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G393 Gestão educacional : uma nova visão [recurso eletrônico] / Sonia Simões

Colombo ... [et al.]. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2007.

Editado também como livro impresso em 2004.


ISBN 978-85-363-1259-0

1. Administração Educacional. I. Colombo, Sonia Simões. II. Título.

CDU 371

Catalogação na publicação: Juliana Lagôas Coelho – CRB 10/1798


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ESCOLA? EMPRESA?
Educação é, por essência, uma atividade de interesse público. Escola pública de
qualidade para todos é um ideal de indiscutível valor, porém um enorme desafio.
Sendo assim, quando a demanda da sociedade não é atendida pelo governo, a co-
brança automaticamente se reverte para a iniciativa privada, que, a princípio, foi
compreendida, no Brasil, como uma alternativa voltada exatamente para suprir
essa deficiência. Por consequência, o caráter empresarial das instituições de ensi-
no foi relevado, esquecido ou, por vezes, combatido. A escola particular de ensi-
no básico passa a carregar codinomes como “tubarões do ensino” e é tratada, até
pela mídia, como uma categoria de empresários pronta a explorar a classe média.
Segundo a opinião pública, “escola não deveria ser uma empresa”. Essa percep-
ção acaba impactando diretamente tanto o trato com a clientela, quanto as rela-
ções de trabalho.
Mais interessante ainda é notar que boa parte dos educadores, ao defenderem
princípios e valores inerentes à atividade-fim, muitas vezes relutam em aceitar a
incorporação de estratégias e mecanismos provenientes de outras atividades em-
presariais, como se, por natureza, as duas realidades – educacional e empresarial

– fossem incompatíveis.
Embora já se reconheça o equívoco dessa visão, ainda persiste a resistência em
aceitar a legitimidade de se buscar lucratividade por meio da prestação de servi-
ços educativos. Muitas vezes, percebe-se que o senso comum entende que estra-
tégias de marketing para escolas de ensino básico pressupõem “enganação”, ou
que ações de vendas, por sua vez, reduzem a instituição de ensino a uma pejora-
tiva classificação de “comercial”. Vários outros exemplos podem ser apontados.
Muitos conceitos e posturas, aceitos e incentivados em qualquer empresa, são vis-
tos negativamente quando aplicados à educação. Recentemente, pudemos obser-
var a interferência do governo no setor, quando a tumultuada economia do país
ditava planos e normas para regulamentar as relações comerciais entre pais e es-
colas, uma fase em que, na mídia, o editorial de educação tratava basicamente de
valores de mensalidade e planilhas.
Por mais que esse histórico possa ter deixado marcas negativas, foi também
por meio das sucessivas crises e planos econômicos que o aspecto empresarial das
escolas passou a ser abertamente discutido, tornando questões importantes para
o amadurecimento do setor evidentes.
E a própria sociedade tratou de cobrar das escolas particulares um posiciona-
mento empresarialmente responsável e moderno. Diante de uma demanda cada vez
mais criteriosa e exigente, sabe-se hoje que a gestão de uma escola deve ter o foco
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nos dois aspectos – educacional e empresarial –, e que somente o desenvolvimento


equilibrado dessas duas realidades levará ao sucesso e à perpetuação do mesmo.
Consequentemente, a gestão moderna da educação básica pressupõe a exis-
tência de um líder cujo conhecimento e perfil favoreçam o aprimoramento da ins-
tituição nos dois sentidos. Além disso, cabe ao gestor a tarefa de difundir tal pos-
tura e formar um grupo de trabalho comprometido com o bom desempenho da
escola como um todo, pois esta só terá se apropriado de seu caráter empresarial à
medida que cada professor ou funcionário se perceber responsável pela saúde da
empresa, ao sugerir uma iniciativa que implique redução de custo, ao portar-se
como “cartão de visitas” da instituição, ou ao abrir seus canais de escuta para a
clientela com a qual se relaciona direta e diariamente.

O EMPRESÁRIO DO ENSINO
O conjunto de escolas particulares pode ser percebido em subgrupos como, por
exemplo, escolas confessionais, escolas de iniciativa privada, de um pequeno gru-
po de sócios ou mesmo de um único proprietário. As diferenças logo se atenuam
quando abordamos uma questão: o comprometimento pessoal com a profissão e
seu ideal de educação.
A nobreza da atividade não garante que não aconteçam equívocos administra-
tivos, que podem levar à condenação de propostas maravilhosas do ponto de vis-
ta pedagógico. É preciso que a consciência empresarial encontre espaço para que
a instituição seja gerida de forma profissional e eficiente.
Qualquer que seja o perfil do mantenedor, percebe-se, na prática, a simbiose
ou a confusão entre os objetivos e as metas da escola e os da mantenedora e, por
que não dizer, os sonhos pessoais. O determinismo apaixonado das pessoas pre-
judica a distinção dessas perspectivas. O fundador tem a autoria de uma visão,
mas isso não lhe faculta o direito de apropriar-se da instituição.
Se o setor busca longevidade para suas empresas, é necessário compreender
que a instituição que surge simplesmente para atender ideais particulares irá en-
velhecer, adoecer e morrer com eles. Idealistas que são, grandes fundadores pre-
cisam se desprender do sentido de propriedade e realizar-se pelo mérito da cria-
ção. Empresas familiares se desenvolveram a partir da criação de escolas, grandes
conselhos se formaram para conduzir outras, enfim, são novas formas de organi-
zação que buscam preservar a missão da instituição, torná-la viável do ponto de
vista financeiro, além de oferecer autonomia para que possa iniciar novos ciclos.

ESCOLA: INSTITUIÇÃO DE ENSINO


Quando se conhece a história de uma escola e os fatos que motivaram sua funda-
ção, com frequência nos depararmos com ideais pessoais (individuais ou coleti-
vos) em busca de realização, ou com a determinação de uma entidade, visando à
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manutenção e à difusão de seus valores e crenças. Porém, embora toda e qualquer


escola se organize a partir da intencionalidade de um determinado grupo de pes-
soas, é necessário que ela se constitua de identidade própria, com suas particula-
ridades e fronteiras bem definidas. Somente dessa forma ela será de fato instituí-
da e irá interagir no macroambiente.
Encontrar sua própria identidade é o primeiro passo de uma longa caminha-
da, e o que parece fácil tornou-se uma das tarefas mais árduas quando da elabo-
ração inicial do projeto institucional, mesmo, senão principalmente, em escolas
em atuação há décadas.
O que torna cada escola única? Para encontrar essa resposta, é preciso ir mui-
to além de questões em torno de conteúdos, grade curricular ou sistema de ava-
liação. A “impressão digital” da instituição se configura na forma como pessoas,
processos e sistemas interagem. É na forma como transcorre o processo educati-
vo e como se organiza a instituição que se evidenciam os valores priorizados. É
nesse momento que se dá a real diferenciação entre tantas instituições que, salvo
uniforme, localização e mensalidade, oferecem os “mesmos produtos”: diplomas
de ensinos fundamental e médio.
É preciso valorizar a importância da elaboração do projeto político pedagógi-
co. Não apenas o documento em si. A produção e consecutivas revisões periódi-
cas são o melhor instrumento para a construção e a manutenção da identidade da
escola, bem como da apropriação dela por todos os professores e funcionários. É
um processo dispendioso, exige grande investimento de verba (pelas inúmeras
reuniões necessárias), disponibilidade real de tempo e trabalho, além do desgas-
te pelas discussões que forçosamente se criam em torno de temas críticos da ins-
tituição. A participação de uma boa consultoria tem muito a contribuir para que
o trabalho seja bem desenvolvido, pois o grande desafio é que os próprios educa-
dores da escola realizem um trabalho coletivo na produção desse documento, ao
mesmo tempo em que realizam suas funções regulares. Mais do que organização,
sistema ou instituição, é imprescindível compreender a escola como um organis-
mo capaz de evoluir.
Escola não para! Uma vez instituída, ela precisa se rever, olhar para fora, en-
tender o passado, visar ao futuro e mudar, reinventando-se sempre.

LIDERANÇA: MESTRES E MAESTROS


Como herança de uma prática comercial/empresarial própria de um passado
recente, a administração escolar carregou a forte característica de restringir-se
ao operacional e funcional. Além disso, trazia arraigada uma cultura de contro-
le, centralizadora e, por vezes, autoritária. A evolução da educação e a amplia-
ção do papel da escola na sociedade mostram que o exercício de liderança nos
moldes tradicionais é incompatível com o novo modelo de escola. Não se trata
apenas de “quem manda aqui”. A gestão escolar moderna precisa superar o ca-
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ráter personalista de liderança. Para isso, é necessário diferenciar os conceitos


e definir os papéis, seja o de mantenedor, o de proprietário (dono de escola) ou
o de diretor.
Em uma prática escolar que abre espaço para uma relação de troca e parce-
ria com a família e sociedade, que transcende a idéia de ensino depositário, que
entende que conteúdo não é fim último do processo ensino-aprendizagem,
buscam-se profissionais engajados, pessoas prontas a interagir com conheci-
mento, colegas de trabalho e clientela. Um grupo como esse se constitui a par-
tir da ação de um líder capaz de mobilizar a equipe, que tenha credibilidade
como implementador e seja inovador, visionário. Longe de ser um super-herói,
precisa, antes de mais nada, assumir seu papel como aprendiz e investir em
sua própria reciclagem.
Ao diretor cabe, indiscutivelmente, uma postura em consonância com os
fundamentos da proposta de escola, pois de nada adianta pregar dogmatica-
mente uma idéia que não seja de fato vivenciada. É uma outra instância de um
currículo oculto do qual partem coerência entre discurso e prática, consistência
de trabalho, além de segurança para corpo docente, funcionários, alunos e pais.
O mesmo “aprender a aprender” que se busca com os alunos, a mesma predis-
posição para novas capacitações que se cobra do professor espera-se em dobro do
líder, do diretor, enfim, do novo gestor. Uma vez que é a sua postura que vai mo-
bilizar toda a equipe, espera-se dele que:

• tenha criatividade;
• perceba o macro;
• saiba trabalhar em equipe;
• seja ágil na resolução de problemas;
• se comunique com eficiência.

Respeitadas as particularidades das inúmeras atribuições e cargos que compõem


o corpo de trabalho, os aspectos acima citados são competências individuais que
em muito podem contribuir se forem trabalhadas por todos os elementos da esco-
la. De fato, é o desenvolvimento pessoal de cada profissional que levará ao suces-
so da instituição, e, embora em tese haja consenso em torno deste princípio, im-
plementá-lo não é tarefa fácil, pois isso só é possível em um ambiente seguro,
construído a partir de uma rede de relações de confiança.
Talvez este seja o ponto central da nova gestão escolar: valorizar e investir no
capital humano, conferir autonomia e responsabilidade aos profissionais envolvi-
dos e conferir autoridade ao líder que atue como organizador, articulador e mo-
bilizador dos diversos processos que se desenvolvem na escola.
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PESSOAS
Deparamo-nos então com outra questão: como motivar e mobilizar as pessoas
que fazem a escola? O desafio está em resgatar o orgulho de “ser professor”. A
busca por crescimento profissional é necessidade inerente ao que se espera desse
novo profissional de educação, que deve ser empreendedor, comprometido com
sua profissão e com a instituição em que trabalha. Disso depende o sucesso da es-
cola. É o professor que entrega, em sala de aula, o que cada família está esperan-
do receber pelos serviços contratados. Somente a consciência dessa responsabili-
dade levará um profissional, antes acomodado, a apropriar-se de seu espaço e as-
sumir a gestão de sua aula, de seu grupo classe. É preciso que seja um gestor vi-
sionário, capaz de implementar seus projetos, imbuído de uma ambição pessoal
pelo sucesso no exercício da docência.
Percebe-se atualmente, no ensino superior, uma migração de profissionais de
diversas áreas para a educação. De certa forma, isso provoca um reorganizar de
idéias, cria-se naturalmente a discussão de valores e práticas até então adotados.
O mesmo não acontece no ensino básico. É necessária a determinação da institui-
ção para se trabalhar o professor que está lá, carente de prestígio e reconhecimen-
to social, e é fruto de uma educação fundada em pressupostos diferentes dos que
hoje constroem um bom profissional. O projeto de capacitação planejado pela es-
cola deve, então, ir além de aspectos técnicos da prática docente e alcançar o pa-
tamar do desenvolvimento pessoal, visando ao perfil profissional almejado.
Nesse sentido, a escola torna-se, também para o professor, um centro de
aprendizagem.

CURSOS, DISCIPLINAS, SETORES


Quando se fala em ensino básico, na verdade tratamos de três realidades total-
mente diferenciadas: ensino fundamental de 1a a 4a série, ensino fundamental de
5a a 8a e ensino médio. Há evidentemente uma série de aspectos que merecem
abordagens particulares, pois visam a objetivos específicos e devem ser adequa-
dos à faixa etária que atendem. Nada justifica, porém, a estratificação ou a depar-
tamentalização que foram criadas e cultivadas nas escolas. Formam-se sistemas
independentes, isolados e, muitas vezes, conflituosos.
Outras segmentações são facilmente identificadas: entre disciplinas, entre setor
pedagógico e setor educacional, ou mesmo entre administrativo e pedagógi-
co/educacional. Por mais que do ponto de vista funcional tais classificações sejam
compreensíveis e mostrem-se positivas, para o aluno a escola é um sistema único,
ou assim deve ser. A realidade fragmentada, compartimentalizada, prejudica a prá-
tica educativa. Por exemplo: muito se discute sobre inter, multi ou transdisciplina-
ridade do ponto de vista metodológico, e embora conceitualmente pareça uma
questão amadurecida, a dificuldade prática em implementar um projeto pedagógi-
co nesta concepção origina-se na própria estrutura da organização escolar.
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Da mesma forma, diversos processos importantes em uma instituição de ensi-


no seriam aprimorados se fossem compreendidos em sua amplitude, dentre eles,
avaliação, matrícula, aula, comunicação e, principalmente, ensino-aprendizagem.
Diferentes perspectivas devem tramitar entre setores para que um compreenda o
outro e todos compreendam o processo como um todo.
Uma eficiente estratégia para superar os entraves criados pela segmentação,
melhorar o fluxo de informação e comunicação e integrar a ação institucional é
criar grupos de trabalho por processo ou projeto, equipes multidisciplinares que
reúnam pessoas de todos os setores envolvidos, representantes selecionados pela
importância de sua participação direta no processo, independentemente de hie-
rarquia ou cargo que ocupem. Um determinado projeto, do qual participem dire-
tores, coordenadores e professores, pode ser coordenado por um professor de
uma área específica. Essa alternância de papéis favorece a integração e enriquece
o ambiente de trabalho: a escola – cenário onde se desenrolam vários processos
pelos quais o gestor transita estrategicamente.

ADMINISTRAÇÃO DO TEMPO E ESTRATÉGIA


No dia a dia, é um grande desafio encontrar, em meio à rotina escolar, o tempo
que deve ser dedicado aos objetivos maiores da empresa como um todo. O gestor
não pode satisfazer-se com o bom desenrolar de cada dia; deve procurar ver a mé-
dio e longo prazos e realizar ações que visem a:

• planejamento estratégico;
• desenvolvimento dos processos;
• avaliação dos resultados alcançados.

Parece fácil e óbvio, não fossem os acidentes no parque, incidentes na porta da


escola, faltas de professor, reuniões com pais, e por aí vão as inúmeras atribui-
ções que acabam recaindo sobre o diretor, independentemente do número de
pessoas destinado àquela atribuição. E este deve ser o começo: distribuição de
funções, o que implica definir responsabilidades e conferir autonomia para
possibilitar a resolução de problemas. Por si só, essa clareza já evitará um fato
comum em qualquer escola – vários profissionais atuando numa mesma ques-
tão, sem que, na verdade, isso seja necessário. Por certo, nesse contexto algo
deixou de ser feito! Agrega-se a isso o fato de o atendimento ao aluno e as roti-
nas escolares serem sempre prioritárias e movidas a prazos de urgência. Então,
ações como planejar, registrar e avaliar não recebem a dedicação que lhes cabe.
Uma boa escola, assim como qualquer empresa, precisa de um diretor atuante,
mas não preso à rotina de forma a impedir uma participação mais ampla e es-
tratégica.
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PENSANDO O FUTURO
Muitas reportagens apontam a educação como o negócio do futuro. Para a escola
particular de ensino básico no Brasil, essa é uma perspectiva difícil de se vislum-
brar. O mercado passa por uma crise de oferta excessiva e demanda em queda. A
escola particular atende às retraídas classes média e alta, do ponto de vista de po-
der aquisitivo, que vêm mostrando mudanças no padrão de comportamento. Fa-
tores como redução do número de filhos, realocação de moradia e incorporação
de outros hábitos que implicam gastos concorrentes ao investimento na escolari-
zação dos filhos afetam diretamente o setor privado da educação básica.
Em contrapartida, as escolas recebem grande cobrança da comunidade e veem
seu papel social ampliar-se a cada dia.
Desenha-se hoje um contexto crítico para o futuro das instituições: em um
mercado potencial retraído, cresce, a cada dia, a pressão por menor preço e maior
qualidade.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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