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Capitulo IV – Catimbó / Jurema II

A iniciação se dá através do aprendizado dos "segredos da jurema" e é transmitida


individualmente, o discípulo aprende pouco a pouco com o Mestre, indo vê-lo, ao
acaso da vontade e das circunstâncias, "quando quiser"; os discípulos aprendem os
cantos e os segredos de seus chefes nas horas de lazer, conversando com eles.
Não existe uma obrigação individual, de culto privado, mas recomendações dos
encantados aos doentes ou aos clientes de acender uma vela para esse ou aquele
caboclo em determinado dia e hora, de rezar a certos momentos do dia, antes uma
vaga imitação das penitências católicas, cuja função teria se modificado, do que um
verdadeiro culto de deuses.
Segundo as observações feitas por (Cascudo, Bastide, Fernandes), a cerimônia principal
do catimbó e denominada "mesa".
Entre os objetos rituais da "mesa", no centro, encontram-se a "princesa", bacia de
louça entre duas "bugias", velas, acesas ao começo da "fumaça".
Dentro da "princesa" põe-se um pequenino Santo Antônio de madeira, ao lado da
"princesa" fica a "marca", cachimbo grande, já sarrento, de cabo comprido.
A "princesa" não está colocada diretamente sobre a toalha da mesa e sim pousando
numa rodilha de pano não servido, pano limpo, virgem e são.
Diante do "mestre" está um crucifixo, à esquerda a chave de aço, virgem de qualquer
uso, limpinha e reluzente, sempre presente para abrir e fechar sessões, e
simbolicamente o corpo dos consulentes.
O que nos faz recordar, na bruxaria europeia, a santa chave do Sacrário, furtada
para uso do "feitiço".
Outros objetos são utilizados, como: santos católicos, incenso, velas acesas, e orações
católicas.
Esses objetos rituais unem a América indígena à América católica, com seus charutos,
suas garrafas de aguardente, seus pequenos arcos, suas imagens de santos ou
crucifixo, seu instrumento de música indígena, o maracá, e 'a princesa' (...),
um tacho em que se faz a moenda da jurema e por onde descem os espíritos
invocados: é o receptáculo da santidade.
Uma mesa de jurema observada por Fernandes chama a atenção pela diversidade de
objetos: garrafadas de jurema, cachimbos, novelos de linha, agulhas, botões, imagens
de santos, principalmente um crucifixo, amarrados de cordões e fitas, pequenos
alguidares, maracás, bonecas de pano, cururus secos, fumo de rolo etc.
Muitos usam o alguidar sobre brasas ao pé da mesa, fervendo raízes ou ervas, a sessão
tem início com a abertura da mesa feita com invocações cantadas e velas acesas.
Distribuem entre os presentes a jurema.
O ritual que se segue varia com o fim mágico desejado começa a invocação aos
Mestres.
Antes do peditório, porém, foi a pessoa defumada e preparada com rezas e
defumatórios, a catimbozeira defuma soprando com a boca no recipiente de fumo do
cachimbo, para que a fumaça saia pela boquilha.
O autor assinala ainda que a catimbozeira fazia a "mesa" depois da meia-noite acendia
quatro velas nos quatro cantos da sala e abria a "mesa" com a cantoria.
Os autores citados ressaltam a existência de cerimónias públicas de "pedido", em que
os caboclos vêm um após o outro para atender os pedidos de cura, e de cerimónias
privadas, realizadas diariamente e denominadas fumaças às direitas para tratamento
médico, remédios, conselhos, orientações benéficas, dádivas de amuletos e fumaças às
esquerdas destinadas a vinganças, dificultar negócios, obstar casamento, enfermar
alguém, conquistar mulher casada, despertar paixão.
Sessões públicas de cura, destacando o catimbó como um lugar de consulta e remédio,
de caráter privado, para realização de "trabalhos", bons ou maus, pelos "mestres"
conhecidos por suas predileções maléficas ou caritativas.
A sessão a que se refere Cascudo se caracteriza por seu caráter especial privado de
encomenda o chamado " trabalho particular" promovido com fins reservados, para
atender a um "trabalho" encomendado por um "cliente".
Uma dessas sessões e a de "fechar o corpo", cujo objetivo e imunizar o corpo contra o
Mal, o cliente paga a sessão.
A cerimónia é intuitiva e simples, baseada nas simpatias da repetição irresistível:
(...) fecha-se a sala, acende-se a velaria, o "mestre " abre a sessão, depois da
defumação, goladas de cauim, o "mestre" sopra a água e a despeja numa
bacia nova de flandres. o candidato se descalça, entra para a bacia, equilibrando-se,
com o pé direito sobre o esquerdo(...).
Uma sessão de "fechar o corpo" teve um ilustre participante, Mário de Andrade, tendo
sido realizada na Casa de Dona Flastina, morro de Mãe Uiiza, em Natal-RN, no dia 28
de dezembro de 1928.
Uma outra sessão de natureza privada denominada "jurema de chão", foi descrita por
Fernandes (1938):
(...) estava no chão, ao centro, uma toalha de algodão quadriculada, tinha no meio um
crucifixo pequeno e ao redor pratos fundos cheios de fumo picado, alternados com
castiçais grosseiros com velas acesas. Todos ao redor de "mesa" (apesar de estar
diretamente sobre o chão de terra batida, chamam à arrumação de "mesa"), inicia o
catimbozeiro a sessão. para isso apanha, muito solene, abaixando-se, o crucifixo.
Ergue-o no ar, elevando-o por cima da cabeça, baixando as mãos depois até a altura da
testa.
benze-se assim de crucifixo na mão, mas só da testa para o nariz, é um " em nome do
Padre" incompleto abreviado, isto feito vai começar o ritual da abertura de mesa.
Aberta a mesa, acende os cachimbos e entra a defumar lodos os presentes, para
afastar os maus, os encostos e qualquer mal encausado, defuma soprando fumaça dos
pés a cabeça das pessoas, invertendo a posição de uso do cachimbo, defuma
e depois cicia, após cada baforada, palavras incompreensíveis e tão apressadamente
que não se as pode gravar.
Terminado o ofício defumatório, ato mágico com finalidade protetora individual, torna
a cantar, agora o "fecha a mesa", muito parecido com o cântico de abertura.
Esta sessão é de tipo puramente defensivo e tem muita voga, fazendo-se com grande
número de presentes.
Durante a realização dos rituais e "trabalhos" de mesa de catimbó, fuma-se e bebe-se
aguardente ("cauim").
O "mestre" só fuma o seu cachimbo às avessas, pondo a boca no fornilho e soprando
a fumaça pelo canudo para os " quatro cantos da mesa", monologando baixinho uma
oração católica.
É por meio do fumo, tragando a fumaça ou respirando profundamente, que o transe é
obtido, no catimbó "o transe é produzido por processos físicos, pela intoxicação, em
parte com fumo e sobretudo com a jurema.
Durante o transe, o mestre apresenta algumas características: voz típica, modos
peculiares, gestos, cantiga.
Antes, o transe só atingia o Mestre, só ele recebia as comunicações, hoje, qualquer um
pode dar os sinais da atuação e estrebuchar, com o corpo possuído por um
'Mestre' invisível".
A farmacopeia dos catimbós é tirada basicamente da flora, originando uma flora
medicinal do catimbó, encontrado o problema que aflige o cliente, os "mestres" do
catimbó recorrem, então, a sementes, cascas, raízes, folhas, raminhos e flores
preparados por eles ou indicados mediante conselhos técnicos para o preparo do
cozimento, defumação, lambedor (xarope), chá, emplastro, fricção, banho, fumigação
etc.
As descrições do catimbó feitas por diferentes estudiosos e apresentadas
anteriormente se baseiam em dados coletados a partir da década de 1920, na região
do litoral e do agreste nordestinos, compreendendo o espaço que vai do Rio Grande
do Norte até Alagoas.
Predomina na região características de uma sociedade rural que procura manter os
vínculos de uma cultura tradicional, marcada pela religiosidade de um catolicismo
popular.
Um período em que as práticas religiosas diversas do catolicismo oficial e dominante
são proibidas e perseguidas pela força policial e pela sociedade geral.

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