Você está na página 1de 25

OS ECONOMISTAS

ALFRED MARSHALL

PRINCÍPIOS DE ECONOMIA

TRATADO INTRODUTÓRIO

Natura Non Facit Saltum

VOLUME I

Introdução de Ottolmy Strauch


Tradução revista de Rômulo Almeida e Ottolmy Strauch
Fundador
VICTOR CIVITA
(1907 - 1990)

Editora Nova Cultural Ltda.

Copyright © desta edição 1996, Círculo do Livro Ltda.

Rua Paes Leme, 524 - 10º andar


CEP 05424-010 - São Paulo - SP

Título original:
Principles of Economics: An Introductory Volume

Direitos exclusivos sobre a Apresentação de autoria


de Ottolmy Strauch, Editora Nova Cultural Ltda.

Impressão e acabamento:
DONNELLEY COCHRANE GRÁFICA E EDITORA BRASIL LTDA.
DIVISÃO CÍRCULO - FONE (55 11) 4191-4633

ISBN 85-351-0913-7
CAPÍTULO III
Gradações da Procura por Consumidores

§ 1. Quando um comerciante ou um industrial compra alguma coisa


para utilizar na produção ou ser novamente vendida, sua procura é baseada
na previsão dos lucros que ele pode auferir com isso. Esses lucros dependem
a qualquer tempo dos riscos especulativos e de outras causas que precisarão
ser consideradas mais tarde. Mas, a longo prazo, o preço que um negociante
ou um industrial pode oferecer em pagamento de uma coisa depende dos
preços que os consumidores pagarão por ela ou pelas coisas feitas com a
ajuda da mesma. O regulador último de toda a procura é, portanto, a
procura dos consumidores. E é dessa procura que nos ocuparemos, quase
exclusivamente, no presente livro.
Utilidade é tida como correlativa de desejo ou necessidade. Já
se argumentou que os desejos não podem ser medidos diretamente,
mas só indiretamente pelos fenômenos externos a que dão lugar, e
que nos casos que interessam principalmente à Economia, a medida
se encontra no preço que uma pessoa se dispõe a pagar pelo cumpri-
mento ou satisfação do seu desejo. Ela pode ter desejos e aspirações
que não estão destinados conscientemente a serem satisfeitos mas,
agora, nos ocuparemos daqueles que visam a esse objetivo, e pressu-
pomos que a satisfação resultante corresponde em geral perfeitamente
bem à que foi prevista quando a compra foi feita.114

114 Não será demais insistir que medir diretamente, ou per se, seja os desejos ou a satisfação
resultante do cumprimento deles, é impossível, senão inconcebível. Se pudéssemos, teríamos
duas contas a fazer: uma dos desejos, outra das satisfações verificadas. E as duas podiam
diferir consideravelmente. Pois, para não falar das mais altas aspirações, certos desses
desejos com os quais a Economia se ocupa principalmente, em especial os relacionamentos
com a emulação, são impulsivos; muitos resultam da força do hábito; alguns são mórbidos
e levam somente a males; e muitos se baseiam em expectativas que nunca se cumprem.(Ver
acima, Livro Primeiro. Cap. II, § 3 e 4.) Naturalmente muitas satisfações não são prazeres
comuns, mas pertencem ao desenvolvimento da natureza mais elevada do homem, ou, para
usar uma velha expressão, à sua beatitude, e algumas podem mesmo resultar em parte
da abnegação própria. (Ver Livro Primeiro. Cap. II, § 1). As duas medidas diretas então

159
OS ECONOMISTAS

Há uma variedade infinita de necessidades, mas há um limite


para cada necessidade em separado. Essa tendência comum e funda-
mental da natureza humana pode expressar-se na lei das necessidades
sociáveis115 ou da utilidade decrescente, assim: A utilidade total de uma
coisa para alguém (isto é, o prazer total ou outro benefício que ela lhe
proporciona) cresce a cada aumento que se verifica na quantidade que
ele dispõe dessa coisa mas não tão depressa quanto aumenta o seu
estoque. Se a sua disponibilidade da coisa aumenta numa taxa uni-
forme, o benefício derivado dela aumenta numa taxa decrescente. Em
outras palavras, o benefício adicional que alguém extrai de um dado
aumento da sua disponibilidade de uma coisa, diminui a cada aumento
da quantidade que ele já possui.
A quantidade da coisa até a qual ele é levado a comprá-la pode
ser chamada sua compra marginal (marginal purchase) porque justa-
mente marca a margem de dúvida sobre se é vantagem incorrer no
dispêndio requerido para adquiri-la. E a utilidade da sua compra mar-
ginal pode denominar-se a utilidade marginal da coisa para ele. Ora,
se em vez de comprá-la, ele próprio a fabrica, então sua utilidade
marginal é aquela utilidade da parte que ele pensa justamente valer
a pena fabricar. Assim, pois, a referida lei pode ser enunciada da se-
guinte forma:
A utilidade marginal de uma coisa para um indivíduo diminui
a cada aumento da quantidade que ele já possui dessa coisa.116
Há, porém, uma condição implícita nessa lei, que deve ser escla-
recida: é preciso dar por admitido que o tempo não há de produzir
nenhuma alteração no caráter ou gosto da pessoa. Não constitui, por-
tanto, uma exceção à lei de que quanto melhor música ouvir, mais
forte se tornará o gosto por ela; que a avareza e a ambição sejam
freqüentemente insaciáveis; nem que a virtude da limpeza e o vício
da embriaguez aumentam igualmente à medida que se praticam. Pois
em tais casos nossa observação se estende a certo período de tempo,
e a pessoa não é a mesma no começo e no fim desse período. Se tomamos

podem diferir. Mas como nenhuma delas é possível, caímos na medida que a Economia fornece
do motivo, ou força motora da ação: e a fazemos servir, com todas as suas falhas, tanto para
os desejos que provocam atividades, como para as satisfações que resultam delas. (Confronte
PIGOU, prof. Some remarks on Utility, In: Economic Journal. Março de 1903.)
115 Também chamada de saturação das necessidades, ou da saciedade. (N. dos T.)
116 Tal lei mantém uma posição primordial sobre a lei do rendimento decrescente da terra,
embora esta tenha prioridade no tempo, uma vez que foi a primeira a ser submetida a
uma rigorosa análise de caráter semimatemático. E se por antecipação tomamos alguns
dos seus termos, podemos dizer que o rendimento do prazer que uma pessoa tira de cada
dose adicional de uma mercadoria diminui até atingir uma margem a partir da qual não
é mais vantagem adquiri-la. O termo utilidade marginal (Grenz-nutz) foi usado pela primeira
vez neste sentido pelo austríaco Wieser. Foi adotado pelo prof. Wicksteed. Corresponde ao
termo Final usado por Jevons, a quem Wieser expressa seu reconhecimento no prefácio
(p. xxiii da edição inglesa). A lista que ele apresenta dos precursores de sua doutrina é
encabeçada por Gossen, 1854.

160
MARSHALL

um homem como ele é, sem admitir que houve tempo para alguma mudança
no seu caráter, a utilidade marginal de uma coisa para ele diminui regu-
larmente com todo aumento da quantidade de que ele dispõe.117

§ 2. Traduzamos agora essa lei da utilidade decrescente em termos


de preço. Tomemos, por exemplo, uma mercadoria como o chá, em
constante procura e que pode ser comprada em pequenas quantidades.
Suponhamos, assim, que se possa ter chá de uma certa qualidade a 2
xelins por libra. Uma pessoa pode estar mais disposta a dar 10 xelins
por uma única libra só uma vez por ano do que a passar sempre sem
ele, enquanto, se puder obtê-lo em qualquer quantidade gratuitamente,
não cuidaria talvez de utilizar mais de 30 libras num ano. Mas, ao
preço que está, compra cerca de 10 libras anualmente. Quer isto dizer
que a diferença de satisfação entre comprar 9 libras ou 10 libras é
bastante para fazê-la disposta a pagar 2 xelins pela diferença, enquanto
o fato de não comprar mais uma, a undécima libra, mostra que não
lhe vale a pena despender com o chá mais 2 xelins. Ou seja, 2 xelins
por uma libra mede a utilidade do chá para essa pessoa no limite,
margem, termo ou fim de suas compras: mede a utilidade marginal
para ela. Se o preço que ela está decidida a pagar para obter uma
libra se denomina seu preço de procura, então 2 xelins é o seu preço
de procura marginal. E nossa lei pode ser assim expressa:
Quanto maior for a quantidade de uma coisa que uma pessoa
possui, tanto menor será, não se alterando as outras condições (isto
é, o poder aquisitivo do dinheiro e a quantidade disponível do mesmo),
o preço que ela pagará por um pouco mais da coisa; ou, em outras
palavras, seu preço de procura marginal para a coisa decresce.
Sua procura se torna eficiente somente quando o preço que se dispõe
a oferecer alcança aquele pelo qual outros estão dispostos a vender.
Essa última sentença nos lembra que temos até agora levado em
conta as alterações na utilidade marginal do dinheiro ou poder aqui-
sitivo geral. Num mesmo momento, não se alterando os recursos ma-

117 Pode ser notado aqui, embora o fato tenha pouca importância prática, que uma pequena
quantidade de uma mercadoria pode ser insuficiente para satisfazer uma certa necessidade
em particular; haverá então um aumento mais do que proporcional do prazer quando o
consumidor obtém o bastante para atender ao fim desejado. Assim, por exemplo, ele tiraria
menor prazer proporcionalmente de dez folhas de papel de parede do que de vinte folhas,
se estas dessem para cobrir toda a parede de seu quarto, e a primeira quantidade fosse
insuficiente para isso. Ou ainda, um concerto muito curto ou um feriado pode falhar no
seu propósito de deleitar ou distrair: e um de duração dupla pode ser de utilidade total
mais do que dupla. Esse caso corresponde ao fato, que estudaremos em relação com a
tendência ao rendimento decrescente, de que o capital e o trabalho já aplicados numa
porção de terra podem ser tão insuficientes para o desenvolvimento da sua inteira capa-
cidade, que uma despesa ulterior, mesmo nas condições da arte agrícola existente, daria
um rendimento mais do que proporcional. E no fato de poder um progresso nas artes da
agricultura opor-se a essa tendência, encontraremos uma analogia com a condição men-
cionada no texto como implícita na lei da utilidade decrescente.

161
OS ECONOMISTAS

teriais de uma pessoa, a utilidade marginal do dinheiro para ela é


uma quantidade fixa, de sorte que os preços que ela se decida a pagar
por duas mercadorias estão, um em relação ao outro, na mesma razão
da utilidade das duas mercadorias.

§ 3. Uma utilidade maior será necessária para induzir um pobre


a comprar uma coisa do que a necessária para induzir um rico a fazê-lo.
Vimos como um empregado de 100 libras por ano irá a pé para o
trabalho sob uma chuva mais forte mais vezes do que o faria um
empregado de 300 libras.118 Contudo, embora a utilidade ou o benefício
que na mente do homem pobre é medida por 2 pence seja maior do
que a que é medida pela mesma quantia no espírito do homem rico,
e mesmo que o mais rico tome um táxi cem vezes num ano e o pobre
vinte vezes, a utilidade da centésima vez do rico se mede para ele em
2 pence, e a utilidade da vigésima corrida a que se decidiu o pobre é
medida para este também por 2 pence. Para cada um deles a utilidade
marginal é medida por 2 pence, mas esta utilidade marginal é maior
no caso do pobre que no do rico.
Em outras palavras, quanto mais rico um homem se torna, menor
a utilidade marginal do dinheiro para ele. Cada aumento nos seus
recursos aumenta o preço que se dispõe a pagar por um certo benefício.
E, da mesma maneira, cada diminuição dos seus recursos aumenta a
utilidade marginal do dinheiro para ele e reduz o preço que ele se
dispõe a pagar por um benefício.

§ 4. Para ter um conhecimento completo da procura de alguma


coisa, devemos averiguar que quantidade dela uma pessoa se dispõe
a comprar a cada um dos preços pelos quais pode ser oferecida; e as
circunstâncias da sua procura de chá, por exemplo, pode ser melhor
expressa por uma lista de preços que ela se dispõe a pagar, isto é, por
seus vários preços de procura por diferentes porções de chá. (Essa lista
pode-se chamar sua tabela de procura.)
Assim, por exemplo, podemos constatar que ela compraria

6 libras a 50 pence por libra


7 " 40 "
8 " 33 "
9 " 28 "
10 " 24 "
11 " 21 "
12 " 19 "
13 " 17 "

Se estivessem indicados preços correspondentes a todas as quan-

118 Ver Livro Primeiro, Cap. II, § 2.

162
MARSHALL

tidades intermediárias, teríamos uma expressão exata da sua procu-


ra.119 Não podemos expressar a procura de uma coisa por uma pessoa,
pela “quantidade que ela se dispõe a comprar”, ou pela “intensidade
da sua avidez de comprar uma certa quantidade”, sem referência aos
preços pelos quais ela compraria esta ou aquela quantidade. Isso só
podemos representar exatamente pelas listas dos preços pelos quais
ela se disporia a comprar diferentes quantidades.120

119 Tal tabela de procura pode ser traduzida, num processo que entrou agora em uso comum,
numa curva que pode ser chamada curva de procura. Tracemos duas linhas Ox e Oy, uma
horizontal, a outra vertical. Suponhamos que 1 polegada de Ox representa 10 libras de
chá, e 1 polegada de Oy representa 40 pence.

Décimos de Quadragésimo de
1 polegada 1 polegada Fig. 1
tomemos Om1 = 6 e tracemos m1p1 = 50
Om2 = 7 " " m2p2 = 40
Om3 = 8 " " m3p3 = 33
Om4 = 9 " " m4p4 = 28
Om5 = 10 " " m5p5 = 24
Om6 = 11 " " m6p6 = 21
Om7 = 12 " " m7p7 = 17
Om8 = 13 " " m8p8 = 17

Estando m1 sobre Ox, e sendo traçada m1p1 verticalmente a partir de m1 e assim por
diante. Então, p1 p2... p8 são pontos da sua curva de procura de chá; ou, como podemos
dizer, pontos de procura. Se pudéssemos, da mesma maneira, encontrar os pontos de procura
para toda a possível quantidade de chá, poderíamos obter toda a contínua curva DD’ como
está na figura. Essa apresentação da tabela e da curva da procura é provisória; algumas
dificuldades em torno dela são adiadas para o cap. V.
120 Assim, diz Mill que devemos “entender pela palavra procura a quantidade procurada, e lembrar
que não é esta uma quantidade fixa, mas que em geral varia de acordo com o valor”. (Principles.
III, ii, 4.) Esta fórmula é científica em substância, mas não está claramente expressa, e tem
sido mal compreendida. Cairnes prefere apresentar “a procura como o desejo de mercadorias
e de serviços que se procura atingir por um oferecimento de poder aquisitivo geral, e a oferta
como o desejo de obter poder aquisitivo geral mediante o oferecimento de mercadorias e serviços
específicos”. Ele prefere esta fórmula a fim de poder falar de uma razão, ou igualdade, entre
a procura e a oferta. Mas as quantidades dos dois desejos de parte de duas pessoas diversas
não podem ser comparadas diretamente; suas medidas se podem comparar, não porém elas
próprias. De fato, o mesmo Cairnes é levado a dizer que a oferta é “limitada pelas quantidades
de mercadorias específicas oferecidas à venda, e a procura pela quantidade de poder aquisitivo
oferecido para a sua compra”. Mas os vendedores não têm uma quantidade fixa de mercadorias
que ofereçam à venda incondicionalmente, a qualquer preço, que possam obter; os compradores
não têm uma quantidade fixa de poder aquisitivo que estejam prontos a gastar em mercadorias
específicas, não importando quanto tenham que pagar por elas. É preciso então levar em
conta, em um e outro caso, a relação entre quantidade e preço, de sorte a completar a proposição
de Cairnes, com o que se volta ao caminho seguido por Mill. O mesmo Cairnes diz, na verdade,
que “a Procura, tal como definida por Mill, se deve entender como medida, não como a minha
definição exigiria, pela quantidade de poder aquisitivo oferecido para atender ao desejo de
mercadorias, mas pela quantidade de mercadorias pela qual tal poder de compra é oferecido”.
É verdade que há uma grande diferença entre as frases “Eu comprarei uma dúzia de ovos”,
e “Eu comprarei 1 xelim de ovos”. Mas não há diferença substancial entre a frase “Eu comprarei
doze ovos a 1 pêni cada, mas só seis a 1 1/2 pêni cada”, e esta outra, “Eu gastarei 1 xelim
em ovos a 1 pêni cada, mas se eles custaram 1 1/2 pêni cada, gastarei 9 pence com eles”. Mas
enquanto a fórmula de Cairnes, completada, se torna substancialmente a mesma de Mill, sua
forma presente é ainda mais suscetível de induzir a erro. (Ver um artigo do Autor sobre “Mill’s
Theory of Value”. In: Fortnightly Review. Abril de 1876.)

163
OS ECONOMISTAS

Quando dizemos que a procura de uma coisa por uma pessoa


aumenta, queremos dizer que ela comprará mais que dantes ao mesmo
preço, e que comprará tanto quanto anteriormente a um preço mais
elevado. Um aumento geral na procura é um aumento da lista inteira
de preços pelos quais ela se dispõe a comprar diferentes quantidades
da coisa, e não significa apenas que ela está pronta a comprar mais
aos preços correntes.121

§ 5. Até aqui encaramos a procura por parte de um único


indivíduo. No caso particular de uma coisa como o chá, a procura
de uma única pessoa representa muito bem a procura total de todo
um mercado: pois a procura do chá é uma procura constante; e
desde que pode ser comprado em pequenas quantidades, cada va-
riação em seu preço é suscetível de afetar a quantidade em que um
indivíduo o comprará. Mesmo entre as coisas de uso constante, po-
rém, há muitas cuja procura de parte de algum indivíduo singular
não pode variar continuamente com qualquer pequena alteração no
preço, mas pode variar apenas por grandes saltos. Por exemplo,
uma pequena queda no preço de chapéus ou de relógios não afetará
a atitude de todo o mundo, mas induzirá umas poucas pessoas, que
estavam em dúvida se compravam ou não um novo chapéu ou um
novo relógio, no sentido de fazê-lo.
Há muitas classes de coisas cuja procura por parte de um
indivíduo é inconstante, caprichosa e irregular. Não pode haver
lista de preços de procura individual para bolos nupciais, ou para
serviços de um reputado cirurgião. Mas o economista pouco se
ocupa com incidentes particulares na vida dos indivíduos. Em
vez disso, ele estuda “as ações que, sob certas condições, podem
ser esperadas dos membros de um grupo industrial”, na medida
em que os móveis dessas ações sejam mensuráveis por um preço
em dinheiro; e nesses resultados gerais a variedade e a incons-
tância da ação individual estão imersos no agregado relativamen-
te regular da ação de muitos.
Em grandes mercados, então — onde o rico e o pobre, o velho
e o moço, homens e mulheres, pessoas de todas as variedades de
gostos, temperamentos e ocupações são confundidas no conjunto —,
as peculiaridades nas necessidades individuais se compensam umas
às outras, resultando numa variação comparativamente regular da
procura total. Toda baixa, mesmo ligeira, no preço de uma merca-

121 Podemos chamar a isto, algumas vezes com vantagem, uma elevação da sua tabela de
procura. Geometricamente representa-se pela elevação da sua curva de procura, ou, o que
dá no mesmo, movendo-a para a direita, com talvez alguma modificação de sua forma.

164
MARSHALL

doria de uso geral, aumentará, não variando as outras condições, o


total das vendas da mesma, tal como um outono insalubre aumenta
a mortalidade de uma grande cidade, embora muitas pessoas não so-
fram com ele. Se, portanto, tivéssemos as informações necessárias, po-
deríamos levantar uma lista de preços pelos quais cada quantidade
de uma mercadoria acharia compradores num determinado lugar, no
curso, digamos, de um ano.
A procura total de chá, por exemplo, num determinado lugar, é
a soma das procuras individuais de todos os que nele vivem. Alguns
serão mais ricos, outros mais pobres do que o consumidor individual
cuja procura vimos de estudar; em alguns o gosto pelo chá será maior,
em outros menor que o dele. Suponhamos que há no lugar um milhão
de compradores de chá, e que o consumo médio é igual ao dele para
cada preço. Então, a procura desse lugar é representada pela mesma
lista de preços que vimos antes e escrevemos um milhão de libras de
chá em vez de uma libra.122
Existe, pois, uma lei geral da procura: Quanto maior a quantidade
a ser vendida, menor deve ser o preço pelo qual ela é oferecida, a fim
de que possa achar compradores; ou, em outras palavras, a quantidade
procurada aumenta com a baixa, e diminui com a alta do preço. Não
haverá uma relação uniforme entre a baixa do preço e o aumento da
procura. Uma queda de um décimo no preço pode aumentar as vendas
de um vigésimo ou de um quarto, ou dobrá-las. Mas, à medida que os
números da coluna esquerda da tabela da procura aumentam, os da
coluna da direita diminuirão sempre.123

122 A procura é representada pela mesma curva precedente, salvo que uma polegada de Ox
agora representa 10 milhões de libras em vez de 10 libras. Uma definição da curva da
procura para um mercado pode ser assim formulada: A curva de procura de qualquer
mercadoria num mercado, durante uma dada unidade de tempo, é o lugar geométrico dos
pontos de procura da mesma. Ou seja, é uma curva tal que, se de qualquer ponto P tomado
nela, uma linha reta PM traçada perpendicularmente a Ox, PM representa o preço pelo
qual os compradores se apresentarão para comprar uma quantidade da mercadoria repre-
sentada por OM.

Fig. 2

123 Isto é, se um ponto se move ao longo da curva afastando-se de Oy, ele se aproximará
constantemente de Ox. Portanto, se for traçada uma reta PT tocando a curva em P e
encontrando Ox em T, o ângulo PTx é um ângulo obtuso. Será conveniente exprimir abre-
viadamente este fato: podemos fazê-lo dizendo que PT é inclinado negativamente. Assim,

165
OS ECONOMISTAS

O preço medirá a utilidade marginal de uma mercadoria para


cada comprador individualmente: não podemos dizer que o preço mede
a utilidade marginal em geral, porque as necessidades e as circuns-
tâncias das diferentes pessoas são diferentes.

§ 6. Os preços de procura em nossa lista são aqueles pelos


quais as diversas quantidades de uma coisa podem ser vendidas
num mercado durante um tempo dado e sob condições dadas. Se as
condições de alguma sorte variam, os preços provavelmente deverão
sofrer uma alteração; e isso tem que ser feito constantemente quando
o desejo de alguma coisa é materialmente alterado por uma variação
de costume ou pelo suprimento barato de uma mercadoria concor-
rente, ou pela invenção de uma nova. Por exemplo, a lista de preços
de procura de chá é estabelecida na suposição de que o preço do
café é conhecido, mas uma queda da safra do café fará subir os
preços do chá. A procura de gás é suscetível de diminuir em virtude
de um melhoramento da energia elétrica; e, do mesmo modo, uma
baixa no preço de uma espécie particular de chá pode fazer com
que ele seja substituído por uma variedade inferior, porém mais
barata.124
Nosso próximo passo será considerar o caráter geral da pro-

a única lei universal à qual se subordina a curva da procura é que é inclinada negativamente
em toda a sua extensão. Deve ser naturalmente entendido que “a lei da procura” não se
aplica à procura numa luta entre grupos de especuladores. Um grupo que deseja descarregar
uma grande quantidade de uma coisa no mercado, freqüentemente começa por comprar
um pouco dela abertamente. Quando ele faz subir, assim, o preço da coisa, arranja vender
uma grande parte discretamente, e através de canais não costumeiros. Ver um artigo do
prof. Taussig no Quarterly Journal of Economics (Maio, 1921, p. 402).
124 É mesmo concebível, embora não provável, que uma baixa simultânea e proporcional
no preço de todos os chás possa diminuir a procura de certa qualidade em particular.
Isso acontece se aqueles que são levados pelo crescente barateamento do chá a consumir
uma qualidade superior em lugar daquela, são mais numerosos do que os que foram
levados a tomar essa qualidade particular em substituição a uma qualidade inferior.
A questão de saber onde devem ser traçadas as linhas de divisão entre as diferentes
mercadorias deve obedecer à conveniência de cada caso em particular. Para certos fins,
pode ser melhor considerar os chás chineses e indianos, ou mesmo os chás de Souchong
e Pekoe, como mercadorias diferentes, e ter uma tabela de procura separada para cada
um deles, enquanto, para outros propósitos, pode ser melhor grupar mercadorias tão
diferentes como carne de vaca e carne de carneiro, ou mesmo como chá e café, e ter
uma única lista para representar a procura das duas juntas; mas, num caso como este,
naturalmente, alguma convenção se deve estabelecer quanto ao número de onças de
chá tomadas como equivalentes a uma libra de café. Do mesmo modo, uma mercadoria
pode ser procurada simultaneamente para usos diversos (por exemplo, pode haver uma
“procura composta” de couro para sapatos e malas). A procura de uma coisa pode ser
condicionada à oferta de uma outra sem a qual a primeira não prestaria muito serviço
(assim pode haver uma “procura conjunta” de algodão em rama e mão-de-obra de fian-
deiros). Também a procura de uma mercadoria de parte de compradores que só a com-
pram para revendê-la em seguida, mesmo governada pela procura do último e mais
baixo consumidor, tem particularidades especiais. Mas todos esses pontos serão melhor
discutidos adiante.

166
MARSHALL

cura nos casos de certas mercadorias importantes, prontas para con-


sumo imediato. Continuaremos assim o estudo feito no capítulo pre-
cedente quanto à variedade e saciabilidade das necessidades, mas
o trataremos de um ponto de vista algo diferente, o das estatísticas
de preço.125

125 Uma grande mudança operou-se nas formas do pensamento econômico durante a geração
precedente, pela adoção geral de linguagem semimatemática para exprimir a relação entre
pequenos aumentos de quantidade de uma mercadoria de um lado, e de outro pequenos
aumentos de preço total pago por ela; e também pela formal compreensão destes pequenos
aumentos de preço como medida de pequenos aumentos correspondentes de prazer. O
primeiro e o mais importante passo foi dado por COURNOT. Recherches sur les Principes
Mathématiques de la Théorie des Richesses. 1838; o seguinte por DUPUIT. “De la Mesure
d’Utilité des Travaux Publics.” In: Annales des Ponts et Chaussées. 1844, e por GOSSEN.
Entwickelung der Gesetze des menschlichen Verkehrs. 1854. Mas seus trabalhos foram es-
quecidos e uma parte do que estava feito foi depois refeita e publicada quase simultanea-
mente por Jevons e por Carl Menger, em 1871, e por Walras pouco mais tarde; Jevons
atraiu quase de repente a opinião pública por sua brilhante lucidez e seu estilo interessante.
Ele empregou a nova expressão utilidade final engenhosamente, de modo a habilitar mesmo
pessoas que nada sabiam da ciência matemática a ter idéias claras das relações gerais
entre as pequenas variações de duas coisas que se estão alterando gradualmente, uma em
conexão com a outra. Seu sucesso foi ajudado até pelos seus defeitos. Na convicção sincera
em que estava de que Ricardo e seus seguidores, na exposição das causas que determinam
o valor, erraram irremediavelmente, deixando de insistir sobre a lei da saciedade das
necessidades, ele levou muitos a pensar que havia corrigido grandes erros; embora, na
realidade, apenas tivesse aduzido algumas explanações importantes. Ele fez um excelente
trabalho insistindo no fato, que não é de menor importância, embora seus predecessores,
mesmo Cournot, o julgassem por demais óbvio para ser expressamente mencionado, a
saber, que a diminuição na procura de uma coisa num mercado indica uma diminuição na
intensidade do desejo dela por parte dos consumidores individuais, cujas necessidades estão
se tornando saciadas. Mas ele levou muitos dos seus leitores a uma confusão entre os
domínios do Hedonístico e do Econômico, pelo exagero de aplicação de suas frases favoritas,
e por dizer (Theory. 2ª edição, p. 105) sem precisão que o preço de uma coisa mede sua
utilidade final não só para um indivíduo, o que pode ser, mas também para “um grupo de
comércio” (a trading body), o que não pode ser. Poder-se-ia acrescentar que o prof. Seligman
mostrou (Economic Journal. 1903. p. 356-363) que numa conferência há muito pronunciada
em Oxford, em 1833, o prof. W. F. Lloyd antecipou muitas das idéias centrais da presente
doutrina da utilidade. Uma excelente bibliografia da Economia Matemática é dada pelo
prof. Fischer, num apêndice à tradução que Bacon fez da Recherches de Cournot, à qual
o leitor pode se dirigir para ter um apanhado com mais detalhes das mais antigas obras
matemáticas sobre a Economia, assim como das de Edgeworth, Pareto, Wicksteed, Auspitz,
Lieben e outros. A Economia Pura, de Pantaleoni, no meio de matéria ótima, pela primeira
vez torna geralmente acessíveis as demonstrações originais e vigorosas, embora algo abs-
tratas, de Gossen.

167
ALFRED MARSHALL

Princípios de Econo01ia
Tratado Introdutório
Natura non facit saltum

Volume II

Tradução revista de Rômulo Almeida

e Ottolmy Strauch

~
1982
EDITOR: VICTOR CIVITA
lrtulo original:

Principies of Economics: An introductory volume

© Copyright desta edição, Abril S.A. Cultural e Industrial,


São Paulo, 1982.

Tradução publicada sob licença de Ottolmy Strauch,


Rio de Janeiro, e Rômulo Barreto Almeida, Bahia.
CAPÍTULO III

Equilíbrio da Procura e da Oferta Normais

Translção para § 1. Devemos agora investigar as causas que regulam os preços de ofer-
valores normais. ta, isto é, os preços que os negociantes estão dispostos a aceitar por diferen-
tes quantidades. No último capítulo consideramos, unicamente, os negócios
de apenas um dia; e supusemos que os estoques oferecidos à venda já exis-
tiam. Mas, naturalmente, esses estoques dependem da quantidade de trigo
plantada no ano anterior. E esta, por sua vez, foi largamente influenciada pe-
las conjecturas dos agricultores sobre o preço que obteriam neste ano. Este o
ponto em que nos devemos fixar neste capítulo.
Quase todas Mesmo na Bolsa de Cereais de uma cidade do interior em dia de
as transações pregão, o preço de equilíbrio é afetado pelo cálculo das futuras relações de
com mercadorias
que não são muito produção e consumo; e, enquanto isso, nos principais mercados de cereais
pereciveis da América e da Europa, os negócios a termo, isto é, para entregas futuras,
estão afetadas
por câlculos já predominam e tendem mais e mais a reunir numa só trama os principais
relativos ao futuro; liames do comércio de cereais no mundo inteiro. Alguns desses negócios de
futuros não passam de incidentes nas manobras especulativas, mas, em ge-
ral, elas são reguladas pelas perspectivas, de um lado, do consumo mundial,
e, de outro, dos estoques existentes e das safras esperadas nos dois he-
misférios. Os negociantes levam em conta as áreas semeadas com cada
espécie de cereal, o avanço e o peso das colheitas, a oferta de gêneros que
possam substituir os grãos e de artigos aos quais os grãos podem substituir.
Assim, tratando da compra e venda da cevada, eles anotam as ofertas de
coisas como o açúcar, que pode substituir a cevada na cerveja, e outrossim
das várias forragens, cuja falta elevaria o valor da cevada para consumo na
fazenda. Se é sabido que os plantadores de qualquer espécie de cereal, em
qualquer parte do mundo, perderam dinheiro, e se dispõem a semear uma
área menor para a próxima safra, conclui-se que os preços deverão subir lo-
go que a colheita apareça e sua pequenez seja para todos manifesta. As pre-
visões dessa alta exercem influência nas vendas atuais para entrega futura, e
estas por sua vez influenciam os preços a vista, de tal sorte que esses preços
são indiretamente afetados pelas estimativas das despesas de produção de
suprimentos adicionais.
Mas neste e nos capítulos seguintes ocupar-nos-emos especialmente dos

27
28 RELAÇÕES GERAIS ENTRE A PROCURA, A OFERTA E O VALOR

e vamos agora movimentos de preço que se estendem por períodos ainda mais longos do
considerar que os levados em conta pelos mais avisados negociantes de futuros: temos
lentos e graduais
ajustes da oferta que considerar o volume da produção ajustando-se às condições do merca-
e da procura. do, e o preço normal que se determina dessa forma em uma posição de
equilíbrio estável entre a oferta e a procura normais.

A explicação § 2. Neste estudo teremos que fazer uso constante dos termos custo e
do preço de alerta
levada um pouco
despesas de produção e devemos, por isso, dar alguma explicação provisória
mais adiante. deles antes de seguir adiante.
Podemos retornar à analogia entre o preço de procura e o preço de
oferta de uma mercadoria. Admitindo no momento que a eficiência da pro-
dução depende tão só dos esforços dos trabalhadores, vimos que "o preço
que é preciso pagar para conseguir o esforço necessário para produzir dada
quantidade de uma mercadoria pode ser chamado preço de oferta para essa
quantidade, naturalmente com referência a dada unidade de tempo" . 1 Mas
agora temos que levar em conta o fato de que a produção de uma mercado-
ria geralmente exige muitas espécies diferentes de trabalho e o uso de capital
sob muitas formas. Os esforços da mão-de-obra de todos os tipos, direta ou
indiretamente empregada em produzi-la, ao lado da abstinência, ou melhor,
da espera necessária para acumular o capital utilizado nela, serão conjunta-
Custo real e monetário mente designados como o custo real de produção de uma mercadoria. As
de produção.
quantias a pagar por esses esforços e sacrifícios serão designadas por custo
Despesas monetário de produção, ou, abreviando, suas despesas de produção; eles
de produção.
são os preços que devem ser pagos a fim de provocar uma oferta suficiente
dos necessários esforços e esperas para a produção da mercadoria, ou, em
outras palavras, eles são seus preços de oferta. 2
A análise das despesas de produção de uma mercadoria pode remontar
a qualquer ponto, mas raramente vale a pena recuar até muito longe. Por
exemplo, freqüentemente basta tomar como fatos consumados os preços de
oferta das diversas matérias-primas usadas numa indústria, sem decompor
esses preços de oferta em seus vários elementos. De outra forma a análise se-
ria infindável. Podemos então dispor as coisas necessárias à produção de
uma mercadoria em quantos grupos forem convenientes e chamá-los seus
Fatores de produção fatores de produção. As despesas de produção, quando determinada quan-
tidade é produzida, constituem, assim, os preços de oferta das quantidades
correspondentes dos seus fatores de produção. E a soma destes é o preço de
oferta da dita quantidade da mercadoria.

1 Livro Quarto. Cap. 1, § 2.


2 Mill e alguns outros economistas seguiram a prática da vida comum, usando o lermo Custo de Produção
em dois senlldos, às vezes significando a dificuldade no produzir uma coisa, e outras o dispêndio em di-
nheiro que é preciso para levar as pessoas a vencer essa dificulda<;le e produzir a coisa. Mas, passando de
uma para outra acepção sem uma explícita advertência, eles provocaram muitos mal-entendidos e muitas
controvérsias estéreis. O ataque à doutrina de Mill sobre o Custo de Produção em relação ao Valor, leito
por Calmes em seus Leading Principies, foi publicado logo depois da morte de Mill; e infelizmente sua in-
terpretação das palavras de Mill foi geralmente aceita como de uma autoridade, porque ele era considera-
do um dos seus discípulos. Mas num artigo, "Mill's Theory oi Value" (Fortnightly Reuiew. Abril, 1876), o
autor sustentou que Caimes compreendeu mal o pensamento de Mill, e na realidade viu ainda menos da
verdade, do que Mill.
As despesas de produção de uma quantidade qualquer de uma matéria-prima podem ser mais bem ava-
liadas em relação à "margem de produção" na qual não se paga renda da terra. Mas esse modo de falar
oferece grande dificuldade em relação a mercadorias que obedecem à lei do rendimento crescente. Pare-
ceu-nos mais conveniente lazer notar esse ponto de passagem: ele será depois largamente discutido, so-
bretudo no capítulo XII.
EQUILiBRIO DA PROCURA E DA OFERTA NORMAIS 29

Exlsle § 3. Mercado moderno típico considera-se freqüentemente aquele em


grande variação que os industriais vendem mercadorias aos atacadistas a preços nos quais en-
na lmporlância
rela tiva tram poucas despesas comerciais. De um ponto de vista mais amplo, porém,
dos diferentes podemos considerar que o preço de oferta de uma mercadoria é o preço ao
elementos do
cuslo de produção. qual ela será entregue para a venda ao grupo de pessoas cuja procura dessa
mercadoria estamos a considerar; ou, em outras palavras, é o preço no mer-
cado que temos em vista. Do caráter de tal mercado dependerá a quantida-
de de despesas mercantis a levar em conta na apuração do preço de oferta. 3
Por exemplo, o preço de oferta da madeira na vizinhança das florestas do
Canadá consiste quase exclusivamente no preço do trabalho dos madeirei-
ros: mas o preço de oferta da mesma madeira no mercado atacadista de
Londres é composto em grande parte pelos fretes, enquanto o preço de ofer-
ta a um pequeno comprador a varejo, numa cidade do interior da Inglaterra,
é constituído em mais da metade pelas despesas com transporte ferroviário e
com intermediários que trazem o material de que ele precisa à sua porta, e
mantêm um estoque à sua disposição. Da mesma sorte, o preço de oferta de
certa espécie de trabalho pode, sob muitos pontos de vista, ser dividido entre
as despesas de criação pela família, de educação geral e de instrução profis-
sional. As combinações possíveis são inúmeras e, conquanto cada uma pos-
sa oferecer particularidades que exijam atenção especial na solução completa
de qualquer problema com ela relacionada, podemos, não obstante, ignorar
todas essas particularidades para efeito das argumentações gerais deste
Livro.
Ao calcular as despesas de produção de uma mercadoria, devemos ter
em conta o fato de que as alterações nas quantidades produzidas serão pro-
vavelmente acompanhadas, mesmo quando não haja invenção nova, por
alterações nas quantidades proporcionais dos seus diversos fatores de pro-
dução. Por exemplo, quando se amplia a escala de produção, a força animal
ou o vapor provavelmente substituirão o trabalho manual, os materiais serão
provavelmente transportados de distâncias maiores e em maiores quantida-
des, aumentando assim as despesas de produção correspondentes ao traba-
lho dos transportadores, dos intermediários e negociantes de todas as
espécies.
O princípio Na medida dos seus conhecimentos e do seu espírito empresarial, os
de substituição. produtores em cada caso escolhem os fatores de produção mais apropriados
ao seu objetivo. A soma dos preços de oferta desses fatores é, em regra, me-
nor do que a soma de qualquer outro grupo de fatores que possam
substituí-los. E sempre que parecer aos produtores não ser a combinação de
fatores escolhida a mais adequada, eles, de ordinário, porão em serviço, em
substituição ao anterior, o método menos dispendioso. Mais adiante veremos
como, de maneira mais ou menos semelhante, a sociedade substitui um em-
preendedor menos capaz por outro mais eficiente no desempenho dos seus
encargos. Podemos, por comodidade de referência, designar esse princípio
por princípio de substituição.
A aplicação desse princípio se estende a quase todos os campos da in-
vestigação econômica. 4

3 Jâ acentuamos (Livro Segundo. Cap. Ili) que a acepção econômica do termo "produção" compreende a
produção de novas utilldades pelo transporte de uma coisa de um lugar em que seja menos necessária pa-
ra um lugar em que seja mais necessária, ou ajudando os consumidores a satisfazerem suas necessidades.
4 Ver Livro Terceiro. Cap. V; Livro Quarto. Cap. VII, § 8.
30 RELAÇÕES GERAIS ENTRE A PROCURA, A OFERTA E O VALOR

A posição da qual § 4. A situação é, pois, a seguinte: estamos investigando o equilíbrio da


partimos. procura e oferta normais em sua forma mais geral; estamos pondo de lado
aqueles aspectos peculiares a partes especiais da ciência econômica, e limita-
mos nossa atenção a amplas relações comuns à quase totalidade dessa ciên-
Pressupomos cia. Assim, admitimos que as forças da procura e da oferta agem livremente;
o livre jogo da que não há uma combinação entre negociantes de um lado ou de outro, mas
oferta e da procura
no mercado. que, ao contrário, cada um age para si e que existe bastante livre concorrên-
cia, isto é, os compradores competem em geral livremente com os outros
compradores, e os vendedores igualmente com os outros vendedores. Mas,
conquanto cada um aja por si, seu conhecimento do que os outros estão fa-
zendo supõe-se ser geralmente suficiente para evitar que ele aceite um preço
menor ou pague um maior do que os dos outros. Admitimos provisoriamen-
te a veracidade disso, tanto a respeito dos artigos elaborados, como de seus
fatores de produção, da contratação de mão-de-obra e do empréstimo de
capital. Já estudamos até certo ponto, e continuaremos a investigar até onde
essas suposições estão de acordo com os fatos reais da vida. Mas, entremen-
tes, esta é a hipótese com a qual prosseguimos. Admitimos que haja apenas
um preço no mercado em determinado tempo, ficando entendido que sele-
vam em conta separadamente, quando necessário, as diferenças na despesa
de entrega das mercadorias aos negociantes estabelecidos em diferentes par-
tes do mercado, inclusive as despesas especiais do varejo, se for o caso de
mercado retalhista.
Condições gerais Em tal mercado, há um preço de procura para cada quantidade da mer-
da procura. cadoria, isto é, um preço ao qual determinada quantidade da mercadoria
pode encontrar compradores num dia, numa semana ou num ano. As cir-
cunstâncias que regulam esse preço, relativamente a dada quantidade de
mercadorias, variam de caráter, de um problema para outro; mas, em todos
os casos, quanto maior a quantidade de uma coisa oferecida à venda num
mercado, mais baixo é o preço ao qual o artigo encontrará compradores; ou,
em outras palavras, o preço de procura para cada bushel ou jarda diminui a
cada aumento da quantidade oferecida.
A unidade de tempo pode ser escolhida de acordo com as cir-
cunstâncias de cada problema específico: pode ser um dia, um mês, um ano
ou mesmo uma geração, mas em qualquer caso deve ser curto em relação à
duração do mercado em questão. Deve supor-se que as circunstâncias gerais
do mercado permanecem inalteradas durante esse periodo, que não há, por
exemplo, alteração na moda ou no gosto, novo substituto que possa influir
na procura, novo invento que perturbe a oferta.
As condições As condições da oferta normal são menos definidas, e um estudo com-
da oferta variarão pleto delas deve ser reservado para capítulos. posteriores. Verificar-se-á que
com a duração
do tempo elas variam em detalhes conforme a duração do periodo de tempo ao qual se
a que se relerem. refere a investigação, principalmente porque tanto o capital material da ma-
quinaria e de outras instalações industriais, como o capital imaterial de ap-
tidão e capacidade comerciais e de organização são de lento crescimento e
de lenta decadência. .
Mas podemos Recordemos a noção antes assinalada de firma representativa ou em-
considerar presa típica, cujas economias de produção, internas e externas, dependem
provisoriamente
o preço do volume total de produção da mercadoria que ela fabrica, 5 e, adiando
de oferta normal qualquer outro estudo da natureza dessa dependência, admitamos que se
como as despesas

5 Ver Livro Quarto. Cap. XIII, § 2.


EQUILiBRIO DA PROCURA E DA OFERTA NORMAIS 31

de produção, pode tomar como o preço normal de oferta de qualquer quantidade dessa
inclusive os ganhos mercadoria a soma das suas despesas normais de produção (inclusive ga-
brutos· da direção
de uma ltrma nhos brutos da direção) 6 efetuadas por essa firma. Isto é, admitamos que a
representativa. expectativa deste preço é o bastante para manter a produção global existen-
te; algumas firmas, nesse ínterim, sobem, outras caem na produção, mas o
volume global de produção permanece invariável. Um preço mais elevado
que este aceleraria o crescimento das firmas em fase ascendente, e atenuaria,
embora não pudesse evitar, a decadência das outras, sendo o resultado líqui-
do um aumento na produção global. Por outro lado, um preço menor apres-
saria a decadência das firmas que caem e afrouxaria o ritmo de progresso das
firmas que se elevam e, no conjunto, diminuiria a produção. E uma alta ou
baixa do preço afetaria de igual maneira, ~mbora talvez não em grau igual,
essas grandes sociedades anônimas que volta e meia ficam estagnadas, mas
raro morrem.

A elaboração § 5. A fim de precisar nossas idéias, tomemos um exemplo do comércio


da lista de preços de tecidos de lã. Suponhamos que uma pessoa bem familiarizada com ora-
pelos quais
uma coisa pode mo se ponha a inquirir qual seria o preço normal de oferta de certo número
ser oferecida, de milhões de jardas, anualmente, de certa espécie de tecido. Deverá ela ter
ou sua
tabela de oferta. em conta: 1) o preço da lã, do carvão e de outros materiais utilizados para
fabricá-la; 2) o desgaste e a depreciação dos edifícios, maquinaria e outro ca-
pital fixo; 3) os juros e seguro sobre todo o capital; 4) os salários dos que tra-
balham nas fábricas; e 5) os ganhos brutos da direção (inclusive seguro con-
tra perdas), dos que assumem os riscos, organizam e superintendem o traba-
lho. Essa pessoa naturalmente estimaria os preços de oferta de todos esses
diferentes fatores de produção do tecido, com referência às quantidades de
cada um deles que possam ser necessárias, supondo que as condições de
oferta sejam normais, e somaria todos, a fim de encontrar o preço de oferta
do tecido.
Suponhamos uma lista de preços de oferta (ou uma tabela de oferta), le-
vantada segundo um processo semelhante ao da nossa lista de preços de
procura: 7 o preço de oferta de cada quantidade da mercadoria num ano, ou
em q_ualquer outra unidade de tempo, escrito diante da quantidade respecti-
va. 8 A medida que o fluxo ou quantidade (anual) da mercadoria aumenta, o

6 Ver último parágrafo do Livro Quarto. Cap. XII.


7 Ver Livro Terceiro. Cap. 111, § 4.
8 Medindo-se, como no caso da curva de procura, as quantidades
de uma mercadoria ao longo de Ox, e os preços paralelamente a y Fig. 18
Oy, obtemos para cada ponto M, ao longo de Ox, uma Unha MP S'
traçada em ângulo reto com Ox, e que mede o preço de oferta pa-
ra a quantidade OM, cuja extremidade, P, pode ser denominada •/
um ponto de oferta, constituindo-se este preço MP dos preços de
oferta dos diversos fatores de produção para a quantidade OM. A
curva que passa por P é chamada curva de oferta. s llJ'
Suponhamos, por exemplo, que classiltcamos as despesas de
produção de nossa firma representativa para produzir a quanttdade
114 ,,.
OM de tecidos nos seguintes itens: 1) Mp 1 o preço de oferta da lã e llJ
do capllal de giro necessário para fabricá-la; 2) pipi a correspon-
dente deterioração e depreciação dos edifícios e demais capllal li-
xo; 3) pip1 os juros e o seguro relativo a todo o capital; 4) PJP4 os
111
111
'------t;;:---
p,
...
salários de todos os que trabalham na fábrica; e 5) p4P os ganhos
brutos de direção etc., de todos os que assumem os riscos e diri-
gem os trabalhos. Assim, à medida que M se desloca de O pàra a o M X
32 RELAÇÕES GERAIS ENTRE A PROCURA, A OFERTA E O VALOR

preço de oferta pode aumentar ou diminuir, ou mesmo pode, alternadamen-


te, aumentar e diminuir. 9 Pois que, se a Natureza oferece vigorosa resistência
aos esforços do homem para arrancar dela provisão maior de matérias-pri-
mas, enquanto em determinada etapa não há muito campo para introduzir
novas e importantes economias na fabricação, o preço de oferta subirá. Se,
porém, o volume de produção fosse maior, seria quiçá proveitoso substituir
os braços por máquinas, a força muscular pelo vapor, e assim o aumento no
volume reduziria as despesas de produção da mercadoria de nossa firma re-
presentativa. Mas os casos em que o preço de oferta cai à medida que au-
menta a quantidade apresentam dificuldades especiais, que lhes são
próprias, e ficam adiados para o capítulo XII deste Livro.

O que se entende § 6. Quando, por conseguinte, a quantidade produzida (numa unidade


por equil!brio.
de tempo) é tal que o preço de procura é maior do que o preço de oferta, os
vendedores recebem mais do que o suficiente para que lhes valha a pena tra-
zer ao mercado bens nessa quantidade; entra em jogo uma força ativa ten-
dente ao aumento da quantidade posta à venda. Por outro lado, quando a
quantidade produzida é tal que o preço de procura é menor que o de oferta,
os vendedores recebem menos do que o suficiente para lhes valer a pena tra-
zer artigos ao mercado, nessa escala; de sorte que os que estiverem na mar-
gem de dúvida sobre se lhes convém continuar produzindo decidem-se a
não mais produzir, e entra a atuar fortemente, então, uma tendência para di-
minuir a quantidade entregue ao mercado. Quando o preço de procura é
igual ao de oferta, a quantidade produzida não tende a aumentar nem a di-
minuir: ela está em equilíbrio.
Quantidade de Quando a procura e a oferta estão em equilíbrio, a quantidade da mer-
equilibrio e preço cadoria que se produz numa unidade de tempo pode ser chamada quantida-
de equilibrio.
de de equi/rbrio, e o preço ao qual está sendo vendida, preço de equilíbrio.
Equilibrios Tal equilíbrio é estável, isto é, se o preço dele se afasta um pouco, tende
estáueis, a voltar como o pêndulo que oscila em torno do seu ponto mais baixo, e a
as condições caracteristica dos equilíbrios estáveis é que neles o preço de procura é maior
em que ocotTem.
que o de oferta para quantidades um pouco menores do que a quantidade
de equilíbrio, e vice-versa. Com efeito, quando o preço de procura é maior
que o de oferta, a quantidade produzida tende a crescer. Por conseguinte, se
o preço de procura é maior que o preço de oferta para quantidades um pou-
co inferiores a uma quantidade de equilíbrio, caindo o nível de produção

direita PI, p,, p1, p4 traçarão cada um deles a sua curva e a última curva de oferta traçada por P, como se
evidencia, é obtida pela superposição das curvas de oferta dos diversos fatores de produção do tecido.
Deve ser lembrado que esses preços de oferta são os preços não de unidades dos diversos fatores de
produção, mas das quantidades dos mesmos necessárias à fabricação "de ·umá jarda do tecido. Assim, por
exemplo, p3p4 é o preço de oferta, não de qualquer quantid.ade fixa de trabalho, mas daquela quantidade
empregada na leitura de uma jarda onde a produção lotai é de OM jardas. (Ver supra, § 3.) Não nos de-
vemos preocupar aqui se a renda do terreno da fábrica deve constituir uma classe especial: isso pertence a
uma série de questões que serão discutidas mais adiante. Prescindimos, outrossim, das taxas e impostos,
que leriam que ser levados em conta.
9 Isto é, um ponto em movimento para a direita ao longo da curva de oferta pode subir ou descer, ou mes-
mo alternadamente subir e descer. Em outras palavras, a curva de oferta pode ser inclinada positiva ou ne-
gativamente, ou mesmo pode ser inclinada positivamente em algumas partes do seu curso, e em outras
partes negativamente. (Ver nota de rodapé no Livro Terceiro. Cap. Ili, § 5.)
EQUILIBRIO DA PROCURA E DA OFERTA NORMAIS 33

temporariamente a um ponto um pouco abaixo da quantidade de equilíbrio,


esse nível tende a reagir; assim, o equilíbrio é estável para os deslocamentos
nessa direção. Se o preço de procura é maior do que o de oferta para quanti-
dades um pouco menores que a quantidade de equilíbrio, é certo que tal
preço será menor que o preço de oferta para quantidades um pouco maiores
e, portanto, se a escala de produção ultrapassar um tanto a posição de
equilíbrio, tenderá a retornar a ela; e o equilíbrio será estável também para os
deslocamentos nessa direção.
As oscilações Quando a procura e a oferta estão em equilíbrio estável, se um acidente
em tomo de qualquer deslocar a escala de produção da sua posição de equilíbrio, imedia-
uma posição de
equilíbrio estável tamente entrarão em jogo forças tendentes a fazê-la voltar a essa posição, tal
como, se uma pedra suspensa por um cordão for deslocada da sua posição
de equilíbrio, a força de gravidade logo atuará para repô-la nessa posição. Os
movimentos da escala de produção em torno da sua posição de equilíbrio
serão de uma espécie algo semelhante. 10
são raramente Na vida real, todavia, tais oscilações raro são rítmicas como. as de uma
rítmicas. pedra balançando livremente na extremidade de um cordão. A comparação
seria mais exata se supuséssemos o cordão suspenso nas águas agitadas de
uma calha de moinho, cuja corrente ora é deixada a fluir livremente, ora é
parcialmente represada. Nem essas complicações são suficientes para ilustrar
todos os transtornos com que o economista e o comerciante são obrigados a
ocupar-se. Se a pessoa que sustém o cordão mexe a mão com movimentos
em parte rítmicos e em parte arbitrários, o exemplo não excederá as dificul-
dades de muitos dos problemas reais e práticos do valor. Com efeito, em ver-
dade as tabelas da procura e da oferta, na prática, não permanecem inaltera-
das longo tempo, mas são constantemente alteradas e cada variação nelas
altera a quantidade de equilíbrio e o preço de equilíbrio, e assim desloca os
centros em torno dos quais a quantidade e o preço tendem a oscilar.
Relação imprecisa Essas considerações indicam a grande importância do elemento tempo
entre preço em relação à procura e oferta, a cujo estudo vamos passar agora. Iremos
de oferta

y D 10 Cf. Livro Quinto. Cap. 1, § 1. Para representar geometricamen-


Fig. 19 te o equilíbrio da procura e da oferta, podemos traçar as duas cur-
vas de procura e de oferta juntas, como na fig. 19. Se então OR re-
presenta o nlvel que efetivamente atinge a produção, e Rd, o pre-
ço de procura, é maior que Rs, o preço de oferta, a produção é ex-
cepcionalmente lucrativa e será aumentada. R, o índice de quanli·
dade, como podemos chamá-lo, mover-se-á para a direita. Ao
contrário, se Rd for menor do que Rs, R se deslocará para a es-
querda. Se Rd for igual a Rs, isto é, se Restá verticalmente sob a
s Interseção das curvas, a procura e a oferta estão em equilíbrio.
Este pode ser tomado como um diagrama típico do equllíbrio
D' estável de uma mercadoria que obedece à lei do rendimento de-
crescente. Mas se tivéssemos traçado SS' como uma linha reta ho-
rizontal, leríamos assim figurado a hipótese do "rendimento cons-
tante", no qual o preço de oferta é o mesmo para todas as quanti-
o R H R X dades da mercadoria. E se tivéssemos feito SS' incllnada negativa-
mente, mas com um decllve menor que DD' (a necessidade dessa
condição se revelará melhor mais tarde), teríamos um caso de
equilíbrio estável de uma mercadoria que obedece à lei do rendimento crescente. Num caso ou noutro, o
raciodnio acima permanece Inalterado, sem alteração de uma palavra ou letra, mas o último caso introduz
dificuldades que resolvemos adiar.
34 RELAÇÕES GERAIS ENTRE A PROCURA, A OFERTA E O VALOR

e custo real descobrindo gradualmente muitas diferentes limitações ao princípio de que o


de produção;
significados preço ao qual uma coisa pode ser produzida representa seu custo real de
das frases produção, isto é, os esforços e sacrifícios direta ou indiretamente empregados
Equilíbrio normal na sua produção. Pois, numa época de rápidas mudanças como a presente,
e A longo prazo.
o equilíbrio da procura e da oferta normais não corresponde, assim, a ne-
nhuma relação exata entre certa soma de prazeres obtidos do consumo da
mercadoria e um conjunto de esforços e sacrifícios implicados na sua pro-
dução: a correspondência não seria exata, mesmo que os rendimentos e o
interesse normais fossem a medida exata dos esforços e sacrifícios para os
quais eles são o pagamento em dinheiro. Esse é o verdadeiro sentido da tão
freqüentemente citada e tão mal compreendida doutrina de Adam Smith e
de outros economistas, segundo a qual o valor normal ou "natural" de uma
mercadoria é o que as forças econômicas tendem a estabelecer a longo prazo
(in the long run). É o valor médio que as forças econômicas determinariam
se as condições gerais da vida fossem estacionárias num decurso de tempo
suficientemente longo para permitir-lhes produzir todos os seus efeitos. 11
Mas não podemos prever o futuro com exatidão. O inesperado pode
acontecer. E as tendências existentes podem ser modificadas antes que te-
nham tido tempo de desempenhar o que agora parece ser o seu inteiro pa-
pel. O fato de não serem estacionárias as condições gerais de vida é a origem
de muitas das dificuldades encontradas na aplicação das teorias econômicas
aos P,roblemas práticos.
E claro que normal não significa concorrente. Os preços do mercado e
os preços normais são ambos o resultado de uma multiplicidade de influên-
cias, umas fundadas numa base moral e outras numa base física, tendo umas
origem na concorrência e outras não. É à persistência das influências consi-
deradas e ao tempo disponível para que elas produzam seus efeitos que nos
referimos ao contrastar o preço do mercado com o preço normal, e ainda ao
comparar o sentido estrito e o sentido amplo do termo preço normal. 12

Influências da § 7. O restante do presente volume será ocupado principalmente com a


ulllidade e do custo interpretação e a delimitação da doutrina segundo a qual o valor de uma coi-
de produção
sobre o valor. sa tende, a longo prazo, a corresponder ao seu custo de produção. Será es-
tudada em particular, mais cuidadosamente, nos capítulos V e XII deste Li-
vro, a noção de equilíbrio, tratada muito sumariamente neste capítulo. Algu-
ma coisa a respeito da controvérsia sobre se é o "custo de produção" ou a
"utilidade" o que regula o valor será exposta no Apêndice 1. Mas parece de
bom aviso dar aqui uma ou duas palavras sobre este último ponto.
Parece tão razoável discutir se é a lâmina superior ou a inferior de uma
tesoura que corta um pedaço de papel, como sobre se o valor é determinado
pela utilidade ou pelo custo de produção. É certo que quando se mantém
imóvel uma lâmina, e o corte é efetuado movendo-se a outra, podemos di-
zer com negligente simplismo que o corte foi feito pela segunda; mas a obser-
vação não é rigorosamente exata e pode ser aceita até o ponto em que pre-
tenda ser apenas um dizer popular, e não a expressão estritamente científica
do que acontece.

11 Ver infra, Livro Quinto. Cap. V, § 2 e Apêndice H, § 4.


12 Ver supra, Livro Primeiro. Cap. Ili, § 4.
EQUILiBRIO DA PROCURA E DA OFERTA NORMAIS 35

A primeira Do mesmo modo, quando uma coisa já fabricada tem que ser vendida,
prepondera o preço que as pessoas estarão dispostas a pagar será determinado pelo seu
nos valores
do mercado; desejo de possuí-la e, ao mesmo tempo, pela quantia que se podem permitir
despender com ela. Seu desejo de tê-la depende em parte da possibilidade
de, não a comprando, encontrar outra coisa semelhante a um preço igual-
mente baixo: isso depende das causas que determinam a oferta da coisa, e
essa oferta, por sua vez, depende do custo de produção. Mas pode ocorrer
que o estoque à venda seja praticamente fixo. É o caso, por exemplo, de um
mercado de peixe, no qual o valor do pescado cada dia é regulado quase ex-
clusivamente pela relação entre a quantidade existente nas bancas e a procu-
ra. Se uma pessoa quiser deixar de levar em conta o estoque e disser que o
preço é determinado pela procura, essa simplicidade no dizer talvez possa ser
tolerável enquanto não tiver pretensões a uma rigorosa exatidão. Da mesma
forma, pode ser desculpável, mas não é rigorosamente exato, dizer que os
preços variáveis atingidos pelo mesmo livro raro, quando vendido e revendi-
do nos leilões Christie, são governados exclusivamente pela procura.
a última, Tomando um exemplo do extremo oposto, encontramos algumas mer-
nos valores normais. cadorias que se comportam em quase perfeita conformidade com a lei do
rendimento constante, quer dizer, seu custo médio de produção será quase o
mesmo, quer sejam produzidas em pequenas quantidades, quer em gran-
des. Em tal caso, o nível normal em tomo do qual o preço de mercado flutua
será este definido e fixo custo de produção (em dinheiro). Se acontece ser
grande a procura, o preço de mercado subirá por algum tempo acima do
nível, mas isso terá como resultado o aumento da produção e a queda do
preço de mercado. E acontecerá o inverso, se a procura cai por certo tempo
abaixo do seu nível ordinário.
Em semelhante caso, se unia pessoa resolve deixar de lado as flutuações
do mercado e considerar estabelecido que, de qualquer modo, haverá pro-
cura bastante para uma quantidade mais ou menos grande, a um preço igual
ao seu custo de produção, então ela poderá ser desculpada por afastar a in-
fluência da procura e dizer que o preço (normal) é determinado pelo custo de
produção - apenas sob a condição de que não atribua precisão científica ao
enunciado de sua doutrina, e de que explique nos devidos termos a influên-
cia da procura.
Podemos assim concluir que, em regra geral, quanto mais curto o
periodo que considerarmos, maior a cota de atenção que devemos dar à in-
fluência da procura sobre o valor; e quanto maior o periodo, mais importante
será a influência do custo de produção sobre o valor. Pois a influência das al-
terações no custo de produção leva em regra mais tempo para se fazer sentir
inteiramente, do que a influência das alterações na procura. O valor efetivo
em certo momento, valor de mercado como é comumente chamado, é
freqüentemente mais influenciado por acontecimentos passageiros e por cau-
sas cuja ação é inconstante e transitória, do que pelas que atuam persistente-
mente. Mas, em periodos longos, essas causas intermitentes e irregulares em
grande parte se anulam umas às outras, de sorte que a longo prazo as causas
constantes dominam completamente o valor. Mesmo as causas mais persis-
tentes estão, todavia, sujeitas a variações. Com efeito, a estrutura total da
produção é modificada, e os custos relativos de produção de diversas coisas
estão se alterando permanentemente, de uma geração para outra.
Ao homem
de negócios Quando consideramos os custos do ponto de vista do patrão capitalista,
concernem os custos medimo-los naturalmente em dinheiro, porque a sua preocupação direta
36 RELAÇÕES GERAIS ENTRE A PROCURA, A OFERTA E O VALOR

em dinheiro; com os esforços necessários para ter o trabalho dos empregados está nos pa-
mas à evolução gamentos em dinheiro que deve fazer-lhes. Apenas indiretamente ele tem a
do valor normal,
os cuslos reais. ver com o custo real do esforço dos seus empregados e do preparo destes, se
bem que, para certos problemas, é necessário estimar em dinheiro seu
próprio trabalho, como veremos mais tarde.
Mas ao considerarmos os custos do ponto de vista social, ao investigar-
mos se o custo para obter certo resultado aumenta ou diminui com a mudan-
ça das condições econômicas, temos que considerar os custos reais dos es-
forços de várias qualidades, e o custo real da espera. Se o poder aquisitivo
do dinheiro, em termos de esforço, permaneceu quase constante, assim co-
mo a taxa de remuneração pela espera, a medida em dinheiro dos custos
corresponde aos custos reais: mas tal correspondência nunca deve ser aceita
facilmente. Essas considerações serão, em geral, suficientes para a interpre-
tação do termo custo nos capítulos seguintes, mesmo quando no contexto
não haja clara indicação a respeito.

Você também pode gostar