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Resumo
Voltando ao exemplo:
A carta de crédito internacional emitida foi no valor de 500 mil dólares.
O Califórnia Bank liquidou essa carta. Significa dizer que o Califórnia
Bank pagou essa quantia para o exportador estrangeiro que mandou as
mercadorias para o Brasil.
Estava previsto contratualmente que o Banco Santos deveria ressarcir o
Califórnia Bank.
Ocorre que o Banco Santos entrou em liquidação extrajudicial (é como se
fosse uma “falência”).
Diante disso, o Califórnia Bank ingressou com uma ação monitória contra
o importador nacional (Brasa) requerendo que o réu fosse condenado ao
pagamento de aproximadamente R$ 2,5 milhões.
O réu arguiu a sua ilegitimidade passiva afirmando que o banco emitente
(no caso, o Banco Santos) é o único responsável pelo crédito, por
certificar a sua existência.
O STJ concordou com os argumentos do importador nacional (réu)?
NÃO.
O importador nacional responde pelos valores pagos pelo banco
confirmador ao exportador estrangeiro, na hipótese de insolvência do
banco emissor de carta de crédito internacional (letter of credit - L/C)
emitida ao amparo de operação de importação.
Conquanto haja tais peculiaridades, verifica-se traço comum a todas as
modalidades de leasing, qual seja, a atribuição da propriedade dos bens
arrendados à arrendadora, porquanto a transferência do domínio é
condicionada à opção de compra pelo arrendatário.
Como salienta Arnaldo Rizzardo “os bens, ao final do contrato, podem ser
transferidos, a título oneroso, do domínio do intermediário financeiro à
empresa arrendatária, desde que esta expresse a opção de compra
mediante o pagamento de um custo residual” (Leasing. 9ª ed. Curitiba:
Editora Juruá, 2020, p. 21).
Por esse motivo, os bens destinados ao leasing são escriturados no ativo
imobilizado da arrendadora, consoante o disposto no art. 3º da Lei nº
6.099/74:
Art. 3º Serão escriturados em conta especial do ativo imobilizado
da arrendadora os bens destinados a arrendamento mercantil.
Cabe ressaltar, outrossim, que o ativo imobilizado compreende os
“direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à
manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos
com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que
transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens”
(art. 179, IV, da Lei nº 6.404/76).
Além disso, na redação original da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedade
por Ações) o ativo imobilizado integrava o conceito de ativo permanente
(art. 178, § 1º, “c”). Com as alterações promovidas pela Lei nº
11.941/2009, o ativo permanente passou a ser denominado ativo não
circulante, o qual é composto, entre outros, pelo ativo imobilizado (art.
178, § 1º, II).
À vista desse panorama, como a pessoa jurídica cujo objeto social
consiste na prática de operações de leasing é proprietária dos bens
arrendados, os quais se destinam à manutenção de suas atividades, a
escrituração destes como parte do ativo imobilizado atende às
exigências das leis tributárias e empresariais.
Em suma:
Durante a vigência do arrendamento mercantil, a sociedade empresária
arrendadora é proprietária dos bens arrendados, os quais integram o seu
ativo permanente (não circulante), nos termos do art. 3º da Lei nº
6.099/74.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.747.824-SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa,
julgado em 29/11/2022 (Info 759).
Comentários
Imagine a seguinte situação hipotética:
A Delta arrendou uma máquina industrial da empresa Alfa e se
comprometeu a pagar 60 prestações mensais de R$ 50
mil (5 anos de contrato).
Depois de 3 anos de contrato, a Delta tornou-se inadimplente.
Havia uma cláusula no contrato dizendo que, na hipótese de
inadimplemento, todas as parcelas seriam consideradas
vencidas antecipadamente.
Diante disso, a Alfa ingressou com execução de título extrajudicial
cobrando as parcelas referentes aos 2 anos que faltavam.
Depois de ter recebido a citação da execução de título
extrajudicial, a Delta (devedora) fez notificação
extrajudicial dirigida à Alfa informando que queria fazer a
resilição do contrato (desfazimento imotivado do
contrato), colocando o bem arrendado à disposição da
arrendante.
Essa resilição é eficaz?
NÃO. Isso porque a empresa arrendatária já estava em mora.
A resilição é uma forma de extinção da obrigação. Ela integra o
chamado “poder de desligamento nas relações
contratuais”.
Como a resilição representa um “poder contratual” segundo o
qual o contrato pode ser desfeito imotivadamente, o
exercício da resilição dá ensejo a situações mais
suscetíveis ao abuso de direito.
A prerrogativa de “sair e se desligar”, unilateralmente, de uma
relação jurídica contratual, por si só, é causa de frustração
da expectativa legítima de manutenção da relação jurídica
no tempo, de obtenção de ganhos e proveitos que haviam
sido projetados quando da constituição do contrato.
Justamente por isso, o STJ afirma que a resilição unilateral deve
ser “responsável”, impondo-se a parte a necessidade de
observância da boa-fé no momento de desfazimento do
pacto (STJ. 4ª Turma. REsp 1.555.202/SP, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, julgado em 13/12/2016).
No mesmo rumo, a doutrina afirma que a resilição não pode ser
levada a efeito pela parte que agiu culposamente. Foi
exatamente esse o caso. O contratante se encontrava em
mora (por deixar de realizar a prestação no tempo certo)
ao tempo, logo, terá que terá que suportar as
consequências de seu inadimplemento contratual. Haveria
abuso do direito (art. 187, CC) por parte do contratante
que exige o direito à resilição se ele próprio descumpriu o
contrato.
Desse modo, na hipótese em análise, a resilição configurou abuso
de direito, não podendo dela surtir os efeitos esperados,
uma vez que foi manifestada quando a arrendatária já se
encontrava em estado de inadimplência e somente após
ter sido judicialmente compelida à satisfação das
obrigações que já havia descumprido.
Perceba-se que, não bastasse manifestar-se sobre a pretensão de
resilir o contrato após estar inadimplente, a executada,
ofereceu à penhora o bem objeto do arrendamento
mercantil, que não era de sua propriedade. Deve ser
destacado, o fato de o bem arrendado ter permanecido na
posse da arrendatária, por todo o tempo, condição
inquestionavelmente contrária à intenção de efetivamente
resilir.
Ademais, na hipótese, a espécie de leasing celebrado entre as
partes foi o leasing financeiro*.
No rumo dessas ideias, a doutrina leciona que o arrendamento
mercantil financeiro não confere “qualquer direito ao
arrendatário de pretender devolver a coisa e resilir
unilateralmente o contrato, salvo se pagas todas as
prestações do negócio e ressarcido o arrendador de todos
os prejuízos sofridos”.
Em suma:
No arrendamento mercantil, a resilição não poderá ser exercida se o
contratante se encontrar em mora, devendo, nesses casos, o devedor,
suportar todos os riscos de sua inadimplência, sob pena de configurar-
se abuso do direito por parte do contratante que pretende resilir.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.699.184-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 25/10/2022 (Info 755).
* Existem três espécies de leasing:
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Previsto no art. Previsto no art. 6º da Sem previsão
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Resumo
Comentários
O que é o arrendamento mercantil?
O arrendamento mercantil (também chamado de leasing) é uma
espécie de contrato de locação no qual o locatário tem a
possibilidade de, ao final do prazo do ajuste, comprar o
bem, pagando uma quantia chamada de valor residual
garantido (VRG).
O arrendamento mercantil, segundo definição do parágrafo único
do art. 1º da Lei nº 6.099/74, constitui “negócio jurídico
realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de
arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de
arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de
bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações
da arrendatária e para uso próprio desta.”
A Lei nº 6.099/74 dispõe sobre o tratamento tributário das
operações de arrendamento mercantil.
Opções do arrendatário:
Ao final do leasing, o arrendatário terá três opções:
• renovar a locação, prorrogando o contrato;
• não renovar a locação, encerrando o contrato;
• pagar o valor residual e, com isso, comprar o bem alugado.
Exemplo:
“A” faz um contrato de leasing com a empresa “B” para
arrendamento de um veículo 0km pelo prazo de cinco
anos. Logo, “A” pagará todos os meses um valor a título de
aluguel e poderá usar o carro. A principal diferença para
uma locação comum é que “A”, ao final do prazo do
contrato, poderá pagar o valor residual e ficar
definitivamente com o automóvel.
Obs.: é comum, na prática, que o contrato já estabeleça que o
valor residual será diluído nas prestações do aluguel.
Assim, o contrato prevê que o arrendatário já declara que
deseja comprar o bem e, todos os meses, junto ao valor do
aluguel, ocorre também o pagamento do valor residual de
forma parcelada. Como dito, isso é extremamente
frequente, especialmente no caso de leasing financeiro.
No entanto, nem sempre isso ocorre.
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
Alfa Ltda. produz máquinas industriais. Ela celebrou contrato de
arrendamento mercantil com a Delta.
A Delta arrendou uma máquina industrial e se comprometeu a
pagar 60 prestações mensais de R$ 50 mil (5 anos de
contrato).
Depois de 3 anos de contrato, a Delta tornou-se inadimplente.
Havia uma cláusula no contrato dizendo que, na hipótese de
inadimplemento, todas as parcelas seriam consideradas
vencidas antecipadamente.
Diante disso, a Alfa ingressou com execução de título extrajudicial
cobrando as parcelas referentes aos 2 anos que faltavam.
A Delta apresentou embargos à execução alegando que o
contrato de arrendamento mercantil não pode ser
considerado como título executivo, em razão da natureza
mista da obrigação (locação, financiamento e compra e
venda).
A tese da executada foi acolhida pelo STJ?
NÃO.
Noções gerais sobre os títulos executivos extrajudiciais
Verificado o inadimplemento, o ordenamento jurídico confere ao
interessado a possibilidade de se valer da ação judicial
executiva para a satisfação do que lhe for devido.
Para tanto, o credor da obrigação não cumprida deverá portar um título
executivo líquido, certo e exigível, nos termos do art. 783 do CPC:
Art. 783. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em
título de obrigação certa, líquida e exigível.
O CPC traz, nos incisos I a XI do art. 784, um rol de título executivo
específicos:
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o
cheque;
II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo
devedor;
III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas)
testemunhas;
IV - o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela
Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos
transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal;
V - o contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito
real de garantia e aquele garantido por caução;
VI - o contrato de seguro de vida em caso de morte;
VII - o crédito decorrente de foro e laudêmio;
VIII - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de
imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas
de condomínio;
IX - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos
inscritos na forma da lei;
X - o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de
condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em
assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;
XI - a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a
valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela
praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei;
(...)
Além disso, prevê, no inciso XII, uma cláusula aberta dizendo que:
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
(...)
XII - todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei
atribuir força executiva.
O sistema legal brasileiro permite, assim, uma vasta gama de
títulos executivos, que são aptos a iniciar um juízo de
execução forçada. Nesse sentido, importante mencionar
que o inciso II do art. 784 afirma que é título executivo
qualquer “documento particular assinado pelo devedor e
por 2 (duas) testemunhas”.
Contrato de arrendamento mercantil é título executivo
extrajudicial
O contrato de arrendamento mercantil é título executivo extrajudicial,
tendo em vista que preenche os elementos exigidos pelo sistema
processual pátrio, em especial o art. 784, III, do CPC:
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
(...)
III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas)
testemunhas;
O contrato de arrendamento mercantil é um documento particular
que, em regra, contém a assinatura do devedor e de duas
testemunhas.
Aliás, quanto às testemunhas, ainda que não se identifique na
hipótese, assinale-se, apenas a título complementar, que o
STJ, em alguns julgados, tem reconhecido que sua
ausência não configura necessariamente falta de
executividade do título, sendo certo que, em caráter
absolutamente excepcional, os pressupostos de existência
e os de validade do contrato podem ser revelados por
outros meios idôneos e pelo próprio contexto dos autos
(STJ. 4ª Turma. REsp 1.438.399/PR, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 10/03/2015).
Para o STJ, a caracterização de determinado negócio jurídico
como título executivo dá-se a partir da verificação do
preenchimento dos requisitos de liquidez, certeza e
exigibilidade dos documentos apresentados à execução.
Em suma:
O contrato de arrendamento mercantil é título executivo extrajudicial
apto a instrumentalizar a ação de execução forçada.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.699.184-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 25/10/2022 (Info 755).
Comentários
Imagine a seguinte situação hipotética:
Alfa Ltda. produz máquinas industriais. Ela celebrou contrato de
arrendamento mercantil com a Delta.
A Delta arrendou uma máquina industrial e se comprometeu a
pagar 60 prestações mensais de R$ 50 mil (5 anos de
contrato).
Depois de 3 anos de contrato, a Delta tornou-se inadimplente.
Havia uma cláusula no contrato dizendo que, na hipótese de
inadimplemento, todas as parcelas seriam consideradas
vencidas antecipadamente.
Diante disso, a Alfa ingressou com execução de título extrajudicial
cobrando as parcelas referentes aos 2 anos que faltavam.
A Delta apresentou embargos à execução alegando que a
cláusula contratual que prevê o vencimento antecipado do
contrato com as inclusões das parcelas vincendas é
abusiva.
Resumo
Comentários
NOÇÕES GERAIS SOBRE MÚTUO
Mútuo
O mútuo é um contrato por meio do qual alguém (mutuante)
empresta para uma outra pessoa (mutuário) uma coisa
que seja fungível (art. 586 do Código Civil).
Ex: João, no caminho para o local de prova, comprou duas
canetas Bic no camelô. Ele empresta uma delas para
Pedro fazer a prova do concurso. João e Pedro celebraram
um contrato de mútuo.
Gratuito ou oneroso
O mútuo pode ser:
a) gratuito (também chamado de “benéfico”): quando não é
combinada nenhuma remuneração pelo empréstimo;
b) oneroso (feneratício): quando é combinado que o mutuário irá
pagar ao mutuante uma remuneração pelo empréstimo.
Mútuo feneratício
A palavra “feneratício” vem do latim “feneratitius”, que significa
algo “relativo à usura”.
O mútuo feneratício é o empréstimo que tem fins econômicos, ou
seja, no qual haverá o pagamento de uma remuneração ao
mutuante. Encontra-se previsto no art. 591 do CC:
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se
devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa
a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o
forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei,
serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do
pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
A remuneração pelo empréstimo de coisa fungível é chamada de
juros remuneratórios.
Assim, podemos resumir dizendo que mútuo feneratício consiste
no “empréstimo de dinheiro a juro”.
Obs: segundo prevalece no STJ, a taxa dos juros moratórios a que
se refere o art. 406 do CC é a dispositivo é a taxa
referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia
– SELIC (STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1105904/DF, Rel.
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/09/2012).
Particulares podem celebrar mútuo feneratício?
SIM. Desde que respeitadas as restrições impostas pelo art. 591
do CC.
O art. 591 do CC/2002 impõe restrições em relação à taxa de
juros e à capitalização, permitindo apenas a capitalização
anual. Além disso, esse dispositivo proíbe, sob pena de
redução, que os juros excedam a taxa de 12% ao ano,
conforme interpretação sistemática do art. 406 do CC com
o art. 1º do Decreto nº 22.626/1933 e o art. 161, § 1º, do
CTN.
Desse modo, importante reforçar que o mútuo feneratício não é
uma atividade privativa de instituição financeira. Nesse
sentido:
Com efeito, como já reconhecido pela Quarta Turma desta Corte,
Em regra, não há proibição legal para empréstimo de dinheiro entre
pessoas físicas ou pessoas jurídicas que não componham o sistema
financeiro nacional. Há vedação, entretanto, para a cobrança juros,
comissões ou descontos percentuais sobre dívidas em dinheiro
superiores à taxa permitida por lei, cuja inobservância pode configurar
crime nos termos da Lei de Usura.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.854.818/DF, relator para acórdão Min. Marco
Buzzi, julgado em 7/6/2022.
Até mesmo quando, no contrato particular de mútuo feneratício
for constatada a prática de usura ou agiotagem, a
jurisprudência do STJ entende que deve apenas haver a
redução dos juros estipulados para o limite legal,
conservando-se o negócio jurídico (REsp 1.106.625/PR, 3ª
Turma, DJe 9/9/2011; AgRg no REsp 1.370.532/MG, 3ª
Turma, DJe 3/8/2015; AgInt no AREsp 1.486.384/MG, 4ª
Turma, DJe 3/12/2019).
Mútuo feneratício envolvendo instituições financeiras
Vimos acima que o art. 591 prevê que, no mútuo feneratício, a
taxa de juros não pode ser superior à taxa legal prevista no
art. 406 do CC. Além disso, a única capitalização possível
é a anual.
Vale ressaltar, contudo, que essas restrições contidas no art. 591
do CC não se aplicam para o mútuo feneratício envolvendo
instituições financeiras.
Em outras palavras, se o mutuante for uma instituição financeira:
• a taxa de juros contratada poderá ser superior à taxa legal (art.
406); e
• será permitida capitalização de juros com periodicidade inferior
a 1 ano.
Desse modo, se Lucas empresta dinheiro a juros para Henrique,
ele deverá se submeter às restrições do art. 591 do CC.
Por outro lado, um banco não estará limitado a tais
exigências.
Qual será a taxa de juros que o banco poderá cobrar?
O STJ possui o entendimento de que os juros remuneratórios
cobrados pelos bancos não estão sujeitos aos limites
impostos pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), pelo
Código Civil ou por qualquer outra lei. Em outras palavras,
não existe lei limitando os juros que são cobrados pelos
bancos (STJ. 2ª Seção. REsp 1061530/RS, Rel. Min. Nancy
Andrighi, julgado em 22/10/2008).
Existe também uma súmula antiga do STF que afirma isso:
Súmula 596-STF: As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se
aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações
realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema
financeiro nacional.
Diante da ausência de lei que imponha limites aos juros cobrados
pelas instituições financeiras, o STJ construiu a seguinte
regra: os juros cobrados pelos bancos devem utilizar como
índice a taxa média de mercado, que é calculada e
divulgada pelo Banco Central (BACEN) em sua página na
internet.
NOÇÕES GERAIS SOBRE FACTORING
Factoring
A palavra factoring pode ser utilizada tanto para designar o
contrato (contrato de factoring) como também a
sociedade empresária que celebra esse tipo de ajusta, ou
seja, que desenvolve essa atividade.
Para entendermos então o que é uma empresa de factoring, é
necessário primeiramente sabermos o que é um contrato
de factoring.
Factoring (ou faturização) é o contrato por meio do qual um
empresário (faturizado) cede a uma instituição
de factoring (faturizadora), total ou parcialmente, os títulos
de créditos recebidos com a atividade empresária para
que a factoring antecipe os pagamentos a prazo ou faça
apenas a administração desses créditos.
Personagens
· Faturizador: empresa de factoring.
· Faturizado: cliente.
Terminologias
O contrato de factoring é também chamado de faturização ou
fomento mercantil.
Atividades desempenhadas pela factoring
Existem duas modalidades principais de factoring, que se
diferenciam, entre si, pelas atividades desempenhadas
pela instituição faturizadora.
a) Factoring tradicional (conventional factoring):
O empresário cede à factoring os títulos de crédito que recebeu
em sua atividade empresária e que somente irão vencer
em uma data futura, e a empresa de factoring antecipa
esse pagamento, recebendo, como contraprestação, um
percentual desses créditos. Trata-se de uma forma de o
empresário obter capital de giro nas vendas a prazo. Ex:
uma loja recebe um cheque “pré-datado” (pós-datado) para
90 dias no valor de R$ 10 mil. Ocorre que a loja precisa de
dinheiro logo. Então, ela cede o cheque para a empresa
de factoring, que irá pagar à vista para a loja R$ 9.700,00 e,
daqui a 90 dias, irá descontar o cheque, ficando com os R$
10 mil. A loja recebeu o crédito à vista e teve que pagar um
percentual à factoring.
É como se o cliente tivesse “vendido” o título para a factoring, que
irá cobrar do devedor no momento do vencimento da
dívida.
b) Factoring de vencimento (maturity factoring):
Aqui, a faturizadora não antecipa qualquer pagamento ao
empresário. O faturizado somente irá receber realmente
na data do vencimento. Nesta modalidade de factoring, a
faturizadora apenas fica responsável pela prestação de
serviços de administração do crédito. Ex: o faturizado
recebe inúmeros cheques pós-datados e duplicatas que
somente vencerão daqui a alguns dias, cada um em uma
data diferente. Para evitar preocupações com esse
controle das datas e das cobranças, o empresário manda
esses títulos para a factoring, que ficará responsável por
gerenciar esses créditos e fazer a cobrança nas datas de
vencimento. Na data do vencimento de cada título,
a factoring paga o crédito ao empresário e vai cobrar dos
devedores originários, dispensando o faturizado desse
trabalho.
Factoring não é instituição financeira
O conceito legal de instituição financeira está previsto no art. 17 da Lei nº
4.595/64, e a factoring não se enquadra em tal definição:
Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da
legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que
tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou
aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda
nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de
terceiros.
A factoring não faz a captação de dinheiro de terceiros, como
acontece com os bancos. A empresa de factoring utiliza
recursos próprios em suas atividades.
Logo, a factoring não integra o Sistema Financeiro Nacional nem
necessita de autorização do Banco Central para funcionar.
Nesse sentido:
As empresas popularmente conhecidas como factoring desempenham
atividades de fomento mercantil, de cunho meramente comercial, em que
se ajusta a compra de créditos vencíveis, mediante preço certo e
ajustado, e com recursos próprios, não podendo ser caracterizadas como
instituições financeiras.
STJ. 3ª Seção. CC 98.062/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em
25/08/2010.
CONTRATO DE MÚTUO E FACTORING
Uma empresa de factoring pode celebrar contrato de mútuo
feneratício?
SIM.
Mas a factoring não é instituição financeira....
Não tem problema. Já vimos acima que não é necessário ser
instituição financeira para praticar mútuo feneratício. O
mútuo feneratício pode ser celebrado mesmo sem ser
instituição financeira.
A única ressalva está no fato do limite de juros e capitalização.
Se a factoring emprestar dinheiro deverá respeitar os limites que
são impostos aos particulares no que tange aos juros e à
capitalização.
Em outras palavras, a factoring pode emprestar dinheiro a juros
(pode celebrar mútuo feneratício), mas não poderá cobrar
as mesmas taxas de juros ou índices de capitalização de
um banco.
Desse modo:
Embora não constitua instituição financeira, não é vedado à sociedade
empresária de factoring celebrar contrato de mútuo feneratício, devendo
apenas serem respeitadas as regras dessa espécie contratual aplicáveis
aos particulares, especialmente quanto aos juros devidos e à
capitalização.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.987.016-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
06/09/2022 (Info 750).
E qual é o limite de juros das factorings?
As empresas de factoring não se enquadram no conceito de
instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios
estão limitados em 12% ao ano, nos termos da Lei de
Usura (STJ. 4ª Turma. REsp 1048341/RS, Rel. Min. Aldir
Passarinho Junior, julgado em 10/02/2009).
Assim, por exemplo, em hipótese na qual o contrato intitulado
como de factoring é descaracterizado para o de mútuo
feneratício, o negócio jurídico, em regra, permanece válido,
mas deve observar aos arts. 586 a 592 do CC/2002, além
das disposições gerais, e eventuais juros devidos não
podem ultrapassar a taxa de 12% ao ano, permitida
apenas a capitalização anual (arts. 591 e 406 do CC/2002;
1º do Decreto nº 22.626/1933; e 161, § 1º, do CTN), sob
pena de redução ao limite legal, conservando-se o
negócio.