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Géza Heller:

Uma leitura do Rio, na década de 30-40,


através de seus desenhos

ANA PAULA COSTA, HUGO CRUZ REIS, MARIA CAROLINA SACRAMENTO


HISTÓRIA DA ARQUITETURA E DA ARTE V - PROF. GUSTAVO PEIXOTO
2023.1
GÉZA HELLER:
UMA LEITURA DO RIO, NA DÉCADA DE 30-40,
ATRAVÉS DE SEUS DESENHOS

Géza Heller
Nasce na Hungria e forma-se arquiteto na capital
Budapeste, em 1921. Devido ao antissemitismo do
governo na época, deixa o país em 1925 e refugia-se
no Rio de Janeiro, então capital brasileira. Finca
raizes no Brasil, obtendo cidadania brasileira e
vivendo 56 anos no Rio de Janeiro.

Em sua atuação como arquiteto participa do projeto


do novo edifício da Central do Brasil, inaugurado em
1937.

Géza Heller encontra o Rio de Janeiro em momento


de profundas mudanças na cidade, representando-as
em técnicas de grafite, bico de pena e aquarelas,
feitas no local e em blocos pequenos, que cabiam
em sua bolsa.
Seus
Desenhos "Os desenhos de Géza Heller não buscam a investigação
técnica de um arquiteto, mas tão pouco são apenas
registros rápidos de uma visita: são a construção de uma
memória afetiva de quem escolheu morar no Rio de
Janeiro."
- Niuxa Dias Drago; Marcia Furriel Gálvez; Sylvia Heller
"Géza Heller e a representação do Rio moderno"

O desenho foi a maneira que o arquiteto encontrou para se


conectar com a cidade que o havia acolhido, construindo uma
nova relação com sua memória de vida.

Ao congelar breves momentos das grandes transformações que a


cidade passou, acabou registrando sua nova vida e - assim -
apagando suas difícieis memórias anteriores.
Seus
Desenhos
O interesse de Géza Heller não era a cidade
acabada, mas sim a transformação da mesma.

Seus desenhos mostram um grande interesse


por técnicas e processos de construção que
podem apenas ser vistos durante processos.
Seus
Desenhos
Os desenhos de Heller trazem à tona a
complexidade da cidade, conectando pontos de
tecidos das mais diversas camadas - que nunca se
encontrariam se não fossem sua iconografia.

Através do bico de pena, Géza entende tecidos


urbanos e retraça utopias, colocando a história da
arquitetura e do urbanismo no seu campo de
pertencimento, a história da arte.
Construção do Edifício do Clube Ginástico Português, com Edifício Andorinha nos fundos, 1937.

Edifício Andorinha, 1938.


Autoria desconhecida

Estipulando que Géza Heller subiu em um edifício vizinho, no interior da quadra, para
registrar a construção, temos uma visão elevada das quadras, que o permitiu além do
futuro clube, ver também a Baía de Guanabara, representada no canto direito, com o
antigo mercado municipal. Imediatamente ao lado do edifício podemos observar o circo
que ocupou a esplanada durante anos. Da construção do edifício vemos seu canteiro de
obras, com algumas pessoas reunidas e trabalhando, diminutas pela escala e ponto de Teatro SESC Ginástico e, ao fundo, Torre do Almirante
vista. Como ainda estava sendo construído, Géza Heller registra com clareza os (antigos Clube Ginástico Português e Edifício Andorinha,
elementos estruturais. respectivamente), 2023.
Google maps
Desenho da Lapa, 1937.

Aqueduto da carioca - cerca de 1910


Autoria desconhecida

Nesta ilustração vemos diversas camadas históricas da cidade, que na visão de Géza Heller parecem
se mesclar. Parece haver também uma intenção de dar destaques a alguns conjuntos, como o Theatro
Municipal e o Belas Artes, que parecem aqui parecem maiores. É curioso também o tratamento dado
aos Arcos da Lapa, já consolidado a paisagem ao ponto que parece interessar Géza a representar
apenas um trecho. Talvez fosse mais interessante a ele mostrar a relação entre os diferentes tempos
da cidade e do caráter das edificações.
Quanto a paisagem natural, vemos a vegetação presente nos pontos altos, ainda não tanto edificados
(ou planificados), quase com as construções integradas a elas, enquanto na área densa do desenho a
paisagem natural torna-se forte na presença da Baía de Guanabara, onde o barco navegando indica a Vista dos Arcos da Lapa, 2012.
atividade portuária. Google Earth
Desenho da Demolição do Theatro e Cassino Beira Mar, 1937.

Construções para a exposição de 22: Theatro e Cassino Beira Mar,


com o Palácio Monroe ao fundo, 1929.
Autoria desconhecida

Na visão de Géza Heller, conseguimos ver uma grande quantidade de trabalhadores na demolição,
carregando caminhões com escombros. O foco da ilustração é no ato de demolir, com a segunda
edificação do conjunto quase não aparecendo e a escolha de um ponto de vista no qual os edifícios Programa do Theatro Cassino (Beira Mar) - Grande
ao redor não aparecem. Vemos que além das pessoas e suas ferramentas, há também o cuidado no
Companhia Brasileiras de Comédia Musicadas.
detalhamento das características da edificação antes de seu desaparecimento: ornamentos, arcos, Autoria desconhecida [s.d]
colunas e texturas.
Desenho da Lagoa Rodrigo de Freitas, 1937.

Vista do Jockey Club, 1935. Vista da Lagoa Rodrigo de Freitas


próximo ao atual Parque Natural
Autoria desconhecida Municipal da Catacumba, 1945.
Autoria desconhecida

Na ilustração de Géza Heller, assumimos que ela foi feita do Cristo Redentor. Com um ponto de
vista tão distante é retratado as principais vias e quadras, com algumas edificações insinuadas,
em contraste com o peso da paisagem natural dos morros e águas. Observa-se que a
preocupação era retratar a Lagoa e o Oceano Atlântico, divididos por uma estreita faixa de terra
densa de edificações, como também contrastar o relevo do morro, no lado esquerdo, com o
aterramento da Lagoa, no lado direito onde encontra-se o Jockey Club.
Como a área da Lagoa Rodrigo de Freitas estava presente nos debates em torno da cidade e
viria a sofrer aterramentos subsequentes, especulamos que Géza Heller tenha pretendido
registrar essa paisagem antes de intervenções posteriores, atentando-se para seus contrastes. Lagoa Rodrigo de Freitas fotografada por Hermano
Taruma, 2012.
Desenho do Morro da Viúva, 1938.

Jorg Kfurie [s.d]

É nítido seu interesse pela construção, pelas técnicas e o trabalho que só se vê no


decorrer do processo. Ao observarmos o registro da pedreira do Morro da Viúva em
1938, notamos um enfoque central ao Corcovado. Já em primeiro plano, faz da
pedreira, responsavel por fornecer material para novos edifícios da cidade, o foco de
sua representação
Autoria desconhecida [s.d]
Desenho do bairro Botafogo, 1938.

Carlos Bippus, 1910.

Em um local com uma vista privilegiada, as casas na beira do


morro parecem se perder dentre a densa vegetação,
enquanto que na parte plana do bairro já se destaca a
verticalização. Ao longe, podemos observar a mesma
tendência próxima ao Pão de Açúcar, sendo curioso também
a presença de letreiros propaganda no Pão de Açúcar. Autoria desconhecida, 1935.
Desenho da construção do Palácio Capanema, 1938.

Palácio Capanema - cerca de 1947


autoria desconhecida
Ao retratar o antigo Ministério da Educação e da Saúde, o arquiteto toma um cuidado
extremo ao detalhar os processos construtivos utilizados na obra. É possível identificar
praticamente cada elemento estrutural , tanto do prédio quanto das estruturas de
apoio à construção.
Há a retratação de pessoas na obra como também de maquinários e o contraste da
arquitetura moderna com uma arquitetura colonial, representada no lado direito, na
qual andaimes parecem apoiados.
Demolição da Policlínica, 1939

Enquanto trabalhava no recém-inaugurado


Edifício Nilomex, uma obra de Robert
Prentice para a esplanada, Heller conseguia
transformar a cidade se transformando pelo
vão de sua janela.

Como ilustrado no desenho de 1939, é


possível ver a atenção dada à mudança da
paisagem com o tempo: os sobrados aos
poucos dão lugar à prédios de gabarito
muito mais elevado que dominam o espaço,
trazendo uma altura maior à cidade.

Além disso é possível ver a aglomeração de


pessoas para a demolição da Antiga
Policlínica Geral do Rio de Janeiro, que seria
transferida para a esplanada, ao lado do
Edifício Nilomex
Rua México em direção a Avenida Nilo Peçanha, 1939.

Rua São José, 1905.

Demolição do Morro do Castelo, 1922.

A demolição do Morro do Castelo e a criação de novas vias leva a bruscas mudanças na paisagem, com os estreitos
sobrados dando lugares a arranha-céus.

No desenho de Géza Heller, conseguimos observar o contraste entre os edifícios altos e as casas de poucos
pavimentos. O foco do desenho esta nas edificações, com pouca presença de pessoas no canto inferior direito,
próximas a uma rua estreita, que parecem estar reunidas. Talvez a escolha da posição de desenho seja para
mostra-los e talvez sua presença indique já trabalhos de derrubada das casas.
Rua México em direção a Avenida Nilo Peçanha, 2023.
Algumas semelhanças indicam que esses dois desenhos, feitos no mesmo dia, são de um mesmo espaço
mas de visadas diferentes. Há uma possibilidade que esses lugares sejam próximos ao escritório em que
trabalhava na Nilo Peçanha, representando assim uma paisagem do seu cotidiano diário.
Desenho do Palácio Tiradentes e da Igreja de São José, 1942

Foto de autoria de Augusto Malta, cerca de 1929

É interessante observar a escolha do ponto de vista, em que os


edifícios icônicos se apresentam de maneira periférica, enquanto o
foco se apresenta nessa possível ruína do Morro do Castelo, Foto de autoria de Augusto Malta, cerca de
1926
demolido 20 anos antes.
Ilustra o processo da sua mais impactante criação: a
Estação Central do Brasil. Seu grande relógio marca
o surgimento de uma nova época e os desenhos
capturam esse exato ponto onde o antigo e o novo se
encontram, sintetizando a transformação moderna
em papel.

Estudo de projeto da
construção do Edifício
Dom Pedro II feito em
1943 por Géza Heller
e fotografia da época,
sob o mesmo ângulo,
de autoria
desconhecida
Antigo edifício da Central do Brasil

Possibilidade de reforma da Estação Central do Brasil por Géza Heller e


fotografias da edificação original, via imaginerio Antigo edifício da Central do Brasil, 1910-20
Autoria desconhecida
Conclusão
Analisando os desenhos de Géza Heller durante a produção dessa
apresentação, nos indagamos sobre o grande foco nas edificações,
praticamente ignorando as pessoas ali presentes se não
estivessem relacionadas com o urbano.

Diferente do esperado, não existe um foco no cotidiano da


população e tampouco na esplendorosa natureza da cidade.
Considerando que migrou para o Brasil depois de adulto, seria de
se pensar que que esses seriam grandes partes do registro do seu
cotidiano.

Entretanto, quando pensamos em um arquiteto encarando uma


cidade que se tranforma mais a cada ano, demolindo morros e
aterrando corpos d' água, surge a hipótese de uma necessidade de
registrar paisagens que logo seriam esquecidas embaixo de
escombros, apenas se adequar a uma noção de progresso.
Conclusão
Registros como os mostrados nessa apresentação permitem que a
história de uma cidade em constante mudança não se percam e
devem ser estimados para que a história se mantenha viva.

Entedemos que a partir desses desenhos, Geza Heller não só marca


uma memória, como a faz de uma maneira única.

É a partir do desenvolvimento das suas técnicas, que o artista se


apodera e ocupa a cidade, se tornando mais do que apenas um
telespectador.

É essencial para a nossa formação como arquitetos e urbanistas um


estímulo a essa ocupação, a fincar também a nossa marca de
artistas que vivem e experenciam uma cidade, seja pelo desenho ou
por qualquer outro meio de expressão.

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