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Assim - Luiz Rufatto (2004)

Ele jurou amor eterno. E me encheu de filhos. E sumiu por aí.

A ação do texto de Luiz Rufatto está garantida pela presença dos verbos “jurar”, “encher” e
“sumir”, bem como a sucessividade das ações é graficamente marcada pela conjunção “e”:
primeiro a personagem jurou, depois encheu de filhos e depois sumiu. A conjunção evidencia,
ainda, a integração entre uma ação e outra: uma mulher desiludida conta a forma como o
marido jurou amá-la para sempre e, depois de mudar sua vida e transformá-la em mãe de
várias crianças, sumiu por aí. Mais do que compreender a significação do texto, é possível
identificar nele diversos elementos narrativos como personagens (a narradora, o companheiro
que sumiu, os filhos), espaço (o seio de qualquer família), tempo narrativo (os anos que
separam a primeira jura de amor ao tempo presente, quando o marido está sumido), narrador
(uma narradora autodiegética seletiva que conta apenas a sua versão ressentida dos fatos), o
que nos permite falar em “Assim” como uma narrativa completa, de início, meio e fim, e não
apenas de um fragmento de história.

Uma hipótese para o sucesso narrativo de Rufatto é que o autor preservou apenas os núcleos
da narrativa, descartando catálises, índices e informantes. O texto poderia ser ampliado
infinitamente, a narradora, antes de dizer que ele jurou amor eterno, poderia descrevê-lo,
falar talvez da bela tez morena ou dos lindos olhos azuis, quem sabe mencionar seu passado,
sua família, descrever seu cavalo, se ele chegasse em um; depois contaria de forma
pormenorizada como ele jurou amor eterno, se depois de uma longa noite de amor, se sob o
luar, se no parto do primeiro filho, se embriagado, se apaixonado, se diante do altar ou diante
de um pai ameaçador; mais tarde contaria o parto de cada filho, descrevê-los-ia com emoção,
talvez mencionasse os sonhos para o futuro de cada um, um seria doutor, outro militar, quem
sabe a menina casaria com o dono da propriedade, um deles poderia mesmo ser poeta, enfim,
o nascimento de cada um dos nove, dez, doze filhos poderia ser motivo para digressões
discursivas de uma narradora prolixa e com necessidade de contar sua história para ao final
lamentar-se, talvez ressentida, melancólica, talvez indignada, de que um dia ela acordou e ele
não estava mais ali, havia sumido, sumido por aí, por tanto tempo, e talvez depois de contar-
nos isso quisesse contar como foram os primeiros dias sem ele, dias de muito trabalho, dias de
desespero, dias de muito calor, talvez dias de angústia, e finalmente a mulher chegaria ao final
da narração suspirando e resumindo toda a narrativa assim: enfim, ele me jurou amor eterno,
me encheu de filhos e sumiu por aí.

Mesmo na nossa ampliação da história, mesmo que Assim fosse transformado num romance
de mil páginas, e poderia sê-lo, se for mantida a armadura da narrativa proposta por Rufatto,
as três ações cardinais “jurar amor eterno”, “encher de filhos” e “sumir”, a narrativa não
mudará sua essência, apenas seu discurso, talvez seu efeito, mas não sua essência, pois o que
o autor fez para reduzir sua narrativa em menos de cinqüenta letras foi suprimir quase todos
os índices, informantes e catálises.

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