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módulo 4
A MENTALIDADE CONSERVADORA
SEGUNDO RUSSEL KIRK

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aula 1
CRENÇA EM UMA ORDEM QUE
TRANSCENDE O ENTENDIMENTO
HUMANO

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Aula 1
crença em uma ordem que transcende o entendimento humano
Este módulo será focado no filósofo político e historiador norte-america-
no Russell Kirk (1918-1994), que tem como obra principal o livro “A Menta-
lidade Conservadora”, uma obra recém traduzida pela editora paulista
“É Realizações”.

No livro, ele enfrenta uma questão que envolve a não existência de uma
ideologia na tradição conservadora, no sentido de que a tradição con-
servadora seria muito mais um “pensamento de trincheira”, visto que ela
reage àquilo que os seus representantes, dependendo de cada contexto
e época, entendem que deve ser enfrentado.

Além disso, na mesma obra, Kirk vai apresentar uma espécie de síntese
de alguns elementos que constituem a tradição conservadora.

Antes de nos aprofundarmos mais nas ideias do autor, é válido ressaltar


que Kirk não era um filósofo e historiador cético, como é o caso de figuras
como Michael Oakeshott (1901-1990) e Thomas Sowell (1930). Ao contrá-
rio deles, Kirk era um praticante do catolicismo.

Sendo assim, Russell Kirk é, dentre todos os outros pensadores conserva-


dores que serão citados neste curso, aquele que está mais próximo de
uma certa influência religiosa, considerando que essa influência se ma-
nifesta como uma ideia de cultura e tradição.

Como já foi falado, apesar de tentar listar tópicos que seriam represen-
tantes do pensamento conservador, Kirk também reconhece que é mui-
tas vezes difícil determinar o que seria uma “visão de mundo conserva-
dora”, ou uma “proposta de visão de mundo” pelo conservadorismo.

A frase já citada neste curso de Edmund Burke (1729-1797): “A sociedade


é uma comunidade de almas que reúne os mortos, os vivos e os que ain-
da não nasceram”, é muito importante para os estudos de Kirk.

Pois através do estudo e análise desta frase, Kirk vai concluir que a histó-
ria humana é o resultado de uma valorização muito grande daquilo que
já foi realizado no passado. Por isso, Kirk vai também olhar para a tra-
dição, especialmente a tradição religiosa, como algo muito importante
para que se aprenda a viver. Portanto, para ele, a crença na transcen-
dência é algo que deve ser levado a sério.

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Mas o que exatamente significa esta dimensão transcendente?

A ideia de dimensão transcendente implica na noção de que existem for-


ças um tanto quanto misteriosas, ou um tanto quanto espirituais, agin-
do na história humana. Estas forças espirituais provêm de crenças muito
antigas da humanidade, já que grande parte dela foi, e ainda é, muito
religiosa.

Acreditar, portanto, na existência de uma dimensão transcendente é


acreditar que na história humana, há forças que não são possíveis de
identificação científica. Ou seja, Deus não pode ser considerado uma va-
riável passível de teste epistemológico e nem pode ser testado em labo-
ratório, por exemplo.

Desta forma, acreditar na existência de uma dimensão histórica que é


verdadeiramente transcendente, significa acreditar que devemos aco-
lher crenças que os mortos tinham, e que as pessoas vivas mantêm exis-
tindo.

Explicado o que é dimensão transcendente, outra pergunta surge: o que


então significa acreditar na existência de uma dimensão transcendente
na história?

Do ponto de vista da crença religiosa ocidental, significa acreditar na


existência de Deus. E acreditar na existência de Deus representa a ade-
são a certas tradições religiosas e interpretações históricas.

Desta forma, na visão de Kirk, há a mão de Deus que age sobre a histó-
ria. Porém, como não temos acesso a isso por se tratar de um elemento
transcendente, devemos aceitar a existência de seus “intérpretes”, diga-
mos assim. Esses “intérpretes”, no caso, são as instituições religiosas.

Respeitar a existência dessas instituições é também compreender que


a vida é atravessada por uma dimensão transcendente. Esta travessia
consiste em entender que a vida não é apenas um objeto de entendi-
mento científico, e defender esta tese pode significar, em muitos casos,
entrar em conflito com interpretações estritamente científicas da reali-
dade, como o darwinismo.

Em resumo, segundo Russell Kirk, a mentalidade conservadora é uma


mentalidade com sensibilidade para o transcendente. Além disso, é uma

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mentalidade que aceita a presença de um mistério, que é interpretado
das mais variadas formas pelas instituições religiosas.

Esse acolhimento das diferentes interpretações religiosas pode ainda nos


levar a entender que a história não é posse única do ser humano, visto
que também devemos ser reverentes aos seus mistérios, e compreender
a ação da dimensão transcendente em nossas vidas.

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aula 2
A AFEIÇÃO PELA MISTERIOSA
DIVERSIDADE HUMANA: A MORAL É
ANTERIOR A POLÍTICA

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Aula 2
A afeição pela misteriosa diversidade humana: a moral é
anterior a política
Russell Kirk, através de sua obra “A Mentalidade Conservadora”, tenta
mapear algumas características da tradição conservadora, além de re-
conhecer que não há propriamente uma visão de mundo conservadora,
ou mesmo uma ideologia do conservadorismo.

E falando sobre a questão da dimensão transcendente, abordada na


aula anterior, a concepção de sociedade que reúne os mortos, os vivos
e os que ainda não nasceram, por um lado, entende que há uma certa
“irracionalidade” naqueles que acolhem ou interpretam tais forças como
uma ação espiritual.

Contudo, para praticar este acolhimento, você não precisa necessaria-


mente ser religioso, e sim entender que há dimensões na história huma-
na que não conseguem ser exatamente compreendidas pelo seu funcio-
namento.

Kirk vai ainda dizer que o espírito conservador tem afeição por essa di-
mensão histórica um tanto quanto misteriosa. Esta afeição pode ser cha-
mada de “acolhimento positivo”.

Nós, então, somos afetados por isso, e apresentamos um afeto receptivo


à dimensão transcendente. Isso faz com que você entenda a existência
de uma certa “dimensão mística”, aspecto típico no entendimento da
relação da Igreja Católica com a história e consigo mesma.

Há, por exemplo, o “corpo místico” da Igreja, uma dimensão institucional


da Igreja em que o espírito de Deus está objetivamente posto, porém
continua misterioso.

Esse olhar misterioso e espiritual sobre a história é muito forte na acep-


ção conservadora de Russell Kirk, dando-lhe um toque diferente em re-
lação a Michael Oakeshott, que possuía um viés mais cético, por assim
dizer.

Esta afeição de Kirk pela dimensão extrarracional, que não é passível de


ser dissecada em um laboratório histórico, por exemplo, se manifesta em
duas características. A primeira delas, como dita pelo próprio Kirk, é a

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afeição pela heterogeneidade misteriosa da humanidade.

Mas o que exatamente significa isso?

Esta heterogeneidade representa um acolhimento do fato de que a hu-


manidade não consegue estabelecer um padrão estritamente racional
para o comportamento humano, ou para as civilizações que existem ou
já existiram.

Na verdade, em muitos casos, nós nem conseguimos estabelecer um pa-


drão estritamente racional para uma operação institucional.

Portanto, no olhar de Kirk, está presente um enorme sentimento de hu-


mildade e de reverência por essa experiência estabelecida ao longo de
milênios pela humanidade, além de um certo cuidado para que não
saiamos dissecando essa experiência e criando aquilo que ele olhava
com enorme desconfiança: a tendência à “engenharia social”.

A respeito dessa questão, há um termo que era muito utilizado por Kirk e
que representava esse receio frente a tentativa de estabelecer um nive-
lamento e uma produção de homogeneidade na humanidade. Trata-se
do termo “leveling” (em português, “nivelamento”).

Esta tentativa de produção homogênea era claramente uma forma de


oposição a essa afeição pelo caráter heterogêneo e pela diversidade
misteriosa.

Com isto dito e explicado, é possível concluir então que a sensibilidade


conservadora olha para essa humanidade confusa com reverência, to-
mando cuidado ao achar que é possível pegar essa heterogeneidade e
essa diversidade para transformar em uma tábula reta.

No pensamento de Kirk, portanto, há uma enorme reverência pela ex-


periência histórica das gerações passadas, e pela forma com que essas
gerações compreenderam as formas de agir.

Tal pensamento introduz a segunda característica da afeição de Kirk


pela dimensão extra-racional: a ideia de que a moral precede a política.

Esta ideia, que já era presente com Edmund Burke e que será aplicada
por Russell Kirk, nos leva a entender que a compreensão e a lida com o
ser humano representam, antes de tudo, a moral. E apenas depois dessa
análise e conclusão, elas podem ser realizadas a partir de ideias políticas.

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aula 3
NÃO EXISTE PERFECTIBILIDADE HUMAHA:
A RECUSA DAS ENFENHARIAS SOCIAIS E
POLÍTICAS

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Aula 3
Não existe perfectibilidade humana: a recusa das engenharias
sociais e políticas
A ideia apresentada na aula anterior, que envolve a anterioridade da
moral em relação à política, significa que devemos tomar cuidado com
a ideia de que a política pode reger as nossas vidas em todas as esferas.

No entendimento de Kirk, portanto, a ideia de que a política é anterior


à moral significa defender e aceitar as tais engenharias político-sociais.

Um exemplo dessas engenharias seriam as escolas decidindo que vão


cuidar de todas as crianças, e que as famílias não devem ter participa-
ção nesta criação, visto que elas seriam excessivamente conservadoras.
O Estado, então, decidiria muito mais sobre a educação das crianças do
que propriamente as suas famílias.

Sendo assim, a posição estabelecida por Kirk é a de que apesar das es-
colas serem fundamentais, os primeiros responsáveis pela formação das
crianças são as famílias. Não à toa, uma das características mais fortes
da sensibilidade conservadora é quase que uma certa “ojeriza” às enge-
nharias político-sociais.

Desta forma, no foco da dúvida em relação às engenharias político-so-


ciais, presente no pensamento de Kirk e um fator marcante da sensibili-
dade conservadora em geral, está uma ideia citada na aula passada: a
recusa do conceito de “leveling”.

Antes da explicação, é válido ressaltar que há duas recusas importantes


presentes no olhar sobre a questão das engenharias político-sociais: a
recusa do conceito de “leveling” e a recusa pela perfectibilidade huma-
na.

A educação é uma das áreas que mais sofre com as teorias de engenha-
ria político-sociais. Contudo, chego a conclusão de que o grande resul-
tado da educação é, na verdade, observar os adultos que as crianças se
tornaram. Para Kirk, então, deveríamos respeitar o que pode ser chama-
do de “experiência acumulada”, que não apresenta resultados imediatos
e analisa as consequências da educação baseada nas gerações que se
formaram.

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Sendo assim, a ideia de Russell Kirk é a de que não devemos tentar fazer
com que a humanidade seja toda igual, ou de que as pessoas sejam ho-
mogeneizadas. Está aí, no caso, a crítica ao conceito de “leveling”.

Kirk ainda vai apresentar um distanciamento, além de um olhar crítico,


sobre a sociedade de mercado. Afinal de contas, ao contrário do que
muitos pensam, a sensibilidade conservadora também é crítica do capi-
talismo e dos seus excessos, apesar de entender que a sociedade comer-
cial é uma tradição social.

Ele também se mostrará muito desconfiado em relação à ideia de que


você pode criar políticas a partir de engenharias sociais e de uma lin-
guagem mais contemporânea, sejam essas engenharias socialistas ou
vindas do marketing. Além disso, será ainda um grande crítico da ideia
que dá nome a esta aula: a perfectibilidade humana.

Portanto, do ponto de vista de Kirk, a crítica da perfectibilidade humana


é muito importante na tradição conservadora, além de estar intimamen-
te ligada à crítica da engenharia político-social.

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aula 4
MUDANÇA SÓ NO VAREJO,
NUNCA NO ATACADO

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Aula 4
Mudança só no varejo, nunca no atacado
Nesta aula, uma questão muito importante será enfrentada pela tradi-
ção conservadora: “Mudança só no varejo, nunca no atacado”.

Esta ideia não diz que a sensibilidade conservadora é contrária às mu-


danças. Afinal de contas, ninguém pode ser contrário às mudanças, visto
que elas são naturais e aconteceram ao longo de toda a história.

Porém, uma grande questão atual para a filosofia conservadora é per-


guntar-se o que resta ser conservado. Trata-se, portanto, de uma discus-
são bastante profunda.

De qualquer forma, essa pergunta será melhor analisada no último mó-


dulo. Sendo assim, a pergunta que fica é: como o pensamento conserva-
dor lida com a ideia de mudanças?

Considerando a era em que vivemos, as mudanças se tornaram quase


que um fator imperativo. Desta forma, o processo de transformação é
constante.

Mas então como podemos olhar para isso e evitar a ideia de engenharia
social, falada anteriormente? Ou como podemos evitar a ideia de que
todos sejam iguais?

A tradição conservadora olha para a ideia de perfectibilidade humana


de forma muito cética. Ou seja, há uma desconfiança acerca da ideia de
que o “aperfeiçoamento acumulativo” do ser humano é, na verdade, um
risco de agressão ao comportamento humano e à vida psicológica.

Atualmente, existe uma corrente psicológica chamada “psicologia posi-


tiva”, cuja uma das características é pensar os afetos e comportamentos
como valores agregados ao sucesso.

Tal forma de pensamento é o que gera a desconfiança da tradição con-


servadora acerca desses processos. Uma desconfiança que, inclusive,
dialoga bem com certas correntes filosóficas mais profundas.

A obrigação de ser feliz, muito presente no discurso do marketing e no

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discurso corporativo, seguramente leva a pessoa ao sofrimento. Além
disso, a ideia de que é possível olhar para a vida humana como uma em-
presa, hábito que se tornou muito comum a partir dos anos 2000, pode
gerar a chamada “psicopatologia”.
Portanto, as mudanças, na visão da tradição conservadora, devem ser
mudanças que olham para problemas concretos e pensam em soluções
aplicáveis a esses mesmos problemas concretos.

Uma mudança no atacado, então, representaria uma mudança movi-


da por uma visão de mundo. Tendo como base alguns acontecimentos
históricos, essas “mudanças no atacado” puderam ser observadas tanto
na Revolução Francesa, de 1789, quanto na Revolução Bolchevique, que
ocorreu na Rússia, em 1917.

Já a mudança no varejo se trata de simplesmente olhar para um proble-


ma que está acontecendo e buscar uma solução que esteja relacionada
a este mesmo problema. Logo, não se deve buscar soluções grandiosas,
e sim soluções que correspondam a certas tendências que não mudarão.

Os problemas sociais, portanto, devem ser analisados de forma concreta


e dentro de um contexto específico.

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Citações e bibliografias:

Russell Kirk (1918-1994) - filósofo político e historiador norte-americano.

Livro “A Mentalidade Conservadora”, de Russel Kirk.

Edmund Burke (1729-1797) - filósofo, teórico político e orador irlandês,


amplamente reconhecido como o fundador do conservadorismo moder-
no.

Michael Oakeshott (1901-1990) - filósofo e teórico político inglês.

Thomas Sowell (1930) - economista, crítico social e filósofo político nor-


te-americano.

Liev Tolstói (1828-1910) - escritor russo, amplamente reconhecido como


um dos maiores de todos os tempos.

B.F. Skinner (1904-1990) - psicólogo, inventor e filósofo norte-americano.

Livro “Walden II: Uma Sociedade do Futuro”, de B.F. Skinner.

Nelson Rodrigues (1912-1980) - escritor, jornalista e dramaturgo brasileiro.

Fonte: Wikipédia

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