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Você é justo?

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“Deus tornou pecado por nós aquele que não tinha pecado, para que nele nos tornássemos
por
justiça de Deus”.2 Coríntios 5.21 Tullian
Tchividjian
Comportamento ético é um termo muito usado na psicologia que define a justiça
exclusivamente por termos do que alguém faz ou deixa de fazer. Neste sentido, uma pessoa
justa é aquela que faz coisas certas e evita as erradas. Uma pessoa injusta é a que faz coisas erradas
e evitas as certas. Definida desta forma, justiça é uma qualidade que pode ser julgada pela
observação do comportamento de alguém. Então, virtude e retidão são puramente questões de
conduta externa, sem qualquer indício do que se passa dentro de você.

William Hodern ilustra bem como a justiça é definida pelo mundo:

As instituições que fazem cumprir a lei estão preocupadas com um comportamento


correto. Eles não se preocupam com o porquê das pessoas obedecerem à lei, desde
que a obedeçam. A pessoa que não as quebra é justa aos seus olhos, independente da
motivação que produziu o comportamento desejado.

No Sermão do Monte, Jesus quebra radicalmente essa definição de justiça. Ele ignora inteiramente o
comportamento externo de uma pessoa e olha para o que está no coração. Jesus insiste que justiça
não é simplesmente uma questão de o que fazemos ou deixamos de fazer, mas sim uma questão do
por que nós fazemos isso ou por que não fazemos.

Há alguns anos atrás, quando meus filhos eram jovens, eles reuniam todas as crianças da vizinhança
em nosso quintal para jogar futebol americano. E de vez em quando, um passe saía errado e ia parar
na grama do vizinho. Meu vizinho (um idoso irritado, rabugento e mal-humorado) sempre vinha pra
fora gritando com meus filhos e seus amigos dizendo que iria confiscar a bola se isso ocorresse de
novo. Meus filhos, muito novos nessa época, sempre entravam em casa com os olhos cheios de
lágrimas, os lábios trêmulos, por causa do medo que eles tinham desse vizinho. Bem, briguento que
sou, muitas vezes eu desejei ir marchando até meu vizinho e falar umas verdades para ele. Eu queria
deixar claro para ele que se ele gritasse com meus meninos de novo… bem, você entendeu. Todavia,
eu nunca fiz isso. Eu o encarava de vez em quando, mas nunca fui à porta dele para falar isso. Alguns
diriam que a minha opção por deixar meu vizinho quieto era um ato de justiça. Eu estava exercendo
amor, paciência e autocontrole. Mas foi isso mesmo?

Somente eu e Deus (e agora você!) sabemos a verdadeira razão real de eu nunca ter ido atrás do
meu vizinho: o risco potencial era muito alto para mim. Eu não queria problemas, não queria que ele
chamasse a polícia, não queria que ele apresentasse uma queixa contra mim ou minha família na
nossa associação de moradores, não queria ele fofocando de nós para as outras pessoas do bairro
para que elas pensassem mal de mim. Além disso, todos sabiam que eu sou pastor e eu não queria
manchar minha imagem. E assim por diante. Em outras palavras, a mesma coisa que fez a superfície
parecer justa foi motivado por algo terrivelmente injusto: o egoísmo.

Então, a aparente “justiça” do meu ato foi destruída pela motivação que a inspirou. Não foi tão “justa”
assim, para não dizer o pior.

Hodern continua dizendo isso muito claramente:


Antes de um assassinato ou adultério ter sido cometido, primeiro, existem as
motivações da pessoa envolvida. Em seu coração há uma raiva assassina ou luxúria
adúltera. O que Jesus diz no Sermão do Monte é que muitas pessoas podem ter essas
mesmas motivações em seus corações sem mostrá-las em ações externas. Pode haver
várias razões para agir contra nossas motivações, mas obviamente a razão mais
comum é o medo das conseqüências. As leis de todas sociedades tornam perigoso
cometer um assassinato e as leis e pressões sociais tornam custoso cometer um
adultério. Portanto, quando uma pessoa se abstém de certa atitude, pode não ser por
causa do seu coração puro, mas simplesmente por uma questão de auto-proteção.
Jesus está dizendo que quando a motivação para não agir de acordo com um desejo é
o egoísmo, essa pessoa é tão injusta aos olhos de Deus quanto a pessoa que cometeu
o crime.

A razão disso ser tão importante é que muitos cristãos pensam que Deus se importa apenas que eles
obedeçam. De fato, muitos acreditam que é muito mais honrável e, portanto, muito mais “justo”,
quando obedecemos a Deus contra todos nossos desejos. De onde tiramos a idéia de que se
fizermos tudo o que Deus nos diz para fazer, ainda que “nossos corações estejam longe dEle”, é algo
para se orgulhar, algo admirável, louvável ou justo? Não me entenda errado, nós devemos obedecer
mesmo quando não nos sentimos assim (espero que meus filhos, por exemplo, limpem seus quartos e
respeitem sua mãe e eu, mesmo quando eles não se sintam assim). Mas não vamos cometer o erro
comum de, orgulhosamente, igualar isso à justiça que Deus exige.

A verdade é que Deus não está preocupado com qualquer tipo de obediência. Ele está preocupado
com certo tipo de obediência. O que motiva nossa obediência determina se o que praticamos é
sacrifício de louvor ou não. Fazer o certo com o coração errado revela uma profunda injustiça, e não
justiça. T.S. Eliot diz melhor: “A última tentação é a pior traição: ter a atitude correta pela razão errada”.

Se o que Deus procura é qualquer tipo de obediência, independente do que a motiva, então ele teria
exibido os fariseus e exortado a todos nós para seguirmos seus exemplos e imitá-los. Mas ele não fez
isso. Jesus os chamou de “sepulcros caiados” – limpos por fora, mas mortos por dentro. Eles
obtiveram sucesso ao alcançar um “comportamento justo” e acharam que isso era o que mais
importava para Deus. Mas Jesus disse, “Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por
dentro estão cheios de hipocrisia e maldade” (Mateus 23.28). De novo Jesus nos mostra que a
verdadeira justiça é uma questão de coração – o que está dentro importa mais do que está fora. Isso é
o que ele quis dizer em Mateus 5.20: “Pois eu lhes digo que se a justiça de vocês não for muito
superior à dos fariseus e mestres da lei, de modo nenhum entrarão no Reino dos céus”.

No Sermão do Monte, Jesus quer nos deixar livres ao mostrar nossa necessidade de uma justiça que
nunca alcançaremos por nós mesmos, uma justiça impossível que está sempre além de nossa
capacidade. O propósito do Sermão do Monte é demolir todas as noções de que podemos alcançar a
justiça que Deus requer – ele trata de exterminar todas as tentativas de um comportamento moral
autossuficiente.

Justiça externalizada é algo que todos podemos encontrar em nós mesmos com uma pequena
autodisciplina e um pouco de auto-justiça. Mas Jesus quer que nós vejamos que, independente de
quão bom o ato que estamos praticando, ou quão retos achamos que somos, quando vemos que
“você, portanto, deve ser perfeito como o Pai celeste é perfeito” torna-se o padrão e não o “quanto eu
tenho melhorado ao longo dos anos”, percebemos que estamos muito pior do que imaginávamos, que
a injustiça é inevitável e que mesmo as coisas mais nobres que fazemos tem algo que deva ser
perdoado.

[tweet link="http://iprodigo.com/?p=7107"]Jesus me mostra que o que quer que eu pense que seja a
minha maior depravação, na verdade, minha situação é bem pior[/tweet]
Em Mateus 5.17-48, Jesus me mostra que o que quer que eu pense que seja a minha maior
depravação, na verdade, minha situação é bem pior: se eu acho que é raiva, Jesus me mostra que na
verdade é assassinato; se eu acho que é lascívia, Jesus me mostra que na verdade é adultério; se eu
acho que é impaciência, Jesus me mostra que na verdade é idolatria. Dolorosamente, isso revela
minha justiça como um castelo de cartas, que é o que ela realmente é. Quebra meu coração e mostra
minha profunda necessidade de uma ajuda externa, uma “justiça alheia”.

Somente quando nosso entendimento de justiça “excede a dos escribas e fariseus”, e vai além da
conduta exterior, iremos perceber a impossibilidade de alcançarmos justiça por nós mesmos e a
necessidade de recebermos a justiça de Cristo. Não há nada que pecadores odeiam mais do que
ouvirem que não há nada que eles possam fazer, que tudo foi tirado de suas mãos, que não importa
quão difíceis têm sido suas tentativas, o seu melhor nunca é bom o suficiente. Mesmo assim, nunca
seremos livres até que desistamos de lutar por uma justiça que reivindiquemos como nossa.

No sermão intitulado “The Death of Self” [ “A morte do Eu” ], Gerhard Forde mostra como a obra de
Cristo a nosso favor finalmente destrói qualquer presunção de que exista algo aceitável que possamos
trazer a Deus:

Na traição do Gêtsemani, quando a multidão vem contra Jesus com espadas e


pedaços de pau, os discípulos queriam fazer alguma coisa. Eles ainda queriam fazer
sua parte para Deus. Eles queriam tomar as espadas, arriscar suas vidas, talvez, e
lutar. Um deles saca a espada e arranca a orelha de um dos agressores. Mas Jesus
não queria nada disso: “Guarde sua espada”, ele diz, “não há nada que você pode
fazer”. No relato de Lucas, o próprio Jesus estende a mão para desfazer o que o
discípulo fizera, e cura o homem ferido. Sem dúvida, nesse ponto tudo dentro de nós
grita em protesto juntamente com os discípulos. Não há nada que possamos fazer?
Não poderíamos pelo menos organizar uma marcha de protesto em nome de Deus?
Não poderíamos tentar uma audiência com Pilatos? Não poderíamos tentar “influenciar
as estruturas” que detinham o poder? Qualquer coisa, mesmo que pequena? Mas a
resposta inflexível retorna, ”Não, não há nada que vocês possam fazer, absolutamente
nada. Se houvesse algo a ser feito, meu Pai mandaria legiões de anjos para lutar!” Mas
não há nada a ser feito. E quando ele chegou ao último momento de amargura, quando
estes bons homens “justos” finalmente perceberam que não havia nada que pudessem
fazer, eles o abandonaram e fugiram.

Você consegue perceber isso? Você consegue ver o que está escondido nestas
palavras, nestes eventos, é que a própria morte que você tem tanto medo vem até
você? Quando eles finalmente viram que não podiam fazer nada, eles o abandonaram
e fugiram diante desta verdade desconcertante. Você, que presume que pode fazer
negócios com Deus, você enxerga isso? Você consegue ver que essa morte de si
mesmo, em última análise, não é algo que você pode fazer? Para esse ponto é que
Deus tem reservado para si, de uma vez por todas, a responsabilidade da sua
salvação. Aqui, não há nada que você possa fazer agora a não ser, como dizem as
palavras daquele velho hino: “subir a escalada triste do calvário”, ficar com seus braços
impotentes ao seu lado e tremer diante do “milagre, o sacrifício do próprio Deus se
completou! Está consumado; ouvi-lo chorar, aprender com a morte de Jesus Cristo!”

Na cruz, “Deus invadiu o último reduto de auto-suficiência, a última presunção que você poderia fazer
alguma coisa para ele… Ele morreu em seu lugar! Ele fez isso. Ele fez. Está tudo terminado e
acabado entre você e Deus. Ele morreu em seu lugar, morreu quando você deveria morrer. Ele fez
dessa maneira para salvar você. Ele tomou tudo sobre si. O fato de que não há mais nada que se
possa fazer é a morte do ego e o nascimento da nova criatura” (Forde).

Sendo tudo, ele se tornou nada para que você, sendo nada, pudesse ter tudo. Você não trouxe nada
para a mesa, a não ser a sua injustiça que faz necessária a justiça de Cristo. A perfeita justiça de
Cristo foi livremente creditada na sua conta falida para sempre (o que, teologicamente, chamamos de
“imputação”). O evangelho é uma boa notícia para aqueles que finalmente foram esmagados pelo
peso de tentarem fazer “justiça” por conta própria.

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morte do ego e o nascimento da nova criatura[/tweet]

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