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1982-1670

NÚMERO 88
SETEMBRO 2014

EDIÇÃO DE ANIVERSÁRIO

EXTERNALIDADES
Por que é preciso revelar
o lado oculto da economia
Desigualdades: Solução pode estar no aumento dos preços
Iniciativas: Em busca do valor de serviços ecossistêmicos
Cadu Young: Falta interesse em precificar custo socioambiental
EDITORIAL Use o QR Code para acessar Página22
gratuitamente e ler esta e outras edições ÍNDICE
Caixa de entrada
Desigualdade ecológica COMENTÁRIOS DE LEITORES
RECEBIDOS POR E-MAIL, REDES
SOCIAIS E NO SITE DE Página22

A obra que fez do tema da desigualdade um best-seller finalmente INBOX


ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS
[Começando pelo começo – ed. 87]
chega ao Brasil em português: O Capital no Século XXI, do professor DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
DIRETORA Maria Tereza Leme Fleury Os processos de licenciamento ainda
da Escola de Economia de Paris, Thomas Piketty, será lançado são meros procedimentos protoco-
lares, os passivos não entram nos
em novembro pela Editora Intrínseca, neste que é um dos países
custos dos projetos e as medidas com-
campeões da disparidade socioeconômica. Mas o que dizer das COORDENADOR Mario Monzoni pensatórias não têm orçamento pre-
VICE-COORDENADOR Paulo Durval Branco
visto. Instrumentos imprescindíveis
demais desigualdades, como as que se referem ao uso do espaço COORDENADOR ACADÊMICO Renato J. Orsato
para regular o uso do solo e integrar
JORNALISTAS FUNDADORAS Amália Safatle e Flavia Pardini
ecológico e dos serviços prestados pela natureza? EDITORA Amália Safatle políticas, viram, via de regra, os "nós",
e não cumprem sua real função. Maíra
PÁGINA22 joga luz sobre essa questão ao tratar das externalidades EDIÇÃO DE ARTE Marco Antonio
www.vendoeditorial.com.br Azevedo
que, em poucas palavras, são a “socialização” dos impactos ILUSTRAÇÕES Sírio Braz (seções)
EDITOR DE FOTOGRAFIA Bruno Bernardi
Muito boa a matéria sobre o processo e
negativos ou positivos gerados por determinada atividade. Em REVISORES José Genulino Moura Ribeiro e Kátia Shimabukuro
GESTORA DE PRODUÇÃO Bel Brunharo impacto de megaobras. Boa argumen-
geral, são os mais pobres os mais vulneráveis às externalidades COLABORARAM NESTA EDIÇÃO
tação. Parabéns. Álvaro Fernandes
Bruno Toledo, Diego Viana, Eduardo Shor, Fabio F. Storino,
socioambientais negativas, reforçando a desigualdade. Incorporar o Fabrício Pimentel, Flavia Pardini, Inaiê Takaes Santos, Luís
Fernando Guedes Pinto, Magali Cabral, Ricardo Abramovay,
[Em busca de um novo sertão? – ed. 87]
preço desses impactos nos produtos é uma forma de desestimular a Roberto S. Waack, Sérgio Adeodato, Thaís Herrero O governo federal está fazendo a sua
ENSAIO FOTOGRÁFICO Gustavo Minas/SelvaSP
parte. O problema são os governos
velha economia e incentivar a economia verde e inclusiva, levando,

30
JORNALISTA RESPONSÁVEL estaduais que deveriam fiscalizar os
Amália Safatle (MTb 22.790)
assim, a uma maior equidade ao longo do tempo. grileiros e o roubo de água por parte de
ANUNCIE grandes fazendeiros. Lucia Baró
A desigualdade ecológica é um tema recorrente na história de 8
COMERCIAL E PUBLICIDADE

anos da revista, aniversariante deste mês de setembro, juntamente Nominal Representações e Publicidade
Se o governo federal realmente esti-
Mauro Machado
CAPA
mauro@nominalrp.com.br
vesse fazendo sua parte, monitorava
com o GVces, que completa 11 anos. Aproveitamos esta edição
Para além da fachada
(11) 3063.5677
os resultados com data prevista e
comemorativa para lançar uma série na revista, a seção Brasil REDAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO
Empresários, pesquisadores e governos buscam formas de precificar sem atrasos. Não havendo o resulta-
Rua Itararé, 123 - CEP 01308-030 - São Paulo - SP
do acordado, no mínimo deveriam ser
Adentro, assinada pelo jornalista Sérgio Adeodato, que mostrará a (11) 3284-0754 / leitor@pagina22.com.br as externalidades, mostrando a economia em seu tamanho mais real
www.fgv.br/ces/pagina22 cortadas as verbas e os governadores
realidade do País de uma forma mais descentralizada, fora da órbita e prefeitos acionados judicialmente
CONSELHO EDITORIAL
12 Economia Verde Para o Centro Rio+, há uma expectativa de que
Ana Carla Fonseca Reis, Aron Belinky, pela União. Ricardo Silva do Nascimento
dos eixos urbanos que concentram as decisões de poder. José Eli da Veiga, Leeward Wang, o Brasil protagonize a agenda pós-2015 representando o eixo Sul-Sul
Mario Monzoni, Natália Garcia, Pedro Telles,
Roberto S. Waack, Rodolfo Guttilla
[Gargalos do vidro – ed. 87]
16 Entrevista Para Carlos Eduardo Young, professor de Economia Ambiental
IMPRESSÃO HRosa Serviços Gráficos e Editora Mais um setor que se vê prejudicado
Boa leitura! na UFRJ, falta interesse em precificar os custos socioambientais, pois os projetos
TIRAGEM DESTA EDIÇÃO: 5.800 exemplares pela (ausência de) infraestrutura logís-
ficariam menos atraentes e com menor visibilidade
Os artigos e textos de caráter opinativo assinados por
tica no Brasil e elevada carga tributá-
colaboradores expressam a visão de seus autores, não
ria. Paulo Gutierrez
representando, necessariamente, o ponto de vista de
Página22 e do GVces. 36 Desigualdades Acrescentar o custo das externalidades ao preço dos
bens e serviços é solução para conter a exploração dos recursos naturais e
OUTBOX
promover a equidade social. Mas há controvérsias
ERRATA:
Na reportagem “Gargalos do Vidro”, edi-
FSC 44 Iniciativas Com objetivo de reduzir riscos, empresas adotam métricas
ção 87, publicamos que o projeto "Glass
para aferir o valor econômico de recursos naturais e o grau de dependência dos
is Good" é de autoria da Owens-Illinois.
A REVISTA Página22 FOI IMPRESSA EM PAPEL CERTIFICADO, PROVENIENTE DE bens e serviços prestados pela natureza
REFLORESTAMENTOS CERTIFICADOS PELO FSC, DE ACORDO COM RIGOROSOS
PADRÕES SOCIAIS, AMBIENTAIS, ECONÔMICOS, E DE OUTRAS FONTES CONTROLADAS.
Na verdade, é empreendido pela Diageo
e realizado em parceria com a cooperati-
Página22, NAS VERSÕES IMPRESSA E DIGITAL,
ADERIU À LICENÇA CREATIVE COMMONS. ASSIM, SEÇÕES CAPA: BRUNO BERNARDI
va Vira Lata e a Owens-Illinois.
É LIVRE A REPRODUÇÃO DO CONTEÚDO – EXCETO
IMAGENS – DESDE QUE SEJAM CITADOS COMO FONTES A PUBLICAÇÃO E O AUTOR.
6 Notas 8 Antena 9 Web 10 Análise 14 Artigo 15 Artigo 22 Brasil Adentro 35 Artigo 43 Coluna 50 Última

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NOTAS
FINANÇAS

Por um sistema mais verde Olha isso! FABIO F. STORINO


Doutor em Administração Pública e Governo

E Bilhete premiado
m meados de agosto, o evento Siste- à economia verde e socialmente inclusiva.
ma Financeiro Nacional e a Economia No Brasil, o Pnuma encontrou como

D
Verde lançou a prévia de um conjunto parceiro a Federação Brasileira de Bancos
ois badalados restaurantes pari- sas indicando que, entre trabalhadores Não se trata apenas dos privilégios
inédito de estudos acerca do alinhamento (Febraban), que, por sua vez, escolheu o
sienses foram acusados em 2013 americanos, a diferença estética pode recebidos por quem possui “boa” apa-
do sistema financeiro com o desenvolvi- Centro de Estudos em Sustentabilidade
de discriminar seus fregueses representar uma diferença salarial de rência: Cameron reconhece que muitas
mento sustentável. Realizado em São Pau- da FGV-Eaesp (GVces), em parceria com a
pela aparência: enquanto os mais belos US$ 230 mil ao longo da carreira. pessoas são prejudicadas por sua apa-
lo, com 480 participantes, o evento tratou Resultante Consultoria Estratégica, para
recebiam as melhores mesas, à vista de Hamermesh suspeita que essa dife- rência. Em Nova York, a política do “Stop,
da atual alocação de recursos na “econo- executar esse conjunto de estudos.
todos, os menos esteticamente privile- rença possa ser resultado não apenas Question and Frisk” (parar, interrogar e
mia verde” brasileira, do quadro institucio- Além de mostrar o panorama dos recur-
giados eram relegados aos cantos e fun- de discriminação, mas do “retorno eco- revistar) chegou a abordar quase 700
nal e regulatório do País, e da relação entre sos investidos na economia verde brasilei-
dos do recinto. Os garçons que desobe- nômico” da beleza: consumidores pre- mil pessoas em 2011 e mais de 5 mi-
finanças e sustentabilidade em setores es- ra, entre financiamentos, empréstimos,
decessem à diretriz eram repreendidos, ferem vendedores mais bonitos, alunos lhões desde 2002, a maioria das quais
tratégicos, como agropecuária e energias investimentos e seguros, os estudos tra-
sob a alegação de que isso era ruim para avaliam melhor os cursos de professo- jovens negros e latinos. Em São Paulo,
renováveis (mais nas duas notas abaixo). çam uma linha do tempo com os principais
os negócios. res mais bonitos etc. (ver publicações a expressão usada entre policiais para o
Trata-se de uma contribuição à "Inquiry marcos de regulação e autorregulação da
Cameron Russell expõe o problema acadêmicas sobre o tema em goo.gl/ critério de quem é alvo de revista é ter
on the Design of a Sustainable Financial Sys- indústria financeira voltados para a sus-
de maneira clara: apesar de nossa apa- erpK0t). Beleza influencia até mesmo o “cara de B.O.”
tem" (em tradução livre, Consulta sobre o tentabilidade e ainda apresentam um con-
rência ser considerada superficial e – re- resultado de eleições, assunto para uma Diante desse quadro, Hamermesh
Desenho de um Sistema Financeiro Susten- junto de recomendações para uma agenda

WIKIPEDIA/COMMONS/BSB-BANCODOBRASIL
lativamente – imutável, ela possui imen- próxima coluna. levanta uma questão polêmica: a socie-
tável). Essa iniciativa, lançada em janeiro financeira verde até 2020.
so impacto em nossas vidas (ver sua dade deveria de alguma maneira pro-
pelo Programa das Nações Unidas para o A partir desse passo inicial, será possí-
palestra TED em goo.gl/HVqegu). Russell teger ou compensar (inclusive finan-
Meio Ambiente (Pnuma), tem como objetivo vel, por exemplo, criar históricos e bases
conhece bem um dos lados do problema: ceiramente) as pessoas mais feias, de
estimular, em diversos países e também em internacionais de comparação em relação
ela é uma modelo. Reconhecendo ser o maneira similar à qual protege (ou busca
nível global, inovações em políticas públi- a alocação de recursos. Confira as apre-
produto de uma loteria genética e de um proteger) outras minorias discriminadas
cas que possam acelerar a alocação de re- sentações completas em goo.gl/KeI7Av.

LEONIEKE AALDERS / FLICKR / APHRODITE OF MILOS / MUSEÉ DU LOUVRE


legado, possui as características físicas socialmente ou no mercado de trabalho?
cursos pelo sistema financeiro global rumo – Amália Safatle
socialmente desejadas nos dias atuais. Se sim, como tal política poderia ser im-
E Cameron foi beneficiada por isso não plementada de fato?
apenas profissionalmente: sua aparên- Enquanto não chegamos a um con-
cia já a livrou de multas de trânsito e até senso, o economista lembra que a so-
ENERGIA Crédito rural: mudança de cultura mesmo serviu de crédito para obter rou- ciedade, que desempenha um relevante
Brasil perde espaço em renováveis Financiar o setor que contribui para grande parte das pas quando esqueceu sua carteira. papel no problema (pois “demanda”
Apesar de as fontes alternativas de energia serem estratégi- emissões brasileiras de gases-estufa e ao mesmo tempo Mas os benefícios econômicos vão beleza), também pode ser parte da so-
cas em um cenário de crescente incerteza climática e tendência à combater a mudança climática: apesar da proposta inova- muito além de ganhar roupas ou es- lução. Se não devemos prejulgar as pes-
descarbonização da economia, o Brasil tem ficado para trás: ocupa dora do Programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC), a sua capar de multas. Daniel Hamermesh, soas pela cor de sua pele, tampouco de-
o pífio 1,4% do bolo mundial de investimentos, em comparação a taxa de execução é de apenas de 57%. Com base em dados economista da Universidade do Texas e veria entrar no cômputo de mérito o grau
2,8% da Índia e 26% da China. Os US$ 3,1 bilhões investidos pelo do Observatório ABC (observatorioabc.com.br), o estudo O autor de O Valor da Beleza, cita pesqui- de simetria de seu rosto.
País nessas fontes em 2013 mostram considerável queda em re- Papel do SFN no Desenvolvimento da Economia Verde iden-
lação a 2012 (US$ 6,7 bilhões) e a 2011 (US$ 9,5 bilhões): é o valor tificou obstáculos como os significativos custos de transa-
mais baixo investido pelo Brasil desde 2005. O baixo aporte em ção dos bancos privados junto ao BNDES e falta de base de
energia solar também chama atenção. Esses e outros dados cons- dados sobre a regularidade ambiental e fundiária das pro- ÁGUA
tam no relatório Global Trends in Renewable Energy Investment
2014 (ou Tendências Globais em Investimentos em Energias Reno-
priedades rurais, gerando insegurança jurídica e financeira.
Entre os ajustes que o estudo recomenda, destaca-se a
Corrida pela economia
váveis), produzido pela Frankfurt School-Unep Centre. mudança cultural na concessão do crédito rural – que tra- Maior produtora de aços longos e pla- A unidade de João Monlevade, em Minas do tratamento de efluentes e conscientiza-
Embora a matriz elétrica brasileira se destaque pelos 79,3% dicionalmente é voltado para itens concretos e específicos, nos da América Latina, a ArcelorMittal Bra- Gerais, uma das maiores plantas, tem meta ção dos empregados. Segundo a empresa,
em renováveis (principalmente grandes hidrelétricas), na matriz como máquinas, sementes e fertilizantes. Já o Programa sil superou a média de reaproveitamento zero de efluente, ou seja, sem descarte, a a maior motivação dos investimentos em
energética as fontes fósseis predominam com 55% (em especial ABC propõe uma mudança de paradigma, pois financia pro- da água entre seus pares do setor de aço. não ser vapor d'água. A unidade também recirculação não é de economizar dinheiro,
petróleo e gás natural), ante 45% de renováveis. Para reverter essa cessos de instalação de tecnologias e práticas que auxiliam Enquanto esse índice é 96%, a empresa reduziu a captação de 3.200 para 1.500 uma vez que os aportes superam a poupan-
situação e atrair investimentos, o estudo sobre o papel do SFN no na redução de emissões, atendendo a um objetivo de forma atingiu 98,28%. O volume reutilizado ou metros cúbicos por hora, por meio de ma- ça obtida com o menor gasto de água, e sim
desenvolvimento da economia verde faz uma série de recomenda- sistêmica e não isolada. (AS) reciclado durante 2013 foi de aproximada- nutenção e melhorias nos bombeamentos promover o uso sustentável de um recurso
ções, com foco no mercado e na agenda pública. (AS) mente 873,7 milhões de metros cúbicos. dos sistemas de recirculação, ampliação natural estratégico para suas atividades.

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ANTENA por Bruno Toledo por Thaís Herrero WEB
Mais inventários de emissões SINTONIZANDO PRATA DA CASA VALE O CLICK

Brasil a ser descoberto


P
PRÉ-ELEITORAL
ara muitos atores públicos e privados no de organizações cresceu 457%. Entre matri- Confira os destaques do ciclo
Neste momento pré-
Brasil, a gestão de emissões de gases de zes e controladas, as organizações-membro 2013 do Programa GHG:
eleitoral, o site Mídia e
efeito estufa (GEE) não é mais um desafio do programa publicaram 273 inventários este
Desmatamento na Amazônia
tão inusitado. Nos últimos anos, cada vez mais ano. Comparadas com as emissões nacionais MAIS EMPRESAS
(desmatamentonaamazonia.
empresas e instituições públicas identificam o de GEE em 2013, excluindo o setor de mudan- No ano passado, as
andi.org.br) dedica-se a uma
perfil de suas emissões por meio de inventá- ça de uso do solo e florestas, as emissões dos organizações do programa
cobertura mais profunda
rios, o primeiro passo para que se comece a membros do Programa Brasileiro GHG Proto- emitiram diretamente 92,4
sobre a região. Há um
traçar ações efetivas de redução e gestão. col representaram 8,9% desse valor (confira a milhões de toneladas de CO2
acompanhamento sistemático
A trajetória do Programa Brasileiro GHG evolução no gráfico publicado na versão digital equivalente (tCO2e), 29% a
sobre desmatamento, com
Protocol é um exemplo dessa tendência. Cria- desta seção, em fgv.br/ces/pagina22). mais que em 2012. Esse fato
a divulgação de propostas e
do em 2008, utiliza a metodologia GHG Pro- A qualidade dos inventários também au- se deve, principalmente, ao

BRUNO BERNARDI
declarações de políticos, como
tocol, desenvolvida pela World Resources mentou: dos 273 inventários de 2013, 48% são aumento proporcional do
os três principais candidatos
Institute (WRI), para capacitar empresas e go- completos e verificados por terceira parte, re- número de membros.
à Presidência da República e
vernos no Brasil na elaboração de inventários cebendo assim o Selo Ouro. Essa é a maior par-
ao governo do Amazonas, de

O
de GEE. O programa também incentiva essas cela de inventários verificados desde 2009, ESCOPOS
Brasil tem uma fonte de riqueza ainda mal explorada: suas áreas protegidas pela legis- Mato Grosso e do Pará.
organizações a publicar esses documentos de quando aqueles com Selo Ouro representa- Os inventários também
lação ambiental, como os parques nacionais, que poderiam ter o turismo como atividade
forma aberta, a partir de uma plataforma vir- vam apenas 9%. Somados com os inventários sistematizaram as emissões
impulsionadora de renda e desenvolvimento. Se as 1.800 Unidades de Conservação do JUSTIÇA À REALIDADE
tual, o Registro Público de Emissões. de Selo Prata (completos, mas não verifica- do escopo 2 (8,79 milhões
País expandissem as atividades turísticas, poderiam gerar uma renda de R$ 16,8 bilhões e 55 mil Ponte.org é um canal de
No início de agosto, em São Paulo, o progra- dos), 92% dos inventários apresentados em de tCO2e) e aquelas que
novos empregos por ano. Esses e outros dados fazem parte do estudo Unidades de Conservação informação sobre segurança
ma apresentou os resultados dos inventários 2013 são completos, ou seja, contabilizam to- ocorrem ao longo da cadeia
no Brasil: A contribuição do uso público para o desenvolvimento socioeconômico, produzido e lan- pública, justiça e direitos
de emissões referentes a 2013 de 128 organi- das as emissões de escopo 1 (referente a emis- de valor da organização,
çado em agosto pelo Instituto Semeia. O documento aponta as lacunas na governança de áreas humanos que dá visibilidade a
zações nacionais, espalhadas por 16 setores e sões diretas) e 2 (com emissões decorrentes chamadas de escopo 3
protegidas que as impedem de se tornar polos de atração de visitantes. questões omitidas pela mídia
57 subsetores da economia brasileira. do consumo de energia adquirida). ( 293,72 milhões de tCO2e).
A administração de parques em países como Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos é tradicional, como o caso do
Em um ano, houve aumento de 20% no nú-
Leia mais em “Sintonizando”, à direita. considerada modelo, segundo o estudo. A principal forma de gestão adotada nesses lugares, e jovem que, na versão da polícia,
mero de participantes e, desde 2008, o número ADESÃO
que poderia ser seguida no Brasil, é a parceria público privada, em que o governo daria conces- atirou contra a própria cabeça
As emissões de escopo 3 são
sões de atividades específicas, como pontos de alimentação e transporte interno.
Ferramenta vai monitorar impactos locais de Belo Monte de contabilização e relato
mesmo estando algemado
com as mãos para trás. É
Empreendimentos como a UHE Belo Monte, uma das maiores obras de infraestrutura da opcionais, mas 89% dos
Página22 entrevistou de Ana Luisa Da Riva, diretora-executiva do Semeia, que falou mais sobre o produzido por um coletivo de
história recente do Brasil, desencadeiam numerosas transformações no território nos quais membros contabilizaram
documento, as possibilidades de desenvolver o turismo no Brasil e os outros cinco estudos previstos jornalistas independentes
se inserem, alterando profundamente sua dinâmica política, econômica e social. Por isso, mais ao menos uma fonte de para serem lançados sobre a temática. Leia em fgv.br/ces/pagina22.
e tem apoio institucional da
do que acompanhar cada processo individual, é necessário lançar luz sobre as conexões entre emissão indireta.
Agência Pública de jornalismo
eles – entender de que forma as medidas compensatórias de impactos dialogam com as políti-
investigativo.
cas públicas, as ações da sociedade civil e com a visão de futuro que as próprias comunidades TRANSFORMAÇÃO
MUNDO AFORA
têm de si. Para tanto, o GVces desenvolverá ferramentas de monitoramento permanentes, Os setores mais
CATANDO ARTE
com informações acessíveis a todos, de forma a incentivar o fortalecimento da cidadania e a representativos foram os da Inspiração para cidades Legado da Rio+20 O Projeto Pimp My Carroça
maior participação social. indústria de transformação O People for Smarter Cities é um portal que Um dos encaminhamentos da Conferência
existe há dois anos e faz
Esse é o desafio proposto pela Câmara Técnica de Monitoramento do Plano de Desen- (32%), atividades reúne informações e pessoas que querem dis- Rio+20, realizada há dois anos, foi a criação do
sucesso por investir na
volvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX) à Fundação Getulio Vargas (FGV): criar financeiras e seguros (12%), seminar boas práticas ou aprender o que é pos- Centro Mundial para o Desenvolvimento Susten-
reforma e pintura de carroças
uma ferramenta de monitoramento on-line, interativa, periodicamente atualizada e de fácil e eletricidade e gás (9%). sível para fazer das cidades espaços melhores tável (Centro Rio+), com o objetivo de facilitar
dos catadores de materiais
compreensão para uso de todos os interessados, desde o gestor público até o cidadão comum. para se viver. Essa criativa comunidade serve a pesquisa, o intercâmbio de conhecimentos e
recicláveis, ajudando a
Essa ferramenta contará com três instrumentos principais, a serem desenvolvidos pela CONTA DE LUZ também como uma boa fonte de informação promover o debate sobre o desenvolvimento
valorizar o seu trabalho. A
FGV: indicadores de efetividade das condicionantes; indicadores de satisfação social, cons- O consumo de energia para líderes políticos ou empresários que bus- sustentável por todo o planeta.
fim de aumentar o impacto
truídos por meio de consulta e validação com atores locais; e um mapa de articulação e siner- elétrica dos membros do cam soluções para o espaço urbano. O centro foi estabelecido em 2013, mas só
da iniciativa, foi lançado um
gias das políticas públicas e ações governamentais, voltado para analisar gargalos e oportu- Programa representou Há colaboradores de diversos países pre- agora seu site foi ao ar (riopluscentre.org, em
canal no Catarse (canalpimp.
nidades de cooperação entre as instituições e os diferentes níveis de governo. 18,3% do total gerado no sentes no site dando informações de iniciativas inglês). Trata-se de um espaço de compartilha-
catarse.me) para que, por meio
A FGV manterá uma base de pesquisadores em Altamira (PA), que dialogará diretamen- País, descontada a parcela em áreas como educação, saúde, segurança pú- mento de análises, ideias e ações práticas que
de financiamento coletivo,
te com os atores locais na construção coletiva dessas ferramentas. Além disso, essa base utilizada para consumo blica, energia e construção, entre outros. O site busca um desenvolvimento sustentável e con-
artistas plásticos possam
manterá seis bolsistas da região – estudantes universitários que ajudarão os pesquisadores residencial. foi criado pela empresa IBM, que tem investido tém notícias, blogs e documentos produzidos
reformar carroças de outros
a compreender a realidade local. em tecnologia para cidades inteligentes. Acesse pelo centro (mais em entrevista com a diretora
catadores por todo o País.
em people4smartercities.com. adjunta, Layla Saad, à pág. 12).

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RICARDO ABRAMOVAY
análise Professor Titular do Departamento de Economia da FEA/USP
Blog: ricardoabramovay.com – Twitter: @abramovay

A bolha global de carbono


O patrimônio fóssil em mãos das empresas de petróleo, carvão e gás só se converterá em
riqueza se destruir o sistema climático. Um acordo para salvá-lo derrubaria os preços

O
s combustíveis fósseis são
fortes candidatos a ocupar o
epicentro de uma nova crise
financeira global. A avaliação
do jornalista Ambrose Evans-Pritchard
está baseada em uma série de entre-
vistas com influentes protagonistas do
setor de energia e em dois relatórios re-
centes sobre os impactos das negocia-
ções climáticas sobre estes mercados.
Tendo em vista que, do trilhão de reais
que, segundo o BNDES, devem ser in- não há indicações de que estejam pres- dá), exploração no Ártico, gás de xisto e
vestidos em infraestrutura no Brasil até tes a se tornar economicamente viáveis. busca em águas profundas no Brasil e no
2017, quase metade vai para o setor de Portanto, não há terceiro caminho: ou se Golfo do México. Essas fontes não con-
óleo e gás, o tema é de interesse estra- deixa sob o solo dois terços das reser- vencionais exigem um esforço (e, por-
tégico para o País. vas fósseis em poder dos gigantes da tanto, têm um custo) muito maior que as
O primeiro relatório é o da Carbon energia ou a elevação da temperatura convencionais. Elas só se viabilizam se o
Track Initiative , um grupo de trabalho global média chegará a um patamar em preço global do petróleo superar um pa-
dirigido pelo empresário, pesquisador que consequências como a seca atual na tamar em torno de US$ 75 o barril.
e ativista Jeremy Leggett e que ganhou Califórnia e os furacões Katrina e Sandy Mas, se houver um acordo interna-
imenso prestígio internacional mostran- são apenas pálidas expressões. cional para impedir a ruptura do sistema
do a existência de uma bolha de carbono É aí que ganha importância a dimen- climático, a consequência será a queda
(carbon bubble) no mercado global de são financeira da bolha de carbono: ape- na demanda e, portanto, nos preços dos
energia. A expressão tem um duplo sen- sar das evidências crescentes reunidas fósseis. O crescimento exponencial das
tido, físico e financeiro. pelos cientistas e do acordo interna- energias renováveis (a China dobrou sua
A bolha física está relacionada, evi- cional (aprovado em 2010, em Cancún, geração solar nos primeiros seis meses
dentemente, à mudança climática. Para México) de manter a elevação da tempe- de 2014, relativamente ao mesmo perío-
cumprir o objetivo de limitar a elevação ratura aquém de 2 graus, grandes em- do do ano anterior) também deve resul-
da temperatura global média a, no má- presas e seus financiadores continuam tar em menor demanda por fósseis. Por-
ximo, 2 graus, até o final do século XXI, enxergando nos fósseis uma extraordi- tanto, o risco financeiro em torno dessa
a quantidade de fósseis a ser queimada nária fonte potencial de ganhos. corrida à produção de fósseis é imenso.
pelo sistema econômico não pode ultra- A Agência Internacional de Energia O segundo relatório citado por Am-
passar o que corresponde à emissão de mostra que, globalmente, os investi- brose Evans-Pritchard e no qual se apoia
algo entre 900 e 1.000 gigatoneladas mentos em combustíveis fósseis do- a hipótese de crise financeira global,
de gases de efeito estufa entre 2010 e braram entre 2000 e 2008, quando se vem da consultoria Kepler Cheuvreux .
2050. Ocorre que o patrimônio fóssil estabilizaram em um patamar de US$ Ele calcula as perdas financeiras dos gi-
em mãos das empresas (em petróleo, 950 bilhões por ano. Isso representa, gantes da energia, caso um acordo para
carvão e gás) é quase três vezes supe- segundo relatório recente da organiza- preservar o sistema climático seja alcan-
rior a esse limite. ção Ceres , 3,3 vezes mais do que os in- çado. Nos próximos 20 anos, o prejuízo
É nesse sentido que há uma bolha de vestimentos em renováveis realizados seria de US$ 28 trilhões, dos quais US$
carbono: este patrimônio só se conver- em 2012. Nos últimos seis anos, os gas- 19,3 trilhões no setor de petróleo.
terá em riqueza se destruir o sistema tos globais na busca de fósseis foram de Os segmentos mais suscetíveis são
climático. Em tese, seria possível cap- US$ 5,4 trilhões. justamente os não convencionais: Ár-
turar e armazenar o carbono lançado Praticamente todo esse investimen- tico, areias betuminosas e águas pro-
na atmosfera: mas, até hoje, os custos to é feito em fontes não convencionais: fundas. De que maneira esses números
dessas operações são exorbitantes e areias betuminosas (sobretudo no Cana- se relacionam com nosso pré-sal é um
tema cuja discussão não pode ficar ape-
Mais em: goo.gl/8XwppF goo.gl/Afm0hv goo.gl/2PfpUX goo.gl/Rsw20O goo.gl/c2V8Ir.
nas entre especialistas.

10 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4
ECONOMIA VERDE
Papel a cumprir econômica e ambiental do desenvolvimento susten-
tável, incorporando os resultados da Rio+20], que
diários. Há agendas específicas de alguns países
que não podem esperar 15 anos. Há uma meta que
Para o Centro Rio+, há uma expectativa de que o Brasil protagonize a agenda tem relação com os ODM, e a um terceiro relatório tem a ver com as mulheres serem donas de terras,
sobre o comitê para o financiamento do desenvol- dentro do objetivo de combate à pobreza. É um pro-
pós-2015 representando o eixo Sul-Sul POR AMÁLIA SAFATLE COLABOROU MAGALI CABRAL
vimento sustentável. Esses três documentos se- blema gravíssimo no mundo. São mulheres muito
rão transformados em um relatório geral que será pobres da área rural que nunca serão proprietárias
Criado em 2013 para manter na ordem do dia os compromissos assumidos na Rio+20, o apresentado em setembro na Assembleia Geral da de terras, porque, em determinados lugares, até
ONU. Haverá um ano para as negociações intergo- os animais têm mais direitos que as mulheres. Essa
Centro Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, ou apenas Centro Rio+, já iniciou
vernamentais que decidirão o texto final da agenda. meta está colocada para o ano 2030, mas essas
atividades em um escritório na Ilha do Fundão, Zona Norte do Rio de Janeiro. Página22 A decisão será só em 2015. mulheres não podem esperar mais 15 anos.

conversou com a diretora adjunta Layla Saad que, em trecho da entrevista a seguir, afir-
Qual a eficácia de uma agenda com 17 objetivos e O que falta para o Brasil assumir uma posição
ma: “O nosso mandato é amplificar a voz dos países do Sul dentro do debate do desen- mais de 200 ações? Essa agenda deveria ser mais mais proativa na agenda pós-2015 e ser pro-
concisa? Quais os prós e contras de resumi-la? tagonista no eixo Sul-Sul? Como o Centro Rio+
volvimento sustentável”. Mais sobre o trabalho do Centro Rio+ em riopluscentre.org.
Se deixarmos a agenda muito ampla, ouvire- pretende agir em relação a isso?
mos críticas. Se tentarmos reduzir, também. Eu Em termos de ser protagonista no eixo Sul-Sul,
O Centro Rio+ tem como objetivo articular atores com o compromisso de publicar artigos sobre al- pessoalmente penso que tem de ser reduzida. A há uma expectativa em relação ao Brasil pelo que o
do setor privado, poder público e sociedade civil gum aspecto do desenvolvimento, mas de ter uma questão é que temos muitos problemas no mun- País fez até agora. Foi um dos países mais incisivos
em torno do desenvolvimento sustentável. Desses parceria de longo prazo. O nosso mandato é ampli- do e queremos colocar tudo no marco. Aí vira uma para que os problemas da pobreza e desigualdade
atores, quais impõem mais desafios e apresentam ficar a voz dos países do Sul dentro do debate do de- árvore de Natal. Fica bonito, mas... Uma das qua- fossem contemplados entre os objetivos. Acho isso
mais dificuldade de envolvimento? senvolvimento sustentável. Fazer isso em parceria lidades dos ODM era ser sucinto [com apenas oito proativo. Outros países – da África, por exemplo –
Envolver os atores não é a parte mais difícil. com a mídia será bem interessante. objetivos] e por isso mais fácil de monitorar. Quanto estão querendo fazer alianças e esperam para ver o
Quase todo mundo está falando sobre desenvolvi- aos ODS, eu mesma não consigo me lembrar dos 17. Brasil assumir essa liderança. No Centro Rio+ temos
mento sustentável nos governos, nas empresas e Ainda não está claro para muita gente a dife- desenvolvido um trabalho com o governo brasileiro
também na sociedade civil. O que é realmente difícil rença entre a agenda dos Objetivos do Milênio Talvez tenha como resumi-los escolhendo objeti- a fim de fornecer insumos e conteúdos para ajudar
é que esses setores partam para ações concretas (ODM) e a agenda do desenvolvimento susten- vos que, se alcançados, outros automaticamente nessa posição de liderança. O Brasil já é considerado
em relação a essa agenda. Se eu tiver de classificar, tável (ODS). Esta englobaria os Objetivos do também serão. Essa seria uma maneira? uma liderança na comunidade internacional, mes-
governo e setor privado são um pouco mais difíceis. Milênio que não foram atingidos, só que sob uma Sim, talvez em alguns casos. Esse é o resul- mo que não tenha liderado muito até agora.
O governo, ao ser responsável por construir todo o roupagem do desenvolvimento sustentável? tado de um processo bastante participativo, por
marco legal englobando a atuação e as políticas do Não importa chamar de ODM ou de ODS. O impor- isso ficou tão extenso. Como foram abertas por- É um líder até porque sediou a Eco 92 e a Rio+20?
setor privado. E também por ter de promover o en- tante é que, se não mudarmos o padrão do desen- tas para participação em nível regional, nacional, Sim, é uma liderança natural por essas razões
tendimento de que o desenvolvimento sustentável é volvimento, vamos continuar para sempre curando internacional, todo mundo quer que sua agenda e também porque convocou o Grupo Aberto de Tra-
relevante para o momento do País. A sociedade civil, apenas os sintomas de uma doença. Datas são rele- entre. Será um processo político dizer qual objeti- balho dos ODS, juntamente com a ONU. Além dis-
embora esteja envolvida, ainda é muito cética. Consi- vantes para incentivar as ações, e as metas que não vo será incorporado a outros. As pessoas que têm so, o Brasil é considerado muito bem-sucedido no
dera que a agenda, por ser internacional, é de outros. foram atingidas entrarão nos ODS. Os ODS tentam um conhecimento mais profundo se queixarão que processo dos ODM. Foi além e conseguiu aumentar
responder às prioridades da Rio+20, que têm a ver a agenda é muito minimalista. Essa foi a crítica feita objetivos e metas. É muito respeitado também por
E quanto ao setor privado, por que é difícil? com padrões de consumo, de produção, de energia, aos ODM. Mas esse será um marco só para estimu- suas políticas sociais e pelo grau de participação
Se envolvermos as empresas para realmente mas também de desigualdade. É uma agenda bem lar ações. Não é possível englobar o mundo inteiro social da sociedade civil. Por isso, tem poder e in-
mudarem o jeito de fazer as coisas dentro do core mais ampla que abrange aspectos sociais, econô- dentro de 17 objetivos. Não quer dizer que tudo que fluência no âmbito internacional. De origem egípcio-
libanesa, Layla
business, será muito interessante. Mas isso requer micos e ambientais e trata do modus operandi, de está fora do marco não importa. Saad nasceu no
uma grande mudança, porque o objetivo principal como serão implementados. É fundamental fazer a Como as pessoas podem fazer para se relacionar Chile e formou-
do setor privado é ganhar dinheiro. É difícil vender a diferença entre a agenda de pobreza, que era especí- Em um debate intitulado “Objetivos do Desenvol- com o Centro Rio+? Como o Centro pretende se se no Canadá em
Geografia Humana.
ideia de uma agenda que não deixa claro como a mu- fica dos ODM, de uma agenda que diferencia pobreza vimento Sustentável (ODS): o desafio de criar uma relacionar com atores brasileiros? Antes de ingressar
dança para a sustentabilidade aumentará os lucros. e desigualdade, específica dos ODS. rede de soluções”, Jeffrey Sachs afirmou que a Temos a plataforma eletrônica Rio Dialogues no Centro Rio+,
sociedade nunca esteve tão interconectada e ao (riodialogues.org/login). Qualquer um pode en- liderou o trabalho de
advocacy e parcerias
Qual o papel da mídia nessa articulação, para Ao todo, quantos objetivos são? Isso é um rascu- mesmo tempo tão perto do ponto de não retorno. trar. Agora em setembro vamos abrir [um canal do maior fundo
transformar tudo isso em uma questão mais práti- nho, poderá ser mudado? Sendo assim, 2030 não é um prazo longo demais na plataforma] para receber comentários sobre o mundial dedicado
ca? Que trabalho será feito em comunicação? Há 17 objetivos no último documento entregue para o cumprimento dos objetivos? documento final do grupo aberto de trabalho. Que- à implementação
dos Objetivos de
A mídia tem o poder de formar a opinião pública pelo grupo aberto de trabalho. O secretário-geral O discurso ambiental tem sido muito dominado remos ver a reação da sociedade civil brasileira em Desenvolvimento do
e promover a agenda. Para nós, é um papel funda- [das Nações Unidas, Ban Ki-moon] juntará esse por um pessimismo e um sensacionalismo do tipo relação a esse documento. Temos também reu- Milênio (ODM), o MDG
mental e gostaríamos de começar um trabalho de documento ao relatório da agenda pós-2015 [ob- “o mundo vai acabar”. Temos de trabalhar e tentar niões e seminários presenciais, mas a plataforma Achievement Fund
(MDGF)
parceria com algumas organizações. Não apenas jetivos e metas que incluirão as dimensões social, avançar. Mas acho fundamental ter prazos interme- consegue alcançar mais pessoas.

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artigo ROBERTO S. WAACK
Presidente do Conselho de Administração da Amata
LUÍS FERNANDO GUEDES PINTO
Engenheiro agrônomo e gerente de certificação agrícola do Imaflora artigo

Governança e externalidades Efeitos da certificação


O olho do dono engorda o boi... E também gera mais gases de efeito estufa Incentivo econômico é eficaz para a conservação da floresta, mostra estudo

A
metas anuais e relatórios contábeis tri-
conservação da vegetação certificados representaram, em média,
mestrais, por exemplo, podem induzir
nativa do Brasil permanece 35% da área total. As fazendas de café
rotinas a um horizonte temporal muito
como um grande desafio. certificadas, em Minas Gerais, possuíam
restrito, levando a uma construção ilu-
Ameaçada pela expansão da 10% de cerrado nativo, enquanto as não
sória de resultados e valor. Sistemas de
fronteira agropecuária, pela construção certificadas tinham apenas 0,4% da sua
remuneração e compensação de execu-
de infraestrutura, pelo crescimento eco- área com essa vegetação. E o cumpri-
tivos voltados para esses instrumentos
nômico sem planejamento territorial e mento do Código Florestal foi sempre
podem representar armadilhas.
pela governança insuficiente, as metas maior em fazendas certificadas, tanto
Isso também vale para gestores de
nacionais de redução do desmatamen- para os requisitos de Área de Preserva-
capital e investidores com expectativas
to, de emissões de gases que agravam o ção Permanente (APP) como de Reserva
de retorno de curto prazo. Nesses ca-
efeito estufa e de restauração da vegeta- Legal. A diferença também estava pre-
sos, o “boi gordo” será vendido, o resul-
ção ficam comprometidas. sente na maior restauração de matas

P
tado econômico apurado, mas as conse-
A complexidade para atingi-las re- ciliares em fazendas certificadas.
arece haver consenso de que central na gestão do valor das organiza- quências negativas de longo prazo não
quer um conjunto integrado de ações O efeito da certificação fica ainda
empresas causam externali- ções e, consequentemente, tornou-se serão incorporadas ao valor.
públicas e privadas, mandatórias e vo- mais evidente quando comparado a da-
dades. Por outro lado, não é um dos principais fóruns para lidar com Esse modelo tradicional tem sido
luntárias, de comando e controle e de dos médios nacionais da agropecuária
tão evidente o quanto essas o que afeta sua criação ou destruição. fortemente questionado pela sociedade
incentivos. No entanto, apesar da im- cumprimento do Código Florestal e a nacional, que apontam a continuidade
externalidades afetam o valor das cor- Não há como deixar de incorporar a ges- civil, por investidores com perfil de in-
portância da conservação da vegetação quantidade e a qualidade da conserva- do desmatamento em diversos biomas
porações, apesar do crescente número tão de externalidades em suas pautas. vestimento de longo prazo e por segura-
nativa para o cumprimento desses com- ção da vegetação nativa em fazendas de brasileiros, um déficit de Reserva Legal
de casos em que passivos legais ou in- No entanto, a relação entre acionis- doras e resseguradoras, crescentemen-
promissos, ainda faltam estímulos e ins- café certificadas e não certificadas do de 17 milhões de hectares em imóveis
tangíveis prejudicaram balanços e valua- tas e investidores nessa seara é reple- te afetadas por passivos ambientais.
trumentos econômicos que promovam a Cerrado de Minas Gerais. rurais e 30 milhões de hectares de APPs
tions (valor de mercado da empresa). ta de lacunas. Boa parte delas está em Projeções de externalidades no tempo
sua proteção, visando o cumprimento da Os números indicam que a certifica- às margens de rios ocupados com pastos
Ao afetar o valor, toca acionistas e conselhos disfuncionais ou na ausência afetam as equações de valoração em vá-
legislação ou mesmo sua superação. ção socioambiental já possui abrangên- e culturas agrícolas. Além disso, quase
mobiliza gestores de capital financeiro. completa de sistemas de governança. rias frentes: na monetização de capitais
O Código Florestal, aprovado em cia nacional, está em diversos biomas, metade das APPs das matas ciliares do
Estes, mais do que atingidos, são os res- Mesmo em organizações com boas prá- considerados intangíveis, no risco, na
2012, trata explicitamente dos mecanis- regiões e estados e em empreendimen- País tem uso agropecuário, percentual
ponsáveis finais pelos impactos causa- ticas, faltam mecanismos específicos tangibilização de passivos, nas questões
mos econômicos, mas estes ainda não tos de tamanhos variados, em escala que chega a 73% na Mata Atlântica.
dos por organizações nas quais detêm para uma abordagem ampla de exter- reputacionais e de marca, na estabilida-
foram regulamentados. comercial de cadeias produtivas de alta O principal papel da certificação e de
ou alocam recursos. nalidades. Instrumentos nesse campo de dos negócios e na atração de talentos.
Assim, o Instituto de Manejo e Certi- competitividade, como madeira, papel instrumentos voluntários de mercado é
A gestão de externalidades no mun- avançam, sustentados por uma sequên- O estágio emergente da incorporação
ficação Florestal e Agrícola (Imaflora) e e celulose, café, laranja, cana e soja. Os o de inovar e demonstrar soluções para
do empresarial acompanha a crescente cia de ações voltadas para identificação, de externalidades nas estratégias em-
um conjunto de pesquisadores de dife- resultados apontaram ainda que a certi- os desafios da sustentabilidade. Sua
importância de aspectos socioambien- qualificação, avaliação do grau de mate- presariais tem como consequência, em
rentes universidades avaliaram a contri- ficação tem contribuído com mudanças abrangência e escala têm sido capazes
tais no dia a dia das organizações. Da rialidade, quantificação e, sempre que muitos casos, maior dissonância de ex-
buição da certificação socioambiental, em direção à redução do desmatamento, de promover o debate público, pautar
área de recursos humanos ou de opera- possível, monetização dos impactos. pectativas entre aqueles que têm capital
como um instrumento econômico volun- promoção da restauração de matas ci- uma agenda de pesquisa e políticas pú-
ções, migrou para gerências dedicadas Um dos elementos centrais é o tem- financeiro alocado em empresas.
tário, para a conservação da vegetação liares e nascentes, aumento da conexão blicas, induzir mudanças na gestão e prá-
à responsabilidade social corporativa e po. Investidores, acionistas e gestores O espectro de possibilidades se
nativa no Brasil, e o resultado foi publica- entre remanescentes de vegetação nati- ticas de produção no campo, em cadeias
para as diretorias. Mais recentemente, tendem a priorizar o curto prazo. Mas amplia. O alinhamento com demandas
do na série Sustentabilidade em Debate, va e da oferta de hábitat para a biodiver- produtivas nacionais e internacionais.
foram incorporadas ao arsenal básico surgem cada vez mais exemplos em da sociedade, com poder crescente na
inaugurada recentemente. sidade em propriedades rurais. A superação do desafio maior, to-
de CEOs. Acionistas e investidores, há empresas do mainstream que vão na di- licença para operação, é cada vez mais
Analisamos a abrangência da imple- Os dois sistemas de certificação es- davia, será alcançado apenas quando
até pouco tempo, “escondiam-se” atrás reção oposta. Paul Polman, CEO da Uni- complexo e relevante. A busca de con-
mentação no Brasil da certificação flo- tudados – o FSC, florestal, e a RAS, para incentivos e instrumentos inovadores,
do desempenho de seus executivos. lever, ressalta a importância do longo senso entre acionistas e investidores
restal Forest Stewardship Council (FSC) agricultura – englobam mais de 1,5 mi- como a certificação, forem coordenados
Mas a “bomba” dos passivos acaba prazo, do vínculo com causas, da visão resulta frequentemente em um mínimo
e do sistema de certificação agrícola lhão de hectares dedicados à conserva- com políticas públicas, que têm o papel e
estourando no valor e atingindo seus sistêmica e da relação com a sociedade. denominador comum, sem espaço para
da Rede de Agricultura Sustentável – ção, e os empreendimentos certificados a responsabilidade de solucionar, defini-
bolsos. Já os negócios inovadores, fun- Em grande parte das situações, re- uma abordagem ampla das externali-
Rainforest Alliance (RAS). Considera- respondem por uma área de vegetação tivamente, a questão do relacionamento
damentados em externalidades posi- sultados de curto prazo não estão ali- dades. As valorações acabam sendo
mos as mudanças causadas pela imple- nativa maior do que os de seus vizinhos. equilibrado entre a produção agropecuá-
tivas, são os que mais têm resultados nhados com os de longo prazo. Há gran- incompletas, modelos de negócios ge-
mentação desses sistemas em relação Tanto na Mata Atlântica quanto no ria e a conservação da natureza.
promissores. de arte na compatibilização do elemento radores de externalidades positivas não
à conservação da vegetação nativa e Cerrado, as áreas de conservação de O trabalho pode ser acessado na ínte-
Investidores e acionistas costumam temporal na gestão e construção de va- avançam, e aqueles com fortes impac-
fizemos estudos de caso avaliando o vegetação nativa dos empreendimentos gra em goo.gl/c4DmjG .
agrupar-se em conselhos de adminis- lor das organizações. tos negativos sobrevivem. Mas o fato é
tração para direcionar e monitorar suas Os modelos de gestão e incentivos que os responsáveis finais pelos gases Autores do trabalho: Luís Fernando Guedes Pinto e Elisa Hardt, pesquisadores do Imaflora; Rozely Ferreira dos Santos, professora associada da Unicamp; Jean Paul Metzger,
professor titular do Departamento de Ecologia da USP; Gerd Sparovek, professor titular da Esalq-USP; e Edoardo Borgomeo, doutorando da Universidade de Oxford.
empresas. A governança corporativa é são críticos nesse jogo. Planilhas de dos bois estão cada vez mais evidentes.

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ENTREVISTA CARLOS EDUARDO YOUNG

Os responsáveis pelo pato


POR AM ÁLI A SAFATLE E M AGALI CABRAL FOTO FABRÍ CI O PI M ENTEL

Trocando em miúdos, internalizar externalidades significa responsabilizar os causadores do problema.


“Significa que, em vez de todo mundo pagar o pato, que pague o pato quem é responsável por ele”, explica,
didaticamente, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Carlos Eduardo Frickmann Young,
um estudioso da Economia do Meio Ambiente. Mas, se a teoria parece fácil, a prática depara-se com
questões que fogem à técnica e dependem da política. Para ele, falta interesse em precificar os custos
socioambientais, pois os projetos ficariam menos atraentes e com menor visibilidade.
Young dá como exemplo a crise hídrica. “Se as externalidades envolvidas na questão da gestão da água
fossem incorporadas pelos governos estadual e municipais de São Paulo, o estado paulista estaria viven-
do sob esse caos hídrico de hoje? Não. Porque não dá uma visibilidade tão grande investir em eficiência de
sistema e em serviço ambiental, incluindo o reflorestamento das matas ciliares”, afirma.
Defensor do crescimento econômico, Young vê na inovação e na sociedade do conhecimento o caminho
da economia verde – que não vencerá o jogo sozinha, precisa ser estimulada por políticas específicas.

Professor associado do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e
Desenvolvimento na linha que contempla biodiversidade, recursos naturais e culturais. Publicou diversos trabalhos sobre comércio e meio ambiente,
economia do desmatamento e valoração de recursos naturais

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CARLOS EDUARDO YOUNG

Internalizar as externalidades no preço dos


produtos pesaria sobre os mais pobres,
fica que o custo é socializado, é pago por outros. A
externalidade não é paga com a internalização. O
todos. Mas. o.k., voltando ao exemplo da água. Se
faço um sistema de cobrança pelo uso de água, é A política é ótima quando
o benefício coletivo se torna
tornando os produtos e serviços mais que se faz com a internalização é responsabilizar o verdade que as pessoas pagarão mais pela água.
inacessíveis a quem tem menor poder causador do problema. Internalizar externalidades Contudo, haverá uma racionalização desse uso,
aquisitivo? E que impactos teria na inflação? significa que, em vez de todo mundo pagar o pato, com menor desperdício, tornando o uso, do ponto
A externalidade não é um custo inventado, ela está
aí, ela existe. Não é o economista que inventa a ex-
que pague o pato quem é responsável por ele.
Se existe uma externalidade que afeta um deter-
de vista econômico, melhor. Os grandes desperdi-
çadores deixarão de desperdiçar. Uma pessoa que
superior à perda individual
ternalidade, ele apenas a enxerga. A poluição, a fal- minado espaço, como o geográfico, que afeta uma tem possibilidade de racionar vai fazê-lo. Isso con-
ta d’água, o esgoto, as consequências da mudança área da cidade, a externalidade está embutida no siderando que a falta de água é um problema. Aí sobem à mesma taxa e se o meu rendimento cresce
climática, o câncer estão aí. Isso para falar das ex- custo daquela área. Esse custo será internalizado entra a hipocrisia da história. Usa-se o argumento à mesma velocidade com que crescem os custos,
ternalidades negativas, depois podemos falar das por quem vive na região. Quem puder evitar esse de que haverá um perdedor para justificar a não co- eu fico igual, só muda o numerário, a quantidade de
positivas, como os serviços ambientais. Em Econo- custo o fará. A sociedade faz com que haja uma brança, com isso o grande usuário fica isento disso. zeros que eu vou botar na conta. O problema são
mia Ambiental, o “desserviço ambiental” é a exter- maior procura pela área sem externalidades nega- Busca, então, a desculpa social de que o mais pobre os preços relativos, os preços de um produto em
nalidade negativa. Então, quando falamos em me- tivas e uma menor procura pelas áreas com. Em terá de pagar mais caro. relação ao outro. É disso que a gente está falando.
dir a externalidade, estabelecendo como métrica uma sociedade na qual a distribuição de renda não Vamos pensar no sistema de água como um todo, Quando elevo o preço do combustível, eu penali-
um preço de mercado, estou simplesmente vendo é homogênea, o indivíduo com maior disposição a não apenas o abastecimento, mas também o sa- zo o consumidor do combustível do automóvel – e
um problema e vou comparar com outro problema. pagar optará por uma área com menos problema neamento, na hipótese de haver uma cobrança também quem produz o automóvel. Mas, se essa
A mensuração da externalidade é uma tentativa de mobilidade, poluição etc. Ou seja, as externa- adequada pelo uso da água que incluísse a disposi- medida é eficaz para reduzir o uso do transporte
de estabelecer um grau de relevância dessa perda lidades estão embutidas no valor dos imóveis, no ção dessa água. As pessoas pensam na água até a que não de massa, eu terei um benefício de ganho de
com outros valores econômicos. E para isso a gente valor de aluguéis de áreas como a Zona Sul do Rio. torneira, mas não depois que dão a descarga. En- mobilidade. Se o benefício da redução de gases po-
faz a valoração. Uma besteira, desculpe o termo, é A presença da externalidade deprecia os espaços tão, é preciso pensar em uma cobrança integrada. luentes atmosféricos, do tempo de deslocamento
dizer que, com a valoração, se faz uma “commoditi- sociais. Um imóvel localizado próximo a um lixão A água contaminada pelo esgoto, até chegar no e do índice de congestionamento superar o custo
zação” da natureza, vamos transformar a natureza custará bem menos que outro idêntico, mas locali- mar, passa por áreas em que vivem as comunida- privado do consumidor de combustível e do produ-
em um grande mercado que vai excluir os pobres. zado longe do lixão. A sociedade, de um jeito ou de des pobres. Quanto mais suja for a área, mais des- tor de automóvel, essa política é ótima – o benefício
Balela. Nunca li um texto conceituado que mostras- outro, já precificou isso. valorizada será e mais pobre será o residente que coletivo torna-se superior à perda individual.
se isso. A teoria diz: valoração da externalidade diz aceita morar lá. A poluição é regressiva, ou seja,
respeito a medir a importância dessa perda. Porque, Ou seja, a precificação já está acontecendo e quem paga mais são os mais pobres. Se houver Desde que a gente consiga medir esse
se esse custo existe, alguém está pagando. Quem prejudicando os mais pobres? uma cobrança que melhore a qualidade da água, benefício coletivo, para não ficar abstrato.
paga as externalidades do Pergunte a quem gasta 4 a 5 quem vai se beneficiar é quem está recebendo (so- A valoração existe há 50 anos, no mínimo. Não há
problema da mobilidade, pe- horas por dia no transporte, frendo) a externalidade. nada novo nisso. O Banco Mundial já lidava com essa
gando ônibus lotado em um
superengarrafamento, não
A poluição é ou vive próximo a um lixão,
ou perto do barulho dos Precificar as externalidades, ao encarecer a
história nos anos 1980.

é a pessoa que está usufruin- regressiva, quem aviões. economia marrom, fará com que a economia Em que estágio estamos nessas pesquisas?
do do ar condicionado no seu verde se torne relativamente mais barata? Avançaram significativamente?
automóvel. Uma colega sua, paga mais são Mas, voltando à pergunta A primeira expressão da precificação é a medição, No mundo, sim; no Brasil avançaram muito pou-
de um grande jornal de São
Paulo, disse que, se houves-
os mais pobres inicial, se a gente calcula
o valor da pegada hídrica,
que é um avanço, mas não é suficiente: conhecer o
problema não o resolve, apenas facilita que solu-
co. Por quê? Porque há pouca demanda. Não há
interesse em medir externalidades, porque isso
se um transporte público de por exemplo, e embute ções sejam criadas. A segunda possibilidade é, de tornaria essas atividades menos atraentes. Caso
qualidade que oferecesse o mesmo grau de con- esse valor no preço dos produtos, estes fato, a internalização da externalidade: eu estabe- se tornassem menos interessantes, os projetos
forto do carro, deixaria de usá-lo. Óbvio: não existe ficariam ainda mais inacessíveis para os mais leço uma cobrança sobre o dano que foi gerado, ou alternativos ficariam mais atrativos. Vou pegar o
transporte público que dê o mesmo grau de confor- pobres, e isso não reforçaria a desigualdade? seja, cobro o responsável por isso. O que percebo caso do PAC. Houve interesse em medir as exter-
to do individual. Eu não conheço. Em qualquer lugar Não, ao contrário. Se eu estabeleço, por exemplo, é que, sob o argumento falacioso de que internali- nalidades associadas aos grandes projetos de in-
do mundo, você tem de andar, pegar fila, vai estar uma restrição fiscal ao uso individual do automó- zar a externalidade penaliza o pobre, acabo crian- fraestrutura? Não. Infelizmente nós vivemos em
cheio na hora do rush... por isso preciso penalizar o vel por pedágio urbano, aumento do IPVA e criação do uma justificativa para manutenção do status um regime político em que o poder se apresenta de
transporte individual, para criar um benefício para de taxa específica, eu penalizo o usuário do auto- quo, em que a perda para o mais pobre é mais alta uma maneira independente da questão técnica. Se
quem usa o público. Quem sofre as consequências móvel. Contudo, o beneficiário dessa medida seria pela externalidade gerada que a eventual perda as externalidades envolvidas na questão da gestão
das emissões, da mudança do clima, usualmente toda a população que se move. privada que ele terá, pelo preço mais alto daquilo da água fossem incorporadas pelos governos es-
contribui muito pouco para esse problema. que vai consumir. tadual e municipais de São Paulo, o estado paulista
Mas vamos tomar como exemplo um produto Alguém pode argumentar que, se eu considerar a estaria vivendo sob esse caos hídrico de hoje? Não.
Essa, inclusive, é uma definição de que seja usado por todos, como a água, pois internalização das externalidades, a estrutura de Porque não dá uma visibilidade tão grande investir
externalidade, certo? não é todo mundo que tem automóvel. preços seria diferente. Não estou preocupado com em eficiência de sistema e em serviço ambiental,
Essa é “a” definição. Externalidade negativa signi- O automóvel é de poucos, mas a mobilidade é de a inflação propriamente dita. Se todos os preços incluindo o reflorestamento das matas ciliares.

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CARLOS EDUARDO YOUNG

Não sou cientista político, não tenho dados, mas


é comum nas discussões sobre financiamento de
outras? Por que não temos um sistema efetivo de
cobrança pelo uso da água? Porque não interessa
manifestação pública ou protesto contra a redução
do IPI do automóvel, vocês viram? É um equívoco achar que a
economia verde vai reduzir o
campanhas políticas atribuir um grande peso às à sociedade como um todo ou não interessa aos
contribuições das construtoras. Se o seu objetivo é agentes públicos? Aí você terá de entrar em uma Não, só no meio ambiental mesmo é que
maximizar receitas de campanhas políticas, é mui- discussão que não é minha especialidade, que é a houve críticas.
to melhor que você faça grandes obras que tornem
esse seu projeto atraente, para que essas em-
Ciência Política. Por que tivemos uma operação da
lei florestal contrária às pesquisas de opinião ni-
Os economistas que eu conheço que lidam com a
questão ambiental são contra a redução do IPI para
PIB. Quanto mais PIB, melhor
presas ligadas às grandes obras financiem você. tidamente para desenvolver o agronegócio, igno- o automóvel e o subsídio à gasolina. Eu não conheço
O pagamento por serviço ambiental de pequenos rando as suas externalidades? Por que os agentes um único que seja favorável, e isso não impediu que negativas do caminho predatório e mostrar as
produtores rurais não vai dar o mesmo retorno. públicos não agem necessariamente em prol dos a medida fosse tomada por razões inclusive elei- possibilidades de empregabilidade do caminho al-
Isso faz parte da agenda política em todos os níveis interesses coletivos e sim de lados específicos? torais. Mas não é por causa do “pensamento eco- ternativo de uma economia cada vez mais baseada
da administração pública brasileira. Se não há in- São questões para os cientistas políticos. Por que nômico”. Na verdade, não existe “o“ pensamento em conhecimento e cada vez menos em extração
teresse em resolver o problema, não há interesse temos esse problema de representação torta no econômico, a Economia é um campo de debate de predatória de recursos naturais, mais atividades
em medir o problema. Daí a falta de interesse na Congresso Nacional? Por que o tema ambiental ideias. Isso é outra grande balela, as pessoas dizem vou gerar. Vou gerar mais empregos e de melhor
valoração das externalidades. aparece com muito mais importância nos debates que é preciso ter uma “mudança de paradigma”, que qualidade. E, segundo a minha conta, fazendo uma
em geral da população e ao mesmo tempo é tão “têm de deixar de ser consumistas”. Tá, então muda simulação para a economia brasileira, isso bate.
Em outros países onde os estudos se sub-representado pelo corpo legislativo brasilei- as pessoas. Se as pessoas não fossem tão consu- A economia verde gera melhor PIB. E gera mais
encontram mais avançados, não tem esse ro e no próprio Executivo? E aqui a minha medida mistas, os shoppings estariam menos cheios, é PIB através da inovação. A economia verde é aque-
mesmo problema do interesse? é o orçamento, que tem uma participação relativa verdade. Mas existe muita gente falando besteira la que incorpora o conhecimento e os serviços na
Em todos os países do mundo há problemas de inte- declinante nos gastos públicos. E por que a socie- em nome da Economia do Meio Ambiente, a come- atividade econômica. O que gera mais emprego?
resse, contudo o grau é menor. Onde as técnicas de dade permite isso? Eu tenho intuições, mas não sou çar da ideia de PIB, totalmente equivocada. Ocupar predatoriamente o espaço urbano em um
valoração são mais empregadas é justamente onde a pessoa certa para responder a essas perguntas. O maior equívoco é achar que a economia verde vai modelo de habitação permitindo que se construa
há sistemas de internalização das externalidades. reduzir o PIB. PIB não é problema, PIB é solução. casas de qualquer jeito nas encostas, ou um grande
Se vou estabelecer um sistema de pedágio urba- E além disso existe um pensamento Quanto mais PIB, melhor, pode escrever aí. Nós só plano nacional de recuperação e reconstrução da
no, como existe em Londres, eu preciso precificar econômico mainstream que não considera resolveremos problemas de sustentabilidade com cidade, com estrutura adequada e saneamento? Se
essa cobrança. Onde existe, de fato, um mercado a economia com um subsistema do meio aumento do PIB, ponto-final. Porque eu sei que au- eu for reconstruir a cidade, vou gerar emprego pra
de carbono, como na União Europeia, eu preciso dar ambiente? Esse seria um outro fator? mento do PIB, Produto Interno Bruto, significa au- caramba e uma externalidade melhor.
um preço à tonelada de carbono. Existe uma neces- O que você chama de pensamento econômico? O mento da atividade econômica. Como eu aumento O que gera mais emprego? Uma agricultura preda-
sidade de estimar o benefício pensamento dos economis- a atividade econômica? Com mais emprego e com tória com maior uso possível de área e de agrotó-
da política para estabelecer tas ou o dos que tomam deci- mais produtividade. Eu quero pleno emprego e xicos, altamente mecanizada, ou uma agricultura
o valor da cobrança, como
a do uso da água ou como a
Se não há interesse sões ligadas à economia? quero aumento da produtividade. Mas quero um
aumento de produtividade que resulte na maior
na qual a mão de obra volta a ser valorizada, com
maior intensidade de trabalho? Ah, o produto orgâ-
cobrança pela disposição do em resolver o Os dois. geração de valor pelo menor uso de recurso, uma nico é mais caro. Claro, ele tem maior valor agre-
resíduo sólido. Em outros ca- Mas são coisas diferentes. economia cada vez mais desmaterializada, que é a gado, ele adiciona mais no processo. Ele adiciona
sos, aconteceu um vazamen- problema, não há O economista não decide a economia do conhecimento, da inovação. Eu quero externalidade positiva.
to de petróleo, eu preciso es-
tipular o valor da indenização
interesse em medi-lo economia. O economista não
manda em nada.
que o PIB aumente e não diminua. O caso da indústria: vamos nos especializar em
commodities intensivas em emissão, ou em produ-
a ser paga pelo responsável. Entra na questão da qualidade do PIB? tos intensivos em tecnologia e mão de obra? A Eu-
E, principalmente, na análise de projetos como am- Não manda, mas na nossa área, por exemplo, Exatamente, o PIB não deve ser maior apenas, pre- ropa não quer produzir qualquer coisa, ela manda
pliação de um aeroporto, uma rodovia. Isso é praxe existem pouquíssimos economistas que cisa ser melhor. pra China. Isso não tornou a economia europeia me-
nos países desenvolvidos. Não existe a ingenuidade falam sobre sustentabilidade, é até difícil nos industrializada. O PIB não está caindo por isso.
de que isso vai resolver o problema político, mas o jornalista encontrar fontes. Na maioria E como é que se ganha esse debate na
colabora na tomada de decisão para que a socieda- das vezes, o conhecimento econômico é sociedade? E o papel do poder público nisso?
de decida o que é melhor para ela como um todo e gerado como se não houvesse uma questão Mostrando que o caminho da economia verde gera Economia verde, na minha opinião, é um caminho al-
não apenas para os indivíduos. ambiental acima de tudo. mais renda e melhor emprego que o caminho da ternativo, uma possibilidade que não vai acontecer
Não é porque as pessoas não assistiram à minha economia marrom. Inclusive tenho um trabalho so- espontaneamente. Ela precisa ser induzida, precisa
O Brasil reúne base de dados suficiente para aula ou não leram o que escrevi – digo isso como bre isso (leia artigo publicado em goo.gl/mgtfFD). de políticas específicas, incluindo a internalização
fazer estudos de valoração ambiental? A um dos economistas que falam sobre sustentabili- das externalidades, que levem a uma produção
falta de dados impede avanços maiores em dade – que vão tomar a decisão que tomaram. Elas Seria mostrando as externalidades positivas econômica com maior agregação de valor através
pesquisas, estudos? vão continuar tomando a mesma decisão, porque da economia verde, em vez de só mostrar as da incorporação da inovação e do conhecimento
Não tem interesse para isso. Por que o orçamen- não levam isso em consideração. A sociedade opta negativas da economia marrom? no processo produtivo. Produtos que não serão os
to da área ambiental é minguante em relação às por ter um carro mais barato. Eu não vi nenhuma Exatamente. Se eu considerar as consequências mais baratos, mas serão melhores.

20 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4 21
brasil adentro SÉRGIO ADEODATO
Jornalista

A nova “onda” dos pataxós


Lideranças indígenas engajam-se em projeto de restauração florestal que pretende atingir
toda a cadeia produtiva e reverter os estragos causados pela exploração ilegal

N
a primeira – e única – ba- Monte Pascoal, sobreposto à reserva
forada, o mundo “girou”. A dos pataxós. A solução para mudar o
tontura foi como uma role- quadro, proposta por uma ONG local, a
ta que roda várias vezes até Natureza Bela, e abraçada pelas lideran-
parar no número da sorte grande – sim, ças indígenas, foi fazer a restauração
a sorte de vivenciar com os nativos um florestal com plantio de mudas nativas,
momento de transformações da realida- iniciada há três anos em 220 hectares
de local. O “cachimbo da paz”, abastecido nas aldeias Boca da Mata e Meio da Mata.
com capim de aruanda, folha de jurema A iniciativa recebe apoio do BNDES, com
e resina de amesca, integrava um ritual recursos de R$ 3 milhões, destinados a
fechado entre os índios pataxós para serviços como capacitação dos índios
proteção contra maus espíritos. Mas a por especialistas da Universidade de São
aromática fumaça sagrada tornou-se Paulo e instalação de viveiros.
“produto turístico” e dissipou-se quando Para formalizar a produção e as ven-
as portas das aldeias foram abertas ao das, as comunidades montaram uma
assédio dos forasteiros na região de Por- cooperativa que mistura “replantio” e
to Seguro, litoral sul da Bahia. “pajé” no nome – Cooplanjé –, hoje com
Já faz algum tempo, a tradição das 102 integrantes, esperançosos de daqui
rezas, danças e pinturas do corpo virou a alguns anos só tirar madeira das ár-
meio de sustento. Hoje, o dilema de as- vores que plantaram, como da espécie
sociar a cultura indígena ao consumo do tudo. Na margem das estradas, banqui- Acacia mangium, de origem australiana
“homem branco” recai sobre novas fren- nhas que vendem gamelas e outros ob- e de bom rendimento para o artesanato.
tes, com destaque para a exploração flo- jetos de decoração feitos com madeira Enquanto isso, o barulho das mo-
restal. Em especial o corte de árvores da de lei dão pistas sobre o que acontece na tosserras permanecerá. Uma em cada
Mata Atlântica, já castigada ao extremo Mata Atlântica por trás daquelas monta- quatro famílias sobrevive da atividade,
naquele trecho do litoral onde Pedro Ál- nhas à beira-mar: desmatamento. em condição social degradante. Quan-
vares Cabral “descobriu” o Brasil. Estima-se que pelo menos 6 mil ár- do constataram a realidade em campo,
Não faltam motivos para a nossa via- vores nativas são derrubadas por ano técnicos do BNDES perceberam que o
gem “Brasil adentro”, nesta nova coluna para essa finalidade, envolvendo cerca projeto deveria atingir toda a cadeia pro-
de Página22, começar pela terra dos de 300 artesãos. Os índios recebem um dutiva, incluindo coletores de sementes
pataxós no entorno do Monte Pascoal e, décimo do preço final de venda aos tu- e compradores de mudas. A região está
de lá, seguir pelos quatro cantos do País, ristas e são compelidos a derrubar mais incrustrada no coração de um corredor
na rota de diferentes paisagens, realida- para aumentar a renda. Como uma nova de biodiversidade que é alvo de um pla-
des e histórias de vida, percorrida em 30 árvore demora 20 ou 30 anos para cres- no do Pacto para Restauração da Mata
anos de trabalho jornalístico, na linha do cer, a floresta chegou à exaustão, com Atlântica para dobrar a floresta nativa
desenvolvimento local. a necessidade de ir cada vez mais longe que restou no bioma. Além disso, a ade-
Neste ponto de largada na Bahia, o para cortar a madeira. quação das propriedades rurais ao novo
cenário mistura floresta, sol, mar, diver- Nessas condições, provavelmente o Código Florestal deverá movimentar os
são, patrimônio histórico, conhecimento recurso faltará para o sustento do povo negócios do reflorestamento.
tradicional e também impactos socioam- indígena no futuro. E ainda existe a amea- Que cachimbo que nada. A “viagem”
bientais – um mosaico que este ano ficou ça dos incêndios florestais, causados atual dos pataxós está no conserto dos
mais conhecido dos brasileiros, por con- por queimadas nas roças, sem falar da estragos que eles próprios e os madei-
ta da seleção de futebol da Alemanha, criação de gado, que implica mais derru- reiros ilegais causaram à mata. E assim
que lá se hospedou, adotou a estratégia bada de árvores para abrir pastagem e as aldeias poderão entoar o canto que
de interagir com a comunidade e se tor- fazer estacas para cercas. chama as forças da floresta: Eu fui no pé
nou campeã do mundo. Com um agravante: tudo ocorre den- da jurema/ Eu vi o índio cantar/ Vamos tra-
Jornais e canais de televisão de todo tro de uma Unidade de Conservação de balhar meu povo/ Para Deus nos ajudar/
o planeta, no entanto, não mostraram proteção integral: o Parque Nacional do Henawê heyná heiá, henawê heyná heiá.

22 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4
RETRATO

Além da arena
FOTOS GUSTAVO MINAS/SELVASP

Sem pauta predefinida, o fotojornalista Gustavo Go-


mes, do coletivo de fotografia de rua SelvaSP, saiu em
caminhadas pelo bairro de Itaquera, Zona Leste paulis-
tana, captando os contrastes e a complexidade de uma
região vibrante e em plena transformação. Faltavam
dois meses para o início dos jogos da Copa do Mundo no
estádio-padrão-fifa que talvez sirva de símbolo maior
dos contrastes da região e de uma das muitas metáfo-
ra da desigualdade social no País.

Tempos depois de finalizada a festa mundial e do quase


meio milhão de dólares gastos na construção da nova
arena, a vida segue na precariedade do mundo de fora,
aquele da condução, da ocupação por moradia, das fa-
velas que resistem a menos de 1 quilômetro do estádio,
do saneamento que não chega. Até a próxima festa?

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REPORTAGEM CAPA

Parece, mas não é


Empresários, pesquisadores e governos buscam formas
de trazer à luz as externalidades – reflexos negativos ou
positivos de uma atividade que são sentidos por aqueles
que pouco ou nada contribuíram para gerá-los. Precificá-las
significa mostrar a economia em seu tamanho mais real
POR DIEGO VIANA FOTO BRUNO BERNARDI

Q
uanto custariam a televisão, o tê- corporar aos preços as chamadas externali-
nis e o carro que compramos se dades, que até hoje permanecem à margem
neles estivessem contados todos da precificação. Para isso, é necessário não
os custos que implicam, e não só o apenas mobilizar as ferramentas da ciência e
que seus fabricantes gastaram? Se da economia, mas também mudar o vocabu-
a construção de condomínios fechados eli- lário e o modo de encarar a natureza.
mina o comércio de rua e inibe a circulação Diversas organizações já se adiantam
de pedestres de uma cidade, por que esse para ocupar um espaço nesse novo mundo.
impacto negativo não aparece no preço dos Companhias como a britânica Trucost ofere-
apartamentos? Se uma multinacional do cem a grandes e pequenas corporações uma
agronegócio exporta, com sua soja, nutrien- base de dados com a qual podem estimar seu
tes do solo e quantidades cavalares de água, impacto sobre a natureza; no Brasil, a Bolsa
por que ela não tem de pagar por isso? Verde do Rio de Janeiro (BVRio) abre espaço
Designam o fluxo
Essas perguntas têm ganhado espaço para negociação de créditos ambientais. A de benefícios que
cada vez maior. Com a crise ambiental e seus empresa Biofílica, de São Paulo, comerciali- o capital natural
fornece ao ser
efeitos para a sociedade, empresários, pes- za serviços ambientais, com vistas à con-
humano
quisadores e governos buscam formas de in- servação de florestas.

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CAPA

Porém as tentativas de calcular os custos


escondidos resultam em números assusta-
como “estoque de ativos ecológicos vivos que
fornecem bens e serviços continuamente” , ou
Serviços ambientais de artigos esportivos Puma, que desde 2011
publica um relatório do impacto ambiental

equivalem ao dobro
de toda a sua cadeia de produção (mais na re-
dores. Uma equipe liderada pelo economista seja, a produção de recursos (como cereais e
portagem “Em busca de medições” à pág 44). A
australiano Robert Costanza, da Australian animais de criação), a assimilação de rejeitos
metodologia foi desenvolvida pela Trucost e
National University, estimou que a superex-
ploração dos recursos naturais já causou uma
(como a absorção de CO2), e serviços neces-
sários para a sobrevivência (como a prote- do PIB mundial outras consultorias.
Outro exemplo são os “títulos verdes”
,
perda nos serviços ambientais de US$ 20,2 ção contra raios ultravioleta, biodiversidade, Os chamados
emitidos por empresas como GDF-Suez e green bonds são
trilhões, entre 1997 e 2011. Essa mesma pes- limpeza da água e estabilidade do clima).
do não são: a beleza de uma paisagem, o valor Unilever, um mercado que tem crescido 60% projetados para
quisa estima em US$ 124,8 trilhões por ano o A partir de 2008, o Ministério do Meio captar recursos
da água limpa, o tempo de lazer. ao ano. Segundo o banco HSBC, em 2013 foram
valor de tudo que a natureza oferece sem co- Ambiente alemão, a Comissão Europeia e para projetos com
Monbiot lembra também que não se po- lançados US$ 11 bilhões nesses títulos e, no baixa emissão de
brar ao ser humano, o que corresponde, apro- o Programa das Nações Unidas para o Meio
dem ignorar os desequilíbrios de poder que primeiro semestre de 2014, US$ 18,3 bilhões. carbono
ximadamente, ao dobro do Produto Interno Ambiente (Pnuma) desenvolveram o The
põem em xeque a conservação ambiental: um Contrariando o senso comum de que a
Bruto (PIB) mundial, ou seja: a dádiva da Terra Economics of Ecosystems and Biodiversity, ou
exemplo é o sistema de negociação de cré- introdução de novos custos torna os produ-
para nós é cada vez menor, e a culpa é nossa . apenas Relatório Teeb .
Em português: ditos de carbono na Europa, que falhou, se- tos necessariamente mais caros, Mattison
A Economia dos “Nossas estimativas econômicas deixam O documento se propõe a ser “uma grande
gundo o jornalista, porque empresas muito lembra que as externalidades negativas são
Ecossistemas e da de fora os presentes da natureza que, hoje, iniciativa internacional para chamar atenção
Biodiversidade poluidoras conseguiram obter créditos além quase sempre arcadas pelas sociedades. Isso
valem mais do que todo o capital instalado e para os benefícios econômicos globais da bio-
do devido, graças a seu poder de lobby (mais significa que a incorporação desses custos à
toda a atividade econômica no mundo. É um diversidade, expressar os custos crescentes
na reportagem “Saindo das sombras” à pág. 36). contabilidade tornaria, ao longo do tempo, os
erro enorme” , afirma Costanza. “Não quere- da degradação dos ecossistemas, e para apro-
bens e serviços mais baratos, em vez de mais
mos transacionar, vender ou privatizar esses ximar conhecimentos de ciência, economia
NEGÓCIOS NATURAIS caros.“Pagaríamos menos impostos, tería-
ativos, mas temos de reconhecer seu valor e e políticas públicas, permitindo o avanço de
O conceito de capital natural tem gerado mos menos gastos com saúde e transporte.
começar a tomar medidas urgentes para pro- ações práticas”. A versão brasileira do relató-
novos negócios no Brasil e no mundo. Richard Se reduzirmos a destruição no futuro, dei-
tegê-los e restaurá-los.” rio foi lançada este ano .
Mattison é presidente da empresa britâni- xaremos de pagar o que pagamos por haver
O esforço de ampliar a contabilidade de
ca Trucost, que oferece serviços a empresas inundações e secas” , argumenta.
custos para além do que aparece no business CRÍTICAS À MONETIZAÇÃO
que querem conhecer e reduzir seu impacto Segundo Mattison, a transição para uma
as usual está enriquecendo a linguagem de to- Entretanto, a ideia de tratar a natureza
ambiental . Um exemplo de empresa que economia mais sustentável não se dará de
É o cálculo do madores de decisão com termos como servi- inteira como ativo ou patrimônio, no sentido
investe em ganhos de imagem com respon-
valor monetário de ços ambientais e capital natural. Se o ar, os mais estritamente financeiro do termo, tem Para saber mais, acesse trucost.com.
toda a terra, água, sabilidade ambiental é a fabricante alemã
rios, os nutrientes da terra e o subsolo são in- estimulado também uma série de críticas
ar e biodiversidade
do planeta sumos de toda produção e a condição da vida, acerbas, cujo principal argumento é que se
então o planeta pode ser encarado como um está aplicando à salvação do planeta a mesma
gigantesco estoque de capital. lógica e a mesma linguagem que conduziram
Outra expressão que a cada dia se popula- à sua destruição.
riza é a pegada ecológica, pela qual se busca
medir o quanto uma atividade, uma empresa,
Pesquisadores como a alemã Barbara
Unmüßig, da Fundação Heinrich Böll, aler-
O QUE É UMA EXTERNALIDADE?
Externalidade é, originalmente, um conceito da teoria econômica. Reflete os efeitos das atividades de
um país ou mesmo uma pessoa geram de im- tam para a troca de conceitos como “bem co-
produção e consumo que não se apresentam diretamente no mercado. Fala-se em “externalidades de produção”
pacto no meio ambiente. A Global Footprint letivo” e “responsabilidade social” por um
quando as decisões de uma empresa são afetadas pelas de outra. Economistas gostam de citar como exemplo
Network, uma ONG sediada na Califórnia idioma centrado em dinheiro e capital.
o caso de um apiário localizado ao lado de um pomar: ambas as empresas se beneficiam, porque as abelhas
(EUA), desenvolve, desde 2003, metodologias Recentemente, o jornalista inglês Geor-
produzem mais mel, e as árvores são mais fecundadas. É uma externalidade positiva. Ao contrário, uma fábrica
que buscam aperfeiçoar a contabilização do ge Monbiot, em discurso na Universidade de
de cerveja tem de lidar com externalidades negativas se, rio acima, está localizada uma fábrica que polui: a água
impacto humano sobre o planeta . Sheffield, no Reino Unido, resumiu esses ar-
que lhe chegará será imprópria para um produto de qualidade. Carlos Eduardo Frickmann Young, professor da
Anualmente, a ONG celebra o Earth Over- gumentos, afirmando que a lógica do capital
UFRJ, explica que a externalidade negativa é ‘socializada” entre aqueles que pouco ou nada contribuíram para
shoot Day, dia em que o uso dos recursos na- natural “é plausível e respeitável, mas é a via
gerá-la (mais em Entrevista à pág. 16).
turais pela atividade humana ultrapassa a ca- para a ruína, uma ruína ainda maior do que
Não é difícil perceber como, a rigor, as externalidades estão em toda parte: poderíamos dizer que o
pacidade de renovação do planeta, e que vem a atual”. Para Monbiot, além de “empurrar o
mundo inteiro é uma enorme rede de externalidades, sejam ambientais, sociais, de produção, sejam de
recuando a cada ano. Em 2012, esse dia foi 22 mundo natural ainda mais para o fundo do
consumo. Quando a economia se torna oligopolizada, produz-se uma externalidade negativa de cunho social: a
de agosto. Em 2013, dia 20 de agosto e, este sistema que o está devorando vivo” , a noção
desigualdade e, com ela, miséria e doenças. Quando as cidades se entopem de automóveis, por falta de meios
ano, dia 19. Dessa marca até 31 de dezembro, a de capital natural produz a ilusão de que al-
públicos de transporte, surge uma externalidade negativa de cunho ambiental e bem conhecida: a poluição, que
humanidade consome além das possibilida- gumas grandezas são comensuráveis, quan-
também produz doenças e diminui a qualidade de vida. Este último exemplo envolve também uma externalidade
des do planeta, hipotecando o futuro.
Leia mais em bit.ly/1jVGNum. Para saber mais, acesse negativa social: os congestionamentos, que reduzem o tempo de lazer e aumentam o nível de estresse.
A análise da pegada ecológica toma, como footprintnetwork.org. Saiba mais em teebweb.org. Acesse
o relatório em bit.ly/1kK4M2v.
base de cálculo, o capital ecológico definido

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INAIÊ TAKAES SANTOS
CAPA Pesquisadora do Programa de Política e Economia Ambiental
do GVces, com mestrado em Economia pela UFRJ
artigo

maneira suave e tranquila. Serão necessá- Um instrumento Razões para combater as desigualdades
rias mais crises ambientais para que se torne Uma distribuição mais igualitária de poderes tende a resultar em melhor qualidade
evidente a urgência de internalizar as exter-
nalidades sociais e ambientais. Costanza faz
promissor do direito ambiental. A renda per capita mais alta é insuficiente para reduzir externalidades negativas
econômico é o trust
O
o mesmo prognóstico.
O executivo diz compreender as críticas debate sobre a dinâmica da A tendência à desmaterialização –
feitas por Monbiot, Barbara Unmüßig e ou- desigualdade social confun- redução da energia e materiais necessá-
tros, mas afirma que é preciso falar na mesma de-se com a própria história rios à geração de valor – suportada pelo
língua que os investidores e empresários. Os quem o compra são empresas que precisam do pensamento econômico. avanço tecnológico, por sua vez, é acom-
custos, ele diz, sempre existiram, mas nunca cumprir as cotas do PNRS. O interesse no tema foi reacendido com panhada por um dilema que já foi bati-
foram incorporados na avaliação de ativida- Outros instrumentos semelhantes estão a publicação de O Capital no Século XXI, zado de paradoxo de Jevons e de efeito
des econômicas, porque não havia maneira em compasso de espera, segundo Moura Cos- de Thomas Piketty. O polêmico livro re- ricochete, pelo qual a economia gerada
de introduzi-los na contabilidade. ta, citando a Política Nacional sobre Mudança toma a discussão sobre a concentração pela eficiência e os menores custos que
do Clima, que prevê a criação de um mercado de riqueza e desigualdade, revisitando as proporciona acaba sendo usada na com-
O LADO LEGAL de carbono doméstico. Há ainda externalida- ideias do economista Simon Kuznets, es- pra de outros serviços ou bens (mais em
Como demonstra a lentidão no avanço das des negativas para as quais não há marco legal pecialmente a relação que ficou conheci- “Efeito Cilada”, edição 55). Ao dispormos
iniciativas globais e governamentais, uma ou mecanismos de mercado. O executivo cita da como Curva de Kuznets (CK). para a redução de postos de trabalho por de equipamentos mais eficientes, por
moldura institucional e legal é imprescindí- a mobilidade urbana: “Em São Paulo, já exis- Kuznets influenciou o debate sobre meio da automatização, aumentando a exemplo, deixamos de poupar energia e
vel para que a precificação das externalida- tem cotas limitando o direito de se locomover crescimento econômico e desigualdade, diferença entre salários de trabalhado- recursos efetivamente, passando a con-
des tenha efeito. Mauricio de Moura Costa, em veículos particulares” , afirma. “A criação sugerindo que a relação entre desigual- res qualificados e não qualificados. sumir mais do mesmo bem e/ou de ou-
sócio-fundador da Bolsa Verde do Rio de um sistema de flexibilização dessas dade e nível de renda per capita seria re- Globalização e progresso tecnoló- tros lançamentos de “última geração”.
Estudo
de Janeiro, cita o caso brasileiro, da Universidade cotas criaria um mercado, trazendo presentada por uma curva em forma de gico também são explicações possíveis Mais importante que estabelecer pa-
com o Código Florestal e a Políti- Federal de São Paulo mais eficiência ao sistema.” "U" invertido: o crescimento econômico para o formato em “N” da CK ambiental. ralelos entre as possíveis explicações
ca Nacional de Resíduos Sólidos (Unifesp) calculou que, sem Segundo Costanza, um ins- estaria associado a um aumento da desi- Quanto maior a distância entre produ- para as duas CKs é investigar elemen-
o metrô, doenças respiratórias
(PNRS), mas ressalva que essas causariam um custo adicional trumento de direito econômi- gualdade para níveis de renda mais bai- tores e consumidores, menor é a per- tos que podem exercer efeitos por trás
leis ainda não estão plenamen- de US$ 18 bilhões a São Paulo. co muito promissor para tratar xa, mas o contrário seria verificado para cepção destes sobre as externalidades de ambas. É fundamental explicitar que
te regulamentadas. A pesquisa mediu a frequência de externalidades ambientais, sociedades de renda elevada . negativas geradas. Afinal, é necessário indicadores como nível de alfabetização,
em hospitais em dias de greve
“O papel das leis, nos mer- do metrô. Saiba mais “administrando o ambiente Posteriormente, diversos autores algum tempo de reflexão para listar os direitos políticos e liberdades civis, além
cados ambientais, é relacionado em agencia.fapesp. como um ativo comum, em vez de extrapolaram a hipótese de Kuznets possíveis impactos gerados pela produ- da própria desigualdade de renda, são de-
à formação da demanda” , explica br/15795 serviço ou bem privado” , é a figu- para a esfera ambiental, relacionando ção de um novo equipamento eletrônico terminantes da degradação ambiental .
Moura Costa. Com a instauração, pelo ra do trust. Ausente da matriz jurídica o nível de degradação ambiental com o produzido na China. Já um indivíduo que A ligação efetiva entre as duas cur-
Código Florestal, de reservas legais que os brasileira, o trust exige que o ativo em si (um nível de renda. Entretanto, da mesma mora no mesmo município onde uma in- vas nos permite concluir que uma distri-
proprietários rurais são obrigados a manter, investimento ou uma propriedade fundiária) forma que Piketty usa dados de diversos dústria química está instalada percebe buição igualitária de poderes, mantidas
estabelece-se um novo mercado, por meio do seja mantido intacto, e somente seus rendi- países para embasar a hipótese de que a facilmente os danos que ela pode cau- constantes as demais variáveis, tende a
qual podem ser negociadas as Cotas de Re- mentos sejam usados. concentração de renda volta a aumentar sar, o que desencadearia mudanças em resultar em melhor qualidade ambiental
Títulos que serva Ambiental (CRA). Propriedades com “Podemos pensar na atmosfera como um com o crescimento da renda per capita, seu comportamento de consumo. e que uma renda per capita mais elevada
representam um reservas abaixo da cota podem escolher: ou ativo comum, que seria mantido em trust para especialistas encontraram evidências De fato, os resultados empíricos por si só não é suficiente para reduzir as
excedente de área recompõem a mata ou compram créditos ex- a atual geração e as futuras” , explica o econo- de que a relação entre as variáveis de corroboram a diferenciação de impac- externalidades negativas geradas com o
de vegetação
natural em relação cedentes de propriedades com floresta acima mista. “Com um trust atmosférico, aqueles degradação ambiental e o nível de renda tos com relação a sua abrangência geo- crescimento econômico.
ao exigido na lei da cota. Estas últimas são remuneradas para que gastam o ativo são cobrados por esse gas- seria mais bem representada por uma gráfica. O primeiro ponto de reversão da De fato, o empoderamento dos ci-
manter sua mata de pé. to, por exemplo, com impostos sobre o car- curva em formato de “N”, indicando que, curva, isto é, a diminuição da degradação dadãos quanto aos bens ambientais e a
Já a PNRS trata de produtos e embalagens bono, mas aqueles que melhoram o ativo são para determinadas dimensões da qua- conforme aumenta a renda per capita, conscientização sobre as consequências
que, na falta de regulamentação, poderiam pagos, por exemplo, com créditos de carbo- lidade ambiental, a degradação volta a seria observado apenas para aqueles das externalidades podem ser elemen-
terminar em lixões e aterros. O trabalho dos no.” Costanza ressalva que não se trata de um crescer com elevados níveis de renda . indicadores aos quais os indivíduos são tos mais relevantes que o próprio pro-
catadores, que realizam cerca de 90% da lo- mercado comum, mas de um instrumento ju- Justificativas para essa nova dinâmi- mais sensíveis, ou seja, cujo impacto é lo- gresso tecnológico não só para atingir-
Consiste
em retornar
gística reversa no País, segundo Moura Cos- rídico no nome de toda a comunidade global. ca da CK original incluem tanto a redu- cal. O comércio internacional contribui, mos menor desigualdade econômica e
embalagens e ta, pode ser considerada uma externalidade Se deixar de contar as externalidades é ção dos salários de trabalhadores pouco assim, para um descolamento entre os social, mas também para desenvolver-
outros resíduos ao positiva, um serviço ambiental. negligenciar os serviços ambientais forne- qualificados, para a qual a globalização impactos da produção e sua influência mos as instituições necessárias à inter-
setor produtivo,
para reutilização ou
A BVRio, explica o empresário, trabalha cidos pelo planeta, os cálculos de Costanza, teve papel primordial, quanto mudanças sobre mudanças no padrão de compor- nalização das externalidades no sistema
descarte adequado com créditos de logística reversa. Os catado- Mattison e outros mostram que o bolso onde de padrão tecnológico, que contribuíram tamento dos consumidores. de preços da economia.
res de lixo negociam o registro, em nota fis- dói essa negligência é o bolso da humanidade
KUZNETS, S. “Economic growth and income inequality”. The American Economic Review, 1955. Exemplo dessa relação foi encontrado para as quantidades de SO2 e renda
cal, de embalagens enviadas para reciclagem; como um todo. per capita por Gene Grossman e Alan Krueger, no artigo “Economic growth and the environment”. The Quarterly Journal of Economics, 1995. TORRAS, M.; BOYCE, J. “Income,
inequality and pollution: a reassessment of the environmental Kuznets Curve”. Ecological Economics, 1998.

34 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4 35
REPORTAGEM DESIGUALDADES

Saindo das
sombras
Acrescentar o custo
das externalidades
ao preço dos bens e
serviços é solução para
conter a exploração
dos recursos naturais
e promover a equidade
social. Ou não?
POR MAGALI CABRAL
FOTO BRUNO BERNARDI

36 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4 37
DESIGUALDADES

N
o meio econômico, o professor
da Escola de Economia de Paris,
a riqueza extrema é algo tão crítico quanto a
pobreza extrema.
Internalizar externalidades aumenta os preços,
O livro em
português deverá
Thomas Piketty, com o seu O Ca-
pital no Século XXI, jogou luz sobre
Na época, a pesquisadora falava que o
grande desafio para combater essa desigual-
atingindo os pobres, mas ao fim promove equidade
ser lançado no os mecanismos financeiros globais dade era a criação de um sistema de gover-
Brasil pela Editora e seus processos de apropriação, descorti- nança para fronteiras planetárias e sociais
Intrínseca em
nando as responsabilidades pelo aumento da em nível internacional . Passados dois anos,
novembro toda a cadeia ligada ao negócio – desde agro- põem à sociedade e aos ecossistemas” , defen-
desigualdade no mundo. Ou seriam desigual- continua tudo na mesma. “Os processos de
pecuária, indústrias de alimentação, varejo, de. Para ilustrar, cita o caso das embalagens
dades, no plural? No meio ecológico, sim. Afi- apropriação de renda por meio dos grandes
fornecedores –, em tese, teria de fazer valer não retornáveis de bebida. Quando a indús-
nal, os menos aquinhoados na distribuição mecanismos financeiros mantêm-se em
os princípios da sustentabilidade. Sem tantas tria eliminou da vida social o custo de levar
da renda também são os que mais “pagam” fluxo planetário, e não há um sistema de go-
externalidades negativas, o preço do ham- garrafas vazias ao depósito para trocar pelas
pelas externalidades negativas ambientais. vernança equivalente” , comenta o economis-
búrguer aos poucos se aproximaria nova- cheias, não incorporou no preço das cervejas
Eventos decorrentes do aquecimento global, ta, professor da pós-graduação na Pontifícia
mente dos US$ 4,49. Se essa lógica funcionar e dos refrigerantes o enorme gasto com ener-
como inundações, seca, avanço dos oceanos, Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
de fato, significa que o sistema econômico, gia em reciclagens de vidro, latas e PETs.
furacões, entre outros, vão desabrigar, ferir Ladislau Dowbor.
tido como o grande vilão do meio ambiente, Hoje também se comemora o preço mais
e até matar, sobretudo, aqueles que não ti-
é capaz de gerar externalidade positiva por popular do salmão. “Mas quem vai arcar com
verem condições materiais para se adaptar PREÇO MENTIROSO
meio da monetização de itens intangíveis. o prejuízo que as produções ultraconcentra-
a tais fenômenos (mais em “Perdas e danos” à À primeira vista, somar ao preço dos bens
“A internalização das externalidades ne- das de pescados estão provocando aos ecos-
pág. 41). Nesse caso, é urgente não só distri- e serviços o respectivo custo das externali-
gativas no sistema de preços, de fato, sistemas?” , questiona Abramovay.
buir melhor a renda, mas conter a degradação dades ambientais negativas – o que se chama Os Estados
atinge os mais pobres por estru- Carlos Eduardo Frickmann Young,
do meio ambiente. Como? de precificar ou internalizar as externalida- Unidos acabam
tura de custo, mas a melhoria da de criar um órgão de professor do Instituto de Eco-
Precificar todas as externalidades e incor- des – provocaria ainda mais desigualdade de
qualidade ambiental que se es- governo – U.S. Social and nomia da Universidade Federal
porar este custo no valor final dos bens e ser- renda. Só que não. Behavioral Sciences Team –
pera obter com a medida leva a do Rio de Janeiro (UERJ), en-
viços é, para muitos, o caminho mais viável Por exemplo, para o preço de um ham- para fazer experimentos de
uma equidade positiva” , atesta o economia comportamental com trevistado desta edição (leia à
por ser compatível com a lógica capitalista. búrguer ser mais realista precisaria embutir
professor de Economia do Meio políticas públicas. A ideia é pág. 16), tem uma boa resposta:
De qualquer modo, a sociedade já é indis- os gastos com tratamentos de obesidade e documentar e comparar os
Ambiente e dos Recursos Natu- “O passivo ambiental de hoje é
tintamente cobrada ao ter de enfrentar, por doenças crônicas provocadas pela carne ver- impactos entre os vários
rais da Universidade do Estado modelos de políticas o passivo do Estado amanhã”. Ele
exemplo, congestionamentos diários, mes- melha, os custos da destinação dos resíduos
do Rio de Janeiro (UERJ), Ronaldo públicas. atribui a autoria da frase ao colega
mo aqueles que são usuários do transporte gerados, o valor da água usada na produção
Serôa da Motta. Segundo seu raciocí- Carlos Mussi, especialista em econo-
público. Ou falta de água, mesmo aqueles que desde a irrigação dos grãos que alimenta-
nio, quanto maior a renda, maior o consumo mia do setor público e diretor do escritório da
são usuários comedidos e conscientes. ram o gado até a produção das embalagens, a
de água, energia, turismo, combustíveis etc. Comissão Econômica para a América Latina
Mais justo seria cobrar apenas de quem perda de biodiversidade com a derrubada de
Ou seja, quem tem mais renda tende a con- e o Caribe (Cepal) no Brasil. “Mussi quis di-
contribui para agravar o problema. Como florestas para implantação de pastagens, a
sumir mais de tudo. zer que, ao permitir um problema ambiental,
também geram impactos negativos, os po- contaminação por agrotóxicos etc.
Assim, grande parte da geração de re- estamos criando um problema para as contas
bres não seriam de novo os mais penalizados? O colunista do jornal The New York Times,
ceita, seja com os aumentos dos preços, seja públicas, que ao final serão pagas por toda a
De onde tirar dinheiro para pagar mais por Mark Bittman, no artigo “The true cost of a
com a cobrança de tributos ambientais, vai se sociedade” , afirma.
possuir e usar um automóvel, ou para tomar burger” apresenta algumas contas e con-
originar das pessoas com nível de renda mais A ocupação do espaço urbano, segun-
um banho mais demorado? Ninguém afirma clui: contando-se apenas as externalidades
A edição em alto. No entendimento de Serôa da Motta, do Young, é outra esfera que sintetiza bem
inglês ficou vários que a internalização das externalidades no negativas mais fáceis de calcular, o preço
isso permite uma reciclagem dos recursos o problema dos “custos a posteriori”. Todos
dias em primeiro custo das coisas é 100% justa. Aliás, fortes ar- de um hambúrguer, que nos Estados Unidos
lugar na lista dos com o objetivo de amenizar, reverter ou anu- sabem que melhor seria impedir a cons-
gumentações contrárias não faltam. está custando em média US$ 4,49, deveria
mais vendidos da lar os efeitos de aumento da desigualdade. trução nas encostas dos morros, dadas as
Amazon Bem antes de o livro de Piketty chegar às subir entre 68 centavos de dólar e US$ 2,90.
Externalidade é tudo aquilo que produz chances de desmoronamentos, mas, por
livrarias e se tornar best-seller, economis- Mesmo que dobre de preço, os mais ricos
algum impacto negativo ou positivo sobre al- razões socioeconômicas, as ocupações ina-
tas como a pesquisadora e palestrante Kate continuarão comendo hambúrguer e per-
guém e que não entra no sistema de preços. dequadas persistem. No entanto, o custo de
Raworth já incluíam o tema do combate à manecerão ricos. Aos mais pobres, porém, o
O sociólogo Ricardo Abramovay, professor remoção dos moradores em situação de risco
Confederação desigualdade nos debates sobre as mudan- lanche parecerá mais “indigesto”. A tendên-
internacional de 17
da Faculdade de Economia, Administração e é muito mais alto do que impedir a ocupa-
ças climáticas e os limites planetários. Uma cia, portanto, é a procura por fast food dimi-
organizações que Contabilidade (FEA) da Universidade de São ção. Por isso, em sua opinião, para avançar
atuam em rede em
das suas mensagens do relatório Podemos vi- nuir, o que, em última análise, pode ser muito
Paulo, usa a definição de externalidades para na questão ambiental, o País tem de avançar
94 países – visando ver dentro de um donut?, apresentado em 2012 bom para a saúde dos ex-consumidores e do
construir um futuro
mostrar como o regime de preço atual é men- simultaneamente na questão fiscal, impon-
pela rede Oxfam, durante a Rio+20, dizia que planeta. Para recuperar a competitividade,
livre da injustiça e tiroso. “Temos de praticar preços realistas do tributações ambientais e precificando as
da pobreza Leia a entrevista completa em bit.ly/1kWDZjB. Acesse o artigo em nyti.ms/1vhrqDx. quanto ao custo que os produtos e serviços im- externalidades negativas.

38 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4 39
DESIGUALDADES

Para o jornalista George Monbiot, a ideia de que só podem não implicar riscos à natureza. No
entanto, a precificação muda a forma como
menos no mar. Mas, ao fazer isso, o pesca-
dor monetiza também a sua culpa pela pesca,

a natureza é negociável pode ser desastrosa


vemos e nos relacionamos com a natureza e e o tiro pode sair pela culatra. “Pagamentos
pode abrir o caminho para a privatização dos muitas vezes legitimam a exploração econô-
serviços ecossistêmicos. “Temos de abor- mica do recurso” , explica Lichand.
dar a monetização da natureza com grande Elinor concluiu que uma gestão mista,
cautela e não permitir o enfraquecimento do parte pública e parte privada, com regras for-
Outro fenômeno que permite associar é na verdade uma ilusão. Para Monbiot, o co- princípio da precaução”, adverte. mais e informais, seria mais eficiente para a
externalidades negativas ambientais às de- lapso moral e ideológico do sistema capita- comunidade do Maine atingida pela externa-
sigualdades é o do aquecimento da tempera- lista neoliberal, retratado por Piketty, torna VIA DO MEIO lidade provocada pela pesca. O preço inter-
tura média do planeta decorrente da mudan- o momento propício para se inventar teorias O ponto de vista da Prêmio Nobel de Eco- naliza uma parte da externalidade, e a gestão
ça climática. Por exigir uma solução global, o e mecanismos de precificação, sob o argu- nomia de 2009, Elinor Ostrom, laureada por pública impede que a exploração econômica
professor do Departamento de Economia da mento de que é possível salvar a natureza da suas contribuições sobre as formas como as desvinculada dos outros valores não incor-
PUC-RJ Sergio Besserman crê que, entre to- degradação. “Depois de tanto mal causado decisões são tomadas fora dos mercados, é o porados no preço se legitime.
dos, esse é o problema mais grave. à natureza, o sistema capitalista neoliberal de que não se deve buscar uma solução priva- “Preço não é valor, é uma interação entre
“A mudança climática ainda trará prejuí- apresenta a solução que salvará o mundo na- da para os recursos naturais. Segundo relato oferta e demanda que traduz a escassez re-
zos gigantescos, em dinheiro, sofrimento, tural”, ironiza. de Guilherme Lichand, doutorando em lativa”, explica o doutorando de Harvard. “Se
Sócio da M-Gov
perda de vidas. Esse custo se abaterá prin- Entre vários exemplos concretos de como Economia Política e Governo na Universida- as pessoas estiverem preocupadas com valor, Brasil, consultoria
cipalmente sobre as populações pobres do a introdução de mecanismos de mercado pode de Harvard, a pesquisa da cientista política e não apenas com escassez relativa, o preço em gestão de
políticas públicas
planeta” , enfatiza. Aproveitar toda a engre- acabar provocando mais externalidades ne- Elinor Ostrom documentou que em vários nunca traduzirá tudo o que uma lagosta den-
nagem do mercado para enfrentar a mudan- gativas ambientais, o jornalista cita um caso casos, em particular para os pescadores de tro do mar vale para uma comunidade.”
ça climática parece bem mais complicado do que se passa nos arredores da cidade ingle- lagostas no Maine (EUA), os indivíduos ini- Apesar das incertezas sobre o melhor ca-
que calcular as externalidades negativas não sa de Sheffield, onde uma floresta, a Smithy cialmente não consideram a externalidade minho para diminuir o ritmo das externali-
computadas no preço de um hambúrguer. Wood, é cortada por uma rodovia. Devido à em sua atividade. Ou seja, não acreditam que dades ambientais e de seus impactos no au-
Besserman explica que o mercado se política de compensação ambiental, um gru- o recurso que retiram da natureza pertence mento da desigualdade, a riqueza dos debates
orienta pelo sinal que os preços dão, e os pre- po empresarial tenta construir um posto de ao conjunto da vizinhança e não só a ele, um sobre o tema é um sinal de que pelo menos as
ços hoje não incluem emissões de gases de serviços à beira da estrada. Para isso, propõe conflito conhecido em Economia como “a cortinas já se abriram para o problema.
efeito estufa. “O direito de emitir CO2 é pú- derrubar parte da floresta e fazer a compen- tragédia dos comuns” , envolvendo interesses
blico e é de graça.” Segundo ele, o mercado só sação ambiental com plantio de algumas de- individuais e o bem comum. Leia mais sobre mecanismos de precificação de
trabalhará a favor de uma solução se, no preço zenas de milhares de mudas em outra região. Uma solução seria aumentar o preço e bens sem valor de mercado na versão digital desta
reportagem em fgv.br/ces/pagina22.
de tudo, e não apenas de energia e transporte, Para Monbiot, essa é uma consequência compensar a comunidade pelas lagostas a
estiver embutido um custo pelas emissões. desastrosa que nasce da ideia de que a natu-
E esse movimento tem de ser global. Caso reza é negociável. “Uma demanda como a de
contrário, um país que introduzir barrei- Smithy Wood seria impensável se não existis- DESIGUALDADE AO EXTREMO
ras para emissões perderá competitividade se o sistema de compensações ambientais.”

Perdas e danos
em relação aos que não se mexerem. “Se a Barbara Unmüßig, ambientalista alemã,
Califórnia proíbe a produção de algum bem presidente da Fundação Heinrich Böll, en-
poluente, e a Tailândia continua produzindo contra-se no rol dos críticos da monetização.
esse mesmo bem, a única coisa que acontece No estudo Monetizing Nature: taking precau-
é a queda do nível de emprego na Califórnia” , tion on a slipperyslope (em tradução livre, o Para os países-ilhas, não há para onde correr. O custo da mudança
afirma. “O planeta continuará esquentando
do mesmo jeito.”
título quer dizer que monetizar a natureza
é como andar em uma ladeira escorregadia,
climática causada pelas nações mais ricas é o seu desaparecimento
exige precaução), ela diz que o argumento
POR FLAVIA PARDINI
SOLUÇÃO NEOLIBERAL? de que razões econômicas produziriam uma
Nem todo mundo crê em uma solução de vontade política de impedir a destruição da Quando se fala em capital natural e ex- Assim é para países estabelecidos em pe-
mercado para a conservação da natureza e natureza ou de facilitar a sua reabilitação não ternalidades ambientais, a implicação em quenas ilhas e suas populações.
equidade social. O jornalista e escritor inglês é necessariamente verdade. geral é de que se deve incluí-los nos preços, Não é de hoje que, a cada reunião inter-
George Monbiot diz no artigo “The pricing of Em sua opinião, se a diferença entre va- nos balanços, na contabilidade de empresas nacional sobre mudança climática, se ouve
everything”, publicado em seu blog e em sua loração e mercantilização é clara na teoria, e países. Mas, e se o custo de externalidades os países-ilhas repetirem a reivindicação
coluna semanal no jornal The Guardian, que, na prática é turva. Isto é, avaliações por si como o aquecimento global for pura e sim- de que o resto do mundo leve a sério as con-
embora a agenda do chamado “capital natu- plesmente o desaparecimento de empresas e sequências ambientais de suas atividades
Leia o artigo em bit.ly/1AeYTi5.
ral” pareça uma resposta à crise ambiental, até de países da face da Terra? econômicas. Não basta incluir no balanço,

40 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4 41
DESIGUALDADES EDUARDO SHOR
Jornalista e autor do livro Amor do Mundo coluna

Vote em Preconceito
A Organização Internacional de Migração prevê O candidato que vai deixar o Brasil do jeito que está, e a sua vida mais confortável,
200 milhões de refugiados climáticos até 2050 por manter você pensando da mesma forma que antes

N
as próximas eleições, vote la, curso de inglês, intercâmbio, vodka moso nas redes sociais. Há gente que
em Caio Preconceito, o na balada, cigarro de maconha, rock in acha que Preconceito está disputando
candidato igual a tudo o rio, carro do papai, empregada domés- uma vaga nas eleições de um país eu-
dizem, há de agir para não depauperar o tal Pequenos Estados Insulares reúne 44 países
que você já viu. Preconcei- tica. “Ainda que eu não tivesse tido nada ropeu. Nada disso, está concorrendo
capital natural e compensar os que sofrem os que enfrentam os mesmos desafios de de-
to vai atacar de vez este que é o maior disso, eu seria o mesmo Preconceito”, aqui do nosso lado, com seus discursos
piores efeitos do novo regime climático. senvolvimento e compartilham as preocu-
problema da sociedade: os outros. No respondeu a um adversário da política prontos. É o candidato da família, porque
Súplicas de nações pequenas e pouco de- pações quanto ao meio ambiente.
trânsito, na empresa, no meio do cami- no último discurso. suas ideias atravessam gerações. Co-
senvolvidas, assim como as de cidadãos po- Suas populações, somadas, representam
nho, os outros estão lá sempre fazendo Uma das maiores virtudes do candi- meçam na cabeça do avô e se espalham
bres, caem em ouvidos moucos. E os piores 5% da população de todo o mundo. As emis-
besteira. São eles que estacionam em dato é a intuição apurada. Em qualquer na boca do neto.
efeitos da mudança climática vão se fazen- sões de gases de efeito estufa, combinadas,
local proibido, jogam lixo na rua, chegam conversa, não precisa esperar o inter- É o candidato dos solteiros, que usam
do sentir em países como Tuvalu, Maldivas, rondam em torno de 1,5% das emissões glo-
atrasados às reuniões, usam caixa 2. Por locutor falar para adivinhar o que ele suas ideias para fazer bonito na frente
Ilhas Marshall, Kiribati. bais e muitas ilhas têm ambiciosos compro-
mais que a gente explique, os outros não está pensando. Preconceito conhece as das garotas. Dos revolucionários que de-
Este último, um arquipélago localizado a missos de redução e metas para adoção de
entendem nada. pessoas de antemão. Está atento aos ró- sejam derrubar governos aos situacio-
meio caminho entre o Havaí e a Austrália, na energias renováveis.
Preconceito é afeito a receitas para tulos. Basta olhar nos olhos dos outros, nistas que planejam manter o status quo.
região central do Oceano Pacífico, optou por Sua vulnerabilidade é extrema não só
resolver as questões – e por isso seu ou nem isso, e sabe que se trata de um Preconceito une. É do povo e das eli-
uma ação mais drástica, já que controlar suas diante da subida do nível do mar, mas por
plano de governo tem mais chances de bandido, um vendedor de laranjas, um tes, vai trazer a verdade à tona. O proble-
minguadas emissões de carbono de pouco serem pequenos, isolados, com recursos
dar certo. Para ele, as pessoas são sem- adestrador de cães ou uma empresária. ma do mundo são as mentiras, o revisio-
adianta em face do gigantismo das emissões naturais limitados, dependentes de poucos
pre iguais. Aqueles esquerdistas, todos Nas próximas eleições, vote em Pre- nismo histórico. É mais do que hora de
de Estados Unidos ou China. setores econômicos e de importações. Su-
iguais. Aqueles burgueses, todos iguais. conceito, o candidato que vai deixar o mostrar a verdade, custe o que custar.
O país recentemente finalizou a aquisi- pertufões como o Haiyan, que devastou as
Para economizar tempo, Preconceito vai Brasil do jeito que está, e a sua vida mais Mostrar com publicidade, stand-up co-
ção de 20 quilômetros quadrados na ilha de Filipinas e outras ilhas em 2013, são um dolo-
traçar um mapa para definir o perfil de confortável, por manter você pensando medy, o depoimento dos vivos, o sangue
Fiji para que sua população – cerca de 100 mil roso lembrete da exposição dos países-ilhas:
cada grupo na sociedade, mas para todos da mesma forma como pensava antes. dos mortos. A história de Preconceito dá
pessoas – tenha para onde ir quando a situa- não há para onde correr.
terá uma resposta só. É que respostas Preconceito não questiona. Afirma, um livro, uma bíblia, uma trilogia escrita
ção em Kiribati, que sobrevive de agricultura Não é surpresa que os países-ilhas insis-
variadas dão mais trabalho. atira tomates, ovos, bananas. Ficou fa- por um ateu. Que tal a Biografia do Pre-
e pesca, ficar insuportável. tam em bater na tecla da “equidade” no âm-
O vice na chapa do candidato para as conceito, para fortalecer a sua reputa-
Há estimativas de que o nível do mar nos bito das negociações internacionais sobre
próximas eleições é Undoslados. Pre- ção entre os eleitores?
oceanos Índico e Pacífico esteja subindo mais mudança climática. Enquanto o mundo ainda
conceito tem tanta confiança no compa- Precisamos de um líder que nos
do que em outras partes, o que poderia dei- discute quanto e como cortar emissões, para
nheiro que cada decisão da campanha é conduza rumo a uma nova sociedade, a
xar Kiribati e outras ilhas debaixo d’água em essas pequenas nações a questão deixou de
tomada após ouvir apenas Undoslados. nossa tão sonhada sociedade. Um mes-
questão de anos. Aí o custo da externalidade ser o risco e passou a ser a gestão do prejuízo.
A dupla tem uma história de luta contra sias que já veio, ainda não veio, está en-
ambiental passará a ter uma face bem con- No ano passado, na COP-19, em Varsó-
os outros, esses opressores. Por isso tre nós ou nunca virá. Precisamos, não
creta nos países ricos, com refugiados cli- via, os países-ilhas conseguiram incluir
não debate com mais ninguém sobre conseguiremos por nós mesmos, pois
máticos batendo à sua porta. A Organização na agenda das negociações um mecanismo
suas avançadas ideias de governo. Pre- estamos sem tempo, muito ocupados
Internacional de Migração prevê que haverá para lidar com “perdas e danos” e oferecer
conceito não debate, dita. justificando as nossas incapacidades.
cerca de 200 milhões deles até 2050. ajuda aos mais vulneráveis. O novo meca-
São ideias para combater velhos pro- Viemos a público com as nossas
A batalha legal já começou. Depois de re- nismo pode ser visto como o reconhecimen-
blemas. Para Preconceito, os problemas caras de bobo pedir o seu voto. As ca-
cusar o caso de um pescador de Kiribati que to de que muitos países já passaram da fase
são sempre velhos e os mesmos, pois ras de quem ignora as pessoas em uma
pediu asilo alegando sofrer “perseguição de adaptação, mas as nações mais ricas não
têm raiz na estrutura arcaica da socieda- roda de conversa para enviar e-mails,
passiva” em função da mudança climática, a querem ouvir falar em atribuir responsabili-
de. O candidato é assim, não dá um passo digitar no Whatsapp e atirar pedras via
Nova Zelândia concedeu em junho residên- dades, muito menos em compensação.
sem tropeçar em um clichê. Pesquisa di- Facebook. Agora que não sobrou nada
cia a uma família da ilha de Tuvalu que, entre Para os países-ilha, trata-se de saber
tos populares, guarda coleção de frases do ser humano genuíno, nem raiva, nem
outros argumentos, se disse ameaçada pela quem vai arcar com os custos da maior ex-
feitas e tem expressões de efeito na pon- bondade, nem atenção, nem solidarieda-
mudança do clima em seu país natal. ternalidade da história da humanidade. Por
ta da língua. Desse jeito, quem precisa de de, nem traição, nem pessimismo, nem
Embora pobres, os pequenos países-ilha enquanto, parece que eles continuarão pa-
um marqueteiro pra campanha? otimismo. Agora que somos apenas um
estão organizados para pressionar por ação gando não só do próprio bolso, mas com a
A verdade é que os outros não tive- conjunto binário em uma tela brilhante,
quanto à mudança climática. A Aliança dos própria sobrevivência.
ram as mesmas oportunidades que Pre- Preconceito vai nos levar de volta à al-
conceito teve. Brasileiro é tudo farinha deia. Deixar todo mundo cara a cara para
do mesmo saco. Preconceito teve esco- restaurar a nossa humanidade.

42 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4 43
REPORTAGEM INICIATIVAS

Avançando
nas medições
Com objetivo de reduzir riscos e garantir
a sobrevivência do negócio a longo prazo,
empresas adotam métricas para aferir
o valor econômico de recursos naturais
e o grau de dependência dos bens e serviços
prestados pela natureza
POR SÉRGIO ADEODATO FOTO BRUNO BERNARDI

P
ara alguns, o ponto central está na regulação do clima e uso de biomassa
combustível. Para outros, no controle da erosão, na qualidade da água e até
no potencial de recreação e turismo em áreas naturais. Quem estava naquela
manhã ensolarada de inverno no salão nobre do prédio da Fundação Getulio
Vargas (FGV), em São Paulo, sabia que o momento era de busca por algo novo
que está na fronteira do conhecimento e tem potencial de mudar a contabilidade das
corporações e o modo de tomar decisões, em horizonte de tempo não muito distan-
te. No encontro, debruçados sobre planilhas, profissionais de sustentabilidade de
empresas atentas ao futuro de suas operações diante da degradação dos recursos do
planeta tinham um objetivo comum: avançar na construção de um modelo capaz de
medir em cifrões e reportar ao mercado o custo de impactos socioambientais e da
dependência do negócio em relação aos serviços prestados pela natureza.

44 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4 PÁ G I N A 2 2 S E T E M B R O 2 0 1 4 45
INICIATIVAS

O valor ambiental total fornecido pelo sistema


agroflorestal é superior ao triplo do obtido pela
monocultura, concluiu o Relatório Teeb

O grupo integra a iniciativa Tendências em implica que os valores econômicos da repa- lor ambiental da produção nas comunidades têmicos (provisão de alimentos, água e ma-
Serviços Ecossistêmicos (TeSE), mantida des- ração, relativos a passivos ambientais ou ao que fornecem insumos da biodiversidade. deira; regulação do clima global e fertilidade
de o ano passado pelo Centro de Estudos em conserto de impactos já ocorridos, sejam su- Nos últimos anos, a Natura se engajou em do solo) e tem impactos ambientais mais bai-
Sustentabilidade (GVces), da FGV-Eaesp, reu- bestimados ou descartados pelas empresas”. diferentes plataformas internacionais de va- xos (emissões de gases de efeito estufa pelo
nindo hoje 20 empresas que estão na linha de No caso de grandes obras, a construção civil loração de impactos socioambientais. Uma uso de combustível e fertilizante).
frente no processo de romper barreiras cul- demanda expressiva quantidade de insumos delas foi a The Economics of Ecosystem and A Natura participou da primeira fase da O primeiro e mais
turais e enxergar o custo das externalidades naturais (água, brita, areia, madeira etc.) que Biodiversity (Teeb) para o setor de negócios, Parceria Empresarial pelos Serviços Ecossis- completo estudo
global sobre os
como fator estratégico, na perspectiva de um não se renovam no ritmo do consumo e, em cuja metodologia foi aplicada na busca de al- têmicos (Pese), destinada a identificar riscos cursos econômicos
mundo com graves dilemas sociais e recur- razão disso, deverão ficar mais caros. “Hoje ternativas mais sustentáveis para a produção e oportunidades em relação ao uso de recur- da perda da
sos naturais cada vez mais escassos e caros. só arcamos com o custo da extração e não do do óleo de palma (dendê) na Amazônia. sos naturais, com ênfase qualitativa, com biodiversidade
e da degradação
“Queremos medir o valor das fontes hídricas recurso em si” , diz Ricardo Sampaio, coorde- O resultado foi divulgado em março des- base no modelo desenvolvido no mundo pelo dos ecossistemas.
para a empresa, considerando os riscos asso- nador de meio ambiente da Camargo Corrêa, te ano: o valor ambiental total fornecido pelo World Resources Institute (WRI). No Brasil, foi
Provisão de ciados a outros usuários abastecidos por elas” , ao lembrar que no futuro “pagaremos o valor sistema agroflorestal é superior ao triplo do “Não há dados suficientes para a mone- desenvolvida uma
água; provisão versão específica
de biomassa revela Maira Almeida, da gerência de projetos referente ao ‘trabalho’ da natureza para pro- obtido pela monocultura – R$ 410 mil por tização da natureza e, diante da urgência para o setor de
combustível; corporativos da AES Brasil. duzi-lo”. Em sua análise, o primeiro passo é hectare, comparados com R$ 122 mil por hec- socioambiental, não podemos aguardá-los negócios, sob
regulação da “A demanda por um mecanismo de valo- buscar conhecimento para chegar a algo con- tare, durante a vida útil de 25 anos da planta- para só depois agir” , argumenta Fernanda coordenação da
qualidade do Conservação
recurso hídrico; ração econômica mais quantitativa, inclusive sistente e conscientizar o alto escalão. “Não ção. Isso ocorre porque o cultivo consorciado Gimenes, coordenadora da assessoria técni- Internacional
assimilação de em termos monetários, partiu das próprias adianta ficar só no drama” , enfatiza Sampaio. com a floresta oferece mais serviços ecossis- ca do Conselho Empresarial Brasileiro para
efluentes líquidos; empresas, porque é útil à gestão interna e A construtora começou a testar a valora-
clima global
(desmatamento subsidia a decisão de novos investimen- ção neste ano na obra de uma refinaria em
e recuperação tos”, afirma Renato Armelin, coordenador Ipojuca (PE), região onde há problema de es-
florestal);
polinização; erosão
da TeSE. Com apoio da academia, as empre-
sas calibram a nova ferramenta, a partir de
cassez de água, e o lançamento de efluentes
é proibido. O objetivo é calcular o valor mo-
CIDADES MEDEM A “PEGADA”
do solo; vazão A cidade de São Paulo tem aproximadamente 1,5 mil quilômetros quadrados de área.
de cursos d’água projetos piloto, com propósito de chegar a um netário do recurso hídrico nessas condições,
Mas necessitaria de pelo menos 600 mil para suprir o atual consumo da população
(prevenção de cálculo simples, acessível e replicável. A ini- chegando a um número próximo ao que vi-
enchentes); além de e garantir a reposição dos recursos pela natureza. A constatação é do estudo de
recreação e turismo ciativa permite comparar valores ao longo do gorará no futuro, superior aos custos atuais,
“pegada ecológica” realizado pelo WWF Brasil em municípios brasileiros como auxílio à
(grupo dos serviços tempo para adoção de melhorias contínuas e restritos à captação no rio e tratamento. Os
conscientização popular, ao planejamento urbano e a políticas públicas para redução de
ecossistêmicos comunicá-los de forma clara e objetiva. dados subsidiarão iniciativas de inovação
culturais) impactos ambientais.
A metodologia abrange nove serviços para uso de materiais que demandam menos
O método, desenvolvido mundialmente pelo Global Footprint Network (GFN), cruzou
ecossistêmicos, considerando três aspec- recursos naturais. “Até 2017, a contabilidade
números do IBGE sobre consumo familiar com dados sobre área construída, pesca, fibras,
tos: o uso de recursos naturais pela empre- dos serviços ecossistêmicos deverão compor
pastagens, energia, transporte e outros segmentos mais associados ao uso de recursos
sa, os impactos decorrentes das variações em o capital da empresa” , informa Sampaio.
naturais e emissões de carbono. “A lógica é transmitir a dimensão da escassez e o conceito
quantidade ou qualidade do serviço ecossis- “Sem valor de mercado, os benefícios na-
de limite planetário”, explica Michael Becker, superintendente de conservação da ONG.
têmico e as externalidades, ou seja, os efeitos turais são negligenciados ou subvalorizados” ,
Em Campo Grande (MS), onde é forte o agronegócio, o consumo de carne e outros
causados a terceiros e à sociedade em geral. A completa Denise Alves, diretora de sustenta-
gêneros alimentícios teve um peso significativo na conta. Como desdobramento da
lógica muitas vezes é a do “custo evitado”, com bilidade da Natura. Para uma gestão susten-
pesquisa, foi criado na cidade um grupo gestor para articular medidas que reduzam a
base, por exemplo, no investimento necessá- tável de longo prazo, a empresa reconhece a
pegada. Entre as prioridades, além da pecuária orgânica, está o estímulo à produção
rio para prevenir impactos ou repor perdas relação de dependência e os impactos sobre
local de hortifrutigranjeiros. Hoje grande parte desses produtos consumidos na capital
causadas a terceiros. “O foco é estimar o custo recursos do planeta, tanto na provisão de água
sul-mato-grossense chega de São Paulo e por isso está associada à maior emissão de
da prevenção ou do impacto potencial, subsi- para a produção de cosméticos como no uso de
carbono no transporte.
diando decisões para que danos não ocorram” , recursos genéticos. Como integrante da TeSE,
explica Armelin, com uma ressalva: “Isso não a Natura tem como objetivo demonstrar o va-

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INICIATIVAS

Para a PwC, o mundo da contabilidade já entende O NOVO JEITO DE REPORTAR AS CONTAS


a valoração socioambiental como uma A ideia surgiu sob a liderança mundial do Príncipe de Gales, após incentivar economistas
e profissionais de contabilidade e finanças ao engajamento na questão da sustentabilidade –

necessidade, mas é preciso padronizar a régua desafio para o qual já não eram suficientes biólogos, botânicos ou veterinários. O
movimento resultou, em 2010, na criação do The International Integrated Reporting Council
(IIRC), uma coalizão global de companhias, investidores, ONGs e grandes empresas de
auditoria dedicada a tornar padrão um novo modo de organizar e reportar ao mercado
dados financeiros e socioambientais, com ampliação de valor para as organizações.
O Relatório Integrado (IR, na sigla em inglês) hoje se consolida como método que
o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). A jovens e antenados com o tema, que tende a
promove o diálogo e harmoniza mensagens de balanços e outros relatos empresariais
instituição conduz hoje a segunda etapa de chegar à gestão de marcas. “O mundo pede
muitas vezes contraditórios em relação a dados financeiros e de sustentabilidade.
aplicação da ferramenta, voltada para a to- novas formas de atribuir valor às coisas e as
“Somos uma trilha, não um modelo construído em laboratório”, afirma o professor Nelson
mada de decisão, com participação de Petro- métricas que avaliam custos devem se adap-
Carvalho, da FEA/USP, integrante do conselho internacional da iniciativa, da qual faz parte
É a apropriação bras, Basf, Votorantim e Vale. A mineradora tar a isso, sem cair no greenwashing” , pon-
o Global Reporting Initiative (GRI).
de atributos de avaliou 13 sistemas de mensuração de custos dera Igor Botelho, gestor de novos negócios
Lançado em dezembro de 2013 após ampla consulta internacional, o IR tem hoje a
sustentabilidade socioambientais existentes no mundo, com da agência AsBoasNovas.com.
sem que eles adesão de 280 organizações. No Brasil, 15 empresas participam de iniciativas-piloto
existam, com objetivo de mapear riscos e desenvolver es- Com mestrado em pensamento sistêmico
com a metodologia, apoiada em seis categorias de “capital” que traduzem a tradicional
ênfase no tratégias de uso sustentável. Em paralelo, a pela London Metropolitan University e expe-
dimensão financeira e produtiva, mas também a intelectual, humana, natural e a de
marketing, companhia utiliza uma métrica que carac- riência em projetos globais da Nike, GM, Pepsi
objetivando criar relacionamento social.
uma imagem teriza passivos ambientais, e os recursos fi- e Microsoft, o estrategista admite a existên-
positiva para nanceiros para remediação do problema são cia de um processo de mudança, mas vê uma
empresas e expressos nos demonstrativos contábeis. grande barreira: “A visão de curto prazo que
produtos
ainda prevalece juntamente com a mentali- Mata Atlântica da Bahia (leia artigo de Waack à de desenvolvimento sustentável da região.
CENÁRIO DE RESPONSABILIDADES dade conformista, resistente ao novo”. pág. 14). O empreendimento, previsto para iní- O setor financeiro está impelido a incor-
Mais que isso, empresas começam a as- As exceções despontam como referências. cio no próximo ano, nascerá marcado por um porar os valores das externalidades, a partir
similar a tendência de passivos “morais” se É o caso do pioneirismo da Puma, empresa novo modelo de gestão. Externalidades posi- da Resolução nº 4.327, publicada este ano Publicado em 25
transformarem em “legais” , à medida que a mundial de artigos esportivos que mexeu co- tivas e negativas foram mapeadas para aná- pelo Banco Central, determinando a adoção de abril deste ano,
sociedade evolui e novos elementos são vis- rajosamente nos padrões convencionais de lise da viabilidade do projeto, dentro de uma de critérios socioambientais em operações o documento dispõe
sobre as diretrizes
tos como inaceitáveis. O estudo The Changing gestão e investigou a cadeia de fornecedores modelagem econômica que envolve elemen- como a concessão de crédito. “Empresas que devem ser
Landscape of Liability, divulgado globalmente para concluir que seus custos ambientais – não tos estranhos aos balanços convencionais das avançam mais rápido que governos em ações observadas no
pela Swiss Re, mostra que o tema gera refle- contabilizados no caixa – corresponderam a empresas, como o capital natural e o social – práticas para mudança da contabilidade” , estabelecimento
da Política de
xos no mundo dos seguros: “O cenário das 70% do faturamento líquido, em 2010. Em sín- além do financeiro propriamente dito. avalia Marcus Frank, diretor de mudanças Responsabilidade
responsabilidades – e, portanto, dos riscos tese: 145 milhões de euros, que não entraram O mercado de madeira com origem legal climáticas da consultoria McKinsey no Brasil. Socioambiental
para as empresas e para os acionistas – está na conta nem nos preços, foram referentes ao e sustentável está aquecido, com deman- “Do campo à mesa do consumidor, de- pelas instituições
financeiras e
mudando rapidamente”. uso de recursos como água, solo e biodiver- da maior que oferta, e a produção a partir de pendemos do clima, água, biomassa e outras demais entidades
“Como o conhecimento é de ponta, a es- sidade, pelos quais empresa, fornecedores e plantio de árvores é vista como opção capaz variáveis que devem ser mensuradas para re- autorizadas a
tratégia mais segura é participar de inicia- clientes nada pagaram. “O mundo da contabi- de reduzir pressões ambientais, como o des- duzir riscos”, atesta Michel Santos, gerente de funcionar pelo
Banco Central do
tivas na academia, juntamente com vários lidade já entende a valoração socioambiental matamento. Pelo padrão, seria mais seguro sustentabilidade da Bunge. Brasil
setores empresariais” , pondera Marcelo Galo, como uma necessidade, mas é preciso padro- e rentável plantar eucalipto do que espécies Não é, propriamente, uma ideia nova. Há
gerente de meio ambiente da unidade de ní- nizar a régua”, analisa Carlos Rossin, líder de nativas, porque há pouco conhecimento téc- mais de duas décadas, a Carta da Terra, um dos
quel, nióbio e fosfatos da Anglo American, em sustentabilidade da PwC Brasil. nico sobre estas. “Mas o salto positivo dos im- mais importantes documentos da Conferên-
Barro Alto (GO). O objetivo atual é a mensu- Há uma corrida por métricas, cada vez pactos mapeados aponta para oportunidades cia das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
ração econômica do desmatamento evitado mais demandadas, para se definir investi- e ganhos que compensam os riscos e tornam Desenvolvimento (ECO 92), trazia entre seus
e emissões de carbono por meio de plantio mentos. No Brasil, o setor florestal está en- o negócio atraente” , explica Waack. objetivos “incluir totalmente os custos am-
de florestas para fins energéticos na região. tre os de maior potencial. “A fronteira não Há 650 mil hectares degradados, aptos para bientais e sociais de bens e serviços no preço
“Não adianta vender o peixe para a alta dire- é discutir impactos, que já são conhecidos, restauração, com ganhos econômicos, sociais de venda” e “adotar estilos de vida que acen-
ção da companhia sem tê-lo na mão para de- mas instrumentalizá-los” , afirma Roberto S. e ambientais. “As ações precisam terminar tuem a qualidade de vida e a subsistência ma-
monstrar que é possível transformar passivo Waack, presidente da Amata, empresa flores- em políticas públicas, com participação da so- terial num mundo finito”. Demorou, mas o
em produto e benefício” , explica Galo. tal que se prepara para investir algo em torno ciedade” , destaca Marcelo Furtado, diretor do mundo parece estar acordando. A corrida para
É quase um trabalho de “evangelização” , de R$ 10 milhões no plantio de espécies na- Instituto Arapyaú, fundação privada parceira medir custos socioambientais e incorporar o
tocado nas empresas por profissionais mais tivas em áreas degradadas por pastagens na do projeto, que integra uma estratégia maior capital natural nas contas é prova disso.

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