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Curso: Direito Civil - Obrigações

Aula: Obrigações: Teoria do Adimplemento - Parte 3


Professor: Rafael da Mota Mendonça

Resumo

A QUEM SE DEVE PAGAR


A quem se deve pagar? Ora, deve-se pagar ao credor, evidentemente. Mas é necessário ampliar essa
resposta aos termos do art. 308 do CC, ou seja, deve-se pagar ao credor, a um de seus representantes ou
até mesmo a quem não representa o credor, mas nessa última hipótese a eficácia fica condicionada a
anuência do credor.

Art. 308. O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois
de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito.

Exemplo: locatário paga a imobiliária ou ao vizinho do credor o valor correspondente ao aluguel, esse
pagamento somente terá eficácia se ratificado pelo credor.

Existe também a figura do “credor putativo”, quem é? É o falso credor, é aquele que apresenta ser o credor,
mas não é.

Primeiro exemplo: pagar ao irmão gêmeo. Livros costumam trazer, mas é uma hipótese muito teórica e
pouco vista na prática.

Segundo exemplo: Cessão de crédito. O credor pode ceder seu crédito para um terceiro? Sim. O devedor tem
que anuir? Não.

O credor pode ceder o crédito para quem quiser, mas o devedor precisará ser notificado, até mesmo para
saber a quem deve pagar.

Tanto é assim que o art. 290 do CC diz que a ausência de notificação faz com que a cessão de créditos não
produza efeitos em relação aquele devedor.

Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por
notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.

Muita atenção caso caia na prova uma questão envolvendo uma cessão de crédito, na qual o devedor não
foi notificado. Quando chegar o vencimento o devedor vai pagar a quem: ao credor originário ou ao
adquirente dos direitos de crédito? É claro que o devedor vai pagar ao credor originário, mas veja, nesse
exemplo, o credor originário é um falso credor, ou seja, um credor putativo.

O pagamento realizado ao credor putativo extingue a obrigação? A resposta está no art. 309 do CC:

Art. 309. O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não era credor.

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Logo, temos um único requisito: a boa-fé. No exemplo acima a boa-fé do devedor estava presente, pois
ninguém notificou o devedor.

Todavia, imagine se o devedor é notificado e mesmo assim paga ao credor originário. Nesse caso, incidirá o
famoso brocardo “quem paga mal, paga duas vezes”, pois ele estava ciente que aquele não era mais o credor
e ainda assim fez o pagamento, não pode, portanto, alegar boa-fé.

OBJETO DO PAGAMENTO
Diz o artigo 315 do CC que as dívidas em dinheiro devem ser pagas no vencimento; em moeda corrente; e no
valor nominal.

Art. 315. As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal,
salvo o disposto nos artigos subseqüentes.

No que tange ao vencimento, não existem muitas dúvidas e discussões acerca da temática. Ocorrido o
vencimento, a dívida deve ser paga. Contudo, deve ser observado o art. 333 do CC, que traz as hipóteses de
vencimento antecipado da dívida.

No valor nominal: dívida em dinheiro tem que ser paga em valor nominal. Qual a diferença entre valor
nominal e valor real? Nominal é o que está estampado na moeda, já o valor real diz respeito ao poder de
compra desta moeda.

Exemplo: uma pessoa empresta dez reais a outra, que vai a cantina do Master Juris e compra 10 cafés. Valor
nominal: 10$ e valor real: poder de compra de 10 cafés. Um ano depois, os R$ 10$ só conseguem comprar 5
cafés na cantina. Você me devolveu o valor nominal? Sim, mas devolveu o valor real? não.

O art. 315 diz que as dívidas em dinheiro devem ser pagas em valor nominal, não precisando ser observado o
valor real. SALVO ESTIPULAÇÂO EM CONTRÁRIO.

Logo o devedor não é obrigado a devolver valor real, mas sim o valor nominal.

E como se atualiza o valor nominal? Pela correção monetária. Tanto que o nosso examinador muitas vezes
faz a seguinte afirmativa: o art.315 do CC traz o princípio do valorismo monetário. Esta afirmação está
correta!

Em moeda corrente: você pode convencionar no Brasil o pagamento de uma dívida em ouro ou moeda
estrangeira? Posso celebrar um contrato de locação pagando 100 dólares por mês de aluguel? Eu posso
indexar uma obrigação em ouro ou moeda estrangeira? (pagar em reais, o valor correspondente a 100
dólares dessa locação, por exemplo).

Vamos estudar o art. 318 do CC, para responder essas perguntas.

Art. 318. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para
compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação
especial.

Em regra, portanto, não se pode convencionar ou indexar o pagamento em ouro ou moeda estrangeira,
excetuados casos previstos na legislação especial. Se convencionar desta forma, teremos a nulidade de toda
a obrigação!

Primeira exceção: Decreto Lei 857/69, que tem 4 artigos, no qual o art. 2º traz todas as exceções em que se
pode indexar pagamento em moeda estrangeiro.

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Art 2º Não se aplicam as disposições do artigo anterior:

I - aos contratos e títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias;

II - aos contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às operações de exportação de bens


e serviços vendidos a crédito para o exterior; (Redação dada pela Lei nº 13.292, de 2016)

III - aos contratos de compra e venda de câmbio em geral;

IV - aos empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada
no exterior, excetuados os contratos de locação de imóveis situados no território nacional;

V - aos contratos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação das
obrigações referidas no item anterior, ainda que ambas as partes contratantes sejam pessoas residentes ou
domiciliadas no país.

Segunda exceção: art. 6º da Lei 8.880/94, que trata do plano real.

Art. 6º - É nula de pleno direito a contratação de reajuste vinculado à variação cambial, exceto quando
expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas
residentes e domiciliadas no País, com base em captação de recursos provenientes do exterior.

De acordo com o art. 6 da lei 8880/94, as prestações do contrato de arrendamento mercantil (leasing)
podem ser indexadas em moeda estrangeira, desde que o empréstimo para aquisição do bem tenha sido
realizado no estado estrangeiro.

Na prática: no contrato de leasing temos conjugada uma compra e venda e uma locação. Temos um banco
e um consumidor. Consumidor negocia com o banco e diz que precisa de um carro com X especificações, mas
que não possui dinheiro para comprar. Pede para o banco comprar e em seguida alugar para o próprio
consumidor. O banco é o proprietário do bem (credor arrendador), enquanto o consumidor é o possuidor
direto do bem (devedor arrendatário).

Digamos que o banco comprou o veículo por R$ 30 mil e celebrou o leasing por R$ 24 mil. Ao final do
contrato o consumidor pagará R$ 24mil reais. Ocorre que esse arrendamento mercantil (disciplinado pela Lei
6.099/74) têm algumas peculiaridades, ao final do contrato o consumidor tem três opções:

1) continuar alugando o automóvel;

2) devolver o veículo; ou

3) pode adquirir o veículo.

Na maioria dos casos o consumidor opta por adquirir o veículo, hipótese em que tem o dever de pagar ao
banco o chamado “V.R.G” – valor residual garantia. Digamos, hipoteticamente, que o banco não queira o
lucro, somente não quer ficar no prejuízo: ora, como já foram pagos R$ 24mil, basta o consumidor pagar R$
6mil de diferença.

O STJ, antigamente, proibia o pagamento antecipado, por entender que o pagamento antecipado
descaracterizava o leasing. Hoje, conforme enunciado de Súmula 293, está estabelecido que o pagamento
antecipado do V.R.G. não descaracteriza o leasing. O consumidor, naquele exemplo, pode pagar inclusive os
R$ 6 mil adiantado e depois iniciar o pagamento dos outros R$ 24 mil pelo aluguel.

STJ – SÚMULA 293 - A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de
arrendamento mercantil.

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As prestações do contrato de leasing mercantil, desde que realizado no estrangeiro, podem ser indexadas em
moeda estrangeira.

Exemplo de decisão do STJ, na qual se envolvia uma discussão consumerista. O banco Volkswagen negociou
um empréstimo em um banco alemão e comprou toda frota de carros da Volkswagen que é produzida no
Brasil. Logo, quando se chega numa concessionaria da Volkswagen no Brasil e se opta por fazer um
arrendamento mercantil, é possível fazer o negócio com o próprio banco da Volkswagen, ou seja, a
concessionária ganha de todos os lados. Ocorre que, neste caso, o consumidor ao celebrar o leasing, arcava
com prestações que estavam indexadas em euro. No caso, o STJ decidiu ser legal, pois fora contraído no
exterior.

Por derradeiro, cita-se interessante julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre a temática, no qual é
refletido o posicionamento atual desta corte:

DIREITO CIVIL E COMERCIAL. CONTRATAÇÃO EM MOEDA ESTRANGEIRA. PAGAMENTO MEDIANTE CONVERSÃO


EM MOEDA NACIONAL. INDEXAÇÃO DE DÍVIDAS PELA VARIAÇÃO CAMBIAL DE MOEDA ESTRANGEIRA.
CONTRATO CIVIL DE MÚTUO. ALEGAÇÃO DE AGIOTAGEM. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA DE REGULARIDADE
JURÍDICA DAS RESPECTIVAS OBRIGAÇÕES. O art. 1º do Dec. 23.501/33 proíbe a estipulação de pagamentos em
moeda estrangeira, regra essa mantida pelo art. 1º do DL 857/69 e pelo art. 1º da Lei 10.192/01 e, mais
recentemente, pelos arts. 315 e 318 do CC/02. A vedação aparece, ainda, em leis especiais, como no art. 17 da
Lei 8.245/91, relativa à locação. A exceção a essa regra geral vem prevista no art. 2º do DL 857/69, que
enumera hipóteses em que se admite o pagamento em moeda estrangeira. A despeito disso, pacificou-se no STJ
o entendimento de que são legítimos os contratos celebrados em moeda estrangeira, desde que o pagamento se
efetive pela conversão em moeda nacional. O entendimento supra, porém, não se confunde com a possibilidade
de indexação de dívidas pela variação cambial de moeda estrangeira, vedada desde a entrada em vigor do
Plano Real (Lei 8.880/94), excepcionadas as hipóteses previstas no art. 2º do DL 857/69. Quando não
enquadradas nas exceções legais, as dívidas fixadas em moeda estrangeira não permitem indexação. Sendo assim,
havendo previsão de pagamento futuro, tais dívidas deverão, no ato de quitação, ser convertidas para moeda
nacional com base na cotação da data da contratação e, a partir daí, atualizadas com base em índice de correção
monetária admitido pela legislação pátria. Não obstante o art. 3° da MP 1.965-14/00, cuja última reedição se
deu sob o nº 2.172-32/01, impute ao credor ou beneficiário de contratos civis de mútuo o ônus de provar a
regularidade jurídica das correspondentes obrigações, a inversão do ônus da prova é vinculada à demonstração,
pelo devedor, da verossimilhança de suas alegações. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp
804.791/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/09/2009, DJe 25/09/2009).

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