em: 07 fev. 2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. POLADS Paper on Poland. Canonical
ID: 1979WARSAW06414_e. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1979WARSAW06414_e.html>. Acesso em: 15 mar.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Political Protestants Want Change.
Canonical ID: 06MINSK446_a. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/06MINSK446_a.html>. Acesso em: 06 nov. 2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Post Reports on American Communities.
Wikileaks. Canonical ID: 1979MEXICO06033_e. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1979MEXICO06033_e.html>. Acesso em: 22 out.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Presidential Inauguration. Canonical
ID:1979BRASIL00875_e. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1979BRASIL00875_e.html>. Acesso em: 26 abr. de
2021.
803

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Proposed Transfer USG Helicopters to


PNG Missionary Group. Canonical ID: 1973CANBER02655_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1973CANBER02655_b.html>. Acesso em: 21 out.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Reaction of SIL Friends to Contract
Termination. Canonical ID: 1976LIMA03895_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1976LIMA03895_b.html>. Acesso em: 22 out. 2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Request for Assistance Concerning US
Citizens. Canonical ID: 1975SAIGON03383_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1975SAIGON03383_b.html>. Acesso em: 23 out.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Response to Amnesty International


Report on Human Rights in Romania. Canonical ID: 1979BUCHAR00425_e. Disponível
em: <https://wikileaks.org/plusd/cables/1979BUCHAR00425_e.html>. Acesso em: 14
mar. 2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Rev. Carl McIntire, chairman of


International Council of Churches comments on Corean Church Scene. Canonical ID:
1974SEOUL07695_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1974SEOUL07695_b.html>. Acesso em: 05 nov.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Sao Paulo Gets New Archbishop.
Canonical ID: 07SAOPAULO250_a. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/07SAOPAULO250_a.html>. Acesso em: 17 dez.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Sao Paulo’s Archbishop on Social
Issues. Canonical ID: 07SAOPAULO855_a. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/07SAOPAULO855_a.html>. Acesso em: 11 jan.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Slovakia Political Roundup July 19,
2004. Canonical ID: 04BRATISLAVA684_a. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/04BRATISLAVA684_a.html>. Acesso em: 07 fev.
2020.
804

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Soviet Dissidence: Thoughts on Future


Prospects. Wikileaks. Canonical ID: 1978MOSCOW00287_d. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1978MOSCOW00287_d.html>. Acesso em: 11 fev.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. State Department Report on Human
Rights in Korea: dissidents address open letter to president Carter. Canonical ID:
1978SEOUL01413_d. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1978SEOUL01413_d.html>. Acesso em: 30 mar.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Summer Institute of Linguistics.
Canonical ID: 1975MEXICO05045_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1975MEXICO05045_b.html>. Acesso em: 22 out.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Summer Institute of Linguistics.
Canonical ID: 1975MEXICO09131_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1975MEXICO09131_b.html>. Acesso em: 22 out.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Summer Institute of Linguistics Draws
Criticism. Código de referência 1975BOGOTA06132_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1975BOGOTA06132_b.html>. Acesso em: 17 mar.
2021.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Siad's Visit to Saudi Arabia. Canonical
ID: 1979MOGADI02427_e. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1979MOGADI02427_e.html>. Acesso em: 07 fev.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Tanzania's Religious Landscape.
Canonical ID: 09DARESSALAAM73_a. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/09DARESSALAAM73_a.html>. Acesso em: 08 fev.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. The INC and El Shaddai: Two
Philippine Religious Groups with Political Clout. Canonical ID: 05MANILA5130_a.
Disponível em: <https://wikileaks.org/plusd/cables/05MANILA5130_a.html>. Acesso
em: 23 jun. 2021.
805

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. The Summer Institute of Linguistics


Come Under Investigation in Mexico. Canonical ID: 1979MEXICO12907_e. Disponível
em: <https://wikileaks.org/plusd/cables/1979MEXICO12907_e.html>. Acesso em: 22
out. 2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Upcoming Visit of Egyptian Religious


Delegation to South Korea. Canonical ID: 1976CAIRO06710_b. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1976CAIRO06710_b.html>. Acesso em: 01 abr.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Update on Religious Dissidents.


Canonical ID: 1978BUCHAR06434_d. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1978BUCHAR06434_d.html>. Acesso em: 10 mar.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. US-Romanian Bilateral CSCE


Consultations: Discussion of Declaration of Principles and Human Rights. Canonical ID:
1979BUCHAR02840_e. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1979BUCHAR02840_e.html>. Acesso em: 12 mar.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Venezuelan Press Adding to


Controversy over U.S. Missionaries Work with Indians in Interior. Canonical ID:
1978CARACA12017_d. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1978CARACA12017_d.html>. Acesso em: 06 fev.
2020.

WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. Visit of Romanian Religious Leaders -


Meeting with Nimetz and Derian. Canonical ID: 1979STATE162159_e. Disponível em:
<https://wikileaks.org/plusd/cables/1979STATE162159_e.html>. Acesso em: 11 mar.
2020.
WIKILEAKS. Public Library of US Diplomacy. World Vision Terminates Activities in
Laos; Other VOLAGS Come under Pressure. Canonical ID: 1975VIENTI03469_b.
Disponível em: <https://wikileaks.org/plusd/cables/1975VIENTI03469_b.html>. Acesso
em: 24 set. 2020.
806

Legislação
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 2.058, de 1999. Dispõe sobre o
contrato especial de trabalho na Agricultura e na construção Civil e determina outras
providências. Disponível em:
<http://imagem.camara.gov.br/MostraIntegraImagem.asp?strSiglaProp=PL&intProp=20
58&intAnoProp=1999&intParteProp=1#/>. Acesso em: 25 maio 2021
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 2.062, de 1999. Dispõe sobre multas
de mora nos financiamentos concedidos aos setores industrial e rural. Disponível em:
<http://imagem.camara.gov.br/MostraIntegraImagem.asp?strSiglaProp=PL&intProp=20
62&intAnoProp=1999&intParteProp=1#/>. Acesso em: 25 maio 2021.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Requerimento n. 23/2001. propõe a realização de
CICLO DE DEBATES para discutir a Desoneração da Folha de Pagamento, com Juristas,
representantes do Governo, das Centrais Sindicais, da Indústria, do Comércio, dos
Transportes, de Serviços e das Entidade Patronais. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=28330>.
Acesso em: 25 maio 2021.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Requerimento n. 57/2002. Requer o envio de indicação
ao Ministério das Relações Exteriores sugerindo que o escritório de representação
comercial de Taiwan no Brasil obtenha status diplomático. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=37649&file
name=REQ+57/2002+CREDN>. Acesso em: 25 maio 2021.
PINDAMONHANGABA. Projeto de Lei Ordinária n. 71/2016 de 27 de junho de 2016.
Denomina a Escola Municipal localizada no Bairro Araretama, de Pastor João Kolenda
Lemos e Missionária Ruth Dóris Lemos. Disponível em:
<https://sapl.pindamonhangaba.sp.leg.br/pysc/download_materia_pysc?cod_materia=N
zMwNzk=&texto_original=1>. Acesso em: 13 fev. 2021.

Você também pode gostar