Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O grupo de rap Racionais MC`s aborda em suas músicas a dura realidade de quem vive
nas favelas e periferias do Brasil, passando por temas como racismo, drogas e exclusão
social. A música “A vida é desafio” feita em parceria com Afro-x apesar de não focar no
mundo do trabalho em si, possibilita, a partir de alguns trechos que serão destacados
abaixo, algumas reflexões relacionadas com a bibliografia estudada ao apresentar
obstáculos que a população preta e periférica tem de enfrentar no dia a dia, além de
representar um grito de esperança e motivação para que o trabalhador que se
identifique com a letra possa ter mais forças para lutar e se manter no mundo do
trabalho honestamente, como veremos a seguir:
Nesta frase podemos pensar que o cantor conseguiu durante certo tempo se esquivar
do ciclo vicioso, ou seja, dos perigos que rondam seu ambiente como a drogadição e a
criminalidade, talvez através de bicos e trabalhos informais, dado seu contexto, já que
é sabido que “o mercado formal de trabalho e suas instituições nunca incluíram a
todos” (Cardoso, 2010, p. 229 apud Barros, 2020)
Aqui o eu lírico não mais se preocupa com seus sonhos de infância como no começo da
música, mas se vê seduzido pelo sonho de riqueza capitalista, tão disseminados
através de propagandas e discursos meritocráticos nos mais diversos meios. Essa
obrigação de sucesso que o capitalismo impõe e a “troca” de sonhos do cantor é um
exemplo de como o capitalismo não se reduz à esfera econômica, mas se apropria
cada vez mais das determinações da existência humana e se reproduz a partir da
criação e da determinação de modos de vida (Engels, 2010 apud Barros, 2020). Assim,
Afro-x enxerga no crime o meio de atingir a tão sonhada riqueza, talvez buscando
também uma atividade que não o coloque em posição de submissão, mas que lhe dê a
sensação de poder sobre si, afinal “A experiência subjetiva do trabalho depende do
grau de poder de que o sujeito dispõe” (Lhuilier, 2014, p. 10). Mesmo que a atuação
no crime represente um poder ilusório e passageiro como demonstrado nos versos
seguintes:
(...)
Falo do enfermo, falo do são
Falo da rua aqui pra esse louco mundão
Que o caminho da cura pode ser a doença
Que o caminho do perdão às vezes é a sentença
(...)
No esporte, no boxe ou no futebol
Alguém sonhando com uma medalha o seu lugar ao sol
Porém fazer o quê se o maluco não estudou
500 anos de Brasil e o Brasil aqui nada mudou (...)
Neste trecho a música menciona uma das poucas oportunidades de ascensão social
presentes no contexto das favelas, que é através do talento e dedicação ao esporte, já
que, como o terceiro verso denuncia, o ensino escolar de qualidade, que abriria portas
para outros segmentos trabalhistas promissores, é negado às crianças periféricas.
Nesse último verso, é evocada a semelhança dessa realidade atual de negação do
acesso ao ensino público de qualidade à população preta e pobre com o Brasil recém
descoberto, caracterizando-o como um país que se estrutura a partir do trabalho
escravo e de todo racismo engendrado na produção de vida e de morte (Barros, 2020)
[Afro-X]
O aprendizado foi duro e mesmo diante desse revés não parei de sonhar
Fui persistente porque o fraco não alcança a meta
Através do rap corri atrás do preju e pude realizar o meu sonho
Por isso que eu, Afro-X, nunca deixo de sonhar (...)
A história que estava sendo contada no começo da obra tem sua conclusão e Afro-X
conta como conseguiu realizar seus objetivos de forma lícita, através do rap. O
trabalho de Afro-x então é o artístico, o que nos remete às contribuições de Winnicott
(1975) que diz que a criatividade “dá ao indivíduo o sentimento de que a vida vale a
pena ser vivida”. A história do cantor também é um incentivo à massa de
trabalhadores brasileiros que sonham em ter condições melhores, não só através de
uma carreira artística de sucesso mas do uso da criatividade em qualquer que seja a
ocupação exercida, afinal como Lhuilier (2014, pág 13) colocou, a criatividade não
pode ser reduzida à criação que obteve sucesso e foi reconhecida. Trata-se, antes, da
criatividade do dia a dia, que dá provas de uma boa saúde, ao passo que a submissão
ou a vida não criativa pode ser vista como uma doença.