Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2022v34i4e58031
A RTIG OS
Identificação perceptiva
do posicionamento da língua
na produção de [s] por acadêmicos
em Fonoaudiologia
Perceptual analysis of the tongue position in
the production of [s] by SLP students
Resumo
e 10 alterada do fone [s], sendo as respostas comparadas a uma avaliação padrão-ouro. Na análise foi
utilizada a concordância Kappa, o teste Qui-quadrado, o Anova de Medidas repetidas e o teste t Student,
com 5% de significância. Resultados: houve associação e concordância com a avaliação padrão-ouro
para a posição da língua, com porcentagem média de 40% de respostas corretas para a posição normal,
17,5% quando a língua estava contra os dentes e 10% quando interposta. No resultado auditivo, a maioria
dos avaliadores não apresentou associação e concordância com o padrão-ouro, sendo a porcentagem
média de 50% de respostas corretas na ausência de distorção e com redução significativa quando presente
(18,5%). Conclusão: os acadêmicos tiveram dificuldade na identificação visual da posição da língua,
particularmente, quando alterada, bem como na identificação auditiva das produções normal ou alterada,
sendo maior quando a distorção estava presente.
Palavras-chave: Língua; Fala; Distúrbios da Fala; Percepção da fala.
Abstract
Introduction: the visual identification of articulator positioning and auditory perception in the
phoneme [s] are needed for clinical decisions and treatment monitoring. This can be challenging for
untrained evaluators. Objective: to verify whether untrained evaluators are able to visually identify typical
and atypical tongue positions in the production of phoneme [s] and to auditorily perceive typical and
atypical productions; as well as to understand which tongue adjustments are more difficult to be visually
perceived and which auditory productions are more easily identified. Methods: ten speech-language
pathology students analyzed 20 recorded speech samples, being 10 with typical speech production and
10 atypical speech production regarding the [s] movement, and the answers were compared with a gold-
standard evaluation. The Kappa agreement, Chi-squared test, Anova repeated measures and Student´s
t-test were used with 5% of significance. Results: there was an association and agreement with the gold
standard evaluation for tongue positioning, with a mean percentage of 40% for correct answers regarding
typical position, 17.5% when the tongue was against the teeth and 10% when interposed. In the auditory
perception; most evaluators did not show association and agreement with the gold standard evaluation,
with an average percentage of 50% for correct answers in the absence of distortion and a significant
reduction in the presence (18.5%). Conclusion: the students had difficulty in the visual identification of
the tongue positioning for atypical speech productions, as well as in the auditory identification of typical
or atypical productions, and the greater difficulty occurred when there was distortion.
Keywords: Tongue; Speech; Speech Disorders; Speech Perception.
Resumen
A RTIG OS
Introdução fim de permitir a análise posterior detalhada dos
ajustes dos articuladores como lábios, língua e
A comunicação oral efetiva requer a produção mandíbula, envolvidos na produção de [s], assim
dos sons de fala com ajustes precisos dos órgãos como o resultado auditivo da produção11. Somado
articuladores, com destaque aos envolvidos na à avaliação clínica, de caráter subjetivo, avaliações
produção de sons fricativos. O fone [s], de parti- objetivas, como a ultrassonografia14,17-22 e a análise
cular interesse para o presente estudo, é produzido acústica7,23,24, podem complementar o diagnóstico,
a partir da formação de um canal estreito para uma vez que permitem a visualização do contorno
a passagem de ar, o que requer abaixamento da da língua em tempo real (ultrassonografia)25 ou
parte central da língua em relação às suas bordas inferir sobre ajustes articulatórios (análise acústica)
laterais1,2, sendo a qualidade do som produzido não típicos na produção dos sons7, corroborando,
dependente da forma e do tamanho desse espaço. portanto, com as informações perceptivas, inclusive
Sua produção também requer que a mandíbula de sons fricativos7,19. Além disso, a ultrassonogra-
esteja em posição alta, a fim de direcionar o fluxo fia também possibilita melhor compreensão de
de ar para os articuladores envolvidos na emissão3. produções típicas25,26, possibilitando comparações
Quanto ao ponto articulatório, em condições com produções não típicas19, 27. A relevância da
típicas, o fone [s] é descrito como alveolar e pode incorporação da ultrassonografia na análise dos
envolver constrição da lâmina ou do ápice de língua sons fricativos produzidos por falantes do portu-
em contato parcial com os alvéolos superiores4, guês brasileiro, em particular, reside no fato de
sendo essas possibilidades de constrições percebi- que as variações que ocorrem nos movimentos
das por falantes adultas do Português Brasileiro, da língua na produção desses (produções gra-
com fala típica5. dientes) nem sempre são facilmente resgatadas
As características articulatórias envolvidas na auditivamente27. A ultrassonografia é, portanto,
produção de [s] o tornam vulnerável às alterações/ considerada uma importante ferramenta que pode
adaptações6,7. Em crianças, adolescentes e adultos, ser aliada às avaliações perceptivas no processo
alterações na produção do [s] podem estar presentes de diagnóstico de alterações de fala, bem como
e terem etiologias distintas7-15. Nesse sentido, des- no processo terapêutico (uso do biofeedback no
vios na produção de [s] podem ocorrer em maior contexto terapêutico), inclusive para alterações de
ou menor grau e, dependendo da gravidade, há fala de natureza fonética14.
necessidade de intervenção3,9. Por outro lado, como os recursos para as avalia-
Cabe destacar que o posicionamento alterado ções objetivas nem sempre estão disponíveis, res-
da língua durante a produção de [s] pode resultar salta-se a importância da formação para possibilitar
ou não em distorções identificadas auditivamente a experiência do avaliador na identificação visual
pelo ouvinte11, entendendo-se por distorções os do posicionamento dos articuladores e do resultado
ajustes ou compensações para a produção de um auditivo dessa produção, tendo em vista que estes
fone e, na área da Motricidade Orofacial, o ceceio fatores podem influenciar no resultado da avaliação
constitui o grupo das distorções10. perceptiva e, até mesmo, nas decisões quanto à ne-
Fonoaudiólogos que atuam com alterações de cessidade, ou não, de intervenção. Recomenda-se,
fala devem estar aptos a identificar visualmente portanto, que as avaliações perceptivas, tanto visual
o posicionamento da língua na produção de [s] e quanto auditivas, sejam feitas por fonoaudiólogos
o resultado auditivo desse posicionamento, uma capacitados para esta tarefa, utilizando recursos
vez que informações advindas de uma avaliação facilitadores como gravações em vídeo.
clínica detalhada são essenciais para o estabeleci- Vale destacar que a capacitação profissional se
mento do diagnóstico e planejamento terapêutico inicia durante as vivências clínicas na graduação,
apropriados8,9,16. embora informações teóricas sobre produção nor-
Clinicamente, o fonoaudiólogo identifica mal e alterada de fala sejam apresentadas nas séries
alterações na produção de [s] por meio da análise iniciais do Curso de Fonoaudiologia. É, portanto, de
perceptiva auditiva e visual dos movimentos dos interesse saber se acadêmicos de Fonoaudiologia,
articuladores envolvidos na produção deste fone8- sem vivências clínicas prévias, podem identificar
10
. Por essa razão, no processo de avaliação, o uso visualmente os ajustes no posicionamento da lín-
de gravações em vídeo é recomendado10,11,16, a gua que permitam diferenciar condições normais/
alteradas e, sobretudo, quais ajustes seriam mais de exclusão ter experiência em vivências clínicas
difíceis de serem identificados visualmente, por em Fonoaudiologia em estágios curriculares do
estes acadêmicos. Também é de interesse verificar curso de Fonoaudiologia nas áreas de linguagem,
se esses acadêmicos são capazes de identificar fala, fluência ou motricidade orofacial e/ou ter
auditivamente o resultado auditivo das produções recebido atendimento fonoaudiológico prévio
e, particularmente, se há diferença nos resultados para alterações na fala e/ou motricidade orofacial.
auditivos resultantes do posicionamento da língua, Todos haviam finalizado o segundo ano do Curso
em condições normais ou alterados. de Fonoaudiologia e haviam cursado disciplinas
Deste modo, este estudo tem por objetivo teóricas que abordavam conteúdos básicos sobre
verificar se avaliadores não treinados são capazes o processo de produção de fala, classificação e
de identificar visualmente o posicionamento da descrição fonética dos diferentes fonemas do
língua na produção do [s] em condições normais e Português Brasileiro, além de fundamentos de mo-
alteradas (de encontro com os dentes ou interposta), tricidade orofacial, ocasião em que não receberam
assim como de identificar auditivamente produções qualquer treinamento a respeito da identificação de
normais e alteradas. Ainda buscar quais ajustes alterações fonéticas da fala. Todos os acadêmicos
da língua são mais difíceis de serem percebidos selecionados assinaram o Termo de Consentimento
visualmente e quais resultados auditivos podem ser Livre e Esclarecido.
mais facilmente identificados por tais avaliadores.
Espera-se que os acadêmicos consigam identi- Amostras de fala analisadas
ficar, visual e auditivamente, com maior facilidade, Previamente à realização deste estudo, três
os padrões normais e tenham dificuldade para iden- fonoaudiólogas com experiência na identificação de
tificar, visualmente, os padrões de posicionamento alterações de fala em adultos analisaram amostras
da língua alterados, assim como tenham dificuldade de fala de uma base de dados do laboratório da
para identificar auditivamente as produções altera- instituição de origem. As amostras eram constituí-
das do fone [s]. Acredita-se que essas informações das pela produção dos dias da semana e contagem
podem contribuir para o conhecimento de docentes dos números de 1 a 20 e de 60 a 70, gravadas em
formadores, a respeito de estratégias que possam ambiente silencioso, utilizando filmadora posicio-
otimizar a identificação de ajustes articulatórios nada em frente ao rosto, com captura da imagem
durante a avaliação clínica da fala no período de da região entre o nariz e o terço inferior da face.
As análises foram feitas individualmente e houve
formação do fonoaudiólogo, tendo em vista que a
consenso nas respostas das avaliadoras quanto
tomada de decisão quanto a recomendar interven-
à identificação visual do posicionamento língua
ção depende dessa capacitação.
normal ou alterado (língua de encontro com os
dentes ou interposta). Também houve consenso
Métodos quanto à presença, ou não, de distorção auditiva,
independente do grau. Os resultados consensuais
Estudo transversal, observacional, analítico e das análises das três fonoaudiólogas constituíram
comparativo que se caracteriza como subprojeto a avaliação padrão-ouro para o presente estudo.
de um amplo estudo, aprovado pelo Comitê de Assim, foram utilizadas amostras de fala regis-
Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Insti- tradas em vídeo pertencentes a 20 jovens, do sexo
tuição em que foi realizada a pesquisa (CAAE: feminino, 10 com posicionamento normal da língua
90242218.1.0000.5406). na produção de [s] e 10 com posicionamento alte-
Participaram do estudo 10 acadêmicos de um rado de língua na produção deste fone. Essas 20 jo-
Curso de Fonoaudiologia, monolíngues, falantes vens apresentavam oclusão Classe I de Angle, com
do Português Brasileiro, oriundos do Estado de ou sem alterações dentárias individuais, conforme
São Paulo, sem queixas de audição ou visão, avaliação prévia realizada por um ortodontista. O
constituindo uma amostra por conveniência. Um registro das amostras foi editado para propiciar a
breve questionário foi aplicado para selecionar os apresentação contínua, sendo registrados de forma
participantes do estudo, que teve como critério aleatória e arquivados em pasta.
A RTIG OS
Análise perceptiva (visual e auditiva) assistiram duas vezes cada vídeo, sendo a primeira
pelos acadêmicos em velocidade normal e a segunda com velocidade
As análises perceptivas (visual e auditiva) das reduzida, para em seguida indicar a sua resposta.
amostras de fala foram realizadas pelos acadêmicos
em um laboratório de fala, em formato presencial, Análise dos resultados
tendo a examinadora (primeira autora) controlado a Os dados estão descritos pela distribuição de
sessão experimental. Inicialmente, cada acadêmico frequência absoluta (N) e relativa (%). A associa-
recebeu, individualmente, uma breve explicação ção entre variáveis qualitativas (respostas de cada
fornecida pela examinadora. Esta utilizou recursos participante versus avaliação padrão-ouro) foi
audiovisuais com imagens dinâmicas ilustrativas, analisada por meio do teste do Qui-quadrado para
indicando o posicionamento da língua normal associação e o coeficiente Kappa (k) foi obtido para
durante a produção de [s], bem como sobre o po- análise da concordância entre cada participante e
sicionamento alterado e, também, sobre a distorção a avaliação padrão-ouro, interpretados de acordo
auditiva na produção de [s]. Os acadêmicos foram com a proposta de LANDIS; KOCH (1977)28.
instruídos a responderem posicionamento de língua As variáveis quantitativas estão descritas
“normal”, quando não visualizaram as partes da pela média e desvio-padrão (DP). A normalidade
língua (anterior e lateral) na produção de [s], infe- foi analisada pelo teste de Shapiro-Wilk. Para
rindo que ela se encontrava em posição típica. Eles comparação de duas médias, foi utilizado o teste
foram instruídos a responderem posicionamento de t Student para amostras pareadas. Para análise
língua “alterado”, quando visualizaram a língua de três condições foi realizado o teste de Anova
(ou parte desta) em posição de encontro com os de medidas repetidas baseado no pressuposto de
dentes, porém sem ultrapassá-los, na produção
esfericidade pelo teste de Mauchly´s. As análises
de [s]. Também foram instruídos a responderem
Post-hoc foram realizadas pelo teste de Bonferroni.
posicionamento de língua “interposta entre os
Para todas as análises foi utilizado o software SPSS
dentes”, quando visualizaram a língua (ou parte
versão 19.0 for Windows, sendo adotado nível de
desta) interposta entre os dentes, na produção de
significância de 5% (p<0,05).
[s]. Foi considerada resposta “alterada” quando os
ajustes no posicionamento da língua não esperados
ocorreram, no mínimo, em três oportunidades nas Resultados
amostras de fala apresentadas nos vídeos. No caso
de dúvidas, o acadêmico pode ouvir novamente as Quanto à identificação visual do posiciona-
amostras de fala apresentadas pela examinadora. mento da língua, o resultado da análise da concor-
Todas as respostas dadas pelos acadêmicos fo- dância e a associação entre as respostas de cada
ram registradas em formulário elaborado especifi- acadêmico com a avaliação padrão-ouro estão na
camente para este fim. Para o estudo, os acadêmicos Tabela 1.
Tabela 1. Análise da concordância e associação entre respostas de cada acadêmico (AC) com a
avaliação padrão-ouro sobre o posicionamento da língua
Padrão-Ouro
Posição Kappa
AC Normal Encontro Interposta X2 valor de p
da língua Ponderado
N (%) N (%) N (%)
Normal 8 (40,0) ‡ 2 (10,0) 0 (0,0)
1 Encontro 1 (5,0) 3 (15,0) ‡ 1 (5,0) 0,009 * 0,440 †
Interposta 1 (5,0) 2 (10,0) 2 (10,0) ‡
Normal 9 (45,0) ‡ 1 (5,0) 0 (0,0)
2 Encontro 1 (5,0) 3 (15,0) ‡ 1 (5,0) 0,001 * 0,520 †
Interposta 0 (0,0) 3 (15,0) 2 (10,0) ‡
Normal 7 (35,0) ‡ 1 (5,0) 0 (0,0)
3 Encontro 3 (15,0) 3 (15,0) ‡ 1 (5,0) 0,003 * 0,375 †
Interposta 0 (0,0) 3 (15,0) 2 (10,0) ‡
Normal 9 (45,0) ‡ 0 (0,0) 0 (0,0)
4 Encontro 1 (5,0) 4 (20,0) ‡ 1 (5,0) 0,001 * 0,605 †
Interposta 0 (0,0) 3 (15,0) 2 (10,0) ‡
Normal 10(50,0)‡ 0 (0,0) 0 (0,0)
5 Encontro 0 (0,0) 5 (25,0) ‡ 2 (10,0) 0,001 * 0,669 †
Interposta 0 (0,0) 2 (10,0) 1 (5,0) ‡
Normal 10(50,0)‡ 2 (10,0) 0 (0,0)
6 Encontro 0 (0,0) 4 (20,0) ‡ 2 (10,0) 0,001* 0,569 †
Interposta 0 (0,0) 1 (5,0) 1 (5,0) ‡
Normal 6 (30,0) ‡ 1 (5,0) 0 (0,0)
7 Encontro 4 (20,0) 4 (20,0) ‡ 1 (5,0) 0,004 * 0,373 †
Interposta 0 (0,0) 2 (10,0) 2 (10,0) ‡
Normal 7 (35,0) ‡ 3 (15,0) 0 (0,0)
8 Encontro 3 (15,0) 2 (10,0) ‡ 0 (0,0) 0,003 * 0,360 †
Interposta 0 (0,0) 2 (10,0) 3 (15,0) ‡
Normal 6 (30,0) ‡ 0 (0,0) 0 (0,0)
9 Encontro 3 (15,0) 3 (15,0) ‡ 0 (0,0) 0,002 * 0,416 †
Interposta 1 (5,0) 4 (20,0) 3 (15,0) ‡
Normal 8 (40,0) ‡ 0 (0,0) 0 (0,0)
10 Encontro 2 (10,0) 4 (20,0) ‡ 1 (5,0) 0,001 * 0,531 †
Interposta 0 (0,0) 3 (15,0) 2 (10,0) ‡
* Associação significativa pelo teste do Qui-quadrado com correção de Yates para p≤0,05
† Concordância significativa para o coeficiente Kappa para p≤0,05.
‡ Resultado concordante com a avaliação padrão-ouro.
N Frequência absoluta
AC Acadêmicos
A RTIG OS
A Tabela 2 mostra a comparação da média dos de posicionamento da língua: normal, de encontro
resultados dos acadêmicos de acordo com o tipo com os dentes ou interposta.
Tabela 2. Comparação da média dos resultados dos acadêmicos de acordo com o tipo de
posicionamento da língua: normal, de encontro com os dentes ou interposta
Tabela 3. Concordância (KAPPA) e associação entre a resposta dos acadêmicos com a avaliação
padrão-ouro para a identificação do resultado auditivo
Tabela 4. Comparação da média e desvio padrão (dp) de acordo com resultado auditivo
A RTIG OS
não esperados ocorreram, no mínimo, em três a chance de uma alteração de fala ocorrer11, embora
oportunidades, nas amostras de fala apresentadas uma relação direta nem sempre pode ser estabele-
nos vídeos. Embora os acadêmicos tenham sido cida entre estes aspectos. Outros fatores como, por
instruídos a realizarem suas análises somente na exemplo, variações individuais nos dentes, podem
produção de [s] e, também, considerarem posicio- justificar, pelo menos em parte, os ajustes linguais
namento de língua alterado quando esta estivesse não esperados nas amostras de fala envolvendo [s]
presente em, no mínimo, três produções, os aca- das jovens analisadas nesse estudo e considerados
dêmicos podem ter identificado posição de língua pelos acadêmicos.
mais anterior durante a produção de outros fones A menor média de porcentagem de respostas
alveolares, como o [t], por exemplo. Esta identi- corretas foi observada quando a língua se encon-
ficação poderia justificar a média de porcentagem trava interposta entre os dentes (10%), diferindo
de acertos de somente 40%, em relação à avaliação significativamente da média de porcentagem de
padrão ouro, quando o posicionamento da língua respostas corretas obtida para posicionamento da
era normal durante a produção de [s]. língua de encontro com os dentes (17,5%), o que
O estudo também buscou identificar particu- sugere que os acadêmicos tiveram maior dificulda-
larmente quais ajustes da língua durante a produ- de em identificar visualmente o posicionamento da
ção de [s] são mais difíceis de serem percebidos língua entre os dentes do que o posicionamento da
visualmente por acadêmicos sem experiência na língua de encontro com os dentes. Levando-se em
avaliação de fala, cujos resultados mostraram dife- conta que existiam mais vídeos com amostras de
rença significativa na comparação entre as médias fala envolvendo posicionamento da língua de en-
das respostas dos acadêmicos para os diferentes contro com os dentes (N=7) do que entre os dentes
tipos de ajustes da língua, ou seja, normal, de (N=3), tal fato pode ter determinado tendência de
encontro com os dentes ou interposta durante a maior identificação visual deste posicionamento de
produção de [s]. A maior média de porcentagem de língua pelos acadêmicos.
respostas corretas ocorreu para posicionamento de A fim de possibilitar uma maior compreen-
língua normal (40%), diferindo significativamente são dos resultados sobre a identificação visual
(p<0,001) das médias mais inferiores encontradas do posicionamento da língua, outra análise dos
para os dois tipos de posicionamentos alterados da dados foi realizada com agrupamento dos resul-
língua (17,5%, língua de encontro com os dentes tados em análise dicotômica (posicionamento de
e 10% língua entre os dentes), fato que confirma a língua normal ou alterado), porém não mostrou
hipótese de que avaliadores sem vivência clínica diferença significativa (p=0,107) nas médias das
apresentam dificuldade para identificar visualmente respostas dos acadêmicos para identificação visual
o posicionamento da língua na presença de altera- do posicionamento da língua nas condições normal
ções sutis, durante a produção de [s]. (40%) ou alterado (45%). Com base nesta análi-
As características articulatórias envolvidas na se, a dificuldade na realização desta tarefa seria,
produção do fone [s] torna-o vulnerável para alte- portanto, similar em ambas as condições, ou seja,
rações/compensações6,7 e, assim, ajustes linguais tanto quando o posicionamento de língua é norma,l
não esperados, em maior ou menor grau, podem quanto alterado.
ocorrer na produção de [s], tornando a identificação Este estudo também objetivou verificar se
visual de ajustes linguais não esperados uma tarefa avaliadores não treinados são capazes de identificar
desafiadora, principalmente no caso de ajustes su- auditivamente produções normais e alteradas e os
tis. No presente estudo, todas as amostras de fala resultados mostraram que a maioria dos acadê-
analisadas pertenciam a jovens adultas com oclusão micos não apresentou associação e concordância
normal, o que pode ter resultado em ajustes de lín- significativa com a avaliação padrão-ouro. Houve
gua sutis, porém não esperados e, portanto, valores concordância regular (N=4), moderada (N=2),
inferiores das respostas dos acadêmicos em relação substancial (N=2) e não houve concordância nas
ao padrão-ouro, na presença de posicionamento respostas para dois participantes, sugerindo que
de língua alterada eram esperados. Sabe-se que o a tarefa em identificar o resultado auditivo do
posicionamento de língua alterado em [s] pode ter posicionamento da língua foi mais difícil para os
relação com a má-oclusão e que, quanto maior a acadêmicos sem vivências clínicas. Cabe destacar
severidade e deficiência da má-oclusão, maior será que o fone fricativo [s] é o mais vulnerável para
A RTIG OS
Outra limitação do estudo diz respeito ao nú- 6. Icht M, Ben-David BM. Sibilant production in Hebrew-
mero limitado de acadêmicos que atenderam aos speaking adults: apical versus laminal. Clinical linguistics &
phonetics. 2017. Jul; 32(3); 193-212.
critérios de inclusão e que participaram, em formato
7. Coelho JDS, Vieira RC, Bianchini EMG. Interference of
presencial, da tarefa experimental. Com a retomada dentofacial deformities in the acoustic characteristics of speech
das atividades acadêmicas, em formato presencial, sounds. Rev. CEFAC. 2019. Jul/ago; 21(4): e19118.
após desafios enfrentados em decorrência da pande- 8. Lichnowska A, Kozakiewicz M. Speech disorders in
mia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), estudos dysgnathic adult patients in the field of severity of primary
incluindo um número maior de acadêmicos sem dysfunction. Appl. Sci. 2021. Dec;11(24):12084.
e, também, com vivências clínicas, poderão ser 9. Lichnowska A, Kozakiewicz M. The logopedic evaluation
of adult patients after orthognathic surgery. Appl. Sci. 2021.
conduzidos e a comparação das respostas destes
Dec;11(12): 5732.
acadêmicos pode ser explorada.
10. Martinelli RLC, Fornaro ÉF, Oliveira CJMD, Ferreira
O uso de vídeos é um importante recurso que LMDB, Rehder MIBC. Correlações entre alterações de fala,
pode ser usado para análises que requerem iden- respiração oral, dentição e oclusão. Rev. CEFAC. 2011. Jan/
tificação visual e/ou auditiva de produções. No fev; 13(1): 17-26.
entanto, estas análises podem ser mais precisas com 11. Leavy KM, Cisneros GJ, Leblanc EM. Malocclusion and
a incorporação de avaliações objetivas derivadas its relationship to speech sound production: redefining the
effect of malocclusal traits on sound production. Am J Orthod
da ultrassonografia e/ou da análise acústica. Em Dentofacial Orthop. 2016. Jul; 150(1): 116-23.
estudos futuros, avaliações objetivas podem ser
12. Foletti JM, Antonarakis GS, Galant C, Courvoisier DS,
utilizadas para a identificação visual do posiciona- Scolozzi P. Is atypical swallowing associated with relapse in
mento da língua, normal e alterado, na produção orthognathic patients? a retrospective study of 256 patients. J.
de [s], de falantes do português brasileiro. Oral Maxillofac. Surg. 2018. May; 76; 1084-90.
13. Krueger BI. Eligibility and Speech Sound Disorders:
Assessment of Social Impact. Perspectives of the ASHA Special
Conclusões Interest Groups. 2019. Feb; 4: 85-90.
14. Machado KC, Portalete CR, Hermes L, Keske-Soares M.
Os resultados apontaram para dificuldade dos Ultrasonography of tongue movements in the assessment and
acadêmicos na identificação visual no posiciona- therapy of anterior lisp: a case study. Disturb. Comum. 2021.
Dec; 33(4): 729-40.
mento da língua, particularmente, quando alterada
e, também, para identificação dos tipos distintos de 15. Thijs Z, Bruneel L, De Pauw G, Van Lierde KM. Oral
Myofunctional and Articulation Disorders in Children with
ajustes da língua nestas condições. Também mos- Malocclusions: A Systematic Review. Folia Phoniatr. Logop.
trou dificuldades dos acadêmicos na identificação 2021. Jun; 74(1): 1–16.
auditivas das produções, com e sem distorções, 16. Marchesan IQ, Martinelli RLC. Fala: Reflexões sobre a
sendo tal dificuldade ainda maior quando a distor- prática clínica. In: Silva HJ, Tessitore A, Motta AR, Cunha
ção estava presente. DA, Berretin-Felix G, Marchesan IQ. (Org.) Tratado de
Motricidade Orofacial. São José dos Campos: Pulso Editorial,
2019. p. 547-59.
Referências 17. Barberena LS, et al. Electropalatography and its correlation
to tongue movement ultrasonography in speech analysis.
1. Haupt C. As fricativas [s], [z], e [Ʒ] do português brasileiro. CoDAS. 2017. Mar/apr; 29(2): e2016010.
Letras & Letras. 2008. Jan/jun; 24(1): 59-71. 18. Bressmann T, Thind P, Uy C, Bollig C, Gilbert RW, Irish JC.
2. Monteiro VR, Brescovici SM, Delgado SE. A ocorrência de Quantitative three-dimensional ultrasound analysis of tongue
ceceio em crianças de oito a 11 anos em escolas municipais. Rev protrusion, grooving and symmetry: data from 12 normal
Soc Bras Fonoaudiol. 2009. Abr/jun; 14(2): 213-8. speakers and a partial glossectomee. Clin Linguist Phon. 2005.
3. Brunner J, Hoole P, Perrier P. Adaptation strategies in Sep/nov; 19(6-7): 573-88.
perturbed/s. Clinical linguistics & phonetics. 2011. Aug; 25(8): 19. Wertzner HF, Francisco DT, Pagan-Neves LO. Contorno de
705-24. língua dos sons /s/ e /ʃ/ em crianças com transtorno fonológico.
4. Silva TC. Fonética e Fonologia do Português Brasileiro: CoDAS. 2014. Jun; 26(3): 248- 51.
Roteiro de Estudos e Guia de Exercícios. 3ª ed. São Paulo: 20. Pamplona M, Oliveira AM de. Ultrasonographic analysis
Contexto; 2003. p.32-41. of coronal fricative phonemes: perceptual and visual appraisal.
5. Abreu ACV, Gurgel JA, Rodrigues LL, Genaro KF, Santos J Speech Sci. 2021.10(00): e021002.
D, Chagas EFB, Marino VCC. Self-perception of tongue tip 21. Lima FLCN, Silva CEE, Silva LM, Vassoler AMO, Fabbron
constriction in alveolar fricatives produced by young women EMG, Berti LC. Ultrasonographic analysis of lateral liquids
with and without normal tongue positioning. CoDAS. 2021. and coronal fricatives: judgment of experienced and non-
Sep; 33(4): e20200106. experienced judges. Rev. CEFAC. 2018.Jul/aug; 20(4): 422-31.