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2007
Resumo
O medo acompanhou a teoria política ocidental desde, pelo menos, as guerras de religião
que resultaram do movimento da reforma protestante. A insegurança generalizada que se
seguiu à cisão do Deus até então único espraiou-se na forma da guerra, não mais entre
monarcas ou Estados, mas entre seres humanos, crentes, cada um, da verdade de seu
Deus. Hobbes expressou com maestria, no âmbito da teoria, tais sentimentos, dando-lhes
uma produtividade racional até então inédita. O medo da morte violenta, endêmico ao
estado de natureza onde inexiste ordem, leva ao paroxismo o sentimento da insegurança,
viabilizando a decisão coletiva da delegação da soberania de cada um para o Leviatã,
único garantidor da paz e da tranquilidade social. Diferente dos usos tradicionais do medo
pela teoria política – nos quais se opunha à virtude cardeal da coragem –, em Hobbes o
medo aparece como um operador positivo, criador da ordem, propulsor de civilidade.
Outro será o juízo de Montesquieu quando impuser ao leitor de O espírito das leis a
convicção de que o medo é o princípio que anima o despotismo, forma degenerada,
ignorante e imoderada do político. É verdade que, como em Hobbes, o medo está na
origem da tranquilidade social despótica em Montesquieu, mas este insiste em distinguir
tranquilidade de paz. A tranquilidade social, forma perversa da segurança que oculta a sua
fragilidade constitutiva, assegura-se pelo silêncio, pela eliminação da opinião, do saber, do
querer saber, da voz. É por isso que Montesquieu, mantendo-se numa tradição que
remonta a Aristóteles, trata como exemplares os turcos, os maometanos, os habitantes
daquela parte do mundo em que “o despotismo está, por assim dizer, naturalizado, que é
a Ásia”, enfim, os Outros do Ocidente grego e cristão. Pois à natureza livre do ocidental
não poderia ser adequada a ordem do silêncio.
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Montesquieu
Para escapar à barafunda e ao medo que este tema provoca em mim, resolvi
abordar aqui o porto que me pareceu mais seguro, mas não menos instigante: a
história da teoria política, com a qual venho alimentando minhas fantasias, em
parte com certeza para reduzir, na minha pequena morada, o espaço que o medo
insiste em ocupar. Falarei a vocês, então, de três momentos significativos dessa
história entre os séculos XVII e XIX, e que, acredito, são relevantes para pensarmos
o medo hoje: falo das obras de Thomas Hobbes, do barão de Montesquieu e de
[1]
Alexis de Tocqueville.
Esse recorte, como aliás qualquer outro, nos inscreve numa parte específica da
discussão. Lido com uma das facetas possíveis do medo, o medo público ou
político, no sentido de que vou tratar apenas de medos que foram pensados em
suas implicações para a constituição da vida pública, na produção de
consequências coletivas e de alcance social. Logo, trata-se de uma redução.
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O MEDO RACIONAL
No centro dessa construção metafórica do nascimento do Estado ou da
revitalização da ordem política encontramos, então, o medo. Mas vamos com
[3]
calma aqui. Como esclarece Renato Janine Ribeiro, em argumento apresentado
em outro seminário organizado por Adauto Novaes, o medo no Leviatã de Hobbes
não é um só, são muitos. Pelo menos três tipos de medo se distinguem na obra do
inglês: o medo da morte violenta no estado de guerra generalizada (o medo que
temos uns dos outros quando não há poder capaz de manter todos em respeito); o
medo em relação ao poder do Estado instituído (o medo que os súditos têm do
governante quando este edita leis e dá ordens que devem ser cumpridas); e o
medo da morte, mesmo a natural, sempre misturado ao medo do que vem depois
da morte (e que engendra a religião).
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A SOBERANIA ÚNICA
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Entretanto, essa positividade racional do medo não elimina, a meu ver, o caráter
temerário e intrigante da teoria política de Hobbes. Especialmente se nos
lembrarmos que o contrato social hobbesiano exige que todos os indivíduos abram
mão da soberania que lhes era própria no estado de natureza para delegá-la,
conjuntamente e de uma só vez, ao Leviatã. Troca-se a soberania natural pela
segurança social; transfere-se para o governante a responsabilidade de ditar os
destinos públicos de cada um. O quadro torna-se ainda mais agudo quando
lembramos que Hobbes defende uma noção forte ou da soberania única, de modo
que cabe ao governante, como soberano exclusivo, a condução das almas naquilo
que diz respeito ao público, ao bem comum. Como afirma o conhecido emblema
hobbesiano, é a força do soberano que é capaz de produzir a lei, a definição
pública do certo e do errado.
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O ISOLAMENTO ASIÁTICO
Mas há uma segunda operação de especificação que é ainda mais interessante
para o nosso tema. Remontando a uma tradição que é pelo menos aristotélica,
Montesquieu atribuirá ao despotismo uma base histórica e geográfica, dita
genericamente “o Oriente”. Quer dizer, há uma segunda operação de isolamento
do medo — geográfica e cultural — que suplementa a primeira (teórica), e que
resulta na afirmação de que o medo, como fundamento do poder político, só existe
em uma das três possibilidades de ordenamento estatal e que esta possibilidade se
realiza historicamente no mundo dos turcos, ou dos chineses, do grão-mongol, dos
persas etc.; enfim, genericamente, no que foi chamado “a Ásia”. Dito em negativo,
o medo não é o princípio de qualquer forma ocidental de governo.
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O PROJETO CIENTÍFICO
Para que essas duas operações sejam compreendidas em sua gravidade, quero
acrescentar o dado fundamental de que o que a teoria de Montesquieu busca é
estabelecer as relações necessárias entre a natureza e o princípio das formas de
governo. Em outras palavras, não se trata de verificar as possibilidades da vontade
e da decisão humanas na escolha da sua forma de governo, mas de afirmar, com
um ar científico, que a existência de determinada forma de governo depende da
presença de um espírito que a anima naturalmente, isto é, não está ao alcance dos
homens escolhê-lo ou rejeitá-lo livremente. O espírito está lá, dado, constituído
pela geografia e pelas condições de vida de um povo, de tal modo que o dispõe a
se comportar de certos modos e não de outros e o faz “tender naturalmente” para
certas formas de governo e não para outras. Há em Montesquieu um
determinismo novo, científico, de vocação “newtoniana”, de encontrar as causas,
as leis que regem o universo político. E leis aqui no sentido de “relação necessária
entre a natureza das coisas”, que é a própria definição que Montesquieu nos dá da
lei; não como a lei-mandamento, a lei do legislador, mas a lei do físico, do
cientista. Do mesmo modo que Newton foi capaz de formalizar a lei da gravidade,
que estabelece que os corpos se atraem na proporção direta das suas massas e na
proporção inversa de sua distância independentemente da vontade desses corpos,
Montesquieu parece querer encontrar as leis inescapáveis que explicam a
conformação da vida política e social.
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Sei bem que estou forçando as tintas para uma das possibilidades interpretativas
da obra do barão, e sei também que o seu projeto não é tão claro e sem tensões
como o estou expondo aqui. Mas o que me interessa nesse viés é justamente
sublinhar a novidade da sua teoria política: a relação entre o medo e o despotismo
é da ordem das razões naturais, o que equivale a dizer que a forma despótica
encontra a sua legitimidade científica, embora não moral, no seu fundamento
necessário. Aqui se explicita uma tensão no interior mesmo do conceito de razão:
por um lado, o despotismo pode ser visto como racional na medida em que
corresponde a uma necessidade do real e, nesse sentido, estaríamos operando uma
aproximação com a futura concepção de Hegel, um século após, de que o real é
racional; mas, por outro lado, a razão iluminista se recusará a considerar racional
uma forma que se caracteriza pela arbitrariedade do senhor, aproximando-a das
noções de obscurantismo, irracionalidade ou fundamentalismo, como diriam hoje
os detratores do Islã. Se há racionalidade causal no âmbito dos fatos, quer dizer,
da relação entre despotismo e medo, não há racionalidade moral, espiritual,
normativa, numa forma despótica.
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Seria aqui impossível mostrar o que Aristóteles supõe quando diz “escravos por
natureza”. Mas podemos reter a noção básica de que ser algo por natureza
significa que se o é independentemente de se saber que é. Ou, dito de modo mais
formal, que o saber não produz diferença no que se é. Isto é importantíssimo se
quisermos compreender as novidades trazidas por Montesquieu e também por
Tocqueville um século depois.
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É essa noção que será recuperada pelo século XVI ocidental para referir-se ao
Império Otomano. É o grão-turco que Jean Bodin vai se referir para falar de uma
monarquia de natureza senhorial. É “nele que Montesquieu pensará – como
representativo por excelência dos regimes da Ásia – ao introduzir o substantivo
‘despotismo’ no Espírito das leis para designar uma forma específica de governo “.
[9]
Tal continuidade, porém, tem limites: para Aristóteles há escravos por natureza;
para Montesquieu só os há por razões naturais, na verdade físicas, o que não é a
mesma coisa. Para Montesquieu, e para o iluminismo em geral, a escravidão é
anti-natural. Nesse registro do século XVIII europeu, pensava-se a natureza
humana como universalmente dotada de liberdade e de perfectibilidade, de tal
modo que a qualquer membro da humanidade seria facultada a possibilidade de
ultrapassar, pela via da razão, as origens corporais e instintivas da paixão. No
entanto, há determinações físicas outras que, não sendo intrínsecas à natureza
humana, operam efetivamente no mundo, limitando, dispondo, impondo
comportamentos e circunstâncias aos homens, como é o caso, por exemplo, do
clima e de sua influência nefasta no mundo asiático de Montesquieu.
De fato, enquanto em outros lugares o medo, como toda paixão, arraigado num
instinto físico, tende continuamente a superar essa origem puramente física, na Ásia,
ao contrário, toda paixão continua sendo essencialmente física, o que não significa
natural. Como o amor, por exemplo: “Nos climas do norte, o aspecto físico do amor se
manifesta discretamente; nos climas temperados, o amor se cerca de mil acessórios,
torna-se atraente através de coisas que, não sendo ainda o próprio amor, dão a
impressão, inicialmente, de sê-lo; nos climas mais quentes, ama-se o amor pelo
próprio amor, como única causa de felicidade, ele é a vida”. Nestes últimos climas,
“onde a emoção da alma é intensa por tudo o que se relaciona com a união dos dois
sexos”, onde “tudo conduz a este fim”, a poligamia é uma instituição que se explica
“por razões naturais”, visto que multiplica as possibilidades do homem satisfazer esta
paixão. Ora, é isto justamente o que a destrói ou até chega a corrompê-la,
pervertendo-a radicalmente: “A pluralidade de mulheres, quem o diria!, conduz a esse
amor que a natureza rejeita […]”. A prova? “Na revolução de Constantinopla,
quando o sultão Achmet foi deposto, os relatos diziam que ao saquear a casa do
chiaya o povo não encontrou uma só mulher. Dizem que em Argel se chegou a tal
ponto que a maioria dos serralhos não têm mulheres.” Uma dissolução, comenta
Montesquieu, “leva sempre a uma outra”. Abandonada a si mesma, a paixão física
conduz ao despotismo de um sexo sobre o outro e termina se corrompendo e se
transformando em indiferença pelo outro sexo, e depois amor antinatural pelos
objetos do mesmo sexo.
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É curioso observar que mesmo uma paixão tida como degenerada, como é a
paixão do medo, também se corrompe e acaba substituída por uma forma de
apatia, a tal ponto que se torna supérfluo à dominação despótica o princípio que a
animava. Daí a tranquilidade do déspota que pode reinar sobre o silêncio dos
súditos. Mas não se trata de um mundo de paz social, de satisfação de todos ou de
muitos; trata-se de um silêncio derivado da repressão de si, da desistência, da
fadiga do medo já extenuado. Como resume o próprio Montesquieu no texto que
serve de epígrafe para a nossa palestra: “Como o princípio do despotismo é o
medo, o objetivo é a tranquilidade; mas isso não é absolutamente uma paz: é o
silêncio das cidades que o inimigo está prestes a ocupar”.
Essa porta conduz a um vestíbulo sustentado por colunetas. Nesse vestíbulo temos
uma escada que leva a um pátio quadrado cercado de galerias que são, por sua vez,
sustentadas por colunas e arcadas. E o mesmo se repete em cada andar.
Todos os quartos dão para esse pátio cujo aspecto é tão arejado e elegante que eu não
saberia descrevê-lo. Em todas as casas um pouco mais cuidadas as colunetas são de
um mármore branco curiosamente esculpido, as bordas das arcadas também, e
ornadas como grinaldas de renda.
O todo apresenta o aspecto da vida interior no seu mais alto grau. A arquitetura
pinta as necessidades e os costumes: ela não é apenas o resultado do calor do clima;
ela representa maravilhosamente o estado social e político das populações
muçulmanas e orientais: a poligamia, o isolamento forçado das mulheres, a ausência
de qualquer vida pública, um governo tirânico e suspicaz que força a esconder a vida
[12]
[pública] e transfere todas as afeições do coração para o lado interior da família.
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DEMOCRACIA E ARISTOCRACIA
Para compreendermos tal argumento seria necessário refazer o diagnóstico
tocqueviliano da modernidade democrática, que reconstruo, a seguir, apenas em
[14]
linhas gerais.
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O INDIVIDUALISMO DEMOCRÁTICO
Mas essa igualdade de condições, no contexto da destruição dos corpos
intermediários que caracterizavam a aristocracia, trazia consigo efeitos não
desejáveis ao olhar do pensador. É o tema central do individualismo democrático,
um fenômeno novo, particular ao contexto da modernidade e distinto do
tradicional egoísmo. ParaTocqueville, o egoísmo se encontra em todas as épocas e
manifesta uma corrupção do espírito pessoal, uma preferência de si sobre todas as
coisas — é um sentimento depravado e, por isso, moralmente condenável. Já o
individualismo não decorre do caráter de tal ou qual personagem, mas sim das
condições objetivas da existência no mundo da igualdade democrática em que o
corpo social se encontra fragmentado numa pluralidade de indivíduos
independentes que, em última instância, contam apenas consigo mesmos para dar
conta do que fazer em suas vidas.
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OS MEDOS DEMOCRÁTICOS
É desse quadro de instabilidade estrutural que se alimenta o medo nas sociedades
democráticas de Tocqueville. Além do medo da morte natural que não é específico
ao contexto moderno, são basicamente dois os medos que aterrorizam o indivíduo
democrático. O primeiro deles é o do isolamento em relação à maioria dos iguais.
Privado dos laços estáveis característicos da hierarquia aristocrática, o indivíduo
democrático vive o contexto da fragmentação e do isolamento social. Embora zele
pela sua independência individual, a dificuldade de cumprir factualmente a
suposição “cartesiana” o dispõe a aderir às opiniões majoritárias de modo não
crítico. Sendo o enfrentamento da dúvida sem descanso uma opção terrível e
afeita aos poucos espíritos capazes de suportar uma angústia permanente, a
adesão às correntes majoritárias de opinião, à moda, às vogas e padrões estéticos e
intelectuais é o caminho preferido pela maioria dos mortais, pois oferece uma
sensação de pertencimento à comunidade mais ampla, reduz o isolamento e a
pressão moral sobre a razão individual e, consequentemente, a angústia
democrática. Mas dessa adesão excessiva deriva a força inédita que a opinião
pública, como opinião da maioria, tem nessas sociedades, o que põe em risco a
independência intelectual dos indivíduos sob a pressão da massificação.
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UM DESPOTISMO OCIDENTAL
Mas não há a violência do déspota absoluto nem o medo da morte violenta, pois
um governo democrático deve corresponder à ambiguidade inescapável da
condição dos seres igualitários. Por um lado, ao se emanciparem dos laços de
dependência pessoal, os indivíduos querem ser livres, julgar e agir segundo a sua
própria razão e obedecer apenas a si mesmos. Por outro lado, o isolamento e a
privatização das relações sociais os transformam em ignorantes da coisa pública,
dificultando a realização do desejo de autonomia. O despotismo democrático
resolve essa luta entre as paixões conflitantes do homem moderno — o desejo de
independência e a necessidade de ser conduzido — pela via da adoção da escolha
sazonal de representantes. Por isso, na sua forma mais acabada o novo poder é
brando, regrado por leis, e seus ocupantes são escolhidos em eleições periódicas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALTHUSSER, Louis. Montesquieu, a política e a história. Lisboa: Presença, 1972.
Notas
[1]
Para lembrar: Thomas Hobbes, inglês, 1588-1679, cujas principais obras são De
cive (1647), Leviatã (1651) e Behemoth (1679); Charles de Secondat, barão de
Montesquieu, francês de Bordeaux, 1689-1755, escritor das notáveis Cartas persas
(1717-1721) e Do espírito das leis (1748); Alexis de Tocqueville, francês da
Normandia, 1805-1859, escreveu Da democracia na América (1835-1840), O
Antigo Regime e a Revolução (1856) e Lembranças de 1848 (escritas entre 1848-
1852 e publicadas nos anos 1890). Todos os textos têm edições em português.
[2]
A literatura sobre Hobbes é extensíssima e disponível. Minhas principais
referências neste artigo são além do Leviatã os textos de Reinhart Koselleck e
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referências neste artigo são, além do Leviatã, os textos de Reinhart Koselleck e
Renato Janine Ribeiro listados da bibliografia.
[3]
Renato Janine Ribeiro, “Medo e esperança em Hobbes”, em Adauto Novaes
(org.), A crise do Estado-nação (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003), p.
142.
[4]
Para o que se segue, minhas fontes principais são, além de Do espírito das leis, os
livros de Alain Grosrichard e Louis Althusser citados nas referências bibliográficas.
[5]
Aristóteles, Política, Livro 1(1255), pp. 15-20. Reproduzo as traduções da edição
brasileira do livro de Alain Grosrichard, A estrutura do harém, que me serve de
guia nesta leitura de Aristóteles.
[6]
Ai ó l P lí i Li III (1279) 25 39
Comportamento Costumes Ética História Paixões Política Razão
ELOGIO DO MEDO
por Maria Rita Kehl
Uma das grandes paixões da sociedade moderna é a segurança. “Paixões de segurança”, disse Lacan numa...
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