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Joao pedro “rodo cotidiano”’

Comentar a relaçao do curral com o homem boi de Taylor

O grupo de rap Racionais MC`s aborda em suas músicas a dura realidade de quem vive
nas favelas e periferias do Brasil, passando por temas como racismo, drogas e exclusão
social. A música “A vida é desafio” feita em parceria com Afro-x apesar de não focar no
mundo do trabalho em si, possibilita, a partir de alguns trechos que serão destacados
abaixo, algumas reflexões relacionadas com a bibliografia estudada ao apresentar
obstáculos que a população preta e periférica tem de enfrentar no dia a dia, além de
representar um grito de esperança e motivação para que o trabalhador que se
identifique com a letra possa ter mais forças para lutar e se manter no mundo do
trabalho honestamente, como veremos a seguir:

(recomendo ouvir e ler a letra da música completa: https://www.youtube.com/watch?


v=PQin7NsK7SM)

Sempre fui sonhador! É isso que me mantem vivo


Quando pivete, meu sonho era ser jogador de futebol. Vai vendo...
Mas o sistema limita nossa vida de tal forma, que eu tive que fazer minha
escolha: sonhar ou sobreviver

Logo na introdução Afro-x denuncia uma realidade muito comum que é a


impossibilidade de seguir um sonho, de trabalhar com aquilo que a pessoa realmente
quer devido às dificuldades que sua condição social e financeira lhe impõe dentro do
sistema capitalista.

Os anos se passaram e eu fui me esquivando do ciclo vicioso.

Nesta frase podemos pensar que o cantor conseguiu durante certo tempo se esquivar
do ciclo vicioso, ou seja, dos perigos que rondam seu ambiente como a drogadição e a
criminalidade, talvez através de bicos e trabalhos informais, dado seu contexto, já que
é sabido que “o mercado formal de trabalho e suas instituições nunca incluíram a
todos” (Cardoso, 2010, p. 229 apud Barros, 2020)

Porém o capitalismo me obrigou a ser bem sucedido


Acredito que o sonho de todo pobre, é ser rico
Em busca do meu sonho de consumo procurei dar uma solução rápida e fácil
pros meus problemas: o crime

Aqui o eu lírico não mais se preocupa com seus sonhos de infância como no começo da
música, mas se vê seduzido pelo sonho de riqueza capitalista, tão disseminados
através de propagandas e discursos meritocráticos nos mais diversos meios. Essa
obrigação de sucesso que o capitalismo impõe e a “troca” de sonhos do cantor é um
exemplo de como o capitalismo não se reduz à esfera econômica, mas se apropria
cada vez mais das determinações da existência humana e se reproduz a partir da
criação e da determinação de modos de vida (Engels, 2010 apud Barros, 2020). Assim,
Afro-x enxerga no crime o meio de atingir a tão sonhada riqueza, talvez buscando
também uma atividade que não o coloque em posição de submissão, mas que lhe dê a
sensação de poder sobre si, afinal “A experiência subjetiva do trabalho depende do
grau de poder de que o sujeito dispõe” (Lhuilier, 2014, p. 10). Mesmo que a atuação
no crime represente um poder ilusório e passageiro como demonstrado nos versos
seguintes:

Mas é um dinheiro amaldiçoado, quanto mais eu ganhava, mais eu gastava


Logo fui cobrado pela lei da natureza, vish... 14 anos de reclusão... Barato é
loko, óh (...)

(...)
Falo do enfermo, falo do são
Falo da rua aqui pra esse louco mundão
Que o caminho da cura pode ser a doença
Que o caminho do perdão às vezes é a sentença

Partindo do pressuposto mostrado por Barros (2020) de que no atual modo de


produção é evidente que coexistem várias formas de
trabalhar “marcadamente alienantes e potencialmente adoecedoras” (Barros, 2017),
uma possível interpretação para este trecho é a de que para curar-se de males como o
envolvimento com o crime, é válido aceitar um trabalho realizado em condições
precárias e que denigre a saúde física do trabalhador, mas que seja honesto. Um forte
exemplo desse tipo de trabalho foi o caso visto no documentário Carne e Osso de uma
senhora que só parou de trabalhar no frigorífico após perder completamente o
movimento da mão devido aos movimentos repetitivos e rápidos que sua atividade
demandou durante anos.

(...)
No esporte, no boxe ou no futebol
Alguém sonhando com uma medalha o seu lugar ao sol
Porém fazer o quê se o maluco não estudou
500 anos de Brasil e o Brasil aqui nada mudou (...)

Neste trecho a música menciona uma das poucas oportunidades de ascensão social
presentes no contexto das favelas, que é através do talento e dedicação ao esporte, já
que, como o terceiro verso denuncia, o ensino escolar de qualidade, que abriria portas
para outros segmentos trabalhistas promissores, é negado às crianças periféricas.
Nesse último verso, é evocada a semelhança dessa realidade atual de negação do
acesso ao ensino público de qualidade à população preta e pobre com o Brasil recém
descoberto, caracterizando-o como um país que se estrutura a partir do trabalho
escravo e de todo racismo engendrado na produção de vida e de morte (Barros, 2020)
[Afro-X]
O aprendizado foi duro e mesmo diante desse revés não parei de sonhar
Fui persistente porque o fraco não alcança a meta
Através do rap corri atrás do preju e pude realizar o meu sonho
Por isso que eu, Afro-X, nunca deixo de sonhar (...)

A história que estava sendo contada no começo da obra tem sua conclusão e Afro-X
conta como conseguiu realizar seus objetivos de forma lícita, através do rap. O
trabalho de Afro-x então é o artístico, o que nos remete às contribuições de Winnicott
(1975) que diz que a criatividade “dá ao indivíduo o sentimento de que a vida vale a
pena ser vivida”. A história do cantor também é um incentivo à massa de
trabalhadores brasileiros que sonham em ter condições melhores, não só através de
uma carreira artística de sucesso mas do uso da criatividade em qualquer que seja a
ocupação exercida, afinal como Lhuilier (2014, pág 13) colocou, a criatividade não
pode ser reduzida à criação que obteve sucesso e foi reconhecida. Trata-se, antes, da
criatividade do dia a dia, que dá provas de uma boa saúde, ao passo que a submissão
ou a vida não criativa pode ser vista como uma doença.

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