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Cátia Veneziano Pitombeira

Simone Makiyama
Flávia Colen Meniconi
[Orgs.]

TUTÓIA-MA, 2021
EDITOR-CHEFE
Geison Araujo Silva

CONSELHO EDITORIAL
Ana Carla Barros Sobreira (Unicamp)
Bárbara Olímpia Ramos de Melo (UESPI)
Diógenes Cândido de Lima (UESB)
Jailson Almeida Conceição (UESPI)
José Roberto Alves Barbosa (UFERSA)
Joseane dos Santos do Espirito Santo (UFAL)
Julio Neves Pereira (UFBA)
Juscelino Nascimento (UFPI)
Lauro Gomes (UPF)
Letícia Carolina Pereira do Nascimento (UFPI)
Lucélia de Sousa Almeida (UFMA)
Maria Luisa Ortiz Alvarez (UnB)
Marcel Álvaro de Amorim (UFRJ)
Meire Oliveira Silva (UNIOESTE)
Rita de Cássia Souto Maior (UFAL)
Rosangela Nunes de Lima (IFAL)
Rosivaldo Gomes (UNIFAP/UFMS)
Silvio Nunes da Silva Júnior (UFAL)
Socorro Cláudia Tavares de Sousa (UFPB)
COMISSÃO CIENTÍFICA
Profa.Dra. Adriana Lopes Lisboa Tibana
Profa. Dra. Adriana Nascimento Bodolay
Profa. Dra. Cátia Veneziano Pitombeira
Prof. Dr. Daniel Adelino Costa Oliveira da Cruz
Prof. Dr. Éderson Luís da Silveira
Profa. Dra. Flávia Colen Meniconi
Profa. Dra. Flávia Karolina Lima Duarte Barbosa
Prof. Me. Jeferson Cipriano de Araújo
Prof. Dr. Jozefh Fernando Soares Queiroz
Profa. Dra. Kristianny Brandão Barbosa de Azambuja
Profa. Dra. Laureny Aparecida Lourenço da Silva
Prof. Dr. Lucas Rodrigues Lopes
Profa. Dra. Maria Eugenia Witzler D’Esposito
Profa. Dra. Rosária Cristina da Costa Ribeiro
Profa. Dra. Rosycléa Dantas
Prof. Me. Rusanil dos Santos Moreira Junior
Profa. Dra. Simone Makiyama
Prof. Dr. Thadeu Vinícius Souza Teles
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(eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)

L755
Linguística aplicada e ensino de línguas estrangeiras [livro eletrônico]:
reflexões, experiências e desafios / Organizadoras Cátia Veneziano
Pitombeira, Simone Makiyama, Flávia Colen Meniconi. – Tutóia, MA:
Diálogos, 2021.

Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-65-89932-32-1

1. Linguística aplicada. 3. Linguagem e línguas – Estudo e ensino. I.


Pitombeira, Cátia Veneziano. II. Makiyama, Simone. III.Meniconi, Flávia
Colen.

CDD 410

Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422

https://doi.org/10.52788/9786589932321

Editora Diálogos
contato@editoradialogos.com
www.editoradialogos.com
Sumário

Prefácio - Sobre as incertezas que permeiam as escrevivências


dos sujeitos da/na educação.................................................................................8
Éderson Luís Silveira

Apresentação................................................................................................................... 14
Lucas Rodrigues Lopes

1 - Residência pedagógica e sua contribuição na formação


inicial dos licenciandos em Letras Espanhol da Universidade
Federal de Alagoas...................................................................................................... 23
Renata Cybelle da Silva Rocha
Flávia Colen Meniconi

2 - Crenças de aprendizagem e o uso de estratégias: um estudo


com aprendizes autônomos de língua inglesa......................................48
Simone Makiyama
Benildo gomes da Silva

3 - Ensino remoto no curso do Idiomas sem Fronteiras na UFAL:


reflexões sobre os aspectos interativos...................................................... 67
Cátia Veneziano Pitombeira
Gabriel Pereira da Silva
José Miguel da Silva Ramos
Rosycléa Dantas

4 - O agir didático e os obstáculos de um professor de língua


inglesa em contexto remoto................................................................................85
Kelli Mileni Voltero
Juliana Fioroto
Luciano Franco da Silva
5 - As percepções de se (re)descobrir professor/a de língua
espanhola durante a pandemia: um relato de experiência de
estágio supervisionado pela visão do Professor em Formação
Inicial e da Professora Regente........................................................................... 111
Elaine dos Santos Sgarbi
Mozart Luiz Tavares da Silva Gomes

6 - Diálogos plurais e locais: reflexões sobre o ensino e aprendizagem


da língua inglesa a partir do relato de estudantes de uma escola
pública em período pandêmico......................................................................... 135
Cristiane da Silva Uchoa
Gutyerlle de Sousa Araújo
Maria Luand Bezerra Campelo

7 - ISF - ANDIFES Língua Francesa na Ufal: relatos de experiência


do ensino de FOS/FOU na formação inicial de professores ������� 153
Edja Feliciano Silva
Jofre Francisco da Silva
Rosária Cristina Costa Ribeiro

8 - Gêneros textuais e atividades sociais na didática de línguas


orientais com escrita não-romanizada: contradições na
adaptação do cotidiano para o científico no ensino de japonês
através do gênero aviso......................................................................................... 177
Otávio de Oliveira Silva

9 - Formação de professores de língua inglesa:


desenvolvendo um perfil de professor pesquisador no estágio
supervisionado................................................................................................. 202
Walter Vieira Barros
10 - O Ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras em Letras:
os saberes docentes e as expectativas sobre identidades de
atuação..............................................................................................................................222
Rita de Cássia Souto Maior
Dara Raiza Melo de Souza

11 - Um recorte da competência linguístico-comunicativa de


futuros professores de espanhol como língua estrangeira
(ELE)..................................................................................................................................... 242
Thays Costa Lisboa de Sá
Ana Lúcia Rocha Silva

12 - A linguagem e o ensino de Língua Espanhola em Planos de


Aula de uma Plataforma Pedagógica Virtual...................................... 265
Danillo Silva Feitosa
Silvio Nunes da Silva Júnior

13 - Diversidade na Sala de Aula de LI: o Educando Urbano e Rural


da EJA................................................................................................................................. 290
Agnaldo Pedro dos Santos Filho
Leda Regina de Jesus Couto
José Veiga Viñal Júnior

Sobre as organizadoras........................................................................................308

Sobre os autores e autoras.................................................................................. 310

Índice remissivo.......................................................................................................... 320


Prefácio

Sobre as incertezas que permeiam


as escrevivências dos sujeitos da/na
educação

Éderson Luís Silveira1

O prefácio é uma parte dos livros que constitui e se amalgama


com o conteúdo do livro a que se refere, instigando quem for ler com
a degustação de alguns preâmbulos do que está por vir. É uma forma
de criar expectativas sobre a leitura. Trata-se daquilo que vem antes,
do latim “dito (fatio) antes (prae)”. Diante do convite para redigir esta
parte do livro, me deparei com uma perspectiva fundante, que remete
a uma premissa particular: não queria que o texto fosse um spoiler do
que está por vir, mas uma leitura perspectiva acerca do que entrela-
ça os capítulos que compõem a obra da qual este prefácio faz parte.
Dizer antes, então, diz respeito a falar a partir de uma voz que vem de
outro lugar, o da observação das partes que compõem o caleidoscó-
pio educacional que fez germinar mais essa iniciativa de falar sobre o
campo educacional. O que busco, portanto, seguindo essa premissa, é
provocar reflexões que se articulam à temática dessa obra, buscando
abrir-se para incertezas, direcionando-se para a deriva e a desloca-
mentos possíveis (SILVEIRA, 2021).

1 Vice-Líder do Grupo de Pesquisa Michel Foucault e os Estudos Discursivos (UFAM/CNPq); Doutor em


Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: ediliteratus@gmail.com

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 8


A obra Linguística Aplicada e Ensino de Línguas Estrangeiras:
reflexões, experiências e desafios é resultado de um esforço coleti-
vo que aborda o campo da Linguística Aplicada sob lentes particu-
lares que se voltam para um velho conhecido: o ensino de línguas
estrangeiras. No entanto, é importante mencionar que, se a Linguísti-
ca Aplicada pode ser pensada como um campo disciplinar, isso não
quer dizer que ela seja homogeneizadora. Isso porque estudiosas e
estudiosos dessa vertente de estudos não pensam da mesma forma.
Diante disso, os capítulos da obra em questão levam em considera-
ção as relações entre pesquisa e vida social, já que, como Moita Lopes
um dia acentuou, todo conhecimento é político e vem de algum lu-
gar. Por isso, “[p]olitizar o ato de pesquisar e pensar alternativas para
a vida social é parte intrínseca dos novos modos de teorizar e fazer
linguística aplicada” (MOITA LOPES, 2006, fragmento da contracapa, s.
p.).
Tanto organizadoras quanto autoras e autores de capítulos desse
livro podem ser pensados, então, como sujeitos da educação, por-
que falam sobre a educação, produzem pesquisas no âmbito edu-
cacional, mas também são sujeitos situados na educação, porque é
no campo educacional onde suas ideias, atravessamentos teóricos e
vivências fazem sentido no âmbito das produções de subjetividades
outras, que não podem estar relegadas à homogeneização neolibe-
ralista da Educação, que é resultado do apagamento de inúmeros su-
jeitos desviantes no decorrer da história da humanidade.
Dessa forma, este livro é resultado de um esforço produzido a vá-
rias mãos que, em conjunto, se unem na tessitura de uma tapeçaria
textual que envolve nuances, encontro com situações e com contra-
dições fundantes, dúvidas, experiências de vida, problematizações e
incertezas. O que os capítulos buscam é socializar descobertas para
que cada vez mais sujeitos “ascendam a esses benefícios, ampliem a

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 9


sua capacidade de linguagem, ampliem seus horizontes linguísticos
com conhecimentos de outras normas, de outros registros, de outras
variantes... no sentido de que eles possam se tornar mais plenamente
humanos” (FARACO, 2003, p. 75).
Na medida em que a educação como área do conhecimento se
expande e ganha profundidade, a mobilização de campos de estu-
dos singulares vai tendo aparição. Novas urgências vão dando lugar
a outras teorizações que estão associadas a emergências práticas.
Assim, as bibliografias tendem a sofrer uma espécie de atualização
no que diz respeito aos modos de ler e de compreender o mundo à
nossa volta, bem ao sabor daquilo que Conceição Evaristo costuma
chamar de escrevivência, porque a vida também é escrita por meio
da vivência dos sujeitos. O livro que as leitoras e os leitores têm em
mãos é resultado de um movimento de apropriação que parte de es-
crevivências únicas, ainda que estejam associadas a identificações e
desidentificações de quem o recebe.
É assim que novas perguntas vão sendo efetuadas em relação a
velhos objetos e, desse modo, diversos interlocutores têm sido lidos,
visando compreender a Educação e a constituição da própria socie-
dade. O campo educacional é um locus de pesquisa, mas, também, o
lugar em que as dúvidas e as incertezas pairam e nos acompanham
enquanto profissionais que se voltam para o objetivo comum de apri-
morar não somente os modos de fazer brotar o conhecimento, mas
os modos de incentivar a produção de formas de subjetivação outras,
que não aquelas que são produto do neoliberalismo, que apaga su-
jeitos e histórias singulares em prol da homogeneização de condutas.
Nesse sentido, a educação é algo construído em conjunto e isso
está refletido e refratado nessa vontade de ultrapassar o senso co-
mum, de ser mais, de nos apropriarmos de formas não excludentes de
construção do conhecimento e de disseminação de saberes trans-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 10


formadores de vivências. Para isso, antes de qualquer coisa, é preci-
so reconhecer que estamos em um campo de incertezas. No livro O
nome da Rosa, por exemplo, há um diálogo entre o noviço Adso e o
monge Guilherme, onde tal perspectiva é mobilizada:

- Então, não tendes uma única resposta para nossas perguntas?


- Adso, se as tivesse ensinaria Teologia em Paris
- Em Paris eles têm sempre a resposta verdadeira?
- Nunca- disse Guilherme- mas estão muito seguros de seus erros.
- E vós- disse eu com impertinência infantil- nunca cometeis erros?
- Frequentemente, respondeu. Mas ao invés de conceber um único erro, imagi-
no muitos, assim não me torno escravo de nenhum (ECO, 1983, p. 351).

Os capítulos que constituem a obra em questão partem de dúvi-


das que permeiam a formação de professores que se situam no mun-
do por meio de suas escrevivências para falar de um lugar que, se é
repetível, também é único, porque, como aprendemos com Bakhtin,
ninguém pode falar no lugar do outro e, ainda que os discursos es-
tejam em diálogo, numa cadeia enunciativa infindável, a cada vez
que alguém escreve, pesquisa, luta, se mobiliza, (re) apropria-se de
velhos objetos, se acentua o caráter de escrevivência daquilo que é
produzido. Por isso que falar sobre residência pedagógica, crenças de
aprendizagem, aspectos interativos do ensino remoto, didática e obs-
táculos da docência, (re) descobrimento de si como docente duran-
te a pandemia, e considerar relatos de experiências, diálogos plurais
e locais, atividades sociais, saberes, expectativas e contradições são
elementos que apontam para a inconstância e para a incerteza que
funda o exercício da docência como um ato de resistência.
Outrossim, é importante mencionar que o saber que parte do
desconhecido é um saber revolucionário, porque pode ser alterado,
porque pode considerar a heterogeneidade de sujeitos intercambi-
áveis que interagem no mundo linguageiro do qual fazemos parte.
Se as vivências se alteram e se modificam com o passar dos anos,

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 11


então a educação precisa fazer parte desse movimento de trans-
formação. E a transformação passa pela incerteza. Por isso que esse
desconhecido é um estranho familiar, como chamaria Freud, porque
nos movemos diante de algo por vezes instransponível, que se reveza
de tempos em tempos, como resultado de desafios aos quais somos
submetidos no cotidiano.
Esse desconhecido, que é um estranho familiar, é nomeado de
diversas formas e está associado a modos de subjetivação de cada
docente, de cada estudante, de cada sujeito educacional, que pode
transformar sua experiência e o encontro com tal instância em escre-
vivência. Sendo assim, este livro é o resultado do esforço de situar um
coletivo de escrevivências, que vão se somando umas às outras e se
unindo num caleidoscópio de temas, autores, abordagens e proble-
máticas. Se o “mundo mudou” e “se a escola está em crise” ou se “os
alunos não aprendem”, de tempos em tempos é preciso pensar em
como ofertar ferramentas e perspectivas frutíferas que nos auxiliem a
transitar por esse mundo incerto, porque sujeitos, escola e educação
são produzidos com o passar do tempo de formas e aspectos dife-
rentes.
Diante disso, para buscar uma reflexão extensa e apurada, é pre-
ciso que cada esforço venha somar-se a outros esforços existentes,
não para substituir os esforços que os antecederam, mas para juntar
as vozes daqueles que bradam na construção de um movimento de
(auto) reflexão e de questionamento sobre as práticas teórico-me-
todológicas que sustentam modos de nos situarmos no mundo. Este
livro é um desses “galos que tecem a manhã”, junto de outros galos,
até que novos amanheceres sejam tecidos, como no poema de João
Cabral de Melo Neto. Rumemos, então, para as próximas páginas, a
fim de perceber que, se as escrevivências das autoras e dos autores
estão aqui publicadas, elas podem suscitar, durante e depois da lei-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 12


tura, que outras escrevivências sejam tecidas e compartilhadas para
além e a partir delas.

Referências

ECO, Umberto. O nome da Rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983, p. 351.
EVARISTO, Conceição. Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face.
In: MOREIRA, Nadilza; SCHNEIDER, Liane (Orgs.). Mulheres no mundo: etnia,
marginalidade, diáspora. João Pessoa: Ideia, 2005, p. 201-212.
FARACO, Carlos Alberto. Entrevista. In: XAVIER, Antonio Carlos; CORTEZ, Suza-
na (Orgs.). Conversas com linguistas: virtudes e controvérsias da Linguísti-
ca. São Paulo: Parábola, 2003.
FREUD, Sigmund. (1919). O Estranho. In: FREUD, Sigmund. Uma neurose in-
fantil e outros trabalhos (1917-1918). Rio de Janeiro: Imago, 2006. [Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud,
v. XVII].
MOITA LOPES, Luiz Paulo da (Org.). Por uma linguística aplicada indiscipli-
nar. São Paulo: Parábola, 2006.
NETO, João Cabral de Melo. Poesias Completas. Rio de Janeiro: Sabiá, 1968.
SILVEIRA, Éderson Luís. Por uma cartografia netnográfica em tempos pan-
dêmicos: entre a psicopolítica e a biopolítica do negacionismo. Amor Mun-
di, v. 2, n. 3, p. 97-117, mar. 2021.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 13


Apresentação

O verbo apresentar traz à memória diferentes definições. Assim


sendo, optou-se por aquela que retrata o(s) efeito(s) de sentido(s)
– singularizar-se por um detalhe, traço ou característica. É assim que
é retratada a obra Linguística Aplicada e Ensino de Línguas Estran-
geiras: reflexões, experiências e desafios, organizada pela Profa. Dra.
Cátia Veneziano Pitombeira em colaboração com a Profa. Dra. Simone
Makiyama e Profa. Dra. Flávia Colen Meniconi, da Faculdade de Letras,
da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
A publicação deste importante compêndio, que reúne 13 capítu-
los, marca o momento pelo qual a Educação, de modo geral, e a Uni-
versidade Pública, no Brasil, atravessam. Nesse sentido, à margem de
uma sociedade dita contemporânea, cujo clamor é pelo ineditismo e
vertiginoso desenvolvimento científico, observa-se o eco das inúme-
ras vozes, das vivências e adversidades. Sabe-se bem que os enfren-
tamentos e resistências não são de agora!
Dessa forma, a tônica da obra apresentada aponta para o ensi-
no-aprendizagem de línguas-culturas – Espanhola, Francesa, Inglesa
e Orientais, bem como destaca a constituição identitária desses pro-
fissionais em diferentes frentes.
Diante dessas considerações, os 13 capítulos ficaram dispostos
da seguinte forma:
O primeiro capítulo Residência pedagógica e sua contribuição na
formação inicial dos licenciandos em Letras Espanhol da Universida-
de Federal de Alagoas, de autoria de Renata Cybelle da Silva Rocha,
Professora de Educação Infantil, e de Flávia Colen Meniconi, Professora
Doutora do Curso de Letras/Espanhol da Universidade Federal de Ala-

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goas e do Programa de Pós-Graduação (PPGLL/FALE/UFAL), expõe as
contribuições do Programa Residência Pedagógica (PRP), do Governo
Federal, na formação inicial de licenciandos em Letras – Espanhol da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL). O capítulo tem como objeti-
vo enfatizar a importância do Programa Residência Pedagógica (PRP)
para o contexto educacional brasileiro e discutir sobre a formação do
professor de língua espanhola por meio da perspectiva do letramento
crítico.
O segundo capítulo Crenças de aprendizagem e o uso de estra-
tégias: um estudo com aprendizes autônomos de língua inglesa, de
autoria de Simone Makiyama, Professora Doutora do Curso de Letras/
Inglês da Universidade Federal de Alagoas, e Benildo Gomes da Sil-
va, Professor de Inglês do Ensino Fundamental da Educação Básica
no município de Maceió – AL, trata da aprendizagem de estudantes
autônomos, ou seja, alunos autodidatas de língua estrangeira e que
apresentam um bom desempenho linguístico. O capítulo tem como
objetivo refletir sobre a relação entre crenças e estratégias de apren-
dizagem de três licenciandos do curso de Letras-Inglês, aprendizes
autônomos de língua inglesa, que não cursaram escolas de idiomas e
apresentam proficiência na língua estudada. A pesquisa apresentada
buscou saber como aprendizes de língua estrangeira, de forma auto-
didata, conseguiram atingir proficiência na língua estudada.
O terceiro capítulo Ensino remoto no curso do Idiomas sem Fron-
teiras na UFAL: reflexões sobre os aspectos interativos, de autoria de
Cátia Veneziano Pitombeira, Professora Doutora do Curso de Letras/
Inglês da Universidade Federal de Alagoas, Gabriel Pereira da Silva e
José Miguel da Silva Ramos, ambos graduandos em Letras/Inglês da
Universidade Federal de Alagoas, e Rosycléa Dantas, Professora Dou-
tora do Curso de Letras/Inglês da Universidade Federal de Alagoas,
considera as especificidades e complexidades do contexto de Ensino

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 15


Remoto Emergencial. O capítulo tem como objetivo investigar como
a interatividade/interação foi construída ao longo de um curso de In-
glês para fins específicos, no âmbito do Idiomas sem Fronteiras da
Universidade Federal de Alagoas e na modalidade remota.
O quarto capítulo O agir didático e os obstáculos de um profes-
sor de língua inglesa em contexto remoto, de autoria de Kelli Mileni
Voltero, Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Estudos Lin-
guísticos pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP-Ibilce), Juliana Fioroto, Professora de Ensino Médio e Técnico
do Centro Paula Souza, e Luciano Franco da Silva, Doutorando em Es-
tudos Linguísticos pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mes-
quita Filho” (UNESP-Ibilce), apresenta a análise de uma aula de língua
inglesa, lecionada em contexto remoto – aula ao vivo – em um con-
texto privado, especificamente, de uma escola de idiomas localiza-
da no noroeste paulista. O capítulo tem como objetivo a) identificar
a organização temática de uma aula de língua inglesa em contexto
remoto; b) reconhecer os obstáculos do professor de línguas em rela-
ção ao processo de ensino e aprendizagem; c) identificar os agires do
docente abordados durante a aula.
O quinto capítulo As percepções de se (re)descobrir professor/a
de língua espanhola durante a pandemia: um relato de experiência
de estágio supervisionado pela visão do Professor em Formação Ini-
cial e da Professora Regente, de autoria de Elaine dos Santos Sgar-
bi, Professora de língua espanhola do Instituto Federal de Alagoas/
Campus Maceió, e Mozart Luiz Tavares da Silva Gomes, graduando do
Curso de Letras/Espanhol da Universidade Federal de Alagoas, abor-
da o Ensino Remoto Emergencial (ERE) como a única alternativa para
dar continuidade às aulas e tentar dirimir os prejuízos causados com
a suspensão das atividades presenciais de ensino. O capítulo tem
como objetivo trazer um relato de experiência e as percepções sobre

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 16


o ensino da língua espanhola durante a pandemia, ou seja, através
da adaptação do presencial para o on-line a partir de dois lugares
de fala: o primeiro é o lugar de fala de um estudante, um professor
em formação inicial (PFI), da Universidade Federal de Alagoas, que
teve que se adaptar ao ensino remoto não só como discente, mas
também como docente; já o segundo é o lugar de fala de uma pro-
fessora regente (PR), do Instituto Federal de Alagoas, que além de ter
que adaptar sua prática profissional cotidiana, teve a experiência de
receber estudantes em etapa de estágio em sua sala de aula virtual.
O sexto capítulo Diálogos plurais e locais: reflexões sobre o ensi-
no e aprendizagem da língua inglesa a partir do relato de estudantes
de uma escola pública em período pandêmico, de autoria de Cristia-
ne da Silva Uchoa, Doutoranda em Estudos Linguísticos pelo Progra-
ma de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná
(PPG-LET/UFPR), Gutyerlle de Sousa Araújo, Professor de Inglês em ins-
tituições privadas e públicas, e Maria Luand Bezerra Campelo, Pesqui-
sadora na área de Português Língua de Acolhimento, bilinguismo e
migrações internacionais na contemporaneidade, discorre a respei-
to das duras consequências sobre a forma de aprender dos jovens e
adultos no país, fazendo com que a escola, os professores e a socie-
dade como um todo recriasse estruturas, metodologias e ações no
campo educacional para que de algum modo a educação escolar
alcançasse as parcelas menos favorecidas da população brasileira.
O capítulo tem como objetivo investigar o contexto de ensino on-line
durante a pandemia. Para o desenvolvimento do capítulo, foram tra-
balhadas as concepções de um grupo de estudantes do ensino fun-
damental II, da disciplina de Inglês, oriundos de uma escola pública
do estado do Maranhão, tendo como instrumento de coleta de dados
o questionário Google Forms.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 17


O sétimo capítulo ISF - ANDIFES Língua Francesa na Ufal: relatos
de experiência do ensino de FOS/FOU na formação inicial de profes-
sores, de autoria de Edja Feliciano Silva, Professora de língua france-
sa, Jofre Francisco da Silva, graduando do Curso de Letras/Francês
da Universidade Federal de Alagoas, e Rosária Cristina Costa Ribeiro,
Professora Doutora do Curso de Letras/Francês da Universidade Fede-
ral de Alagoas, debate as implicações de dois cursos de 40 horas de
duração, no formato a distância, que se desenvolveram nas modali-
dades Francês para Objetivo Específico (FOS) e Francês para Objeti-
vo Universitário (FOU), nos níveis A1 e A2+, respectivamente. Tais cur-
sos foram desenvolvidos durante os meses de outubro a dezembro
de 2020, pela plataforma Google for Education®, para a comunidade
acadêmica da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), da qual fazem
parte os PFI (Professor em Formação Inicial). O capítulo tem como ob-
jetivo discutir o impacto do programa ISF-Andifes na formação dos PFI
envolvidos nessa oferta de 2020. Mais especificamente, pretendeu-se
desenvolver um rápido levantamento e análise de questões que gra-
vitam em torno das noções de FOS e FOU, bem como sobre formação
inicial de professores, ensino a distância no contexto de pandemia e
relato de experiência.
O oitavo capítulo Gêneros textuais e atividades sociais na di-
dática de línguas orientais com escrita não-romanizada: contradi-
ções na adaptação do cotidiano para o científico no ensino de ja-
ponês através do gênero aviso, de autoria de Otávio de Oliveira Silva,
Doutorando em Letras pelo Programa de Pós-graduação em Letras
Estrangeiras e Tradução (PPG-LETRAS), do Departamento de Letras
Modernas (DLM) da FFLCH-USP, traz à tona algumas considerações
sobre o trabalho com o gênero textual aviso, pautadas na experiência
docente do autor na área de Linguagens e Suas tecnologias, atra-
vés do componente extracurricular Língua Estrangeira Moderna (LEM)
– Japonês na Educação Básica, especificamente nos anos finais do

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 18


Ensino Fundamental e no Ensino Médio, por cerca de sete anos con-
secutivos (2011 – 2017), na rede pública estadual paulista, da qual é
docente, desde 2007, junto à Secretaria de Educação do Estado de
São Paulo (SEDUC-SP). O capítulo tem como objetivo discutir e refletir
sobre as possíveis dificuldades do trabalho docente no que tange à
transposição dos gêneros do cotidiano para a sala de aula, a partir
da premissa de que a escrita japonesa diverge do alfabeto romano.
Assim, refletiu-se sobre até que ponto é possível trazer a vida que se
vive para as atividades de ensino, visto que sem o domínio do sistema
de escrita logográfico o aprendiz não conseguiria realizar a leitura e
não seria capaz de produzir textos reais e autênticos que circulam no
cotidiano, sendo esse norteado pelo uso da língua japonesa em seus
espaços sociais.
O nono capítulo Formação de professores de língua inglesa: de-
senvolvendo um perfil de professor pesquisador no estágio supervi-
sionado, de autoria de Walter Vieira Barros, Doutorando em Linguagem
e Ensino pelo Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino
(PPGLE), da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), articu-
la parte dos resultados de uma pesquisa monográfica documental
de abordagem qualitativa. O capítulo tem como objetivo investigar
as influências das teorias dos letramentos nas práticas pedagógicas
empreendidas pelos licenciandos em Letras – Língua Inglesa da Uni-
versidade Federal de Campina Grande (UFCG), matriculados no com-
ponente 35 curricular Estágio de Língua Inglesa: 1º e 2º anos do Ensino
Médio. O referido componente curricular teve início em 27/01/2016 e
término em 27/05/2016; foi constituída por 07 créditos e carga horária
de 105 horas.
O décimo capítulo O Ensino e aprendizagem de línguas estran-
geiras em Letras: os saberes docentes e as expectativas sobre iden-
tidades de atuação, de autoria de Rita de Cássia Souto Maior, Pro-
fessora Doutora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 19


Alagoas, e Dara Raiza Melo de Souza, graduanda em Letras/Português
da Universidade Federal do Pará, reflete, dentro do campo da Linguís-
tica Aplicada, sobre a construção identitária de graduandas/os que
já atuam como docentes de Língua Estrangeira na Educação Bási-
ca. O capítulo tem como objetivo analisar as respostas discentes às
perguntas a) O que é ser um bom professor e b) Qual a concepção
de língua que você assume como professor? Por quê? Esse trabalho
possibilitou conhecer as expectativas das/os colaboradoras/es em
relação à percepção dessas/es do que seria um bom professor, a
partir da análise dos discursos envolventes e das concepções de sa-
beres docentes, e vai possibilitar observar posicionamentos dessas/
es egressas/os em formação sobre a concepção de língua que con-
sideram ter quando estão atuando.
O décimo primeiro capítulo Um recorte da competência linguís-
tico-comunicativa de futuros professores de espanhol como língua
estrangeira (ELE), de autoria de Thays Costa Lisboa de Sá, Professora
de Língua Portuguesa da rede pública municipal de São Luís (SEMED)
e de Língua Espanhola da rede pública estadual (SEDUC-MA) e Ana
Lúcia Rocha Silva, Professora Associada do Departamento de Letras
e do Programa de Pós-graduação em Letras - Mestrado Acadêmico
da UFMA, considera a formação inicial do professor de espanhol e a
competência linguístico-comunicativa (CLC) como objeto de inves-
tigação, tendo em vista que a capacidade de usar a LE em contextos
diversos e de posicionar-se em situações comunicativas, através da
identificação de intencionalidades, são alguns dos atributos de um
professor de línguas. O capítulo tem como objetivo traçar o perfil lin-
guístico-comunicativo do futuro professor de Espanhol como língua
estrangeira (ELE).
O décimo segundo capítulo A linguagem e o ensino de língua es-
panhola em planos de aula de uma plataforma pedagógica virtual,

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 20


de autoria de Danillo Silva Feitosa, Mestrando em Educação pelo Pro-
grama de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de
Alagoas (PPGE/UFAL), e Silvio Nunes da Silva Júnior, Professor efetivo da
Secretaria Municipal de Educação de Palmeira dos Índios/AL e Profes-
sor Substituto de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade
Federal de Alagoas (FALE/UFAL) e do Curso de Letras da Universidade
de Pernambuco (UPE/Garanhuns), traz à baila discussões entre dois
professores-pesquisadores em campos de atuação parcialmente
distintos: Espanhol como língua estrangeira e Português como língua
materna, mas que comungam da preocupação com as práticas de
ensino das línguas nas salas de aula de educação básica. O capítulo
tem como objetivo inquietar a outros professores a questionarem os
discursos que perpassam suas formações acadêmicas e atuações
profissionais, em especial para aqueles que constituem materiais di-
dáticos diversos. Além disso, de modo mais específico, investigar as
concepções de língua/linguagem e de ensino de língua espanho-
la que sustentam dois planos de aula encontrados numa platafor-
ma pedagógica virtual, para que possamos analisar os modos com
os quais os autores tratam os eixos do ensino de língua espanhola
e compreender as principais implicações dos discursos dos planos
para a formação dos professores e o ensino de modo geral.
O décimo terceiro capítulo Diversidade na Sala de Aula de LI: o
Educando Urbano e Rural da EJA, de autoria de Agnaldo Pedro dos
Santos Filho, Professor do Colégio Militar de Salvador - CMS, Leda Regi-
na de Jesus Couto, Doutoranda em Crítica Cultural (UNEB), graduação
em Letras com Inglês e Literaturas (UNEB), e José Veiga Viñal Júnior,
Professor Adjunto do Departamento de Ciências Humanas (DCH-U-
NEB-Salvador), discute a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que é
uma modalidade de ensino composta por trabalhadores-estudantes,
visando oportunizar o acesso à educação daqueles que tiveram esse

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 21


processo de formação negado ou interrompido em outros momen-
tos de suas vidas, sendo dever da escola propiciar um ambiente de
aprendizagem favorável ao desenvolvimento desses sujeitos. O capí-
tulo tem como objetivo traçar o perfil do sujeito-aluno da Educação
de Jovens e Adultos (EJA) e discutir a relação de aprendizagem entre
os alunos rurais e urbanos em um mesmo contexto de sala de aula na
zona urbana, com ênfase no ensino e aprendizagem de língua inglesa
de forma dialógica, contextualizada e crítica.
Com o (per)curso dos capítulos, conforme apresentação, cre-
mos na contribuição de tal obra para a reflexão crítica de discentes
e docentes e pesquisadores, que, atravessados pelos estudos da lin-
guagem como prática social nas diferentes esferas e contextos, vis-
lumbram a formação de professores de línguas-culturas como um
espaço para profícuos debates e deslocamentos.

Prof. Dr. Lucas Rodrigues Lopes


Verão Amazônico - Novembro/2021 - Universidade Federal do
Pará - Campus Universitário do Tocantins/Cametá

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 22


CAPÍTULO 1

Residência pedagógica e sua


contribuição na formação
inicial dos licenciandos em
Letras Espanhol da Universidade
Federal de Alagoas

Renata Cybelle da Silva Rocha


Flávia Colen Meniconi

DOI: 10.52788/9786589932321.1-1
Introdução

No ano de 2018, o Ministério da Educação (MEC), a fim de fomen-


tar uma maior interação entre escolas, universidades e secretarias
de educação, criou o Programa Residência Pedagógica (PRP). Essa
iniciativa, articulada aos demais programas da Capes, compõem a
Política Nacional da educação e tem como premissa básica o enten-
dimento de que a formação de professores nos cursos de licenciatura
deve assegurar aos seus egressos habilidades e competências que
lhes permitam realizar um ensino de qualidade nas escolas de edu-
cação básica (BRASIL, 2018).
Além de estreitar os laços entre escolas, universidades e secreta-
rias de educação, o programa objetiva oportunizar ao licenciando ex-
periências de imersão na escola pública. A carga horária de 400 ho-
ras a ser cumprida pelos estudantes das licenciaturas, participantes
do programa, objetiva levá-los a vivenciar o espaço da sala de aula
de forma mais profunda, a partir de atividades de estudo, reflexão,
elaboração e desenvolvimento de ações nas escolas campo. Neste
sentido, o PRP proporciona aos alunos do 5º ao 8º período dos cursos
de licenciatura a oportunidade de participar da rotina de professores
das escolas públicas, no intuito de contribuir para a formação mais
ampla do estudante da graduação. Vale salientar que a oportunida-
de de integrar o licenciando das universidades nas escolas abre, sem
dúvidas, espaços para que se apresente e se trabalhe novas propos-
tas de ensino mais significativas e pautadas em pesquisas e estudos
atualizados.
Embora se trate de um programa bastante recente, algumas
pesquisas1 que vêm sendo divulgadas por todos os envolvidos com o
programa - licenciandos, professores preceptores e professores co-
ordenadores - apontam uma válida contribuição na formação dos

1 A exemplo, podemos citar Silva e Cruz (2018), que discorrem sobre a importância da Residência
Pedagógica na formação de professores.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 24


docentes envolvidos, bem como reafirmam o compromisso social e
ético para com os educandos brasileiros. Essa contribuição pode ser
percebida, por exemplo, por meio dos cursos de formação ofertados
durante o programa e a busca de solução conjunta, entre as univer-
sidade e escolas-campo, para os problemas oriundos do contexto
educacional, a partir da reflexão teórica e desenvolvimento de ações
transformadoras.
Posto isto, este trabalho busca, além de enfatizar a importância
do PRP para o contexto educacional brasileiro, discutir sobre a for-
mação do professor de língua espanhola por meio da perspectiva do
letramento crítico, proposta essa que faz parte do projeto multidis-
ciplinar do Programa Residência Pedagógica, desenvolvido no Cur-
so de Letras, da Universidade Federal de Alagoas. Ademais, a escolha
pelo tema se justifica devido a sua importância para a formação crí-
tico-reflexiva do professor em formação inicial. Corroboramos com a
ideia de que a perspectiva do letramento crítico pode levar o aluno a
entender o contexto social, político e o ideológico em que está inseri-
do (HOPPE, 2014).
Em suma, para uma melhor compreensão do leitor, destacamos
que nosso trabalho segue dividido em seções e subseções, a saber:
(1) referencial teórico, que se divide em a) Multiletramentos; b) Letra-
mento Crítico; e c) formação de professores. Em um segundo mo-
mento, apresentamos nossa metodologia de pesquisa com o intuito
de evidenciar nosso percurso de coleta dados. Em seguida, faremos a
exposição da análise de dados e dos resultados da pesquisa. Por fim,
apresentamos nossas considerações finais, nas quais sintetizamos os
resultados de nosso estudo e apresentamos nossa percepção acerca
da pesquisa desenvolvida.
A seguir, discutiremos acerca da importância do letramento crí-
tico e multiletramentos no contexto educacional, bem como sobre a
formação do professor na contemporaneidade.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 25


Letramento Crítico

Como sabemos, desenvolver o pensamento crítico do aluno é ta-


refa de qualquer profissional da educação, mas, em especial, tal res-
ponsabilidade recai principalmente sobre a figura do professor, aquele
que está em contato direto com o aluno em sala de aula, contribuindo
para construção de seu aprendizado e sua formação enquanto sujei-
to ativo perante suas práticas sociais. Para tanto, cabe destacar que a
perspectiva do Letramento Crítico (LC) pode contribuir para a forma-
ção de alunos mais questionadores, no que tange às práticas sociais
em que estão inseridos, sobretudo no interior das práticas discursivas
por meio do trabalho com o texto. Em outros termos, permite que o
educando, por meio de uma leitura crítica e reflexiva, consiga situar-
-se como sujeito ativo frente às ideologias as quais está exposto.
Vale destacar ainda que o letramento crítico compreende a lin-
guagem enquanto discurso, um fenômeno carregado de significados
socioculturais e históricos, configurando-se de forma heterogênea e
plural. Nessa perspectiva, ao refletir sobre a palavra, Bakhtin (1999, p.
95) defende que ela “está carregada de um conteúdo de um senti-
do ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras
e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias
ideológicas ou concernentes à vida”. Logo, uma análise crítica acer-
ca dos discursos que nos cercam em sociedade possibilita ao aluno
conquistar um olhar mais crítico diante dos conteúdos aos quais têm
acesso. Nessa mesma perspectiva, Sardinha (2019) salienta que a

inserção do Letramento Crítico em atividades de leitura tem como objetivo pro-


porcionar a compreensão de diferentes perspectivas com intuito de colaborar
para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária, com ca-
pacidade de respeitar e celebrar a diversidade humana, seus aspectos físicos,
sociais, históricos e culturais. Sob a perspectiva do LC, as atividades de leitura
são realizadas com questionamentos ao texto para destacar as intenções do
autor, perceber o público a quem se destina, bem como o grupo de pessoas

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 26


que não foi considerado em sua elaboração, observar as relações de poder e
desigualdades subjacentes nos textos com o objetivo de trazer à tona para o
leitor que a linguagem é/foi utilizada em um contexto de tempo e espaço espe-
cíficos (SARDINHA, 2019, p. 89).

Isso posto, o LC permite que o estudante perceba a língua estran-


geira como meio para conhecer a si e ao outro, bem como uma prá-
tica social de suma importância. Assim, compreender a língua como
prática social significa perceber que existe ligação direta entre lin-
guagem e sociedade, ou seja, as questões sociais também são ques-
tões discursivas.
De acordo com Benedini (2019, p. 35), o letramento crítico “envolve
questões de poder e de justiça”, tendo a transformação social como
norte, fazendo o exercício da crítica, e problematizando sentidos. Logo,
é válido frisar que o trabalho sob a ótica do LC contribui para uma
leitura crítica do mundo, assumindo, a língua, um caráter libertador
pois, por meio da língua, o aluno pode transformar-se e transformar o
mundo do qual faz parte, afinal, de acordo com Benedini (2019, p. 35),
o LC é um importante “instrumento de poder e transformação social”.
Além do mais, é ainda por meio da perspectiva do LC que podemos
levar o estudante a construir novos sentidos a partir da leitura. Nesse
sentido, Macedo (2019) destaca que

O letramento oferece a possibilidade de uma leitura mais crítica, na qual ocorre


a reflexão acerca de perdas e ganhos e do entendimento da maneira como as
multissemioses relacionam-se em situações sociais específicas para constituir
sentido. Somente pelo acesso às diferentes modalidades da linguagem e do
conhecimento de suas diversas formas de representação, o aluno vai poder
agir de forma crítica na sociedade (MACEDO, 2019, p. 69).

Contudo, é importante salientar que o Letramento Crítico não


despreza o meio tradicional de leitura com decodificação, mas o ex-
pande à interpretação e a transposição social. De acordo com Duboc
e Ferraz (2011, p. 22-23), esta “expansão consiste no exercício de cons-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 27


trução de sentidos nas dimensões individual, comunitária e global, de
forma a relacioná-las e, sobretudo, compreendê-las em suas seme-
lhanças e diferenças”.
Após a explanação acerca das teorias relacionadas ao Letra-
mento Crítico, discorremos, na seção seguinte, sobre a importância
da formação do professor, em especial no que diz respeito aos multi-
letramentos.

Multiletramentos

O termo letramento foi inaugurado em território brasileiro por


Kato (2009). Contudo, é importante destacar que, por ser um termo
comumente relacionado à alfabetização, foi confundido com “alfa-
betismo”, causando bastante confusão com relação ao seu real con-
ceito. De modo bastante simplista, é possível afirmar que alfabetismo
está relacionado às capacidades individuais do sujeito, ou seja, inter-
textualizar, interpretar e decodificar; enquanto o letramento tem sua
real essência ligada ao contexto social, sendo presente nas múltiplas
práticas da sociedade.
Dessa forma, pensando nas múltiplas práticas sociais, precisa-
mos levar em consideração as incessantes mudanças nos âmbitos
sociais, culturais, econômicos e históricos em decorrência do surgi-
mento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) (OLIVEI-
RA, 2015) e de outros fatores que remodelaram a convivência social, a
organização do trabalho e o sistema educacional.
Segundo Vilaça (2017), o professor deve ver a tecnologia com
uma aliada do processo de ensino aprendizagem, isto é, como um
recurso de multiletramento que surgiu em contribuição ao processo
educativo, pois a associação das mídias ao fazer pedagógico pode
ser de grande importância dentro e fora da sala de aula. Em nosso

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 28


caso, professores de línguas estrangeiras, podemos utilizar diversas
ferramentas tecnológicas, a fim levar o aluno a vivenciar um maior
contato com a língua algo, utilizando, por exemplo, músicas, filmes e
jogos digitais em sala de aula.
Essa variedade de contextos está vigente nas mídias digitais que
foram tematizadas nas aulas de Língua Espanhola, por meio do PRP e
problematizou os textos multissemióticos, textos com muitos elemen-
tos, como imagens, ícones e desenhos, a exemplo dos infográficos, no
contexto de ensino-aprendizagem na disciplina de Língua Espanhola,
ao buscar o desenvolvimento dos letramentos críticos e protagonis-
mo nos estudantes de 3º ano do Ensino Médio2. Logo, essa gama de
novas possibilidades contribuiu com significativas mudanças para
o trabalho do professor, que possuía uma estrutura altamente hie-
rarquizada, enrijecida e com o poder centralizado na figura de chefe,
levando-o a assumir o papel de orquestrador das ações de aprendi-
zagem, usualmente colaborativas (CARCHEDI; BARRÉRE; SOUZA, 2018;
VYGOTSKY, 1996).
Nesse sentido, consideramos pertinente discutir, de modo suscin-
to, acerca da formação de professores, tema de suma importância
para o contexto desta pesquisa. Afinal, nosso trabalho diz respeito à
formação inicial dos professores de língua espanhola, orientada por
práticas desenvolvidas nas escolas-campo por meio do Programa
Residência Pedagógica da Faculdade de Letras de Alagoas.

2 Um exemplo prático utilizado na sala de aula, e que visou o desenvolvimento/aprimoramento da


criticidade dos educandos, tratou-se do trabalho com curtas-metragens de cunho críticos, os quais
contribuíram para discursões em sala de aula. Ademais, a criação de uma rede social para divulgar
o que vinha sendo realizado na escola foi um ponto importante e elaborado de forma conjunta. Os
alunos sugeriram para o Instagram temas como: o lixão na porta da escola.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 29


Formação de professores

A definição de educação de qualidade possui distintas concep-


ções de acordo com os vários grupos sociais e os valores dominantes
nos diferentes âmbitos do sistema educativo. Nesse sentido, buscan-
do fazer um recorte acerca do conceito de educação de qualidade,
destacamos a importância da formação do docente por meio dos
conhecimentos pedagógicos especializados (IMBERNÓN, 2011), o que
pode ser visto como alternativa assertiva para alterar o status de bai-
xa qualidade do sistema de ensino brasileiro.
De acordo com Ratier e Salla (on-line, n.p.)3, com base na meta
15 do Plano Nacional de Educação (PNE), que assegura “que todos os
professores e as professoras da educação básica possuam formação
específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área
de conhecimento em que atuam”, 75% dos professores de educação
básica possuem nível superior como, por exemplo, pedagogia. Porém,
quando se fala de professores com formação específica para as dis-
ciplinas que lecionam, esse número cai para 33%. Ainda de acordo
com a reportagem, no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio existe
um déficit de professores formados em disciplinas específicas, visto
que há um contingente de pessoas formadas em licenciaturas, mas
que escolhem trabalhar em outros segmentos.
Posto isso, concordamos com Tardif (2008) ao argumentar so-
bre a importância de inserir o professor em ambiente laboral antes
mesmo de iniciar sua carreira profissional. Esse feito, ainda de acordo
com o autor, pode modificar as crenças prévias dos licenciandos por
propiciar o conhecimento na prática, isto é, um saber mais aproxi-
mado da realidade docente. Conforme o artigo 65 da Lei Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), a formação docente deve

3 Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/7157/por-que-a-docencia-nao-atrai#_=_

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 30


incluir a prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas durante a
formação inicial. Assim, fica claro que a formação inicial é um mo-
mento oportuno para que o estudante esteja a par da prática que irá
exercer ao longo da vida. Por isto, “a formação inicial de profissionais
de magistério dará preferência ao ensino presencial, subsidiariamen-
te fazendo uso de recursos e tecnologias de educação a distância”
(BRASIL, 1996).
No entanto, mesmo que o professor adquira conhecimento e di-
ferentes experiências durante sua formação inicial, ademais de serem
instruídos e dedicados no ambiente escolar, o que percebemos é que,
muitas vezes, sentem-se incapazes de desenvolver propostas inte-
ressantes, significativas e motivadoras que possam atrair a atenção
do aluno para suas aulas. Por isso, é imprescindível que o professor
continue estudando, a fim de aprimorar seus conhecimentos e suas
práticas. Nessa perspectiva, Delors (2003) defende que

A qualidade de ensino é determinada tanto ou mais pela formação contínua


dos professores, do que pela sua formação inicial… A formação contínua não
deve desenrolar-se, necessariamente, apenas no quadro do sistema educati-
vo: um período de trabalho ou de estudo no setor econômico pode também ser
proveitoso para aproximação do saber e do saber-fazer (DELORS, 2003, p. 160).

No que se refere à formação continuada, a aprovação da Base


Nacional Comum Curricular (BNCC) foi um grande passo para a me-
lhoria da educação e, consequentemente, uma oportunidade de in-
vestimentos na formação dos professores que, em conformidade com
o parágrafo único do artigo 62 da LDB (BRASIL, 1996), deve ser ofertada
“no local de trabalho ou em instituições de educação básica e supe-
rior, incluindo cursos de educação profissional, cursos superiores de
graduação plena ou tecnológicos e de pós-graduação.” Como afirma
Costa (2012 p. 918),

assim como a escola deve proporcionar o desenvolvimento das competências


e capacidades necessárias ao aluno para integrar-se como cidadão na so-
ciedade (globalizada, tecnológica, digital) e atuar com uma postura crítica, a

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 31


universidade, em seus cursos de licenciatura, deve igualmente criar condições
para o desenvolvimento das competências e capacidades necessárias ao pro-
fessor para atuar na sociedade como indivíduo reflexivo e crítico e para educar
outros indivíduos (COSTA, 2012, p. 918).

Para mais, diferente da formação inicial, a LDB abre brechas para


que a formação continuada (pós-graduação, cursos de extensão,
complementações, etc.) possa ser realizada em modalidades on-line
e EAD (Educação a distância).
Essas formações estimulam os profissionais ao engajamento que
lhes permite manter-se sempre atualizados sobre as diferentes pro-
postas educacionais, além de agregar conhecimento e colaborar na
transformação do contexto escolar, convidando-os a sair do dito co-
modismo de uma prática constante e imutável, e (re)planejem suas
ações de forma mais significativa para a formação crítica e reflexiva
do educando. No entanto, para que estas transformações aconte-
çam, é necessário que se autoavalie e identifique o que pode não es-
tar dando certo nas práticas docentes, além de reconhecer e interna-
lizar em si a importância de seu papel de mediador da aprendizagem
e do processo de construção do conhecimento.
Assim, vale ressaltar novamente a importância de os professores
se manterem em formação contínua, para que suas práticas não se
tornem desatualizadas e cansativas, podendo alcançar e explorar a
bagagem do alunado, a fim de aperfeiçoá-las por meio dos conheci-
mentos obtidos em suas formações.
Dado o exposto, na seção seguinte apresentamos o percurso me-
todológico adotado nesta investigação, ou seja, o tipo de pesquisa, o
método escolhido, os instrumentos de coleta de dados, o lócus e os
sujeitos participantes.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 32


Metodologia

Nesta seção apresentaremos a metodologia utilizada e as for-


mas de coletas de dados coleta de dados ao longo desta investiga-
ção, ou seja, todo o percurso metodológico que nos serviu como norte
durante toda a pesquisa.
Primeiramente, cabe destacar que, como ponto de partida, foi re-
alizada uma pesquisa bibliográfica sobre letramento crítico (MOTTA,
2008; DOS SANTOS; IFA, 2013) e formação de professores (NÓVOA, 1995;
DELORS, 2013; MARQUES; PIMENTA, 2015). Ademais, é importante frisar
também que a pesquisa apresenta características predominante-
mente qualitativas, uma vez que busca compreender, de forma mais
profunda, as percepções de estudantes em formação, acerca de sua
participação no Programa de Residência Pedagógica.
Como colaboradores, contamos com 5 licenciandos participan-
tes do Programa Residência Pedagógica em uma escola de tempo in-
tegral, localizada da cidade de Maceió/AL, a Escola Estadual de Tempo
Integral Marcos Antônio Cavalcante. Cabe destacar que os professo-
res responderam a um questionário semiestruturado, o qual foi envia-
do previamente via e-mail. Outra informação importante que merece
ênfase diz respeito ao fato de que, dos 16 residentes do PRP, apenas 5
deles disponibilizaram suas respostas no prazo solicitado, o que ex-
plica o fato de contarmos com um número relativamente reduzido de
questionários para análise.
Nas perguntas formuladas, buscamos refletir sobre a presença
da perspectiva do Letramento Crítico nos discursos dos licenciandos.
As respostas obtidas foram interpretadas e analisadas (BARDIN, 2011)
e serão expostas na seção seguinte.
Assim, nas seções que seguem, apresentamos os resultados e
discussões, além das considerações finais acerca da pesquisa de-
senvolvida.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 33


Análise de dados

Como já mencionamos anteriormente, os dados analisados são


provenientes de uma entrevista realizada com 5 estudantes de Le-
tras-Espanhol que participaram do PRP, os quais responderam a um
questionário com perguntas abertas e que versavam sobre suas prá-
ticas em sala de aula durante a Residência Pedagógica, em especial
no que diz respeito às práticas de Letramento Crítico (LC). Assim, a
partir das perguntas formuladas, buscou-se entender a relação dos
professores com o letramento crítico antes e depois da residência pe-
dagógica, bem como a contribuição de tal perspectiva para a forma-
ção docente de cada um.
Em relação ao questionamento “Para você o que significa letra-
mento crítico?”, a maioria dos participantes demonstrou entender o
Letramento Crítico como uma habilidade de o cidadão interpretar e
desenvolver pensamentos de forma crítica e reflexiva diante dos va-
riados temas e problemas existentes no meio social, como podemos
verificar no Quadro 1.

Quadro 1 - respostas à pergunta: “Para você o que significa letramento crítico?


DL: “Pra mim, letramento crítico é uma perspectiva que visa o ensino a partir de
um viés crítico-reflexivo. Por meio do LC é possível que nós, professores, possa-
mos contribuir na formação de cidadãos conscientes de sua realidade e que,
acima de tudo, possam agir sobre ela.”
SG: “Como professor, concebo o letramento crítico como uma forma de fazer
o aluno desenvolver um pensamento crítico-reflexivo relacionado aos muitos
temas/problemas existentes na sociedade.”
MG: “Conheci letramento crítico por orientação dos professores da UFAL, sem-
pre houve discussão e orientação sobre a temática. Considero muito impor-
tante.
PS: “É analisar a relação entre a linguagem e o texto no meio social, e como
essa relação influencia o comportamento da sociedade.”
MM: “Acredito que letramento crítico é toda forma de aprendizagem que con-
ceda ao aluno a oportunidade de analisar, questionar e refletir sobre todas as
questões que envolvem sua vida cotidiana através da linguagem.”
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 34


O primeiro participante relata a importância da contribuição dos
professores para a formação de cidadãos conscientes acerca de sua
realidade. Tal afirmação nos leva a perceber a importância da utili-
zação de diferentes abordagens, em especial aquelas que levem o
professor a refletir acerca do seu fazer pedagógico, percebendo-se,
nesse sentido, como um facilitador no processo de ensino-aprendi-
zagem e sujeito importante na construção de estudantes atuantes no
mundo a sua volta.
É possível identificar, ainda nas falas dos demais residentes, que
a atuação do professor contribui ativamente para a formação de ci-
dadãos conscientes, capazes de desenvolver um pensamento críti-
co-reflexivo. Nesse sentido, visto que o letramento crítico proporciona
uma oportunidade de entrar em contato com outras realidades, outros
modos de se pensar cultura, o acesso à tecnologia e possibilidades de
vivenciar novas descobertas, professores em formação inicial compre-
endem o LC como uma válida abordagem para o contexto educacional.
Assim, ao pensarmos na perspectiva do LC dentro do contexto de
sala de aula, compactuamos com o pensamento de Barbosa, Brun e
Costa (2017, p. 55) ao afirmarem que o letramento crítico

propõe que os professores e alunos construam o conhecimento coletivamente,


de forma que haja interação entre as partes, fugindo da forma tradicional de
ensino, na qual o professor é o reprodutor do conhecimento e o aprendiz ape-
nas um receptor (BRUN; COSTA, 2017, p. 55).

Logo, para uma participação social mais ativa, consciente e reflexi-


va, acreditamos que é essencial que os indivíduos estejam aptos a pen-
sar criticamente a respeito das formas de organização sociais, políticas
e econômicas. Assim, com o intuito de contribuir para a comunidade na
qual estão inseridos, os indivíduos precisam desenvolver a capacidade
de refletir, analisar criticamente os fatos e atuar como cidadãos trans-
formadores da realidade, interpretando contextos e potencializando as-
sim sua capacidade de leitura de mundo (BARBOSA; BRUN; COSTA, 2017).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 35


No tocante à pergunta: Quando e como ocorreu seu primeiro
contato com a teoria do letramento crítico? (ex.: na RP, através de lei-
turas, na academia, etc.), os entrevistados, por unanimidade, respon-
deram que conheceram a perspectiva do letramento crítico durante
a graduação.

Quadro 2 - Respostas à pergunta: “Quando e como ocorreu seu primeiro contato


com a teoria do letramento crítico? (Ex.: Na RP, através de leituras, na academia
etc.)”
DL: “Meu primeiro contato foi dentro da Casa de Cultura no Campus4, na época
como professor. Após a coordenadora passar alguns textos que abordava o
tema e solicitar que trabalhássemos mais por esse caminho (LC), levei às mi-
nhas aulas. Foi muito bom ver alunos compartilhando seus pontos de vista e
dialogando de forma crítica e consciente.”
SG: “Através de leituras e discussões na academia, durante as aulas, ainda no
primeiro período de estudos. No entanto, eu vivi a experiência de forma incons-
ciente somente com alguns semestres a frente, foi que percebi que se tratava
deste método de ensino.”
MG: “Na Universidade e por orientação de alguns professores, isto motivou meu
interesse em ler mais sobre o assunto e pesquisar artigos publicados.”
PS: “Na academia e na RP.”
MM: “Na academia”
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

É possível concluir que os alunos tiveram seu primeiro contato com


o letramento crítico durante o curso, com maior aprofundamento te-
órico durante a participação do Programa Residência Pedagógica, no
qual havia encontros que abordavam as perspectivas do letramento
crítico para que os residentes aplicassem em sala de aula. Ademais,
um dos entrevistados afirma ainda que conseguiu bons frutos a partir
das aulas em que adotou práticas de letramento crítico, pois tal pers-
pectiva de ensino, uma novidade dentro do seu fazer pedagógico, fez
com que os alunos se posicionassem e discutissem a respeito do con-
teúdo que estava sendo trabalhado, o que evidencia a importância de

4 As Casas de Cultura no Campus referem-se a um projeto de extensão que tem por objetivo difundir o
ensino de línguas estrangeiras para a comunidade acadêmica da UFAL e alunos de escolas públicas.
Além disso, objetiva também trabalhar com a formação inicial dos licenciandos matriculados na
Faculdade de Letras, em diferentes cursos, a saber: português, inglês, espanhol, francês e Libras.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 36


um professor que vá ao encontro do aluno, ao mesmo tempo em que
lhe dê espaço para caminhar e descobrir(-se) sozinho, que seja criativo
e lide com as imprevisibilidades, que planeje levando em consideração
o contexto do seu alunado, ou ainda que seja capaz de construir saberes
implicando o aluno neste processo (DA SILVA; COSTA, 2019, p. 38).

Em síntese, o professor, seja ele PFI ou não, precisa se perceber


enquanto um agente político, um mediador, que planeja e trabalha
efetivamente com diferentes métodos em prol do alunado, oportuni-
zando, por meio de diferentes perceptivas, as possibilidades de au-
tonomia do aluno. Logo, o LC pode ser evidenciado como uma válida
alternativa no que tange esses aspectos.
Á continuação, trazemos o Quadro 3, o qual elenca as respostas
dos residentes quando indagados acerca de como desenvolviam as
atividades de LC durante o PRP.

Quadro 3 - Respostas à pergunta: “Durante sua experiência de trabalho como


professor de língua espanhola através da RP, de que forma promovia as
atividades que priorizasse o letramento crítico?”

DL: “Durante toda a RP busquei trabalhar através vídeos, músicas e leituras temas
que fazem parte do dia a dia dos estudantes. Discutir a falta de paciência das
pessoas nos dias atuais, a violência, o respeito às diferenças culturais, a realida-
de da cidade (boa para alguns e má para outros) foram algumas das manei-
ras que encontrei para adentrar no letramento. Ademais, percebi que algumas
crenças dos próprios estudantes foram rompidas. E foi aí que eu percebi que não
basta enxergá-los como futuro do país, mas como futuro e presente, pois eles,
desde já, podem contribuir para melhorar diferentes realidades.”
SG: “Sim. Durante as aulas procurávamos levar uma proposta que priorizasse
esse método de ensino, a fim de que os alunos fossem introduzidos em temas
que lhes tirassem de zonas de conforto, para poderem refletir sobre os assuntos
que eram abordados em sala.”
MG: “Durante as nossas aulas na RP utilizamos infográficos e materiais de mídia
para incentivar os alunos a refletir sobre assuntos polêmicos e repensar suas ati-
tudes perante a sociedade na qual vivem. (Aulas extremamente criativas e par-
ticipativas).”
PS: “Mediante vídeos, músicas, tirinhas, textos, curta-metragem, etc.”
MM: “Através de textos, vídeos, músicas que levavam os alunos a refletirem sobre
situações do dia a dia.”
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 37


É possível perceber, a partir das falas dos residentes, que eles
buscaram levar para as suas aulas materiais que tinham relação
com a realidade na qual o estudante estava inserido, como o uso da
tecnologia, que fez parte das propostas pedagógicas, seja por meio
de vídeos ou músicas, como podemos perceber nos relatos dos pro-
fessores PS e MM.
Para tanto, segundo os residentes, no decorrer das aulas, foram
analisados e trabalhados os aspectos relacionados aos novos modos
de práticas de leitura e escrita através das variadas mídias digitais
como, por exemplo, vídeos, músicas e redes sociais com temáticas
que visassem o contexto social em que os alunos estavam inseridos.
Dessa forma, bem como defende Dias (2012, p. 862),

não basta ao indivíduo saber comunicar apenas pela leitura e escrita – tem
ainda de ser capaz de lidar com outros modos de comunicação, além de de-
senvolver consciência crítica em relação ao que ouve, lê, escreve e vê (DIAS,
2012, p. 862).

Nesse sentido, faz-se evidente a importância de o professor refle-


tir e selecionar – pensando sempre no ensino-aprendizagem – quais
materiais devem ser utilizados, a fim de fomentar o ensino da língua
alvo, bem como a interação entre os pares e a criticidade dos envol-
vidos.
Ainda sobre a escolha do que trabalhar em sala, Duboc (2014)
nos apresenta sugestões para que a atividade no LC se torne mais
didática e lúdica. Para a autora, o professor pode convidar os alunos
a “vestir outras lentes” (2014, p. 221). Em suas palavras,

colocar-se no lugar do outro, [...], a) de um adolescente de classe média no


Brasil? b) de um adolescente nos Estados Unidos? c) de um menino de rua? d)
de um chicano morando em Nova York? e) do dono de uma loja localizada em
um shopping center? (DUBOC, 2014, p. 221).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 38


Tal afirmativa nos leva a perceber a importância de um trabalho
que nos leve a refletir acerca do outro. Nessa perspectiva, as falas dos
residentes DL e SG apontam que ambos buscaram tirar os alunos de
sua zona de conforto, conduzindo-os ao caminho da reflexão sobre
as diferenças culturais no contexto global, um aspecto importante à
perspectiva do LC, visto que conduz às práticas voltadas para o co-
nhecimento, compreensão e aceitação do outro, de outras formas de
se comportar, ver e perceber o mundo. Em outros termos, o LC nos
convida a analisar o social a partir de diferentes lentes.
Posto isto, a próxima pergunta buscou descobrir se a escola-cam-
po, na qual os residentes atuaram, desenvolvia atividades voltadas à
perspectiva do LC. As respostas foram separadas e organizadas no
Quadro 4, como podemos ver logo abaixo.

Quadro 4 - Respostas à pergunta: “A escola-campo na qual você atuou já


desenvolvia atividades na perspectiva do letramento crítico antes da sua
inserção?”

DL: “De forma inconsciente, sim. Muito embora a professora não tenha estudado
o LC na época de sua graduação, percebi desde o início um cuidado especial na
construção de cidadãos ativos. Isso dentro da sala de aula e fora, com os pro-
jetos que vinham sendo desenvolvidos. Obviamente existiram momentos que a
professora deixou passar a oportunidade de aprofundar mais alguns assuntos
ou ouvir o aluno, mas isso se dava (das vezes que presenciei) pela necessida-
de de seguir um programa já estabelecido pela escola (foco na gramática, por
exemplo).”
SG: “Apesar de os alunos haverem demonstrado criticidade nos assuntos discu-
tidos, eram poucos os momentos de intervenção que faziam com eles expres-
sassem suas opiniões, antes de chegarmos com essa proposta de trabalho na
escola. A partir do momento em que nós da RP chegamos, tornamos mais fre-
quente a prática de ter que pensar, refletir e discutir a fim de apresentar propos-
tas para a solução dos problemas.”
MG: “Não tenho referência exata sobre isso, mas acredito que a escola não utili-
zava estas práticas participativas.”
PS: “Não.”
MM: “Sim.”
Fonte: Dados da pesquisa (2020).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 39


Como é perceptível nas respostas dos residentes, a escola ado-
tava, mesmo que, a nosso ver, de forma inconsciente, atividades na
perspectiva do letramento crítico. Isso nos leva a inferir que a institui-
ção já caminhava com vistas a uma abordagem de ensino menos
tradicional, ou seja, um ensino de línguas vinculado à realidade do
aluno, menos gramatical e formalista, com maior ênfase no uso da
língua e em atividades relevantes (ALMEIDA FILHO, 2005), sendo pos-
sível evidenciarmos tal fato na sala do residente DL ao discorrer que:
“Obviamente existiram momentos que a professora deixou passar a
oportunidade de aprofundar mais alguns assuntos ou ouvir o aluno,
mas isso se dava (das vezes que presenciei) pela necessidade de
seguir um programa já estabelecido pela escola (foco na gramática,
por exemplo)”.
Outra resposta que também nos chama a atenção é o discurso
de SG quando expõe: “(...) eram poucos os momentos de intervenção
que faziam com eles expressassem suas opiniões, antes de chegar-
mos com essa proposta de trabalho na escala. A partir do momento
em que nós da RP chegamos, tornamos mais frequente a prática de
ter que pensar, refletir e discutir a fim de apresentar propostas para a
solução dos problemas”.
Este argumento nos faz pensar acerca da importância e valida-
de do trabalho numa perspectiva que ensine a língua não apenas
de modo tradicional, mas que se volte para a análise crítica do con-
texto social no qual o educando se encontra inserido, principalmente
quando defendemos o papel transformador da educação. Ao mesmo
tempo, refletimos ainda acerca das barreiras impostas por currícu-
los, programas e planos de cursos engessados e com pouca abertura
para o ensino e aprendizagem de idiomas em vertentes mais críticas
e reflexivas.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 40


Por fim, trazemos a quinta e última pergunta presente em nosso
questionário, a qual indagava acerca das contribuições da RP para a
formação do residente, em especial no que tange às práticas de LC.

Quadro 5 - Respostas à pergunta: “Em sua opinião, de que maneira a Residência


Pedagógica contribuiu para a sua formação em relação às práticas de letra-
mento crítico?”

DL: “Até o momento eu só havia trabalhado o letramento crítico com alunos de


graduação. Ou seja, alunos com uma idade mais avançada. Ter a oportunidade
de atuar com alunos mais jovens foi de grande importância. Me ajudou a perce-
ber que é possível – sim – levar criticidade para dentro de uma escola de ensino
regular. Além disso, pude ler mais sobre o tema e me preparar melhor para as
aulas. Percebo tudo isso como ganhos positivos no que diz respeito às práticas
de LC.
SG: “De forma esclarecedora. Pois pude vivenciar tudo que já havia estudado
na teoria. Percebi também que jamais podemos subestimar o conhecimento de
nossos alunos. O que por muitas vezes confesso ter me surpreendido.”
MG: “A RP permitiu introduzir práticas de ensino inovadoras e laboratório de ex-
periências de sucesso. A maioria das aulas foi acompanhada por vários alunos,
isto provocou troca de experiências bem sucedidas, exemplos a serem seguidos
e principalmente mudança de postura com relação ao letramento crítico.”
PS: “Contribuiu para a elaboração de aulas que desenvolvam uma visão crítica
para o ambiente que está a seu redor. Que existem vários dizeres implícitos que
precisam ser vistos para impedir equívocos camuflados.”
MM: “Através das formações ministradas pela nossa coordenadora que sempre
buscava nos apresentar práticas de letramento crítico e maneiras de como re-
alizá-las como também pela oportunidade de poder colocar em prática na sala
de aula, todos os ensinamentos adquiridos nas formações, sempre amparados
e supervisionados pela nossa preceptora.

Fonte: Dados da pesquisa (2020).

Nos relatos acima, os educandos demonstraram compartilhar a


opinião de que o ensino da língua espanhola deve seguir uma pers-
pectiva mais crítica, bem como a contribuição que o letramento críti-
co trouxe à formação de cada um, “contribuiu para a elaboração de
aulas que desenvolvam uma visão crítica para o ambiente que está
a seu redor”, como bem destaca o residente PS. Posto isto, é possível

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 41


percebermos, nas entrelinhas de seus discursos, que os professores
participantes também concordaram que, no trabalho pedagógico
sob a ótica do letramento crítico, a língua assume um caráter liber-
tador, aspecto que contribui para a construção de um cidadão cons-
ciente e motivado a analisar, compreender e modificar dada realida-
de (MATTOS; VALÉRIO, 2010).
Sobre a formação para o exercício da cidadania consciente, é
necessário destacarmos que os futuros professores têm a compreen-
são da importância de tal perspectiva - LC - em seu fazer pedagógi-
co, independente do contexto ao qual está inserido, seja na educação
básica ou no ensino superior, como bem destacou o residente DL. Por-
tanto, é notória a necessidade da realização de outras propostas de
formação docente, como as realizadas nesta edição da
da RP Alagoas, com o objetivo de levar os professores em forma-
ção inicial a transformarem a educação tradicional.
Outra fala que nos chama a atenção é o discurso proferido pela
residente MM. Em sua percepção, foi possível, a partir das formações
ofertadas pela RP, “colocar em prática na sala de aula, todos os en-
sinamentos adquiridos nas formações, sempre amparados e super-
visionados pela nossa preceptora”. Sobre este fato, Mercado (1999, p.
12) argumenta que

Na formação de professores, exigindo-se uma nova configuração do processo


didático e metodológico tradicionalmente usado em nossas escolas nas quais
a função do aluno é a de mero receptor de informações e uma inserção crítica
dos envolvidos, formação adequada e propostas de projetos inovadores (MER-
CADO, 1999, p. 12).

Logo, acreditamos que a oferta de formações com vistas a uma


melhor preparação do professor em formação inicial para o desenvolvi-
mento de suas atividades foi de suma relevância durante todo o projeto.
Isso porque estas permitiram “introduzir práticas de ensino inovadoras e
laboratório de experiências de sucesso”, como bem frisa a residente MG.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 42


Dado o exposto, investir em novas práticas na formação inicial de
professores contribui para fomentarmos, enquanto profissionais da
educação, importantes mudanças nas instituições de ensino. Logo,
argumentamos e defendemos que as licenciaturas, em nosso caso,
as que formam professores de línguas adicionais, busquem pensar/
repensar seus cursos e suas aulas para possibilitar aos futuros profis-
sionais maiores experiências – significativas ­– no processo de ensi-
no aprendizagem. A exemplo, podemos destacar um ensino voltado
para a reflexão crítica sobre os modos atuais de ensinar. Isso prevê,
obviamente, a utilização de tecnologias, ou seja, o trabalho com di-
ferentes letramentos voltados à prática social, mas, principalmente,
o desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo dos educandos.

Considerações finais

Inicialmente, gostaríamos de evidenciar, nesta seção, nossos ob-


jetivos iniciais, a saber: (i) enfatizar a importância do PRP para o con-
texto educacional brasileiro e (ii) discutir sobre a formação do pro-
fessor de língua espanhola por meio da perspectiva do letramento
crítico. Após cumprir tais objetivos, o que pôde ser evidenciado em es-
pecial em nossas análises, trazemos nestas considerações finais uma
síntese do que foi elencado ao longo deste capítulo.
Cabe ainda frisar, uma vez mais, que o Programa Residência Pe-
dagógica vem buscando construir processos que tenham como norte
o diálogo e o trabalho coletivo entre docentes e professores em for-
mação inicial. Assim, a partir deste trabalho, pode-se verificar que a
RP tem contribuído no que se refere à melhoria do processo de ensi-
no-aprendizagem na escola-campo, bem como na formação de to-
dos que compõe o grupo de atuação, ou seja, residentes, professores
preceptores e orientadores.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 43


Em segundo lugar, no que tange à perspectiva do LC dentro no re-
ferido programa, nota-se, por parte dos residentes, a busca por uma
educação que visa formar cidadãos com consciência crítica, capazes
de julgar e avaliar as diferentes visões e pontos de vista, de questionar
os conceitos - próprios e alheios - para que sejam membros ativos
da sociedade e, se necessário, que sejam capazes de transformar a
realidade injusta que os cerca.
Para atingir esse objetivo, consideramos importante levar em
conta a dinâmica do contexto sociocultural em que as práticas de
ensino ocorreram, relacionando os fatos linguísticos aos fatos sociais,
aspecto que se evidencia na fala do residente DL ao indagar que “Du-
rante toda a RP busquei (...) discutir a falta de paciência das pessoas
atualmente, a violência, o respeito às diferenças culturais, a realida-
de da cidade. Ademais, percebemos ainda que algumas crenças dos
próprios estudantes foram rompidas”.
Ainda sobre o trabalho desenvolvido dentro do programa, foi/é
possível destacarmos a construção de conhecimento de modo cole-
tivo, ou seja, de forma colaborativa, entre professores e educandos, o
que evidencia, mais uma vez, uma educação que vai de encontro à
forma tradicional de educação, como bem pontuam Barbosa, Brun e
Costa (2017).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 44


Em suma, refletindo ainda acerca da importância do trabalho
desenvolvido, destacamos que os professores em formação inicial
buscaram levar às aulas temas que tenham relação com a realidade
contemporânea na qual o estudante está inserido, como já mencio-
nado ao longo da nossa análise. Também é possível visualizar que o
programa contribuiu para a formação docente, visto que os residen-
tes puderam, como pontua o residente SG, “vivenciar tudo que já ha-
via estudado na teoria”, levando-os a aperfeiçoar o fazer pedagógico
e, consequentemente, contribuindo para sua formação inicial.

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LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 47


CAPÍTULO 2

Crenças de aprendizagem e o
uso de estratégias: um estudo
com aprendizes autônomos de
língua inglesa

Simone Makiyama
Benildo gomes da Silva

DOI: 10.52788/9786589932321.1-2
Introdução

O conceito de crenças é quase tão antigo quanto nossa existên-


cia, pois desde que o ser humano começou a pensar, ele passou a
acreditar em algo. Ainda que se trate de uma concepção comple-
xa, para a qual existem várias definições e diferentes termos (BARCE-
LOS, 2006), muitos pesquisadores (NASCIMENTO et al., 2020; BARCELOS,
2007; HORWITZ, 1999) pontuam que as crenças variam de pessoa para
pessoa e estão relacionadas às experiências individuais e ao contexto
sociocultural no qual o indivíduo se encontra.
Uma vez que as crenças dizem respeito a compreensões sobre o
mundo consideradas como verdadeiras, elas podem definir o modo
de pensar e agir dos sujeitos, orientando, por exemplo, a seleção de
estratégias com vistas para uma melhor aprendizagem.
Trazendo para o âmbito de estudo de línguas, pesquisas sobre
estratégias de aprendizagem (BASTOS; AMORIM, 2018; TEIXEIRA; ALLI-
PRANDINI, 2013; OXFORD, 1990) têm sugerido que esse conhecimento
pode ajudar alunos a entender e melhorar seu processo de aprender.
Para essa investigação, focalizamos na aprendizagem de estu-
dantes autônomos, ou seja, alunos autodidatas de língua estrangeira
e que apresentam um bom desempenho linguístico. Assim, esse estu-
do tem como principal objetivo refletir sobre a relação entre crenças e
estratégias de aprendizagem de três licenciandos do curso de Letras-
-inglês, aprendizes autônomos de língua inglesa, que não cursaram
escolas de idiomas e apresentam proficiência na língua estudada.
Essa pesquisa busca saber como aprendizes de língua estrangeira,
de forma autodidata, conseguem atingir proficiência na língua estu-
dada.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 49


Inicialmente, esse trabalho irá discorrer sobre questões teóri-
cas que sustentam esse estudo, ou seja, o conceito de crenças, es-
tratégias de aprendizagem e autonomia. A seguir, apresentaremos a
metodologia de pesquisa, seguida pela análise e interpretação das
informações coletadas nesta investigação, encerrando com as con-
siderações finais.

Crenças de aprendizagem, estratégias e a sua relação


com a autonomia

Ainda que os estudos sobre crenças de aprendizagem tenham


apresentado uma variedade de nomenclaturas e conceitos (HO-
RWITZ, 1999, BARCELOS, 2006, SILVA, 2011), tais acepções compreendem
a forma como os indivíduos percebem o processo de se aprender e
ensinar. Por essa razão, podemos dizer que essas crenças orientam as
ações do aprendiz para melhorar seu aprendizado.
Segundo Barcelos (2006, p. 18), crenças são definidas

como uma forma de pensamento, como construções da realidade, maneiras


de ver e perceber o mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas ex-
periências e resultantes de um processo interativo de interpretação e (re)sig-
nificação.

Dito de outro modo, certezas são concebidas dentro de um pro-


cesso de interpretação da realidade, resultado das várias interações
que o indivíduo estabelece ao longo da vida.
Em vista disso, é possível afirmar que não há crenças certas ou
erradas no que se refere ao processo de aprendizagem se conside-
rarmos a complexidade que caracteriza a subjetividade, assim como
não existem modos idênticos de aprender. Além do mais, por serem
resultados de processos interativos, as crenças podem passar por

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 50


mudanças, influenciadas por ressignificações dessas crenças (BAR-
CELOS, 2007).
Assim sendo, como mencionando anteriormente, as crenças de
aprendizagem orientam a forma de como entendemos o processo de
ensinar e aprender. Portanto, podemos dizer que elas norteiam a to-
mada de ações em relação a como aprimorar o aprendizado. Nesse
processo, estratégias são adotadas com o intuito de atingir tal obje-
tivo.
Entendidas como “ações específicas tomadas pelo aprendiz para
tornar o aprendizado mais fácil, rápido, agradável, autodirigido, efi-
caz e transferível para novas situações1” (OXFORD, 1990, p. 8, tradução
nossa), as estratégias de aprendizagem são consideradas especial-
mente importantes para o aprendizado de línguas por serem ferra-
mentas para o desenvolvimento ativo e autodirigido do aprendiz (op.
it.).
Ao tratar das estratégias na seara da aprendizagem de línguas,
Oxford (1990) estabeleceu um inventário em que elas são divididas
em dois grupos: diretas e indiretas. Segundo a autora, as estratégias
diretas estão relacionadas a momentos em que os aprendizes lidam
diretamente com a língua em estudo, enquanto as indiretas dizem
respeito a como esse aprendizado é organizado.
Cada grupo apresenta três subcategorias. As estratégias diretas
se subdividem em:
- Estratégias de Memória - permitem ao aprendiz armazenar as
novas informações sobre a língua-alvo como, por exemplo, o uso de
imagens e sons, utilização de palavras-chave e substituição de novas
palavras em um contexto.
- Estratégias Cognitivas: possibilitam a compreensão e produção
de uma nova informação. Exemplos dessa categoria são repetir ter-
mos e expressões, fazer anotações ou resumos e assistir filmes.

1 No original: “specific actions taken by the learner to make learning easier, faster, more enjoyable,
more self-directed, more effective, and more transferrable to new situations” (OXFORD, 1990, p. 8).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 51


- Estratégias de Compensação: permitem ao aprendiz utilizar a
língua mesmo que ele não tenha conhecimento linguístico suficiente,
como adivinhar o significado da palavra desconhecida, usar pistas
linguísticas como prefixos, recorrer à língua materna, usar mímicas e
gestos.
Já as estratégias indiretas se subdividem em:
- Estratégias Metacognitivas: são ações por meio das quais os
aprendizes gerenciam o seu próprio aprendizado, através do plane-
jamento, avaliaçãoe controle. São exemplos das estratégias meta-
cognitivas: prestar atenção quando alguém está falando, estabelecer
metas e objetivos, procurar oportunidades para praticar, autoavalia-
ção e automonitoramento.
- Estratégias Sociais: consistem na interação e cooperação com
outros sujeitos quando, por exemplo, o aprendiz busca ajuda do pro-
fessor ou oportunidades em que possa interagir na língua em estudo.
- Estratégias Afetivas: dizem respeito a gerenciar emoções e ati-
tudes que possam influenciar a aprendizagem da língua, como dimi-
nuir a ansiedade ouvindo música, ou fazer observações se está tenso
ao usar a nova língua.
A escolha de quais estratégias adotar para o aprendizado, orien-
tada pelas crenças do que favorece esse processo, pode suscitar um
nível de autonomia no aprendiz, visto que envolve a capacidade de
reflexão e prontidão na autogestão do seu processo de aprendiza-
gem. Em seus estudos sobre autonomia, Benson e Voller (1997) afir-
mam que, a despeito de incertezas que giram em torno desse tema,
na educação linguística, o conceito de autonomia tem sido utilizado
em cinco situações:

1. Para situações em que os aprendizes estudam totalmente sozinhos;


2. Para um conjunto de habilidades que podem ser aprendidas e aplicadas em
estudos autodirigidos;
3. Para uma capacidade inata que é suprimida pela educação institucional;

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 52


4. Para o exercício de responsabilidade dos aprendizes por seu aprendizado;
5. Para o direito dos aprendizes de determinar a direção de sua própria apren-
dizagem (BENSON; VOLLER, 1997, p. 1-2, grifo dos autores, tradução nossa2).

Paiva (2012, p. 37) articula esses vários contextos, fornecendo


uma definição ampla de autonomia nessa seara. Segundo essa au-
tora, autonomia se trata do “controle que cada um exerce sobre sua
aprendizagem ou como a capacidade de aprender a aprender e de
escolher suas próprias estratégias de aprendizagem”.
Já Kumaravadivelu (2001) aponta que dois tipos de autonomia
têm sido observados na área de estudo formal: a autonomia acadê-
mica, relacionada a estratégias para lidar com o aprendizado pro-
priamente dito, e autonomia social, que diz respeito aos processos de
interação que o aprendiz estabelece com outros para aprimorar sua
aprendizagem. Embora esses dois tipos de autonomia indubitavel-
mente ofereçam vias úteis para os alunos perceberem o seu potencial
de aprendizagem, esse autor ressalta que uma terceira categoria de
autonomia do aluno é necessária: a autonomia libertária. Se a auto-
nomia acadêmica possibilita a aprendizagem exitosa de novos con-
teúdos e a autonomia social incentiva a colaboração, a autonomia
libertária os capacita a serem pensadores críticos mais conscientes
de seu processo de aprendizagem.
Esse conceito de autonomia dialoga com o pensamento de Freire
(2021), quando ele discute a importância da “curiosidade epistemoló-
gica” no processo de construção de seu aprendizado. Segundo esse
autor, essa curiosidade é a força motriz que leva o aprendiz a ir além
dos limites do que lhe é ensinado na busca pelo conhecimento.
Em suma, podemos dizer que a prática da autonomia do aluno
requer discernimento, uma atitude positiva, uma capacidade de re-
flexão e uma prontidão na autogestão e na interação com os outros.

2 No original: “1. for situations in which learners study entirely on their own; 2 for a set of skills which
can be learned and applied in self-directed learning; 3. for an inborn capacity which is suppressed
by institutional education; 4. for the exercise of learners´ responsibility for their own learning; 5. for the
right of the learners to determine the direction of their own learning” (BENSON; VOLLER, 1997, p. 1-2).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 53


Metodologia de Pesquisa

Tendo em vista o objetivo desta pesquisa, foram analisadas nar-


rativas escritas por três graduandos do curso de Letras-inglês de uma
universidade do nordeste brasileiro. Esses aprendizes eram discentes
da pesquisadora desta investigação durante o período da elabora-
ção desse estudo. Como eles haviam estudado a língua inglesa de
forma autônoma antes de entrarem na universidade e apresentavam
bom desenvolvimento linguístico desde o início do curso (constata-
do pelo seu desempenho em sala de aula), eles foram convidados
pela pesquisadora para participarem desse trabalho. Para preservar
a identidade dos sujeitos desse estudo, eles serão identificados pelos
nomes fictícios Luciano, Rosana e Tiago.
Optamos por narrativas para compor o corpus desta investiga-
ção por apresentarem “a possibilidade de representar eventos que
descrevam experiências das quais possamos aprender e, sobretudo,i-
dentificar possibilidades de aprendizagem dos envolvidos na história.”
(TOOLAN, 2001 apud RODRIGUES-JÚNIOR, 2010, grifo do autor). Segundo
Crewell e Poth (2007, p. 54, tradução nossa), narrativas são entendi-
das como “um texto falado ou escrito que fornece um relato de um
evento/ação ou uma entos/ações, conectado cronologicamente3”. A
escolha de narrativas se justifica pela possibilidade de depreender as
crenças sobre o processo de aprendizagem (BARCELOS, 2006) bem
como as estratégias com as quais se busca aprimorar esse aprendi-
zado.
Considerando esse material de análise, o presente trabalho se si-
tua nos pressupostos da pesquisa narrativa, uma vez que esta “con-
siste na coleta de histórias sobre determinado tema onde o investiga-

3 No original: “a spoken or written text giving an account of an event/action or series of events/actions,


chronologically connected” (CREWELL, 2007, p. 54)

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 54


dor encontrará informações para entender determinado fenômeno”
(PAIVA, 2008, p. 263), e que não segue uma abordagem rígida de le-
vantamento de dados (CREWELL, 2007).
Após o aceite em participar desse estudo, foi solicitado aos três
graduandos, sujeitos dessa pesquisa, que escrevessem sobre o seu
processo de aprendizagem de língua inglesa. Para orientar a escrita
da narrativa, sete perguntas do tipo abertas foram utilizadas:
• O que te motivou a estudar inglês e por que você tomou essa ini-
ciativa?
• Você encontrou muitos desafios em aprender inglês? Em caso
afirmativo, quais?
• Em sua opinião, o que se faz necessário para ser considerado um
bom aluno de inglês?
• Qual/quais a(s) estratégia(s) utilizadas para aprender a língua
inglesa?
• Quais aspectos da aprendizagem você focaliza? Por quê?
• Você tem alguma rotina para aprender inglês?
• O que te ajudou/ajuda a aprender inglês de forma mais eficiente?
• Como esse material, buscamos saber quais são as crenças de
aprendizagem dos aprendizes autônomos de língua estrangeira
e a sua relação com a escolha de estratégias nesse processo.

Análise e interpretação dos dados

Para empreender a análise das narrativas desse estudo, foi fei-


to um levantamento de informações, tendo como enfoque os termos
referentes a crenças e a estratégias de aprendizagem dos sujeitos
da pesquisa (CREWELL, 2007). Em seguida, essas crenças foram ca-
tegorizadas de acordo com características semelhantes e as estra-
tégias classificadas segundo o inventário de Oxford (1990). Por fim, foi

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 55


analisada a relação entre as crenças e a escolha de estratégias de
aprendizagem.
Durante essa análise, foram identificadas três crenças de apren-
dizagem no estudo de línguas, que aparecem de forma mais recor-
rente:
- “É preciso gostar de inglês”
- “É necessário ser autônomo no processo de aprendizagem”
- “É preciso interagir com os outros”

Discutiremos cada crença em detalhes a seguir.

É preciso gostar de inglês

Ao refletir sobre o seu processo de aprendizagem de inglês, os


três sujeitos da pesquisa abordam o aprendizado de língua inglesa
pelo viés afetivo. Em suas narrativas, isso é verificado nos seguintes
trechos:

“Não encontrei muitos desafios durante a infância/adolescência porque nunca


tratei [aprendizagem de inglês] como algo formal, sempre foi algo muito mais
prazeroso do que obrigatório.” (Rosana)

“Com isso [uso de ferramentas de tradução para jogar] e com o hábito de can-
tar, comecei a ficar bom nisso [aprender inglês], e alguns dos meus professores
na escola começaram a elogiar minhas habilidades no inglês.” (Luciano)

“Aprender inglês é como aprender tudo: ou você o faz por interesse próprio, ou
por necessidade. Ou você aprende por amor, por ter sido seduzido/a, ou pelas
cobranças do mundo.” (Tiago)

Nos trechos acima, esse vínculo afetivo é materializado por ex-


pressões como “prazeroso’’ e aprender “por amor”. Na fala de Luciano,
percebemos uma conotação de orgulho em relação ao aprendizado

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 56


de língua inglesa, quando menciona que os seus “professores na es-
cola começaram a elogiar minhas habilidades no inglês”.
Como podemos observar, os três sujeitos relacionam o processo
de aprendizagem de língua inglesa com um sentimento positivo, em
que o objeto de estudo está relacionado a algo que eles gostam, per-
ceptível também nos fragmentos abaixo:

“Para mim não foi difícil encontrar a dedicação necessária, pois como relatei
há poucas linhas, algumas das coisas mais amadas na minha adolescência
[histórias em quadrinhos e música] estavam fortemente ligadas ao idioma em
questão [língua inglesa].” (Tiago)

“A maioria dos jogos era em inglês e, em alguns deles, você tinha que entender
a história ou o que estava acontecendo para avançar.” (Luciano)

“O que me motivou a aprender inglês foi o fato dos meus pais gostarem muito
de música internacional e costumavam assistir séries em inglês.” (Rosana)

Nos excertos acima, notamos que esses sujeitos relacionam a lín-


gua inglesa com manifestações artísticas e culturais que eles apre-
ciam: histórias em quadrinhos, jogos e música. Assim, para eles, o ob-
jetivo maior da aprendizagem não é a língua inglesa propriamente
dita, mas essa língua é tida como um meio para interagir melhor com
tais manifestações. Portanto, nesse contexto, o estudo de inglês é se-
cundário, uma vez que o foco principal se encontra na interação com
esses materiais.
Esse vínculo afetivo com o idioma pode explicar a prescindibili-
dade do uso de estratégias de aprendizagem indiretas do tipo afe-
tivas que, no estudo de línguas, correspondem a três técnicas: bai-
xar a ansiedade, encorajar-se e verificar sua temperatura (condição)
emocional (OXFORD, 1990). Dessa maneira, o fato de eles terem um
sentimento positivo em relação à língua inglesa os impulsiona a não
necessidade de lidar com questões de insegurança ao gerenciar o

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 57


seu aprendizado nesse âmbito. Isso pode explicar uma atitude mais
autoconfiante no que se refere ao estudo da nova língua, constatada
nos seguintes trechos:

“[...] comecei a ficar bom nisso [no estudo do inglês], e alguns dos meus profes-
sores na escola começaram a elogiar minhas habilidades no inglês.” (Luciano)

“Como sempre tive contato com idioma desde pequena, a língua veio natural-
mente” (Rosana)

“[...] fui preenchendo as lacunas deixadas no inglês da escola que eu frequenta-


va (em alguns momentos a professora chegou a perceber meu tédio nas aulas,
visto que eu já havia adiantado o assunto em casa, e até me liberou da aula
uma ou duas vezes)” (Tiago)

Essa autoconfiança é manifestada de diferentes maneiras: Lucia-


no afirma que “ficar bom” no inglês o fez ser elogiado pelos profes-
sores; já Rosana lidava com a nova língua de forma natural, sem ver
esse processo como um estudo formal; Tiago, por seu turno, sentia
tédio nas aulas por saber antecipadamente o assunto a ser estudado.
Em vista disso, é possível concluir que esse vínculo afetivo com o ob-
jeto de estudo leva a uma atitude mais confiante em relação a esse
aprendizado, demonstrando como as crenças também decorrem da
interação com o meio em que os sujeitos estão inseridos (BARCELOS,
2006).
Já no que concerne à escolha de estratégias de aprendizagem,
eles adotam os três eixos de estratégias diretas, a saber: de memó-
ria, cognitivas e de compensação (OXFORD, 1990). Isso demonstra que
eles lidam com o aprendizado por meio de operações mentais com
diferentes propósitos: armazenar informação, compreender como a
nova língua opera e usá-la a despeito das lacunas nesse aprendiza-
do. As estratégias mais utilizadas se relacionam a conexões mentais

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 58


(aprender com jogos, usar novos termos, fazer exercícios escritos),
tradução (uso de ferramentas de tradução) e a inferência (tentar en-
tender a história para progredir no videogame, ler blogs e ver séries).

É necessário ser autônomo no processo de aprendizagem

Durante a análise das narrativas de aprendizagem, constata-se


que os três sujeitos da pesquisa apresentam crenças de que a auto-
nomia (PAIVA, 2012) é um fator que promove o progresso no aprendi-
zado. Isso pode ser observado nos seguintes trechos:

“A maioria dos jogos era em inglês e, em alguns deles, você tinha que entender
a história ou o que estava acontecendo para avançar. Por causa disso, comecei
a usar a internet como fonte de aprendizado de inglês.” (Luciano)

“Eu tinha contato pelo menos por 6 horas diárias com a língua. Em blogs, websi-
tes, músicas, seriados, textos, livros, etc.” (Rosana)

“Era muito trabalhoso, ter como guidelines as aulas estruturais, e extrapolar


por conta própria para entender tanto construções sintáticas diferentes quanto
produções semânticas, com várias expressões e gírias desconhecidas até en-
tão. Mas continuei, “na raça”, à base de pesquisas incansáveis e inferências por
contexto (sempre uma boa).” (Tiago)

Como vemos acima, os três sujeitos adotam diferentes práticas


para desenvolver o seu conhecimento linguístico: o uso da internet
como fonte de aprendizado, o contato diário com a língua por meio
de diferentes materiais linguísticos e as “pesquisas incansáveis e in-
ferências”. Percebemos, aqui, um perfil acadêmico de autonomia
(KUMARAVADIVELU, 2001, p. 545-546, tradução nossa), em que essa
autonomia se materializa por “um conjunto de técnicas cognitivas,
metalinguísticas e afetivas que eles podem usar para uma aprendi-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 59


zagem bem-sucedida4”. Em outras palavras, o aprendiz se responsa-
biliza pelo seu aprendizado, buscando monitorar esse processo. Tais
práticas podem ser decorrência do contato com professores ou pes-
soas mais proficientes na língua, ilustrando como as crenças resul-
tam de processos interativos e são socialmente construídas (BARCE-
LOS, 2006).
Em relação à seleção de estratégias, a partir da categorização de
Oxford (1990), observou-se a adoção de estratégias diretas, ou seja,
ações em que os aprendizes lidam diretamente com o funcionamen-
to da língua. Tais estratégias são de natureza cognitiva e de compen-
sação, pois envolvem tradução, dedução e inferência. Eles também
fazem uso da estratégia indireta metacognitiva, que diz respeito ao
modo como organizam seu estudo, ao planejarem e avaliarem a sua
aprendizagem.
Assim, essa autonomia de caráter mais acadêmico, possivel-
mente influenciada por interações com professores e pessoas mais
proficientes na língua em estudo, se manifesta por meio da busca de
fontes de aprendizagem para progredir no aprendizado de inglês.

É preciso interagir com os outros

Outra crença identificada nesse trabalho diz respeito à relevância


da interação no processo de aprendizagem. Observemos os trechos
abaixo:

4 No original: “a set of cognitive, metacognitive, and affective techniques that they can use for
successful learning”

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 60


“Claro que há quem tenha a sorte de, mesmo aprendendo por necessidade,
encontrar nesse processo prazer posterior, o que depende muito da pessoa que
ajuda a aprender.” (Tiago)

“Um deles [professor] até me puxou para o lado e pediu que eu me concen-
trasse e realmente estudasse da maneira correta, para que eu me tornasse um
professor ou algo assim. Ela também me pediu para ajudar meus amigos em
atividades e isso me fez sentir como se eu fosse bom nisso.” (Luciano)

“Para ser considerado bom em inglês, primeiro, o aluno precisa gostar. A partir
disso, tem que se envolver mesmo com a língua. Todos os dias, na maior parte
de seu tempo. Na sala de aula, ele [aluno] precisa tirar suas dúvidas e não ter
medo de errar.” (Rosana)

Como podemos verificar, os três sujeitos acreditam que é neces-


sário interagir com outras pessoas para se ter um bom desempenho
na aprendizagem de línguas. Isso pode ser decorrência da nature-
za interacionista da aprendizagem (VYGOTSKY, 2001), que emerge de
processos interativos. Isso é demonstrado por meio de expressões
como “pessoa que ajuda a aprender”, “[o professor] pediu que eu [...]
estudasse de maneira correta” e “ele [o aluno] precisa tirar suas dú-
vidas e não ter medo de errar”. Eles entendem que as relações inte-
racionais permitem que avancem no aprendizado, uma vez que eles
podem pedir ajuda, orientação e esclarecimentos de pessoas profi-
cientes, além de oferecer ajuda para os menos proficientes, como é o
caso de Luciano. Essa interação também aparece com o próprio ob-
jeto de estudo, como quando Rosana afirma que “tem que se envolver
mesmo com a língua. Todos os dias, na maior parte de seu tempo”,
que, como vimos na seção anterior, corresponde a ler blogs, websites,
ouvir música, assistir a seriados, entre outros. Isso ilustra como

“as crenças não estão dentro das nossas mentes como uma estrutura men-
tal pronta e fixa, mas mudam e se desenvolvem à medida que interagimos e
modificamos nossas experiências e somos, ao mesmo tempo, modificados por
elas” (BARCELOS, 2006, p. 19).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 61


A crença sobre a premência da interação no progresso da apren-
dizagem está relacionada ao que Kumaravadivelu (2001) denomina
de autonomia social, atitude que abrange a habilidade e vontade do
aprendiz de trabalhar cooperativamente na comunidade de aprendi-
zagem. Segundo esse autor, ser um aprendiz socialmente autônomo
contribui para o desenvolvimento de duas habilidades dignas de nota:
o senso de responsabilidade para promover seu próprio aprendizado
e de seus pares e um grau de sensibilidade e compreensão em rela-
ção a outros aprendizes que podem ser mais ou menos proficientes.
Assim, esses aprendizes autônomos, sujeitos desta pesquisa, re-
correm não somente a relações intrapessoais, mas também a pro-
cessos interpessoais para aprimorar o seu percurso de aprendizagem
de língua estrangeira.
Esse pensamento os leva a escolherem estratégias que viabilizem
essa interação, a fim de promover seu estudo. Desse modo, eles ado-
tam estratégias indiretas, que dizem respeito à organização e autoa-
valiação da aprendizagem, de cunho social, que tangem a esclarecer,
cooperar e ter sensibilidade em relação aos outros (OXFORD, 1990).
Em resumo, observadas as três crenças descritas acima, é possí-
vel depreender que existe um diálogo entre elas. Em outras palavras,
o fato de os sujeitos pesquisados apresentarem um vínculo afetivo
com a língua inglesa os impulsiona para que ocorra uma processo
de autonomia (KUMARAVADIVELU, 2001, PAIVA, 2012) na aprendizagem
em decorrência dos processos interativos durante a aprendizagem
de língua estrangeira. Por conseguinte, a autonomia os conduz a uma
maior exposição aos outros e à própria língua em estudo, estabele-
cendo mais interações para a promoção da aprendizagem.
No que concerne à relação entre as crenças e as estratégias de
aprendizagem adotadas, elas apresentam uma relação coerente, o
que pode favorecer um aprendizado que atinja os objetivos almeja-
dos. Isso pode ser resultado da adoção de estratégias metacognitivas

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 62


em que o processo de aprendizagem é monitorado e autoavaliado
(OXFORD, 1990).

Conclusão

Nesse trabalho, analisamos narrativas de aprendizagem de lín-


gua estrangeira, um tipo de material que configura “um modo de se
olhar ou investigar as experiências e as crenças, que por sua vez nas-
cem de nossas experiências” (BARCELOS, 2006, p. 152) por meio da
pesquisa narrativa (PAIVA; 2008; CREWELL, 2007).
O objetivo geral desse estudo é refletir sobre crenças de aprendi-
zagem e a sua relação com a escolha de estratégias de três aprendi-
zes autônomos do curso de Letras-inglês, ou seja, alunos que estuda-
ram a língua estrangeira de forma autodidata e apresentam um bom
desempenho nessa nova língua.
Nessa investigação, constatamos que as crenças são resulta-
dos de processos interativos e têm influência na tomada de decisões
para atingir determinados objetivos. Percebemos que os sujeitos da
pesquisa apresentam semelhanças em relação às suas crenças de
aprendizagem. Em outras palavras, os três aprendizes acreditam que,
para aprimorar seu aprendizado, eles precisam i) gostar da língua; ii)
ser autônomo na aprendizagem e iii) interagir com outros.
Verificamos que os três aprendizes adotam uma variada gama
de estratégias de aprendizagem que contribuem para que eles par-
ticipem de forma ativa no seu percurso de aprender. No entanto, no-
tamos que há uma ênfase no uso de estratégias diretas cognitivas e
indiretas metacognitivas e sociais, desvelando uma articulação entre
ações em que eles lidam diretamente com o objeto de estudo e téc-
nicas em que eles gerenciam o seu aprendizado.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 63


Outrossim, o vínculo afetivo dos sujeitos da pesquisa com produ-
tos de entretenimento se estende para a língua por meio da qual tais
produtos se apresentam, ou seja, o interesse por manifestações ar-
tístico-culturais na língua estrangeira como música, jogos e histórias
em quadrinhos promove um interesse pelo aprendizado da própria
língua estrangeira. Essa ligação afetiva favorece a prescindibilidade
de estratégias indiretas afetivas, uma vez que esse quadro leva a um
senso de autoconfiança ao lidar com a língua em estudo.
Na análise das narrativas desses sujeitos, é possível depreender
que, ao desenvolver autonomia para poder aprender, eles desenvol-
vem discernimento, uma atitude positiva, uma capacidade de refle-
xão e uma prontidão tanto na autogestão quanto na interação com a
língua em estudo e com os outros no processo de aprendizagem. Isso
pode ser consequência da adoção de estratégias indiretas metacog-
nitivas, que dizem respeito à autogestão do aprendizado. Esse quadro
pode ter contribuído para um certo grau de autonomia libertária, pos-
tulada por Kumaravadivelu (2001), uma vez que eles se mostram mais
conscientes de seu percurso de aprendizagem, Não foi possível, no
entanto, depreender um pensamento crítico nesse processo por parte
dos pesquisados. Uma possível explicação para esse fato pode ser a
falta de uma orientação mais específica abordando esse aspecto na
escrita das narrativas.
Por fim, verificamos que as crenças são fundamentais para dar
sentido ao processo de ensino e aprendizagem de língua estrangeira.
Esse estudo demonstra que o desenvolvimento da autonomia amplia
as possibilidades de aprendizagem, tornando o aluno um construtor
do seu conhecimento. Nesse sentido, é incontestável a relevância em
refletir sobre as crenças de aprendizagem para entender tanto a to-
mada de decisões quanto os resultados de professores e estudantes
na prática pedagógica.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 64


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LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 66


CAPÍTULO 3

Ensino remoto no curso do


Idiomas sem Fronteiras na UFAL:
reflexões sobre os aspectos
interativos

Cátia Veneziano Pitombeira


Gabriel Pereira da Silva
José Miguel da Silva Ramos
Rosycléa Dantas

DOI: 10.52788/9786589932321.1-3
Introdução

Diante do cenário pandêmico decorrente da Covid-19, presencia-


mos um êxodo da educação presencial para o contexto virtual regu-
lamentado, no Brasil, pela portaria nº 343, de 17 de março de 2020, que
autoriza “a substituição das disciplinas presenciais, em andamento,
por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comuni-
cação” (BRASIL, 2020, p. 1). Para tanto, fomos solicitados a utilizar fer-
ramentas digitais não apenas como recursos extraclasse, mas como
um dos únicos meios para a realização das atividades educacionais,-
sendo “necessário desencadear processos educativos destinados a
melhorar e a desenvolver a qualidade profissional dos professores
que, claramente, neste momento, foram apanhados de surpresa”
(MOREIRA; SCHLEMMER, 2020, p. 28).
Nesse contexto, e diante da compreensão do trabalho docente
como dialético (MARX; ENGELS, 1979), ao interagirmos no meio virtu-
al de ensino-aprendizagem, transformamos e somos transformados
por esse meio. Assim, a reformulação e implementação das discipli-
nas e cursos para o ciberespaço resultou em um campo fértil para se
repensar e transformar a maneira como usamos o espaço digital e as
suas tecnologias, entendendo que

não é uma utopia considerar as tecnologias como uma oportunidade de ino-


vação, de integração, inclusão, flexibilização, abertura, personalização de per-
cursosde aprendizagem, mas esta realidade exige uma mudança de paradig-
ma (MOREIRA; SCHLEMMER. 2020, p. 6-7).

A mudança de paradigma sugere uma ressignificação dos am-


bientes virtuais como espaços formativos, permitindo-nos explorar o
potencial das nossas práticas pedagógicas remotas. Com essa dis-
cussão, e considerando as especificidades e complexidades do con-
texto de Ensino Remoto Emergencial - ERE - (HODGES et al., 2020), ob-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 68


jetivamos investigar como a interatividade/interação foi construída
ao longo de um curso de inglês para fins específicos, no âmbito do
Idiomas sem Fronteiras da Universidade Federal de Alagoas e na mo-
dalidade remota.
Fundamentamos a pesquisa a partir de estudos sobre cibercul-
tura (LÉVY, 1999), tecnologia (KENSKI, 2008), letramento digital (NASCI-
MENTO, 2014) acerca do ensino remoto (HODGES et al., 2020; MOREIRA;
SCHLEMMER, 2020) e sobre interatividade/interação (LOBATO, 2009;
FRAGOSO, 2001). A partir do nosso objetivo, utilizamos diários reflexivos
como instrumentos de geração de dados textuais para a condução
de uma pesquisa qualitativa e de natureza autoetnográfica (ELLIS et
al., 2011), na medida em que os professores em formação inicial, que
ministraram o curso e escreveram diários reflexivos sobre a experiên-
cia, são autores deste estudo olhando para sua própria prática for-
mativa.
Este artigo está dividido em três partes. Na primeira seção, discu-
timos o ensino remoto, o letramento digital e os aspectos interativos.
Logo após, apresentamos reflexões sobre interatividade/interação.
Em seguida, discorremos sobre a metodologia da pesquisa para, en-
tão, analisar os dados oriundos dos diários reflexivos dos professores
em formação inicial e, finalmente, passamos para as considerações
finais do trabalho.

Ensino remoto, letramento digital e aspectos interativos

Situados no contexto de crise pandêmica, foi necessário nos rein-


ventarmos no espaço chamado de "cibercultura" que, segundo Sá e
Silva (2013, p. 139), “vem proporcionando novas possibilidades de co-
municação e aprendizagem mediadas pelo ‘ciberespaço’”. De acordo
com Lévy (1999, p. 17),

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 69


o termo [ciberespaço] especifica não apenas a infraestrutura material da co-
municação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela
abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse univer-
so. Quanto ao neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas
(materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e
de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.

Nesse sentido, a internet e os recursos tecnológicos ganham des-


taque como ferramentas associadas aos espaços virtuais de ensi-
no-aprendizagem, minimizando as barreiras impostas pela Covid-19,
tais como o distanciamento social e, por conseguinte, oportunizando
práticas sociais e didático-pedagógicas.
O ambiente virtual exige uma nova forma de letramento, o di-
gital. Nascimento (2014) aponta a necessidade de ultrapassarmos o
uso apenas mecânico das ferramentas digitais ao lidar com questões
de ensino-aprendizagem, ou seja, precisamos atuar no ciberespaço
como agentes protagonistas, em quenos apropriamos e ao mesmo
tempo (co)construímos esse espaço e suas ferramentas.
Para muitos professores e alunos, o pouco letramento digital para
fins pedagógicos se configurou como um desafio na efetivação dos
espaços de aprendizagem, no que foi denominado de Ensino Remoto
Emergencial (HODGES et al., 2020). Considerando esse desafio, Sarai-
va et al. (2020, p. 17) argumenta que

a docência nos tempos de pandemia é uma docência exausta, ansiosa e pre-


ocupada. Que quer acertar, mas que avança no meio da incerteza e da adver-
sidade – e que não tem a menor ideia do caminho. Como todos, os professores
estão imersos em uma névoa e seguem através dela, buscando fazer o melhor.

Desse modo, o ERE revelou fragilidades e lacunas na formação


docente no tocante aos saberes que fazem parte do ensino online
(FERREIRA et al., 2020; SILVA; FILHO, 2020), solicitando, desse modo, a
implementação de mudanças no processo de construção de futu-
ros professores, pois, como nos lembra Souza (2011, p. 287), “quando

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 70


percebemos a complexidade do mundo, nós temos a obrigação de
pensar em novas formas de atuação”, de formação e de educação.
Pensando nas mudanças, ressaltamos que

não são as tecnologias que vão revolucionar o ensino e, por extensão, a edu-
cação por um todo. Mas a maneira como esta tecnologia é usada para media-
ção entre professores, alunos e a informação. Esta pode ser revolucionária, ou
não. Os processos de interação e comunicação no ensino sempre dependeram
muito mais das pessoas envolvidas no processo, do que das tecnologias utili-
zadas, sejam o livro, o giz ou o computador e as redes (KENSKI, 2008, p. 9).

Além das questões de letramento digital, a falta de infraestrutura


e de acesso à internet e a ferramentas tecnológicas como computa-
dores, tablets e celulares também é um obstáculo para a realização de
atividades educacionais online (SILVA; FILHO, 2020; SILVA, 2020). Nesse
cenário, as desigualdades sociais entre ricos e os mais vulneráveis se
fizeram ainda mais presentes, pois muitas famílias e estudantes não
têm condições de acesso ao mundo digital (BRASIL, 2020) para que,
assim, possam efetivar uma educação remota. Para tanto, o Conselho
Nacional de Educação – CNE (BRASIL, 2020, p. 3) orientou que, durante
o ensino remoto, as instituições de ensino considerem propostas edu-
cacionais “que não aumentem a desigualdade ao mesmo tempo em
que utilizam a oportunidade trazida por novas tecnologias digitais de
informação e comunicação”.
Essa orientação nos leva a refletir que a tecnologia digital em si
tem seu caráter excludente e não igualitário, mas entendemos ser
uma das alternativas que oportuniza o desenvolvimento do ensino re-
moto. O ciberespaço hospeda plataformas virtuais de ensino-apren-
dizagem e serviços de videoconferência, promovendo uma interação
que pode ser associada à oferecida pela escola, sala de aula e a lou-
sa. Observando sob essa perspectiva, notamos a presença dos mes-
mos atores do ensino presencial, a saber: alunos, professores e pais,
engajados em um espaço diferente do adotado até então.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 71


Nessa perspectiva, a pandemia nos obrigou a mobilizar novos
saberes e habilidades, a fim de garantir o direito e o dever em prol
da continuidade da educação por meio do espaço virtual, em que a
construção do conhecimento é dotada de uma multimodalidade de
linguagens visuais, sonoras, verbais, textuais e digitais. A interlocução
entre letramento digital e multimodalidade é o que embasa o nosso
fazer docente. Para tanto, entendemos o letramento digital como

[...] o domínio de técnicas e habilidades para acessar, interagir, processar e de-


senvolver uma multiplicidade de competências na leitura das mais variadas
mídias. Um indivíduo possuidor de letramento digital necessita de habilidade
para construir sentidos a partir de textos que mesclam palavras que se co-
nectam a outros textos, por meio de hipertextos, links e hiperlinks; Ele precisa
também ter capacidade para localizar, filtrar e avaliar criticamente informação
disponibilizada eletronicamente e ter familiaridade com as normas que regem
a comunicação com outras pessoas pelos sistemas computacionais (AQUINO,
2003, p. 1-2).

Neste escopo, nossa pesquisa apresenta uma reflexão acerca do


desafio do letramento digital para o desenvolvimento de habilida-
des para utilizar os recursos tecnológicos, ultrapassando os muros do
mero conhecimento de ferramentas, ressignificando e adequando o
uso aos fins didático-pedagógicos e às práticas sociais.
Ao discutirmos sobre os espaços virtuais de ensino-aprendiza-
gem e o letramento digital, ressaltamos a interação e a interatividade
como elementos que constroem esse espaço. Os estudos de Fragoso
(2001), Lobato (2009) e Mattar (2012) demonstram que os termos inte-
ração e interatividade são utilizados por alguns autores sem preocu-
pação com diferenças de significados, enquanto outros apresentam
distinções para cada um dos conceitos. Ao buscarmos compreender
como os aspectos interativos foram construídos no contexto específi-
co desta pesquisa, não nos aprofundamos na seara desses conceitos,
mas consideramos relevante apresentar uma distinção básica entre
os termos.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 72


De acordo com Mattar (2012, p. 25), “a interação estaria associa-
da às pessoas, enquanto a interatividade, à tecnologia e aos canais
de comunicação”. Considerando o cenário de aulas remotas, pode-
mos compreender essa distinção atribuindo a relação dos alunos e
professores com as plataformas, materiais e ferramentas digitais de
ensino-aprendizagem, como interatividade e a relação entre alunos-
-alunos e alunos-professores, como interação. Apesar de distintas,
ressaltamos que as linhas que tecem interação e interatividade se
entrecruzam e se conectam, pois muitas vezes a relação de apren-
dizagem do aluno com uma determinada ferramenta tecnológica só
se efetiva a partir da mediação de outro aluno ou professor, criando,
desse modo, uma intersecção entre interação e interatividade.
No âmbito dessa discussão, Lobato (2009) argumenta que, para
criar um espaço virtual que proporcione essas relações, é importante
considerar que os materiais, além de dinâmicos e diversificados, pre-
cisam “‘conversar’, diretamente, com o aluno, interagindo, dialogan-
do, dando a ele suporte para seguir os passos necessários à constru-
ção eficaz de sua aprendizagem” (LOBATO, 2009, p. 7). Sobre a sala de
aula virtual, a autora discute que ela precisa ser “organizada, clara e
objetiva, oferecendo e/ou indicando ao(s) aluno(s) os caminhos a se-
rem trilhados” (LOBATO, 2009, p. 9). Para tanto, compreendemos que a
construção de relações interativas efetivas no contexto de ensino re-
moto demanda, dentre outros aspectos, um planejamento cuidadoso
dos materiais e ferramentas a serem utilizadas.

Percurso metodológico

Como percurso metodológico, apresentamos a natureza da pes-


quisa, o contexto de pesquisa, os participantes, os instrumentos de
geração dos dados e os procedimentos de análise.

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Esta pesquisa pode ser considerada qualitativa-interpretativista
de natureza autoetnográfica. Segundo Bortoni-Ricardo (2008, p. 34), a
pesquisa qualitativa tem “um compromisso com a interpretação das
ações sociais e com o significado que as pessoas conferem a essas
ações”. Nesta investigação, assumimos o compromisso de interpre-
tar as ações dos professores em formação inicial, entendendo que a
interpretação possa ser realizada “através de uma lente pessoal situ-
ada em um momento sociopolítico e histórico específico” (CRESWELL,
2007, p. 186-187), em nosso caso, as lentes dos pesquisadores estão
situadas no cenário específico da pandemia da Covid-19.
O contexto da pesquisa foi o Curso Idiomas sem Fronteiras 2020:
Leitura de textos acadêmicos em Inglês, ofertado remotamente pela
Rede Andifes, a Faculdade de Letras e a Assessoria de Intercâmbio In-
ternacional da Universidade Federal de Alagoas - UFAL.
O curso foi organizado em duas turmas, com 30 vagas cada, para
alunos regularmente matriculados na graduação ou pós-graduação,
técnicos e docentes de diversas áreas da UFAL e teve como objetivos:
desenvolver a consciência sobre os processos de leitura; desenvolver
estratégias de leitura de textos em inglês como língua estrangeira;
e melhorar o desempenho estratégico na leitura de textos e artigos
científicos em inglês. A carga horária total foi de 40 horas, distribuídas
entre os meses de outubro e dezembro de 2020.Acreditamos ser fun-
damental destacar que, por ser um curso embasado na abordagem
de línguas para fins específicos (HUTCHINSON; WATERS, 1987), busca-
mos publicações científicas das diferentes áreas dos cursistas para a
elaboração do material didático.
Considerando o contexto de ensino remoto, as aulas e ativida-
des semanais foram realizadas por meio de um encontro síncrono,
na plataforma Google Meet, com duração de 1 hora e meia, e 2 horas
e meia de atividade assíncrona, conduzidas no ambiente virtual de
aprendizagem Moodle. Além disso, o planejamento das aulas, a ela-
boração dos materiais didáticos, as discussões teóricas, as reuniões

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 74


e orientações pedagógicas também foram realizadas semanalmente
na modalidade remota, com o suporte das ferramentas digitais: Goo-
gle Meet, Google Drive e WhatsApp.
Nos encontros ao vivo pela plataforma Google Meet, optamos
pela dinâmica entre dois professores: o primeiro era responsável por
moderar o chat em tempo real e sintetizar verbalmente os questiona-
mentos, as dúvidas e as contribuições dos alunos, enquanto o segun-
do ministrava a aula e concomitantemente interagia com o conteúdo
do chat, com o outro professor e também com os alunos. Assim, en-
tendemos essa dinâmica como uma relação dialética formativa en-
tre osprofessores, os cursistas e o material didático, por meio de uma
ferramenta digital específica: o chat.
Destarte, cada turma do curso foi conduzida por dois professores
de língua inglesa em formação inicial da UFAL, que são os participan-
tes desta pesquisa. A fim de preservar suas identidades, eles serão
apresentados como: professores G, JM, JP e R. Os professores assi-
naram o termo de consentimento livre e esclarecido, autorizando a
utilização dos seus diários reflexivos como dados desta investigação.
Desse modo, os dados foram gerados por meio de diários reflexi-
vos, escritos pelos professores entre os meses de setembro e dezem-
bro, a partirda dinâmica de interação nos encontros síncronos e assín-
cronos, os quais guiaram os professores para um processo retroativo
e recursivo de reformulação do material elaborado e, também, das
suas próprias experiências vivenciadas ao ministrar o curso. O diário
permitiu o registro das reflexões acerca das discussões teóricas utili-
zadas como embasamento do curso, da avaliação da prática docente
remota, da construção de significados e de como incentivar momen-
tos interativos nos espaços virtuais. Assim, entendemos o diário como

um instrumento retórico-discursivo, produzido de uma forma manuscrita, de


base narrativa, que objetiva promover o entrelaçamento entre o fazer, o refletir
e o dizer da profissão docente, através da retomada, por meio da palavra, dos
dilemas e dos imaginários que lhe são constitutivos (DORNELLES; IRALA,2013, p. 21).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 75


Como ferramenta empírica, a autoavaliação e o registro das vi-
vências dos professores no diário foram norteadores e essenciais para
a ressignificação das suas práticas, proporcionando um olhar holís-
tico e subjetivo para os momentos síncronos e assíncronosrelatados
nos diários reflexivos.
Como procedimentos de análise dos diários, realizamos uma pri-
meira leitura e selecionamos os excertos característicos e fundantes
do tema abordado pela pesquisa, a saber: interatividade/interação.
Em seguida, conduzimos a interpretação dos excertos à luz das refle-
xões teóricas apresentadas anteriormente e, também, do nosso ob-
jetivo de investigar como a interatividade/interação foi construída ao
longo de um curso de inglês para fins específicos na modalidade re-
mota.

Análise dos dados: as reflexões dos professores

Após apresentarmos o atual estado da arte que envolve o ensino


remoto, o letramento digital, os aspectos interativos no contexto da
pandemia, assim como a orientação metodológica, os participantes
da pesquisa e o diário reflexivo como instrumento de geração de da-
dos, que foi cuidadosa e paulatinamente redigido ao longo da expe-
riência no Curso Idiomas sem Fronteiras 2020: Leitura de textos aca-
dêmicos em Inglês, conforme apresentamos na metodologia deste
estudo, discorremos sobre as reflexões empreendidas pelos professo-
res acerca da sua prática pedagógica no referido curso.
As práticas pedagógicas do IsF puderam ter continuidade pelo
potencial da cibercultura, dotada de tecnologias digitais capazes de
promover a interatividade necessária para os fins educacionais. No
entanto, a emergência da situação identificou dificuldades e a lacu-
na na formação de grande parte dos professores que, até então, não

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 76


tinham sequer pensado em ressignificar as tecnologias utilizadas no
cotidiano, também, para a sala de aula. Essa contradição imprime
marcas no ensino remoto

para o bem e para o mal. Para o bem porque, em muitos casos, permite en-
contros afetuosos e boas dinâmicas curriculares emergem em alguns espaços,
rotinas de estudo e encontros com a turma são garantidos no contexto da pan-
demia. Para o mal porque repetem modelos massivos e subutilizam os poten-
ciais da cibercultura na educação, causando tédio, desânimo e muita exaustão
física e mental de professores e alunos. Adoecimentos físicos e mentais já são
relatados em rede. Além de causar traumas e reatividade a qualquer educação
mediada por tecnologias. Para o nosso campo de estudos e atuação, a reativi-
dade que essa dinâmica vem causando compromete sobremaneira a inova-
ção responsável no campo da educação na cibercultura (SANTOS, 2020, n.p.).

Alinhados à reflexão de Santos (2020), iniciamos a interpretação


dos dados desta pesquisa ressaltando que um dos maiores desafios
do ensino remoto, para os professores do IsF, foi ultrapassar o muro
da mera transposição didático-pedagógica, por meio da criatividade
e da inovação ao lidar com questões de letramento digital, conforme
identificado na reflexão da professora em formação inicial R.

Excerto 01: A importância desse letramento digital, a cada milésimo de segundo


que passa, se torna mais determinante e a sensação que temos é que o tempo
passa mais rápido e as demandas se tornam mais urgentes. Isso nos mostra
como esse momento na educação além de histórico está sendo uma oportuni-
dade de recriar nossos conceitos e reinventar a didática de forma significativa.

No processo de recriar e reinventar a didática, conforme textu-


alizado pela professora R, pontuamos que a ressignificação do ma-
terial didático se fez necessária para que os cursistas participassem
das atividades propostas no IsF. Assim, uma maior aproximação com
a área de atuação dos alunos despertou seu interesse e promoveu,
igualmente, autonomia ao lidar com questões de ensino-aprendiza-
gem. O relato do professor em formação inicial G comprova essa afir-
mação

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 77


Excerto 02: diferentemente da aula passada, essa aula foi totalmente diferen-
te: os alunos participaram muito da aula, expondo suas ideias, creio que [sic]
ajudou bastante também foi o fato de trazer o que eles estão aprendendo para
aquilo que eles estudam, no nosso caso a integração de textos acadêmicos da
área de medicina veterinária ajudou os alunos dessa área a olharem o conhe-
cimento que estão adquirindo na prática.

No excerto acima ressaltamos, portanto, a interatividade dos alu-


nos com materiais didáticos, isto é, com os textos acadêmicos. Os
textos foram cuidadosamente pensados levando em consideração
as necessidades dos alunos, reforçando o entendimento de Lobato
(2009) de que a criação de um espaço virtual com interatividade/in-
teração demanda um planejamento dinâmico e sensível ao contexto
de atuação. Sobre esse aspecto da escolha adequada do material
didático, vejamos a reflexão do professor JP:

Excerto 03: Durante o mês, eu pude perceber com algumas teorias a impor-
tância da escolha do material didático. “Faz-se necessário, nesse sentido, que
o material venha a proporcionar múltiplas interações ao discente e, conse-
quentemente, a aprendizagem qualitativa.” (MESQUITA, 2009). Durante o mês,
xs estudantes puderam fazer muitas interações com os materiais nos slides,
imagens, textos, nos quais xs estudantes tentavam inferir sentidos, até quando
usávamos o padlet também, xs estudantes interagiam bastante. Então os ma-
teriais escolhidos fizeram bastante diferença.

O professor JP nos mostra que, na construção de espaços inte-


rativos de aprendizagem, a escolha do material foi planejada a partir
de reflexões teóricas, isto é, de estudos que abordam essa temática, o
que afirma a relevância das leituras e discussões teóricas no desenho
de uma prática pedagógica virtual mais interativa. Assim, o profes-
sor avalia que a escolha fundamentada dos materiais fez bastante
diferença no ensino virtual, uma vez que os alunos puderam fazer in-
terações, tentaram inferir sentidos e interagiram bastante. Além da
fundamentação teórica, o professor G destaca a interação entre os
professores:

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 78


Excerto 04: Creio que a melhora da aula se deu com o ensaio que eu e o profes-
sor M realizamos antes da aula, onde questionamos, adicionamos e mudamos
alguns aspectos da apresentação, esse trabalho de equipe ajudou bastante
na hora da aula, já tínhamos antecipado algumas dúvidas e estávamos pre-
parados, outro aspecto que ajudou na melhora foi uma pequena mudança na
atividade do final da aula, onde os alunos tiveram uma participação maior e
puderam fazer uma relação maior com o que estava sendo ensinado e a rea-
lidade da internet.

O professor G reflete sobre o papel da interação entre os docen-


tes - em um trabalho em equipe - como algo que ajudou na reformu-
lação de atividades para uma participação maior dos alunos. Desse
modo, entendemos que a mudança nas atividades tinha como objeti-
vo ampliar a interatividade/interação (MATTAR, 2012) dos alunos com
o material didático e os professores, destacando que a atenção aos
aspectos interativos interferia nas reformulações do material didáti-
co. Nesse contexto, pontuamos que os professores realizavam reuni-
ões semanais para planejamento e reformulações de suas ações, em
um processo de recursividade que propiciava “retorno ao objeto de
aprendizagem de um modo aprimorado […] um retorno e busca por
conceitos previamente apresentados, mas com um olhar mais atento
aos detalhes” (PITOMBEIRA, 2014, p. 11).
Além disso, a discussão posta pelo professor G reverbera o cená-
rio de docência partilhada vivenciada no IsF, uma vez que os docen-
tes atuavam em duplas nas aulas síncronas e planejavam as aulas
todos juntos. Para tanto, a docência remota do IsF era co-construída.
Vejamos como os professor JM e JP, respectivamente, discorrem so-
bre esse processo colaborativo na condução das aulas síncronas:

Excerto 05: Outro aspecto bastante importante para nossas reflexões têm [sic]
sido a forma de interação durante as aulas síncronas, a participação dos alu-
nos é mediada por um segundo professor, estratégia que acreditamos ser fun-
damental para garantir a fluidez e organização durante nossos encontros pelo
google meet.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 79


Excerto 06: Eu tive parceria mais de perto com o G na parte de produção das
aulas síncronas e com a R na aplicação das aulas síncronas, porque à medida
que eu aplicava a aula, ela lia o chat e comentava o que xs estudantes estavam
comentando [sic], respondia as dúvidas na medida do possível, etc. O nosso
entrosamento foi ótimo.

A interação entre professores e alunos nas aulas síncronas era


orquestrada a partir de três movimentos basilares e interconectados:
o professor A que conduzia a aula interagia com o professor B e com
os alunos, o professor B com o professor A e com os alunos, e os alunos
com ambos os professores e entre eles. Essa configuração interativa,
de um segundo professor mediando a interação entre o professor A
e os alunos, foi desenhada no contexto da nossa experiência no IsF
diante do cenário de aulas remotas que, por ser desconhecido e in-
certo (HODGES et al., 2020; SARAIVA et al., 2020), nos desafiava a novos
modos de fazer docência. JP avalia o entrosamento entre os profes-
sores A e B como algo que funcionou bem e JM interpreta a presença
do segundo professor como fundamental para garantir a fluidez e a
organização durante os encontros síncronos. Destarte, compreende-
mos que essa configuração interativa se fez produtiva e necessária
no espaço-tempo virtual em que estávamos inseridos.
Ainda a partir da reflexão de JP, destacamos a interatividade dos
alunos e do professor B com o chat. Na sala de aula virtual, o chat foi
um grande protagonista das relações interativas: nele os alunos pos-
tavam suas dúvidas e comentários que eram não apenas acolhidos
pelo professor, mas também pelos demais colegas. O chat era, por-
tanto, um espaço vivo e dinâmico das relações de ensino-aprendi-
zagem. Acreditamos, igualmente, que o destaque do chat foi influen-
ciado pelo papel do segundo professor ao interagir com o que era
postado, transpondo muitas dúvidas e comentários para o centro das
reflexões da aula.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 80


Na finalização da nossa narrativa de interpretação, podemos di-
zer que os movimentos interativos, desenvolvidos nas aulas remo-
tas do IsF e relatados pelos professores nos diários reflexivos, foram
transpassados e alimentados pela busca por um processo de ensino-
-aprendizagem em que todos pudessem participar ativamente.

Considerações finais

Neste estudo, buscamos investigar como a interatividade/intera-


ção foi construída ao longo de um curso de inglês para fins específi-
cos, a partir da escrita reflexiva nos diários dos professores. Sistemati-
zando as interpretações, ressaltamos que a construção dos processos
interativos no ensino remoto foi desafiante para os professores, uma
vez que estavam diante de um cenário desconhecido. Além disso, os
docentes destacam a elaboração do material didático fundamen-
tada a partir de discussões teóricas sobre interatividade/interação e
com planejamento cuidadoso, levando em consideração o contexto
e as necessidades dos alunos, a fim de que eles pudessem efetivar
mais participações.
Ademais, os professores revelam que a interação entre eles, em
uma docência partilhada e co-construída, foi fundamental para o de-
senvolvimento de práticas interativas. Nesse ponto, a presença de um
segundo professor nas aulas síncronas criou e reforçou relações en-
tre alunos e professores, assim como também deu vida ao chat. No
entrelaçamento de relações, o chat se configurou como um espaço
interativo que alimentava a aula virtual.
Pensando no nosso instrumento de geração de dados, destaca-
mos que os diários reflexivos nos deram acesso não somente aos de-
safios que surgiram no contexto de ensino remoto do IsF, mas também

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 81


às tentativas dos professores de os superar, ao refletirem e reformu-
larem suas práticas e materiais didáticos. Entre erros e acertos, essa
busca dos docentes por aulas que promovessem mais interativida-
de/interação é, sem dúvidas, uma das ferramentas mais importantes
para se construir espaços formativos virtuais mais dinâmicos e pro-
dutivos.
Por fim, ressaltamos que, ao mesmo tempo em que revelam de-
safios e possibilidades no ensino de inglês para fins específicos na
modalidade remota, as discussões dos professores nos provocam a
pensar sobre a necessidade dos cursos de formação inicial de pro-
fessores incluírem, em seus projetos e práticas pedagógicas, espaços
de ensino-aprendizagem que envolvam aspectos teóricos e práticos
sobre ensino remoto e interatividade/interação, pois, assim como na
modalidade presencial de ensino, as práticas pedagógicas virtuais só
existem quando os indivíduos interagem. É no entrelaçamento intera-
tivo que está a fluidez da vida do ensino remoto.

Referências

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qualitativa. São Paulo: Parábola, 2008.
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LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 84


CAPÍTULO 4

O agir didático e os obstáculos


de um professor de língua
inglesa em contexto remoto

Kelli Mileni Voltero


Juliana Fioroto
Luciano Franco da Silva

DOI: 10.52788/9786589932321.1-4
Introdução

Iniciamos este capítulo apresentando reflexões e contribuições


de Anna Rachel Machado (2004, 2007, 2010), pelo motivo de ser uma
pesquisadora que inter-relacionou teorias para o entendimento do
complexo trabalho docente, o ensino como trabalho e sua relação
com a linguagem, para tanto, além dos pressupostos teórico-meto-
dológicos do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), que colabora para
a reflexão de reconfiguração do agir humano; vertentes que auxiliam
no entendimento do trabalho: Clínica da Atividade e Ergonomia da
Atividade Francesa (MACHADO, 2004).
Machado (2002, 2004, 2007) emerge aspectos da prática docen-
te que são inerentes à construção do conhecimento das práticas do
trabalho do professor. De acordo com a autora, o trabalho docente é
considerado uma atividade conflituosa (MACHADO, 2007), pois se en-
gendra com vários aspectos que o influenciam, tais como: artefatos,
instrumentos, outrem, objeto, sistema educacional, sistema de ensino,
contexto sócio-histórico particular (MACHADO, 2007, 2010). Amigues
(2004, p. 41) menciona que “a atividade do professor dirige-se não
apenas aos alunos, mas também, à instituição que o emprega, aos
pais, a outros profissionais”. Além disso, as condições nas quais es-
ses profissionais atuam são importantes para a sua atuação, isto é, o
contexto em que o docente está inserido influencia em seu trabalho.
Segundo Machado e Magalhães (2002, p. 140), em nosso contexto, isto
é, no Brasil

os múltiplos papéis que os professores desempenham, o excesso de alunos nas


classes, a pouca motivação dos alunos para o ensino escolar, os baixos salá-
rios, a multiplicação das horas de trabalho e até mesmo a violência física a que
estão expostos os professores, criam uma situação de trabalho extremamente
difícil.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 86


Diante de todo esse cenário da educação brasileira, que podemos
caracterizar como dificultoso, o ano de 2020 foi marcado pela pande-
mia SARS-CoV-2. Urgem, então, dúvidas e questionamentos acerca
de quais medidas precisam ser adotadas no contexto educacional
para não afetar o processo de ensino e aprendizagem dos alunos.
Sendo assim, várias operações foram realizadas, tais como gra-
vações de aulas pelos docentes, atividades disponibilizadas por pla-
taformas online ou para serem retiradas na secretaria da escola e aula
ao vivo. No que tange a esse cenário, podemos notar que a tecnologia
abarcou o contexto educacional brasileiro de maneira diligente.
No presente texto, trazemos a análise de uma aula de língua in-
glesa lecionada remotamente – aula ao vivo – em um contexto pri-
vado, especificamente, de uma escola de idiomas localizada no no-
roeste paulista.
Para isso, traçamos os seguintes objetivos: a) identificar a orga-
nização temática de uma aula de língua inglesa em contexto remoto;
b) reconhecer os obstáculos do professor de línguas em relação ao
processo de ensino e aprendizagem; c) identificar os agires do do-
cente abordados durante a aula.
Para tanto, organizamos este capítulo da seguinte forma: inicial-
mente, apresentaremos as bases teóricas e metodológicas em que
este estudo está ancorado: os quadros teóricos e metodológicos
do ISD (BRONCKART, [1999] 2007, 2006, 2008; MACHADO; BRONCKART,
2009), com ênfase na Didática de Línguas, de modo especial, agir do-
cente, gestos didáticos e obstáculos (SCHNEUWLY, 2009; SILVA, 2013;
MESSIAS; DOLZ, 2015; DOLZ; SILVA-HARDMEYER; COUCHEPIN, 2017); Ergo-
nomia da Atividade Francesa (AMIGUES, 2004) e da Clínica da Ativida-
de (CLOT, 2006, 2010). Em seguida, os procedimentos metodológicos
que foram desenvolvidos. Posteriormente, exibiremos nossa análise e
os resultados desse estudo, e por fim, nossas considerações finais.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 87


Nosso quadro teórico está dividido em duas seções, nas quais ex-
plicitamos a definição de trabalho docente e, na sequência, os con-
ceitos abordados pela Didática de Línguas: agir docente, gestos didá-
ticos e obstáculos.

O trabalho docente e seus aspectos influenciadores

No início dos anos 2000, a pesquisadora Anna Rachel Machado


formou o grupo ALTER (Análise de Linguagem, Trabalho Educacional e
suas Relações) com o objetivo de investigar o trabalho educacional,
em razão de as atividades educacionais não serem consideradas um
trabalho, e também, o não entendimento das atividades do trabalho
do profissional envolvido neste contexto, o professor (MACHADO et al..,
2009).
Assim, para a compreensão das relações entre linguagem e tra-
balho docente, Machado (2004) propõe uma perspectiva interdisci-
plinar, considerando os aportes teóricos-metodológicos do Interacio-
nismo Sóciodiscursivo e as contribuições das disciplinas da Psicologia
do Trabalho: Ergonomia da Atividade Francesa e Clínica da Atividade,
ou seja, disciplina que dialogam e contribuem para a reflexão entre
linguagem e trabalho.
De acordo com a Ergonomia da Atividade Francesa, a situação
de trabalho está implicada entre o trabalho predefinido e o trabalho
executado pelo trabalhador. O trabalho predefinido, isto é, o traba-
lho prescrito é considerado o que é determinado para o operário fa-
zer (AMIGUES, 2004). Segundo Bronckart (2008, p. 132), este trabalho é
“constituído por documentos produzidos pelas instituições ou empre-
sas com o objetivo de preparar, organizar e planificar o trabalho”. A
influência dos conceitos da Ergonomia da Atividade Francesa, traba-
lho prescrito e trabalho realizado teve um papel fundamental para a
Clínica da Atividade.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 88


Aliando os conceitos, Clot (2006; 2010), psicólogo do trabalho,
pesquisador do “Conservatório Nacional de Artes e Ofícios” (CNAM)
de Paris e criador da Clínica da Atividade (CA) apresenta uma pers-
pectiva sobre o trabalho até então não mencionada, o caráter con-
ceitual: real da atividade. Partindo das definições, o trabalho prescrito
e o trabalho realizado são aspectos observáveis por métodos diretos,
já o real da atividade é algo não perceptível de modo direto, apenas
por métodos indiretos. De acordo com Clot (2010, p. 103-104), o real da
atividade é

o que não se faz, o que se tenta fazer sem ser bem-sucedido – o drama dos
fracassos- o que desejaria ou poderia ter feito e o que se pensa ser capaz de
fazer noutro lugar. [...] – o que se faz para evitar fazer o que deve ser feito; o que
deve ser refeito, assim como o que se tinha feito a contragosto.

Desse modo, partindo das concepções teóricas de trabalho e


também das reflexões das pesquisas do grupo ALTER, Machado (2007;
2010) apresentou uma representação dos elementos constituintes do
trabalho docente, com base nos aportes da Ergonomia da Atividade,
da Clínica da Atividade e das reflexões teórico-metodológicas do ISD.

Figura 1 - Esquema dos elementos constituintes do trabalho docente do professor


em situação de sala de aula

Fonte: Machado, 2010, p. 165

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 89


Com base nesse esquema, Machado (2010) explicita que o traba-
lho do professor é influenciado pelo contexto sócio-histórico, ou seja, é
um trabalho situado. É composto, também, pelo sistema educacional
e pelo sistema de ensino, é orientado, dessa forma, por prescrições,
sendo atribuídos aspectos impessoais e prefigurados, tais como do-
cumentos reguladores para o trabalho docente.
Ademais, é uma atividade que tem por objetivo proporcionar um
ambiente de trabalho coletivo que possibilite o ensino e aprendiza-
gem de determinados conteúdos disciplinares e o desenvolvimento
de suas capacidades, logo é uma atividade instrumentalizada, pois
são utilizados artefatos e instrumentos para conduzir as atividades
aplicadas, conforme Machado e Bronckart (2009), é designado arte-
fato qualquer utensílio finalizado de origem humana e instrumento é
a apropriação desse artefato pelo sujeito. Este trabalho é desenvolvi-
do entre vários sujeitos – outrem – alunos, pais, colegas de trabalho,
direção e também os outros interiorizados. Por último, é orientado por
modelos de agir, aspecto transpessoal, que, segundo Diolina (2016, p.
06), “envolve conhecimentos compartilhados, desenvolvidos e trans-
formados a longo da história de um métier”.
Por estar envolvido por vários aspectos, o trabalho docente é
conflituoso, pois “o trabalhador deve fazer escolhas permanentes, en-
frentando conflitos com o outro, com o meio, com os artefatos, com
as prescrições etc” (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 37). Além disso,
gestos didáticos e obstáculos ocorrem principalmente durante o pro-
cesso de ensino e aprendizagem. Dessa forma, a seguir, apresenta-
mos os conceitos de agir docente, de gestos didáticos e obstáculos.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 90


Os gestos didáticos e obstáculos no agir docente

Recorremos também a alguns conceitos que advém da Didáticas


das Línguas. Esta é uma disciplina que estuda os “fenômenos de en-
sino e aprendizagem das línguas” (DOLZ, 2009, p. 19 apud SILVA 2013,
p. 70). Silva (2013) explicita que entre os grupos que realizam estudos
de análise do trabalho docente está o GRAFE e FORENDIF1, estes além
de observarem, transformam os objetos de ensino e acreditam que
gestos didáticos fundamentais do professor auxiliam nessa transfor-
mação (SILVA, 2013).
Conforme Messias e Dolz (2015, p. 51), a origem dos gestos didáti-
cos tem relação com os gestos profissionais. Embora a noção de ges-
tos profissionais esteja presente em vários campos teóricos, os au-
tores mencionam as definições de Bucheton e Dezutter (2008 apud
MESSIAS; DOLZ, 2015, p. 51) “gestos linguageiros e não linguageiros, re-
alizados por um trabalhador na realização de seu métier”; de Buche-
ton (2008 apud MESSIAS; DOLZ, 2015, p. 51) “como o conjunto do que
é identificável, objetivado e possível de ser transmitido por trabalha-
dores no desenvolvimento de seu métier” e; Dolz (2012 apud MESSIAS;
DOLZ, 2015, p. 51)2 “como formas características da intervenção de um
trabalhador em seu trabalho”.
Em relação ao métier docente, de acordo com Messias e Dolz
(2015), esse profissional acarretará, em contexto escolar, gestos pro-
fissionais dos professores. Os autores também mencionam que para
a concepção da didática “os gestos dos professores são didáticos
desde que eles visem aos saberes, aos modos de pensamento e de
agir que em seu conjunto contribuem para o desenvolvimento global

1 Groupe de Recherche pour l’Analyse du Français Enseigné (GRAFE), sob a liderança de Bernard
Schneuwly e Joaquim Dolz (Unige); e “Formation des enseignants en didactique du français (GRAFE-
FORENDIF)”, criado em 2009 sob a liderança de Joaquim Dolz (Unige). (MESSIAS; DOLZ, 2015)
2 Em entrevista concebida a Silva e Silva (2012 apud MESSIAS; DOLZ, 2015, p. 51).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 91


do aprendiz no processo de ensino-aprendizagem” (MESSIAS; DOLZ, p.
2015, p. 52). Dolz (em entrevista a SILVA e SILVA, 2012) menciona que o
gesto profissional do professor é geral e permite caracterizar funções
e tarefas, ou seja, todos os docentes, independentemente de matéria
lecionada, apresentarão em suas ações gestos profissionais.
Silva (2013) expõe que em pesquisas do Grupo GRAFE, ao levar
em consideração esse conceito – gestos didáticos – postulam que na
atividade de ensino há a existência de gestos fundamentais. Gestos
esses que “[...] se integram ao sistema social complexo da atividade
docente e que são regidos por regras e códigos convencionais, es-
tabilizados pelas práticas, já secularizadas, da cultura escolar” (MES-
SIAS; DOLZ, 2015, p. 52). Os autores mencionam também que essa con-
cepção do grupo GRAFE leva em consideração as intervenções dos
professores em relação ao objeto de ensino.
Aeby-Daghé e Dolz (2008 apud SILVA, 2013), retomando Schneuwly
(2000), apresentam gestos didáticos fundadores e específicos, atri-
buem aos gestos fundadores sete aspectos e são a partir dos gestos
fundadores que os profissionais podem gerar os gestos específicos.
São eles: gestos de presentificação, de focalização ou elementariza-
ção, de formulação de tarefas, de implementação do dispositivo di-
dático, de criação de memória didática, de regulação e de institucio-
nalização.
Em 2009, Schneuwly retomando esses autores, reorganiza os ges-
tos fundamentais em quatro: o de implementação do dispositivo di-
dático, o de criação da memória didática, o de regulação e o de ins-
titucionalização.
O gesto didático de implementação do dispositivo didático pode
ser compreendido como formas ou intervenções didáticas que apre-
sentam o objeto de ensino, ou seja, são intervenções que o professor
faz para apresentar o objeto a ser ensinado, podem abranger sub-
gestos, o de presentificação e focalização (MESSIAS; DOLZ, 2015).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 92


A regulação são formas de intervenções que o professor acarreta
por meio das dificuldades dos alunos. De acordo com Messias e Dolz
(2015, p. 54), no ato de regular o professor precisa “criar meios para
que seus aprendizes encontrem as respostas e superem seus obstá-
culos, dando-lhes autonomia para encontrar as respostas.”.
O gesto didático de criação de memória didática são interven-
ções realizadas, por meio de retomadas de conteúdo, para contex-
tualizar o aluno ao objeto de ensino, ou seja, é “a construção de um
conhecimento comum a ser partilhado pela sala, colando em rela-
ção o que foi ensinado anteriormente com o que está sendo ensina-
do, por meio de tomadas de conteúdos” (MESSIAS; DOLZ, 2015, p. 54).
Este gesto, de acordo com Silva (2013), pode apresentar movimento
externo ou movimento interno. O primeiro refere-se a retomadas de
conteúdos de outras sequências e o segundo abrange retomadas de
conteúdos da mesma sequência de ensino.
O gesto de institucionalização é o processo em que o professor
age para apresentar os conhecimentos instituídos social e coletiva-
mente por especialistas sobre o objeto de ensino (MESSIAS; DOLZ, 2015).
Silva (2013, p. 300), em sua pesquisa, identificou o gesto de plane-
jamento “gesto (...) que antecede os outros gestos didáticos”. Messias
e Dolz (2015, p. 55) corroboram mencionando que “o ato de planejar
é considerado como gesto, pois envolve a transposição didática dos
conceitos teóricos e as propostas curriculares para o contexto esco-
lar”.
Portanto, a partir dos estudos mencionados nesta seção, os ges-
tos didáticos reúnem cinco processos: planejamento, implementação
do dispositivo didático, regulação, criação de memória didática inter-
na ou externa e institucionalização, e é a partir dos gestos didáticos
que podemos compreender o agir didático do professor.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 93


O agir didático

Silva (2013), em sua tese, ao observar os gestos didáticos de duas


professoras de Língua Portuguesa como modos de intervenções e
como unidades de ações didáticas, postulou uma dimensão do agir
docente, o agir didático. Essa concepção, conforme cita Silva (2013),
tem sua origem nos postulados do ISD, conforme explica Bronckart
(2008, p. 120), o ISD considera o agir como “qualquer forma de inter-
venção orientada de um ou de vários seres humanos no mundo”.
Como podemos observar na figura a seguir (FIGURA 2), o agir di-
dático é uma dimensão do agir docente. Este não se restringe apenas
à sala de aula, pois o trabalho do professor constitui-se de diferentes
tarefas, tais como: reuniões de pais, reunião pedagógica, preenchi-
mento de relatórios entre outros (SILVA, 2013). O agir didático, também
não se restringe à sala de aula, pelo motivo de o docente não planejar
a atividade e avaliações sobre o trabalho durante a aula, entretanto,
esse agir leva em consideração ações e intervenções do professor em
interação com o aluno com o objetivo de um conteúdo a ser ensinado
e apreendido (SILVA, 2013).

Figura 2 - O agir didático como uma dimensão do agir docente

Fonte: Silva (2013, p. 367)

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 94


Os pesquisadores Messias e Dolz (2015, p. 57) explicam que o agir
docente pode ser

[...] considerado e observado nas formas de intervenções realizadas pelos pro-


fessores em diferentes situações de trabalho, sejam relacionadas à situação de
sala de aula durante o processo de ensino-aprendizagem (...) sejam relaciona-
das às outras situações que correspondem também ao trabalho.

Já o agir didático refere-se especificamente ao processo de en-


sino-aprendizagem, este pode ser considerado como geral ou espe-
cífico. Segundo Silva (2013, p. 370, grifo nosso)

[...] geral quando se refere às intenções que podem ser realizadas independen-
temente do conteúdo escolar ou objeto de ensino desenvolvido em uma aula
(...) específico quando se refere às intenções realizadas na situação de intera-
ção particular voltada para o objeto de ensino para uma prática”.

A autora (op. cit, 2013) explicita que o agir didático não se restrin-
ge apenas ao momento da sala de aula. Pode ocorrer anteriormente,
conforme mencionou sobre ato de planejar, e posteriormente, no qual
podem ocorrer avaliações do próprio professor.
De acordo com Messias e Dolz (2015, p. 58)

o agir didático reúne intenções linguageiras às quais se associam ações não


linguageiras e que dizem respeito à ordem da escolha do objeto de ensino (o
que e para que), da ordem das estratégias e procedimentos a ser realizados
(como?) e adaptados aos alunos (como adaptar?), da ordem das escolhas das
ferramentas didáticas (quais?) e da ordem do desenvolvimento do objeto de
ensino (que dimensões considerar?)

Nesse sentindo, podemos dizer que para a realização e reflexão


do trabalho docente é necessário considerar as intervenções e refle-
xões em diferentes situações de trabalho, isto é, o agir docente, e as
intervenções específicas ao processo de ensino-aprendizagem - agir
didático – dado que o docente realiza intervenções de acordo com o
objeto de ensino. Isso nos mostra a complexidade e a importância de
considerar diferentes contextos e adaptações do trabalho docente.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 95


Os obstáculos

No processo de ensino e aprendizagem os alunos podem apre-


sentar diferentes ações em relação ao objeto de ensino proposto.
Considerando algumas dessas ações, como dificuldades, erros, des-
vios, estas são definidas como obstáculos de aprendizagem.
Para o autor Brousseau (1998 apud DOLZ; SILVA-HARDMEYER; COU-
CHEPIN, 2017), analisando o processo de aprendizagem de matemá-
tica, os obstáculos são distinguidos em: epistemológicos, ontogené-
ticos e didáticos, que envolvem obstáculos na e de aprendizagem e
sinalizam ausência de conhecimento a respeito de um saber, de um
objeto/conteúdo (DOLZ; SILVA-HARMEYER; PELGRIMS no prelo).
Os obstáculos epistemológicos estão relacionados às barreiras
das quais submergem as dimensões cognitivas e linguísticas, ligadas
à compreensão de determinado conteúdo e à aquisição de novos
saberes. Podem subdividir-se em (i) obstáculos cognitivos (incom-
preensão de certo conteúdo), (ii) obstáculos linguísticos (dificuldades
da língua) e (iii) obstáculos da oralidade (ligados à projeção da voz).
Quanto aos obstáculos ontogenéticos, são referentes às limitações
neurofisiológicas (barreiras físicas e biológicas), tais como perda au-
ditiva, deficiência motora etc.
Em relação aos obstáculos didáticos, tem a ver com a escolha
das ações do docente, “são aqueles que têm sua origem na esco-
lha das estratégias de ensino do professor” (DOLZ, SILVA-HARDMEYER;
COUCHEPIN, 2017, p. 74).
Os autores salientam que os obstáculos podem ser antecipados,
sejam em uma avaliação diagnóstica, observações feitas em aula ou
até mesmo no momento do planejamento do docente de sua aula
(DOLZ, SILVA-HARDMEYER; COUCHEPIN, 2017).
A seguir, apresentamos os procedimentos metodológicos.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 96


Procedimentos metodológicos3

Nosso corpus é formado por uma gravação e transcrição de uma


aula de língua inglesa em contexto remoto, embora evidenciemos
que a escrita deste capítulo abrange diálogos e reflexões com o co-
letivo de alunos e com as professoras ministrantes da disciplina “A
formação de professores de línguas”, ministrada no Programa de Pós-
graduação em Estudos Linguísticos da Unesp, câmpus São José do
Rio Preto.
Para a compreensão da atividade educacional, são utilizados
textos produzidos na própria situação de trabalho e também aqueles
que são produzidos em outros contextos, mas que tenham referência
à atividade profissional (MACHADO et al., 2009; MACHADO; FERREIRA;
LOUSADA, 2011). De acordo com Bronckart (2008, p. 35), “qualquer texto,
qualquer que seja seu gênero ou seu tipo, seja oral ou escrito, pode
contribuir, a seu modo, no processo de reconfiguração do agir huma-
no”.
Dentre os textos que podemos analisar o trabalho docente estão:
os textos prescritivos, textos produzidos em situação de trabalho, tex-
tos produzidos pelos próprios docentes após uma determinada tarefa
(MACHADO; FERREIRA; LOUSADA, 2011). Nesse trabalho, analisamos um
texto produzido em situação de trabalho, isto é, uma aula de língua
inglesa.

3 Agradecemos às professoras Dra. Lília Santos Abreu-Tardelli e Dra. Carla Messias Silva-Hardmeyer
por serem orientadoras e leitoras desse trabalho. Este capítulo é fruto da disciplina “A formação
de professores de línguas”, ministrada no Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos da
Unesp, câmpus São José do Rio Preto.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 97


O contexto

A pesquisa foi realizada em contexto remoto de uma escola pri-


vada de idiomas no noroeste paulista e teve como participantes um
professor de língua inglesa que leciona na escola desde 2012, atu-
almente aluno de doutorado. A aula, com a temática de trabalho e
profissões, foi ministrada para seis alunos, entre 12 e 14 anos, com nível
pré-intermediário de inglês4, em contexto remoto, ou seja, uma vide-
oconferência realizada pelo aplicativo Meet, no dia 22 de outubro de
20205.
Durante a aula, o docente deixou câmera e áudio ligados. Já os
alunos, todos estavam com as câmeras desligadas e uma das alunas
não tinha microfone, comunicava-se apenas pelo chat.
A escola de idiomas atualmente possui 250 alunos. Como pres-
crições, a instituição exige de todos os professores exames de profici-
ência em língua estrangeira a cada dois anos. Além disso, os docen-
tes das turmas são remanejados semestralmente.

Seleção de dados

O corpus apresentado neste estudo é constituído por uma trans-


crição de gravação de uma aula de língua inglesa com duração de 2
horas e três minutos sobre o tema trabalho e profissões. Após a gra-
vação das aulas, realizamos um diálogo com o coletivo de professo-
res e alunos que cursavam a disciplina “A formação de professores
de línguas”. Explicitamos que esse procedimento não foi um método
indireto, apenas uma conversa com o docente colaborador para que
o grupo entendesse e discutisse algumas ações realizadas.

4 A avaliação de nível dos alunos foi disponibilizada pelo docente colaborador da pesquisa.
5 As gravações das aulas e as divulgações de conteúdos produzidos pelos alunos foram autorizadas
pelos responsáveis mediante ao ato de assinatura de matrícula na instituição de ensino.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 98


A partir do tratamento dos dados, elaboramos o plano global dos
conteúdos temáticos (BRONCKART, [1999] 2007) da aula ministrada.
De acordo com Bronckart ([1999] 2007), o plano global é uma síntese
do texto, nesse procedimento, podemos observar a estrutura, a orga-
nização e os temas trabalhados em aula. E a fim de verificar as inter-
venções do docente em aula remota, empregamos as categorias de
análise dos gestos didáticos e os obstáculos (SCHNEUWLY, 2009; DOLZ;
SILVA-HARDMEYER; COUCHEPIN, 2017).

Análise dos dados

Para identificarmos a organização temática da aula de língua in-


glesa e para analisarmos de que forma os gestos didáticos e os obs-
táculos foram concedidos no contexto remoto, apresentamos o plano
global dos conteúdos temáticos da aula.
Neste plano global, temos na primeira coluna minutagem, e na
segunda coluna, o tema abordado.

Tabela 1 - Plano global


MINUTAGEM CONTEÚDO TEMÁTICO

00min00 –11min50s Discussão sobre aplicação da avaliação semestral

12min01s-12min39s Indagação sobre ter microfone

12min40s – 13min25s Instruções sobre a atividade proposta - jogo com per-


guntas formuladas pela plataforma “Wordwall”

13min48s- 15min50s Discussão e interrupção para o docente tomar café

15min51s–54min39s Realização da atividade proposta

55min00 – 56min32s Argumentações sobre o retorno do intervalo: mensa-


gem no whatsapp; barulho de sinal escolar.

56min33s – Intervalo
01h04min

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 99


01h04min – 01h05min Diálogo sobre o alarme de retorno do intervalo

01h05min - Execução de atividades do livro didático

01h56min46s-01h- Login no Instagram do docente – comentários sobre o


57min21s cachorro do docente

01h57min22s- Alocução sobre um concurso e evento de Halloween –


Instagram da escola

02h01min44s-02h- Finalização da aula – recado da tarefa enviada via


03min09s whatsapp
Fonte: Organizado pelos autores

A partir do plano global, observamos que a aula ministrada com


duração de duas horas e três minutos é dividida em quatro partes: a
primeira é uma discussão sobre a realização da avaliação semestral;
a segunda, uma atividade oral com o jogo disponibilizado por uma
plataforma online; a terceira, atividades englobadas no livro Wider
World 46; e por fim, um recado sobre um evento de Halloween e sua
finalização.
Se, por um lado, a estrutura da aula se mantém como em aulas
presenciais, tais como a duração, por outro lado, no trabalho com o
livro didático, podemos notar que uma série de transformações são
operadas pelo docente ministrante, pelo motivo de estar em um con-
texto remoto, a começar pela discussão da forma de aplicação da
avaliação bimestral, o uso do microfone; o login em seu próprio Ins-
tagram para o recado sobre a festa de Halloween, sendo esta ação
uma prescrição da coordenação pedagógica.
A seguir, apresentamos os gestos didáticos realizados pelas in-
tervenções didáticas do docente e suas interações com os alunos em
um contexto remoto.

6 Livro adotado pela escola de idioma.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 100


O trabalho do professor em contexto remoto: os gestos
didáticos e os obstáculos

Para o processo de implementação do dispositivo didático, o do-


cente, primeiramente, realiza um questionamento sobre o uso do mi-
crofone. No fragmento a seguir, observamos que o docente fez uma
intervenção em relação ao uso do microfone. Essa intervenção visou
regular a participação dos alunos na atividade que seria proposta
pelo docente.

Professor: Do you guys have a microphone? I really need you to have a micro-
phone.
Gabriel7: NO [o aluno responde oralmente]
Professor: Gabriel no, as always! Carol, do you have a microphone, Darling?
(silence) - [após alguns segundos, a aluna escreve no chat]
Professor: No? Ok. Very nice! So then, can you guys see my computer like this?
Alunos: Yes.
Professor: Perfect! So I have a lot of questions and I would like each one of you
to read one, and then... in your opinion, for as long as possible you guys have to
talk for at least one minute. I will be controlling here the time so you guys have
to talk for one minute. [...]
Excerto – aula – 22 de outubro

No trecho apresentado, o professor certifica-se se todos os alu-


nos estão com os microfones ativos, há uma ironia após a resposta
negativa do aluno e uma resposta escrita pelo chat e a aula segue
normalmente.
Notamos, nesse excerto, que há um obstáculo didático: por estar
em um contexto remoto, a atividade preparada pelo docente neces-
sita de uma ferramenta para interação com os discentes - o uso do
microfone - entretanto uma de suas alunas não tem microfone para
participar da atividade oral. Embora o obstáculo didático seja reco-

7 Os nomes dos alunos são fictícios.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 101


nhecido pelo docente, não há uma regulação didática para superá-lo
no processo de ensino e aprendizagem nesse ambiente remoto.
Notamos também outro gesto de implementação do dispositivo
didático específico, no qual o docente pergunta aos alunos sobre a
visualização da tela do computador (“can you guys see my computer
like this”), levando em consideração a importância de projetar a tela
de seu computador para a realização da atividade planejada. Isso
pode ser notado também pelo uso de um advérbio de afirmação e
pelo verbo “precisar” (“I really need you to have a microphone”).
Conforme observamos no plano global, a aula, em relação às ati-
vidades a serem aplicadas, foi dividida em duas partes. Na primeira
parte, uma atividade oral com jogo de opiniões.
Nesse início da atividade, o professor faz a implementação do
primeiro dispositivo didático por meio da explicação de um jogo, com
o intuito de instigar a comunicação oral entre os estudantes. É nesse
momento que ele se certifica de que todos os alunos possuem micro-
fones (I really need you guys to have microphones now.), pois have-
rá uma atividade com perguntas e resposta que os alunos deverão
responder com um tempo mínimo de um minuto e, para essa ação,
o docente evidencia que cronometrará o tempo (“I will be controlling
here the time”).
No diálogo com o coletivo da disciplina, o professor ministrante
salienta que a atividade com jogos é uma prescrição da gestão peda-
gógica da instituição, entretanto para ele tornou-se efetivamente um
instrumento. De acordo com Machado (2010, p. 164), “em situação de
trabalho, o trabalhador não utiliza os artefatos simplesmente como lhe
determinam as prescrições, mas de modo que julgar útil para si mes-
mo e para a sua ação, de acordo com a situação em que se encon-
trar”, ou seja, é o processo de apropriar-se. Para o docente de língua
inglesa, nesse contexto, o jogo tem uma finalidade em suas aulas.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 102


Já na segunda parte da aula, observando as ações do docente,
identificamos dois gestos: o gesto de criação de memória didática e
o gesto de implementação do dispositivo.

Professor: “so my little angels, remember the last week, we were on page 40 and
we were discussing about occupations, right ! Okay guys so now on page 41 we
have the exercise 6 . . .”
Excerto – aula – 22 de outubro

O gesto de memória didática pode ser evidenciado quando o


professor, por meio de expressões adverbiais de tempo e verbos no
passado (“remember the last week”; “and we were discussing about
occupations,”), instiga os alunos a se lembrarem do que havia apre-
sentado na aula anterior. Notamos que é um movimento de memória
didática externa, pois teve a finalidade de estabelecer relações com o
conteúdo da aula anterior (“occupations”).
Em relação ao gesto de implementação do dispositivo, observa-
mos que o docente utiliza o livro didático para dar sequência em sua
aula, para a implementação, o professor introduz a atividade com um
advérbio de tempo com a finalidade de indicar presente, o número da
página do livro, e também o verbo “ter” em um sentido de precisar re-
alizar o exercício proposto (“now on page 41 we have the exercise 6”).
Dadas algumas informações no diálogo com o coletivo, o docen-
te estabelece que o livro didático utilizado é um artefato em suas au-
las, ele utiliza-o, mas não é algo representativo em seu trabalho com
essa turma.
Na próxima transcrição, observamos o gesto memória didática, a
qual foi situada por uma aluna após a explicação do docente sobre o
uso do vocábulo “wear”.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 103


Professor: Beatriz, just one thing... we don’t say “use uniform”, we say “wear”.
Beatriz: Humm... Yes, teacher, you say this in the last class.
Professor: Yes, okay... so... remember this always when you are talking about
clothes perfumes, you wear that, you don’t use them, you wear! Okay?
Beatriz: Okay, teacher.
Excerto – aula – 22 de outubro

Observamos que o professor fez uma intervenção quanto ao uso


inadequado do verbo. Dessa forma, o docente buscou resolver um
obstáculo linguístico fazendo um gesto de regulação.
Após, há identificação de um gesto de memória didática. Tal situ-
ação é confirmada pela discente, pela expressão “yes” e um pronome
demonstrativo “this” para referir-se ao assunto abordado, além de
usar um advérbio de tempo “last” para retomar quando foi o aconte-
cimento. Mesmo diante da resposta afirmativa do entendimento do
uso do vocabulário, o docente observa a necessidade de repetir a ex-
plicação conceitual da palavra (“remember this always when you are
talking about clothes perfumes, you wear that, you don’t use them,
you wear!”).
Em seguida a interferência do professor, a aluna ainda apresenta
dificuldades em assimilar a pronúncia do verbo wear, confundindo-o
com o pronome interrogativo where.

Beatriz: “wear”... ah, okay! “Where” like “onde”? The same?


Professor: no no no the pronunciation is very similar, but it’s like this: the verb
“wear”
Excerto – aula – 22 de outubro

Nesse caso, identificamos um obstáculo epistemológico linguís-


tico em língua estrangeira na escrita da palavra “wear”. Para tanto, o
professor, seguidamente, faz o gesto regulação didática, negando o
questionamento da aluna, estabelecendo a relação das palavras em
relação à pronúncia e apresentando no chat a escrita do verbo “wear”.
No próximo excerto, podemos notar um obstáculo epistemológi-
co linguístico em língua materna.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 104


Lígia: [...]The “gosto” of the “pessoas” oh people.
Professor: the taste of the people. [...]
Lígia: [...] How can I say “justinho”?
Professor: tight
Lígia: more “hight (erro de pronúncia)
Professor: tight
Lígia: How?
Professor: tight
Excerto – aula – 22 de outubro

Notamos, nesse trecho, que há obstáculos linguísticos enfren-


tados pela aluna, pois ela demonstra dificuldades em se comunicar
em língua estrangeira e insere algumas palavras em língua mater-
na (gosto; pessoas; justinho) na tentativa de ser compreendida ao
comunicar-se. O docente faz a intervenção, um gesto de regulação,
falando a versão das palavras em língua inglesa para a aluna (taste,
tight).
A seguir, atentamos para um obstáculo didático relacionado à
não compreensão da instrução e gesto de regulação.

Professor: It’s simple, it’s very simple!


Lígia: I know, teacher, it’s so simple! I have to complete, but I don’t understand
the words... the context... I don’t know! I don’t understand the other things. You
can help?
Professor: Oh, no... I’m okay.
Alunos: (risos)
Lígia: I’m okay too, but I don’t do the exercise, it’s simple! (risos)
Professor: Lígia, of course I CAN help, but I’m okay here.
Lígia: So... I’m ok too, so... I don’t do the exercise! Simple! (risos)
Professor: Yes, you do. I will put this exercise in the test.
Lígia: No, teacher... please! Ok... so explain to me... you can put it, but explain to
me.
Professor: Ok... I will explain to you: You have six words and you have to put them
in the right place.
Lígia: Oh, my gosh!!! {...}
Excerto – aula – 22 de outubro

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 105


Nesse momento, a aluna apresenta dificuldades em resolver a
atividade proposta pelo professor, evidenciando uma incompreen-
são do exercício apresentado (“but I don’t understand the words... the
context... I don’t know! I don’t understand the other things”), ou seja,
um obstáculo didático. O professor, assim, recusa-se a ajudá-la, pois
julga o exercício simples demais, (“It’s simple, it’s very simple”; oh, no...
I’m okay). Dessa forma, a estudante insiste em uma explicação do
enunciado. Nesse caso, notamos que a discente não entendeu a ins-
trução dada por parte professor, insinuando que não fará a atividade
por não saber como resolvê-la, o professor explica novamente a ati-
vidade e, ela então, decide continuar resolvendo o exercício.
Destacamos, nesse excerto, que além do obstáculo didático apre-
sentado pela discente, ou seja, o não entendimento da instrução da
atividade, há também o gesto de regulação realizado pelo docente,
primeiramente, a negatividade em ajudar a aluna e posteriormente e
explicação novamente do exercício (“I will explain to you: You have six
words and you have to put them in the right place.”). Notamos aqui,
uma explicação sobre o exercício, entretanto, sem detalhamento na
explicação do professor.

Considerações finais

Por mais que o processo de ensino e aprendizagem, atualmente


se faz com aulas regulares transferidas e aplicadas em um contexto
remoto com o uso de tecnologias, os diferentes gestos didáticos es-
tão presentes no agir do professor. Dessa forma, podemos considerar
que, independentemente, do contexto em que o docente está inseri-
do os gestos didáticos fazem parte da atividade docente, conforme
afirma Silva-Hardmeyer (2017, p. 113), “os diferentes gestos didáticos
(planejamento, implementação de um dispositivo, criação de memó-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 106


ria didática, regulação e institucionalização) fazem parte do agir do
professor em sua atividade profissional”.
Em nosso contexto de estudo, observamos três gestos didáticos:
implementação do dispositivo didático, intervenções de regulação
para superar os obstáculos e ativação da memória didática. Explici-
tamos, também, que não foram observados na aula ministrada gesto
de planejamento e de institucionalização.
Podemos dizer que para a implementação do dispositivo didático
no contexto remoto há algumas ações importantes para a concreti-
zação das atividades planejadas, tais como o uso do microfone e a
projeção de tela.
As mediações realizadas pelo docente, ou seja, as regulações no
processo de ensino e aprendizagem são marcadas por dar a respos-
ta, falar a palavra solicitada pelo discente e por uma reformulação,
isto é, explicação sem detalhes do objeto estudado.
Ademais, há a ativação da memória didática, uma das ações é
realizada por uma aluna após uma correção de colocação de voca-
bulário realizada pelo docente e a outra, uma intervenção concreti-
zada pelo docente para estabelecer o conteúdo abordado na aula
anterior.
Em nossa análise, os diferentes obstáculos de aprendizagem são
evidenciados, sobretudo, epistemológicos linguísticos, questões sobre
vocabulário. Nesse caso, pareceu-nos interessante, pois há uma re-
lação com os objetivos da aula programada: (i) desenvolvimento da
fluência oral; (ii) apresentar vocabulário novo.
Notamos também a influência do outro no agir docente, sobretu-
do, os alunos com câmeras desligadas e uma aluna sem microfone e
o papel da coordenação pedagógica em estabelecer prescrição mais
ampla, por exemplo, reivindicação de exame de proficiência para os
docentes e prescrição em situação de sala de aula, solicitação de re-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 107


cados aos alunos. De acordo com Amigues (2004), o trabalho prescri-
to é considerado o que é determinado para o operário fazer.
Por fim, parece-nos importante destacar nossa contribuição de
propormos uma reflexão desse “novo” contexto em que os professo-
res estão trabalhando de maneira remota, pelo motivo de estarmos
vivenciando um ano pandêmico que nos trouxe mudanças repenti-
nas e, assim sendo, questões que envolvem o âmbito das práticas em
sala de aula precisaram ser revistas, trazemos como citação as fer-
ramentas utilizadas nesse contexto, tais como o uso do microfone, a
projeção tela, construção e formatação de slides, uso de plataformas
online.
Contudo, para que professores e alunos consigam prosseguir
com as aulas remotas os meios digitais continuam sendo imprescin-
díveis no processo de ensino e aprendizagem, pois será por esse meio
que os conteúdos serão discutidos e totalmente comunicáveis, até
que a possibilidade de ambientes presenciais ou híbridos voltem a
acontecer. Assim, faz-se necessário discussões a respeito do assunto
a fim de compreender como utilizar a tecnologia a favor do trabalho
docente, levando em consideração que a formação docente até en-
tão, não habilitava o professor para atuar em um contexto de ensino
totalmente remoto e emergencial.

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LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 110


CAPÍTULO 5

As percepções de se (re)
descobrir professor/a de língua
espanhola durante a pandemia:
um relato de experiência de
estágio supervisionado pela
visão do Professor em Formação
Inicial e da Professora Regente

Elaine dos Santos Sgarbi


Mozart Luiz Tavares da Silva Gomes

DOI: 10.52788/9786589932321.1-5
Introdução

Tradicionalmente, a práxis docente sempre demandou muita de-


dicação, atualização e estudo. Não é novidade que o professor neces-
sita estar em constante metamorfose, sempre refletindo sobre suas
práticas pedagógicas para que o processo de ensino-aprendizagem
ocorra da forma mais abrangente possível. Entretanto, nada foi tão
desafiador para a educação quanto o contexto da pandemia do co-
ronavírus.
De uma hora para outra as atividades docentes e discentes ti-
veram que ser adaptadas e repensadas sem tempo para reflexão do
que seria o mais adequado para cada realidade. Mesmo vivendo na
dita “era digital”, transformar a presencialidade da sala de aula na
virtualidade das plataformas digitais foi e continua sendo o maior de-
safio para docentes e discentes. O uso de ferramentas digitais como
recursos pedagógicos nos espaços educacionais já era uma reali-
dade, porém sua inserção sempre se deu de maneira lenta e tímida.
A urgente necessidade do isolamento social pelo agravamento dos
casos da Covid-19 fez com que acontecesse um “boom” no uso das
ferramentas digitais, o que deu a elas protagonismo nas salas de aula
de todo o mundo.
Porém, como fazer essa transição? Como se adaptar à nova re-
alidade? Como lidar com os obstáculos tais como falta de recurso fi-
nanceiro, falta de conexão e de equipamentos? Instituições de ensino,
alunos e professores em busca de respostas e todos com uma mis-
são: aprender a aprender. Dessa forma, o Ensino Remoto Emergencial
(ERE) surge como a única alternativa para dar continuidade às aulas
e tentar dirimir os prejuízos causados com a suspensão das ativida-
des presenciais de ensino.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 112


Considerando o exposto, temos como principal objetivo neste
texto trazer um relato de experiência e as percepções sobre o ensino
da língua espanhola durante a pandemia, ou seja, através da adap-
tação do presencial para o on-line a partir de dois lugares de fala: o
primeiro é o lugar de fala de um estudante, um professor em forma-
ção inicial (PFI), da Universidade Federal de Alagoas, que teve que se
adaptar ao ensino remoto não só como discente, mas também como
docente; já o segundo é o lugar de fala de uma professora regente
(PR), do Instituto Federal de Alagoas, que além de ter que adaptar sua
prática profissional cotidiana, teve a experiência de receber estudan-
tes em etapa de estágio em sua sala de aula virtual. Trataremos aqui
de nossas percepções, uma vez que compreendemos a linguagem
numa perspectiva dialógica (BAKHTIN, 1997) e com nossas maneiras
de significar ao interpretarmos o contexto da pandemia e sua influên-
cia dentro da sala de aula.
Não pretendemos explorar aqui como aconteceram as adap-
tações metodológicas em si, nem explicaremos com detalhes como
elaboramos novos materiais didáticos, mas sim trazer à tona nossas
reflexões sobre o caminho (ainda) trilhado, sobre os desafios encon-
trados e como nos (re)descobrimos docentes.
Durante o texto dialogaremos entre nós, em alguns momentos
trazendo nossas vozes através de um “eu”, já que temos dois lugares
de fala distintos, e também dialogaremos através de um “nós”, uma
vez que nossas experiências e percepções se entrecruzam durante o
processo.

Experiências pré-pandemia

Todo estudante de licenciatura sabe que precisará cumprir uma


determinada jornada de horas de estágio para concluir sua gradua-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 113


ção; para alguns, é o primeiro contato real com uma sala de aula na
persona do professor, para outros, é só mais uma etapa a se cum-
prir, pois já têm experiências em projetos de extensão e/ou já atuam
na área. Essa prática de estágio (que pode ser administrada de di-
ferentes formas a depender da instituição de formação) aproxima o
estudante da realidade docente e proporciona a ele a possibilidade
de contrapor teoria e prática, dando vez a uma gama de reflexões,
construções de pensamentos, entendimentos, inclusive, choques de
realidade, até porque, não é novidade que existe uma discrepância
entre a situação do ensino público e do ensino privado no Brasil, por
isso que é comum que muitos licenciandos nunca tenham presencia-
do a realidade de uma escola pública brasileira, ou vice versa, sendo
no período de estágio que há a oportunidade de sair de suas zonas de
conforto e conhecer outras realidades.
No que concerne à organização das 400 horas de estágio (BRA-
SIL, 2002) no curso de Letras-Espanhol da Faculdade de Letras (Fale)
da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), elas estão distribuídas em
quatro disciplinas intituladas “Estágio Obrigatório em Língua Espanho-
la” (de 1 a 4). As duas primeiras disciplinas são ofertadas no quinto e
sexto períodos e possuem caráter de observação, ou seja, o aluno não
ministra aula, apenas observa a prática docente do professor regen-
te e a dinâmica de uma sala de aula. Já as duas últimas disciplinas,
que estão localizadas no sétimo e oitavo períodos, possuem caráter
misto, o licenciando tanto observa como ministra aula e é aqui que o
professor regente pode, mas não é de sua real responsabilidade, as-
sumir um papel mais ativo na formação do estagiário que ele recebe
em sua sala de aula.
O professor em formação inicial, ao “tomar posse” da sala de aula
do professor regente, proporciona àquele ambiente uma experiência
diferente da que os discentes estavam acostumados, porque cada

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 114


prática docente é única e está sob constante evolução e adequa-
ção. E é partindo desse preceito que o PR pode exercer uma prática
responsiva ativa (BAKHTIN, 1997) para com o PFI, ao lhe proporcionar
auxílios, suportes, orientações, relatórios e feedbacks imediatos, ou de
efeito retardado. Esse tipo de diálogo favorece o amadurecimento da
prática docente do PFI, coloca-o no lugar oposto ao que estava acos-
tumado a ocupar nas disciplinas de Estágio Obrigatório em Língua
Espanhola 1 e 2.
Realizar essa troca de persona1 é uma forma do PFI, e até do pró-
prio professor regente, colocar-se em perspectiva, colocar-se em
uma autoanálise, que tem como único objetivo a melhora da sua
prática docente. Paulo Freire já dizia: “[...] o espaço pedagógico é um
texto para ser constantemente ‘lido’, interpretado, ‘escrito’ e ‘reescri-
to’” (2004, p. 109). Sendo assim, quando ambos, PFI e PR, exercem uma
prática responsiva ativa mediante suas realidades na experiência de
estágio, e estão abertos a um diálogo constante, resultados positivos
podem ser percebidos na prática de cada um.
Enquanto PFI, posso dividir minhas experiências de estágio em
duas: pré e durante a pandemia do Covid-19. Em 2019, cursei as duas
primeiras disciplinas de Estágio Obrigatório em Língua Espanhola
como PFI observador de um ex-professor meu do ensino médio, na
mesma escola privada em que estudei a vida toda. Essas experiências,
ainda que fossem apenas de caráter observatório, foram responsivas
(BAKHTIN, 1997) em vários níveis, proporcionando-me dois estágios
muito frutíferos no que diz respeito ao meu crescimento como futuro
professor.
Sempre fui um aluno que era próximo dos professores, a ponto de
desenvolver certo coleguismo e isso não foi diferente em 2016 - ano

1 Os autores deste capítulo entendem ‘persona’ como um termo que abrange o caráter profissional
(o de professor, PFI observador, PFI docente etc.) de forma temporária, na qual a pessoa que vai
estar naquela atuação tem a possibilidade de assumir posicionamento, atitudes, responsabilidades,
dizeres e práticas que não necessariamente assumiria se não estivesse naquela ‘persona’.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 115


em que cursei o terceiro ano do ensino médio - com o novo professor
de espanhol que meu antigo colégio havia contratado. Como eu pre-
tendia prestar o Enem para cursar Letras-Espanhol, recorria frequen-
temente a esse professor para sanar curiosidades sobre o curso e so-
bre a própria língua espanhola, partindo, já deste período, um convite
para retornar às suas salas de aula em minhas futuras disciplinas de
estágio. Esse convívio prévio ao período em que realizei os estágios
de observação foi de suma importância para configurar as lições que
aprendi com ele. Se não fosse esse diálogo pré-existente, talvez nossa
experiência como professor regente e PFI observador não tivesse tido
a responsividade que teve, culminando em uma optimização do que
se esperava que eu desenvolvesse naquela época, tanto no que se
refere à aprendizagem da prática docente e da teoria linguístico-pe-
dagógica, como no que se refere à humanidade e a elementos que
são “marginalizados” durante o processo de formação de professores
e que se tornam extremamente reais - e até principais - na realidade
de uma sala de aula, como, por exemplo, lidar com divergências entre
a práxis docente e as solicitações/ordens da coordenação e direção
da escola, ou seja, a intervenção da hierarquia escolar no processo de
ensino-aprendizagem.
Ressalto aqui que os dois estágios de observação que realizei com
esse PR ocorreram no ano de 2019. Ainda não se falava de Covid-19, o
ensino remoto era pouco discutido e a realidade do ensino presencial
era muito sólida. Essas perspectivas moldaram minhas experiências
de estágio de forma que eu só me atentasse a observar elementos de
uma prática docente presencial: postura do professor, organização e
disposição das ideias/assuntos no quadro, uso de materiais lúdicos
e interativos, presença de dinâmicas, indisciplina dos alunos, partici-
pação ativa em sala de aula, disposição de materiais didáticos, uso
de diferentes espaços escolares, acervo bibliográfico da escola, uso/

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 116


existência/funcionalidade de laboratórios de informática e/ou de lín-
guas, entre outros.
Eu chegava na escola, entrava nas salas das turmas que o PR da-
ria aula, sentava no fundo da sala ou ao lado do birô, e só anotava e
observava, mas era um observar muito diferente do observar de uma
aula on-line, eu podia ver os alunos, as conversas paralelas, os usos
de celulares, os cochilos, os olhares perdidos de uma mente que es-
tava em qualquer lugar menos naquela aula. Assim como podia ver
os alunos que de fato faziam anotações, faziam as tarefas, tiravam
dúvidas, prestavam atenção, interagiam com o professor de maneira
positiva. Todas essas possibilidades não me eram significativas como
são hoje, antes elas eram quase que irrelevantes de tão naturais. To-
dos sabiam que isso acontecia em uma sala de aula e havia estraté-
gias para lidar com isso. Os estagiários eram preparados para enten-
der aquilo como o “normal” de uma sala de aula. Hoje, lidamos com
“janelinhas” que no meio têm uma foto ou letras e que mal interagem,
positiva ou negativamente.
Todos esses elementos presenciais que citei acima trabalham em
conjunto para caracterizar uma experiência docente “tradicional”, na
qual, por mais que se falasse em fazer diferente, em utilizar letramento
crítico, em usar pedagogias anti ensino bancário (FREIRE, 2004), em
introduzir tecnologia na aula presencial, não se imaginava uma rea-
lidade, tão eminente, em que a dimensão física do processo de ensi-
no-aprendizagem fosse arrancada tão bruscamente, obrigando toda
a comunidade escolar a se renovar, a se reinventar, a se fazer escola
estando cada qual na sua casa e dependendo daquele que muitas
vezes era o vilão do processo: o celular.
Partindo do lugar de fala de uma professora regente, é possível
dizer que receber estudantes de graduação para seus estágios é uma
quebra na rotina da sala de aula, pois nunca se sabe quando surgi-
rá a solicitação de uma “visita” ao espaço escolar por parte de um

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 117


PFI. Como meu contexto é de escola pública de ensino básico, técni-
co e tecnológico, sempre recebemos pedidos para que estudantes
possam fazer suas observações e práticas dentro de nossas salas de
aula. Os docentes da instituição têm a liberdade de aceitar ou recusar
receber um PFI em sua aula e, em diversas ocasiões, pude presenciar
a recusa de alguns companheiros por entenderem que os estágios de
observação muitas vezes são encarados como ter alguém de fora em
seu ambiente de trabalho para “vigiar” e criticar a prática do profes-
sor regente.
Como dito anteriormente, o professor não é obrigado a receber
um estudante de estágio em sua sala de aula, mas sempre interpretei
que faz parte da práxis docente essa troca de experiências com quem
está em processo inicial de formação profissional. Entendo que a re-
sistência por parte de muitos colegas é porque existe a crença que
este outro “de fora” tem o objetivo não só de observar, mas também
de julgar a prática docente de maneira negativa, o que gera insegu-
rança por parte do PR. Por que sair de sua zona de conforto se há a
opção de não o fazer?
Receber um PFI é a oportunidade que o docente tem de compar-
tilhar um pouco da sua experiência: pedagógica, burocrática e prá-
tica. Muitas vezes o PR é o primeiro contato de um licenciando com a
sala de aula real na posição de professor, ainda que seja apenas um
observador. É nesse momento que se inicia um rito de passagem, no
qual o PFI deixa de ser apenas um discente e começa a se transformar
em um professor. Como professora regente, sinto-me responsável e
participante direta na construção dos novos saberes docentes do es-
tudante de estágio.
Desde 20132 recebo ao menos um licenciando de Letras-Espanhol
por ano em minhas turmas e antes da pandemia sempre fazia a mes-

2 Entenda-se que a contagem partindo de 2013 refere-se à minha entrada no serviço público e, por
sua vez, no Instituto Federal de Alagoas. Antes desse período já recebia estudantes de estágio nas
instituições privadas nas quais trabalhei.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 118


ma metodologia: quando recebia um PFI observador, fazia com que
ele se sentisse membro participante da turma, não apenas aquela
pessoa que fica sentada no fundo da sala. Apresentava-o aos alunos
e explicava o que o PFI estava fazendo ali para que todos pudessem
entender que não iríamos passar por um momento de julgamentos,
mas sim de aprendizado e de construção de novos conhecimentos.
Já quando recebia um PFI docente, colocava como parte das minhas
atividades semanais um momento para escuta e planejamento das
aulas junto com o estudante, uma vez que o planejamento do bimes-
tre precisava ser cumprido (incluindo as atividades avaliativas), as
aulas precisavam ter um fio condutor entre a regência do PFI e a mi-
nha regência, haja vista que os estudantes deveriam viver a experiên-
cia de receber um “novo professor” como algo natural.
Durante os encontros para orientação com o PFI, além das dis-
cussões linguístico-pedagógicas e didáticas, também discutíamos
sobre quais recursos seriam utilizados na aula para que eu pudesse
prepará-los, como, por exemplo, o uso de projetor, fotocópias, papel,
caixas de som, entre outros. Nos dias de regência do PFI, sempre me
mantive presente, não com o intuito de fazer uma inversão de papéis
e me colocar como “observadora”, mas por saber que ali também se-
ria um momento de dar apoio, de aprender, de perceber as diferentes
perspectivas e concepções sobre uma mesma coisa.
Veremos na próxima seção como muito do que se fazia nos es-
paços da sala de aula presencial (tanto na universidade quanto no
instituto federal) teve que ser repensado e refeito por conta da pan-
demia, inclusive as atividades de estágio supervisionado.

Introdução à modalidade remota

2020 foi um ano muito atípico para todo o mundo. Aqui no Brasil,
começamos o ano normalmente até o carnaval. Depois disso, o Co-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 119


vid-19 se introduziu em nossa realidade, gerando medidas cautelares
que se estendem até hoje. O distanciamento social deve ser o proto-
colo de prevenção mais difícil para uma sociedade, porque o contato
humano é intrínseco à constituição de sociedade como um todo. No
que diz respeito à área da educação não podia ser diferente, por isso
que a prática de um EaD3/ERE foi, e segue sendo, tão heteróclita.
Logo nos primeiros meses de pandemia no Brasil, todas as insti-
tuições de ensino tiveram suas aulas suspensas, fossem por apenas
15 dias ou por alguns meses. Com a Ufal não foi diferente. Tivemos a
suspensão do período 2020.1, que estava, literalmente, começando,
afinal, nosso calendário acadêmico já se encontrava atrasado com
relação ao calendário civil, e para muitos alunos (inclusive eu), técni-
cos e professores seriam apenas umas poucas semanas, três meses
no máximo, mas a realidade nos surpreendeu. Paramos o calendário
acadêmico em março de 2020 e só em outubro do mesmo ano volta-
mos com um Período Letivo Excepcional (PLE), composto por discipli-
nas eletivas e obrigatórias – objetivando o retorno da “normalidade”
acadêmica o mais rápido possível. Contudo, nos meses que decor-
reram entre a suspensão das aulas e o início do PLE, diversas outras
atividades exercidas na/e pela universidade se mantiveram em fun-
cionamento, como pesquisas e projetos de extensão, fosse de manei-
ra presencial - respeitando as orientações sanitárias - ou de maneira
virtual, como foi o caso do Paespe: projeto de extensão administrado
pelos Programas de Educação Tutorial (PET) de alguns cursos de gra-
duação da Ufal, que dá suporte e aulas a estudantes da rede pública
do estado de Alagoas, preparando-os para o Enem.
Desde o final do ano de 2019, eu e outra colega de curso tínha-
mos sido convidados para assumir as aulas de espanhol do Paespe,

3 Educação a distância é o aprendizado planejado que ocorre normalmente em um lugar diferente


do local do ensino, exigindo técnicas especiais de criação do curso e de instrução, comunicação
por meio de várias tecnologias e disposições organizacionais e administrativas especiais. (MOORE &
KEARSLEY, 2008, p. 2).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 120


nos planejamos para uma modalidade presencial de aulas quinze-
nais, com duração de mais ou menos nove meses. Iniciamos o ano
de 2020 ministrando essas aulas, conhecendo os alunos, trabalhando
com dinâmicas, com tudo que tínhamos aprendido em seis períodos
de curso de graduação, dois estágios obrigatórios de observação e
experiências em outros projetos de extensão da própria universidade,
mas as aulas se suspenderam por quinze dias devido à pandemia do
novo coronavírus (Covid-19). Durante este tempo, os professores das
disciplinas a cargo do curso de Letras (Gramática, Redação, Literatura,
Língua Inglesa e Língua Espanhola), todos estudantes da graduação,
com orientação da professora responsável pelo PET Letras, decidimos
desenvolver atividades on-line para os alunos, até que pudéssemos
voltar ao presencial.
Coscarelli (2020) fala sobre a importância de distinguir o EaD da
educação a distância, doravante chamada, também, de “ensino re-
moto” e “aula on-line” por uma convenção social (AGGIO, 2011)4 que
os tornou sinônimos de EaD, pois ambas representam formas distin-
tas de se trabalhar o ensino-aprendizagem. O EaD é feito de uma pre-
paração prévia em todos os sentidos: as aulas, as atividades, as ava-
liações e tudo mais é adaptado à modalidade virtual. Por outro lado,
o ensino a distância é a passagem dos modelos presenciais para o
modelo virtual. Embora algumas adaptações possam ser feitas, o en-
sino à distância não vê vetores digitais como ferramentas, mas como
veículos, canais pelos quais o aluno pode ter as aulas que teria pes-
soalmente e o professor pode distribuir as aulas como faria pessoal-
mente, ou seja, em um EaD o professor dificilmente vai abrir a câmera
e estruturar virtualmente uma sala de aula tradicional, ele desenvol-
veria diálogos, atividades e entregaria materiais pensados e elabora-
dos especificamente para realidade de distanciamento espacial en-

4 Segundo Gustavo Aggio (2011, p. 4) uma convecção social pode ser interpretada como uma “[...]
instituição informal, um comportamento e um estado de expectativas construídas e compartilhadas
entre um conjunto de indivíduos.”.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 121


tre aluno e professor. Em contra partida, no ensino a distância, é muito
mais fácil identificar estruturação didática voltada ao meio presen-
cial, sendo transmitida virtualmente, e não desenvolvida, como é no
EaD.
Baseando-me nesse entendimento de Coscarelli, posso afirmar
que, em primeira instância, foi ministrada uma modalidade remota
de ensino-aprendizagem para os alunos do Paespe. Começamos en-
viando links de vídeos, materiais elaborados de formas a não estarem
adequados ao EaD, e a prestar um suporte de caráter temporário, afi-
nal, tínhamos a esperança de que essa situação não passasse dos
três meses. Foi então que, ao percebermos que as aulas presenciais
não teriam previsão de retorno, começamos de fato a nos organizar
para construir um EaD. Escolhemos uma plataforma uniforme para
todos os PETs trabalharem com seus alunos, estudamos como elabo-
rar materiais didáticos para uma modalidade EaD, tivemos reuniões
formativas com professores especialistas em ensino virtual, tivemos
um acompanhamento contínuo de troca de experiências e de supor-
te por parte da professora responsável pelo PET Letras, ou seja, pas-
samos a nos reinventar como professores, tivemos que pôr a um lado
diversas questões que trazíamos da nossa prática docente presencial
para poder desenvolver nossa prática docente virtual, sempre visan-
do a melhor qualidade de ensino para o aluno.
Penso que o processo metamórfico dessa experiência do Paes-
pe, passando do presencial para o remoto, para então se constituir
EaD, foi de suma importância para minha formação como professor
de língua espanhola, até porque não falamos só de processos peda-
gógicos, mas sim de processos linguístico-pedagógicos, não apenas
temos que pensar em como adequar a prática docente, mas tam-
bém, em como ensinar língua de forma não-presencial, visto que por
diversos motivos, na realidade virtual, uma, ou mais de uma, das três
dimensões verbivocovisuais (PAULA, 2017) da língua passa a existir

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 122


apenas em caráter valorativo, dificultando a organização pedagógi-
ca de um ensino de língua adicional em situação virtual.
Foi interessante, também, que fiz o caminho inverso no que diz
respeito à adaptação do ensino remoto devido à pandemia. Ainda
como graduando, tive primeiro a experiência de atuar como professor
de língua na modalidade on-line, para só ao final do processo me-
tamórfico, que citei anteriormente, começar a estar na persona do
aluno, a ser a pessoa com a câmera desligada na reunião do Google
Meet. Digo que foi interessante, porque, de maneira inconsciente, eu
reproduzia os mesmos pontos que enquanto professor incomodava-
-me vivenciar com meus alunos, mas que enquanto aluno era-me
confortável vivenciar com meu professor.
Essa dualidade de realidades fez com que eu refletisse muito
acerca da relação eu-outro na prática pedagógica, era uma forma
mais sutil de exercer o que Freire já dizia: “Quando a educação não é
libertadora, o sonho do oprimido é se tornar o opressor”. Ao estar na
persona de professor eu era oprimido por câmeras desligadas, falta
de interação, muitas cobranças e pouco retorno, mas, ao assumir a
persona de aluno, ao invés de usar minha experiência para não opri-
mir o meu professor, eu simplesmente assumia o papel de opressor.
Todavia, reflito sobre essa dinâmica freiriana que vivenciei e vivencio,
penso que ela é fruto justamente de uma educação que aprisiona,
que limita sua performance docente/discente, que faz com que você
se frustre e termine reproduzindo isso em suas “pequenas” atitudes,
sem, de fato, pensar no alcance que elas têm. Essa prisão seria o en-
sino on-line5 em contexto de pandemia.
No âmbito do Instituto Federal de Alagoas, o aumento dos casos
de Covid-19 fez com que o Campus Maceió suspendesse as suas au-
las no dia 17 de março. Encontrávamo-nos no início do ano letivo de

5 Ao dizer “on-line” me refiro tanto à modalidade EaD como à modalidade ERE e demais citadas
anteriormente.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 123


2020 em meados do primeiro bimestre. Não fazíamos a menor ideia
do que estava por vir e acreditávamos que em poucas semanas as
atividades escolares voltariam à normalidade. Com o passar das se-
manas, todos começaram a perceber o tamanho da gravidade da
pandemia e vimos que teríamos de pensar em estratégias para um
retorno virtual. Por se tratar de uma instituição pública, sabemos que
as realidades socioeconômicas dos discentes são das mais variadas
possíveis, inclusive muitos vivem em condição de vulnerabilidade, as
quais foram ainda mais acentuadas com a crise econômica em de-
corrência do fechamento de estabelecimentos e suspensão de servi-
ços.
Longos meses se passaram até que em agosto foi publicada a
Resolução nº 50/2020, que estabeleceu as Diretrizes Institucionais do
Ensino Remoto Emergencial para o ano letivo 2020 e enquanto du-
rar a pandemia do novo coronavírus no âmbito do Ifal. Esse docu-
mento dispõe sobre o planejamento e a execução das aulas remotas.
Enquanto esse documento era elaborado, a Instituição recomendou
que os discentes adotassem metodologias para não perder o contato
com as turmas. Foi aí que tive a ideia de criar um perfil no Instagram e
um grupo no Facebook para postar conteúdos relacionados à cultura
dos países hispano-falantes. Em parceria com as outras colegas de
espanhol do Campus nasceu o projeto Una Píldora de Español6, tor-
nando-se a minha primeira ação docente para usar as redes sociais
como ferramenta pedagógica durante a pandemia. Foi gratificante
ver a resposta imediata dos discentes com suas curtidas e comen-
tários e perceber que, com o início do ERE, o material criado para as
redes sociais também se converteu em material pedagógico para os
momentos síncronos.

6 A criação deste perfil no Instagram trouxe outros desdobramentos que não exploraremos neste
texto por falta de espaço, porém será fruto de futura publicação.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 124


Pensar no ensino remoto, mesmo antes da publicação desse do-
cumento norteador, é pensar em vários desafios que foram vencidos
e em outros que ainda estamos tentando superar. O desafio da falta
de conectividade dos estudantes, por exemplo, é algo que ainda de-
manda a construção de políticas públicas para diminuir as desigual-
dades sociais.
Outro desafio relevante, enquanto professora, foi começar a me
apropriar das ferramentas metodológicas que ainda não dominava,
embora já utilizasse alguns recursos digitais na sala de aula presen-
cial. A grande diferença é que antes os recursos digitais tinham uma
função complementar, agora eles são os protagonistas. Comecei a
assistir lives e fazer cursos on-line para aprender sobre edição de ví-
deos, metodologias ativas, gamificação e, principalmente, a pesquisar
sobre o M-Learning, uma vez que “usar aparelhos móveis para acessar
recursos educacionais, conectar-se a outras pessoas, criar conteúdos,
dentro ou fora da sala de aula” (UNESCO, 2014, p. 7) fez-se imprescin-
dível porque o celular é, na maioria dos casos, o único equipamento
digital que o discente possui para acompanhar as aulas. Ter o celular
como principal instrumento de ensino-aprendizagem também é um
divisor de águas, pois o aparelho, que antes era “vilão” na sala de aula
por provocar distração, agora é o “mocinho”.
Considerando que no ERE do Ifal a carga horária das disciplinas,
incluindo a língua espanhola, foi dividida em momentos síncronos e
assíncronos (INSTITUTO FEDERAL DE ALAGOAS, 2020, p. 8), surge o de-
safio de integrar os dois momentos com o mínimo de prejuízo ao pro-
cesso de ensino-aprendizagem. Porém, como trabalhar a língua es-
panhola neste novo formato sem a presença física e a interação face
a face com os discentes?
Dar aula para uma “tela” é assustador. O excesso de interação
que acontecia no presencial (conversas paralelas, indisciplina, intera-
ção para desenvolvimento dos conteúdos formativos…) desaparece

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 125


no remoto. O silêncio que era tão solicitado pelo professor, passou a
ser o seu pior inimigo. Após diversas tentativas de “erro e acerto”, co-
mecei a perceber que trabalhar cada vez mais com a pedagogia dos
multiletramentos (ROJO, 2009; 2012) e com o uso de jogos e elemen-
tos de gamificação (ALVES; MINHO; DINIZ, 2014) era o melhor caminho
para o meu contexto.

Uma experiência de estágio remoto ou uma experiência


remota de estágio?

Dentro do curso de Letras-Espanhol, na Fale/Ufal, é comum que


parta dos graduandos a busca por escolas para estagiar, é dada a
nós a orientação de que seja, preferencialmente, do setor público,
mas existe flexibilidade no assunto, contudo, devido à pandemia e ao
fato de a disciplina de língua espanhola não ser obrigatória no currí-
culo das escolas de Alagoas (MP 746/2016, convertida posteriormente
na lei Nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017.), o professor da disciplina
de Estágio Obrigatório em Língua Espanhola 3 e 4 ofereceu aos PFIs
a possibilidade de realização dos estágios com professores de es-
panhol do Instituto Federal de Alagoas, pois ele já havia entrado em
contato com a instituição e com algumas professoras, antecipando a
solução de um problema que ele sabia que existiria: dificuldade dos
PFIs em encontrar escolas para estagiar. Tivemos que observar cerca
de 8h de aulas remotas ministradas pelas PRs, fazendo anotações,
descrições, observações e comentários, para, posteriormente, realizar
o máximo de horas-aula que conseguíssemos.
Durante meu período de observação das aulas da professora
Elaine, percebi que a interação ficava quase que restrita a quando
ela perguntava se alguém tinha dúvidas, se estavam entendendo, se
estavam conseguindo ver as coisas na tela etc, ou seja, apenas per-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 126


guntas que os alunos podiam responder com “sim” ou “não”. Vejo que
isso poderia ser uma transposição para o virtual de quando os alunos,
presencialmente, estavam na aula apenas com o corpo - porque seus
pensamentos e sua atenção estavam voltados para outras coisas - e
eles sempre manifestavam um “sim”, um “não”, ou um aceno de ca-
beça, somente para que a aula continuasse e o professor pensasse
que eles estavam prestando atenção. Agora, remotamente, os alunos
se limitam a essas interações para garantir ao professor que ainda
estão do outro lado da tela, já que as câmeras e os microfones estão
quase todos fechados.
Por mais que eu tivesse vivido a experiência de professor na mo-
dalidade virtual há uns poucos meses, certa parte de mim estava es-
perando que esta experiência de estágio fosse uma “experiência re-
mota de estágio”, porém, já nos primeiros dias de observação pude
perceber que não era isso que aconteceria, eu não teria a realidade
presencial por meio do virtual, mas sim uma experiência puramente
virtual, que nasceu no virtual, constituiu-se nele e nele se firma, não
apenas existe. Esse processo de me situar na realidade de um estágio
em contexto de pandemia foi muito paulatino, não houve um mo-
mento em que “a ficha caiu”, foram pequenos sinais aqui e ali que me
forçaram o entendimento de que estávamos lidando com um novo,
com uma realidade, imagino eu, que nem Paulo Freire sonhava que
pudesse ocorrer: os alunos não existem de fato, o espaço físico da
sala de aula não existe de verdade, tudo passou ao campo da per-
cepção, viraram realidades veladas.
Se antes da pandemia já havia uma preocupação em saber se de
fato estava ocorrendo o processo de ensino-aprendizagem através
das ferramentas e metodologias utilizadas no presencial, no remo-
to essa preocupação só aumentou, porque é muito mais difícil para
o professor perceber se há aprendizagem quando há a escassez de
interação, quando não é possível conseguir perceber, através da lin-
guagem não verbal, por exemplo, se os alunos estão compreendendo

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 127


ou não o conteúdo, se estão conseguindo refletir criticamente sobre
determinado tema ou se têm dúvidas.
Na posição de professora regente, todas as inquietações acima
mencionadas se potencializam ao saber que licenciandos farão parte
de suas aulas remotas. Toda a concepção de responsabilidade do PR
com o PFI do presencial se converte em insegurança no on-line, haja
vista que tudo na aula virtual é tão novo que não é possível saber se o
que se está fazendo é, de fato, o “correto”.
Como PFI, os entendimentos sobre as aulas remotas foram se
consolidando quando passei a exercer a parte prática da disciplina,
quando comecei a preparar as aulas que iria ministrar, de maneira
remota, nas turmas da professora Elaine. Nesta disciplina, trabalhei
em conjunto com um colega da graduação, nós produzimos os ma-
teriais e ministramos as aulas juntos. Foi interessante porque ele não
tinha tido nenhuma experiência prévia como professor remoto e po-
der ajudá-lo nesse processo fez com que tivéssemos uma percepção
mais detalhada do processo de adaptação do professor à realidade
virtual.
Vimos que são muitos mais detalhes que um professor tem de
se atentar na hora de planejar uma aula: tem que ver se a proposta
funciona tanto em celular, como em computador, tem que testar to-
dos os links que vai disponibilizar, tem que se preocupar se a internet
vai proporcionar que aquele material seja mostrado com a qualidade
devida, tem que ver posição da câmera, qualidade do áudio, som do
ambiente no qual o professor vai estar enquanto ministra a aula, tem
que saber (quando possível) se a internet dos alunos vai permitir que
eles desenvolvam o que se está planejando, entre muitos outros pon-
tos que dificultam a preparação de uma aula on-line e que não têm
lugar dentro do currículo do curso de gradução.
Diante do exposto, entra em questão a perspectiva do multile-
tramento em uma realidade de ensino virtual, afinal, falar de multi-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 128


letramento é falar de possibilidades, é ver as coisas como ferramen-
tas e não como canais, é inovar, é permitir e experimentar. Uma aula
que tem um professor que trabalha de forma multiletrada terá aulas
muito mais dinâmicas e interativas, aprenderá a trabalhar de formas
diferentes com coisas diferentes e verá o mundo de um modo mais
utilitário e mais cheio de possibilidades e conexões entre conteúdos e
práticas. Rojo fala sobre a importância do ensino multiletrado e as di-
ficuldades em executá-lo em um contexto pandêmico de ensino vir-
tual. A autora começa explicando que os multiletramentos são:

[...] os letramentos viabilizados pelo digital que, em geral, apresenta textos mul-
timodais — viabilizados por diversas linguagens (imagem estática e em movi-
mento, música, áudios diversos, texto escrito e oral) — e, portanto, exigem saber
interpretar várias linguagens atualizadas em conjunto (ROJO, 2020, p. 40).

Fazendo uma comparação com o letramento digital, que consis-


te - de forma muito resumida - na capacidade de lidar integralmen-
te com os dispositivos digitais (celulares, computadores, tablets etc.),
Rojo explica que é importante possuir a capacidade de lidar plena-
mente com o que está disponível na web e para a web, ou seja, agre-
gar às aulas materiais que as possam otimizar, não apenas o usual:
imagens e vídeos, mas também sites, apps, jogos, entre outras possi-
bilidades que a internet e o meio digital oferecem.
A autora defende que o multiletramento não é apenas saber lidar
com as várias ferramentas que lhe são propostas, é também saber
trabalhar com diferentes modalidades linguísticas, geralmente tex-
tos multimodais, que apresentam linguagem verbal, visual e auditiva,
tudo ao mesmo tempo, como um vídeo em que algo é escrito (ou
desenhado) enquanto uma música (ou poema) é reproduzida em
segundo plano. É por isso que Rojo critica os casos em que a aula pre-
sencial é transmitida virtualmente. A autora argumenta que não faz
sentido transpor um material criado para uma realidade (ensino pre-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 129


sencial), para outra realidade (ensino virtual), esse material pode já
ser muito antiquado quando se trata de aplicação de multiletramen-
tos, e transpô-lo sem realizar o trabalho de adaptação e melhoria é
muito desanimador.
As aulas observadas por mim PFI sempre contavam com essa
preocupação em adequar o material e a própria dinâmica da aula. A
professora Elaine sempre trabalhava com multimodalidades de tex-
tos, gêneros e suportes, preocupando-se em ensinar aos alunos como
utilizar as plataformas que ela lhes apresentava, em auxiliar sempre
que necessário, mesmo que referente a dúvidas de TI (Tecnologia e
Informática), afinal, o fazer docente do professor remoto não se limi-
ta ao conteúdo epistemológico da sua disciplina, ele se estende por
todo o trajeto entre o professor e o processo de ensino-aprendizagem
do aluno.
As diversas conversas e reflexões de como preparar uma aula
remota, de como pensar as estratégias e atividades, fez com que a
relação existente entre PR e PFI fosse muito mais importante do que
no presencial. Foi possível perceber que a relação de poder, que por-
ventura pudesse existir, entre a “experiência” em detrimento da “inex-
periência” era imperceptível, pois todos traziam um pouco de suas
inseguranças e de seus conhecimentos. Essa é vantagem do novo:
todos aprendem juntos.

Considerações finais

As reflexões aqui feitas através de dois pontos de vista tentou


mostrar que todas as experiências até então vividas no Ensino Re-
moto Emergencial foram muito significativas tanto para quem está
iniciando a formação com o estágio de práticas (PFI), quanto para
quem já está em sala de aula há algum tempo (PR). Podemos afir-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 130


mar que aprendemos muito mais nesses meses de troca de experiên-
cias no remoto do que se estivéssemos no presencial. Conseguimos
desenvolver confiança através de uma relação de troca de vivências
e saberes construindo posicionamentos, argumentos e experiências
para dizer que o ensino a distância é possível, basta se ajustar a ele e,
infelizmente, essa é a parte mais difícil.
Fazendo uma comparação com nossas experiências antes da
pandemia, sejam elas nas disciplinas de Estágio Obrigatório em Lín-
gua Espanhola 1 e 2 (PFI) ou recebendo estudantes no ambiente físico
da escola (PR) podemos perceber como como a realidade mudou e
como isso permitiu que evoluíssemos.
Mudamos não apenas como seres humanos, pois desenvolve-
mos cada vez mais a empatia, aprendendo que o mais importante
não é o conteúdo em si, mas onde se está para poder aprender (MA-
TURANA, 2003). Assim como mudamos como pessoas digitais, pes-
soas que usam a tecnologia em quase tudo que fazem em seu dia a
dia, que podem continuar aprendendo e ensinando, mesmo quan-
do estão confinadas em suas casas. Isso para nós simboliza o início
de uma nova era e, portanto, ainda há muito o que aprender. Como
afirma Moran (2015, p. 16) “o que a tecnologia traz hoje é integração
de todos os espaços e tempos. O ensinar e aprender acontece numa
interligação simbiótica, profunda, constante entre o que chamamos
mundo físico e mundo digital”.
As novas tecnologias digitais mostram que vieram para ficar e
que não há mais como pensar na prática profissional docente e no
futuro da educação sem levá-las em consideração. Alunos e profes-
sores tiveram que se ressignificar, modificando suas concepções no
que se tange ao aprender e ao ensinar.
Provavelmente, nunca haverá um retorno ao “normal”, a socieda-
de mudou de forma definitiva, não podemos nos abster das marcas

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 131


que esse período gerou e segue gerando. Elas fazem parte da his-
tória e, portanto, são diretamente responsáveis pela modelagem da
realidade socioeducacional que se constitui em quaisquer períodos
que venhamos a chamar de “atualidade”. O fazer docente é intrínseco
a essa realidade, afinal, não se distingue escola e sociedade, já que
a escola não é, necessariamente, o espaço físico construído para a
aplicação de aulas, ser escola é estar aberto a construir, contribuir e
partilhar conhecimento.

Referências

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lise a Partir da Simulação de Interações Descentralizadas pela Disposição
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nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manu-
tenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Pro-
fissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho CLT, aprova-
da pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e o Decreto-Lei no 236,
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jul. 2021.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 134


CAPÍTULO 6

Diálogos plurais e locais:


reflexões sobre o ensino e
aprendizagem da língua inglesa
a partir do relato de estudantes
de uma escola pública em
período pandêmico

Cristiane da Silva Uchoa


Gutyerlle de Sousa Araújo
Maria Luand Bezerra Campelo

DOI: 10.52788/9786589932321.1-6
Introdução

Ao colocarmos no buscador do Google acadêmico a frase “en-


sino remoto em tempos de pandemia” obtivemos aproximadamente
11.800 resultados de pesquisas centradas nesse problema. Da mesma
forma, colocamos os algoritmos anteriores em inglês usando remote
teaching during pandemics e obtivemos 30.100 resultados. Essa pe-
quena amostra nos permite observar a importância que esse tema
vem ganhando no mundo, principalmente após a confirmação da
pandemia do Novo Coronavírus pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) no início do ano de 20201.
Nesse contexto, acreditamos que o ensino remoto na pandemia
deva ser entendido como uma pauta importante e necessária para
discussão, uma vez que além de estarmos tratando de uma doença
viral que provocou o falecimento de mais de 6,9 milhões de pessoas
no mundo (FOX; DEWAN, 2021), a pandemia do Novo Coronavírus sur-
preendeu todas as nações do planeta fazendo com que as práticas
que antes aconteciam presencialmente, como a educação em todas
as suas etapas, fossem suspendidas por período indeterminado.
No Brasil, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais – INEP (2021) “99, 3% das escolas brasileiras suspen-
deram as atividades presenciais”, sendo que houve uma necessária
adaptação do planejamento escolar para que as instituições não fos-
sem prejudicadas na execução de seus anos letivos. Neste cenário, se
fizermos um comparativo, as instituições públicas “sentiram uma ne-
cessidade maior de fazer a adequação, sendo que mais de 53% delas
mantiveram o calendário”. Por outro lado, cerca de 70% das escolas
privadas seguiram o cronograma previsto.2

1 Informação disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19.


Acesso em 23 jul. 21.
2 Informação disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/censo-escolar/

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 136


Com o agravamento da pandemia, a busca por um meio de ofer-
tar o ensino de forma contínua fez com que decisões fossem tomadas
para que estudantes de escolas públicas e privadas continuassem
seus estudos. Dessa forma, a educação passou a ser desenvolvida de
forma virtual, por meio de aulas síncronas ou em canais tecnológicos
que possibilitassem a interação entre a escola e seus alunos.
Assim, o WhatsApp, e-mail, Google classroom, redes sociais e
tantas outras ferramentas digitais disponíveis foram repensadas para
a readaptação do ensino, sendo que o uso de computadores, tablets,
celulares, notebooks e o acesso à internet de qualidade se tornaram
itens essenciais para a prática de ensino e aprendizagem. Entretanto,
é importante mencionarmos que nem todos os estudantes possuem
acesso a tais meios informacionais. Neste sentido, Cunha (2021) le-
vanta que:

Uma questão a se pontuar é a desigualdade gigante entre os sistemas públicos


e privados da educação básica — e a própria distância social entre as famílias
dos estudantes. Enquanto alunos de escolas particulares aprendem por meio
de diversos recursos e estratégias combinadas, como vídeo ao vivo ou grava-
do, envio de tarefas, mentoria e sessões em grupos menores para tirar dúvidas,
muitos estudantes das escolas públicas sequer têm acesso à internet (CUNHA,
2021. n.p).

Para o autor supracitado, a pandemia trouxe consequências du-


ras sobre a forma de aprender dos jovens e adultos no país, fazen-
do com que a escola, os professores e a sociedade como um todo
recriasse estruturas, metodologias e ações no campo educacional
para que, de algum modo, a educação escolar alcançasse as parce-
las menos favorecidas da população brasileira.
Dessa forma, com o objetivo de investigar o contexto de ensino
on-line durante a pandemia, trabalhamos neste artigo as concepções
de um grupo de estudantes do ensino fundamental II, da disciplina de

divulgados-dados-sobre-impacto-da-pandemia-na-educacao. Acesso em: 18 jul. 2021.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 137


Inglês, oriundos de uma escola pública do estado do Maranhão, tendo
como instrumento de coleta de dados o questionário Google forms.

COVID-19 e o Ensino a Distância

Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Edu-


cação, a Ciência e a Cultura – UNESCO (2021), mais de um ano após
o início da pandemia pelo Novo Coronavírus, mais de 800 milhões de
estudantes tiveram sua trajetória educacional interrompida com fe-
chamento de escolas e mudanças de turnos escolares. Desse núme-
ro, (que por si só já é expressivo) mais da metade é relativa à educa-
ção nos estágios iniciais.
No Brasil, as escolas se readaptaram e aderiram ao ensino remo-
to, o que, em teoria teria tudo para ser positivo, uma vez que “obser-
va-se que os aprendizes (principalmente jovens) veem no virtual uma
forma natural de presença” (SILVA, 2013, p. 33). Por outro lado, as desi-
gualdades sociais existentes no país mostraram que o ensino remoto
seria um desafio, pois segundo Grabowski (2021) os dados gerais do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2020 apontam que 4,3
milhões de estudantes iniciaram a pandemia sem acesso à internet.
Além das problemáticas referentes ao acesso à internet por parte
dos estudantes, é relevante salientarmos que essa transição do ensi-
no tradicional e presencial para o excepcional e virtual não foi tarefa
fácil para professores em todo o país que, em muitos casos, nem pos-
suíam familiaridade com as ferramentas digitais, como bem pontua
Carvalho (2021) ao refletir:

Como a escola se reinventou? Com o auxílio precioso da tecnologia digital... Es-


tava tudo pronto para usar? Não, mesmo! Todos os professores já dominavam
a tecnologia e as plataformas? De jeito nenhum! Todos os alunos contavam
com computadores, tablets, celulares de última geração e internet ilimitada
para se utilizarem dela em suas casas? Não é difícil adivinhar a resposta... So-
mos um país de terceiro mundo, ou, fazendo uso de um eufemismo, somos um

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 138


país “em desenvolvimento”, que não consegue prover condições sanitárias de-
centes à maioria da população, imagine fornecer tecnologia para ser utilizada
imediatamente (CARVALHO, 2021, p. 112).

A autora traz em seu depoimento uma narrativa dura, quase que


um desabafo, o que não deixa de ser um reflexo da realidade de mui-
tos profissionais da educação, que precisaram aprender (em um cur-
to período de tempo) a ministrar conteúdos e mediar a construção do
conhecimento de seus estudantes por meio do uso de plataformas
digitais.
Essa pesquisa foi desenvolvida por três professores de língua in-
glesa que se viram diante das mudanças impostas pela pandemia e
que necessitaram migrar suas formas de ensino do modelo presencial
para o virtual. Tendo como base o entendimento de que “as tecnolo-
gias disponibilizam vários mecanismos de comunicação (chat, SMS,
jogos on-line, dentre outros) e encorajam experiências de linguagem
entre pessoas de línguas diferentes, possibilitando aumento do con-
tato linguístico” (OLIVEIRA, 2013, p. 39), neste trabalho percebermos um
grupo de alunos do 9° ano do Ensino Fundamental de uma instituição
pública do estado do Maranhão como agentes de transformação de
seus próprios processos de aprendizagem durante a pandemia.
De fato, “não há docência sem discência, as duas se explicam e
seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se redu-
zem à condição de objeto, um do outro” (FREIRE, 1996, p. 23). Por isso,
diante da atual conjuntura, buscamos possibilitar diálogos e discu-
tir o processo de aprendizagem de língua inglesa durante o período
pandêmico, tendo como objeto de análise as opiniões dos próprios
estudantes.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 139


Metodologia

Segundo Rudio (1985, p. 9), “a pesquisa é um conjunto de ativi-


dades orientadas para a busca de um determinado conhecimento”.
Para o autor, tal fato só poderá ser bem desenvolvido se a metodolo-
gia aplicada for o melhor caminho para o estudo em questão. Dessa
forma, optamos por uma pesquisa de natureza qualitativa Chizzotti
(2003) que se aproxima de estudos com questões locais e delimita-
das investigando indivíduos em seus próprios ambientes e situações
sociais, construindo significados.
Esta pesquisa configura-se como um estudo de caso (STAKE,
1994) que visa descrever um contexto em específico. Ela parte do
pressuposto de que o estudo de caso “é uma unidade de análise, isto
é, pode ser um professor, um aluno, uma sala de aula, uma escola,
uma instituição, ou mesmo uma comunidade” (JOHNSON, 1992, p. 75).
Dessa forma, neste estudo objetivamos investigar as experiências de
aprendizagem de um grupo de alunos da turma do 9º ano de uma
instituição pública na modalidade de ensino remoto durante o perío-
do pandêmico. A instituição é responsável pela oferta do ensino bá-
sico nos níveis de Ensino Fundamental I e II no município de Timon, ci-
dade do estado do Maranhão localizada na região nordeste do Brasil.
Para a realização deste trabalho foi proposto aos estudantes que
respondessem a um questionário (LAVILLE; DIONNE, 1999; CRESWELL,
2005; LAKATOS, 2003) contendo dez questões relacionadas às dificul-
dades, necessidades, estratégias, vantagens e desvantagens encon-
tradas ao longo do percurso de sua aprendizagem na língua inglesa,
em tempos de crise sanitária e educacional.
A coleta de dados aconteceu inteiramente de forma virtual
(MOYSÉS; MOORI, 2007), por meio do uso de um formulário eletrônico
no Google forms, onde foi possível utilizarmos os gráficos disponíveis
para a análise das respostas obtidas. Tal ferramenta possibilitou uma

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 140


maior flexibilidade na condução da pesquisa, pois permitiu alcançar-
mos rápida e simultaneamente muitos participantes sem que fosse
necessário enviar-lhes um entrevistador (LAVILLE; DIONNE, 1999). Além
disso, garantiu que os cuidados com a biossegurança de ambos os
pesquisadores e participantes fossem mantidos ao longo de toda a
sua aplicação.
A respeito dos participantes desse estudo, ressalta-se que em
uma turma com trinta e dois alunos matriculados, apenas vinte fre-
quentavam as aulas. Contudo, durante a aplicação do questionário
recebemos respostas de onze alunos da turma, sendo os componen-
tes desse grupo dez meninos e uma menina.
É importante destacar que por razões éticas da pesquisa (CELANI,
2005), tanto o nome da escola quanto dos participantes da pesqui-
sa foram preservados. No processo de investigação, pudemos ainda
contar com o apoio da diretora da escola que foi a nossa gatekeeper
(FETTERMAN, 1998) ou seja, segundo as definições da sociolinguística,
a pessoa que nos abriu as portas da comunidade escolar e nos deu
livre acesso para que as atividades necessárias à pesquisa fossem
realizadas, por meio da inserção direta na comunidade e do contato
com os membros que fazem parte daquele contexto.

Análise de Dados

Como professores de língua inglesa, sentimos a necessidade de


contribuir para a compreensão do processo de aprendizagem de es-
tudantes de línguas na escola pública. Em meio ao período pandê-
mico, indagamo-nos sobre como os estudantes estavam se perce-
bendo em seus próprios processos de aprendizagem, e em como a
educação de forma remota tem impactado esse contexto, pois como
bem pontuam Izaki e Viana (2016):

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 141


A sala de aula é compreendida como um palco significativo de construções
sócio-históricas e culturais, tornando-se imprescindível refletirmos constante-
mente sobre o que ali ocorre e como os sujeitos que constituem esse espaço
interagem um com o outro (IZAKI; VIANA, 2016, p. 97).

Dessa maneira, por meio do uso de um questionário do Google


Forms, enviamos perguntas de múltipla escolha e perguntas de res-
posta curta aos nossos participantes. Ao serem questionados sobre o
acesso à internet e instrumentos tecnológicos para acompanharem
as aulas remotas (celulares, tablets ou computadores) todos respon-
deram que possuíam meios para participarem das atividades síncro-
nas ofertadas pela escola.
Esse fato é extremamente positivo, pois demonstra que ape-
sar das desigualdades econômicas e sociais existentes no país, es-
ses alunos encontraram, de alguma forma, meios de acompanhar e
tentar desenvolver seus estudos fora da realidade habitual das aulas
presenciais. Em contrapartida, leva-nos a pensar que os alunos que
não frequentam as aulas possam ter algum problema relacionados
à falta de instrumentos tecnológicos ou mesmo do acesso à internet.
Apesar do exposto acima, aqueles alunos que possuem meios de
acompanhar as aulas virtuais podem ter à sua disposição uma infini-
dade de recursos tecnológicos que, por sua vez, podem levar a uma
transformação nas formas de aprender como fala Carvalho (2021).
Segundo a autora:

Ao pensarmos no impacto que as inovações tecnológicas da era digital podem


causar na educação, percebemos que os estudantes, atualmente, têm aces-
so a uma infinidade de recursos tecnológicos que acaba por influenciar o seu
modo de estudar, de aprender, de pesquisar e de perceber sua cultura e seu
mundo (CARVALHO, 2021, p. 116).

Quando questionados sobre as maiores dificuldades encontra-


das por eles durante as aulas virtuais, os alunos pontuaram que não
ter internet de qualidade prejudica o acompanhamento escolar e que

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 142


a falta de um ambiente adequado de estudos em casa também se
mostra como um empecilho para um acompanhamento mais pro-
veitoso das atividades on-line, como pode ser visto no gráfico abaixo:

Gráfico 1 – Dificuldades encontradas nas aulas virtuais

Fonte: Dados da pesquisa

Esta foi uma pergunta de múltipla escolha e aponta também,


mesmo que em menor número, o suporte familiar, suporte escolar e
falta de computadores ou celulares como dificuldades enfrentadas
por eles para assistirem as aulas. É bem verdade que previamente to-
dos responderam possuir meios tecnológicos e internet, mas deduzi-
mos que possivelmente os alunos compartilham celulares e compu-
tadores em casa. Um fato que nos chamou atenção foi a quantidade
de alunos que apontaram para a inadequação do ambiente de estu-
do em suas próprias residências. Algumas razões para isso podem ser
por eles morarem em habitações pequenas, muitas vezes, dividindo
quarto com irmãos ou outros familiares, o que pode tornar o ambiente
barulhento. Além disso, pode haver a falta de mesa e cadeira ade-
quada e até mesmo material escolar.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 143


Pensando como formadores, entendemos que “a pandemia do
novo Corona vírus (Sars-CoV2) gerou graves transformações no sis-
tema educacional, exigindo que as instituições (...) se adaptassem ao
ensino à distância” (CARVALHO, 2021, p. 124). Diante desse novo de-
safio no qual temos que adaptar a maneira como lecionamos, não
podemos deixar de lado o fato de que nossos alunos também enfren-
tam desafios na forma como aprendem e que terceiros agentes (pais,
escola, sociedade civil) influenciam positiva ou negativamente nesse
percurso (ARAÚJO, 2020). Além do mais, há a triste realidade de alu-
nos que não fazem as três refeições diária e têm na merenda escolar
uma forma de se alimentar (TELES, 2020).
Na pergunta referente a quais estratégias os estudantes estão
utilizando para melhorarem seus desempenhos nas aulas virtuais de
Inglês, verificamos que eles utilizam o Google (para traduzir e pesqui-
sar), dicionários e atenção especial à aula síncrona, como é possível
acompanhar no quadro a seguir:

Quadro 2 – Estratégias de aprendizagem na disciplina de Inglês

Fonte: Dados da pesquisa

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 144


Um dos estudantes chegou a pontuar que nada procura fazer
para melhorar sua aprendizagem em relação a essa disciplina em
específico, talvez por desinteresse ou por não ter dificuldade com a
língua inglesa e conseguir acompanhar as aulas.
Ao analisarmos esses dados, podemos notar que muitos alunos
apontaram que utilizam o dicionário e o Google tradutor como recur-
sos para acompanhar as aulas virtuais de inglês. Isso é compreensível
visto a complexidade de se aprender uma língua estrangeira, ainda
mais de forma online onde, frequentemente, falta interação de quali-
dade que façam os alunos inferirem o significado de palavras desco-
nhecidas.
Nesse caso, a ajuda de ferramentas de tradução é muito impor-
tante. Por outro lado, não podemos deixar de questionar o porquê de
eles não utilizarem outras possibilidades de ferramentas e estratégias
de aprendizagem da língua inglesa. É possível que eles tenham difi-
culdades ou que o professor não incentive sua utilização, o que ne-
cessitaria uma investigação mais aprofundada para chegarmos a
uma resposta.
Acreditamos que “o caráter educativo do ensino de uma língua
estrangeira está nas possibilidades que o aluno pode ter de se tornar
mais consciente das diversidades que constitui o mundo (PAES; JOR-
GE, 2009, p. 163). Em contrapartida, por meio das respostas que obti-
vemos, sentimos uma certa apatia, o que não configura uma aprendi-
zagem motivada e isso pode estar acontecendo por diversos fatores,
como perdas de entes queridos pela Covid-19, falta de ambiente ade-
quado, dificuldades com o uso de da tecnologia, falta de alimentação
adequada, como mencionamos anteriormente, entre outros que não
foi possível identificar. É preciso dedicar muita atenção no retorno que
esses estudantes estão nos dando, pois:

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 145


As narrativas revelam, também, que o aprendiz de uma língua estrangeira,
quando motivado, usa essa língua para fazer alguma coisa fora da sala de
aula: ouvir música, ouvir programas de rádio e TV, compreender falas em fil-
mes, brincar com jogos eletrônicos, e, em alguns poucos casos, interagir com
estrangeiros (SENA; PAIVA, 2009, p. 33).

Como professores de línguas e cientes do “papel do docente


como a figura do tutor” (TOSCHI, 2012, p. 147), precisamos pensar em
formas de nos reconectarmos com nosso público-alvo e mostrar que
mesmo distantes, o ensino pode ser produtivo e o ambiente virtual
possui uma gama de possibilidades para facilitar a aquisição.
Em seguida, questionamos os estudantes se eles, porventura,
sentiam falta das aulas presenciais e do quê exatamente. Para nossa
surpresa, a maioria dos alunos citou não sentir a necessidade de vol-
tar para as aulas nas escolas, salvo uma minoria que apontou sentir
falta da interação, da concentração e da prova, como podemos ob-
servar no gráfico 3 abaixo:

Gráfico 3 – Do que você sente falta nas aulas presenciais?

Fonte: Dados da pesquisa

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 146


Imaginávamos outras respostas, com afirmações positivas em
relação ao retorno do ambiente escolar presencial. Foi dado ao aluno
a possibilidade de explanar sobre o tema, mas com afirmações cur-
tas e diretas, pudemos perceber que há um sentimento de desinte-
resse em voltar à rotina escolar, talvez pela pandemia não estar sob
controle e pelas perdas sofridas.
De acordo com Paulo Freire (1996, p. 39) “na formação perma-
nente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão críti-
ca sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de
ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1996, p. 39).
Assim, diagnosticar que nossos alunos estão pouco motivados para
aprender a língua inglesa e para voltar ao ambiente educacional pre-
sencial é o primeiro passo para tentar contornar a situação, refletir
sobre o trabalho que tem sido feito, com o propósito de aperfeiçoá-lo
e criar um ambiente propício para que a aprendizagem aconteça.
Para finalizar, em uma questão de resposta curta, levamos os
alunos a refletirem sobre as vantagens e desvantagens existentes
no ensino on-line da disciplina de língua estrangeira. Alguns apon-
taram que podem pesquisar livremente durante as aulas síncronas,
que tudo é mais calmo, e que, portanto, conseguem “aprender algu-
ma coisa”. Sob outra perspectiva, há alunos que dizem que o ensino
“é complicado”, que “fica mais difícil” fora da sala de aula e que “ficar
muito tempo em nossas casas nos deixam acomodados”. Além disso,
um dos alunos questionou o ensino remoto como um todo, que para
ele “é uma perca de tempo”. Abaixo, trazemos algumas das respostas
dos alunos3:

3 Como percebemos uma repetição nas respostas, escolhemos sumarizar o quadro. Entretanto, é
importante destacar que os 11 alunos responderam essa questão.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 147


Quadro 1 – Vantagens e desvantagens do ensino on-line de Inglês

Fonte: Dados da pesquisa

Entre os onze participantes, apenas um se sentiu à vontade para


explanar mais sobre sua própria reflexão. Ele aponta que aulas remo-
tas são difíceis e que a sensação de “estar decorando” está sempre
presente no ambiente de ensino virtual. Não podemos deixar de citar
que houve aqueles que não souberam dizer se há vantagens e des-
vantagens nas aulas remotas.
Mesmo percebendo que os respondentes se expressaram mini-
mamente ao responderem as questões, identificamos nuances de
“pequenos desabafos” na escrita dos alunos. Como professores, so-
mos capazes de apontar as problemáticas existentes na educação
remota no período pandêmico, mas sabemos que não é uma ativi-
dade muito corriqueira para o launo mostrar o que pensa sobre de-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 148


terminado assunto que lhe compete. Dessa forma, recebemos esses
relatos com preocupação e delicadeza, partindo da seguinte ideia:

Uma vez que a linguagem reflete as estruturas ideológicas de uma comunida-


de, não podemos ignorar o fato de que tudo o que externamos e expressamos
por meio da linguagem traz em si uma carga ideológica representativa da con-
cepção de mundo de um grupo social a que pertencemos, numa determinada
circunstância histórica (ARAÚJO-LIMA; SIQUEIRA, 2009, p. 83).

Não podemos ignorar a interpretação de mundo dos alunos, pois


nossas práticas docentes estão interrelacionadas com as práticas
de aprendizagem deles. Dessa forma, “respeitar a leitura de mundo
do educando significa tomá-la como ponto de partida para a com-
preensão do papel da curiosidade, de modo geral, e da humana, de
modo especial, como um dos impulsos fundamentais da produção do
conhecimento” (FREIRE, 1996, p. 123). Assim, respostas curtas ou míni-
mas trazem grandes observações e prenunciam grandes mudanças.

Considerações finais

Este artigo apresenta o retrato de um contexto de ensino específi-


co de uma disciplina de língua estrangeira, em uma escola pública do
estado do Maranhão, o qual representa uma comunidade de profes-
sores e alunos com suas necessidades e especificidades buscando
dar continuidade aos estudos no período pandêmico.
No entanto, os dados apresentados nesta pesquisa apontam uma
certa apatia e conformismo por parte dos estudantes em relação à
aprendizagem na disciplina de inglês durante a realização de aulas
na modalidade remota. Através de respostas, em sua maioria diretas
e curtas, os estudantes mostram estar cansados e conformados com
o sistema em que se encontram, seguindo modelos e estratégias de
aprendizagem simples, com poucas ou nenhuma expectativa de re-
torno para o ambiente presencial de ensino.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 149


Esse é um sinal vermelho para docentes de todas as disciplinas
que compõem a base educacional de jovens e adultos desse país,
sendo em escolas públicas ou particulares. Pensando em Paulo Freire
(1996, p. 68) “como professor preciso me mover com clareza na minha
prática., preciso conhecer as diferentes dimensões que caracterizam
a essência da prática, o que me pode tornar mais seguro no meu pró-
prio desempenho”, e nossos alunos estão nos fornecendo sinais de
que nossa prática, principalmente no período da pandemia, não tem
atendido as necessidades e expectativas deles.
Os desafios impostos pelo Novo Coronavírus nos levam a acre-
ditar que o ensino como conhecíamos não será mais o mesmo, pois
essa nova realidade reforçou a utilização da tecnologia, que já existia,
nos ambientes de sala de aula, agora como uma ferramenta impres-
cindível de aprendizagem. É muito provável que essa nova forma de
ensino tenha vindo para ficar e que, de certa forma, possa vir a cola-
borar para a melhoria das práticas educacionais em espaços públi-
cos e privados. Portanto, precisamos refletir sobre as nossas práticas
pedagógicas e metodológicas nos tempos de crise a fim de encon-
trarmos novas estratégias para nos reconectarmos com o estudante
que se encontra do outro lado da tela, caso contrário, correremos o
risco de corroboramos com a crença de que o ensino de línguas na
educação pública brasileira não funciona.

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LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 152


CAPÍTULO 7

ISF - ANDIFES Língua Francesa na


Ufal: relatos de experiência do
ensino de FOS/FOU na formação
inicial de professores

Edja Feliciano Silva


Jofre Francisco da Silva
Rosária Cristina Costa Ribeiro

DOI: 10.52788/9786589932321.1-7
Introdução

O contexto do isolamento social provocado pela pandemia de


Covid-19 trouxe novos e inesperados desafios à formação de profes-
sores de línguas estrangeiras. Mesmo fazendo parte de nosso cotidia-
no, as Tecnologias da Informação e Comunicação empregadas no
Ensino (Tice) eram somente uma parte de um cotidiano desenvolvido,
predominantemente, presencialmente (e pensado para ser assim).
Entretanto, com as novas realidades de ensino-aprendizagem, as Ti-
ces se transformaram em elementos fundamentais para nossa práti-
ca pedagógica e formativa. Pensando nessa nova formação inicial de
professores de língua francesa, elaboramos este artigo.
Assim, este texto nasce da confluência das experiências de dois
estudantes, professores em formação inicial (PFI), oriundos do cur-
so de Letras-Francês e atuantes nos cursos de extensão universitária
realizados no âmbito do Programa Idiomas Sem Fronteiras (ISF), em
parceria com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições
Federais de Ensino Superior (Andifes), nomeado ISF-Andifes 2020.
No bojo desse projeto, foram, então, constituídos dois cursos de
40 horas de duração, no formato a distância, que se desenvolveram
nas modalidades Francês para Objetivo Específico (FOS) e Francês
para Objetivo Universitário (FOU), nos níveis A1 e A2+, respectivamen-
te. Tais cursos foram desenvolvidos durante os meses de outubro a
dezembro de 2020, pela plataforma Google for Education®, para a co-
munidade acadêmica da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), da
qual fazem parte os PFI.
O objetivo geral deste artigo é discutir o impacto do programa
ISF-Andifes na formação dos PFI envolvidos nessa oferta de 2020. Para
tanto, os objetivos específicos que pretendemos desenvolver são um
rápido levantamento e análise de questões que gravitam em torno

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 154


das noções de FOS e FOU, bem como sobre formação inicial de pro-
fessores, ensino a distância no contexto de pandemia e relato de ex-
periência. Esperamos, por meio desses relatos sobre o impacto do ISF-
-Andifes na formação para docência a distância dos PFI participantes,
oferecer um registro adequado e acurado de nossa experiência.

Contexto e Justificativa

Após oito anos de existência junto ao Ministério da Educação, o


Programa Idiomas Sem Fronteiras, em uma nova proposta, passa a
ser apoiado pela Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das
Instituições Federais de Ensino Superior). Essa alteração na estrutura
do Programa coincidiu também com a pandemia de Covid -19 que
assola nosso país desde março de 2020. Assim, associando-se essas
duas situações, passou-se de um trabalho com um único coordena-
dor para uma coordenação múltipla, bem como do formato presen-
cial1 para o formato a distância.
Desse modo, o grupo responsável pela oferta de 2020 contou
com a participação dos dois coordenadores, professores do curso de
licenciatura em Letras-Francês da Ufal; quatro bolsistas professores
em formação inicial, três estudantes do mesmo curso e uma estu-
dante recém-concluinte; e uma assistente de ensino, também estu-
dante recém-concluinte do curso2. Assim como nas demais edições,
a formação inicial de professores foi um dos enfoques, debruçando-
-se sobre os conceitos de FOS/FOU e EaD. Os trabalhos desenvolvidos
no interior do grupo, voltados especificamente para a formação inicial
dos bolsistas envolvidos e para a composição e desenvolvimento dos

1 Somente a primeira oferta do ISF - Francês em 2014 foi feita no formato a distância para o nível A1.
2 As duas estudantes recém-concluintes do curso continuam como professoras em formação
inicial, pois são reingressantes na mesma unidade acadêmica, no curso de Licenciatura em Letras-
Português.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 155


cursos de extensão, foram desenvolvidos em caráter remoto, devido à
suspensão das atividades presenciais em nossa Universidade.
Isso posto, entre outubro e dezembro de 2020 foram ofertados dois
cursos de 40 horas, sendo 20 horas síncronas e 20 horas assíncronas,
a distância, contando com 30 vagas cada um. Os encontros síncronos
eram semanais, com duração de 2 horas. Os objetivos desses cursos
eram trabalhar, no nível A1 e nível A2 (ou superior), objetivos especí-
ficos e universitários (FOS/FOU). O público-alvo, enquanto aprendizes
dos cursos, eram estudantes e servidores da nossa Universidade. Os
cursos foram desenvolvidos por meio da plataforma Google for Edu-
cation®, por meio das ferramentas Google Classroom e Google Meet.
Entretanto, como pudemos perceber ao longo dos relatos de experi-
ência, outras ferramentas foram utilizadas para desenvolver tanto as
atividades síncronas quanto as assíncronas.
Já a justificativa para trazermos este artigo à luz ancora-se nas
intensas transformações pelas quais nossa prática passou durante
esses meses de realização dos cursos e o ineditismo de uma proposta
de curso que seja completamente a distância e que escapa de nossa
formação elementar. Em nosso Projeto Pedagógico de Curso Letras-
-Francês, seja em sua versão mais recente, no qual as Tices têm amplo
espaço, seja em sua versão anterior de 2012, os objetivos de formação
dos estudantes são todos voltados para uma formação que tenha
como base uma atuação presencial. Com os novos desafios, provo-
cados pela crise sanitária que se iniciou em março de 2020, sentimos
a necessidade de rever não só nossa capacidade em lidar com o en-
sino a distância, mas também (e principalmente) como ofertar uma
formação que contivesse em seu bojo essa nova realidade dentro do
ensino-aprendizagem de FOS/FOU. O resultado dessa iniciativa pode
ser lido nos relatos ao longo deste artigo.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 156


FOS/FOU e a formação inicial de professores

Desde o surgimento do ISF-Francês, o FOS surge como uma ma-


neira de especificar, através de uma prévia e profunda análise de de-
manda e necessidades, os contextos de utilização, situações, emprego
da língua em uma situação específica, o que faz com que o curso seja
mais focado e de curta duração. No que diz respeito ao FOU, temos
essa modalidade de ensino como uma especificação dentro do FOS:
no FOU as situações específicas giram sempre em torno do contexto
acadêmico e universitário, ou de uma ‘cultura universitária’ (culture
universitaire) (MANGIANTE; PARPETTE, 2011, p. 125). Assim,

O FOS se distingue do francês de especialidade pela maior adequação do con-


teúdo programático aos objetivos específicos de um determinado público. No
caso do francês de especialidade, também a perspectiva acional demonstra
sua importância, mas o professor/ “idealizador” (concepteur em francês) pode
ser mais “generalista”[..] (MAGALHÃES, 2012, n.p.).

Dessa forma, o FOS é um método que vai trabalhar já exploran-


do o máximo possível uma prévia/pesquisa de demanda das reais
necessidades e objetivos que seu público-alvo pretende alcançar. O
programa de ensino, então, é desenvolvido de uma maneira já pen-
sada e específica para o que foi demandado pelo aprendiz (ou apren-
dizes) que, neste caso, não busca um aprendizado da língua francesa
em sua totalidade, papel do Francês Geral (FG), mas, sim, a utilização
dessa língua estrangeira num ramo definido de seu interesse naquele
momento: “O FOS, ao contrário, trabalha caso por caso, ou em outros
termos, ramo por ramo, em função das demandas e das necessida-
des de um público preciso”3 (PARPETTE; MANGIANTE, 2016, p. 17, tradu-
ção nossa).

3 “Le FOS, à l’inverse, travaille au cas par cas, ou en d’autres termes, métier par métier, en fonction
des demandes et des besoins d’un public précis” (MANGIANTE; PARPETTE, 2016, p. 17).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 157


Enquanto prática didática, o FOS/FOU possui algumas etapas es-
pecíficas que são utilizadas em seu processo de investigação até a
elaboração de um curso. Segundo Mangiante e Parpette (2004), as
etapas que envolvem o desenvolvimento de uma sequência didática
de FOS/FOU inclui a identificação da demanda; a análise das neces-
sidades; a coleta de dados; a análise de dados e a elaboração da
sequência didática. Essas etapas têm início com a identificação da
demanda, seguindo para a análise de necessidades que já se coloca
gerando algumas hipóteses para que, então, na terceira etapa, que
é a de coleta de dados, suceda-se uma imersão mais aprofundada
que nos agregue informações e contextos, resultando assim, numa
construção mais assertiva do nosso material didático. Dessa forma,
para poder refletir e repensar as estratégias de ensino-aprendizagem
de língua francesa, incluir na formação inicial dos professores abor-
dagens relacionadas ao FOS/FOU pode contribuir para uma formação
voltada para uma nova realidade de sala de aula, mais acional, mais
autônoma e mais exigente no quesito tempo. Essa abordagem deve
acontecer de maneira ‘consciente e mapeada’, assim como nos lem-
bra Félix (2005, p. 94).
Logo, Albuquerque-Costa (2016) nos chama a atenção para o
fato de que essas etapas de elaboração de um curso de FOS/FOU in-
tegram-se à formação inicial desenvolvida em nossos cursos de li-
cenciatura, unindo, sobretudo, produção dessas sequências, mate-
rializadas pela produção de materiais didáticos e formação inicial de
professores. Assim, quando pensamos em um curso de licenciatura,
há uma necessidade de se repensar o papel do professor, qual é o
perfil desse profissional e seu posicionamento em um momento mar-
cado pelo avanço da tecnologia, levando também em consideração
a preocupação de uma política educacional, que revisita e questiona
crenças e mitos. É necessário fazer presente a voz do professor em

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 158


formação e de como esse futuro docente realizará a transposição dos
conteúdos apreendidos durante sua formação inicial. O início da for-
mação docente é sempre marcado pela relação entre teoria e práti-
ca, é através dela que o aluno conseguirá desenvolver uma reflexão
crítica e, consequentemente, subsidiar a sua prática.
Portanto, para Albuquerque-Costa (2016, p. 55) no caso da maio-
ria das licenciaturas em língua francesa em nosso país, o Programa
ISF e ISF-Andifes representam as principais ações de formação, não
somente de professores, mas também de pesquisadores em FOS/
FOU. Ainda segundo a mesma autora, com quem concordamos, as
formações iniciais de professores de língua francesa são majoritaria-
mente compostas por iniciativas voltadas para o ensino-aprendiza-
gem do francês geral (FG), preocupadas em abarcar ampla gama de
contextos sociolinguísticos e culturais.
Dessa forma, é por meio do desenvolvimento de sequências di-
dáticas, seguindo o proposto por Mangiante e Parpette (2004) e con-
siderando as palavras de Albuquerque-Costa (2016), que podemos
iniciar as discussões que envolvem as práticas de FOS/FOU, em espe-
cial a etapa voltada para o desenvolvimento de materiais didáticos.
Esse fato se deve principalmente pela ausência de materiais espe-
cíficos, o que, na verdade, reflete a amplitude de temas possíveis e a
impossibilidade de abordá-los todos. Portanto, essa etapa, que já é
trabalhada em abordagens da modalidade FG, torna-se em FOS/FOU
fundamental na formação inicial de professor:

Tratando-se do material a ser concebido, os futuros professores se encontram


em um espaço de formação contínua no qual eles podem encontrar ao mesmo
tempo a possibilidade de aprender a profissão e também de refletir concreta-
mente a partir de questões levantadas no momento das atividades de didati-
zação de documentos autênticos (ALBUQUERQUE-COSTA, 2016, p. 58, tradução
nossa)4.

4 “S’agissant du matériel à concevoir, les futures enseignants se trouvent dans un espace


de formation continue où ils se trouvent à la fois la possibilité d’apprendre le métier et aussi de

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 159


Essas reflexões a respeito das abordagens FOS/FOU e suas inter-
penetrações entre desenvolvimento de suas etapas, sobretudo a re-
lativa ao desenvolvimento de materiais, e formação inicial de profes-
sores são os pensamentos norteadores deste relato de experiências.
Porém, outro elemento se faz presente no caldeirão formativo no qua-
dro ISF-Andifes na sua oferta de 2020: o ensino por meio da internet.

Ensino a distância?

Impossível em tempos de isolamento social não trazer para nos-


sas discussões as questões relativas à modalidade de ensino no que
diz respeito ao meio ou suporte utilizado. Ocorrido entre outubro e de-
zembro de 2020, em um momento de intensa disseminação do vírus
Sars Cov-2, a oferta dos cursos de FOS/FOU pelo ISF-Andifes em nossa
Universidade desenvolveu-se totalmente via internet, uma inovação
em relação às edições anteriores, sempre presenciais nas ocasiões
em que contou com bolsistas PFI.
Portanto, é necessário discutir, mesmo que rapidamente, ques-
tões relacionadas aos conceitos e às nomenclaturas, de forma a nos
posicionarmos também em nossos relatos.
Para essa discussão, convocamos as reflexões apresentadas por
Christian Puren (2020)), por meio das quais buscamos fixar alguns
conceitos. Christian Puren concentra-se em traçar uma problemáti-
ca, como o pesquisador e professor define o tema, uma vez que a
questão do ensino a distância é composta por diversas variantes que
provocam diversas questões diferentes e para as quais, em conjunto,
não há uma solução única. Para Puren (2020), não há diferença entre

réfléchir concrètement à partir de questions soulevées au moment des activités de didactisation de


documents authentiques”.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 160


ensino remoto e ensino a distância. Ele considera, em primeiro lugar,
a oposição presencial versus a distância e, assim, propõem que dis-
cutamos as questões que derivam dessa oposição por meio de mo-
delos didático-pedagógicos. Em nossas reflexões, entretanto, con-
sideramos que a realidade descrita, muitas vezes, por Puren (2020)
não corresponde exatamente à nossa realidade, em um contexto um
tanto quanto diferente da conjuntura do pesquisador francês em re-
lação ao acesso à internet e aos suportes materiais. Por outro lado,
concordamos plenamente com Puren (2020, p. 11) quando o pesqui-
sador aponta que a expressão ‘ensino a distância’ (bem como en-
sino remoto, entre outras da mesma natureza), em geral omite uma
parte importante desse processo, desequilibrando-o: é assim que ele
sugere que a expressão correta deveria ser ensino-aprendizagem a
distância. Dessa forma, as modelizações propostas por Puren levam
ainda em consideração, além das interfaces ensino e aprendizagem,
avaliação e uso.
Já Joye, Moreira e Rocha (2020) apresentam, com base em por-
tarias e decretos sobre EaD e em diversos trabalhos na área, uma po-
sição diferente de Puren (2020) e explicam que:

A nosso ver, o conceito de EaD é bem mais simples: professores e alunos que
estão mediando seu conhecimento por meio de interação síncrona e/ou assín-
crona em espaços e tempos distintos, com ou sem uso de artefatos digitais. O
termo “a distância” explicita sua principal característica: a separação física do
professor e do aluno em termos espaciais, não excluindo, contudo, o contato
direto dos alunos entre si ou do aluno com o professor, a partir do uso dos meios
tecnológicos (JOYE; MOREIRA; ROCHA, 2020, p. 7).

Segundo as autoras, por natureza, o EaD caracteriza-se pela ‘se-


paração física do professor e do aluno’. Assim, por natureza e por
oposição ao EaD, o ensino presencial tem como definição a presença
física de seus participantes em um determinado recinto. Dessa for-
ma, a modalidade criada para substituir o ensino presencial em uma

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 161


situação emergencial não pode simplesmente corresponder ao EaD
integralmente, devido exatamente ao seu caráter emergencial e não-
-opinativo:

Neste artigo, iremos usar o termo “atividade educacional remota emergencial”.


Esse conceito envolve o uso de soluções de ensino e produção de atividades
totalmente remotas, como, por exemplo, a produção de videoaulas que po-
dem ser transmitidas por televisão ou pela Internet. Essas aulas estão sendo
ministradas digitalmente e retornarão ao formato presencial assim que a crise
sanitária tiver sido resolvida ou controlada. O objetivo principal nessas circuns-
tâncias não é recriar um novo modelo educacional, mas fornecer acesso tem-
porário aos conteúdos e apoios educacionais de uma maneira a minimizar os
efeitos do isolamento social nesse processo (JOYE; MOREIRA; ROCHA, 2020, p. 13).

Assim, para nós, é esse caráter temporário que a palavra emer-


gencial traz para o ‘ensino-aprendizagem remoto emergencial’, re-
alidade da maioria absoluta de nossos cursos de licenciatura pre-
senciais de Letras-Francês, é o que constitui nossas atividades neste
momento.
Entretanto, se nossa formação atualmente é caracterizada pelo
ensino-aprendizagem remoto emergencial, nas experiências relata-
das em nossos cursos do ISF-Andifes tivemos a flexibilidade de optar
por uma oferta que desde seu nascimento fosse a distância. Dessa
forma, para os efeitos deste trabalho e para os relatos de experiên-
cia aqui narrados, tratamos de um trabalho de ensino-aprendiza-
gem com duas vertentes: a formação dos PFI foi realizada em ensino-
-aprendizagem remoto emergencial, enquanto os cursos de extensão
por eles oferecidos são rotulados como ensino a distância.

Relatos de experiência

Antes de darmos início à leitura dos relatos de experiências dos


PFI participantes do programa ISF-Andifes, em língua francesa, a res-
peito dos cursos desenvolvidos na oferta de 2020, gostaríamos ainda

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 162


de traçar aqui algumas considerações a respeito do próprio relato de
experiência enquanto metodologia e gênero acadêmico. Para tanto,
resgatamos as ideias de Oliveira e Silva-Forsberg (2020, p. 6), em que
as autoras, a partir de amplo levantamento bibliográfico, pontuam
que a pesquisa narrativa, na qual se enquadra o relato de experiência,

[...] compreende uma orientação teórico-metodológica sob a qual vem se de-


senvolvendo um método de investigação bastante fértil no campo da educa-
ção. Nesse contexto, as histórias de vida, biografias, autobiografias e narrativas
individuais e coletivas vêm sendo utilizadas na pesquisa em educação en-
quanto processo de produção de conhecimento relativo à escola e ao ensino, à
formação, ao trabalho docente e demais aspectos relacionados ao fenômeno
educacional. Trata-se de uma tendência contemporânea, mas que, ao longo
dos últimos trinta anos, desenvolveu uma teorização e um estatuto epistemo-
lógico próprio, configurando-se como um método científico autônomo e reco-
nhecido no meio acadêmico.

Assim, neste trabalho, partimos de nossas narrativas individuais


para compor uma experiência coletiva de formação inicial de profes-
sores diante de novos desafios e de uma nova proposta de formação.
É com esse objetivo que adentramos os relatos.

Relatos de Experiência

Como já tratado anteriormente em nossa contextualização, a


oferta ISF -Francês/Andifes na Ufal em 2020 contou com dois cursos
a distância de 40 horas totais, divididas em 20 horas de atividades
assíncronas e 20 horas de atividades síncronas, entre os meses de
outubro e dezembro, por meio de ferramentas do Google for Educa-
tion®. Voltados para os estudantes e servidores de todos os Campi da
Universidade Federal de Alagoas, os cursos foram ofertados em dois
níveis, de acordo com o Quadro europeu comum de referência para
ensino de línguas (2001): o nível A1, para aprendizes que nunca ha-
viam estudado a língua francesa, e o nível A2 ou superior para apren-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 163


dizes que já tivessem algum nível de proficiência nessa língua. Cada
um dos relatos de experiência aqui identificados correspondem a um
dos níveis identificados e são narrativas em primeira pessoa, visto
que dois dos autores deste artigo se identificam como PFI, juntamente
com uma coordenadora responsável.
Assim, chegamos às identidades dos PFI responsáveis tanto pela
autoria deste artigo quanto pelas narrativas que contemplaremos nos
relatos de experiência. O primeiro relato é narrado pela PFI recém-
-concluinte do curso de licenciatura em Letras-Francês, reingressante
no curso de licenciatura de Letras-Português, na mesma unidade aca-
dêmica, e uma das bolsistas responsáveis pela condução do curso de
nível A1, Idiomas sem Fronteiras-Francês – 2020: Primeiros passos em
língua francesa: chegando na França – NÍVEL A1 – INICIANTE. Já o se-
gundo relato de experiência foi composto por um dos PFI responsáveis
pelo curso de nível A2 ou superior, intitulado Idiomas sem Fronteiras-
-Francês – 2020: Primeiros passos em língua francesa: chegando na
Universidade – NÍVEL A2 OU SUPERIOR, estudante do sétimo período do
curso de licenciatura em Letras-Francês.
O período de preparação dos cursos, desenvolvidos em forma-
ções ministradas de forma remota, ocorreram no prazo de trinta dias.
Em relação ao material desenvolvido para os cursos, os PFI desenvol-
veram material próprio a partir da adaptação de cursos disponíveis
na plataforma FUN MOOC (France Université Numérique Massive Open
Online Course). Para o curso de nível A1 foi empregado o curso FOS Vi-
vre en France – A1, produzido pela Direction Générale des Étrangers en
France (DGEF) – Ministério do Interior – França. A partir desse material,
as PFI selecionaram os principais temas que pudessem ser importan-
tes ao se mudar para um novo país: como apresentar-se, organizar
documentação básica, dirigir-se a um órgão administrativo, conhe-
cer e descrever seu entorno, fazer compras, alugar uma habitação,
entre outras atividades. Já para o curso de nível A2 ou superior, os

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 164


PFI basearam-se no curso Vivre en France – A2, também produzido
pela Direction Générale des Étrangers en France (DGEF) – Ministério
do Interior – França. Entretanto, por se tratar de um curso de FOU, as
competências e habilidades foram totalmente adaptadas pelos bol-
sistas: como chegar e como se localizar em uma universidade, pla-
nejar e encontrar uma moradia universitária, conhecer e desenvolver
uma lettre de motivation, entre outras temáticas próprias ao universo
acadêmico.
Para estes relatos, nós nos concentramos em algumas questões
pontuais, para que nossas impressões e narrativas estivessem volta-
das para nosso objeto da mesma maneira. Essas questões partiram
desde nossa relação com o curso de licenciatura em Letras-Francês
até aspectos específicos em relação aos conceitos de FOS/FOU e Ead.
Portanto, nestes relatos, narramos brevemente nossa conexão com
a licenciatura, a formação de professores, nossa experiência em sala
de aula, nossa visão sobre a oferta ISF - Francês/Andifes em 2020, o
uso de modalidades específicas de ensino e a relação entre ensino
presencial, remoto e a distância.

Relato de experiência PFI curso nível A1

Graduei-me em Letras-Francês no ano de 2019, e me interesso


pela cultura francesa, especificamente. Como estudante no ensino
público, busco me desafiar e ir além em minha formação inicial como
professora de língua francesa, sobretudo para superar algumas lacu-
nas de minha formação básica e poder contribuir com a melhoria e
ampliação da oferta de cursos de língua francesa em meu contexto
de atuação.
Comecei minha atuação como PFI nos cursos de extensão da Ufal,
passando pela Casa de Cultura e Expressão Francesa (CCEF), Casa
de Cultura no Campus (CCC), Projeto Língua Estrangeira no Interior

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 165


(PLEI) até chegar no Idiomas Sem Fronteiras (ISF)/Andifes. No Projeto
CCC, tive a oportunidade de, inicialmente, ingressar como aprendiz,
de modo que fui parte do público-alvo e conheci seus anseios e suas
expectativas profundamente. O que pude observar nessas inúmeras
oportunidades é que cada projeto tem dificuldades, aprendizado e
superação. Entretanto, a formação de um estudante/professor nunca
pára, o ensino está em movimento, eu precisava e preciso me manter
em constante pesquisa e aplicação delas, e achei necessário pas-
sar pela experiência do ISF/Andifes porque o projeto tem um objetivo
muito importante no que tange o ensino de língua estrangeiras, que é
a internacionalização do ensino superior brasileiro. Além disso, poder
trabalhar com o ensino-aprendizagem de FOS foi essencial para mi-
nha formação, uma vez que minhas experiências anteriores todas se
restringiram ao ensino-aprendizagem de FG.
Já no que diz respeito ao ensino a distância, posso dizer que foi
sobretudo desafiador, por ser uma modalidade de ensino para a qual
não fomos formados. Inicialmente, esse fato foi muito inquietante, por
estar habituada a pensar, planejar e desenvolver cursos presenciais,
tanto eu como todo o grupo do qual fiz parte. Além disso, superada
essa preocupação inicial, pude constatar que nossos equipamentos
e servidores de internet não estão à altura de uma boa aula na mo-
dalidade a distância.
Por outro lado, essas questões todas também foram motivadoras
porque conseguimos, enquanto grupo, pensar, experimentar e anali-
sar cada atividade do curso com outro olhar. Foi aí que percebi que o
tempo agora era meu maior desafio. Precisava trabalhar o conteúdo
dentro das competências de compreensão e produção oral e escri-
ta e ainda precisava ouvir cada aluno, necessitava mudar meu olhar
sobre o uso do tempo, como aplicar e por onde começar, assim como
no modo presencial, todas as competências devem ser trabalhadas.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 166


A respeito de minha turma, posso dizer que foi composta por alu-
nos da Universidade Federal de Alagoas de seus diferentes cursos e
campi, tendo como objetivo os pontos específicos de chegar na Fran-
ça. Ao longo das 40 horas de curso, pudemos trabalhar muitos pon-
tos que envolvem a língua francesa e o contexto de um estudante
ou profissional que chega ao país, desde sua chegada ao aeroporto,
percorrendo as possibilidades de comunicação dentro do ambiente
estudantil, principalmente, registro de documentos, aluguel de habi-
tação e compras de itens básicos, por exemplo.
Com relação ao uso do FOU/FOS na modalidade a distância foi
desafiador. Primeiro, por ser tudo muito novo para mim; segundo, por
trabalhar com um objetivo específico que eu nunca tinha trabalhado;
e terceiro, por ter que adaptar minha formação, que é voltada para o
presencial, para o remoto, unindo todas as dificuldades e limitações
tecnológicas e de formação. Entretanto, a experiência foi muito boa e
essencial para minha formação, uma vez que abriu inúmeros cami-
nhos de aprendizagem, de produção e de percepção desse mundo
virtual, sobretudo. No que tange às questões didático-pedagógicas,
observei que as dificuldades em relação ao ensino são as mes-
mas, tanto no presencial quanto no remoto, ou mesmo a distância,
as preocupações são as mesmas, visto que os objetivos são sempre
os mesmos: o que usar e como usar para aulas? E como o aluno vai
absorver o material? Por outro lado, as questões técnicas no remo-
to ou a distância acabam sendo maiores: como conseguir os objeti-
vos propostos com nossa tecnologia e conhecimento limitados (com
pouquíssimos recursos tecnológicos)? E, como eu, simples graduada
e com formação toda voltada para o presencial, conseguiria absor-
ver o funcionamento dessas modalidades EaD, remota, presencial ou
online com aulas síncronas e assíncronas?

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 167


Da mesma forma, desenvolver os materiais para trabalhar a
distância com o ensino de FOS/FOU foi um trabalho que exigiu mui-
ta atenção e consciência da nova abordagem proposta. Tive que re-
pensar todo o conteúdo que tínhamos para o presencial voltado para
FG, analisar cada um, como aplicar esse conteúdo, quais elementos
usar, como despertar a atenção dos aprendizes, como fazê-los inter-
nalizar aquele conhecimento e produzir em língua francesa. Pensa-
mos em um curso de sala de aula autônoma, em que o aluno pudesse
estudar sozinho nos momentos assíncronos, com um material voltado
para EaD, com conteúdo de fácil compreensão e divertido. Tivemos
que pensar em toda a estrutura do curso dentro dessa perspectiva,
para que não fosse monótono.
De modo geral, um dos aspectos em que mais me concentrei foi
a produção, seja oral ou escrita. Se na aula presencial alguns já apre-
sentam dificuldades em se expressarem, no EaD acabou não sendo
diferente: a timidez do presencial também acontecia no on-line. Para
transpor essa dificuldade, tiramos proveito de algumas das vanta-
gens do trabalho com as Tices de modo mais intenso, trabalhando
com a produção de vídeos acionais, como aqueles voltados para a
realização de alguma tarefa, como receita culinária bem básica e fá-
cil, como passar manteiga no pão, sem edições, sem exigência de
nenhum equipamento mais elaborado do que o próprio equipamento
que o aprendiz utilizaria para poder acompanhar as aulas.
Outro ponto importante nesta experiência em EaD foi a interação.
Mais uma vez, levamos um elemento do presencial para o online, o
trabalho em duplas. Assim, os alunos fizeram suas duplas para cons-
trução e produção de textos escritos e produções orais em diversos
momentos. Por exemplo, com o tópico “ J’organise un rendez-vous”
(eu organizo um encontro), pedi para que eles escrevessem um texto,
do gênero mensagem de WhatsApp, marcando lugar, dia e hora do
encontro, convidando um colega de sala. Essa experiência foi mui-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 168


to exitosa e funcionou muito bem, pois provocou a aproximação en-
tre os aprendizes, fato que pode ser extremamente problemático no
contexto de EaD, no qual as pessoas não se conhecem pessoalmen-
te e mal se veem ou identificam. Dessa forma, o grupo de WhatsApp
criado conseguiu gerar um espaço de interação autêntica, em que os
participantes conversavam e se ajudavam nos exercícios extras e nos
assíncronos, compartilham músicas, memes, figurinha, dificuldades e
todo material que encontravam.
Para concluir meu relato, posso dizer que, apesar de todo receio
perante as novidades e todas as dificuldades encontradas, as aulas
fluíram bem e o resultado junto à turma foi muito satisfatório. Aprendi a
ter paciência e esperar que a internet funcione. Desenvolvi a habilida-
de de pesquisar mais para resolver possíveis problemas de conexão,
aprendi a usar vários sites para aprender outra língua e os recursos
materiais que tenho. Percebi que preciso aprender mais para melhor
ensinar, que nosso tempo agora deve ser, ou tende a ser, híbrido, e te-
mos essa necessidade de adequar o ensino a todas as modalidades
atuais. Como podemos ler em Kenski (2003, n. p.):

Essas alterações refletem-se sobre as tradicionais formas de pensar e fazer


educação. Abrir-se para novas educações – resultantes de mudanças estrutu-
rais nas formas de ensinar e aprender possibilitadas pela atualidade tecnológi-
ca – é o desafio a ser assumido por toda a sociedade.

Portanto, essa experiência com a turma de nível A1 na oferta 2020


do ISF/Andifes me abriu para essa reflexão e ver que consigo apren-
der e ensinar de forma remota ou a distância. Esse fato tirou de mim
o preconceito de que não se aprende nada a distância e me formou
para que eu possa hoje continuar atuando de forma remota/a dis-
tância no mercado de trabalho.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 169


Relato de experiência PFI curso nível A2 ou superior

Inicialmente, ainda antes de ingressar no curso de licenciatura


em Letras-Francês, tive a possibilidade de ter contato com pessoas
falantes da língua francesa e, a partir de então, comecei a ver na lín-
gua francesa uma oportunidade de conhecimento. Assim, em 2015,
iniciei minha jornada acadêmica como discente do Curso de Letras-
-Francês na Universidade Federal de Alagoas – Ufal.
Apesar de estar no sétimo período, minha experiência em sala
de aula iniciou através do programa Idiomas Sem Fronteiras – ISF em
2020, onde tive oportunidade de estar do outro lado da sala de aula,
atuando como professor em formação inicial, um período bastante
significativo para minha formação. Dentro de nossas obrigações aca-
dêmicas, como estudantes de um curso de licenciatura, temos a de
lecionar em algum momento do nosso percurso formativo e sabe-
mos o quanto é difícil cada degrau até nossa conclusão de curso. Não
bastasse isso, ainda tivemos o agravante da situação sanitária cau-
sada pela pandemia da Covid-19, que nos forçou a um isolamento
social desde o início de 2020. Com isso, as aulas também cessaram.
O ISF-Andifes foi uma solução para nós, enquanto professores em for-
mação, pois nos possibilitou a experiência de participar ativamen-
te das atividades para a qual nos preparamos no decorrer de nossa
licenciatura, como a elaboração do curso e pesquisas de materiais
que nos auxiliassem na preparação das aulas até a efetiva ação de
ministrá-las.
Esse novo contexto exigiu dos participantes da oferta 2020 do ISF-
-Andifes uma reavaliação de sua formação, anteriormente com foco
no ensino presencial. Olhando para nossas instruções formativas nas
aulas de estágio, percebemos que sempre temos um direcionamento
para aulas presenciais, porém, com a pandemia, fomos quase que

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 170


obrigados a traduzir todo o conhecimento para uma forma de aplica-
ção a distância. Isso exigiu um tempo para adaptação e a produção
de materiais que se adequassem à forma de aplicação virtual. Nada
impossível de ser feito. No entanto, como se tratava de minha primeira
experiência, isso tornou-se, a meu ver, algo mais difícil. Por outro lado,
pude perceber como cada ação formativa em nossa graduação nos
fornece uma base propícia para nos posicionarmos como professo-
res no ensino presencial, a distância e/ou híbrido.
No que diz respeito propriamente à minha atuação no curso de-
senvolvido, participei como PFI na turma de nível A2 ou superior e pos-
suíamos como tema central do curso Vivre en France: Arriver à l’Uni-
versité, em uma abordagem FOU. Ou seja, no decorrer da formatação
do curso fomos nos moldando ao FOU/FOS, uma vez que buscávamos
familiarizar os alunos às temáticas dos encontros semanais com a
nossa língua-alvo, sempre almejando o encaminhamento das ativi-
dades do curso, de forma a compreender as competências a serem
desenvolvidas conforme o Quadro Europeu Comum de Referência
para o ensino de línguas (2001), pois cada aula vinha a ser desen-
volvida de forma que pudéssemos conduzir o aprendiz ao aperfeiço-
amento da língua e ele se tornasse capaz de identificar, responder,
argumentar e analisar oral e textualmente. Acreditamos que o curso
cumpriu o objetivo de fomentar nos participantes uma busca da uti-
lização da língua francesa tanto no ambiente universitário como em
situações específicas de uso da língua.
Dessa forma, consideramos que o objetivo do programa ISF-An-
difes, em particular, o voltado para a língua francesa, é fornecer uma
base da língua usando-se do Francês com Objetivo Universitário para
gerar interesse na língua de forma sociocultural, aumentar o conheci-
mento ou instruir no âmbito universitário geral. Assim, durante o curso,
logo se pode estabelecer que a língua francesa foi se tornando de

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 171


fato um meio para que o aprendiz pudesse desenvolver sua carreira
acadêmica e disseminar um interesse pela língua francesa até como
segunda língua, a depender de seu interesse.
Em relação às nossas experiências com ensino a distância e à
nossa atuação como PFI na oferta 2020 ISF-Andifes, todas as vivên-
cias como aluno e, mudando de lado por um instante, enquanto me-
diador, nos mostraram o trabalho árduo do professor. Encontramos
dificuldades que naturalmente decorreram, como já observamos, da
passagem da modalidade presencial para a modalidade a distância
e em relação ao material disponível e sua utilização, no caso do FOU,
o que tornou o tempo e a pesquisa de materiais para as aulas mais
extensos.
Outro ponto crítico foi a transposição de algumas atividades, já
que presencialmente se pode observar mais de perto o aprendiz en-
quanto, por meio de uma câmera, nem sempre é possível. Além des-
sas dificuldades, pudemos perceber participantes com dificuldades
técnicas com sua conexão à internet ou equipamento adequado. Por
fim, verificamos que a relação com o tempo previsto para as ativi-
dades síncronas pode variar, influenciado por fatores tecnológicos e
humanos, o que nem sempre nos permitiu alcançar os objetivos pro-
postos. Entretanto, julgamos como uma primeira e ótima experiência
de sala de aula, pois nos concedeu uma boa visão do que a função de
educador nos pede, a prática didática e pedagógica, e do compro-
metimento com a turma e com a instituição a qual estamos ligados
profissionalmente, bem como com futuros projetos.
Outro aspecto fundamental de nossa experiência foi a elabora-
ção do material didático utilizado durante o curso. Todo o material
que utilizamos teve como base dois sites onde obtivemos conteúdo
online: o IFos, que é um projeto do Ministério das Relações Exteriores
e Desenvolvimento Internacional Francês, o qual tem como objeti-
vo desenvolver o ensino de francês em objetivos específicos (FOS) e

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 172


complementou nossa formação; e a plataforma Fun Mooc, uma pla-
taforma de cursos diversos, voltada para a formação universitária.
A utilização dessas fontes serviu para uma compreensão maior na
busca de conteúdo a ser ministrado no curso e um ponto de partida
para exploração das possibilidades. Além desses, passamos as de-
mais pesquisas sobre a língua francesa considerando algumas das
situações de utilização previstas para as aulas no decorrer do curso.
Ainda sobre a preparação dos materiais utilizados, a formação
em grupo foi fundamental. Durante os encontros de formação remo-
ta, pudemos discutir temas socioculturais com os coordenadores so-
bre a utilização dos transportes comuns entre os franceses, sobre a
emissão de documentos, a respeito de moradia na França, sobre a
candidatura às universidades francesas, entre outros. Dessa forma,
a partir dessas discussões iniciais, buscamos apoio no site da Cité
Internationale Universitaire de Paris, da TV5Monde, Campus France e
outros sítios informativos das instituições francesas.
Porém, durante o desenvolvimento das temáticas próprias ao
FOU, e mesmo trabalhando com aprendizes não-debutantes, foram
inseridas atividades voltadas para gramática e fonologia, solicita-
das pelos próprios participantes e para as quais buscamos apoio em
materiais para FG ou paradidáticos voltados às questões linguísticas.
Assim como no curso referente ao nível A1, utilizamos o WhatsApp e
outros aplicativos como Youtube para incrementar o acesso aos re-
cursos audiovisuais dos participantes, sempre buscando desenvolver
as competências linguísticas.
Por fim, gostaria de salientar que a formação e as atividades rea-
lizadas no decorrer do projeto, nos proporcionou um grande aprendi-
zado, uma adequação à forma de conduzir a realização das ativida-
des síncronas, algo mais metodologicamente direto, que nos permitiu
uma amplitude do conhecimento sobre a língua, principalmente dian-
te de tantas situações socioculturais. Isso nos tirou um certo receio do

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 173


papel de estar frente a uma turma sendo o responsável por transmitir
ou direcionar algum conteúdo formativo.

Conclusão

A pandemia de Covid-19 nos mantém em casa desde março de


2020, trabalhando dentro de nossos lares, conciliando em um mesmo
ambiente trabalho e família, trabalhos domésticos que exigem nossa
atenção o tempo todo, atenção com filhos e familiares que nos soli-
citam, mesmo sabendo que estamos trabalhando. Assim, participar
de uma proposta que incluísse ao mesmo tempo os desafios do FOS/
FOU e do EaD fez com que pudéssemos identificar as possibilidades
de erros e acertos, rever nossas bases, para pensar desde o projeto
de cada aula com a preocupação de nossas limitações tecnológicas,
e de servidores de internet, pensando em cada aprendiz e em suas
probabilidades de terem ou não bons equipamentos e/ou formação
para utilização de cada aplicativo e/ou aparelho em uso. Nesse pa-
norama, tivemos, muitas vezes, auxílio de formação tecnológica para
podermos ensinar alguns alunos a executarem funções com seus
equipamentos e aplicativos.
A conclusão desses dois relatos não poderia deixar de enfatizar
que essa experiência nos trouxe um conhecimento que não tínhamos
e ampliou nossas possibilidades de ensino-aprendizagem. Além dis-
so, ela nos mostrou que podemos quebrar a barreira do espaço físico
e chegar até o aprendiz e ouvir a cada um, prestar atenção em suas
dúvidas e necessidades na sua formação dentro do curso.
Em nosso percurso, fortalecemos nossa formação, partilhando
não somente os saberes do grupo de coordenação, mas também os
saberes dos mundos dos aprendizes que estavam ali, dentro de uma

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 174


realidade virtual, mas que transbordavam carinho, respeito e muita
vontade de aprender. Durante a interação síncrona e o desenvolvi-
mento de atividades colaborativas não ficamos sozinhos e sentimos
o apoio de cada pessoa dessa sala, desde a coordenação aos apren-
dizes, assim como ilustra Kenski (2003):

Local em que se partilham fluxos e mensagens para a difusão dos saberes, o


ambiente virtual de aprendizagem se constrói com base no estímulo à realiza-
ção de atividades colaborativas, em que o aluno não se sinta só, isolado, dia-
logando apenas com a máquina ou com um instrutor, também virtual (KENSKI,
2003, n.p.).

E, assim, continuamos tentando e aprendendo, nos esvaziando


do que sabemos e somos, e nos preenchendo de novos saberes, para,
então, seguir a vida e suas complexidades, superar todos os desa-
fios, tecnológicos, de conhecimento ou físicos. Estamos cansados da
enorme carga de necessidades de saberes que 2020 nos obrigou a
absorver e desenvolver, mas temos certeza que, de agora em diante,
seremos mais fortes, sairemos do nosso comodismo e avançaremos
rumo a nossos horizontes nesse enorme mar de conhecimento que só
a ciência é capaz de nos ofertar.

Referências

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du Français sur Objectif Universitaire. In: ALBUQUERQUE-COSTA, Heloisa;
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LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 176


CAPÍTULO 8

Gêneros textuais e atividades


sociais na didática de línguas
orientais com escrita não-
romanizada: contradições na
adaptação do cotidiano para o
científico no ensino de japonês
através do gênero aviso

Otávio de Oliveira Silva

DOI: 10.52788/9786589932321.1-8
Introdução

Neste estudo trazemos à baila algumas considerações sobre o


trabalho com o gênero textual aviso, pautadas na experiência do-
cente do autor na área de Linguagens e Suas tecnologias, através do
componente extracurricular Língua Estrangeira Moderna (LEM) - Ja-
ponês na Educação Básica, especificamente nos anos finais do Ensino
Fundamental e no Ensino Médio, por cerca de sete anos consecutivos
(2011 – 2017), na rede pública estadual paulista, da qual é docente,
desde 2007, junto à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo
(SEDUC-SP). Na referida rede, o componente LEM é ofertado desde
1987, através do projeto de pasta Centro de Estudos de Línguas (CEL),
cujas unidades, vinculadas a algumas escolas regulares,1 ofertam, de
forma extracurricular, optativa e no contraturno, o ensino-aprendiza-
gem de alemão, espanhol, francês, inglês, italiano, japonês e manda-
rim.
Contudo, apesar da oferta ocorrer há mais de três décadas, so-
mente em 2020 surgiram as primeiras diretrizes curriculares para o
ensino dessas línguas – ainda em documento extraoficial, uma vez
que não é parte integrante do Currículo Paulista, ou seja, as línguas
continuam sendo vistas como extracurriculares, e o próprio ensino
não-oficializado. No caso do japonês, existem algumas incongruên-
cias e dissensos, tais como: 1) primeiro, em meados de 2008, liderado
por uma instituição estrangeira, elaborou-se um material de gênero
apostila2, em seis volumes. Todavia, esse material fora elaborado se-

1 Segundo Silva (2021), das 5.400 escolas da rede, apenas algumas são multilíngues, ou seja, são
vinculadoras de unidades CEL. Atualmente existem 186 unidades que atendem 72.000 estudantes,
ou seja, 2,0% da rede, que possui mais de 3,5 milhões de alunos. Há um gradual fechamento das
unidades, dado o avanço das escolas de tempo integral, visto que as unidades CEL são abertas
apenas em escolas com espaços ociosos. Caso uma escola torne-se integral esse espaço passa
a não mais ser ocupado pelo CEL, outrossim, os alunos que passam a estudar e professores que
passam a ensinar em regime de dedicação exclusiva e integral não mais têm disponibilidades de
cursar e lecionar no contraturno, o que evidencia que o projeto caminha para um declínio progressivo
e natural no hodierno regime extracurricular.
2 Com base nos níveis de adaptação do conteúdo científico para o pedagógico, Portela (2008)
propõe a seguinte classificação dos recursos didáticos: a) apostila: gênero cuja construção

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 178


guindo as diretrizes dessa instituição – e que mais tarde cedeu os di-
reitos do material à SEDUC-SP – não levando em consideração os do-
cumentos normativos para a elaboração de materiais didáticos para
o contexto da Educação Básica brasileira, nem tão pouco os Parâme-
tros Curriculares Nacionais (PCNs) – LEM que vigoravam à época; 2)
O que se denominam Diretrizes Curriculares do CEL – Japonês nada
mais são do que transcrições do conteúdo dessas apostilas, mas que
também não se alinham às orientações de desenvolvimento de ha-
bilidades e competências para os anos finais do Ensino Fundamental
e Ensino Médio para a área de Linguagens da Base Nacional Comum
Currucular (BNCC), que também entrou em vigor em 2020, mesmo
ano de publicação dessas diretrizes. Destarte, a publicação tardia do
documento resulta em supor um não alinhamento da atividade de
ensino plurilinguística, que, obviamente, encontra-se defasada no
que tange ao contexto educacional hodierno, em especial à área de
Linguagens, que atualmente prima pela inter/transdisciplinaridade e
orienta os estudos por gêneros textuais e discursivos, a partir dos con-
ceitos de Mikhail Bakhtin e seu Círculo (BAKHTIN, 1992a; 1992b).
Segundo Geraldi (2015), nessa área, a BNCC mantém coerência
com os PCNs, documento em que há uma concepção de linguagem,
sendo uma forma de ação e interação no mundo. O pesquisador afir-
ma que essa concepção tem raízes nos estudos procedentes do que
se convencionou chamar de Linguística da Enunciação. Sobretudo,
o pensador que subjaz a essas concepções enunciativas é o próprio
Bakhtin, de quem também foram extraídas, para os documentos ofi-
ciais, suas concepções sobre gêneros. Coerentemente com o ponto
de vista assumido sobre a linguagem, outra concepção aparece

composicional estabelece o maior distanciamento com o discurso de referência, estabelecendo


um processo de “diluição” do conteúdo; b)livro didático e manuais: construção composicional que
estabelece um distanciamento intermediário com o texto de referência, estabelecendo um processo
de mediação; c)livros autodidáticos, paradidáticos: construção composicional que estabelece o
processo de aplicação; d) dicionários e enciclopédias: construção composicional que estabelece
o menor distanciamento em relação ao gênero de referência, determinando um processo de
“conservação” do conteúdo; e, por fim, e)obra inovadora: construção composicional que estabelece
a inovação em relação ao gênero de referência.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 179


claramente expressa na BNCC: uma concepção de sujeito como
constituído pelas práticas de linguagem, em variadas esferas da
comunicação humana, das mais cotidianas às mais formais e
elaboradas, dando origem a formas de compreensão sobre como o
ser humano se constitui como sujeito e como age no mundo so-
cial em interações mediadas por palavras, imagens, sons, gestos e
movimento, abordadas em língua portuguesa, língua inglesa, artes e
educação física, que interligam-se e dialogam entre si, através da in-
terdisciplinaridade, sendo a área de Linguagens, onde se insere, mes-
mo que de forma não explicitada, o japonês, e outras línguas.
Destarte, observado o contexto atual da área de Linguagens da
Educação Básica e inserindo o japonês na perspectiva das ativida-
des sociais através de gêneros textuais, nosso estudo tem como foco
discutir e refletir sobre as possíveis dificuldades do trabalho docente
no que tange à transposição dos gêneros do cotidiano para a sala de
aula, a partir da premissa de que a escrita japonesa diverge do alfa-
beto romano. Assim, refletimos sobre até que ponto é possível trazer a
vida que se vive para as atividades de ensino, visto que sem o domínio
do sistema de escrita logográfico o aprendiz não conseguirá realizar a
leitura e não será capaz de produzir textos reais e autênticos que cir-
culam no cotidiano, sendo esse norteado pelo uso da língua japonesa
em seus espaços sociais.
Seguido de uma breve apresentação desse sistema de escrita,
partimos para uma discussão do uso de atividades sociais no ensino
de línguas estrangeiras, outrossim, o que de fato se faz presente no
ensino de japonês em um material apostilado em uso na rede esta-
dual paulista.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 180


O sistema de escrita da língua japonesa

Hodiernamente, existem 70973 línguas vivas, segundo o compên-


dio Ethnologue: Languages of
​​ the World4, considerado o maior inven-
tário de línguas do mundo. Cada língua possui sua especificidade e
idiossincrasias, o que inclui o seu sistema de escrita, próprio ou adap-
tado de outras culturas mais avançadas.
A escrita é um tipo de comunicação por símbolos, chamados ca-
racteres ou grafemas, usados para registrar visualmente uma língua
falada, objetivando a comunicação. Os sistemas podem ser classifi-
cados de diversas formas como: os sistemas silábicos ou silabários,
em que os grafemas representam sílabas; abugidas, em que os gra-
femas principais representam consoantes à qual está associada uma
vogal inerente, e a mudança ou ausência de vogal é representada por
diacríticos; abjads, em que os grafemas principais representam con-
soantes, e as vogais são representadas por diacríticos; sistemas alfa-
béticos ou alfabetos, em que os grafemas representam consoantes
ou vogais; sistemas mistos, que combinam elementos das categorias
anteriores; o sistema cuneiforme, caracterizado como uma escrita de
4000 a.C., que era composta por símbolos, criada pelos sumérios; e,
por fim, os sistemas logográficos, em que os grafemas são logogra-
mas5 (ideogramas ou pictogramas) que denotam palavras ou con-

3 C.F.: EBERHARD, D. M.; GARY F. S; CHARLES D. F. (eds.). 2021. Ethnologue: Languages of the World.
Twenty-fourth edition. Dallas, Texas: SIL International. Disponível em: <http://www.ethnologue.com.>.
Acesso em 20/07/2021.
4 Publicação do SIL International, uma instituição linguística de princípios cristãos que estuda
principalmente línguas minoritárias para propiciar a seus falantes textos bíblicos em sua língua
materna. O Ethnologue contém estatísticas para mais de seis mil línguas (na 15ª edição de 2005) e
fornece dados como números de falantes, localização geográfica, dialetos, genética, disponibilidade
da Bíblia etc. Atualmente, constitui um dos mais amplos inventários de idiomas existente, junto com
o Registro Linguasphere.
5 Um logograma é um caráter escrito simples que representa uma palavra gramatical completa.
Na definição de Weeden (2014) entende-se um logograma como um grafema que expressa,
independentemente da língua, uma palavra inteira. A maioria dos caracteres chineses são
classificados como logogramas. Os logogramas são, por vezes, chamados ideogramas, palavra que
se refere a símbolos que representam graficamente ideias abstratas; entretanto, os linguistas evitam
esse uso, uma vez que os caracteres chineses são frequentemente compostos semântico-fonéticos,
símbolos que incluem um elemento que responde pelo significado e outro que indica a pronúncia.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 181


ceitos, onde se insere a grafia da língua japonesa, que adota parte da
escrita chinesa, e que também serviu de base para a criação de sua
própria escrita, chamado de kana, para serem utilizados em combi-
nação com os caracteres chineses (OGASSAWARA, 2006).
Como vemos nas figuras 1 e 2, os kana são tipificados em dois: 1)
hiragana, que consiste em 48 caracteres, e é usado para escrever pa-
lavras nativas japonesas, partículas, terminações verbais, e frequen-
temente para se escrever palavras emprestadas do chinês e que não
podem ser escritas com os caracteres oficiais em japonês; e 2) ka-
takana, que também reúne 48 caracteres, com os mesmos sons que
o hiragana. É empregado em palavras que não tenham origem do
chinês, para ênfases, onomatopeias, e nomes próprios.

Figura 1 – Sistema hiragana

Fonte: https://www.br.emb-japan.go.jp/cultura/linguajaponesa.html.
Acesso em: 20 jul. 2021.

Alguns não linguistas distinguem entre a lexigrafia e a ideografia, em que os símbolos lexicográficos
representam palavras, e os ideográficos representam palavras ou morfemas.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 182


Figura 2 – Sistema katakana

Fonte: https://www.br.emb-japan.go.jp/cultura/linguajaponesa.html. Acesso em:


20 jul. 2021.

No que tange à quantidade de caracteres, os japoneses apren-


dem na escola 2136 ideogramas6 chineses (kanji), durante todo o
percurso escolar do ensino fundamental – mais de 1000 do primeiro
ao sexto ano, somente no fundamental, como mostra a figura 3 – até
a conclusão do ensino médio. Esse número foi ajustado recentemente
pois são os que estão em circulação nos diversos gêneros textuais no
Japão, ou seja, sem esse domínio um sujeito dificilmente conseguirá
ler e escrever com fluência qualquer tipo de texto, tendo que recorrer
ao kana quando não souber escrever alguma palavra, e perguntar a
alguém, ou pesquisar, quando se deparar com alguma palavra em
kanji que não saiba ler.

6 Cf.: Ministério da Educação, Cultura, Esporte, Ciência e Tecnologia (MEXT), Site oficial em japonês:
https://www.mext.go.jp/b_menu/shingi/chousa/shotou/076/shiryo/attach/1297640.htm. Acesso em:
20 jul. 2021.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 183


Na trajetória escolar de um nativo, os kana são aos poucos subs-
tituídos pelos caracteres chineses ao longo de 9 anos de escolariza-
ção. Concomitantemente ao uso de kana e kanji, também é recorren-
te o de letras romanas, como em acrônimos, números de produtos, e
até mesmo em palavras inteiras estrangeiras; destarte, utiliza-se até
quatro tipos diferentes de caracteres no japonês moderno.
Os caracteres chineses, chamados de kanji em japonês, são, na
verdade, ideogramas, nos quais cada um simboliza uma única coisa
ou ideia. É comum que um único “kanji” tenha mais de um som. No
Japão, eles são utilizados para escrever tanto as palavras de origem
chinesa como as palavras nativas japonesas (OGASSAWARA, 2006).
É comum – mas não tão recorrente hodiernamente – que os tex-
tos e caracteres japoneses sejam impressos em linhas verticais, as
quais são lidas do alto para baixo. As linhas começam na direita da
página, portanto, os livros comuns normalmente se abrem onde se-
ria o verso dos livros ocidentais. As exceções são os livros e periódi-
cos voltados a assuntos específicos, como os científicos e técnicos, os
quais são impressos em linhas horizontais e lidas da esquerda para a
direita.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 184


Figura 3 – Visão dos kanji ensinados nos seis primeiros anos do ensino funda-
mental japonês

Fonte: https://www.mext.go.jp/a_menu/shotou/new-cs/youryou/syo/koku/001.
htm. Acesso em 20/07/2021.

Assim, percebe-se que o domínio da escrita é fator nevrálgico


para participação social dos falantes nativos de japonês, outrossim,
na interação entre nativos e estrangeiros que vivem no Japão.
Com isso, infere-se que as atividades sociais, através de gêne-
ros textuais, também se valem do sistema de escrita japonesa, cons-
tituindo o texto uma manifestação da linguagem, uma mensagem
usada para transmitir informação de um autor para um leitor, sendo
um elemento de interação entre os sujeitos, que se instaura, segundo
Koch (1997), como atividade comunicativa, quando os interactantes

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 185


da atividade constroem para ela certo sentido, pelo funcionamento
global de fatores de ordem situacional, sociocultural, cognitiva e inte-
racional.

Atividade sociais e gêneros textuais no ensino de línguas


na educação básica

Na noção de gênero discursivo/textual, proposta pelo Círculo de


Bakhtin, a linguagem é um fenômeno social, histórico e ideológico
(BAKHTIN, 1992b). Nesse sentido, os gêneros textuais e discursivos são
formas estáveis de enunciados elaborados de acordo com as con-
dições específicas de cada campo da comunicação verbal, e esses
têm sido utilizados pela escola, segundo Schneuwly e Dolz (1999), em
sua missão de ensinar os alunos a escrever, a ler e a falar.
Em outras palavras, os autores observam que a escola, forço-
samente, sempre trabalhou com os gêneros, pois toda forma de co-
municação, portanto, também aquela centrada na aprendizagem,
cristaliza-se em formas de linguagem específicas. Os autores ainda
asseveram que a particularidade da situação escolar reside no se-
guinte fato que torna a realidade bastante complexa: há um desdo-
bramento que se opera, em que o gênero não é mais instrumento
de comunicação somente, mas, ao mesmo tempo, objeto de ensino/
aprendizagem.
O estudante encontra-se, necessariamente, num espaço do como
se, em que o gênero funda uma prática de linguagem que é, necessa-
riamente, em parte, fictícia, uma vez que ela é instaurada com fins de
aprendizagem. Ademais, um gênero pode ser definido como suporte
de uma atividade de linguagem em que três dimensões parecem es-
senciais, segundo Schneuwly e Dolz (1999, p. 7):

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 186


1) os conteúdos e os conhecimentos que se tornam dizíveis atra-
vés dele;
2) os elementos das estruturas comunicativas e semióticas parti-
lhadas pelos textos reconhecidos como pertencentes ao gênero;
3) as configurações específicas de unidades de linguagem, tra-
ços, principalmente, da posição enunciativa do enunciador e dos con-
juntos particulares de sequências textuais e de tipos discursivos que
formam sua estrutura.
Segundo Liberali (2009), o ensino de e por gêneros focaliza textos
materializados na vida diária, através de atividades sociais com ca-
racterísticas socioeducativas definidas por conteúdos, propriedades
funcionais, estilo e composição características.
A autora assevera que o ensino, por meio de atividades sociais,
enfatiza o conjunto de ações mobilizadas por um grupo para alcan-
çar um determinado motivo/objetivo, satisfazendo necessidades dos
sujeitos na “vida que se vive”. Nessa forma de pensar o ensino, os gê-
neros não são mais o foco, mas os artefatos culturais que permitiram
a transformação e o desenvolvimento da atividade. O foco recai so-
bre formas para produzir, compreender, interpretar e memorizar um
conjunto de gêneros necessários à efetiva participação em ativida-
des da “vida que se vive”, como ir ao cinema, negociar um contrato,
fazer compras, publicar um artigo de pesquisa etc. (LIBERALI, 2009).
Em nosso caso específico, nossos argumentos se pautarão em torno
de uma atividade social de produção do gênero aviso sobre o uso de
bibliotecas, comparando a proposta didática da apostila com o que
de fato circula na esfera social cotidiana.
Na Educação Básica já existe uma tendência de uso de gêneros
para o ensino de LEM, em uma perspectiva plurilinguística. O quadro 1,
à guisa de exemplo, foi adaptado do currículo paranaense, que orien-
ta o ensino de japonês, nos anos finais do Ensino Fundamental e Médio,

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 187


indicando as esferas sociais de circulação e os exemplos de gêneros
que devem ser trabalhados em sala de aula de japonês, distribuídos
nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

Quadro 1 – Gêneros que podem ser trabalhados no ensino de japonês na Educa-


ção Básica

ESFERAS SOCIAIS EXEMPLOS DE GÊNEROS


DE CIRCULAÇÃO

Adivinhas Diário Exposição Oral Fotos


Álbum de Família Anedotas Músicas Parlendas Piadas Pro-
Bilhetes vérbios Quadrinhos Receitas
Cantigas de Roda Carta Relatos de Experiências Vividas
COTIDIANA Pessoal Cartão Trava-Línguas
Cartão Postal Causos Co-
municado Convites Curri-
culum Vitae

Autobiografia Biografias Letras de Músicas


Contos Narrativas de Aventura Narrati-
Contos de Fadas vas de Enigma
Contos de Fadas Con- Narrativas de Ficção Científica
temporâneos Crônicas de Narrativas de Humor
LITERÁRIA/ Ficção Narrativas de Terror
ARTÍSTICA Escultura Fábulas Narrativas Fantásticas
Fábulas Contemporâneas Narrativas Míticas
Haicai Paródias Pinturas Poemas Ro-
Histórias em Quadrinhos mances Tankas
Lendas Textos Dramáticos
Literatura de Cordel Memó-
rias

Artigos Conferência Debate Relato Histórico Relatório Resumo


Palestra Pesquisas Verbetes
CIENTÍFICA

Ata Cartazes Relato Histórico Relatório


Debate Regrado Diálogo/ Relatos de Experiências Científi-
Discussão Argumentativa cas
ESCOLAR
Exposição Oral Resenha Resumo Seminário
Júri Simulado Mapas Pales- Texto Argumentativo
tra Pesquisas Texto de Opinião
Verbetes de Enciclopédias

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 188


Agenda Cultural Anúncio de Fotos Horóscopo Infográfico Man-
Emprego Artigo de Opinião chete Mapas
Caricatura Mesa Redonda Notícia Reporta-
IMPRENSA Carta ao Leitor Carta do gens Resenha Crítica Sinopses de
Leitor Cartum Charge Clas- Filmes Tiras
sificados
Crônica Jornalística Editorial
Entrevista (oral e escrita)

Anúncio Caricatura Car- Músicas Paródia Placas


tazes Comercial para TV Publicidade Comercial Publicida-
E-mail de Institucional Publicidade Oficial
PUBLICITÁRIA
Folder Fotos Slogan Texto Político

Abaixo-Assinado Assem- Debate Regrado


bleia Discurso Político “de Palanque”
POLÍTICA Carta de Emprego Carta de Fórum
Reclamação Carta de Soli- Manifesto Mesa Redonda Panfleto
citação Debate

Boletim de Ocorrência Cons- Estatutos Leis Ofício


tituição Brasileira Contrato Procuração Regimentos Regula-
JURÍDICA Declaração de Direitos De- mentos Requerimentos
poimentos Discurso de Acu-
sação Discurso de Defesa

Bulas Relato Histórico Relatório


Manual Técnico Placas Relatos de Experiências Científicas
PRODUÇÃO E Resenha Resumo Seminário
CONSUMO Texto Argumentativo
Texto de Opinião
Verbetes de Enciclopédias

Blog Chat Reality Show Talk Show Telejornal


Desenho Animado E-mail Telenovelas Torpedos Vídeo Clip
MIDIÁTICA Entrevista Filmes Fotoblog Videoconferência
Home Page

Fonte: Adaptado das Diretrizes Curriculares da Educação Básica - Língua Estran-


geira Moderna/Secretaria Estadual de Educação do Paraná (2008).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 189


Na rede estadual paulista, as diretrizes curriculares para o japo-
nês não trazem uma orientação explícita sobre os gêneros que podem
ser trabalhados em sala de aula, e em cada ano, como a proposta do
Estado do Paraná.
O professor de japonês da SEDUC-SP tem no documento apenas
a orientação sobre o conteúdo a ser trabalhado em cada volume das
apostilas, uma vez que, salientamos novamente, para esse idioma pri-
meiro elaborou-se um material preliminar, tendo como base orienta-
ções estrangeiras; estando a elaboração concluída, sua síntese con-
verteu-se no documento orientador que compõe as diretrizes, e que
preocupam-se em elencar os conteúdos (quadro 2 e 3), mas que não
especificam as habilidades gerais e específicas, outrossim, tão pouco
as competências a serem desenvolvidas, tais como aparecem nos
demais componentes da área de Linguagens, no Currículo Paulista,
o que confere ao documento um caráter provisório, e que não prima
pela especificidade pedagógica.
Contudo, é possível observar, nos exercícios das apostilas, que há
a indicação de algumas tarefas, ou atividades sociais, tratadas como
objetivos comunicativos, e ações que os alunos devem conseguir re-
alizar em algumas atividades de produção de textos, em que obser-
vamos o que de fato pode ser empregado, na vida real e que se vive,
dadas as características da escrita japonesa.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 190


Quadro 2 – conteúdo gramatical e lexical dos volumes 1, 2 e 3 do Kotobana

1º ESTÁGIO (KOTOBANA 1) 2º ESTÁGIO (KOTOBANA 2) 3º ESTÁGIO (KOTOBANA 3)

CONTEÚDOS CONTEÚDOS CONTEÚDOS CONTEÚDOS CONTEÚDOS CONTEÚDOS


GRAMATICAIS LEXICAIS GRAMATICAIS LEXICAIS GRAMATICAIS LEXICAIS

• Pronomes Nome de • Comparativo • Palavras que • Forma do • Caracterís-


demonstra- países, de superiori- indicam dicionário ticas:
tivos nacionalidade dade frequência: dos verbos kawaii, kirei
• Pronome • Cumprimen- (-yoridesu,-ga yoku, zenzen, (-ru) (na),
interrogativo tos: ichibandesu) nandemo, • Forma nega- yasete iru,
“dare”, “nanji”, konnnitiwa, • Adjetivos shuu ni 1- tiva futotte iru,
“doko”, “itsu”, shitsurei shi- forma kai neutra (-nai) sega
“nani” masu afirmativa e • Cores: shiroi, • Forma hikui, se ga
• Partícula • Agradeci- negativa kuroi -te takai, atama-
interrogativa mentos (-i desu/ • Sabores: amai, • Sentenças ga
“ka” • Objetos de -kuarimasen, shiokarai, karai, padrão: ii,
• Horas uso -desu/ suppai 1. -ga hoshii kakkoii
• Dias da se- diário -jaarimasen) • Habilidades: desu/hoshiku • Objetos de
mana • Localização: • Expressões: tokui, arimasen. uso
• Verbos de ue,shita, naka 1. Motto -wa nigate, joozu, 2. Adj. pessoal como
estado • Horas arimasuka heta na - desu. vestimentas,
“arimasu” e • Dias da se- • 2. -noga suki • Expressões 3. Adj. de, adj. acessórios,
“imasu” mana desu para desu. jogos, etc.
• Expressões: • 3. Ikura de- atendimento: 4. Adj, kedo, • Nome dos
1. -wa-desu/ suka • Omatase shi- adj. pratos
-desuka/ • 4. (Hobby) mashita, desu (comidas)
-ja arimasen. wa • Kashikomari- 5. -tainde- • Horário
2. Kore/sore/ -suru koto- mashita sukedo (com
are (prono- desu. • Comparativo 6. -o (quanti- minutos)
mes • 5. Dooshite de dade) • Verbos: kau,
demonstrati- -desuka superioridade: kudasai morau,asobu,
vos) • 6. -kara desu itiban-, motto- 7. -no toki, V- aruku, tatsu,
3. Ima, nanji (expressar a • Hobbies masu. hashiru, tobu,
desuka (ho- razão) • Esportes 8. V-ru toki, kaeru, kaku,
rário) Vmasu. kiru,
4. ni ikimasu 9. V-nai toki, yomu, taberu,
(objetivo) V-masu. oku,kuru
5. kara(horá- 10. (Local) de
rio) V-mashooka
made(horá- 11. (Horário) ni
rio) V-mashooka.
desu Expressão:
6. V-masu/V- Tabun...-
-masen da to omoi-
7. arimasu/ masu
imasu.
Fonte: Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (2020).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 191


Quadro 3 – conteúdo gramatical e lexical dos volumes 4, 5 e 6 do Kotobana
4º ESTÁGIO (KOTOBANA 4) 5º ESTÁGIO (KOTOBANA 5) 6º ESTÁGIO (KOTOBANA 6)
CONTEÚDOS CONTEÚDOS CONTEÚDOS CONTEÚDOS CONTEÚDOS CONTEÚDOS
GRAMATICAIS LEXICAIS GRAMATICAIS LEXICAIS GRAMATICAIS LEXICAIS
• Sentenças • Profissões: • Sentenças • Adjetivos: • Sentenças • Família:
padrão: kyooshi, padrão: akarui, padrão: chichi,
1. -wa V koto biyooshi, 1. V-temo iide- kurai, urusai, 1. V-nakereba haha, ani,
desu. kangoshi, suka kitanai, narimasen ane,
2. (Pessoa) wa kaishain, 2. V-ru to, shizuka (na), 2. V-nakutemo imooto, otoo-
-teiru hito dezainaa, V-masu. amai, karai, kamaimasen to,
desu. kameraman, 3. -karadesu nagai, mijikai 3. V-tewa ike- kyoodai,
3. -nagara- hoikushi, 4. Adj. -ku • Nome de masen ryooshin,
masu bengoshi, V-masu animais: saru, 4. V- teshimai- choonan,
4. -taritarishi- isha, koomuin, 5. Adj.-oodesu. gorira, kirin, masu jinan,
teimasu enjinia, shefu (Ex.: Oishisoo- zoo 5. V- temorai- choojo, jijo,
5. (Roupa) o Vestimentas: desu) • Expressões masu otoosan, oka-
kiteimasu Tshatsu, 6. V-takotoga que 6. V- teage- asan,
6. V-desukedo, seetaa, arimasu descrevem masu oneesan,
V-tekudasai jaketto, suut- Expressões: sintomas: 7. V- tekure- oniisan,
7. V-tandesu- su, 1. -deshoo. netsu ga ari- masu otootosan,
ga, doresu, jiinzu, 2. -to omoi- masu, 8. V-tearimasu imootosan
-tehoshiidesu sukaato, masu sekiga de- 9. V-rareru • Expressões
8. V-te, kutsu, 3. V-temitai- masu, (voz utilizadas ao
Dekimasende suniikaa, san- desu atamaga passiva) telefone:
shita daru 4. -ndesu itaidesu, Expressões: moshimoshi,
(Motivo) • Verbos: fuku, 5. -shitaindesu onakaga itai- 1. Mada-tei- irasshaima-
9. V-te saku, desu masu suka, -to
shimaimashita nagareru, • Materiais de 2. Moo-teima- otsutaeku-
10. V-node taoreru, escritório: sen dasai
11. V-tara wareru, ochi- maakaa, • Conectivos • Verbos:
12. V-tekudasai ru, enpitsu, condicionais e nakusu,
tomaru, boorupen, concessionais: waru, kesu,
kowareru, kami 1. -tara komaru,
kowasu, • Expressões 2. -temo ageru, morau,
wasureru, utilizadas em 3. Moshi-tara kureru, tatera-
oriru, hiraku cabeleireiros: reru,
• Conectivos katto shima- tsukurareru,
sequenciais: su, hakkensuru
mazu, paamaa o
sorekara, tsu- kakemasu,
gini karaaringu
shimasu,
buroo o shi-
masu,
shanpushi-
masu
• Termos utili-
zados
em visitas:
Irasshai,
Fonte: Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (2020)

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 192


O material utilizado pelos alunos da rede estadual paulista cha-
ma-se kotobana. É composto por seis volumes, e cada um tem a du-
ração de um semestre, compreendendo os três anos de oferta do
idioma pela SEDUC-SP, através do projeto CEL. As turmas são multis-
seriadas, uma vez que a instituição atende alunos da própria rede e
que estejam matriculados, a partir do sexto ano do ensino fundamen-
tal, tanto no ensino regular quanto na Educação de Jovens e Adultos
(EJA), destarte, em uma mesma sala, há alunos com idades diversas
utilizando o mesmo material (SILVA, 2017, 2020).
Em nossa análise, observaremos apenas o volume 5, que com-
preende um período decorrido de cinco semestres, ou dois anos e
meio de estudo de língua japonesa, por um aluno do CEL.
Vejamos na figura 4, como são propostas e tratadas as produ-
ções de gêneros, tomando como exemplo, uma atividade que de-
manda conhecimento e domínio da leitura e escrita japonesa.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 193


Figura 4 – Proposta de atividade de elaboração de um aviso

Fonte: Kotobana 5 – SEDUC-SP (2016, p. 11) .

A proposta, em questão, sugere aos estudantes a leitura e elabo-


ração de avisos a serem fixados na escola e na biblioteca, como: não
comer lanches; não fumar; não falar em voz alta; etc. Em um ambien-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 194


te controlado, em que essas frases estão escritas, e dadas proposita-
damente preparadas, e em um nível de compreensão inteligível pelos
estudantes que apenas precisam associar a ilustração às frases, essa
tarefa exige do aluno apenas um papel passivo no processo de inte-
ração com o gênero.
Ademais, as próprias frases referem-se a convenções sociais bá-
sicas universais, e não trazem a imprevisibilidade do cotidiano, em
que avisos reais informam os usuários desses espaços sobre: fecha-
mentos por algum motivo; alterações no funcionamento; entre outras
situações da vida que se vive, relacionadas à necessidade de fixação
desses gêneros nos espaços e esferas sociais. Em outras palavras, na
referida atividade há pouca verossimilhança com o que de fato cir-
cula no cotidiano, atrelado ao uso da linguagem, aproximando-as de
algo fictício ou encenado, apenas para fixar alguma estrutura grama-
tical/lexical.
Da mesma forma controlada, em que a maioria dos vocábulos
estão escritos em hiragana e katakana, ao produzirem o gênero tex-
tual solicitado, os estudantes irão reproduzir a exemplo já dado: utili-
zando kana.
Contudo, em um espaço real de interação, a situação compli-
ca-se tornando a atividade contraditória, e distante de uma ativida-
de social aplicada ao ensino de línguas: no cotidiano real japonês,
os avisos são escritos com caracteres kanji. Nesse sentido, e esfera
social de circulação de espaço público, milhares desses ideogramas
ainda não foram aprendidos pelos estudantes, ou seja, um aluno nes-
se nível (quinto estágio) não conseguirá ler, tampouco produzir um
aviso, para esses espaços sociais, que seja próximo de um aviso real
e autêntico como os exemplos extraídos de bibliotecas japonesas, na
figura 5, sobre a alteração de período de funcionamento, e na figura

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 195


6, que apresenta as regras reais de uma biblioteca, as mesmas que
foram simplificadas pelos elaboradores da apostila e que acabaram,
em seu produto final, afastando o uso real do gênero aviso, e suas
idiossincrasias, no que tange à linguagem do cotidiano japonês, o que
já evidencia a dificuldade de adaptação desse gênero para o campo
didático.

Figura 5 – Aviso real de uma biblioteca no Japão da prefeitura de Nagano

Fonte: Site da Biblioteca de Nagano. https://blog.nagano-ken.jp/li-


brary/2020/02/26/osirase/. Acesso em: 20 jul. 2021.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 196


Figura 6 – Aviso real regras de funcionamento da biblioteca municipal de
Okinawa

Fonte: Site da Biblioteca Municipal de Okinawa https://www.library.pref.okinawa.jp/


notice/post-14.html. Acesso em: 20 jul. 2021.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 197


Posicionando-me como professor, a partir daqui, em minha expe-
riência, na aplicação da atividade em questão, no ano de 2017, muitas
adaptações tiveram que ser feitas. Os estudantes, com base em suas
experiências, e enquanto seres sociais que frequentam esses espaços
na vida real, precisaram trazer para a sala de aula algumas peculia-
ridades sobre o funcionamento de bibliotecas. Outros elementos, in-
cluindo vocabulário e expressões que ainda não haviam sido sequer
tratados em unidades anteriores, foram solicitados pelos estudantes,
em especial os que se relacionavam com punições em caso de perda
ou danos aos materiais. Ou seja, caso eles se deparassem com essas
informações em um aviso real no Japão, não conseguiriam lê-las de
forma autônoma, pela não familiaridade com esses termos em japo-
nês, e, principalmente, pelos kanji que estariam empregados no aviso.
Outro ponto que destaco, concerne à falta de clareza sobre o
que eu, enquanto professor de japonês de ensino básico, deveria de-
senvolver com aquela turma que se encontrava no quinto estágio,
através dessa atividade, uma vez que, naquele momento (2017), não
existia nenhuma diretriz curricular – e essa, hoje, também não elen-
ca as habilidades e competências a serem desenvolvidas em língua
japonesa. Caso existisse um documento com as habilidades a serem
desenvolvidas, apontando os gêneros que eu deveria trabalhar com
aquele estágio, poderia elaborar uma atividade própria utilizando ou-
tros tipos de materiais, onde seria possível incluir algo autêntico. To-
davia, a única diretriz que eu tinha naquela época era a apostila for-
necida pela SEDUC-SP.
Ademais, há em língua japonesa algumas expressões caracterís-
ticas e estruturas gramaticais próprias do gênero aviso, outrossim, o
uso de vocábulos específicos que se fazem necessários na vida real.
Contudo, foi preciso ignorar isso em alguns casos para que os alunos
pudessem realizar a atividade proposta pela apostila; em outras pa-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 198


lavras, as produções acabaram sendo traduções literais de suas fra-
ses, utilizando a estrutura gramatical e léxico proposto pelo material,
apenas para treinar e fixar esse conteúdo, e dificilmente os estudan-
tes conseguiriam ler um aviso real dada a complexidade dos kanji
que surgem nesse tipo de gênero e que não haviam sido estudados
até aquele momento – e que eles continuaram sem aprender, mesmo
tendo, alguns, concluído a apostila 6, a do último nível do curso, dado
o numero limitado de caracteres fornecido através do material.

Considerações finais

Uma leitura fluida em japonês, outrossim, a produção de qualquer


gênero textual, inevitavelmente estão atreladas ao domínio dos mi-
lhares de ideogramas chineses, que foram incorporados ao cotidiano
do povo japonês. Para nós, brasileiros que adotamos o sistema latino
de escrita, esse domínio torna-se trabalhoso, mas não impossível.
O professor de japonês no ensino básico deve ter a ciência de que
apesar de adaptarmos, ou simplificarmos, a escrita em nossas aulas
para que o aluno consiga executar determinada atividade, é neces-
sário expor esse estudante aos materiais autênticos, nos quais circu-
lam os diversos gêneros, e explicar-lhes sobre o contexto real daquela
produção e circulação.
Mesmo que os alunos não consigam ler, ou não conheçam todos
os kanji recorrentes em um gênero específico, é preciso sinalizar, le-
vando para a sala de aula materiais autênticos, explicando-lhes que,
na vida real, outros elementos (lexicais, gramaticais e de escrita) são
incorporados aos gêneros e que esses sujeitos os dominaram com o
tempo, incluindo-os, posteriormente, em suas produções.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 199


Referências

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GERALDI, J. W. O ensino de língua portuguesa e a Base Nacional Comum.
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KOCH, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.
LIBERALI, F. Atividade social nas aulas de língua estrangeira. São Paulo: Ri-
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PORTELA, J. C. Práticas didáticas: um estudo sobre os manuais brasileiros
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11122017-152049
SILVA, O. O. A Evolução do Ensino de Língua Japonesa nas Escolas Públicas
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LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 200


de japonês - LE. ESTUDOS JAPONESES (USP), v. 43, p. 129-148, 2020. DOI: ht-
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LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 201


CAPÍTULO 9

Formação de professores de
língua inglesa: desenvolvendo
um perfil de professor
pesquisador no estágio
supervisionado

Walter Vieira Barros

DOI: 10.52788/9786589932321.1-9
Considerações iniciais

Neste capítulo, apresento parte dos resultados de uma pesquisa


monográfica, documental (GIL, 2012; TEIXEIRA, 2005), de abordagem
qualitativa (CHIZZOTTI, 2013; SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009), intitulada Le-
tramentos e ensino de língua inglesa no estágio supervisionado do
Ensino Médio (BARROS, 2017). Essa pesquisa foi defendida em abril de
2017 como requisito parcial à conclusão do curso de Letras – Língua
Inglesa da Unidade Acadêmica de Letras (UAL) do Centro de Humani-
dade (CH) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
A pesquisa tinha como objetivo investigar as influências das teo-
rias dos letramentos nas práticas pedagógicas empreendidas pelos
licenciandos em Letras – Língua Inglesa da Universidade Federal de
Campina Grande (UFCG), matriculados1 no componente curricular
Estágio de Língua Inglesa: 1º e 2º anos do Ensino Médio. O referido com-
ponente curricular teve início em 27/01/2016 e término em 27/05/2016,
foi constituída por 07 créditos e carga horária de 105 horas.
Nas primeiras aulas do componente de estágio, ocorreram lei-
turas e discussões de textos que abordavam a perspectiva teórica
dos letramentos aliada ao ensino de língua inglesa na escola pública
regular. Os textos bases utilizados, e que fundamentaram as práticas
dos licenciandos no campo de estágio, foram: “Orientações Curricu-
lares para o Ensino Médio” (BRASIL, 2006); “Novos letramentos, ensi-
no de língua estrangeira e o papel da escola pública no século XXI”
(MATTOS, 2011); e “Letramentos críticos e formação de professores de
inglês: currículos e perspectivas em expansão” (DUBOC; FERRAZ, 2011).
Esses textos, de forma geral, salientam a necessidade de se entender
que o foco do ensino de língua inglesa, assim como os de outros com-

1 Nove licenciandos estavam matriculados no componente curricular Estágio de Língua Inglesa: 1º e


2º anos do Ensino Médio

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 203


ponentes curriculares, não é a mera transmissão de conteúdos, mas
o aprendiz e sua formação; em que tais conteúdos deixam de ser a
finalidade e passam ser os meios.
Após esse período de leitura e discussão de textos, deu-se início
ao período de observação e, subsequentemente, ao período de re-
gência. Nessa fase, os nove licenciandos2 que estavam matriculados
no componente curricular de estágio supervisionado foram divididos
em três duplas e um trio – quatro grupos. Para a realização da obser-
vação (de 28/03/16 a 08/04/16) e da regência (de 11/04/16 a 04/05/16),
foram escolhidas turmas de 1º e 2º anos do ensino médio de duas es-
colas públicas da rede estadual da Paraíba, na cidade de Campina
Grande.
Em relação ao período de regência, cada grupo ficou responsável
por ministrar uma aula de 90 minutos3 por semana, durante um mês,
totalizando quatro aulas. Além disso, cada grupo também deveria
elaborar uma proposta de pesquisa a ser desenvolvida durante esse
período, com base na qual as aulas deveriam ser planejadas. Essa
proposta poderia ser elaborada a partir de algo percebido durante o
período de observação do estágio ou de alguma outra questão que o
licenciando julgasse como importante de se investigar naquele con-
texto local de atuação. Ao final do componente curricular de estágio,
os grupos deveriam produzir os trabalhos finais em forma de artigos,
apresentando os resultados das pesquisas realizadas nos respectivos
campos de estágio.

2 O autor do presente capítulo foi um desses nove licenciandos matriculados no componente


curricular de estágio supervisionado.
3 As aulas do campo de estágio eram de 45 minutos cada. Porém, as aulas de inglês eram
geminadas: duas aulas seguidas, totalizando 90 minutos, uma vez por semana. Portanto, refiro-me a
essas aulas geminadas como ‘uma aula de 90 minutos’.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 204


Para o recorte apresentado neste capítulo, enfoco os trechos des-
ses trabalhos finais em que os licenciandos apresentam as propostas
de pesquisas e as respectivas motivações para a elaboração de tais
propostas. Para facilitar a referência a tais trabalhos ao longo do tex-
to, utilizo a sigla TF (trabalho final) numerada de 1 a 4, uma vez que os
estagiários foram divididos em quatro grupos para a realização do
estágio e desses TF. Com esse enfoque, busco discutir acerca da for-
mação de professores de língua inglesa na contemporaneidade, res-
saltando a importância do desenvolvimento de um perfil de professor
pesquisador.
Este capítulo está organizado em três seções, além destas Consi-
derações iniciais e das Considerações finais. Na primeira seção, “Pro-
fessor de língua inglesa na contemporaneidade”, apresento uma bre-
ve revisão da literatura, estabelecendo um diálogo com autores que
discutem a formação docente; na segunda seção, “Buscando desen-
volver um perfil de professor pesquisador no estágio supervisionado”,
analiso os fragmentos dos TF que tratam das propostas realizadas
pelos licenciandos; e na terceira seção, “Refletindo sobre as pesquisas
desenvolvidas pelos professores-estagiários”, promovo uma reflexão
acerca dos resultados obtidos com a análise dos dados.

Professor de língua inglesa na contemporaneidade

Pensar sobre a formação de professores de línguas, mais especi-


ficamente de língua inglesa, minha área de interesse, na contempo-
raneidade implica romper com uma formação muitas vezes centrada
no treinamento e na reprodução e transmissão de conteúdos relati-
vos ao componente curricular que esse profissional em formação en-
sina(rá). Romper com essa lógica de formação de professores impli-
ca ir além da mera tentativa de domínio das chamadas habilidades

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 205


e/ou competências linguístico-comunicativas, levando em conside-
ração a necessidade de construção de “identidades de profissionais
abertos à instabilidade, ao encontro com o novo” (GIMENEZ, 2011, p. 51-
52).
Em outras palavras, para além dessas habilidades, parece ser
importante considerar na formação de professores a configuração
social atual (marcada pela globalização e pelos constantes avanços
tecnológicos) na qual estamos inseridos, em que a incerteza, a con-
tingência, a diversidade, a diferença, a heterogeneidade e a liquidez
são características (BAUMAN, 2001; GIMENEZ, 2011; THE NEW LONDON
GROUP, 2000) dessa sociedade e dos sujeitos que a constitui e são por
ela constituídos (MENEZES DE SOUZA, 2011).
Em relação ao profissional da linguagem, essas características
também devem ser consideradas de forma a preparar o (futuro) do-
cente para o reconhecimento e para a compreensão de diversas for-
mas de comunicação, interação, participação e construção de co-
nhecimento, formas essas que dialogam e se articulam. Com isso,
entende-se que possa haver uma redução no descompasso entre a
natureza das práticas realizadas em sala de aula/escola e as realiza-
das no mundo contemporâneo (MENEZES DE SOUZA, 2011).
Tavares e Stella (2014, p. 85), ao discutirem sobre esse descom-
passo, argumentam que “a formação de professores deve considerar
que esse mundo em que estamos inseridos oferece novas formas de
se fazer sentido”. Desse modo, pode-se buscar promover uma educa-
ção que se distancie do preestabelecido, do completo, do previsível,
para se aproximar da complexidade e da pluralidade, características
da sociedade atual e dos sujeitos que dela fazem parte.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 206


Portanto, é necessário investir em práticas pedagógicas que con-
siderem as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade e as impli-
cações dessas para educação. É preciso considerar a incerteza, o
diferente, o heterogêneo e o complexo nas práticas pedagógicas (TA-
VARES; STELLA, 2014), preparando o aluno para se engajar ativamente
nessa sociedade que além de plural, complexa e heterogênea, se tor-
na cada vez mais digital.
Demonstrando uma postura que dialoga com essa linha de pen-
samento, Azzari e Custódio (2013, p. 74) discutem a necessidade de se
entender o aluno como "nativo digital"4: “um construtor/colaborador
de criações conjugadas na era das linguagens líquidas”. Ou seja, le-
var em consideração que o aluno faz parte de uma sociedade digital,
em que a linguagem se torna cada vez mais multimodal, em um meio
que exige do usuário/aluno uma postura de construtor: engajamento
ativo para o desenvolvimento de produções colaborativas.
Porém, para se alcançar os objetivos discutidos, acredito que
o processo educacional deva ser entendido não como processo de
transmissão e reprodução, isto é, como uma lógica bancária (FREI-
RE, 2018), mas como um processo de design5 (COPE; KALANTZIS, 2009;
KALANTZIS; COPE, 2005; THE NEW LONDON GROUP, 2000). Segundo The
New London Group (2000, p. 20, tradução minha), o conceito de design
“[...] é livre de associações negativas, como ‘gramática’, para profes-
sores”6 e traz para o processo de aprendizagem a noção de constru-
ção ativa de sentidos.

4 Ressalto que trago o termo “nativo digital” com o intuito de enfatizar os aspectos da ‘colaboração’
e de ‘engajamento ativo’ na criação de sentidos na era de linguagens líquidas abordados pelas
autoras, mas que discordo do conceito de “nativo digital”. Para entender melhor a crítica que faço ao
referido conceito, indico a leitura do artigo Construção identitária e formação de professores “nativos
digitais” no estágio supervisionado de língua inglesa (BARROS, 2021)
5 É importante destacar que a noção de design não está sendo entendida em uma lógica positivista,
linear, harmoniosa e racional, mas como processo de construção que envolve negociação, disputa
e relações de poder.
6 “[…] it is free of the negative associations for teachers of terms such as ‘grammar’” (THE NEW
LONDON GROUP, 2000, p. 20).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 207


De acordo com Cope e Kalantzis (2009), o design é constituído por
três aspectos: a) available design – recursos culturais, linguísticos e
contextuais, assim como vivências prévias dos envolvidos no proces-
so de design, para produção de sentidos; b) designing – construção
e recontextualização de sentidos e conhecimentos disponíveis (avai-
lable designs), ou seja, não é uma simples reprodução do available
design. Designing envolve transformação do conhecimento por meio
da inovação e criatividade nas novas construções e representações
da realidade; e c) o redesigned – é o resultado do designing, um novo
sentido, um novo conhecimento, um novo recurso para construção de
sentidos, um novo available design.
Ao entender esses três aspectos que constituem a noção de de-
sign, percebe-se que, nessa configuração, os sujeitos envolvidos –
professor e aluno – também são ressignificados. O professor deixa de
ser o detentor do saber e o aluno deixa de ser o agente passivo para
o qual o professor precisa transmitir ou depositar conteúdos e conhe-
cimentos predefinidos. Dessa forma, ambos passam a ser entendidos
como designers – isto é, como construtores: o professor como desig-
ner de situações, propostas ou momentos de aprendizagem e o aluno
como designer de sentidos, de conhecimento.
Nessa perspectiva, a frase “o professor é o guia ao lado e não
o sábio no palco”7 (KERN, 2000, p. 307, tradução minha) é bem re-
presentativa desse deslocamento de postura do professor na sala
de aula. Vale ressaltar que o professor será designer de sua prática,
no sentido de ser um pesquisador e construtor da mesma. Ele, assim,
planeja sua prática com intuito de possibilitar que o aluno possa agir
de forma ativa na construção do conhecimento, ou seja, possibilitar
que o aluno seja também um designer e não apenas um reprodutor.

7 “The teacher is the guide on the side, not the sage on the stage” (KERN, 2000, p. 307).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 208


O conceito de design implica considerar o contexto de sala de
aula como espaço dinâmico e de ativa construção de sentidos e co-
nhecimentos. Logo, distancia-se da ideia de conhecimento como
algo estático e homogêneo que deveria ser transmitido conforme re-
gras e métodos desenvolvidos por terceiros, distantes dos contextos
de atuação. O saber local do professor, e sensível a um contexto de
atuação, passa a ser valorizado na própria construção de sua abor-
dagem, de sua prática e não mais a imposição de um saber global
que fora construído distante do contexto local do professor e validado
pela comunidade acadêmica, uma vez que foi desenvolvido por um
especialista ou um teórico.
Essa noção de design(er) alinha-se ao que Kumaravadivelu (2001;
2003) argumenta na perspectiva do pós-método, sobre a necessida-
de de rejeitarmos a dicotomia entre teóricos (produtores de conhe-
cimentos, métodos, abordagens etc.) e professores (consumidores e
implementadores de tais conhecimentos, métodos, abordagens etc.).
Ao discutir sobre a quebra de tal dicotomia, Leffa (2012, p. 391) expla-
na que essa proposta do pós-método vai de encontro a um “sistema
de prescrições elaboradas para o professor, de cima para baixo”, e
reconhece a capacidade de subversão (não mais de submissão) do
professor.
Para isso, segundo Leffa (2012), o professor precisa perceber seu
contexto de atuação, sala de aula, como espaço de pesquisa para o de-
senvolvimento de sua prática. Dito de outra forma, o professor precisa
assumir uma postura de pesquisador de sua própria prática (cf. LOPES,
2013) e não mais se restringir (ou deixar ser restringido) a implementar
métodos ou propostas elaboradas por terceiros, distantes de seu con-
texto local de atuação. Assim, o professor pode desenvolver sua própria
abordagem sensível ao seu contexto local, teorizando sobre sua prática
e praticando o que teoriza (KUMARAVADIVELU, 2001).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 209


De acordo com Lopes (2013), é preciso ultrapassar a visão positi-
vista de que o conhecimento é desconectado de um conhecedor e de
um lugar e que, portanto, seria universal. Em outras palavras, é neces-
sário distanciar-se da lógica simplificadora, reducionista e compar-
timentalizadora do conhecimento (MORIN, 2003; BRASIL, 2006) e en-
gajar-se numa perspectiva do pensamento complexo (MORIN, 2003),
entendendo que o conhecimento é sempre produzido por alguém em
algum contexto específico, sendo, portanto, local para alguém (LOPES,
2013). Logo, aponta-se para o declínio de noções homogeneizadoras
e universais do conhecimento, dado o caráter local, parcial e situado
do mesmo (MENEZES DE SOUZA, 2011).

Buscando desenvolver um perfil de professor pesquisador


no estágio supervisionado

Para assumir uma postura de pesquisador, que utiliza a sala de


aula como espaço de pesquisa para a construção e para o aprimo-
ramento da própria prática docente, é importante que o professor se
perceba como capaz de subverter o papel de mero consumidor ou
implementador de métodos e propostas de ensino elaborados por
terceiros (KUMARAVADIVELU, 2001; 2003). O professor precisa perce-
ber que seus conhecimentos sensíveis às especificidades contextuais
também são válidos e, portanto, deve valorizá-los, teorizando sobre a
prática e praticando o que teoriza (KUMARAVADIVELU, 2001).
Esse perfil de pesquisador, no componente curricular Estágio de
Língua Inglesa: 1º e 2º anos do Ensino Médio, começa a ser incita-
do desde o início. Isso porque um dos requisitos para a elaboração
do TF é o desenvolvimento de uma pesquisa. Logo, é sugerido pelo
professor-formador que os estagiários, ao iniciarem o contato com
o campo de estágio, identifiquem alguma questão a ser investigada

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 210


que oriente, portanto, os planejamentos (e a ministração) das aulas
do período de regência de modo que, ao final do estágio, os resulta-
dos dessa investigação sejam apresentados em forma de TF.
No TF1, os licenciandos relatam que a pergunta que norteou a
pesquisa e as aulas ao longo do período de regência foi “como o en-
sino de língua inglesa por meio do gênero notícia pode contribuir para
o letramento crítico e a formação de cidadãos?”. A motivação para tal
pesquisa foi a identificação feita pelos estagiários, na primeira aula
do período de regência, da

[...] dificuldade dos alunos em entender o gênero do texto trabalhado [gênero


notícia]8, tanto com relação a sua estrutura quanto ao seu vocabulário, julga-
mos importante, durante o período de regência do estágio, trabalharmos com
um gênero próximo da realidade dos alunos, que fosse simples e de fácil aces-
so. Dessa forma, o gênero notícia foi escolhido [...] (TF1).

Desse modo, os licenciandos utilizaram a turma em que estavam


estagiando e a própria aula (primeira aula) que estavam ministran-
do como espaço para identificação de algo a ser pesquisado, cujo
próprio processo de investigação e os resultados alimentassem a
construção da prática docente, contribuindo para própria formação.
Porém, a busca por algo que pudesse nortear uma pesquisa ficou fo-
cada em questões conteudísticas, mais especificamente na identifi-
cação de dificuldades dos alunos em “entender o gênero do texto tra-
balhado [gênero notícia], tanto com relação a sua estrutura quanto
ao seu vocabulário” (TF1).
Ao apontarem que uma dificuldade no entendimento de um tex-
to e na compreensão das estruturas do gênero trabalhado foi iden-
tificada, pode-se entender que os licenciandos, provavelmente, con-
sideram que há um modelo, uma forma “adequada” de como esse

8 O gênero notícia foi trabalhado na primeira aula do período de regência dos licenciandos que
produziram o TF1 porque a professora titular da turma pediu que uma atividade envolvendo tal gênero
iniciada por ela, em aula anterior, fosse concluída pelos estagiários.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 211


entendimento deveria ocorrer. Logo, essa dificuldade que norteou a
pesquisa refletiu nos planos de aula cujas propostas de atividades
e objetivos demonstram grande concentração em torno do ensino
prescritivo de aspectos linguístico-estruturais, uma vez que busca-
vam “consertar” a dificuldade observada.
No entanto, a pesquisa desses licenciandos também buscou en-
tender como o ensino de inglês por meio do gênero notícia poderia
contribuir para a formação de cidadãos. Embora apenas uma ati-
vidade no último plano de aula tenha se voltado para a formação
cidadã dos alunos, os estagiários concluem o TF1 ressaltando que a
experiência do estágio, em que se buscou contribuir para formação
dos aprendizes, os fizeram “refletir e repensar o foco do ensino de LE,
que não está apenas no linguístico”. Tal conclusão, alcançada após
a realização da pesquisa, pode sugerir uma desestabilização de con-
cepções e/ou representações anteriores dos graduandos sobre o
processo de ensino aprendizagem de língua inglesa, dando início a
um processo de ampliação de perspectivas desses graduandos.
É importante salientar que essa experiência, além de desestabi-
lizar a ideia do ensino de inglês centrado em aspectos linguísticos-
-estruturais, provoca nos estagiários um repensar acerca da sala de
aula, incitando-os a entendê-la não como espaço de aplicação “cor-
reta” de teorias, métodos e conteúdos selecionados e sequenciados
a priori e por terceiros. Embora ainda focado na ideia de ensino como
reprodução, percebo que a prática dos licenciandos foram sensíveis
ao contexto local de atuação, isto é, foi pensada a partir de algo per-
cebido na sala de aula.
Mudando de contexto, a proposta de pesquisa elaborada pelos
estagiários que produziram o TF2 foi a de investigar “como a escolha
de um tema pode influenciar na participação dos alunos de uma tur-
ma do 2º ano do Ensino Médio de uma escola pública nas aulas de in-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 212


glês”. A motivação de tal pesquisa surgiu na primeira aula ministrada
pelos licenciandos, em que o tema escolhido, a princípio, para todas
as aulas, tinha sido "a violência nos estádios de futebol". A escolha
desse tema, de acordo com a explicação dos estagiários no TF2, foi
inspirada no texto “Futebol, linguagens e sociedade” (TAKAKI, 2014).
Porém, tal tema apenas interessou aos meninos. Nas palavras
dos licenciandos,

[...] isso chamou nossa atenção e ao final da aula nós tivemos uma breve con-
versa com as meninas que comprovaram nossas suspeitas: o tema não inte-
ressava a elas, portanto, como a escola é um espaço marcado pelas relações
de gêneros [...] e tendo em mente que [...] dependendo do tópico escolhido, os
alunos se sentirão mais à vontade e terão mais oportunidades para se expres-
sar [...] (TF2).

Embora os estagiários não tenham problematizado e investigado


com os alunos o motivo pelo qual tal tema, aparentemente, não inte-
ressa às meninas e sim aos meninos, essa proposta de pesquisa tem
como foco o próprio fazer pedagógico do professor-estagiário. A par-
tir de uma decisão, da escolha de um tema durante o planejamento,
cujos efeitos durante a execução do plano em sala de aula não foram
como os esperados, uma vez que as alunas não se interessaram, os
estagiários utilizaram o “imprevisto” em resposta à escolha do tema,
como um recurso produtivo para refletir sobre a própria prática.
Ao invés de culpar os alunos ou alguma outra pessoa ou situação,
os licenciandos começam a investigar como a escolha do tema in-
fluencia na participação dos alunos nas aulas de língua inglesa. Essa
postura coaduna-se com o que argumenta Kumaravadivelu (2001) a
respeito de o professor valorizar o espaço da sala de aula e seus co-
nhecimentos sensíveis ao contexto local de atuação para desenvol-
ver o próprio fazer pedagógico.
A experiência do estágio e a pesquisa realizada ao longo de tal
experiência possibilitaram que os licenciandos refletissem sobre as

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 213


próprias escolhas. Essa reflexão demonstra melhor entendimento ou
ampliação da forma como entendiam anteriormente a prática do-
cente:

O professor de língua tem papel fundamental no processo de formação cidadã


dos alunos, e pode contribuir para uma reflexão dos mesmos levando para a
sala de aula aspectos políticos, sociais e culturais presentes na vida cotidiana
de todos. Tais aspectos quando trabalhados em sala de aula são de extrema
importância e interferem diretamente na participação dos alunos nas aulas.
Quanto mais próximo de sua realidade o tema for, maior será o interesse dos
alunos em debater, discutir e até mesmo conscientizar os colegas e a comuni-
dade escolar do seu ponto de vista (TF2).

No TF3, os graduandos explicam que a proposta de pesquisa a ser


desenvolvida, que orientou as aulas do período de regência do está-
gio, foi “verificar se uma prática de ensino de língua inglesa baseada
nas Orientações Curriculares do Ensino Médio (BRASIL, 2006) auxilia na
formação cidadã dos estudantes”. A motivação para essa pesquisa
foi decorrente de dois fatores:

[...] o primeiro, referente ao fato de que, durante as discussões iniciais sobre as


OCEM, os estudantes da disciplina de estágio [os estagiários] argumentaram
que ensinar inglês com uma perspectiva voltada para a formação cidadã seria
uma tarefa difícil, quiçá impossível; e o segundo, após as discussões [iniciais]
sobre o mesmo documento, uma das estagiárias [que elaborou o TF3] comen-
tou que não se sentia apta para trabalhar com temas relacionados ao social;
no caso específico deste trabalho, o racismo (TF3).

Em outras palavras, o que motivou a pesquisa desses estagiários


foram os limites dos licenciandos do componente curricular Estágio
de Língua Inglesa: 1º e 2º anos do Ensino Médio, que consideravam as
propostas da OCEM “uma tarefa difícil, quiçá impossível”, bem como o
sentimento de não estar “apta para trabalhar com temas relaciona-
dos ao social” expresso por uma estagiária que produziu o TF3. Dessa
forma, a proposta de pesquisa busca explorar os limites e dificulda-
des dos estagiários nela envolvidos, buscando, assim, compreendê-
-los para uma possível ampliação de perspectivas e de representa-
ções acerca do ensino de língua inglesa.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 214


Conforme expresso pelos licenciandos, essa ampliação parece
ter ocorrido, pois perceberam que

[...] além de ser possível elaborar uma sequência de aulas de língua inglesa que
corrobora com as propostas de letramento e as orientações das OCEM, esta
nova forma de ensino auxilia na evolução da capacidade crítica e cidadã dos
estudantes, os tornando agentes ativos na sociedade. Por isso, a necessidade
de o professor conhecer as novas teorias e a orientações presentes no docu-
mento oficial, como também realidade social de seus estudantes, para que,
assim, este trabalho ocorra de forma eficaz e efetiva (TF3).

Percebo, assim, a importância de o professor teorizar sobre sua


prática com base em seus conhecimentos sensíveis àquele contexto
local para a construção da própria prática. Isso porque os “proble-
mas”, as necessidades e as dúvidas são sempre localizados nos con-
textos específicos de cada sala de aula, não podendo ser entendidos
e resolvidos pela “aplicação correta” de métodos, propostas e solu-
ções construídos por especialistas distantes do contexto de atuação
do professor (KUMARAVADIVELU, 2001; LEFFA, 2012).
Por fim, no que diz respeito ao TF4, os licenciandos explicam que
a proposta de pesquisa elaborada foi verificar “como o trabalho com
textos multimodais, em aulas de língua inglesa, pode contribuir para
a desconstrução de visões estereotipadas e para o desenvolvimento
da cidadania participativa”. A motivação para tal pesquisa, conforme
expresso no TF4, veio de um episódio que ocorreu no primeiro dia do
período de observação, “em que um aluno ao ver uma estagiária ne-
gra, relacionou-a com a epidemia do ebola, em um comentário com
o colega, subentendendo que toda pessoa negra teria ebola9”10.
Assim como no TF1 e no TF2, os graduandos do TF4 utilizam algo
percebido no próprio espaço de sala de aula como norteador da

9 Na época, havia várias notícias nos telejornais a respeito do surto do vírus Ebola em alguns países
do continente africano.
10 O autor do presente capítulo foi um dos licenciados que desenvolveram a proposta mencionada.
Essa experiência de estágio resultou em um artigo publicado em periódico. Caso queira conferir, o
título do artigo é Letramento crítico e uso de imagens em aulas de língua inglesa: desconstruindo
estereótipos (BARROS; COSTA, 2017).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 215


pesquisa e, consequentemente, dos planejamentos das aulas. Nes-
se caso, ao identificarem um discurso preconceituoso em relação a
um dos estagiários que atuou na turma em questão, no primeiro dia
de observação, eles utilizaram o ocorrido como um recurso produtivo
para a construção de suas práticas.
Logo, ao invés de causar uma situação mais conflituosa e cons-
trangedora, que poderia causar afastamento e resistência desses
alunos durante as aulas que seriam ministradas durante o período
da regência, os professores-estagiários decidiram utilizar isso para
desenvolver uma pesquisa sobre como desconstruir visões estereoti-
padas nas aulas de língua inglesa. Dessa forma, as aulas orientadas
pela proposta de pesquisa possibilitaram que os respectivos alunos
dos estagiários refletissem sobre prejulgamentos que tinham como
base estereótipos e sobre as realidades representadas, entendendo-
-as como parciais e situadas (MENEZES DE SOUZA, 2011).

Refletindo sobre as pesquisas desenvolvidas pelos


professores-estagiários

De acordo com os fragmentos analisados, pode-se perceber


que o desenvolvimento das pesquisas empreendidas pelos estagiá-
rios teve como base suas experiências no campo de estágio ou seus
sentimentos de insegurança e de incerteza acerca da ideia planejar
aulas na perspectiva dos letramentos. Dessa forma, os graduandos
demonstram uma postura que vai ao encontro do que Kumarava-
divelu (2001; 2003) e Leffa (2012) discutem, ao fundamentarem tais
pesquisas e, por conseguinte, a construção de suas práticas, em co-
nhecimentos e experiências sensíveis ao contexto local de realização
do estágio.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 216


Nos fragmentos dos TF1, TF2 e TF4, os professores-estagiários uti-
lizam algum aspecto percebido na sala de aula em que atuariam,
para orientar o planejamento das aulas. Os licenciandos do TF1 iden-
tificaram uma dificuldade dos alunos da turma em que atuariam em
relação ao gênero notícia; os do TF2 utilizaram os problemas de par-
ticipação dos alunos, relacionando-os com as escolhas dos temas
das aulas; e os estagiários do TF4 utilizaram um episódio em que um
aluno faz um comentário preconceituoso em relação a uma estagiá-
ria. Dessa forma, o ponto de partida para o planejamento das aulas é
bem sensível ao contexto de atuação dos estagiários, isto é, o plane-
jamento não seguiu o que um livro didático apresenta ou o que algum
outro planejamento preestabelecido sugere que se aborde.
Nos fragmentos do TF3, percebo algo parecido com o que discuti
no parágrafo anterior, porém mais relacionado à insegurança dos li-
cenciandos. Com isso, o planejamento das aulas, além de abordar a
questão do racismo, algo presente na sociedade, e que, portanto, tem
relação com o contexto de atuação, os estagiários assumem uma
postura de experimentação, abordando temas que os colocam fora
da zona de conforto, fora das práticas tradicionais de ensino de lín-
guas inglesa, voltadas para a transmissão de estruturas gramaticais.
Sair da zona de conforto é uma característica que permeia as
quatro experiências analisadas, uma vez que elas são fundamen-
tadas em questões bem locais, relacionadas ao campo de atuação
(sala de aula) e aos estagiários, impossibilitando a busca de modelos,
métodos e planejamentos prontos, construídos por pessoas que não
atuam naquele contexto. Dessa forma, ressalta-se o caráter parcial e
situado do conhecimento e do seu processo de construção (cf. LOPES,
2013).
É nesse sentido que o componente curricular de estágio, men-
cionado anteriormente, busca(ou) preparar os licenciandos. Preparar

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 217


não no sentido de preenchê-los com modelos, técnicas, habilidades
etc., mas no sentido de possibilitar a compreensão de que não há mo-
delos. Por isso, a importância de desenvolver um perfil de pesquisa-
dor, para que o professor possa agir como designer, para que possa
construir sua prática em meio às incertezas, às diferenças e à hete-
rogeneidade que constituem os diferentes contextos de sala de aula.

Considerações finais

Neste capítulo, apresento parte dos resultados de uma pesqui-


sa documental (GIL, 2012; TEIXEIRA, 2005) de abordagem qualitativa
(CHIZZOTTI, 2013; SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009), intitulada Letramentos e
ensino de língua inglesa no estágio supervisionado do Ensino Mé-
dio (BARROS, 2017), com o intuito de discutir acerca da formação de
professores de língua inglesa na contemporaneidade, ressaltando a
importância do desenvolvimento de uma postura de professor pes-
quisador.
Diante do atual contexto sócio-histórico marcado pela incerteza,
diversidade, diferença, heterogeneidade e liquidez, a educação não
pode seguir apenas a lógica de uma configuração social anterior,
pautada pela certeza, pela completude, pelo preestabelecido, pela
homogeneidade, isto é, por uma perspectiva positivista. Dessa forma,
pensar na formação de professores na contemporaneidade implica
preparar esse profissional para a instabilidade.
Para isso, é importante a compreensão da natureza parcial e si-
tuada do conhecimento, e de sua construção e transformação, sendo
inviável pensar em educação como espaço para a reprodução de
determinados conhecimentos preestabelecidos, considerados como
certos, estáveis e padrão. Trazer essa linha de pensamento para a
prática docente, implica pensar a sala de aula não como um lugar

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 218


de reprodução, em seu sentido duplo: reprodução de modelos, méto-
dos, abordagens e planejamentos construídos por especialistas dis-
tantes da sala de aula em que se atua; e a reprodução, pelos alunos,
de conteúdos previamente selecionados por especialistas; mas como
espaço de design, isto é, um espaço de transformação, negociação e
construção para ambos, alunos e professores.
Por fim, saliento a importância de uma formação que valori-
za também os conhecimentos e os contextos locais dos alunos e do
profissional (estagiário, no caso investigado), para a construção e o
aprimoramento de uma prática docente sensível ao contexto local e,
portanto, nunca completa, pronta e estável, mas sempre em constru-
ção; sempre situacional, dependente de um contexto sócio-histórico
específico.

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LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 221


CAPÍTULO 10

O Ensino e aprendizagem de
línguas estrangeiras em Letras:
os saberes docentes e as
expectativas sobre identidades
de atuação

Rita de Cássia Souto Maior


Dara Raiza Melo de Souza

DOI: 10.52788/9786589932321.1-10
Introdução

Neste estudo refletimos, dentro do campo da Linguística Aplicada


(MOITA LOPES, 2006; FABRÍCIO, 2006), sobre a construção identitária
(MOITA LOPES, 2002; FABRÍCIO E MOITA LOPES, 2002; LUZ E SOUTO MAIOR,
2018) de graduandas/os que já atuam como docentes de Língua Es-
trangeira na Educação Básica, perguntando: quais são as expectati-
vas das/os estudantes de línguas estrangeiras do curso de Letras que
já atuam na profissão sobre o que é ser uma boa ou um bom docen-
te? Quais saberes docentes são acionados nos discursos dessas/es
colaboradoras/es? Que discursos envolventes estão imbricados nas
relações discursivas das respostas dadas? Em quais concepções de
ensino de aprendizagem de línguas estrangeiras se baseiam as prá-
ticas desses alunas/os em formação?
Quanto às constituições identitárias, mais especificamente, ob-
servamos as construções discursivas de sentidos que baseavam as
dimensões subjetivas dessas/es docentes em relação à representa-
ção de uma boa atuação profissional. Quanto às práticas de ensino
de línguas estrangeiras, problematizamos a concepção crítica dos
saberes docentes e a inscrição de Discursos Envolventes.
Nossa perspectiva de estudo e de análise é discursiva de base
bakhtiniana (BAKHTIN, 2003; BAKHTIN, 2010). A partir dessa base, con-
cebemos a língua como uma construção social que se dá a partir da
interação entre os sujeitos em contextos macro e micro sociais. Des-
tacamos que os sentidos que são enredados nas práticas sociais vão
estabelecendo algumas noções ou deslocamentos que assumem
um tom de verdade, os quais chamamos de Discursos Envolventes
(SOUTO MAIOR, 2009; SOUTO MAIOR, 2020; MOREIRA JR. E SOUTO MAIOR,
2020). Ainda no campo dos estudos discursivos, consideramos, com
Moita Lopes (2002), que é pelo discurso e no discurso que as pessoas
vão se constituindo e atuando identitariamente.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 223


Os estudos sobre as identidades sociais, a nosso ver, são funda-
mentais para um entendimento sobre a formação de professores e
sobre seus saberes docentes (TARDIF, 2014; SOUTO MAIOR, 2018), visto
que é pelos e nos sentidos que os sujeitos atuam na sociedade e que
é através dos sentidos que as/os docentes operam em suas ações
pedagógicas.
Nossa atuação metodológica de pesquisa foi de construção de
dados a partir da abordagem qualitativa (LÜDKE E ANDRÉ, 1986; CHIZ-
ZOTTI, 2001) de análise interpretativa e sócio-histórica (FREITAS, 2003)
em disciplinas de Estágio Supervisionado. Esses dados foram com-
postos na Pesquisa de Iniciação Científica, do ciclo 2018-2019, intitula-
da “As Interpretações da Ética Discursiva na formação de professores:
subjetividades e práticas de linguagem”, especificamente do traba-
lho individual Análise reflexiva das práticas linguístico-discursivas de
professores em formação na Faculdade de Letras.
Selecionamos, para esta análise, corpus inédito, composto por
interlocutoras/es que cumprissem os três seguintes critérios: que atu-
assem em escolas do ciclo básico, que estivessem matriculadas/os
em cursos de línguas estrangeiras na Faculdade e que aceitassem
participar do estudo. A construção do corpus ocorreu por intermédio
da aplicação de questionários, enviados por e-mail e recebidos pelo
mesmo meio digital. No estudo, trabalharemos com as respostas a
duas das questões de quatro colaboradoras/es, dois do curso de in-
glês e dois de espanhol, considerando o foco da discussão quanto
aos objetivos desta produção, conforme explicaremos mais adiante.
Para a discussão proposta, dividimos o capítulo em quatro par-
tes, além desta introdução. Na primeira, explanamos sobre a noção
de língua, discurso, discurso envolvente e identidade; na segunda,
discutimos sobre o ensino de línguas estrangeiras, saber docente e a
formação de professores; na terceira, apresentamos a metodologia
de pesquisa e de análise; e na última parte, a análise.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 224


Língua, Discurso e Discurso envolvente: como a linguagem
constitui as identidades

A perspectiva dialógica dos estudos da Linguagem (BAKHTIN, 2003;


BAKHTIN, 2010) nos possibilita a construção de reflexões pertinentes
para o que defendemos nesta pesquisa. Entendemos que a lingua-
gem constitui sentidos na arena discursiva estabelecida na cadeia
verbal, na perspectiva da alteridade do encontro do eu com o outro.
Bakhtin (2003, 2010) compreende a linguagem como um fenômeno
que se realiza na dinamicidade das práticas sociais e na sua concre-
tude. Para o filósofo da linguagem, a língua não pode estar desvincu-
lada do social, isto é, “a língua, no seu uso prático, é inseparável de seu
conteúdo ideológico e relativo à vida” (BAKHTIN, 2010, p. 99).
Desse modo, as narrativas, concepções de mundo, as interações
estabelecidas entre os sujeitos que ocorrem pelo/no discurso, para
Bakhtin (2003), são acontecimentos situados na história e contra-res-
postas ao mundo já vivenciado. Nesse sentido, em uma perspectiva
bakhtiniana da linguagem, “a palavra está sempre carregada de um
conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (BAKHTIN, 2010, p.
99)
Os sentidos estabelecidos ou deslocados tanto nos enredam em
significados que precisam ser compreendidos na rede de sentidos das
práticas sociais, como também funcionam como indício de subjetivi-
dades (SOUTO MAIOR, 2009; SOUTO MAIOR E LIMA, 2018) e antecipam a
compreensão ativa do mundo. O estudo desses discursos, que se re-
petem ou que nos ativa uma certa memória de um já dito, corrobora
com o entendimento de que há algo que se ajusta na organização de
um mundo que se quer preencher de sentido dado. A esse aspecto
damos o nome de discursos envolventes que

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 225


podem ainda ter uma perspectiva mais discursiva, ficando no campo do senti-
do apreendido pelo conjunto do texto, extraído como ideia geral do que foi ex-
plicitado concretamente; ou ter uma perspectiva, digamos assim, mais concre-
ta e situada no texto, como um segmento linguístico (um provérbio, um adágio
popular, uma frase de campanha midiática etc.) (MOREIRA JR. e SOUTO MAIOR,
2020, p. 128).

Destarte, os discursos envolventes são discursos produzidos em


sociedade e constituídos pelo já-dito, como adágios, frases sociais
fossilizadas etc. Ademais, são naturalizados e aceitos e reproduzidos
como verdades inquestionáveis (MOREIRA JR. E SOUTO MAIOR, 2020).
São dizeres como: “Deus ajuda a quem cedo madruga”, “Devagar se
vai ao longe”, “Homem é mais forte que a mulher” e outros. Esses dis-
cursos, discutidos no campo da Linguística Aplicada, possibilitam-nos
problematizar a construção do sentido do ensino de línguas estran-
geiras no valor social do ato, haja vista que entendemos que por meio
da linguagem vamos construindo respostas aos acontecimentos do
mundo. Estudar esses sentidos e desnaturalizá-los poderá auxiliar na
construção de uma sociedade mais envolvida com o bem comum.
Da mesma forma, esses discursos enredam as ações das pesso-
as e, dessa feita, enredam também a forma como agem e se veem no
mundo. Sendo assim, consideramos, com Coracini (2003, p. 203-204),
que

o sujeito é, assim, fruto de múltiplas identificações – imaginárias e/ou simbóli-


cas – com traços do outro que, como fios que se tecem e se entrecruzam para
formar outros fios, vão se entrelaçando e construindo a rede complexa e híbrida
do inconsciente e, portanto, da subjetividade

Logo, podemos compreender os discursos como uma construção


social (MOITA LOPES, 2002, p. 31), no contexto do pós-modernismo, em
que há uma grande instabilidade e fragmentação da nossa socieda-
de (HALL, 2014). E, nesse ínterim,

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 226


nossa fabricação identitária é um processo intersubjetivo, dialógico e relacio-
nal, pois os efeitos de sentido criados estão sempre submetidos ao olhar do
outro, sendo afetados pelo contexto emergente” (FABRÍCIO e MOITA LOPES, 2002,
p. 17).

Nessa construção, é o discurso que atravessando e constituindo


o contexto e o olhar do outro, pode ser analisado a fim de que tenha-
mos acesso aos sentidos de mundo instituídos. As identidades sociais
são constituídas por esses discursos que atravessam os indivíduos
em sociedade, não sendo fixas, mas sempre se alterando. Essas alte-
rações trazem certos padrões interativos, mesmo que flexíveis e em
contínuas reformulações, afinal “não existe princípio da identidade
desvinculado de uma prática coletiva e de determinado contexto so-
cial que lhe dê sentido e articule consequências convencionalizadas”
(FABRÍCIO e MOITA LOPES, 2002, p. 16).
Outrossim, Moita Lopes (2002, p. 62) afirma que “ao considerar-
mos as identidades sociais de nossos interlocutores ao nos engajar-
mos no discurso, estamos simultaneamente (re-)construindo as nos-
sas”.
Considerando o que apresentamos até então, entendemos que
identidade é um processo de significação de si dentro de uma rede
de construção de sentidos compartilhados por sujeitos que, através
do processo de alteridade, reconstroem espaços de ação no mundo.
No próximo tópico, discutiremos sobre o ensino de língua e os sa-
beres docentes.

O ensino de línguas e a construção de saberes docentes

Consideramos que a discussão sobre o ensino de línguas e sua


importância no desenvolvimento de uma sociedade mais articulada,
humanizada e crítica é fundante para a construção de políticas públi-
cas voltadas para a valorização da educação.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 227


Na perspectiva da linguística aplicada (MOITA LOPES, 2006; FABRÍ-
CIO, 2006), essas discussões promovem o engajamento dos estudos
acadêmicos que extrapolam a relação teoria e prática, onde a primei-
ra seria mais importante que a segunda ou ainda que promovem um
aspecto de desaprendizagem. Para Fabrício (2006), dentro de uma
visão da LA como prática problematizadora, a noção de desapredi-
zagem está estreitamente relacionada com a concepção de uma
sociedade contemporânea e movente. Em um mundo plural como
o nosso, Fabrício (2006) apresenta a desaprendizagem como possi-
bilidade de conhecimento de mundo contextualizado. Nesse sentido,
desaprender é questionar-se continuamente e é não se conformar ou
ficar em um estado de aceitação passiva diante do já conhecido, mas
“apoiando-se no conhecido, torná-lo outro e estranhá-lo, para ousar
ultrapassá-lo” (FABRÍCIO, 2006, p. 61).
As discussões sobre ensino e aprendizagem, no âmbito do curso
de licenciatura em Letras, necessita de contínua preocupação atre-
lada à formação docente, ou seja, de um questionamento contínuo.
Essa formação é uma dimensão também de fundamental importân-
cia considerando que nesse espaço se constroem a rede de sentidos
sobre o que pode ser ensinado, como deve ser ensinado e para que
se ensina aquilo que foi selecionado. Consideramos, por exemplo, que
“o ato supostamente simples de decodificar o texto de um panfleto
pode estar imbricado de mais ou menos dispositivos de envolvimento
do sujeito (de seus conhecimentos, de suas posições, de suas contra-
dições etc.)” (SOUTO MAIOR, 2020, p. 106).
Nesse sentido, observamos que esses conhecimentos que devem
ser acionados, posições que são ocupadas e contradições vivencia-
das compõem o contexto para e da formação de professores. Jun-
to a Celani e Magalhães (2002), compreendemos que o processo de
formação do docente “não está envolto apenas para a recepção e

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 228


transmissão de um conhecimento pronto, mas para sua construção
em contextos particulares.” (p. 320).
Nesse ínterim, Leffa (2008) destaca a importância em se focar no
objetivo do ensino. Este autor considera que é importante, para o bom
desenvolvimento da relação entre teoria e prática, buscar o objeti-
vo do ensino para que não haja a criação de um mundo paralelo ou
artificial. Ainda segundo esse autor, esse objetivo “nem sempre está
claro para o aluno, e muitas vezes nem para o professor” (LEFFA, 2008,
p. 140).
Esse abismo entre teoria e prática é reforçado, a nosso ver, nos
cursos de formação que ficam entre decidir em seus programas o
que é mais importante: aprender a língua ou as teorias de ensino que
estariam atreladas ao ensino dessa língua. Nesse sentido, considera-
mos ser importante: a. saber a língua, isto é, ter um bom domínio dos
conhecimentos linguísticos; b. ter conhecimento pedagógico relacio-
nado às teorias e metodologias de ensino; e c. desenvolver o senso de
autorreflexão sobre sua prática e sobre as metodologias disponíveis.
Sobre esse senso último, destacamos que ele favorece um movi-
mento de autonomia docente que pressupõe a compreensão de nos-
sas posições identitárias, disposição social, desejos, compreensões de
mundo. Esse movimento afeta também o modo que compreendemos
os outros e a maneira com que nos relacionamos com esses. É impor-
tante, para essa discussão, retomarmos os saberes como elementos
centrais da prática docente.
Os saberes docentes representam ideias que se acomodam em
expertises de campos diferentes. Para Tardif (2014), os saberes

de um professor são uma realidade social materializada através de uma for-


mação, de programas, de práticas coletivas, de disciplinas escolares, de uma
pedagogia institucionalizada, etc., e são também, ao mesmo tempo, os saberes
dele.” (p. 16, grifo do autor).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 229


Em resumo, o autor apresenta como saberes: os saberes da for-
mação profissional (também chamado de saber pedagógico); os
disciplinares; os curriculares; e os experienciais.
Os saberes pedagógicos apresentam-se como doutrinas ou
concepções “provenientes de reflexões sobre a prática educativa no
sentido amplo do termo, reflexões racionais e normativas que con-
duzem a sistemas mais ou menos coerentes de representação e de
orientação da atividade educativa.” (TARDIF, 2014, p. 37). Os discipli-
nares, ainda segundo Tardif (2014, p. 38), são aqueles saberes sociais
que, associados aos produzidos pelas ciências da educação e dos
saberes pedagógicos, são definidos pela instituição universitária. Os
curriculares são aqueles relacionados aos programas escolares que
se configuram por meio de objetivos, conteúdos, métodos, os quais
devem ser aprendidos e aplicados pelos/as docentes (TARDIF, 2014, p.
38). Os experienciais estão relacionados às experiências práticas do
professor, no trabalho cotidiano e no conhecimento do meio, segundo
ainda Tardif (2014, p. 39).
No entanto, ainda para este teórico, esse saber é “plural, com-
pósito, heterogêneo, porque envolve, no próprio exercício do traba-
lho, conhecimentos e um saber-fazer bastante diversos, provenientes
de fontes variadas e, provavelmente, de natureza diferente.” (TARDIF,
2014, p. 18)
A seguir, apresentaremos a metodologia e contexto de pesquisa.

Metodologia e Contexto de Pesquisa

A pesquisa está inserida nas pesquisas de perspectivas qualitati-


vas (LÜDKE E ANDRÉ, 1986; CHIZZOTTI, 2001), as quais entendem que há
especificidades nas Ciências Humanas e Sociais como o tratamen-
to interpretativo dos fatos estudados e a flexibilidade na discussão

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 230


teórico-metodológica. Na perspectiva qualitativa, o pesquisador tem
insights para construir conhecimentos sobre o contexto (FLICK, 2009).
Além do mais, nas ciências humanas e sociais, uma das visões me-
todológicas no que diz respeito à realização de pesquisa científica é
o interpretacionismo, que, conforme Oliveira (2008), é “o estudo do
homem, levando em conta que o ser humano não é passivo, mas sim
que interpreta o mundo em que vive continuamente”. Essa perspecti-
va histórico-cultural de análise

compreende o psiquismo constituído no social, num processo interativo, pos-


sibilitado pela/na linguagem. Esse paradigma “abre novas perspectivas para
o desenvolvimento de alternativas metodológicas que superem as dicotomias
externo/interno, social/individual” (FREITAS, 2003, p. 26).

Dentro da perspectiva qualitativa, realizamos uma análise inter-


pretativista dos discursos de graduandos/as de língua estrangeira do
curso de Letras de uma universidade pública federal da região nor-
deste do país, colaboradores/as nesta pesquisa. Em resumo, como
mencionado anteriormente, para compor o grupo de colaboradores/
as, esses/as discentes deveriam estar matriculados/as nas discipli-
nas de Estágio Supervisionado 3 e 4 (dos cursos de espanhol, francês,
ou inglês), já atuarem como profissionais docentes e aceitarem par-
ticipar do estudo.
Solicitamos as respostas por e-mail, considerando que a “pes-
quisa qualitativa online é uma área em crescimento, na qual algumas
abordagens qualitativas instituídas são transferidas e adaptadas”
(FLICK, 2009, p. 254). Pensamos que essas deveriam ser enviadas via
e-mail por uma questão de alcance e facilidade de acesso a todos/
as, e, dessa forma, poderíamos contribuir para uma maior eficiência
na aplicação e recebimento das respostas. Enviamos o questionário
a graduandas/os matriculadas/os. Destes, sete aceitaram participar
da pesquisa. Das/os que responderam ao questionário, 3 eram do
curso de Letras Português, 2 de Letras Inglês e 2 de Letras Espanhol

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 231


e nenhum do de francês. Salientamos que, por uma questão de fo-
calização para este texto, selecionamos apenas as respostas das/os
alunas/os dos cursos de línguas estrangeiras, considerando a relação
da constituição identitária com a dimensão de ensino de língua es-
trangeira, e as/os nomearemos de forma fictícia como: P1 - Edward,
P2 - Lola, P3 - Juan e P4 - Steven
Para elas/es, foram encaminhadas sete perguntas, a saber: 1) O
que é ensinar e aprender para você? Justifique sua resposta. 2) Como
você define ser professor na atualidade? Justifique sua resposta. 3)
Levando em consideração o processo de ensino-aprendizagem,
como seria uma boa aula para você? Por quê? 4) O que é ser um bom
professor para você? Justifique sua resposta. 5) O que você acha do
seu método de ensino? Por quê? 6) Descreva algumas características
que você considere essenciais para ser professor com a justificativa
da seleção. 7) Qual a concepção de língua que você assume como
professor? Por quê?
A fim de responder aos objetivos do estudo e devido ao espaço
desta produção, vamos analisar apenas as questões quatro e sete,
logo abaixo, pois nos possibilitaram conhecer as expectativas das/
os colaboradoras/es em relação à percepção dessas/es do que seria
um bom professor, a partir da análise dos discursos envolventes e das
concepções de saberes docentes, e vai possibilitar observar posicio-
namentos dessas/es egressas/os em formação sobre a concepção
de língua que consideram ter quando estão atuando.

Análise das compreensões de mundo:


formação docente em foco

Compreendemos, como já expomos, que o discurso é um ele-


mento fundamental das relações sociais, estabelecidas nas intera-
ções social-discursivas. Na pesquisa de análise discursiva no campo

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 232


da Linguística Aplicada, essas interações são observadas nos en-
contros ideológicos dos textos analisados, em contraposição com os
campos disciplinares que atravessam a pesquisa, o que, nesse caso,
é o da formação de professores, da análise de discurso bakhtiniana e
o do estudo das identidades sociais. Dividiremos este subitem em dois
blocos. No primeiro bloco, intitulado O que é ser um bom professor,
versaremos sobre expectativas das/os colaboradoras/es em função
da qualificação do que é ser uma boa professora ou um bom pro-
fessor. Apresentaremos, para isso, a análise discursiva das/os qua-
tro supracitadas/os, descrevendo os sentidos destacados no que é
apresentado por elas/es. No segund bloco, apresentaremos a análise
dos discursos a fim de que depreendamos concepções de língua que
subjazem as redes de sentidos dessas/es graduandas/os.

O que é ser um bom professor

Nesta primeira parte da análise, observaremos as respostas das/


os quatro colaboradoras/es sobre o que é ser um bom professor, en-
tendendo que isso pode nos proporcionar uma visão do desejo de ser
dessas/es profissionais, como dissemos.
Destacamos, no discurso abaixo, de P1, a preocupação com o que
nos parece ser o saber institucionalizado da prática profissional como
técnica. A Identidade docente é construída na relação com termos
como obrigações e saber sobre a área. Vejamos:

P1 - Edward: Um profissional que tenha compromisso com seu tra-


balho, cumpra suas obrigações de forma correta, que goste do
que faz, e que saiba bem da sua área.

O saber docente preponderante parece estar relacionado com o


saber experiencial, quando Edward apresenta uma série de elemen-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 233


tos que poderiam compor esse conhecimento. O colaborador cita
compromisso, obrigações, forma correta, o que nos remete ao discur-
so envolvente da normatização de condutas para o campo docente,
constituindo também uma construção identitária.
Como discurso envolvente, observamos o entendimento de que
se o trabalho é feito, tem que ser bem feito. Acrescentamos a isso o
entendimento de que o docente sabe o que faz e gosta do que faz e
essas características se assomam a essa construção identitária do
saber fazer. Nesse sentido, o ensino de língua estrangeira estaria sen-
do focalizado na performance desse docente.
Sigamos para a segunda análise a fim de vermos desdobramen-
tos dessa perspectiva:

P2 - Lola: Para mim, um bom professor é aquele que está pre-


ocupado com a formação continuada (para conhecer estudos
e práticas significativas), aquele que repensa constantemente a
prática, aquele que saber lidar com as novas tecnologias, aquele
que busca compreender a realidade dos alunos, entre outros as-
pectos.

Observamos que, na resposta acima, há um reforço discursivo


do saber disciplinar, ou seja, aquele proveniente dos conhecimentos
construídos nas instituições universitárias. Entendemos dessa forma,
especificamente, quando Lola remete às noções de formação conti-
nuada, estudos e práticas significativas e saber [...] novas tecnologias.
Como discurso envolvente, depreendemos a noção de necessidade
de conhecimento permanentemente renovado, resvalando para uma
constituição identitária permanentemente lacunar, o que de, cer-
ta forma, é complementado no discurso de Lola quando ela insere a
perspectiva discente como aspecto ativo para o trabalho docente. O
contraponto estabelecido pela necessidade de compreender a rea-
lidade dos alunos é um forte indício, a nosso ver, de uma perspectiva

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 234


docente “de construção a partir de”. Nessa construção, temos em tela
o conhecimento trazido pela/o docente que, ao mesmo tempo, busca
uma compreensão dos sujeitos envolvidos na aprendizagem. Nessa
esteira de reflexões, esses segmentos indicam uma perspectiva de
ensino e aprendizagem voltada para os conhecimentos curriculares
da própria formação em função do contexto discente. Em todo caso,
compreendemos que há perspectiva lacunar nessa formação, porque
os encontros sociais entre docente e discente possuem “determina-
dos padrões interativos, próprios dos gêneros presentes no ambiente,
mas também pode nos revelar a transitoriedade das mudanças de
papéis e de ações tão próprias dessa situação histórica cultural de
fluidez em que nos encontramos” (LUZ e SOUTO MAIOR, 2018, p. 277).
Essa visão de uma/um docente que funciona como suporte para
o conhecimento é perceptível no discurso de Juan, logo abaixo. Além
disso, e dialogando com as análises anteriores, nas respostas de Juan
e Steven, observamos saberes curriculares e pedagógicos novamen-
te acionados. Vejamos:

P3 - Juan: Ser um bom professor é ser capaz de oferecer o suporte


necessário para o desenvolvimento dos alunos, desde o suporte
de conhecimento da matéria até o emocional. Acredito nisso por-
que o aluno tem condições a ter acesso a muito conhecimento ,
o professor precisa mediar isso e não ser o centro das atenções.

P4 - Steven: É ministrar uma aula que cumpra com seus objetivos,


mas também está relacionado a cumprir uma função social, fa-
zer com que o aluno saiba aprender e consiga autonomia no que
se refere aos seus estudos, além de conseguir refletir e expressar
seus pensamentos.

Nas palavras de Juan, termos como “professor como suporte” é


bem representativo da noção identitária relacionada à base de de-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 235


senvolvimento do outro, o que se relaciona com o que Steven diz, já
que entende o bom professor como aquele que faz “com que o aluno
saiba aprender e consiga autonomia”. Observamos que o foco não é
fazer com que o aluno “saiba o conteúdo”, mas que “saiba aprender”.
Esse deslocamento provoca a compreensão do ensino e aprendiza-
gem de língua estrangeira como construção de conhecimento e for-
mação de uma identidade docente de intermediação.

Qual a concepção de língua

A seguir, e dando continuidade à análise, nos deteremos na


questão que busca depreender concepções de língua subjacentes
ao conhecimento adquirido e reproduzido discursivamente pelas/os
nossas/os colaboradoras/es. A fim de descrever um panorama dis-
cursivo das posições delas/es, apresentaremos, em bloco, as respos-
tas de Edward, Lola, Juan e Steven a seguir:

P1 - Edward: Como instrumento de interação e comunicação hu-


mana, especialmente crítica e de reflexão, já que pensamos lín-
gua e expressamos língua.

P2 - Lola: Assumo a concepção de língua que a entende como


meio de interação social, pois acredito que focar apenas em re-
gras gramaticais é um trabalho muito limitado tendo em vista as
diferentes práticas de uso da língua.

P3 - Juan: A língua deve ser acessível a todos. Porque acredito que


todas as pessoas tenham o direito de se fazerem entendidas em
qualquer idioma

P4 - Steven: Nunca havia pensado na necessidade de ter uma


concepção de língua para minha atuação como professor, mas
creio que a língua é interação, ela tem poder de abrir caminhos.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 236


Das/os quatro colaboradoras/es, chama-nos atenção que quase
todas/os, 75% tenha usado o termo “interação” em seu discurso.
Perguntamo-nos o que pode significar, na prática, esse uso no
discurso do estudante de Letras e em que esse entendimento pode
reverberar nos aspectos teóricos metodológicos das práticas das/os
professoras/es. Destacando o que Luz e Souto Maior (2018) trazem à
tona nas discussões sobre identidades e sobre como esses movimen-
tos de ser no mundo são estáveis e não estáveis ao mesmo tempo,
compreendemos que seja fundamental questionar nos cursos de li-
cenciatura em letras como essa perspectiva de interação se efetiva
na prática cotidiana de sala de aula, nas atividades propostas ou, ain-
da, na metodologia de avaliação dos estudos. Entendemos que, mui-
tas vezes, a/o discente compreende, teoricamente, correntes linguís-
ticas e as implicações dessas nas concepções de língua, no entanto
ainda sentem dificuldades de se reconhecerem atuando em uma ou
em outra corrente ou de relacionarem o bojo teórico de estudo com
a prática em sala de aula. Nos estudos de Luz e Souto Maior (2018, p.
276), as autoras dizem que

as transformações da sociedade/sentido também provocam a instituição de


novos construtos/sujeitos que estão relacionados a essas transformações, en-
contrando-se, por isso mesmo, atrelados a possíveis conotações e implicações
ideológicas de compreensão mais geral de mundo.

Sendo assim e retomando o que foi dito na citação acima, pode-


mos afirmar que uso deste termo pode indicar que discursivamente
há um Discurso Envolvente quanto à concepção de língua mais acei-
ta para compor as práticas desses/as docentes na academia dentro
da área.
Nesse sentido de interpretação, podemos ainda pensar que o
saber docente acionado é o de saber disciplinar, aquele acadêmico,
que também, de certa forma, relaciona-se com o saber pedagógico,

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 237


aquele das ciências da educação e da ideologia pedagógica, segun-
do Tardif (2014).
A constituição identitária docente, nesse sentido, pauta-se num
entendimento de língua esperada de certa forma do ensino na con-
temporaneidade, a do/a docente que privilegia a interação. Destaca-
mos, também, o estranhamento de um/a dos colaboradores/as que
diz “Nunca havia pensado na necessidade de ter uma concepção de
língua para minha atuação”. Independentemente de se pensar ou
não, quando atuamos, assumimos uma concepção de linguagem ou
mais de uma ao mesmo tempo.

Considerações finais

Com o estudo da interface entre linguagem, discurso e constru-


ção identitária docente, conduzimos nossos esforços à observação
dos discursos envolventes e de possíveis implicações desses discur-
sos para a compreensão sobre práticas de ensino e aprendizagem de
línguas estrangeiras, com enfoque nos saberes docentes.
Observamos, com a análise, que as expectativas das/os colabo-
radoras/es quanto ao ser uma boa ou bom docente estão atreladas
aos saberes curriculares e pedagógicos. Essas expectativas também
se relacionam predominantemente às construções identitárias des-
sas/es alunas/os de letras e com as concepções de linguagem mais
comum nos discursos, a de interação. Fizemos ressalvas acerca do
entendimento do que essa concepção significaria de fato na prática
de ensino das/os docentes de Letras. Perguntamos: como essas dis-
cussões se dão nas práticas observadas de ensino nos cursos? Como
ocorre a construção dessa concepção na construção de planeja-
mento de aulas, construção de produtos de ensino etc.?
Nesse sentido, talvez os currículos dos cursos de Letras pudes-
sem pensar na articulação sobre o saber experiencial dessas/es que

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 238


já se encontram em sala de aula, atuando da profissão, trazendo essa
experiência à tona nas aulas da academia, num movimento de ilus-
tração para análise e de autorreflexão. Essa ruptura com práticas vi-
gentes de reprodução de concepções poderia possibilitar reflexões
contínuas e significativas quanto as práticas docentes.
O processo de desaprendizagem, proposto por Fabrício (2014),
pode, nesses casos, promover uma reflexão sobre a engrenagem me-
todológica do ensino de línguas estrangeiras nos cursos de Licencia-
turas em Letras. Essas propostas podem revelar a importância de se
assumir claramente os objetivos de uma formação docente em LI.
Esse deslocamento proposto acima poderia, a nosso ver, reestru-
turar a formação docente diante de postura de ação pedagógico e
política com a atuação de docentes de línguas em formação.

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LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 241


CAPÍTULO 11

Um recorte da competência
linguístico-comunicativa de
futuros professores de espanhol
como língua estrangeira (ELE)

Thays Costa Lisboa de Sá


Ana Lúcia Rocha Silva

DOI: 10.52788/9786589932321.1-11
Primeiras palavras

Na formação inicial é comum o sentimento de insegurança dian-


te da iminência de encarar uma sala de aula durante o estágio su-
pervisionado. Neste momento surgem muitas dúvidas e inquietações
com as quais convive o futuro professor, que ainda não consegue di-
mensionar uma sala de aula real. Se considerarmos a complexidade
de ser professor de uma língua estrangeira (LE), o cenário torna-se
mais desafiador quando pensamos na dupla habilitação.
A profissionalização do professor apenas inicia quando já dis-
põe da certificação universitária. Ao sair da universidade, de posse de
uma dupla habilitação, o professor poderá atuar em diversas áreas,
uma vez que o Curso de Letras oferece um leque de possibilidades
nas quais poderá transitar o professor licenciado.
Ser formado em Letras oportuniza ao professor, na educação bá-
sica, ministrar disciplinas de gramática, língua estrangeira, literatura
e produção textual. Entendemos que, apesar de preferir uma ou ou-
tra disciplina, o professor precisará ser capaz de transitar por vários
campos dentro de sua área de formação. Às vezes, não é uma opção
ser apenas professor de literatura, por exemplo. Quando imaginamos
o ensino de uma língua estrangeira, o cenário parece mais complexo,
uma vez que além de dar conta da gramática, literatura e aspectos
culturais dessa língua, é necessária a capacidade de uso.
Elegemos a competência linguístico-comunicativa (CLC) como
objeto de investigação desta pesquisa1, tendo em vista que a capa-
cidade de usar a LE em contextos diversos e de posicionar-se em situ-
ações comunicativas, através da identificação de intencionalidades,
são alguns dos atributos de um professor de línguas, e aquilo que o

1 Recorte da dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em


2021.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 243


diferencia de outros professores. Diante disso, lançamos a seguinte
pergunta norteadora: considerando a formação inicial do professor
de espanhol e a CLC, o futuro professor sente-se capaz de usar a LE ao
término da graduação? Para responder a tal questionamento, nosso
objetivo geral é traçar o perfil linguístico-comunicativo do futuro pro-
fessor de espanhol como língua estrangeira (ELE).
Acreditamos que este estudo, por seu caráter social, ao oferecer
aos professores formadores, à universidade e ao mercado do traba-
lho, o perfil de professor que está sendo formado e que logo estará
atuando em sala de aula, pode fomentar discussões a respeito da
proficiência do professor de língua espanhola. Portanto, abrir espaço
para discutir a temática pode repercutir positivamente tanto no pro-
cesso de ensino e de aprendizagem da língua espanhola quanto na
formação de professores dessa língua.

Sobre a metodologia, os instrumentos e os sujeitos

Este estudo situado na área da Linguística Aplicada (LA) e inseri-


do no paradigma interpretativista busca analisar o objeto sob investi-
gação pelo olhar da pesquisadora e dos pesquisados. Segundo Moita
Lopes (1994), a pesquisa interpretativista é uma forma inovadora de
produzir conhecimento na área da Linguística Aplicada. Para o autor,
este tipo de pesquisa em LA é a “mais adequada para tratar dos fatos
com que o linguista aplicado se depara, além de ser mais enriquece-
dora por permitir revelar conhecimentos de natureza diferente devido
ao seu enfoque inovador” (p. 332). Nesse sentido, conseguimos co-
nhecer a formação inicial real, aquela que acontece dentro da aca-
demia e não a que está prevista em documentos oficiais.
Uma vez que a nossa pesquisa envolve atores sociais e que o nos-
so objeto, a CLC, está diretamente relacionado com a sua formação

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 244


enquanto futuro professor de LE, adotamos a abordagem qualitativa
por entender que “há uma relação dinâmica entre o mundo real e o
sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto” (CHIZ-
ZOTI, 2000, p. 79). Convém destacar ainda a subjetividade do sujeito
da pesquisa que “é parte integrante do processo de conhecimento
que interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado” (CHIZ-
ZOTI, 2000, p. 79).
Assim, ao ceder espaço à “pluralidade de vozes em ação no mun-
do social” (MOITA LOPES, 1994, p. 331), procuramos ouvir os participan-
tes da pesquisa de modo a recuperar informações que pudessem dar
conta de responder à questão norteadora e alcançar o objetivo pro-
posto. Desta forma, “não é possível ignorar a visão dos participantes
do mundo social caso se pretenda investigá-lo, já que é esta que o
determina: o mundo social é tomado como existindo na dependência
do homem” (MOITA LOPES, 1994, p. 331). Portanto, as crenças dos par-
ticipantes também foram consideradas, uma vez que nos auxiliaram
na investigação do fenômeno.
Salientamos que a escolha dos sujeitos foi aleatória, tendo como
único critério a disposição para participar da pesquisa. Assim, tive-
mos a colaboração de quatro informantes2, estudantes do Curso de
Letras de uma universidade pública maranhense: Alejandro (infor-
mante 1), Laura (informante 2), Leopoldina (informante 3) e Teobaldo
(informante 4). Desconsiderando o estágio supervisionado do ensino
fundamental, apenas um possuía experiência profissional na área de
Letras - dado levantado no momento da entrevista padronizada.
O corpus desta pesquisa é composto por quatro entrevistas pa-
dronizadas, quatro autoavaliações e quatro testes reduzidos de pro-
ficiência. A exceção dos testes de proficiência, todos os dados foram
coletados na própria universidade, tendo em vista a disponibilidade

2 Os nomes são fictícios e foram escolhidos pelos informantes

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 245


dos informantes. As entrevistas, gravadas em áudio, duraram vinte
minutos e posteriormente foram transcritas.
I) Entrevista padronizada
Foram vinte três perguntas que trataram de inúmeros aspectos
da formação e da relação estabelecida com o idioma espanhol. Atra-
vés delas buscamos recuperar algumas concepções do que signifi-
cava ser um professor de espanhol e as nuances da formação inicial.
Agrupamos as respostas de cada informante e posteriormente as
analisamos de modo geral.
II) Autoavaliação
A autoavaliação foi retirada do Quadro Europeu Comum de refe-
rências para o ensino de línguas que descreve as habilidades de uma
língua e é reconhecido internacionalmente. Qualquer pessoa pode fa-
zer a autoavaliação, que está disponível na internet. Este instrumento
permitiu ao sujeito da pesquisa se colocar diante de sua própria ima-
gem quanto à proficiência na língua de sua habilitação. A autoavalia-
ção indicou que teste de proficiência seria aplicado. Assim, Alejandro
e Laura fizeram o teste A2 (utilizador elementar), Leopoldina fez o B1
(utilizador independente) e Teobaldo, o B2 (utilizador independente).
III) Teste reduzido de proficiência (DELE)
O Diploma de Espanhol como Língua Estrangeira (DELE) é um exa-
me que mede a proficiência do participante por meio de tarefas e está
alinhado ao Quadro Europeu Comum. O certificado é emitido pelo Mi-
nistério da Educação da Espanha e a prova é aplicada em um centro
credenciado no Brasil. Qualquer pessoa, mediante pagamento, pode
submeter-se ao teste.
O teste de proficiência para a composição do nosso corpus foi
reduzido, pois nós não aplicamos todas as tarefas previstas para as
quatro habilidades. Optamos pelo recorte porque, além de ser um
teste longo e exaustivo, o corpus ficaria muito extenso. Além disso, a
aplicação dos testes não visava fornecer uma certificação.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 246


A competência linguístico-comunicativa

As competências do professor de LE foram inicialmente propostas


por Almeida Filho (2002) e desencadearam inúmeras pesquisas no
âmbito do ensino de línguas e formação de professores. São cinco as
competências que configuram o perfil do professor de LE, quais sejam:
a competência implícita (CI), a competência linguístico-comunicati-
va (CLC), a competência teórica (CT), a competência aplicada (CA)
e a competência profissional (CP). O nível de competências do pro-
fessor interfere diretamente em sua abordagem de ensinar. Ademais,

(...) são necessárias para um desempenho produtivo do professor de língua e


constituem-se pela reflexão, afecção emocional e pelo contexto do indivíduo. É
também a partir delas que se torna possível efetivar o que, na OGF, se denomi-
na (as quatro) materialidades (...): o planejamento do curso, a elaboração ou
escolha de materiais, a concretização de experiências formadoras e a avalia-
ção do progresso na formação (SILVA & CARIA FILHO, 2016, p. 37).

Desta forma, ponderamos que o estudo das competências é in-


dispensável para que se iluminem práticas muitas vezes enrijecidas
por anos de experiência, ao mesmo tempo em que repensamos as
que já estão em curso. Além disso, “a análise de abordagem e com-
petências de professores (...) pode permitir-nos começar a pensar o
processo de formação de uma perspectiva diferente (...)” (ALMEIDA FI-
LHO, 2018, p. 19).
Segundo Cardoso (2018, p. 195), “[o]s caminhos do ensino de lín-
gua estrangeira divergem e podem ser percorridos conforme as com-
petências dos professores”, isto é, a forma que o ensino de línguas é
conduzido pelo professor de LE está condicionada ao grau de desen-
volvimento das competências, desta forma, existem inúmeras manei-
ras de ensinar uma LE e a qualidade deste ensino será determinada
pelo nível das competências. Assim, pode ocorrer que, na ausência de
todas as competências, o professor atuará movido, principalmente,

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 247


pela competência implícita (crenças e intuições), porque a adquiri-
mos muito antes da formação inicial.
Para Consolo (2007, p. 165), “o perfil de professores de língua es-
trangeira (LE) considerado capaz de desempenhar seu trabalho de
maneira adequada e satisfatória pressupõe uma configuração de di-
versas competências”, pois estamos passíveis de avaliações. Segun-
do ele,

(...) somos avaliados, formal ou informalmente, em nossa vida diária, por aque-
les que convivem conosco, e mais criteriosamente nas ocasiões em que preci-
samos comprovar nossa competência para assumir determinadas funções so-
ciais e profissionais. Não seria, portanto, diferente, para aqueles que desejam se
inserir no mercado de trabalho como professores de LE (CONSOLO, 2007, p. 167).

O mercado de trabalho, como evidenciado anteriormente, enten-


de que o profissional formado em Letras está habilitado para atuar
em várias áreas. Assim, subentende-se que o professor poderá lecio-
nar disciplinas como as de literatura, produção de texto, LE, gramática,
por exemplo. No entanto, na prática, a realidade é bem diferente. Não
queremos com isto pressupor que o professor deve dominar todo o
conhecimento da área das Letras, mas que ele que seja encorajado a
ministrar diferentes disciplinas.
Apesar de o professor se identificar ou gostar mais de literatura,
em seu diploma não constará “professor de literatura”, mas “licen-
ciado em Letras”. Daí a importância de formar o futuro professor mi-
nimamente nas áreas em que estará autorizado a atuar. Quanto à
LE, defendemos que o estudante de Letras deve sair da universidade
com, no mínimo, três competências: a implícita (com traços mais so-
fisticados), a linguístico-comunicativa (plenamente desenvolvida ou
com grande potencial) e a teórica (em constante evolução).
Entendemos que a competência linguístico-comunicativa é a
responsável por diferenciar o professor de LE dos demais professores.
Falar a língua deveria ser uma característica inerente ao professor de

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 248


LE. Produzir linguagem por meio da LE, ao mesmo tempo em que serve
de parâmetro para o aprendiz, deve ser um atributo daquele que se
dispõe a ensinar uma LE, seja no contexto da educação básica, seja
na educação de nível superior.
Almeida Filho (2002, p. 20), concebe a competência linguístico-
-comunicativa como a capacidade de “operar em situações de uso
da L-alvo”, ou seja, “a língua que se sabe e se pode usar” (2009, p.
94). Provido por esta competência, o professor de LE pode estimu-
lar a aquisição da LE de seus alunos, bem como ser (talvez) a única
fonte de referência a que tem acesso o aprendiz. Segundo Alvaren-
ga (2005), “a competência linguístico-comunicativa permite que o
professor produza sentidos na língua-alvo via experiências válidas de
comunicação” (p.113), sendo, portanto, alcançada em contextos cujo
foco não é a forma, os aspectos gramaticais da língua.
Alvarenga (2005, p. 224-225) questiona qual a função do profes-
sor de LE em sala de aula “se [...] não possui competência suficiente
na língua que ensina [...]”? Este questionamento evidencia que falar
a língua-alvo é inerente ao professor de LE e que o não uso da língua
despersonaliza este profissional.
Tal despersonalização deveria provocar perplexidade, no entan-
to, o que vemos é uma certa naturalização do fato de que professo-
res habilitados deixam os cursos de Letras com uma precária CLC.
Propomos outra indagação: é concebível que professores certificados
apresentem um nível de CLC insuficiente após passarem, no mínimo,
quatro anos e meio em um curso de formação de professores de LE?
Reconhecemos o quanto é complexo o processo de formar apren-
dizes capazes de manejar a língua-alvo. O uso da LE pelo professor
não deve ser encarado como um diferencial, mas como um requisi-
to mínimo exigido para o exercício da profissão. Conforme apontado
por Almeida Filho (2002), a competência linguístico-comunicativa e a
competência implícita são as mais básicas, assim, para autoprocla-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 249


mar-se um professor de LE é preciso tais conhecimentos. De acordo
com Teixeira da Silva,

A competência linguístico-comunicativa está entre as mais discutidas. E não


poderia ser diferente. Afinal, para atuar como modelo linguístico e encorajar e
engajar-se na interação verbal com os alunos na L-alvo (...), a competência lin-
guístico-comunicativa constitui, efetivamente, um dos requisitos na definição
do perfil profissional do professor de LE (2007, p. 246).

No entanto, apesar de muito discutida, Abrahão (2005) asseve-


ra que há “ausência de trabalho voltado para o aprimoramento da
competência linguístico-comunicativa do professor”, desta maneira,
“de nada adianta investir nas competências aplicada (teórica) e pro-
fissional do professor, se o mesmo não possui a ferramenta básica
para o ensino que é a própria língua-alvo” (ABRAHÃO, 2005, p. 46).
Acreditamos que trazer à tona esta temática é importante para
desencorajar posicionamentos que encaram a ausência de CLC com
naturalidade. Investir na autoqualificação e estar disposto a avançar
no aperfeiçoamento profissional é quase inútil se a competência para
uso for negligenciada, tendo em vista que esta capacidade é a menor
das exigências. Sem contar que a ausência da CLC ou uma CLC pre-
cária despersonaliza a imagem do professor.
Ao nosso ver, um professor de LE que não sabe a língua que ensi-
na pode ser comparado ao professor que aceita ministrar uma disci-
plina para a qual não está habilitado apenas para fechar sua carga
horária. No entanto, há um agravante: o fato de que (teoricamente)
o professor de LE recebeu subsídios para desempenhar a função. Por
mais absurda que seja esta situação, não é incomum. De fato, por
uma questão de conveniência (do estado, da escola, do professor ou
por assédio), há muitos professores que lecionam disciplinas que não
mantêm nenhuma afinidade com a sua formação de origem.
Comenta Barçante que

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 250


Embora ainda não estudado e publicado, há um nível de competência linguís-
tica e comunicativa exigido não somente pela sociedade como pelo próprio
professor, um nível que o capacitaria a dar aula, a ler um artigo, a assistir um
filme, a talvez a receber um estrangeiro na escola (2018, p 221).

Tendo isto em vista, há autores que defendem a implantação de


um exame avaliativo (EPPLE)3 nos cursos de formação de professores.
Consolo e Teixeira da Silva (2014) justificam a necessidade de se ava-
liar a proficiência linguístico-comunicativa-pedagógica de professo-
res de LE a fim de que os objetivos e a metodologia empregados no
ensino de línguas na academia sejam repensados. Os pesquisadores
apresentam um instrumento que pode auxiliar na avaliação da CLC,
pois acreditam que a “proficiência linguística ocupa papel essencial
no perfil profissional do professor de língua estrangeira” (p.64).
Para Consolo (2000, p. 63 ), a CLC é uma característica essencial
do professor de LE para que ele possa desempenhar duas funções em
sala de aula: (I) “atuar como modelo linguístico, e assim, colaborar,
por meio de sua fala, no processo de geração de insumo adequado
à aquisição da L-alvo pelos alunos” e (II) “encorajar e engajar-se na
interação verbal com os alunos na L-alvo, contribuindo assim para o
processo de desenvolvimento oral dos aprendizes”.
Isto é, usar a língua de modo propositado é indispensável ao pro-
fessor de LE. O uso da língua em uma sala de aula que pretende ser
comunicativa não é facultativo, é um pré-requisito. Interagir através
do código com os alunos é um indício de que há uma tentativa de
implantação da abordagem comunicativa. Desta forma, “não se trata
de comunicativizar todo um arsenal de conteúdos e técnicas que tí-
nhamos disponíveis” e “(...) manter a mesma essência na prática pro-
fissional” (ALMEIDA FILHO, 2009, p. 87). Neste sentido, não basta apenas
se autoproclamar um professor comunicativo e conservar velhos há-

3 Exame de Proficiência para Professores de Línguas Estrangeiras

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 251


bitos.
Para ser um professor comunicativo é preciso, antes de tudo, es-
tar disposto a repensar a própria prática e reconhecer que a aborda-
gem comunicativa pode ressignificar o ensino de línguas ao oportu-
nizar a autonomia linguística do aluno. O ser comunicativo não é um
acessório pedagógico ou instrumento, mas um atributo que guarda
um grande potencial no processo de formação de aprendizes oral-
mente competentes. O professor comunicativo precisa ter em vista os
aspectos do ensino comunicativo.
Para Almeida Filho (2009), o processo de ensino e aprendizagem
de uma língua estrangeira é complexo porque envolve uma série de
elementos que atuam sobre ele, dentre os quais a formação ade-
quada do professor é apenas um. Contempla tanto fatores externos
quanto internos, os quais influenciam na maneira que cada aprendiz
se apropria da nova língua.
Segundo Almeida Filho (2009, p. 18), “[n]a ausência de auxílio pro-
fissional [...] bem-informado, podem ocorrer distorções [...] cujo efeito
pode ser o aumento da dificuldade em aprender, debilidade nos re-
sultados, frustração geral. A condição de despreparo e desorientação
não é absolutamente rara”. Assim, o êxito da aprendizagem é resul-
tado também da qualificação do professor e de seu potencial. Não
basta uma rica bagagem teórica, mas também a habilidade de dar
vida ao conhecimento para que o aspirante a usuário da língua seja
propriamente um usuário da língua.
Almeida Filho (2009, p. 21) entende que “[p]ara a grande maioria
dos alunos de LE na escola formal, [...] a sala de aula é o único cená-
rio onde se dá o ensino e a produção da língua-alvo”. Deste modo, o
aprendiz tem o professor como sua principal fonte de referência, e a
sala de aula, o único lugar, em que tem a oportunidade de vivenciar a
língua estrangeira, de conhecer seu funcionamento e dinâmica, bem
como de transitar por diferentes culturas. Daí que a experiência de

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 252


aprender uma outra língua deve ser de fato significativa. Desta forma,
nos parece claro que quanto mais bem formado for o professor mais
chances de êxito ele terá.

A língua espanhola e a formação do professor

Oficialmente, o ensino do espanhol no Brasil foi implantado gra-


ças à Lei de número 11.161/ 2005, que ficou conhecida como a Lei do es-
panhol, no entanto, de acordo com Barros e Marins-Costa (2019), nas
décadas de 80 e 90 já havia uma tímida presença da língua nas es-
truturas curriculares. Os autores apontam que o idioma ganhou maior
notoriedade quando os professores da disciplina começaram a ter
uma consciência de classe por meio das associações de professores.
Com efeito, o idioma apenas foi legitimado pela força de lei, mas
sua existência é anterior a ela. De acordo com Barros e Marins-Cos-
ta (2019), os Parâmetros curriculares nacionais (PCN) de 1998 deram
novos contornos ao ensino do espanhol, cujo prestígio alcançou os
âmbitos educacional e a academia. Os autores assinalam que os res-
ponsáveis pela produção de materiais didáticos também acompa-
nharam o crescimento da língua, e na academia, mais reflexões sobre
o espanhol contribuíram para o fortalecimento do idioma. Assim, cur-
sos de licenciatura e concursos ganharam força no país.
Recentemente, com a Lei nº 13.415 ou a Lei do Novo Ensino Mé-
dio, aprovada em 2017, a língua espanhola sofreu um duro golpe e foi
retirada da estrutura curricular, tornando-se optativa na educação
básica. Esta medida afeta todos os níveis da educação no país. Cer-
tamente, teremos repercussões negativas, tais como: a baixa procura
pela língua espanhola nos cursos de graduação, redução dos postos
de emprego de professores de espanhol, o remanejamento do pro-
fessor de espanhol para outra disciplina, falta de estímulo para lecio-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 253


nar, entre outros.
Concebemos a formação de um professor como um processo
extremamente complexo, pois envolve, para além da ação de apren-
der e de ensinar, o ato de relacionar-se com pessoas essencialmente
diferentes entre si, portanto, a confrontação de subjetividades é inevi-
tável. Com estas breves explanações sobre a profissão, assinalamos
que todo esse mundo, que engloba a formação do professor e, em
especial, o de línguas, não caberia neste trabalho.
Sabemos que ao limitar esta pesquisa a apenas uma caracterís-
tica de uma profissão tão complexa quanto a de professor, corremos
o risco de cair no reducionismo, no entanto, o recorte é necessário.
Convém esclarecer ainda que não consideramos a CLC o requisito
mais importante ou suficiente para exercer a profissão de professor
de línguas estrangeiras, seja na educação básica, cursos de idiomas
ou graduação; ao contrário, acreditamos que dispor da CLC é um pré-
-requisito básico, que somado a outros, ajudará o professor a formar
aprendizes competentes na língua que se quer ensinar/aprender.
Quanto à formação inicial do professor de espanhol, Carvalho
(2011, p. 698) menciona que “muitos alunos de Letras/Espanhol apre-
sentam, mesmo nos estágios mais avançados, dificuldades rela-
cionadas ao domínio efetivo do idioma, (...) dificuldades quanto ao
desenvolvimento da habilidade linguístico-comunicativa”. A referida
autora acredita que o estudante de Letras, nos últimos períodos do
curso, já deve apresentar competência comunicativa na língua de
sua habilitação e atribui as dificuldades do futuro professor à sua ina-
dequada formação durante a licenciatura.

Evidentemente, cursar uma licenciatura em Letras extrapola o sa-


ber falar uma LE, mas entendemos que esta habilidade não pode ser
negligenciada. Concordamos com a ideia de que o curso de Letras

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 254


não pode ser confundido com “os cursos livres, cuja função é tornar
seus alunos proficientes na língua estrangeira” (FREITAS, 2012, p. 190),
no entanto, divergimos sobre a questão da proficiência. Para nós re-
cai sobre os cursos de formação e sobre os professores formadores a
responsabilidade de também formar aprendizes oralmente compe-
tentes na língua da habilitação.
Barcelos (2016) acredita que a não exigência de proficiência para
lecionar a língua estrangeira em escolas públicas brasileiras pode ex-
plicar as limitações da competência comunicativa dos professores,
pois, uma vez que não são cobrados, não usarão o idioma. Segundo
Fernández (2005), a precariedade do ensino do idioma espanhol na
educação pública brasileira acaba levando o aprendiz a buscar a lín-
gua no sistema privado, que também deixa a desejar. A respeito da
escola particular, Fernandéz (2005) destaca que o professor, muitas
vezes, não está minimamente qualificado para exercer a profissão.
Acreditamos que dominar o idioma pode motivar o professor a
lecioná-lo, portanto, “precisamos fortalecer a autoestima dos profes-
sores por meio de uma formação adequada que, por sua vez, fortale-
cerá a dos alunos, construindo um novo modo de aprender/ensinar”
(FERNÁNDEZ, 2005, p. 101). Entendemos que há uma relação de afetivi-
dade entre língua e aprendiz, cujo vínculo estabelecido determinará
como será esta relação, se de amor ou de ódio. Ora, se o aprendiz se
sente seguro, se possui autoconfiança, se consegue expressar pon-
tos de vista a respeito de um fato ou de emoções, usando para isso o
espanhol, ele se sentirá encorajado a falar essa língua em contextos
diversos. Estamos de acordo com Goettenauer (2005) ao afirmar que

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 255


Ninguém estuda uma língua diferente da sua somente para pedir uma infor-
mação num aeroporto, solicitar serviços num restaurante (...). Entretanto, a co-
municação não se restringe a uma sequência de perguntas e respostas, pois
entabular um diálogo com começo, meio e fim é somente o início de um pro-
cesso de interação (...). (p. 69).

Assim, entendemos que o curso de Letras, para além de formar


professores críticos, reflexivos, autônomos, conhecedores da cultura
e da literatura, não apenas da língua materna, mas também estran-
geira, tem a responsabilidade de formar professores proficientes na
língua de sua habilitação.

É preciso que os professores e os cursos de formação (com ações mais exigen-


tes, com provas de níveis de proficiência linguística ao final do curso) realmente
tomem iniciativas que levem a professora a praticar e usar a língua. Os profes-
sores precisam ver os benefícios pessoais e profissionais de falar a língua, de
ousar, de se tornarem um modelo (BARCELOS, 2016, p. 47).

Entendemos que há um silenciamento em torno da competência


linguístico-comunicativa do professor em formação inicial e continu-
ada. É comum depararmo-nos com professores desprovidos dessa
competência, que lecionam a LE por meio da língua materna, porque
não sabem a língua da habilitação. Acreditamos que este silencia-
mento é o que alimenta a naturalização da incompetência linguística
entre os professores em serviço e em pré-serviço, pois “[a]ssume-se
que professores já são proficientes na língua, e é o que deveria acon-
tecer” (BARCELOS, 2016, p. 39).

O que revelam os dados

Nesta sessão, trazemos a análise geral dos dados gerados du-


rante a pesquisa. Convém mencionar que realizamos entrevistas, au-
toavaliações e testes reduzidos de proficiência.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 256


Considerando a tarefa de expressão oral do teste de proficiência,
vemos que Alejandro é um utilizador elementar (A1) da língua espa-
nhola, tendo em vista o seu desempenho no exame. Convém ressaltar
que o próprio informante, em sua autoavaliação, reconhece sua limi-
tação quanto à habilidade de produzir textos oralmente. Com efei-
to, percebemos que o discurso produzido por Alejandro é construído
por um vocabulário bastante elementar, que se assemelha ao de um
aprendiz que apenas começou a estudar a língua espanhola. Além
disso, fica evidente sua tensão ao tentar pronunciar as palavras, ao
buscar na memória o significado para uma expressão. É um discurso
que não flui, pois a sua preocupação maior é pronunciar corretamen-
te as palavras. É provável que sem o auxílio das questões na tarefa,
Alejandro produziria um discurso ainda mais truncado.
Convém assinalar que Alejandro, na entrevista, considerava a lín-
gua espanhola fácil de aprender, pois não exigia muito. Ele também
revelou que por conta de seu baixo nível de conhecimento na língua
espanhola não conseguia se imaginar lecionando a disciplina espa-
nhol. Para ele, não saber a língua o impede de ser professor. Alejandro
destacou que a sua principal dificuldade tem a ver com a comunica-
ção, fato que observamos no teste.
No que diz respeito a entrevistada Laura, na tarefa de expressão
oral do teste, ela também é considerada uma utilizadora elementar
(A1) da língua espanhola e ela própria reconhece suas limitações na
autoavaliação. É interessante destacar que esta informante nos cha-
mou bastante atenção por ter transitado em vários níveis e subníveis.
Apesar da oscilação na autoavaliação, notamos, com o teste, o quan-
to ela consegue se expressar oralmente na língua espanhola. Convém
acrescentar que Laura, a única que realizou o teste presencialmente,
pediu para repetir a tarefa duas ou três vezes por não se sentir segura
ao falar a língua espanhola.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 257


Diferente de Alejandro, Laura parece ter um repertório vocabular
um pouco maior, mas o discurso produzido não apresenta fluidez. Ela
não comete erros de ditongação, por exemplo, assim como Alejandro,
mas as longas pausas demonstram a necessidade de ampliar seu
repertório, conforme observamos na tarefa escrita do teste.
Em relação à área de atuação, Laura não pretende exercer a pro-
fissão porque não se sente preparada para ministrar a disciplina es-
panhol. Para ela, a sua competência comunicativa deveria ter sido
adquirida durante a graduação, mas o foco na gramática não permi-
tiu experienciar a língua espanhola. Deste modo, vemos que o teste e
a autoavaliação confirmam o seu entendimento sobre a sua CLC.
Já Leopoldina também é uma utilizadora elementar da língua
espanhola. Embora tenha indicado em sua autoavaliação o nível B1
na produção oral, o teste indicou o nível A2. Neste caso, percebemos
que a informante julga ter um nível de proficiência na língua espa-
nhola que de fato ainda não possui, uma vez que o discurso produzi-
do, apesar de mais elaborado que os demais, não se desenrola com
espontaneidade. A produção oral de Leopoldina vai um pouco além
da produção de Alejandro e Laura, pois ela traz para o texto constru-
ções mais sofisticadas, no entanto, percebemos certa limitação em
seu vocabulário. Na tarefa escrita também observamos limitação de
vocabulário.
Quanto à profissão, Leopoldina também não pretende ser profes-
sora de espanhol por não saber falar o idioma. Cabe destacar que, na
entrevista, apesar de ter informado que não se sentia apta a falar a
língua espanhola, na autoavaliação, ela se considerou uma utilizado-
ra independente (B1). Nos casos de Leopoldina e Alejandro, imaginá-
vamos que eles teriam um desempenho superior por terem realizado
o teste em casa, com tempo suficiente para elaborar e planejar o dis-
curso. Assim, vemos que Alejandro, Laura e Leopoldina produziram um
discurso mecanizado, com a artificialidade de um texto memorizado.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 258


Observamos que Teobaldo se apresenta como um utilizador in-
dependente da língua espanhola (B2), tendo em vista o resultado do
teste. Em sua autoavaliação, ele próprio também se considera neste
nível. Destacamos que o informante demonstra bastante autonomia
e desenvoltura linguística, pois consegue construir um discurso bem
elaborado e concatenado. Além disso, vemos que Teobaldo demons-
tra bastante confiança ao usar a língua espanhola, de modo que o
faz com naturalidade. Percebemos com isso que ele possui um amplo
vocabulário, e a tarefa escrita comprova este fato.
Teobaldo não aponta dificuldade na habilidade oral porque é o
único na entrevista que afirma ter um conhecimento suficiente sobre
a língua para lecionar. De fato, após aplicação do teste foi o único
que julgamos ter um nível de proficiência satisfatório para quem está
prestes a deixar a universidade e foi o único também que se sente
preparado para ser professor de espanhol. Assim, não coincidente-
mente, foi o único que pretende lecionar a língua. Isto quer dizer que o
domínio oral é fundamental para exercer a profissão.
Todos os informantes relataram que, durante a graduação, a ha-
bilidade mais desenvolvida foi a de leitura, sendo a habilidade oral
colocada em segundo plano. Na análise da autoavaliação e do teste,
constatamos que os informantes conseguiram desenvolver bem as
tarefas de leitura e de interpretação. Além disso, eles acreditavam que
deveriam ter adquirido competência comunicativa durante o curso,
o que não foi possível por conta do foco na gramática e das escas-
sas oportunidades de interagir em sala de aula. Com a aplicação dos
testes, observamos que Alejandro, Laura e Leopoldina apresentaram
dificuldades na produção oral, inclusive, foram os mesmos que afir-
maram não estar aptos a falar o idioma.
Constatamos que o futuro professor, sujeito desta pesquisa, se
sente inseguro para falar por meio da língua espanhola ao término

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 259


da graduação. Sendo assim, após as análises, concluímos que o perfil
linguístico-comunicativo do futuro professor de espanhol como lín-
gua estrangeira é predominantemente elementar. O nível encontrado
diverge daquele previsto no Projeto Pedagógico, uma vez que a pre-
tensão era formar professores com nível intermediário de competên-
cia comunicativa.
Entendemos que a baixa carga horária da língua espanhola no
currículo do Curso de Letras, constatada tanto na análise do Projeto
Pedagógico (PP) quanto na fala de Leopoldina, pode justificar o perfil
elementar de competência linguístico-comunicativa. Ademais, ob-
servamos que há uma supervalorização da leitura em detrimento da
oralidade, e que, apesar de o documento preconizar o domínio oral
da língua estrangeira, o perfil encontrado não condiz com o previsto
no PP.
Sendo assim, vemos que a insuficiente competência comunicati-
va tem duas implicações: a primeira é que o futuro professor deixará
a universidade com baixa capacidade de produção oral na língua de
sua habilitação, portanto, não poderá oferecer ao seu aluno amostras
significativas da língua espanhola, e a segunda é que, por não co-
nhecerem a língua espanhola, os futuros professores sentem-se inse-
guros e desmotivados a lecionar o idioma. Com isso, notamos que o
nível elementar de proficiência provoca uma rejeição à profissão.

Palavras finais

Diante destas reflexões, pudemos constatar que os futuros pro-


fessores, participantes da pesquisa, ainda não são capazes de com-
preender a própria existência dentro do Curso de Letras. Uma vez que
não percebem que são sujeitos falantes, propriamente dito, de carne
e osso, consequentemente, não conseguem interferir e agir dentro do

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 260


seu contexto de formação. O primeiro passo para alcançar a condi-
ção de sujeito falante é conscientizar o futuro professor de sua exis-
tência, indicando-lhe sua condição de sujeito histórico-social que faz
parte de uma sociedade, que desempenha uma função, que atuará
em uma sala de aula na qual terá que lidar com inúmeras realidades
sociais.
Defendemos que Cursos de Letras devem contemplar as com-
petências do professor de LE durante a formação inicial. A partir do
momento que o aluno-professor conhece o perfil desejado de um
professor de línguas e, durante a formação, se apropria de teorias re-
levantes que tratam das competências, poderá ele identificar quais
as competências já desenvolvidas, quais são aquelas em pleno de-
senvolvimento e as que precisam de mais insumo. Conhecer o nível
de cada competência é indispensável, pois serão elas que orientarão
a prática docente do professor em sala de aula.
Uma formação inicial que não informa qual o perfil de profes-
sor de LE desejado e os requisitos exigidos para exercer a profissão,
certamente, não fornecerá subsídios teóricos que permitam ao alu-
no-professor reconhecer as suas limitações e potencialidades. A
competência profissional, por exemplo, pode ser um instrumento de
autoavaliação através do qual o futuro professor será capaz de refletir
sobre sua formação, as expectativas da profissão e as dos seus futu-
ros alunos. O que meus alunos esperam de mim? O que posso ofere-
cer a eles? São os questionamentos que podem impulsionar a autoa-
valiação e a autorreflexão dentro do contexto de formação inicial.
Acreditamos que a preferência pela abordagem gramatical no
Curso de Letras pode também explicar o perfil elementar de proficiên-
cia traçado nesta pesquisa. Há a prevalência do estudo da forma em
detrimento do uso, privilegia-se a sintaxe, a morfologia, ao invés do
sentido, do contexto, da vivência significativa na língua-alvo. Tendo

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 261


em vista que os informantes não tiveram a oportunidade de intera-
gir por meio da língua espanhola, julgamos importante a promoção
de eventos específicos para a LE. Estes momentos de interação per-
mitiriam compartilhar experiências, apresentar e produzir trabalhos
escritos e orais na língua-alvo, em mesas redondas, painéis e comu-
nicações.
Observamos que os futuros professores, participantes desta pes-
quisa, não sabiam exatamente que seriam professores. Neste sentido,
eles precisam compreender que são atores importantes no processo
de formação e, portanto, podem (e devem) agir para existir. A mar-
cada presença da abordagem gramatical sufoca o sujeito falante de
carne e osso do Curso de Letras. Deste modo, defendemos que trazer
para a formação inicial áreas do conhecimento que concebem a lin-
guagem um fenômeno dinâmico, complexo, social, no qual está pre-
visto um sujeito falante e suas marcas linguageiras, podem servir de
instrumentos para o despertar do futuro professor enquanto principal
agente responsável pela sua formação.
Ao lado de um perfil predominantemente elementar de profici-
ência, identificamos também um futuro professor de ELE que não pre-
tende exercer a profissão por conta de seu desempenho insatisfatório.
A reduzida capacidade de se expressar por meio da língua espanhola
determina a relação de afetividade do aluno-professor com o idioma
e explica sua desmotivação para lecionar a disciplina. Defendemos
que o desejável seria um professor de LE com um nível independente
de proficiência, capaz de produzir e articular um discurso oral e escri-
to. Sendo assim, esperamos contribuir com estudos que se ocupam
da formação inicial de professores de espanhol e, principalmente, de
sua proficiência.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 262


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LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 264


CAPÍTULO 12

A linguagem e o ensino de Língua


Espanhola em Planos de Aula
de uma Plataforma Pedagógica
Virtual

Danillo Silva Feitosa


Silvio Nunes da Silva Júnior

DOI: 10.52788/9786589932321.1-12
Considerações iniciais

Este texto surge de discussões entre dois professores-pesquisa-


dores em campos de atuação parcialmente distintos: espanhol como
língua estrangeira e português como língua materna, que comungam
da preocupação com as práticas de ensino das línguas nas salas de
aula de educação básica. Tal preocupação implica nossos constan-
tes empreendimentos investigativos que têm por finalidade inquie-
tar a outros professores a questionarem os discursos que perpassam
suas formações acadêmicas e atuações profissionais, em especial
para aqueles que constituem materiais didáticos diversos. A questão
do material didático tem causado grande debate no campo da Lin-
guística Aplicada, justamente pela ausência de uma compreensão
adequada sobre ele nos contextos escolares (SILVA JÚNIOR, 2018), vis-
to que, em grande parte das instituições, os materiais didáticos atuam
como instrumentos ditadores de regras, quando na verdade têm pa-
pel de auxiliar das ações pedagógicas assinadas pelos professores.
A ausência do que Geraldi (2016) nomeia assinatura própria impede
que, muitas vezes, as interações entre os sujeitos no plano do ensi-
no sejam tidas como “processos dialógicos, ideológicos e discursivos
que implicam aprendizagens diversas” (SILVA JÚNIOR, 2021, p. 91).
Com a explosão da era digital, que representa um significativo
ganho para a atuação profissional de professores em contextos de
formação inicial e continuada, diversos portais foram criados com o
intuito de contribuir de alguma maneira com o desenvolvimento das
práticas de professores da educação básica. Na diversidade desses
portais pedagógicos, chama-nos a atenção materiais disponibiliza-
dos que não compactuam com uma concepção viva e dinâmica de
língua (VOLÓCHINOV, 2017) e que, por essa razão, apresentam deter-
minados objetivos, mas, na estruturação da prática de ensino, aca-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 266


bam não dando conta de contribuir com determinado eixo do ensino
(oralidade, escrita, leitura e gramática), por exemplo. No que se refere
ao ensino de língua espanhola, essa problemática é ainda mais fre-
quente, principalmente porque são poucos os materiais direcionados
a este componente curricular, o que acaba significando, para alguns
professores em atuação, uma saída de emergência para o planeja-
mento das aulas com carga horária reduzida.
Com isso, entendemos que, ao reproduzir instruções que descon-
sideram a dinamicidade da língua na sala de aula, professores de
língua espanhola acabam não favorecendo o desenvolvimento pro-
gressivo da formação cidadã, o que leva para o contexto acadêmi-
co a necessidade de problematizar os materiais didáticos de modo
a enfatizar a precisão de formação significativa para professores do
que diz respeito à inter-relação entre a linguagem e o ensino, cuja au-
sência implica, ainda, a colonização do ensino da língua espanhola,
questão tão debatida nos últimos anos na área da Linguística Aplica-
da. Frente a isso, objetivamos, neste capítulo, investigar as concepções
de língua/linguagem e de ensino de língua espanhola que sustentam
dois planos de aula encontrados numa plataforma pedagógica vir-
tual, para que possamos analisar os modos com os quais os auto-
res tratam os eixos do ensino de língua espanhola e compreender as
principais implicações dos discursos dos planos para a formação dos
professores e o ensino de modo geral.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 267


As concepções de linguagem e o ensino de língua
estrangeira (LE)

Por mais que muitos estudos tenham esmiuçado de modo bas-


tante aprofundado a questão das concepções de linguagem que
orientam as práticas pedagógicas, acreditamos ser necessário con-
tribuir com esse debate que é tão caro aos contextos de formação
de professores de línguas maternas e estrangeiras. Para alinhavar tal
empreendimento neste espaço, esclarecemos que nossa concepção
de língua/linguagem se articula à Teoria Dialógica da Linguagem, re-
presentada, especialmente, pelos autores que compõem o chamado
Círculo de Bakhtin. Diante disso, retomamos as três principais con-
cepções de linguagem, que constam na obra de Volóchinov (2017),
num contraponto com o ensino de língua estrangeira, para que, pos-
teriormente, possamos focalizar o ensino do espanhol como língua
estrangeira.
Na defesa de uma concepção dialógica no que se refere à união
entre língua e linguagem, Volóchinov (2017) percorre um significativo
caminho que perpassa duas tendências do pensamento filosófico-
-linguístico que surgiram em algumas perspectivas de pensamento
sobre a linguagem. A primeira concepção é denominada subjetivis-
mo individualista, ou idealista, e se volta a uma noção de linguagem
como expressão do pensamento (GERALDI, 1984). Essa corrente define
a expressão como “algo que se formou e se definiu de algum modo no
psiquismo do indivíduo e é objetivado para fora, para os outros com
a ajuda de alguns signos externos” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 202). Tal
concepção prega, assim, que a língua se limita à criação ininterrupta
de atos discursivos individuais (VOLÓCHINOV, 2017), os quais corres-
pondem ao desenvolvimento de uma língua por parte do sujeito sem
qualquer influência de fatores contextuais, acarretando uma separa-
ção inadequada entre língua/linguagem e sociedade.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 268


Essa compreensão defende, em linhas gerais, que o sujeito que
não tenha pleno domínio das estruturas formais de uma determina-
da língua não é considerado pensante. Sob essa ótica, a corrente de
ensino que defende o apego das práticas de sala de aula a abor-
dagens normativo-prescritivas advém do ranço de ações pedagó-
gicas pautadas no subjetivismo individualista (VOLÓCHINOV, 2017).
Ainda no que se refere ao ensino de uma língua, pensá-lo dentro de
uma tendência de pensamento que focaliza e prima pela estrutura
se aproxima de uma concepção de prática pedagógica que não se
agrega à formação reflexiva, ou, em outros termos, cidadã dos sujei-
tos. Observar a forma linguística como expressão e fechar uma noção
de pensamento dentro desse círculo é como imbuir o papel do aluno
numa perspectiva mecânica de reprodução de uma língua conceitu-
ada como um produto pronto (VOLÓCHINOV, 2017). Com isso, tanto no
quadro das línguas estrangeiras como no que diz respeito às línguas
maternas, não nos soa positivo o conceito de língua como produto,
pois o ato discursivo, a nosso ver, não pode ser restrito à condição
psicológica do sujeito, dada a amplitude linguístico-discursiva da lín-
gua/linguagem.
Sobre a segunda tendência de pensamento filosófico-linguístico,
Volóchinov (2017) a caracteriza como objetivismo abstrato e faz men-
ção aos estudos saussurianos quando critica o conceito de língua
como um sistema abstrato de signos, visto que, nesse plano, a “língua
é um sistema estável e imutável de formas linguísticas normativas e
idênticas, encontrado previamente pela consciência individual e in-
discutível para ela” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 174). Dessa maneira, a im-
possibilidade de uma língua passar por processos de mudança e o
caráter fechado do chamado sistema linguístico (VOLÓCHINOV, 2017)
ressalta o quão inadequado se torna esse pensamento, o qual é des-
conexo de uma percepção que inter-relaciona a língua/linguagem e

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 269


as práticas sociais. Volóchinov (2017) acrescenta, também, que, no ob-
jetivismo abstrato, as “ligações linguísticas específicas não possuem
nada em comum com os valores ideológicos (artísticos, cognitivos e
outros)” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 174), impedindo que qualquer que seja
a prática de linguagem seja analisada ou observada como dentro de
uma situação sócio-histórica específica. Frente a isso, o “objetivismo
abstrato, ao considerar o sistema da língua como único e essencial
para os fenômenos linguísticos, negava o ato discurso – o enunciado
– como individual” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 200).
O pensamento abstracionista fundado pelo objetivismo abstra-
to também tem sido bastante presente em ações pedagógicas de
línguas estrangeiras e línguas maternas, uma vez que ainda há uma
grande ausência de abordagens específicas sobre linguagem e ensi-
no no quadro da formação inicial e continuada de professores no Bra-
sil. Dentre as principais implicações das proposições do objetivismo
abstrato no ensino de línguas estão os exercícios estruturais aplica-
dos em salas de aula de língua estrangeira, em especial o inglês, bem
como de exercícios superficiais em aulas de português como língua
materna e/ou estrangeira. A título de exemplo, enunciados que solici-
tam retirar o título do texto, os nomes das personagens, dentre outros
elementos situados na superfície textual, possuem total influência do
objetivismo abstrato, bem como, de alguma maneira, do subjetivismo
individualista, uma vez que o ato de copiar um elemento tal como
consta numa materialidade anteriormente disponibilizada reforça a
ideia de que o pensamento deve ser restrito à reprodução de uma
forma linguística pronta e acabada.
Depois de estabelecer suas críticas às duas tendências de pen-
samento filosófico-linguístico, Volóchinov (2017) pontua o que, para o
chamado círculo de Bakhtin, é língua/linguagem, definindo os pilares
de sua filosofia marxista. Acerca dela, Fanini (2015, p. 19) explica que

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 270


O Círculo inaugura uma discussão bastante inédita dentro da tradição mar-
xista visto que esta, hegemonicamente, destaca o caráter derivado da lingua-
gem, posicionando-a como secundária no processo de formação do ser social
à medida que prioriza o trabalho como primeira instância de mediação entre
o homem e a natureza e dos homens entre si. Os pensadores russos, contra-
riando essa tradição de centralidade do trabalho, enfatizam que a linguagem
é formadora do ser social já em suas primeiras instâncias de relacionamento
social. O homem não tem uma linguagem da qual pode se apossar para se
relacionar, mas se dá enquanto linguagem e esta parte das condições ma-
teriais de existência, constituindo-se nas relações concretas do cotidiano, ou
seja, tem uma base material. Entretanto, diferentemente da tradição marxista,
a linguagem, embora seja oriunda das condições concretas do existir humano,
refletindo essas circunstâncias, também as refrata, pois não é reprodução do
real, ou simples nomeação.

Diante disso, o chamado círculo de Bakhtin inaugura uma con-


cepção de língua/linguagem que se funde com o social para proble-
matizar não somente os elementos que são comportados numa dada
forma linguística. Volóchinov (2017) compreende a linguagem como
um processo ininterrupto de formação e interação discursiva como
a realidade fundamental da língua. Isso quer dizer que, para além
do ato individual, a língua/linguagem deve ser considerada dentro
de sua realidade viva, concreta e dinâmica (BAKHTIN, 2011), o que nos
permite destacar que as condições sociais do existir humano dele-
gam os processos de atravessamento da linguagem na constituição
dos sujeitos no e pelo discurso. Ao tratar de compreensão responsiva
ativa, Bakhtin (2011) acrescenta nesta discussão a necessidade de se
haver uma atenção ao diálogo estabelecido entre interlocutores na
cadeia viva da enunciação. Para ele, toda compreensão plena e real é
ativamente responsiva. Assim, é na noção de língua/linguagem como
processo que nossos posicionamentos sobre a linguagem e o ensino
estão situados.
Com isso, o pensamento dialógico para o ensino não vai partir de
formas linguísticas isoladas nem totalmente da questão discursiva. A
abordagem dialógica (SILVA JÚNIOR; SANTANA, 2020) vai inferir a ne-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 271


cessidade de se levar em conta a perspectiva linguístico-discursiva
de ensino visando um trabalho múltiplo, dinâmico e concreto com a
língua/linguagem na sala de aula. O ensino de línguas estrangeiras
deve, ainda, ir além do linguístico-discursivo, bem como ir além dos
próprios objetos de ensino e dos próprios eixos que sustentam este
ensino (leitura, oralidade, escrita e gramática). Para que haja o en-
gajamento de sujeitos ativos nas práticas de sala de aula de línguas
estrangeiras, é necessário considerar a formação cidadã dos alunos,
como tratamos no tópico a seguir.

Ensino de língua espanhola e formação cidadã

Neste tópico, buscamos discorrer acerca de um ponto que, a nos-


so ver, é de suma importância para a discussão aqui proposta: a for-
mação cidadã do estudante da Educação Básica por meio do ensino
da Língua Estrangeira. Pensar na formação cidadã pelo viés do ensino
se torna uma atitude desafiadora frente aos discursos colonizadores
que defendem o ensino da LE como um espaço de esforço para a re-
produção de práticas linguísticas e culturais de outros países, despri-
vilegiando a realidade situada que compreende a LE como segunda
língua. Como supracitado, compreendemos que o ensino da língua
precisa estar pautado não apenas nas questões linguístico-discursi-
vas, ou simplesmente nos eixos de ensino propostos por determina-
dos documentos e/ou materiais didáticos, mas, também, e principal-
mente, a uma prática que vise o desenvolvimento da cidadania por
meio da práxis educativa, ou seja, por meio da ação docente no que
diz respeito ao exercício de sua atividade em aula ou, ainda, no plane-
jamento da mesma (SOUZA, 2015).
Diante disso, concordamos com a premissa de que há, atualmen-
te, um engessamento da prática docente no que concerne ao uso

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 272


de determinados materiais didáticos (MDs), principalmente quando
não estão voltados à dinamicidade da língua. Nesse sentido, questio-
namo-nos acerca da necessidade de uma visão questionadora por
parte do professor diante do uso dos MDs dispostos no meio educa-
cional, estejam estes circulando de modo impresso ou digital. Ade-
mais, outro ponto que pautou nossa discussão diz respeito à seguinte
problematização: pensando a utilização de alguns recursos didáticos
disponíveis, quais as posturas adotadas pelo professor de espanhol
no que tange à formação cultural, reflexiva e cidadã dos educandos?
Sobre essa formação reflexiva e cidadã, advogamos, na contra-
mão de algumas práticas docentes, presas a concepções de lingua-
gem pautadas em ideias fixas e/ou abstrações, a necessidade de um
fazer pedagógico para além de um ensino de línguas pautado em
“ideias positivistas, objetivistas, descritivas [e] estruturalistas” (MOITA
LOPES, 2013, p. 22), fazendo-se necessária a busca por uma educação
democrática, conscientizadora, reflexiva e transgressora. Mesmo com
sua finalidade estritamente linguístico-formalista, conforme defen-
dem discursos tradicionais, o ensino de qualquer língua pode se tor-
nar um pertinente veículo para a constituição da formação cidadã do
sujeito, considerando que pelo diálogo na sala de aula as implicações
não se voltam somente para a formação do aluno, mas, de modo es-
pecial, à formação do professor.
Posto isto, enquanto professores de línguas, precisamos estar
cientes de que aprender uma LE ultrapassa a aquisição de habilidades
linguísticas, isso porque, a língua possibilita ao aluno a construção de
uma concepção da cidadania enquanto condição de vida, levando-o
a ampliar, ainda, sua percepção acerca do contexto sócio-histórico ao
qual pertence, afinal, por meio da apreciação dos valores, ideologias e
costumes de outras culturas, o sujeito desenvolve a percepção acerca
de si, do outro e, consequentemente, da cultura a qual pertence.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 273


Dito isto, compreendemos que o ensino de língua espanhola pre-
cisa ir além da apresentação de vocabulários ou frases prontas (prá-
tica bastante comum entre professores de línguas e presentes em
alguns materiais didáticos), alargando a compreensão dos diversos
usos da linguagem, ou seja, um ensino com vistas às situações de in-
teração discursiva voltadas à função social da língua, a qual diz res-
peito, também, ao ensino da língua estrangeira voltado à formação
cidadã.
Com base nessa premissa, pensando o ensino da língua por meio
de temas transversais à vivência do aluno, o desafio do docente está
em propor múltiplas atividades, e em contextos variados de produção
discursiva, as quais possibilitem que os estudantes se apropriem dos
conhecimentos e que desenvolvam seus conhecimentos linguístico-
-discursivos. Para tanto, cabe-nos refletir acerca da necessidade de
materiais didáticos que partam de abordagens dialógicas (SILVA JÚ-
NIOR; SANTANA, 2020) que possibilitem um diálogo com os contextos
sociais dos discentes, despertando, desse modo, o interesse dos alu-
nos no que tange à formação para a vida social, contribuindo, assim,
para a construção de um letramento1 voltado às práticas cidadãs
desses sujeitos.
A fim de refletir sobre possíveis direções para o ensino da língua
com vistas à formação linguístico-discursiva e cidadã, destacamos
que um desses caminhos pode ser percorrido por meio de objetos
de ensino constituídos a partir dos eixos formativos, os quais levem o
sujeito a vivenciar uma formação integral, ou seja, o desenvolvimento
das destrezas necessárias no que concerne ao ensino da língua es-
trangeira, bem como sua formação cidadã. Estes eixos, - (1) leitura; (2)
oralidade; (3) escrita; (4) análise linguística (gramática); e (5) dimen-

1 Não nos detemos, neste estudo, na perspectiva do letramento, mas, por ser tal termo mencionado,
defendemos o ensino de língua dentro de uma visão de letramento ideológico, conforme destaca
Street (2014) ao tratar das inter-relações da linguagem com as culturas e as sociedades.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 274


são intercultural -, os quais são postos no quadro a seguir, juntamente
aos objetivos do conhecimento e as habilidades, precisam necessa-
riamente estar inter-relacionados, sendo colocados como plano de
fundo de ações pedagógicas que contribuam, portanto, para que o
estudante construa uma visão de mundo mais ampla, conectando
diferentes saberes e contribuindo, desse modo, para uma aprendiza-
gem concreta e dinâmica.

Quando 1 – Eixos de atuação pedagógica.

Unidade temática Objetos do conhecimento Habilidades

Eixo Leitura

Estratégias de leitura Inferir a finalidade de um Localizar informações


texto explícitas e não explícitas
no texto

Compreender palavras
Práticas de leitura Leitura de diferentes tipo- em diferentes contextos,
logias e gêneros textuais estabelecer relação entre
o conhecimento prévio e o
conhecimento adquirido

Eixo oralidade

Apropriar-se dos diferen-


Compreensão oral Compreensão de textos tes gêneros textuais da
orais oralidade (formal e in-
formal) que circulam em
sociedade

Produção oral Produção de textos orais Produção de frases curtas,


entre educandos/professor pequenos textos e diálo-
e educando/educandos gos

Eixo escrita

Produção escrita Escrita de diferentes gêne- Elaborar textos coerentes,


ros textuais coesos e com progressão
textual

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 275


Eixo análise linguística (gramática2)

Estudo da gramática Apropriação do código lin- Compreender o funciona-


guístico (formal e informal) mento da linguagem em
suas diversas possibilida-
des

Estudo do léxico Elaboração do repertório Construir um repertório


léxico e pronúncia léxico para ser utilizado
em diferentes contextos
de fala/escrita

Eixo dimensão intercultural

Conhecer a diversidade
Língua espanhola no Refletir sobre os países que cultural existente, bem
mundo possuem língua espanhola como valorizar a diversi-
como língua materna e a dade de cada país, inclu-
importância do idioma no sive o país de origem do
mundo aluno

Compreender a impor-
Língua espanhola no Uso da língua espanhola tância da língua espa-
Brasil no contexto brasileiro nhola para o território
brasileiro.
Fonte: Feitosa e Silva Júnior (2021).

Pensados e organizados, os eixos mencionados contribuem para


que a língua espanhola na sala de aula deixe de ser um mero com-
ponente curricular optativo, passando a ser compreendido, explorado
e construído a partir da realidade linguística, além das reais neces-
sidades de cada sujeito da linguagem. Ademais, como supracitado,
embora os eixos estejam separados em colunas, estes precisam ser
aproximados na prática docente. Em outras palavras, o eixo dimen-
são cultural, a exemplo, precisa perpassar por todos os demais, de
forma que tal conjunto de eixos esteja articulado.
Ainda no que diz respeito à articulação entre os eixos, destacamos
uma das orientações dadas pelo Quadro Europeu Comum de Refe-

2 Optamos pelo termo gramática ao invés de análise linguística.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 276


rência para as línguas: aprendizagem, ensino e avaliação no Conse-
lho da Europa3, o qual dispõe que: “as línguas oferecidas nas insti-
tuições educativas devem ser diversificadas e os alunos devem ter a
oportunidade de desenvolver uma competência plurilíngue”4 (2002,
p. 5). Logo, as instituições de ensino devem oferecer aos estudantes
diferentes maneiras de aprender a língua espanhola, utilizando, nes-
se sentido, as quatro habilidades (ler, escrever, falar e ouvir), além do
desenvolvimento da formação cultural e, consequentemente, cidadã.
Dado o exposto, refletindo o ensino da língua espanhola e seu
papel na ampliação da visão de mundo e da formação cidadã do
sujeito, objetivamos, nas seções seguintes, analisar dois planos de
aula disponibilizados em uma plataforma pedagógica virtual, a fim
de compreender como são trabalhados os eixos do ensino da língua
espanhola, de modo que possamos analisar o tratamento dado à lin-
guagem no ensino da língua espanhola, visando, com isso, compre-
ender as consequências de tais planos de ensino para a formação
linguístico-discursiva e cidadã.

Proposta com viés discursivo e fins formalizantes

A partir da discussão teórica apresentada, compreendemos que


existem abordagens de ensino que ainda estão presas às concep-
ções de linguagem vinculadas ao subjetivismo individualista e ao ob-
jetivismo abstrato, que acabam por não considerar a realidade viva
e dinâmica da língua e da linguagem. Além disso, percebemos que
o ensino da língua espanhola não pode se restringir aos elementos
linguísticos, indo para uma perspectiva discursiva, reflexiva e cida-

3 Tradução de “Marco Común Europeo de Referência para las lenguas: aprendizaje, enseñanza,
evaluación do Consejo de Europa”.
4 Tradução de “las lenguas que se ofrecen en las instituciones educativas tienen que diversificarse y
que a los alumnos debe dárseles la posibilidad de desarrollar una competencia plurilingüe”.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 277


dã. Pensando sob esses vieses, na primeira análise aqui empreendida,
encontramos o objetivo a seguir na proposta de uma aula de espa-
nhol para os anos finais do ensino fundamental:
Objetivo: Conhecer as diferenças de tratamento interpessoal e
as características da formalidade e da informalidade nos países da
América Latina e Espanha.
O foco da abordagem, nesse sentido, é o reconhecimento de prá-
ticas formais e informais na fala do espanhol tomando como base um
filme produzido nessa língua. O objetivo se torna significativo por en-
volver a dimensão intercultural da língua espanhola, quando propicia
um choque de culturas tanto da Europa quanto da América Latina.
No entanto, ao mencionar a formalidade e a informalidade, não fica
perceptível se a prática de ensino vai partir das produções discursi-
vas dos sujeitos ou apenas da forma linguística isolada. Mais à frente,
pondera-se que o conteúdo/objeto de ensino a ser trabalhado é:

Pronomes de tratamento (tu, vos, usted, ustedes)

A exposição do objeto de ensino implica, também, um questiona-


mento sobre por quais caminhos a abordagem de ensino vai cami-
nhar, uma vez que, quando se pensa no processo de aprendizagem de
uma língua estrangeira, defendemos como principal veículo de con-
tato do sujeito com essa língua a produção discursiva, pois é a partir
da sua realização viva que a língua espanhola vai começar a integrar
a formação linguístico-discursiva e cidadã dos alunos. Nessa pers-
pectiva, ao expor um objeto de ensino puramente gramatical, o plano
de aula se aproxima de modo bastante efetivo de uma concepção
normativo-prescritiva de língua, que se enquadra no que Volóchinov
(2017) denomina subjetivismo individualista. Além disso, o objeto de
ensino solto implica considerar o caráter isolado de uma possível prá-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 278


tica de ensino que possa ter como base esse plano de aula, diferindo
da dinâmica múltipla de ensino discutida por Moita Lopes (2013).
No que se refere aos materiais a serem utilizados na aula, apre-
sentam-se os trechos de áudio a seguir:

As cenas que mostram a diferença de tratamento entre dois desconhecidos


(38m39s a 39m42s), entre uma pessoa que tem autoridade sobre a outra
(5m15s a 8m53s) e entre membros da mesma família (11m43s a 15m34s). Tre-
chos que apresentam as conversas de Beto com os policiais ao tentar atraves-
sar a fronteira (22m00s a 27m02s).

Nesse momento, vemos um foco na escuta do sujeito, bem como


na concentração ao contactar com determinado material audiovisu-
al. Tal foco não integrou o objetivo da aula nem a exposição do objeto
de ensino. Dessa maneira, identificamos que há uma mutilação do
material escolhido para ser trabalhado durante a aula. Essa mutila-
ção se dá por algumas razões, a saber: a subdivisão do filme em tre-
chos, que impede uma compreensão real e concreta da abordagem
do filme, visto que o ensino da LE deve partir de produções discursi-
vas e não somente linguísticas para os alunos, e a discrepância en-
tre os trechos recortados, que apresentam cenas distintas, sem uma
inter-relação que poderia contribuir tanto com o reconhecimento de
palavras e significados como para a formação cidadã do sujeito no
plano do ensino e da aprendizagem.
Para o desenvolvimento da abordagem, o plano de aula apre-
senta duas etapas únicas, seguidas da avaliação. Na primeira etapa,
encontramos a descrição a seguir.

Essa tragicomédia se passa no pequeno vilarejo uruguaio de Melo, na fronteira


com o Brasil, que vive um furor em 1988 com a expectativa da visita do papa
João Paulo II. Enquanto donos de mercados locais tentam se abastecer à espe-
ra de dezenas de milhares de fiéis brasileiros, o esperto Beto decide providen-
ciar a construção de um banheiro para lucrar com o acontecimento. [...] [Re-
comenda-se] o filme para ensinar um dos conteúdos que mais confundem os
alunos brasileiros: os pronomes de tratamento formais e informais. “A questão
da formalidade é muito importante no Espanhol.”

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 279


Percebemos que a proposta de iniciação da prática de ensino
parte de uma perspectiva discursiva, pois leva em consideração uma
breve construção histórica e, consequentemente, cultural. Entretanto,
em meio às tantas possibilidades de se pensar o ensino de gramáti-
ca dentro de produções orais e escritas, destaca-se como elemento
principal a questão dos pronomes, justificando a necessidade e a im-
portância do plano formal para o trabalho pedagógico com a língua
espanhola. Nesse sentido, destacamos que a proposta tem viés dis-
cursivo e um fim totalmente formalizante.
Não queremos afirmar, com isso, que é desnecessário ou cansa-
tivo abordar a gramática na sala de aula de língua estrangeira, mas
destacar a relevância de se planejar e efetuar práticas pedagógicas
que articulem os eixos que compõem o ensino da língua espanhola.
Isso significa que, partindo do eixo da leitura, por exemplo, é possí-
vel identificar as colocações pronominais na realidade viva da língua,
assim como o emprego de verbos, substantivos, dentre outras clas-
ses. Numa perspectiva linguístico-discursiva, acreditamos que é nes-
se tipo de iniciativa que se pode propor o ensino visando a formação
não somente de alunos, mas, também, de cidadãos para o mundo.
No que se refere à segunda etapa da aula, o plano propõe as
ações a seguir.

Promova um debate, revisando a lista de pronomes de tratamento e suas re-


gras de uso. Peça que os estudantes façam anotações durante o filme. Passe
os trechos indicados com áudio e legenda em espanhol. No fim, estimule uma
discussão na língua estrangeira sobre as formas de tratamento formal e infor-
mal retratadas no filme. Em seguida, proponha que eles façam uma lista dos
pronomes de tratamento que aparecem no filme, identificando as situações
em que são utilizados.

Com base na segunda etapa, compreendemos que revisar uma


lista de pronomes não concebe as características do gênero deba-
te, uma vez que os elementos sócio-históricos do filme apresentado

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 280


não são trazidos na proposta pedagógica. Isso pode ser motivado,
em linhas gerais, pelo processo de mutilação do filme escolhido para
a abordagem em sala de aula, que deve ser apresentado aos alunos
com cortes de trechos específicos, comprometendo as relações de
sentido possíveis no contexto da sala de aula.
A discussão de que trata o plano de aula, focalizando as formas
de tratamento formal e não formal, restringe-se ao fim formalizante e,
diante disso, não traz qualquer estímulo para o desenvolvimento pro-
gressivo da formação cidadã. No que concerne ao processo de ava-
liação, propõe-se, no plano de aula, a observação da desenvoltura na
expressão oral e a adequação do uso dos pronomes de tratamento
durante a aula. Assim, a prática avaliativa também vai ser excludente
quando se pensa num ensino pautado numa perspectiva linguístico-
-discursiva com vistas à formação social e cidadã.

Proposta com viés e fins formais

A continuação, trazemos a análise de um segundo plano de aula,


o qual destaca três objetivos principais, sendo eles:

Objetivos:
1. Conhecer aspectos da cultura mexicana (festas, músicas,
vestimentas, comidas);
2. Construir repertório de vocabulário relativo a comidas e
expressões de uso cotidiano;
3. Falar espanhol para se comunicar em situações determi-
nadas.

Como é possível observarmos a partir dos objetivos elencados, o


plano, inicialmente, parece ter sido elaborado com vistas a uma pro-
posta de ensino voltada ao conhecimento acerca de determinada

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 281


cultura, a mexicana. Nesse contexto, é válido destacar que embora o
plano se proponha a ensinar aspectos sobre as festividades, estilos
musicais, vestimentas e comidas, assim como léxico e expressões, a
fim de levar o educando a se comunicar em determinadas situações,
tais objetivos não apresentam indícios de reflexões mais profundas
acerca da língua/cultura estudada, aspecto de suma importância se
pensarmos a necessidade da reflexão para a construção da forma-
ção cidadã. Nesse sentido, concordamos com Mendes (2012, p. 360)
ao destacar a importância de um ensino de línguas que vise

[...] um esforço, uma ação integradora, capaz de suscitar comportamentos e


atitudes comprometidos com princípios orientados para o respeito ao outro, às
diferenças, à diversidade cultural que caracteriza todo processo de ensino [...],
seja ele de línguas ou de qualquer outro conteúdo escolar.

Em outros termos, defendemos um ensino do espanhol que não


esteja voltado a recortes da língua, como o ensinamento do léxico,
por exemplo, mas, sim, um trabalho pedagógico que contemple, além
dos aspectos linguísticos, sejam eles de natureza regional ou social, a
compreensão da heterogeneidade presente nas diferentes culturas,
línguas e linguagens.
Ainda buscando evidenciar a falta de um maior direcionamento
por parte do plano de aula nos quesitos língua, linguagens, diferentes
culturas e reflexão, destacamos os conteúdos/objetos dispostos no
planejamento:

(1) Nomes de alimentos em espanhol;


(2) Textos instrucionais usados em receitas;
(3) Estruturas de frases usadas para pedir e oferecer um produto.

É notório, então, que, ao abordar conteúdos tão objetivistas e for-


mais, o plano de aula se aproxima de uma visão de linguagem vincu-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 282


lada ao objetivismo abstrato (VOLÓCHINOV, 2017), uma vez que o foco
geral dos elementos destacado é numa concepção de língua como
código e reduzida a uma perspectiva sistematizadora. Logo, reafirma-
mos a necessidade de, ao planejarmos uma aula, refletirmos, ideal-
mente e teoricamente, sobre quais concepções de língua/linguagem
e de ensino estamos adotando e quais os impactos que tais esco-
lhas acarretará na formação do estudante. Essa necessidade coa-
duna com o ponto de vista dialógico, que alerta para a necessidade
de se estudar a forma da língua a partir dos discursos (SILVA JÚNIOR;
SANTANA, 2020), pode contribuir para a reconfiguração de práticas
pedagógicas.
Outro ponto a ser destacado no plano de aula corresponde ao
material necessário para o seu desenvolvimento, como podemos ver
abaixo:

(1) Receitas de comidas típicas mexicanas;


(2) Menu de restaurantes mexicanos (encontrados na internet);
(3) Publicidades de restaurantes mexicanos (encontradas na inter-
net);
(4) Estrutura para montar o restaurante (pratos, talheres, guardana-
pos, cadeiras, mesas, micro-ondas) de acordo com as possibilidades
da escola;
(5) Filme sugerido: “Como água para chocolate”.

A utilização dos materiais supracitados, de acordo com o plano de


aula, dar-se-á ao decorrer de 8 (oito) etapas. A primeira delas corres-
ponde a propor que os estudantes montem um restaurante mexicano
e decida em qual momento o produto final deve ser apresentado aos
demais colegas da instituição de ensino. Este primeiro momento deve
ser utilizado para o planejamento inicial. Em seguida, na segunda
etapa, os alunos devem efetuar uma pesquisa sobre a vida cultural
no México, com vistas, principalmente, à ornamentação ambiental e

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 283


pratos culinários. Na terceira etapa, por sua vez, os estudantes devem
focar na leitura, em espanhol, de matérias que envolvam a criação do
restaurante (cardápios, propagandas, receitas). A seguir, na quarta
etapa, é sugerido ao professor levar à turma a um restaurante mexi-
cano, ou, caso tal alternativa não seja viável, que seja feita uma busca
na internet, e, se possível, ainda, que sejam encomendadas em um
restaurante comidas que possam ser entregues na escola5.
A quinta etapa corresponde à diagramação de um cardápio, seja
este computadorizado ou confeccionado à mão. A continuação, na
sexta etapa, o professor e a turma devem fazer as observações acer-
ca do que precisa ser revisado, levando em consideração os aspectos
linguísticos e estéticos do material. A penúltima etapa, sétima, solicita
que os alunos pensem em possíveis diálogos que podem ser realiza-
dos dentro do restaurante, assim como um planejamento e um en-
saio de tais falas. Por fim, na oitava etapa, os educandos decidem os
últimos detalhes do restaurante, como, por exemplo, vestimenta dos
funcionários, apresentação dos pratos, utilização de TV ou Datashow
para apresentação do filme “Como água para chocolate”, entre ou-
tros.
A partir dessa breve descrição, é possível fazer uma relação en-
tre o plano de aula e os eixos elencados em nossa discussão teórica.
Com relação ao eixo leitura, o plano solicita que os educandos reali-
zem leituras de distintos gêneros discursivos (cardápios, propagan-
das e receitas), o que vem a configurar-se como prática de leitura
de diferentes gêneros, ação esta que se interliga com o eixo análise
linguística (gramática), visto que se solicita, também, que o professor
norteie os educandos a uma análise “sobre as estruturas linguísticas
dos gêneros em questão”.

5 Abrimos um parêntese para destacar que embora concordemos que a ida a um possível restaurante
ou o pedido a ser entregue na escola possam proporcionar aos estudantes uma rica experiência
cultural, compreendemos que tais ações tornam-se, de certo modo, inviáveis, em especial para os
estudantes que frequentam escolas públicas e que possuem baixo nível socioeconômico.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 284


Em seguida, deparamo-nos com o eixo oralidade, percebido na
sétima etapa, a qual pede que os educandos ensaiem possíveis di-
álogos comuns no espaço de um restaurante. Compreendemos que
esta atividade pode trabalhar, em partes, a compreensão e a produ-
ção oral dos estudantes, contudo, com vistas ao desenvolvimento da
habilidade oral no que tange aos gêneros textuais da oralidade (for-
mal e informal) que circulam em sociedade, o “ensaio” a partir de fra-
ses prontas pode trazer consequências negativas para o aprendizado
(SILVA, 2017), isso porque, como é sabido, há uma falta de espontanei-
dade nesse tipo de atividade. Compactuando com esta afirmação,
Meniconi (2020, p. 192) expõe que:

Uma análise mais profunda dos diálogos criados para fins didáticos permite-
-nos observar a existência de vários problemas, tais como: a carência de exem-
plos de enunciados apropriados às diferentes situações comunicativas, a falta
de atividades que trabalhem com conteúdos pragmáticos e a ausência de fo-
tos que possibilitem inferir informações sociolinguísticas relativas acerca dos
participantes da interação comunicativa, tais como: idade, sexo e profissão.
Acredito que este é um dos principais problemas que acabam por influenciar,
boa parte dos professores, na opção pelo ensino das regras gramaticais, em
detrimento do trabalho com exemplos da língua real e espontânea.

Posto isto, averiguamos, no plano de aula, o trabalho com o eixo


escrita relacionado ao momento no qual os alunos precisam produ-
zir seus próprios cardápios. Ainda de acordo com o plano, solicita-se,
para o cardápio, a escrita de comidas, bebidas e alguns ingredientes.
Cabe destacar que o produto final, de acordo com o plano, deve ser
analisado do ponto de vista gramatical, o que nos leva a perceber um
trabalho que, além de não considerar a importância da escrita dentro
de uma visão de linguagem como processo ininterrupto de formação
(VOLÓCHINOV, 2017), bem como o ensino da gramática/forma a partir
das práticas discursivas, não contribui para que os alunos reflitam so-
bre como a linguagem se processa no contexto real (do restaurante),
ou seja, como se dá sua prática social (TAGATA, 2017).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 285


Analisando como será trabalhado, ou não, o eixo dimensão inter-
cultural, o qual busca desenvolver no aluno habilidades no que tan-
ge à reflexão da diversidade cultural existente nos diferentes países
que têm a língua espanhola como idioma oficial, assim como refletir
sobre seu país de origem, por meio da participação social e cultural,
percebemos que, em alguns momentos do referido plano de aula, são
destacadas fases para “iniciar a aproximação dos alunos com essa
cultura”.
Este “contado cultural”, de acordo com o plano de aula, dar-se-á
por meio da amostra de “textos, imagens e trechos de filmes”. Embora
tais recursos, a nosso ver, possam ser de grande valia para as aulas de
línguas, não é apresentada ao professor uma sugestão sobre como
utilizá-los. Nesse sentido, um trabalho com vistas ao desenvolvimento
da reflexão, tão importante para a formação cidadã, parece-nos não
estar presente no eixo dimensão cultual, pensando, em especial, no
tratamento dado pelo professor aos materiais levados à aula. Sobre
o modo como o professor necessita trabalhar determinados recursos,
destacamos a necessidade de haver singularização das situações de
aprendizagem, levando em conta as capacidades dos recursos didá-
ticos, planejando o ensino com base nas necessidades dos educan-
dos, pontos que não se mostram evidentes dentro do planejamento.
Por fim, percebemos que, embora os eixos sejam trabalhados
neste plano de aula, não há efetivamente uma articulação entre eles.
Ora se é trabalhado o eixo leitura, ora o eixo oralidade, por exemplo,
sem que estes, de forma efetiva, perpassem pelo eixo dimensão inter-
cultural, o que inviabiliza, em partes, o ensino da língua espanhola por
uma perspectiva reflexiva, responsiva e, consequentemente, o desen-
volvimento do cidadão e sua inserção social.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 286


Considerações finais

Dada a nossa proposta de pesquisa, compreendemos que a in-


vestigação sobre a linguagem e o ensino de uma língua estrangeira
em planos de aula encontrados numa plataforma virtual possibili-
tou um significativo aprofundamento sobre uma questão que antes
não foi por nós pensada: a reelaboração de políticas públicas para o
ensino reflexivo de línguas estrangeiras, em especial o espanhol, na
educação brasileira. Com as análises desenvolvidas, inferimos que a
formação do professor de língua estrangeira tem sido bastante afe-
tada frente a determinações curriculares que surgem rapidamente,
requerendo dos docentes uma adaptação também emergente para
responder às demandas da contemporaneidade.
Nos dois planos de aula que serviram de base para a discussão
proposta, observamos dois modos de constituição desses planos no
quadro da linguagem no ensino: uma proposta com viés discursivo
e fins formalizantes e uma proposta com viés e fins formalizantes. Os
resultados obtidos mostram que é a partir do potencial reflexivo que
o professor, no seu contexto de trabalho pedagógico, pode promover
mudanças situadas frente a materiais didáticos inadequados. Caso
o professor não tenha formação suficiente para questionar planos de
aula dispostos em plataformas pedagógicas virtuais, a disseminação
de práticas de ensino inadequadas vai ser natural, acarretando o de-
senvolvimento de alunos que conceituam as aulas de língua estran-
geiras como momentos de cumprimento de tabela curricular, sem
qualquer contribuição para a formação cidadã. Para desconstruir tal
ideia, permanecemos na defesa do ponto de vista dialógico, discursi-
vo e responsivo ativo. Em relação aos eixos do ensino de língua espa-
nhola (leitura, oralidade, escrita, gramática e dimensão intercultural),
identificamos que os dois planos focalizam com maior ênfase o eixo

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 287


da gramática (análise linguística), frutificando a noção de que, diante
de uma tradição histórica de ensino de línguas pautada numa linha
normativa, ainda há um forte ranço de uma herança excludente e sis-
tematizadora nas salas de aula de diversas partes do Brasil.
Para a formação (inicial e continuada) dos professores, espera-
mos que nosso empreendimento com este capítulo possa estimular a
constituição de profissionais reflexivos que possam prezar pelas situa-
ções sócio-históricas de cada contexto de ensino e de aprendizagem
de uma língua estrangeira como o espanhol. Consequentemente, se-
guimos na luta por um ensino condizente com as dimensões linguís-
tico-discursiva, social e cidadã. É no compartilhamento de saberes e
práticas que a educação pode ser transformada, e nós, professores-
-pesquisadores, somos peças fundamentais nesse processo de mu-
dança.

Referências

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LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 288


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LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 289


CAPÍTULO 13

Diversidade na Sala de Aula de LI:


o Educando Urbano e Rural da EJA

Agnaldo Pedro dos Santos Filho


Leda Regina de Jesus Couto
José Veiga Viñal Júnior

DOI: 10.52788/9786589932321.1-13
Introdução

A aprendizagem de uma língua estrangeira possibilita ao indiví-


duo uma aproximação com outras culturas e realidades, além de um
maior acesso ao conhecimento, uma vez que o domínio de uma lín-
gua rompe barreiras linguísticas e culturais, abrindo novos horizontes.
Neste cenário, onde assume status de língua franca, a língua inglesa
desempenha um importante papel nas relações sociais, políticas e
comerciais, porquanto é utilizada internacionalmente para a comuni-
cação entre grupos de pessoas diferentes e que falam línguas distin-
tas (PHILIPSON, 1992).
Sendo a Educação de Jovens e Adultos (EJA) uma modalidade de
ensino composta por trabalhadores-estudantes que visa oportunizar
o acesso à educação àqueles que tiveram esse processo de forma-
ção negado ou interrompido em outros momentos de suas vidas, é
dever da escola propiciar um ambiente de aprendizagem favorável
ao desenvolvimento desses sujeitos. Nesse sentido, o ensino de língua
inglesa deve fazer parte da educação do jovem e adulto da EJA, de
modo que contribua com a formação integral desses sujeitos.
Neste trabalho1, traçamos o perfil do sujeito-aluno da EJA e dis-
cutimos a relação de aprendizagem entre os alunos rurais e urbanos
em um mesmo contexto de sala de aula na zona urbana, com ênfase
no ensino e aprendizagem de língua inglesa de forma dialógica, con-
textualizada e crítica. A metodologia utilizada na elaboração deste
artigo foi a pesquisa bibliográfica composta por trabalhos de autores
como Paulo Freire, Malcolm Knowles, Pacheco, entre outros pesquisa-
dores que elaboraram trabalhos pertinentes à temática estudada.

1 Texto ampliado do artigo publicado na Revista Rural & Urbano n.6 v.1 em 2021.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 291


A educação de jovens e adultos e a identidade dos
sujeitos-alunos

Apesar dos avanços nos índices de alfabetização no país, o Brasil


ainda tem atualmente 11,8 milhões de analfabetos. Quando conside-
rados aspectos como gênero e cor, os dados são ainda mais alar-
mantes, 9,8% dos analfabetos no Brasil entre quinze e cinquenta e
nove anos são pretos ou pardos enquanto esse índice entre pessoas
brancas cai para 4,1%. Entre as pessoas com idade a partir de sessen-
ta anos a taxa de analfabetismo é quase três vezes maior, chegando
a 30,7% entre pretos e pardos e 11,6% entre pessoas brancas, segundo
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), con-
duzida pelo IBGE em 2018.
Além dos níveis ainda elevados de analfabetismo, a continuidade
da formação escolar da população brasileira também é um grande
desafio para a educação no Brasil. Dados da última PNAD estimam
que apenas 47,4% dos brasileiros com idade a partir de vinte e cinco
anos completaram o 2Ensino Básico em 2018 e apenas 16,5% concluí-
ram a formação universitária. A média de anos estudados também é
desigual ao considerarmos a população da zona rural que estuda em
média dois anos a menos que a população urbana (CRUZ; MONTEIRO,
2018). Nesse sentido, a Educação de Jovens e Adultos, pelo seu caráter
inclusivo e pelas suas funções reparadoras, equalizadoras e qualifi-
cadoras, propõe-se a contribuir com a redução dessas diferenças de
escolaridade.
A Educação de Jovens e Adultos é formada por sujeitos com ida-
des, objetivos, sonhos e trajetórias de vida diferentes. Essa diversida-
de etária, de gênero e social nas salas da EJA torna essas aulas ain-
da mais desafiadoras e ricas, por termos uma variedade de pessoas

2 Compreende-se por educação básica o Ensino Fundamental e Médio (LDB - 9.394/96).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 292


com histórias, objetivos, formas de ver a vida e de aprender diferentes.
Muitas outras identidades reivindicam seu espaço no contexto esco-
lar, como exemplo, sem teto, sem-terra, quilombolas, transexuais, en-
tre tantos outros que formam a diversidade do Brasil, configurando a
EJA como espaço de empoderamento, aprendizagem e mudanças
de grupos marginalizados pela sua situação social, sexo, posição po-
lítica e cultura (LAFFIN; VIGANO, 2016). Essas especificidades têm que
ser o ponto de referência para o ensino na EJA.
O trabalhador-aluno da zona rural faz parte de um grupo social
que enfrenta problemas de acesso aos espaços formais de uma edu-
cação. Na maioria das vezes precisa se deslocar até os centros urba-
nos mais próximos para frequentar a escola, geralmente à noite nas
turmas de Educação para Jovens e Adultos. A necessidade de des-
locamento desses trabalhadores-alunos para a zona urbana, ocorre
principalmente por causa do número de escolas no campo que tem
tido uma queda expressiva, contabilizando o fechamento de cerca de
oitenta mil unidades no território nacional nos últimos 21 anos (ALEN-
TEJANO; CORDEIRO, 2019).
Souza (2005) ressalta que o trabalhador do campo continua a ser
discriminado, por ser concebido pela sociedade e instituições edu-
cacionais como “ícones do atraso econômico brasileiro e identifican-
do-o como um empecilho à plena realização do desenvolvimento
econômico necessário ao ingresso do território campestre na moder-
nidade pretendida pelo processo capitalista” (SOUZA, 2005, p. 1). Apre-
senta-se, assim, uma intolerância cultural e política, até mesmo nos
conteúdos e na organização da Educação do Campo que precisa ser
rompida, tendo por base um ensino baseado na cultura popular.
Quanto à oferta de educação básica para a população rural, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, prevê que:

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 293


Art. 28º. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de
ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiari-
dades da vida rural e de cada região, especialmente:
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e
interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às
fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, 1996, p. 11)

Apesar da previsão legal, o trabalhador estudante da EJA en-


frenta grandes desafios para poder estudar, sendo necessário deixar
a sua comunidade para poder frequentar uma escola que não está
preparada para esse aluno, uma vez que o horário das aulas, o calen-
dário escolar, a proposta curricular, o cansaço e a distância dificultam
a permanência desses sujeitos na escola, levando-os, muitas vezes,
a abandonar a escola. Ao discutir a questão da evasão, Freire (2006)
pontua que ao sair da escola, esse aluno não se evade, ele é “expulso”,
pois, quando não tem o seu acesso à escola negado, os problemas
sociais enfrentados por esse educando impedem-no de se manter
nesse espaço, sofrendo um processo de exclusão que o educador
chama de “expulsão escolar”.

Proposta Curricular para a EJA no estado da Bahia

Pensando em alguns dos problemas vivenciados pelos alunos


da EJA, a Secretaria de Educação do Estado da Bahia organizou uma
proposta curricular para essa modalidade no ano de 2009. Tal pro-
posta consta em um documento intitulado Política de EJA do Estado
da Bahia. Segundo o texto, “a EJA orienta-se pelos ideários da Educa-
ção Popular: formação técnica, política e social” (BAHIA, 2009, p. 11),
para uma formação autônoma, crítica e reflexiva através de um “fazer
coletivo”.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 294


Essa proposta curricular tem base em aprendizagens por Tempos
Formativos, Eixos Temáticos e Temas Geradores. Assim divididos, de
acordo com Bahia (2009, p. 20):

- 1º Tempo: “Aprender a Ser, contendo 03 Eixos Temáticos, com 01 ano de dura-


ção cada um (Identidade e Cultura; Cidadania e Trabalho; Saúde e Meio Am-
biente)”. Corresponde ao Ensino Fundamental I, ou seja, os 1º ao 5º anos.
- 2º Tempo: “Aprender a Conviver, contendo 02 Eixos Temáticos, com 01 ano de
duração cada um (Trabalho e Sociedade; Meio Ambiente e Movimentos So-
ciais)”. Corresponde ao Ensino Fundamental II, ou seja, os 6º ao 9º anos. - 3º
Tempo: “Aprender a Fazer, contendo 02 Eixos Temáticos, com 01 ano de duração
cada um (Globalização, Cultura e Conhecimento; Economia Solidária e Empre-
endedorismo)”. Corresponde ao Ensino Médio.

Quanto à disciplina de Línguas Adicionais, que é um dos focos de


interesse desta pesquisa, ela é obrigatória nos dois anos do 2º Tempo
e em apenas um ano do 3º Tempo. No 1º tempo a carga horária para
o componente de língua inglesa é de uma hora/aula semanal, já no
3º tempo é de duas horas/aulas semanais. A escolha de qual língua
estrangeira será ofertada fica de acordo com a escola, baseada nas
necessidades da comunidade, todavia, a língua mais ministrada é o
inglês.

Diversidade e insucesso escolar

Mesmo com documentos oficiais, novas teorias, novos modelos


metodológicos, novas estruturas curriculares, os resultados continu-
am precários, não se percebem muitas mudanças na educação bra-
sileira. Ela continua trancafiada dentro de quatro paredes, com pseu-
doinovações que em pouco ou quase nada mudam os dados aqui
postos. Há vários porquês para os problemas que enfrentamos:

Porque ainda há quem creia que, dando aula, se ensina. Porque ainda há quem
enfeite escolas com computadores e outros paliativos que visam ocultar os ne-
fastos efeitos de um obsoleto modelo educacional, impedindo a emergência

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 295


de uma nova construção social de aprendizagem. Porque a mercantilização
de um direito humano (o direito à educação) cresce exponencialmente, a par
do criminoso sucateamento da escola pública. Porque, desde o professor ao
ministro, por ignorância ou perfídia [...] há recusa em assumir um compromisso
ético com a educação. Porque, no aventureirismo pedagógico das pseudoino-
vações, hipotecamos destinos. Porque, entre a propaganda enganosa de siste-
mas de ensino e “cursinhos”, pessoas são transformadas em bonsais humanos.
Porque ainda há quem creia que inovação consiste em fazer efêmeras hortas
em “escolas tradicionais”, ou fomentar o egoísmo de juvenis “protagonismos
em escolas “alternativas” (PACHECO, 2019, p. 10).

Além do acima exposto, várias são as causas do insucesso escolar


na EJA, como por exemplo, “necessidade do trabalho ou por histórias
margeadas pela exclusão por raça/etnia, gênero, questões geracio-
nais, de opressão, entre outras” (BAHIA, 2009, p. 12). A evasão esco-
lar também está comumente apresentada devido ao estudante não
conseguir administrar o tempo entre escola e trabalho, constituição
precoce da família, a distância da casa para a escola, bem presente
na realidade de quem mora no campo (SILVA; SANTOS, 2018). Outro
fator que tem afetado o desempenho e continuidade no ambiente
escolar, citado por Silva e Santos (2018), é a falta de interesse pela
escola e por suas práticas pedagógicas e/ou andragógicas. Para as
autoras, a prática educacional na EJA

deve estar fundamentada na busca de mecanismos que atendam às peculia-


ridades dessa clientela e respeite as características desses educandos, con-
siderando suas experiências e saberes, necessitando serem sistematizados,
ampliados e universalmente referendados, considerando o grau de desenvolvi-
mento biopsicossocial, decorrente de suas trajetórias de vidas. (SILVA; SANTOS,
2018, p. 100).

Esses trabalhadores-alunos trabalham em condições precárias,


são mal remunerados e precisam de uma maior escolaridade para
terem acesso à melhores condições de trabalho, conforme afirmam
Amorim; Pereira e Santos (2018). Estes, quando retornam à escola,
precisam de um direcionamento no sentido de contribuir com a sua
trajetória profissional e sua construção de conhecimentos.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 296


Desde a década de 1950 com as políticas de educação para o
campo e, mesmo após a redemocratização, na década de 1980, “a
Educação Rural reforçou a imagem negativa dos camponeses e de
seu estilo de vida, estimulando-os a abandonar o campo buscando
ascensão social nos centros urbanos” (FREITAS, 2011, p. 3). Um contri-
buto para a perpetuação das desigualdades econômicas e sociais
entre urbano e rural.
As políticas públicas, bem como, as práticas educacionais adota-
das na EJA não têm conseguido dar conta dos desafios apresentados
por um grupo tão heterogêneo. A EJA no Brasil constitui-se, como já
dito anteriormente, por negros e pardos em sua maioria, transgêne-
ros, trabalhadores, índios, ciganos, estudantes rurais e urbanos, pes-
soas em sua maioria de baixa renda que têm em comum o insucesso
escolar por motivos vários. A diversidade é uma presença nessas tur-
mas e não pode ser ignorada na constituição do currículo, bem como,
no planejamento das aulas. Há que ter um cuidado, pois,

[a] diversidade é um componente do desenvolvimento biológico e cultural da


humanidade. Ela se faz presente na produção de práticas, saberes, valores, lin-
guagens, técnicas artísticas, científicas, representações do mundo, experiên-
cias de sociabilidade e aprendizagem. Todavia, há uma tensão nesse proces-
so. Por mais que a diversidade seja um elemento constitutivo do processo de
humanização, há uma tendência nas culturas, de um modo geral, de ressaltar
como positivos e melhores os valores que lhe são próprios, gerando um certo
estranhamento e, até mesmo, uma rejeição em relação ao diferente (GOMES,
2008, p. 18).

Mais especificamente no estado da Bahia, essa heterogeneidade


também se impõe. Os sujeitos de direito que estudam na EJA são:

jovens, adultos e idosos; homens e mulheres que lutam pela sobrevivência nas
cidades ou nos campos. Em sua maior parte, os sujeitos da EJA são negros e,
em especial, mulheres negras. São moradores/moradoras de localidades po-
pulares; operários e operárias assalariados(as) da construção civil, condomí-
nios, empresas de transporte e de segurança. Também são trabalhadores e
trabalhadoras de atividades informais, vinculadas ao comércio e ao setor do-
méstico (BAHIA, 2009, p. 11).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 297


Portanto, temos que advogar pelo diferente, pela diversidade, por
deixar de lado práticas pedagógicas comumente aplicadas à educa-
ção básica em geral e criar metodologias para o aluno da EJA, espe-
cificamente. Práticas em que ele esteja no centro da aprendizagem
e possa, dialógica e criticamente, fazer escolhas dos caminhos que
deve trilhar na sua aprendizagem. A modalidade EJA, segundo Silva e
Santos (2018, p. 101) deveria “sanar uma dívida social com um grupo
de indivíduos que foram, ao longo do desenvolvimento do processo
histórico da sociedade capitalista, relegados a algum tipo de margi-
nalidade”. Contudo, muito ainda precisa ser realizado para que esses
estudantes possam realmente se sentir cidadãos desta pátria.

O aluno da EJA e a aprendizagem de inglês

A modalidade EJA tem em sua sigla o E de Educação e não de


Ensino, pois, o estudante está ali em um processo de educação que
só pode acontecer através da troca e construção do conhecimento
entre alunos, professores, escola e comunidade. Estas ideias coadu-
nam com a perspectiva de andragogia defendida por Knowles (1980),
na contraposição de termos, a pedagogia é uma arte e ciência de
ensinar crianças, já a andragogia trata-se da arte e ciência de ajudar
os adultos a aprenderem. Assim, os alunos urbanos e rurais precisam
se apropriar desse conhecimento, dessa construção escolar e de sua
aprendizagem, pois ele tem a necessidade de saber da utilidade des-
ses conhecimentos para sua vida.
Como pondera Pacheco (2019, p. 37), sobre o porquê de mudar
os paradigmas na sua Escola da Ponte: “Se nós dávamos aula e os
alunos não aprendiam, eles não aprendiam porque nós ‘dávamos
aula’”. Assim sendo, é necessário ir além do mero ensinar, precisamos
construir junto com nossos alunos uma nova forma de lidar com o co-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 298


nhecimento. Esta reflexão corrobora com Freire (2014) quando postula
que o processo educativo é uma ação que ocorre entre os sujeitos de
forma dialógica através da mediação do mundo.
No que concerne ao aprendizado de inglês é fundamental que o
aluno veja a utilidade do aprendizado dessa língua para a sua vida,
de modo que não recaia na repetição e memorização de vocábulos
e regras gramaticais sem valor concreto, uma vez que a “linguagem
é uma ferramenta de comunicação, não conjuntos de regras” (NU-
NAN, 2015, p. 13, tradução nossa) descontextualizadas que podem ser
ensinadas através de atividades mecânicas que não exigem reflexão.
Essa situação reflete a mesma encontrada por Paiva (2009) quando
aduz que:

a sala de aula, geralmente, não oferece atividades de uso da língua, mas ape-
nas exercícios sobre determinados itens gramaticais onde a língua é tratada de
forma artificial ou, ainda, a tradução de textos escolhidos pelo professor e que
nem sempre são de interesse do aluno (PAIVA, 2009, p. 33).

Ao pensar nas relações de poder e de importância do inglês


como língua internacional, Pennycook (1994) afirma que o inglês deve
ser visto, sobretudo, como uma língua de oposição e não meramente
imperialista. Por ser uma língua compreendida no mundo inteiro, ela
serve para expor as críticas e vozes de cidadãos de todos os lugares.
A aula de línguas deve ser dialógica, seguindo os princípios freireanos
de aluno como cidadão ativo no processo de produção do conheci-
mento (FREIRE, 2015).
Observa-se que os métodos de ensino com o jovem e adulto
constituem-se em repetições e adaptações das mesmas práticas
docentes utilizadas com crianças e adolescentes, desconsiderando
que o aluno da EJA, por ser adulto, tem a habilidade de fazer escolhas.
Segundo os princípios da andragogia (KNOWLES, 1980), o estudante
deve escolher seus próprios caminhos de forma autônoma, visto que

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 299


o professor é apenas um facilitador no seu percurso de aprendiza-
gem e não um apresentador de conteúdos como, infelizmente, ainda
acontece na maior parte do ensino no Brasil (FREIRE, 2015).
Quanto à representatividade dos sujeitos da EJA na aula de língua
adicional, é comum que as aulas de língua inglesa reproduzam mo-
delos pré-definidos de sociedade que não condizem com o contexto
sociocultural em que os sujeitos estão inseridos. Assuntos com pouca
ou nenhuma relevância são escolhidos para as aulas, negligenciando
temas de interesse e pertinência para a mudança de paradigmas ou
de avaliação e valorização das vidas dos estudantes. Por vezes, é re-
negado o papel da aula de línguas adicionais como uma prática de
reflexão sobre o mundo, já que ela não apenas reflete o mundo, ela é
o mundo (SIQUEIRA, 2012). Portanto, é preciso “inquietar os educandos,
desafiando-os para que percebam que o mundo dado é um mundo
dando-se e que, por isso mesmo, transformado, reinventado” (FREIRE,
2006, p. 30). Por isso, é importante valorizar a experiência trazida pelos
educandos para que eles possam refletir criticamente sobre as ques-
tões referentes à sua própria realidade.
Felizmente, nem todo o ensino é pautado em uma prática educa-
tiva de desvalorização do ser rural, os movimentos de cultura popular
desenvolvidos por Paulo Freire na década de 1960, ainda estão pre-
sentes em nossas discussões acadêmicas e no fazer de alguns edu-
cadores e entidades de ensino. Essas discussões precisam ser am-
pliadas e o ensino precisa ser pautado no aluno, na sua busca pela
própria valorização. “Onde esse sujeito encontra um sentido e a pos-
sibilidade de atualizar-se sem perder a essência da sua identidade”
(FREITAS, 2011, p. 3)
No interior da Bahia, por exemplo, o aluno do campo percorre tra-
jetos de uma, duas, ou mais horas para chegar à sua escola na cida-
de, pois em seu entorno há uma carência de escolas, principalmente

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 300


o Ensino Médio da educação básica e as modalidades em EJA. Esses
estudantes permanecem na escola por cerca de três a quatro horas
e fazem o longo e desgastante caminho de volta nos ônibus e vans
escolares. No ambiente escolar se deparam com as aulas de inglês
e questionam “Não sei nem português direito, quem dirá inglês”. Aí já
se apresenta o estigma da própria desvalorização e do não acreditar
no próprio potencial. Outros questionamentos que surgem: “para que
aprender inglês se não irei viajar pra fora?”; “vamos estudar de novo
o verbo to be?”
A aprendizagem de língua inglesa precisa mudar, não podemos
minimizar o que vai ser aprendido por se tratarem de alunos de EJA,
esses estudantes não podem ser vistos como “coitados”, como tam-
bém não se pode simplesmente transferir o que é ensinado no Ensino
Médio regular como um pacote sem adequação às necessidades do
aluno. Silva e Santos (2018) enfatizam que a aula e os materiais didá-
ticos precisam ser pensados de acordo com a modalidade da EJA,
além disto, devemos desmistificar e proporcionar discussões com os
alunos e comunidade sobre nossa sociedade, “sobre a cultura domi-
nante e autoritária, proporcionar condições para que estes reconhe-
çam o seu espaço dentro dessa cultura, para que cada um analise
seu contexto social e produza seus conhecimentos” (SILVA; SANTOS,
2018, p. 104), visto que, como é informado em documento oficial, é im-
prescindível reconhecer: “a) dos saberes e fazeres que são construí-
dos no tempo da juventude e da adultez; e b) das experiências e vi-
vências de trabalho e sobrevivência desses sujeitos nas cidades e nos
campos” (BAHIA, 2009, p. 12).
Há que se considerar, portanto, que a abordagem, as metodolo-
gias e os materiais didáticos para ensino de inglês na EJA precisam
ser repensados com relação ao perfil, necessidades e expectativas
dos alunos. Em tal reflexão, Siqueira (2012) destaca a importância de

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 301


[...] atender às necessidades específicas dos aprendizes, pautando-se pela in-
serção de conteúdos culturais globais, em especial da cultura nativa do aluno,
pelo desenvolvimento da competência intercultural, assim como pela inclusão
de temas que fazem parte do mundo real (SIQUEIRA, 2012, p. 321).

No primeiro dia de aula de cada turma, os alunos precisam ser


ouvidos. Educandos e educadores juntos devem construir a proposta
de ensino para o ano letivo. Respeitando os anseios, necessidades e
perspectivas de real construção do conhecimento. Faz-se necessário
pensar nessa diversidade de cidadãos encontrados na sala de aula da
EJA, alunos rurais e urbanos juntos precisam ser respeitados. Ao invés
de anular a realidade social de um ou de outro, a aula pode ser ainda
mais enriquecedora com essas múltiplas culturas, múltiplos olhares e
formas de ver e interagir no mundo. Ao pensar no aluno rural e em seu
processo de construção de conhecimentos, concordamos com Freitas
(2011) que a educação para o aluno do campo

[...] afirmar-se-ia, portanto, no combate aos “pacotes” (tanto agrícolas quanto


educacionais) e à tentativa de fazer das pessoas que vivem no campo instru-
mentos de implantação de modelos que as ignoram. Também se contraporia
à visão reducionista de educação como preparação de mão de obra para o
trabalho. (FREITAS, 2011, p. 7)

A política de educação para EJA no estado da Bahia comunga


em documento com esses preceitos ao afirmar compromisso com
os seguintes eixos temáticos: “a identidade, o trabalho, a cultura, a
diversidade, a cidadania, as diversas redes de mobilização social e a
Pedagogia da Libertação” (BAHIA, 2009, 14). Contudo, a efetiva aplica-
ção dessas temáticas nas vivências das escolas, comunidades e au-
las de inglês, especificamente, ainda está longe de alcançar o ideal.
Como nos informa José Pacheco (2019, p. 21-22), “urge operar rupturas
paradigmáticas, passar de práticas ancoradas nos paradigmas da
instrução e da aprendizagem para práticas radicadas no paradigma
da comunicação, no primado da dialogicidade”.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 302


Como visto anteriormente, os eixos temáticos para o 2º Tempo
são Trabalho e Sociedade; Meio Ambiente e Movimentos Sociais, e
para o 3º Tempo são Globalização, Cultura e Conhecimento; Econo-
mia Solidária e Empreendedorismo. São eixos que têm muitas possi-
bilidades e viabilidades de implementação. A aula de língua inglesa é
bastante rica, pois qualquer tema pode ser debatido, discutido, tendo
como pano de fundo a própria língua adicional.
Os temas acima apresentados necessitam, sem sombra de dú-
vida, não apenas da participação de alunos e professores. É neces-
sário trazer a comunidade para esses debates e para que o ambien-
te escolar vivencie a comunidade e vice-versa. Podem ser realizados
projetos inter e transdisciplinares que englobem esse viés. Pacheco
(2019, p. 39) traz, para esse tipo de ideia, o conceito de comunidades
de aprendizagem, pois, “escolas são pessoas, e não edifícios. [...] as
pessoas são os seus valores e [...] esses valores, transformados em
princípios de ação, dão origem a projetos”.
Não há uma fórmula pronta para dizer como deve ser a aula de
língua inglesa, pois a inovação não é aquela metodologia vendida
pelo marketing acadêmico como a melhor, ela é construída no nos-
so dia-a-dia, percebendo nossas necessidades, para que possamos
mudar, avançar e não nos tornarmos seres estagnados. É preciso,
pois, que estejamos atentos, pois esta escola que aí está posta ape-
nas forma profissionais para empregos que podem estar obsoletos
na próxima década (PACHECO, 2019). Vamos formar para a vida.
O aprendizado de inglês deve ser transformador, crítico, coleti-
vo, com a totalidade dos sujeitos que o formam, não apenas alunos
e professores, mas também, a instituição escolar e a comunidade,
numa dimensão dialógica e crítica.
Cabe discutir em cada unidade escolar quais são seus anseios
e necessidades, o que o sistema educacional, professores, alunos e
comunidade podem fazer para tornar as práticas educacionais mais

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 303


ativas, reflexivas e críticas. Segundo Pinto (1982), o aluno não é mero
objeto das vontades sociais, ele é ativo e possui liberdade de pensa-
mento. “O grave é não ver os jovens e adultos populares como traba-
lhadores, formando-se e deformando nas precaríssimas vivências do
trabalho e da sobrevivência” (ARROYO, 2006, p. 27). Esses estudantes
são seres múltiplos com características diversas que nesse encontro
de potencialidades, às vezes adormecidas, podem ser descobertas e/
ou desenvolvidas novas formas de ver e interagir com o mundo.
O ensino de língua inglesa na escola tem por objetivo preparar os
aprendizes para utilizá-la para a comunicação, para tanto é neces-
sário que as habilidades comunicativas produtivas e receptivas se-
jam desenvolvidas em conjunto a fim de formar falantes autônomos
no uso da língua. Contudo, o que se observa na maioria das escolas
públicas brasileiras é que os aspectos comunicativos da língua são
relegados ao segundo plano, sob as alegações de que não se apren-
de inglês em escolas regulares, o número de alunos em sala de aula
é uma barreira para o trabalho, que o nível dos alunos é baixo ou que
não há material didático apropriado disponível.
No contexto da abordagem comunicativa, a língua é aprendida
através de seu uso, utilizando-se atividades baseadas em tarefas que
engajem os alunos na utilização da língua dentro de um contexto real
de comunicação. Para Savignon (2005), esse engajamento permite
que o aprendiz desenvolva a sua competência comunicativa, que re-
fere-se a expressão, interpretação e negociação de sentidos.
Dentro dessa ótica, Richards (2006) pontua que a prática co-
municativa trata de atividades em que a comunicação autêntica é
o foco, onde informações reais são compartilhadas. Com o objetivo
de contribuir com o desenvolvimento da competência comunicativa,
o professor pode utilizar atividades que envolvem discussão, drama-
tização, tarefas de lacunas, entrevistas, descrição de imagens, jogos,
entre outras.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 304


Considerações finais

O aluno oriundo dos espaços rurais deve ser protagonista da sua


educação juntamente como o aluno urbano no contexto das escolas
públicas na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. A visão
estereotipada do cidadão rural como atrasado, e a falta de respeito
à sua cultura e conhecimento estagnam o desenvolvimento escolar
tanto dos alunos rurais quanto urbanos, pois é justamente essa troca
de conhecimentos e a construção em comunhão que propiciam uma
efetiva aprendizagem dialógica e crítica. Portanto, o ensino de inglês
para os jovens e adultos de espaços rurais e urbanos na EJA deve es-
tar centrado no aluno de modo que estes sejam considerados como
sujeitos ativos no processo de construção do conhecimento e no de-
senvolvimento de habilidades de comunicação de forma significativa.

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LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 307


Sobre as organizadoras

Cátia Veneziano Pitombeira


É doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC-
SP. Atualmente é professora no curso de licenciatura em Letras-Inglês
da Universidade Federal de Alagoas Ufal – Campus A.C. Simões.
Participou como coordenadora pedagógica de língua inglesa da Rede
ISF-Andifes em 2020 e do Programa de Línguas Estrangeiras no Interior
(Plei) da UFAL em 2019 e é membro do Grupo de pesquisa Letramentos,
educação e transculturalidade da UFAL. E-mail: catia.pitombeira@
fale.ufal.br

Flávia Colen Meniconi


Doutora em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Alagoas
(2015). Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal de
Alagoas, do Curso de Letras/Espanhol (FALE/UFAL) e do Programa de
Pós-Graduação em Linguística e Literatura (PPGLL/FALE/UFAL). É mem-
bro dos grupos de pesquisa: 1- Letramento, Educação e Transcultura-
lidade (LET); 2- Grupo de estudo do texto e da Leitura (GETEL) e Grupo
de estudos sobre Pragmática, texto e discurso (GEPTED). É coordena-
dora do Projeto Casas de Cultura no Campus (Língua Espanhola) e do
Programa de Iniciação à docência (PIBID/Espanhol).

Simone Makiyama
É mestre e doutora em Linguística e atua como docente no curso de
Letras-inglês da Universidade Federal de Alagoas. Coordenou os pro-
jetos de Letras-inglês (2014-2017) e Letras-multidisciplinar (2018-2020)
vinculados ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docên-

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 308


cia (PIBID/CAPES). Colaborou junto ao Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) em 2020-2021 na área
de inglês. Também é docente orientadora em língua inglesa na Rede
IsF-Andifes e participa do grupo de pesquisa Letramentos, Educação
e Transculturalidade.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 309


Sobre os autores e autoras

Agnaldo Pedro Santos Filho


Mestre em Educação de Jovens e Adultos (UNEB), graduado em Letras:
Língua Inglesa e Literaturas pela Universidade do Estado da Bahia,
Especialista em Ensino de Língua Inglesa (FTC). Atualmente é professor
do Colégio Militar de Salvador - CMS. Tem experiência na área de
Letras - Língua Inglesa, atuando como professor do Ensino Básico
Técnico e Tecnológico. Pesquisa nas áreas de Ensino e Aprendizagem
de Língua Inglesa, Formação de Professores, Educação de Jovens e
Adultos. agnpedro@gmail.com.

Ana Lúcia Rocha Silva


Mestra e doutora em Linguística pela Universidade Federal do Ceará.
Graduada em direito pela Universidade CEUMA, licenciada em Letras
pela UFMA. Professora Associada do Departamento de Letras e do
Programa de Pós-graduação em Letras - Mestrado Acadêmico da
UFMA. Tem experiência na área de Letras, atuando principalmente nos
seguintes temas: estudos do discurso e argumentação, aquisição da
linguagem, morfologia derivacional e linguística aplicada ao ensino de
língua portuguesa. É Coordenadora do Subprojeto de Letras - Língua
Portuguesa do PIBID - DELER - UFMA - São Luís.
Benildo Gomes da Silva. Possui graduação em Letras-inglês pela
Universidade Federal de Alagoas e é professor de inglês do Ensino
fundamental da Educação Básica no município de Maceió - AL.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 310


Cristiane da Silva Uchoa
Possui graduação em Letras – Língua Inglesa e Literatura de Língua
Inglesa pela Universidade Federal do Piauí (2018). Cursou mestrado no
Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Universidade
de Brasília (PGLA/ UnB), onde foi editora júnior da Revista Horizontes de
Linguística Aplicada (2018) e professora voluntária de português como
língua de acolhimento – PLAc para alunos imigrantes e refugiados no
projeto ProAcolher da mesma instituição. Atualmente é doutoranda em
Estudos Linguísticos pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal do Paraná (PPG-LET/UFPR). Como pesquisadora
investiga crenças, formação de professores, identidades e aquisição
de línguas. Acesso do registro no ORCID disponível em: https://orcid.
org/0000-0003-2694-8302.

Danillo da Silva Feitosa


Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Federal de Alagoas (PPGE/UFAL) e
graduando em Letras/Português na Faculdade de Letras (FALE/UFAL).
Graduado em Letras/Espanhol pela FALE/UFAL e especialista em
Tutoria em Educação a Distância e Docência no Ensino Superior pela
Faculdade Venda Nova do Imigrante. Membro dos grupos de pesquisa:
Letramentos, Educação e Transculturalidade (LET/UFAL); Pragmática,
Texto e Discurso, da Universidade Federal de Minas Gerais (GEPTED/
UFMG); e Didática da Leitura, da Literatura e da Escrita (GELLITE/UFAL).
Revisor credenciado pela Editora da Universidade Federal de Alagoas
(EDUFAL). E-mail: q.danillo@gmail.com.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 311


Dara Raiza Melo de Souza
Graduada em Letras/Espanhol e Graduanda em Letras/Português
pela Faculdade de Letras da UFAL. Atuou como professora no projeto
Casa de Cultura no Campus em 2017-2019 e no Programa de Línguas
Estrangeiros no Interior em 2019. Também atuou como monitora de
Língua Espanhola I em 2018-2019 e como colaboradora de pesquisa
PIBIC nos anos de 2018/2019 e 2019/2020. É membro do Grupo de
Estudos, Discurso, Ensino e Aprendizagem de Línguas e Literaturas/
UFAL. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase na linguística
aplicada, nos temas: constituição identitária e ensino-aprendizagem
de línguas.

Edja Feliciano Silva


Licenciada em Letras-Francês pela Universidade Federal da Alagoas
– Ufal e graduanda no curso de Letras-Português pela mesma
universidade. Atua como professora de língua francesa. Participou
da Rede ISF-Andifes como professora em formação inicial durante a
oferta de cursos de 2020. E-mail: petitsafira@gmail.com.
Elaine dos Santos Sgarbi. Possui mestrado em Linguística pela
Universidade Federal de Alagoas. É professora de língua espanhola do
Instituto Federal de Alagoas/Campus Maceió, atua no ensino médio
técnico integrado e nos cursos superiores tecnológicos de Gestão de
Turismo e Tecnologia em Hotelaria.

Gabriel Pereira da Silva


É graduando em Letras Inglês da UFAL. Participou como bolsista do
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), do
Idiomas Sem Fronteiras (IsF) da Rede Andifes e atualmente é bolsista
da Monitoria de teoria linguística. E-mail: gabriel.rjed@outlook.com

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 312


Gutyerlle de Sousa Araújo
Possui graduação em Letras- Língua Inglesa e Literatura de Língua
Inglesa pela Universidade Federal do Piauí (2018). Mestre no Programa
de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PGLA) da Universidade
de Brasília (UnB) e desenvolve pesquisa na área de formação de
professores no ensino de línguas. Atua como professor de Inglês em
instituições privadas e públicas desde 2016. Acesso do registro no
ORCID disponível em: https://orcid.org/0000-0002-1549-2576.
Jofre Francisco da Silva. Graduando do curso de Letras-Francês na
Universidade Federal de Alagoas-Ufal. Participou da Rede ISF-Andifes
como professor em formação inicial durante a oferta de cursos de
2020. E-mail: jofre.silva@fale.ufal.br.

José Miguel da Silva Ramos


É graduando em Letras Inglês da UFAL. Participou como professor
bolsista no Idiomas Sem Fronteiras (IsF) da Rede Andifes em 2020 e do
Programa de Línguas Estrangeiras no Interior (Plei) da UFAL em 2019.
E-mail: jose.ramos@fale.ufal.br

José Veiga Viñal Júnior


Doutor em Linguística pela Universidade de Vigo-Espanha. Graduado
em Letras com Língua Espanhola pela Universidade Federal da Bahia
(2003). Especialista em Metodologia do ensino superior com ênfase em
novas tecnologias (FBB) e LIBRAS (IBF). Mestre em Educação de Jovens
e Adultos pela UNEB. Professor Adjunto da Universidade do Estado da
Bahia (UNEB). Atualmente é professor Adjunto do Departamento de
Ciências Humanas (DCH-UNEB-Salvador). joseveigavinal@gmail.com.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 313


Juliana Fioroto
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da
UNESP Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, campus
de São José do Rio Preto e membro do Grupo de pesquisa ALTER-
FIP (Análise de Linguagem, Trabalho Educacional e suas Relações-
Formação, Intervenção e Pesquisa). Atualmente, é professora de Ensino
Médio e Técnico do Centro Paula Souza com experiência no ensino de
Português/Língua Materna e Inglês/Língua Estrangeira. E-mail: juliana.
fioroto@unesp.br.

Kelli Mileni Voltero


Mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP). Membro do Grupo de pesquisa ALTER-FIP (Análise de
Linguagem, Trabalho Educacional e suas Relações – Formação,
Intervenção e Pesquisa). Atualmente, cursa doutorado no Programa
de Pós-graduação em Estudos Linguísticos na UNESP. Seus estudos
concentram-se na área de linguagem e trabalho docente. Atuante
na área da educação como docente de Língua Portuguesa e Língua
Inglesa. E-mail: kelli.mileni@unesp.br

Lêda Regina de Jesus Couto


Doutoranda em Crítica Cultural (UNEB), graduação em Letras
com Inglês e Literaturas (UNEB), especializações em Planejamento
Educacional (UNIVERSO) e Inglês como Língua Estrangeira (UESB),
mestra em Estudo de Linguagens (UNEB). Atualmente é Professora
Assistente da Universidade do Estado da Bahia. Pesquisadora do
GELILT (Grupo de Estudos em Língua Inglesa, Literaturas e Tradução)
do Colegiado de Língua Inglesa e Literaturas (DCHV- UNEB). Pesquisa
nas áreas de Ensino e Aprendizagem de Língua Inglesa, Formação
de Professores, Educação de Jovens e Adultos, Educação Popular e
Interculturalidade. Ledaregina1@hotmail.com.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 314


Luciano Franco da Silva
Doutorando em Estudos Linguísticos pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP-Ibilce), e mestre (2018) pela
mesma instituição, na linha de pesquisa Pedagogia do Léxico e da
Tradução Baseada em Corpora. É membro do Grupo de Pesquisa
En-Corpora (UNESP-Ibilce). Tem experiência na área de Letras, com
ênfase em Inglês, Ensino de Línguas para Fins Específicos (LinFE), Inglês
para Fins Acadêmicos e Linguística de Corpus. E-mail: luciano.franco@
unesp.br.

Maria Luand Bezerra Campelo


Possui graduação em Letras – Língua Inglesa e Literatura de Língua
Inglesa pela Universidade Federal do Piauí (2016) assim como titulação
de Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília.
Como pesquisadora, desenvolve pesquisas na área de Português
Língua de Acolhimento, bilinguismo e migrações internacionais na
contemporaneidade. Acesso do registro no ORCID disponível em:
https://orcid.org/0000-0003-2541-7059.

Mozart Luiz Tavares da Silva Gomes


É graduando em Letras - Espanhol pela Universidade Federal de
Alagoas (Ufal). Atua como pesquisador na área de Análise Dialógica
do Discurso, com foco em discursos digitais e foi professor de língua
espanhola em projetos de extensão da universidade, como Casa de
Cultura no Campus, Casa de Cultura Latino-americana e Paespe.

Otávio de Oliveira Silva


Graduado em Letras (2010); Especialista em Linguística e Ensino de
Línguas (2016); Pós-graduado em Educação pelo Departamento
de Educação da Universidade de Tsukuba (2019); Mestre em Letras

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 315


(2017) ; e, atualmente, Doutorando em Letras (Área de concentração:
Estudos Linguísticos) junto ao Programa de Pós-graduação em
Letras Estrangeiras e Tradução (PPG-LETRAS), do Departamento de
Letras Modernas (DLM) da FFLCH-USP, na linha de pesquisa ensino-
aprendizagem/aquisição de línguas, desenvolvendo sua tese vinculada
ao projeto de pesquisa “Atividades de aprendizagem no contexto de
estudos bilíngues: a colaboração em foco”, sob orientação da Profa.
Dra. Mona Mohamad Hawi. É membro do GEELLE - Grupo de Estudos
sobre Educação Linguística em Línguas Estrangeiras, coordenado pelo
Prof. Dr. Daniel de Mello Ferraz (USP/FFLCH/DLM). Foi pesquisador junto
ao Laboratório de Educação Linguística da Faculdade de Ciências
Humanas e do Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado)
do Departamento de Educação da Universidade de Tsukuba (Japão),
através do Ministério da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e
Tecnologia do Japão (MEXT) (2017 - 2019). Há 14 anos é Professor de
Educação Básica II junto à Secretaria da Educação do Estado de São
Paulo (SEDUC-SP). E-mail: otaviosilva@usp.br.

Renata Cybelle da Silva Rocha


Professora da Educação Infantil no Centro de Recuperação e Educação
Nutricional (CREN), Graduada em Letras/Espanhol pela Universidade
Federal de Alagoas e Pós-graduanda em Psicopedagogia e educação
especial.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 316


Rita de Cássia Souto Maior
Professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Alagoas.
Doutora e mestre em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação
em Linguística e Literatura (PPGLL/UFAL). Realizou pós-doutoramento
no Programa de Pós-graduação em Linguística (PPGL/UFC). É uma
das líderes do Grupo de Estudos Discurso, Ensino e Aprendizagem de
Línguas e Literatura (GEDEALL/UFAL) e integra o Grupo de Estudos e
Pesquisas em Linguística Aplicada (GEPLA/UFC). Articula reflexões
sobre o ensino e aprendizagem de Línguas e a abordagem discursiva
de ensino, a partir da perspectiva da Linguística Aplicada.

Rosária Cristina Costa Ribeiro


Possui mestrado e doutorado em Estudos Literários pela Universidade
Estadual Paulista-UNESP-FCLAr. Atualmente é professora no curso de
licenciatura em Letras-Francês, Universidade Federal de Alagoas-
Ufal – Campus A.C. Simões, onde desenvolve projetos voltados para
a formação de professores. Participou da Rede ISF-Andifes como
professora-orientadora durante a oferta de cursos de 2020. E-mail:
rosaria.ribeiro@fale.ufal.br.

Rosycléa Dantas
É doutora em Linguística Aplicada (2019) pela Universidade Federal da
Paraíba. Atualmente é professora no curso de licenciatura em Letras-
Inglês da Universidade Federal de Alagoas Ufal – Campus A.C. Simões.
Participou como coordenadora pedagógica de língua inglesa da
Rede ISF-Andifes em 2020. É vice-coordenadora das Casas de Cultura
Britânica da UFAL e membro do Grupo de Pesquisa Agir de Linguagem,
Docência e Educação Inclusiva (ALDEI- CNPq). E-mail: rosyclea.dantas.
silva@fale.ufal.br

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 317


Silvio Nunes da Silva Júnior
Doutor e mestre em Linguística pelo Programa de Pós-graduação em
Linguística e Literatura da Universidade Federal de Alagoas (PPGLL/
UFAL). Estágio pós-doutoral no Programa de Pós-graduação Mestrado
em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos da Universidade do
Estado da Bahia (PPGESA/UNEB). É professor efetivo da Secretaria
Municipal de Educação de Palmeira dos Índios/AL. Atua, também,
como professor Substituto de Linguística da Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Alagoas (FALE/UFAL) e do curso de Letras da
Universidade de Pernambuco (UPE/Garanhuns). Pesquisador do Grupo
de Estudos Discurso, Ensino e Aprendizagem de Línguas e Literaturas
(GEDEALL/CNPq/UFAL). É um dos líderes do Grupo de Estudo das
Narrativas Alagoanas (GENA/CNPq/UNEAL). Membro do GT Ensino e
Aprendizagem na perspectiva da Linguística Aplicada da Associação
Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (EAPLA/
ANPOLL). E-mail: silvionunesdasilvajunior@gmail.com.

Thays Costa Lisboa de Sá


Mestra em Letras pela Universidade Federal do Maranhão. Graduada
em Letras Língua Portuguesa e Língua Espanhola e suas respectivas
literaturas pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), com
intercâmbio na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM).
Especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pelo Instituto
de Ensino Superior São Franciscano (IESF) e em Ensino de Língua
Espanhola pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI).
Professora de Língua Portuguesa da rede pública municipal de São
Luís (SEMED)e de Língua Espanhola da rede pública estadual (SEDUC-
MA).

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 318


Walter Vieira Barros
Doutorando e mestre em Linguagem e Ensino pelo Programa de Pós-
Graduação em Linguagem e Ensino (PPGLE) da Universidade Federal
de Campina Grande (UFCG). Licenciado em Letras – Língua Inglesa
pela mesma universidade. Tem experiência na área de Linguística
Aplicada, atuando principalmente nos seguintes temas: Formação de
professores, Educação linguística (mais especificamente, em língua
inglesa), Identidades docentes e Letramentos (Novos Letramentos,
Multiletramentos, Letramentos Críticos e Letramentos Digitais). Lattes:
http://lattes.cnpq.br/6670033484989283.

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 319


Índice remissivo
A
Agir docente 87, 88, 90, 91, 94, 95, 107, 110
B
BNCC 31, 179, 180
C
Cibercultura 69, 70, 76, 77, 221
Covid-19 68, 70, 74, 112, 115, 116, 119, 121, 123, 133, 145, 151, 154, 170, 174

D
Discursos envolventes 20, 223, 225, 226, 232, 238, 240
E
Educação Básica 15, 18, 20, 132, 178, 179, 180, 187, 188, 189, 220, 223, 241, 272, 306,
309, 315
Ensino-aprendizagem 14, 29, 35, 38, 43, 65, 68, 70, 71, 72, 73, 77, 80, 81, 82, 92,
95, 112, 116, 117, 121, 122, 125, 127, 130, 154, 156, 158, 159, 161, 162, 166, 174, 178, 232, 311,
315
Ensino remoto 11, 17, 69, 71, 73, 74, 76, 77, 81, 82, 83, 84, 113, 116, 121, 123, 125, 136,
138, 140, 147, 161
Escrita 6, 10, 18, 19, 38, 46, 55, 64, 81, 97, 101, 104, 148, 166, 168, 177, 180, 181, 182, 185,
189, 190, 193, 199, 200, 258, 259, 267, 272, 274, 275, 276, 285, 287, 288

F
Formação de professores 11, 22, 24, 25, 29, 33, 42, 45, 46, 47, 84, 97, 98, 109, 110,
116, 132, 152, 154, 165, 203, 205, 206, 207, 218, 219, 220, 221, 224, 228, 233, 244, 247,
249, 251, 268, 310, 312, 316
G
Gestos didáticos 87, 88, 90, 91, 92, 93, 94, 99, 100, 101, 106, 107, 110
Google Meet 74, 75, 123, 156

I
Identidade 54, 224, 227, 236, 239, 240, 292, 300, 302
Idiomas sem Fronteiras 5, 15, 16, 67, 69, 74, 76, 164

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 320


A
Agir docente 87, 88, 90, 91, 94, 95, 107, 110
B
BNCC 31, 179, 180
C
Cibercultura 69, 70, 76, 77, 221
Covid-19 68, 70, 74, 112, 115, 116, 119, 121, 123, 133, 145, 151, 154, 170, 174

D
Discursos envolventes 20, 223, 225, 226, 232, 238, 240
E
Educação Básica 15, 18, 20, 132, 178, 179, 180, 187, 188, 189, 220, 223, 241, 272, 306,
309, 315
Ensino-aprendizagem 14, 29, 35, 38, 43, 65, 68, 70, 71, 72, 73, 77, 80, 81, 82, 92,
95, 112, 116, 117, 121, 122, 125, 127, 130, 154, 156, 158, 159, 161, 162, 166, 174, 178, 232, 311,
315
Ensino remoto 11, 17, 69, 71, 73, 74, 76, 77, 81, 82, 83, 84, 113, 116, 121, 123, 125, 136,
138, 140, 147, 161
Escrita 6, 10, 18, 19, 38, 46, 55, 64, 81, 97, 101, 104, 148, 166, 168, 177, 180, 181, 182, 185,
189, 190, 193, 199, 200, 258, 259, 267, 272, 274, 275, 276, 285, 287, 288

F
Formação de professores 11, 22, 24, 25, 29, 33, 42, 45, 46, 47, 84, 97, 98, 109, 110,
116, 132, 152, 154, 165, 203, 205, 206, 207, 218, 219, 220, 221, 224, 228, 233, 244, 247,
249, 251, 268, 310, 312, 316
G
Gestos didáticos 87, 88, 90, 91, 92, 93, 94, 99, 100, 101, 106, 107, 110
Google Meet 74, 75, 123, 156

I
Identidade 54, 224, 227, 236, 239, 240, 292, 300, 302
Idiomas sem Fronteiras 5, 15, 16, 67, 69, 74, 76, 164

L
Leitura 8, 12, 19, 26, 27, 35, 38, 46, 72, 74, 76, 110, 149, 162, 180, 193, 194, 199, 204,
207, 241, 259, 260, 267, 272, 274, 275, 280, 284, 286, 287, 288

LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 321


LINGUÍSTICA APLICADA E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E DESAFIOS 322

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