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1.

Revisão Bibliográfica
1.2.Os processos de descentralização em Moçambique e políticas de
desenvolvimento local.

Segundo Cistac (2001), O processo de descentralização é relativamente antigo em


Moçambique apesar de que se tornou mais consistente a partir do fim dos anos 80. Com
efeito, desde a segunda metade do século XIX, a descentralização é uma questão de
natureza política que interessa directamente à Moçambique como província ultramarina
de Portugal. Tal como é visto no relatório que precede ao Decreto de 1 de Dezembro de
18691, escrevia Rebello da Silva: “Persuadido de que o estado de algumas das nossas
possessões não só consentia mas aconselhava a reforma das instituições administrativas
na parte em que uma prudente descentralização podia conceder à iniciativa local acção
mais ampla …”. Mais adiante no texto, o relator prossegue: “Nas atribuições de que o
projecto investe as juntas gerais de província traduz-se o princípio da descentralização”.
Assim, os princípios que a Carta Orgânica do Ultramar português aplicava às
possessões ultramarinas podiam ser considerados como muito avançados para a época:
descentralização, iniciativa e acção local bem como a relativa emancipação da tutela da
metrópole.

Portanto, de acordo com Caetano (1994), esta obra legislativa não foi, em grande
parte, aplicada. Duas razões fundamentais foram a causa deste fracasso. Desde a sua
origem, a organização administrativa das províncias ultramarinas portuguesas era
baseada no princípio da “assimilação” das colónias em geral, e Moçambique, em
especial, à metrópole. Insistia-se para considerar as colónias como simples províncias
ultramarinas às quais aplicava-se, com ligeiras alterações, as leis aprovadas para a parte
continental do império, os critérios da administração e os planos de governo
estabelecidos e traçados pela metrópole.

Nesse sentido, Esta “assimilação forçada” que não tomava em conta as realidades e
especificidades próprias de cada província ultramarina, apenas podia encontrar sérios
problemas na sua implementação.

1
Decreto 1 de Dezembro de 1869, reformando a administração, publicado em, Legislação Colonial 1869,
pp. 595- 603. Sobre este período, vide CISTAC, G., (1997). O Tribunal Administrativo de Moçambique,
Maputo, Faculdade de Direito da UEM, p. 10 s
A segunda razão residia no carácter fortemente centralizado do Estado colonial, não
só pela preservação na metrópole dos centros de decisão sobre as questões consideradas
estratégicas, mas também pelo facto da existência de uma forte centralização interna em
cada província ultramarina, uma vez que o Governador-Geral e o seu governo, detinham
as principais competências sobre a administração do território. Formalmente, existia na
província de Moçambique o que se chamava, na linguagem administrativa, os “corpos
administrativos” (Câmaras municipais, comissões municipais, juntas locais), que
gozavam de uma certa autonomia (Guambe, 1994).

A proclamação da independência do país, em 1975, provocou uma ruptura profunda


na forma da organização administrativa herdada do Estado colonial. Contudo, apesar
desta ruptura, algumas das características da administração colonial continuaram a
persistir até os nossos dias. Moçambique herdou uma estrutura administrativa
essencialmente baseada no princípio de centralização que se traduziu, nomeadamente,
na centralização do poder de decisão a nível dos órgãos superiores da administração
central. A natureza do regime político alterou-se substancialmente mas não foi possível,
na fase inicial da independência do país, estender este movimento até ao conjunto das
estruturas administrativas do Estado. A necessidade de reforçar a unidade nacional e a
liderança do partido único, além do imperativo de atingir alguns objectivos sociais,
económicos e políticos, aconselhou a manutenção do “centralismo da decisão
administrativa (Graça, 1990).

Além do facto de que as estruturas e a organização herdada da administração


colonial fossem mantidas amplamente, esta situação limitou o espírito de iniciativa dos
níveis inferiores da administração, uma vez que estes últimos eram desprovidos de todo
o poder de decisão e de todos os recursos e capacidades para realizar as actividades
necessárias dos interesses das comunidades. Este sistema de administração fragilizou a
gestão das instituições locais e produziu efeitos negativos no que diz respeito a
qualidade dos serviços fornecidos às populações.

De acordo com Forquilha (2008), No início dos anos 80, o Governo reconheceu,
oficialmente, que o sistema em vigor, até então, era centralizado excessivamente e que o
Estado era sobredimensionado ao nível central e de muito fraca eficácia ao nível das
províncias e distritos. As reformas políticas, económicas e sociais implementadas desde
1987, com o lançamento do Programa de Reabilitação Económica (PRE), consolidados
pela adopção de uma nova Constituição a 2 de Novembro de 1990, e o fim da guerra
civil (assinatura do Acordo de Roma de 4 de Outubro de 1992), criaram condições
favoráveis para o desenvolvimento do processo de descentralização político-
administrativa.

Segundo Guambe (1996), A partir dos anos 90, debates públicos (seminários
provinciais, workshops provinciais e nacionais) viram o dia sobre o tema “da
descentralização e da autonomia dos órgãos locais do Estado”. Em Maio de 1992, o
Governo aprovou o Programa de Reforma dos Órgãos Locais (PROL) que tinha como
objectivo reformar o sistema de administração local do Estado vigente e a sua
transformação em órgãos locais dotados de uma personalidade jurídica própria distinta
da do Estado dotada de uma autonomia administrativa, financeira e patrimonial.

A Constituição da República de Moçambique (revista em 2004) consagra, no seu


título xiv, a existência do “Poder local”. De acordo com o Artigo 271 da Lei
fundamental:

“1. O Poder Local tem como objectivos organizar a participação dos cidadãos na
solução dos problemas próprios da sua comunidade e promover o desenvolvimento
local, o aprofundamento e a consolidação da democracia, no quadro da unidade do
Estado Moçambicano.

2. O Poder Local apoia-se na iniciativa e na capacidade das populações e actua em


estreita colaboração com as organizações de participação dos cidadãos”.

Em Moçambique, com a descentralização veio o princípio da "dupla subordinação"


que em Administração Publica, a "dupla subordinação" refere-se a um sistema em que
os órgãos da administração directa estão subordinados tanto ao poder executivo quanto
a um órgão de controlo externo, como um tribunal de contas. Isso significa que eles
devem prestar contas e seguir as directrizes de ambos os órgãos superiores.

1.3.Dupla Subordinação

A subordinação, com origem no latim subordinatĭo, é a sujeição ao comando, ao


domínio ou às ordens de alguém. A subordinação, por conseguinte, implica uma
dominação, podendo ser formal ou simbólica. Por hábito, o subordinado acata as ordens
por haver uma relação hierárquica embora a subordinação também se possa aplicar pela
força2.

No ambiente de trabalho, é importante que não se confunda com subordinação a


coordenação realizada, pois, nesse caso, trata-se de uma organização ou mesmo de uma
forma de parceria a fim de se chegar aos fins desejados. De acordo com a doutrina
jurídica, o trabalho subordinado possui distintas fases, sendo elas: escravidão, servidão,
contrato civil e, por fim, a relação de emprego3.

Em administração publica, a dupla subordinação pode se referir a uma situação em


que uma entidade ou órgão esta subordinado a duas instancias superiores. Isso pode
ocorrer, por exemplo, quando um departamento ou agência de um governo local é
subordinado tanto ao governo central, tanto quanto ao governo provincial ou distrital,
isso pode levar a uma complexa dinâmica de responsabilidades e relações hierárquicas
(Milani, 2005).

1.4.O INGD

Após a aprovação da lei 10/2020 de 24 de agosto que estabelece o regime jurídico


de Gestão e Redução do Risco de Desastres, houve a necessidade de definir as
competências, organização e funcionamento da entidade coordenadora de Gestão e
Redução do Risco de Desastres. Através do Decreto Presidencial nº 41/2020 de 28 de
Dezembro, foi criado o Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres
abreviadamente designado por INGD como a entidade Coordenadora de Gestão e
Redução do Risco de Desastres, revogando o decreto 38/99 de 10 de Junho que cria o
Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC).

O Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres resulta de um


processo de transformação institucional que ocorreu nesta área, tendo iniciado nos anos
1980 até a esta parte.

Com efeito, em 1980, com o objectivo de se dar uma resposta rápida e eficiente a
situações de calamidades naturais, orientando e coordenando os esforços das várias
estruturas do Aparelho de Estado envolvidas no combate às calamidades naturais,

2
Equipe editorial de Conceito.de. (13 de Junho de 2013). Actualizado em 5 de Março de 2021.
Subordinação - O que é, conceito e definição. Conceito.de. https://conceito.de/subordinacao. Acesso
em 01 de Setembro de 2023.
3
Idem
através do Decreto Presidencial nº 44/80, de 03 de Setembro, foi criado o Conselho
Coordenador de Prevenção e Combate às Calamidades Naturais, tendo como Presidente
o Ministro do Plano e Vice-Presidente o Ministro do Comércio Interno4.

Este mesmo Diploma legal criou o Departamento de Prevenção e Combate as


Calamidades Naturais (DPCCN) integrando-o na antiga Comissão Nacional do Plano
(CNP)5.

Esta situação prevaleceu até 1999, ano em que por via do Decreto Presidencial nº 4/99,
de 10 de Junho, foi extinto o Conselho Coordenador de Prevenção e Combate às
Calamidades Naturais, bem como o seu órgão executivo, o Departamento de Prevenção
e Combate as Calamidades Naturais. No lugar daquele, foi criado pelo Decreto
Presidencial nº 5/99, de 10 de Junho, o Conselho Coordenador de Gestão de
Calamidades (CCGC), cuja composição foi posteriormente alterada pelo Decreto
Presidencial nº 26/2005, de 01 de Dezembro.

Por força disto, no mesmo ano (1999), ocorreu a transformação do Departamento em


Instituto, criando-se assim, através do Decreto nº 38/99, de 10 de Junho, o Instituto
Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), passando a ser “uma instituição pública,
dotada de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e tem como
objectivo a direcção e a coordenação da gestão de calamidades, nomeadamente, em
acções de prevenção e socorro às vítimas em áreas de risco ou afectadas pelas
calamidades”6 e subordinado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação
(MINEC)7.

Em 2005, através do Decreto Presidencial n° 27/2005, de 1 de Dezembro, a


subordinação do INGC foi transferida do Ministério dos Negócios Estrangeiros e
Cooperação para o Ministério da Administração Estatal (MAE). Tendo em conta este
novo domicílio em termos de subordinação do INGC, foi imediatamente feita a
alteração ao seu Decreto de criação, através do Decreto nº 49/2005, de 14 de Dezembro

4
Refira-se que naquele contexto constitucional, Moçambique não possuía ainda a figura de Primeiro-
Ministro
5
O artigo 5 do Decreto Presidencial nº4/80, de 03 de Setembro, determina que “ para permitir o
funcionamento permanente do Conselho Coordenador de Prevenção e Combate às Calamidades
Naturais (…) é criada na Comissão Nacional do Plano, o Departamento de Prevenção e Combate às
Calamidades Naturais, integrando nomeadamente especialistas em hidrologia, agro-meteorologia e
transporte de superfície”.
6
Artigo 2 do Decreto nº38/99, de 10 de Junho.
7
Artigo 3 do Decreto nº38/99, de 10 de Junho.
que, no essencial, redefiniu a sua natureza e atribuições, tendo-lhe, desde logo, sido
retirada a personalidade jurídica e a autonomia: financeira.

Este quadro veio a ser alterado em 2007, por via do Decreto nº 52/2007, de 27 de
Novembro, que aprovou o actual Estatuto Orgânico do INGC onde, para além de referir
que o INGC é tutelado pelo Ministro que superintende a administração local, devolve-se
a personalidade jurídica ao se estipular que se trata de uma “instituição da administração
pública dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, vocacionada a
prevenção e mitigação de calamidades naturais”.

Portanto o INGC evoluiu de uma situação de Departamento integrado, para Instituto


subordinado, com personalidade jurídica, e até Instituto tutelado. Em termos de
inserção institucional, passou do Ministério do Plano (Comissão Nacional do Plano)
para o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, para o Ministério da
Administração Estatal e Função Pública.

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