Você está na página 1de 30

Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

MIA > Biblioteca > Pashukanis > Novidades

Lenin e os Problemas do Direito


Evgeny Pashukanis

1925

Primeira Edição: Lenin i voprosy prava, Revoliutsiia prava: Sbornik 1 (1925),


Kommunisticheskaia akedemiia Moscow.
Fonte: LavraPalavra
Tradução: Gabriel Landi Fazzio e Thais Hoshika - do inglês disponível em
https://www.marxists.org/archive/pashukanis/1925/xx/lenin.htm
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.

Nota introdutória da tradução

No seguinte ensaio, publicado em 1925 (no ano seguinte à publicação de


“Teoria Geral do Direito e Marxismo”), Pachukanis relaciona sua crítica da
forma jurídica à volumosa, ainda que fragmentária, produção teórica de Lenin
sobre o direito. Opondo Lenin a uma parcela do pensamento jurídico soviético,
destaca a relação dialética entre as formas de propriedade, formas jurídicas e
formas estatais.

Pachukanis argumenta que um Partido revolucionário deve seguir um curso


que evite os perigos tanto da completa rejeição da luta legal quanto do
fetichismo ligado à legalidade formal. Mobilizando desde as polêmicas de Lenin
com os mencheviques sobre o estatuto do Partido até a questão do direito dos
povos à sua autodeterminação, Pachukanis aproxima suas concepções sobre o
Estado e o direito daquela de Vladimir Ilitch.

Os destaques e colchetes são do próprio autor.

Lenin, embora fosse um jurista de formação, jamais dedicou atenção


especial aos problemas do direito. Com base nisso, seria possível chegar à
conclusão precipitada de que tal categoria não deveria receber qualquer
atenção no estudo sistemático de seu imenso legado ideológico. No entanto,
isso seria incorreto. Para começar, uma série de observações e pensamentos
isolados relativos ao direito estão espalhados por todo o seu trabalho. Eles
meramente precisam ser extraídos, classificados e sistematizados. A
contribuição de Lenin para esse assunto, insuficientemente desenvolvida pelos

1 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

marxistas, só pode ser avaliada após essa tarefa ser realizada. Além disso,
sequer foi publicado tudo o que Vladimir Ilitch escreveu no período soviético,
não destinado diretamente à publicação, ou seja, seus escritos relativos aos
problemas práticos de construção do estado soviético que foram preservados
na forma de numerosas notas diretivas e cartas a camaradas individuais, bem
como todo tipo possível de ordem, instrução, etc. Somente quando todo este
material for sistematizado e publicado poderemos conceber uma ideia
verdadeiramente abrangente do que o leninismo significa para os problemas do
direito.

No presente artigo, naturalmente, não esperamos alcançar os resultados


excepcionais de um trabalho que exige esforços substanciais e, provavelmente,
coletivos. Mas uma observação deve ser feita neste momento. Pode-se obter
uma abordagem marxista e dialética muito mais correta dos problemas do
direito de Lenin, que não escreveu especialmente sobre a lei, do que de outros
marxistas que se dedicaram especialmente a essas questões. Para provar
minha colocação, darei um exemplo. O problema diz respeito a uma das
instituições jurídicas básicas: a instituição da propriedade privada. Certos
marxistas, seguindo o exemplo de Renner, apresentam a dialética dessa
instituição de maneira inteiramente simplista:

Na era da economia natural, isolada e fechada, o direito de propriedade


das coisas poderia realmente ser considerado como o fator que distingue
diferentes grupos de pessoas umas das outras. Pessoas de fora não tinham
relações com esses proprietários.

Relações mercantis entre grupos ou seus representantes, troca de


excedentes da economia natural, relações contratuais ligadas a essa troca; na
verdade, esses podem ser os únicos elementos que ligam os indivíduos uns aos
outros.(1)

Parece que nada poderia ser mais simples: quanto menos essa troca é
desenvolvida e menor o papel do mercado, mais a propriedade privada atomiza
as pessoas, mais é uma relação “entre um homem e uma coisa”, e mais é
o direito real. Por outro lado, conclui o mesmo autor, “a propriedade privada
capitalista… não ‘atomiza’ as pessoas, mas as ‘une’ fortemente, e acorrenta os
trabalhadores se não a um capitalista individual, pelo menos aos capitalistas
como grupo”. Daí conclui que “a diferença entre o direito real e o direito das
obrigações, em particular na forma que a jurisprudência burguesa lhe dá,
corresponde não ao sistema capitalista, mas à estrutura da economia natural
simples”. Este é um exemplo de uma análise extremamente simplista –
supostamente atribuída a Marx, mas na verdade feita por Renner.

Goikhbarg falha completamente em perceber a possibilidade dialética de


que, ao atomizar as pessoas, a propriedade privada faz sua aparição unindo-as
através da troca, através do mercado, de acordo com a extensão do
desaparecimento da economia natural e sua substituição por uma economia

2 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

monetária. No entanto, em um dos primeiros trabalhos de Lenin, encontramos


não apenas uma clara compreensão da dialética da propriedade privada, mas
também uma formulação correspondentemente nítida dela. Objetando a
Mikhailovsky na questão da natureza do direito de herança, Lenin escreve:

“De fato, a instituição da herança já pressupõe a propriedade


privada, e a segunda surge apenas com o aparecimento da troca.
A fonte disso era a natureza específica do trabalho social e a
alienação de mercadorias no mercado que já estavam aparecendo.
Por muito tempo, entretanto, como todos os membros da primitiva
tribo indígena americana produziam em conjunto todos os seus
produtos necessários, a propriedade privada era impossível. Quando
a divisão do trabalho penetrou na tribo, e seus membros
individualmente começaram a se engajar na produção de um artigo e
vendê-lo no mercado, então a instituição da propriedade privada
apareceu como a expressão dessa individualização material dos
produtores de mercadorias.”(2)

A questão, portanto, não é de modo algum tão simples. A natureza


material da propriedade privada “isolando as pessoas” aparece em cena
apenas quando em vez da simples relação “entre um homem e uma coisa”
(economia natural), surge uma relação contratual entre as pessoas, uma
relação de troca (economia mercantil). A contradição entre o direito real e o
direito das obrigações acaba por ser, segundo a dialética, contida na única
casca em que se desenvolveram em conjunto, o que, até certo ponto, nada
mais é do que a contradição entre “a natureza social dos meios de produção e
a natureza privada da apropriação” traduzida em linguagem jurídica.

Se o caráter estritamente material da propriedade “isolando” as pessoas


fosse um atributo da economia natural fechada, daí resultaria que, por
exemplo, a propriedade feudal da terra deve ter sido mais exclusiva (excluindo
outros, estranhos) do que a propriedade burguesa. Mas, infelizmente, isso
contradiz categoricamente os fatos históricos. Ouça o que um eminente
historiador da legislação civil da Revolução Francesa diz a esse respeito. É
assim que Sagnac caracteriza as relações de terra da França pré-
revolucionária:

“Um direito de propriedade não pertence a apenas uma pessoa, como


no Império Romano; os diferentes direitos de que consiste, em vez
de serem coletados em um pacote, são separados. Por um lado, o
direito de posse direta permanece no concedente; por outro lado,
depois que o direito de uso passou para a pessoa a quem esta terra é
concedida, então, por causa de séculos de evolução, ela é
considerada não como um simples direito de uso, mas como um
direito de propriedade.”(3)

3 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

Assim, as relações que eram semi-naturais correspondiam, por assim dizer,


à ausência de um direito claramente distinto a um objeto “reunido em um
único pacote”. Mas isso ainda não é tudo. No mesmo Sagnac lemos mais
adiante:

“Se a terra pertencia tanto ao arrendatário quanto ao arrendador, de


fato ou em teoria, então também pertencia no sentido geral a todas
as pessoas… Assim que a colheita era coletada, a terra se tornava
comum a todos. As pessoas pobres podiam ir até lá, recolher as
espigas caídas que usavam para a cama de vacas, para o telhado de
casas ou para aquecer a lareira… Depois disso, cada um deles poderia
pastorear suas vacas e ovelhas nas terras não protegidas; este era
um pasto livre. Certos costumes permitem que os proprietários
incluam apenas uma pequena parte de sua propriedade, de modo a
dar aos pobres a possibilidade de pastar suas vacas ou cabras.” (4)

Esses fatos não foram, é claro, descobertos por Sagnac. Eles foram muito
conhecidos e caracterizados, entre outros, até mesmo pelos marxistas, como
reminiscências da propriedade tribal que foram preservadas de fato pela forma
natural da economia. Pelo contrário, os cercamentos – o símbolo de um direito
material exclusivo – foi intensificado pelo desenvolvimento de uma economia
monetária e pela transição da exploração feudal para a exploração capitalista.
Basta considerar o capítulo em “O Capital” sobre a acumulação primitiva. A
Revolução Francesa promulgou um decreto punindo a simples proposta de uma
lei (de reforma) agrária (ou seja, a divisão da terra) com a morte. Ao mesmo
tempo, foram adotados decretos rigorosos sobre a proteção das terras
fronteiriças. Assim, o desenvolvimento do mercado – o desenvolvimento de
relações mercantis – leva precisamente à situação em que a propriedade
privada reflete cada vez mais sua natureza exclusiva como uma relação “entre
o homem e um objeto”. Isso ocorre apesar, ou mais precisamente por causa do
fato de que a diversidade natural dos objetos dá lugar à sua expressão
impessoal na forma de um equivalente monetário universal. A propriedade
obtém um caráter material mais perfeito, então, com a liberdade de
apropriação e alienação. A propriedade da terra adquire um caráter totalmente
material quando a terra se torna “imóvel”, ou seja, um objeto de troca que é
distinto de outros objetos – um objeto apenas pelo fato de que não pode ser
transferido de um lugar para outro. Em outras palavras, o caráter material da
propriedade não corresponde às relações econômicas naturais, mas, de fato,
às relações da sociedade mercantil-capitalista. E, portanto, contrastando o
direito das coisas com o direito das obrigações, ela de modo algum perde seu
significado na transição da economia natural para a economia do mercantil.
Pelo contrário, pela primeira vez, obtém seu pleno significado.

O mesmo deve ser dito sobre a relação entre o explorado e o explorador.


Aqui também, o processo de desenvolvimento não é tão simples e unilateral
como Goikhbarg o descreve. Precisamente porque a economia feudal era

4 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

basicamente natural, a propriedade feudal da terra não podia adotar a forma


aperfeiçoada de um direito exclusivo a um objeto. A existência de loteamentos
camponeses – que destruíram essa exclusividade – também era de fato um
instrumento de exploração:

“A fim de obter uma renda (ou seja, um produto excedente), o


senhorio, proprietário de servos, deve ter em sua terra um camponês
que possua uma porção, implementos e gado. Um camponês sem
terra, sem cavalos e não agricultor é inútil como objeto de exploração
feudal.”(5)

Mas foi de fato disso que a servidão do camponês derivou:

“O camponês a quem foi atribuída a terra deve ser pessoalmente


dependente do senhorio, porque, possuindo a terra, ele não
executará trabalho para seu senhor a não ser por coerção. O sistema
econômico aqui engendra a coerção não econômica, a servidão, a
dependência legal, a ausência de plenos direitos, etc”. (6)

Assim, vemos que a propriedade em uma economia semi-natural não


apenas “isola”, como pensa Goikhbarg, mas também fortemente liga –
“prende” – as pessoas, no caso específico dos camponeses, não apenas à
classe dos proprietários, mas também a cada proprietário de terras individual.
“Pelo contrário, o capitalismo ‘ideal’ é a liberdade total de contratar no
mercado livre – para o proprietário e proletário.”(7) O poder do dinheiro
aparece mais claramente na contradição entre a liberdade legal das partes no
mercado e o poder efetivo do capital, e isso forma a estrutura do estado
burguês em contraste com o estado feudal.

Certamente, pode-se objetar que tudo isso não é novidade, apenas o ABC
do marxismo. Em particular, a diferença entre as formas de exploração
capitalista e feudal, e a diferença entre as formas derivadas de estado, são
suficientemente elucidadas pelo próprio Marx na segunda parte do Volume III
do “O Capital”. A formulação de Lenin sobre esse ponto em particular
simplesmente repete Marx. Mas é ainda mais imperdoável desconsiderar essas
verdades quando elas são elementares e são bem conhecidas há muito tempo.
Especialmente se, à luz dessas verdades, surgir uma imagem do
desenvolvimento do direito que é muito mais complexa do que a apresentada a
nós como as últimas conclusões do marxismo.

A partir desse pequeno exemplo, podemos ver que, na verdade, é muito


mais fácil “criticar essa mitologia [i.e. legal] do que explicá-la a partir das
relações econômicas que a engendram”.(8)

II

5 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

A incomparável dialética de Lenin em nenhum lugar aparece com tanta


força, talvez, como nos problemas do direito. É particularmente
impressionante, pois somos compelidos a compará-lo com o formalismo
miserável e o escolasticismo infrutífero que geralmente floresce aqui. Temos
em mente não apenas a análise teórica da superestrutura jurídica, na qual
Lenin aparece como um verdadeiro seguidor de Marx, mas também a posição
prática de Vladimir Ilitch nessa área. Aqui também encontramos exemplos
marcantes da dialética puramente leninista. É suficiente observar em vários
casos específicos o papel que Lenin atribuiu à forma jurídica. Ele sempre fez
isso levando em conta a situação histórica concreta, a relação entre as forças
das classes em luta, etc. Tanto o fetichismo da forma legal quanto seu
completo oposto não compreendiam o real significado que uma ou outra forma
jurídica pode ter em uma determinada fase, e eram perspectivas igualmente
estranhas a Vladimir Ilitch.

A luta para derrubar e desmascarar o fetiche legalista do sistema, contra o


qual a luta revolucionária é conduzida, é uma qualidade de todo revolucionário.
Isso é obvio. Sem essa qualidade, o revolucionário não é revolucionário. Mas,
para o revolucionário pequeno-burguês, a própria negação da legalidade é
transformada numa espécie de fetiche, cuja obediência suplanta tanto o cálculo
sóbrio das forças e condições de luta quanto a capacidade de usar e fortalecer
até mesmo as vitórias mais inconsequentes na preparação para o próximo
assalto. A natureza revolucionária das táticas leninistas nunca degenerou na
negação fetichista da legalidade; isso nunca foi uma frase revolucionária. Pelo
contrário, em determinados estágios históricos, ele firmemente apelou para
usar aquelas “oportunidades legais” que o inimigo, que estava apenas
debilitado, mas não totalmente derrotado, foi forçado a fornecer. Lenin sabia
não apenas como impiedosamente expor a legalidade czarista, burguesa etc.,
mas também como usá-la, onde era necessário e quando era necessário. Ele
ensinou como preparar a derrubada da autocracia usando a própria lei eleitoral
promulgada pela própria autocracia, e como defender as primeiras posições
conquistadas pela revolução mundial do proletariado, isto é, nossa vitória em
outubro de 1917, ao concluir um tratado com um dos estados imperialistas (a
Paz de Brest). Seu incomparável instinto político o guiou sem falhas para uma
compreensão dos limites dentro dos quais era plenamente possível usar a
forma jurídica imposta pelo curso da luta. Lenin brilhantemente levou em
consideração o fato de que a legalidade que nosso inimigo nos impõe é
imposta a ele pela lógica dos acontecimentos. O regime de Stolypin, por mais
que quisesse, não podia confinar a luta de classes na Rússia dentro daqueles
limites dentro dos quais foi conduzida antes da revolução de 1905; os
imperialistas alemães, qualquer que fosse sua aversão subjetiva à revolução
soviética, foram compelidos pela força da situação internacional geral a
concluir um tratado com o governo soviético.

Lenin frequentemente caracterizou este uso da legalidade como um


trabalho sujo e ingrato (sua comparação da Duma czarista com o “pão sujo” é

6 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

famosa), mas era necessário saber como fazer este trabalho em um certo tipo
de situação, e deixar de lado o tipo de monotonia revolucionária que
reconhecia apenas os métodos “dramáticos” de luta.

Durante os anos de reação (1907-1910), os bolcheviques, comparados


com outros partidos revolucionários e oposicionistas derrotados, “conduziram a
retirada mais ordenada com o menor dano ao seu exército”, “com o núcleo de
seu partido mais bem preservado, com poucas e menos divisões prejudiciais, e
com a menor desmoralização” etc. Lenin explicou isso principalmente pelo fato
de que os bolcheviques “expuseram impiedosamente e expulsaram os
locutores revolucionários que se recusavam a entender que era necessário
recuar, que era necessário aprender como trabalhar legalmente nos
parlamentos mais reacionários, nas organizações mais reacionárias
profissionais, cooperativas e similares.”(9)

Exemplos tão importantes da estratégia leninista quanto o uso de


“oportunidades legais”, ou a paz de Brest, são suficientemente bem conhecidos
e foram mais ou menos estudados do ponto de vista das lições políticas que
eles contêm. Mas até agora pouca atenção foi dada ao fato de que ambos os
casos demonstram o reconhecimento do real significado de um tipo de forma
legal que é usada em uma situação específica, e como um método de luta bem
conhecido e muito necessário.

E Lenin atacou aqueles revolucionários que, consolando-se com uma frase


revolucionária, mostraram falta de disposição ou falta de habilidade para
aprender como aplicar este método de luta na prática.

É notável que essa tendência seja observada em Lenin, não apenas em


grande escala e nas grandes lutas políticas que ele conduziu, mas também em
conflitos menores de caráter cotidiano com os quais se envolveu. Sempre
permanecendo profundamente comprometido com o princípio, Lenin, no
entanto, não se recusou a aplicar esses métodos concretos de luta que, em
determinado momento, era o único caminho possível para alcançar um
resultado desejado – embora o método fosse, por exemplo, um apelo a uma
corte czarista.

Aqui é preciso recordar um episódio da vida de Lenin contada por Elizarov


logo após a morte de Vladimir Ilitch. A situação era que Vladimir Ilitch, que na
época ainda vivia em Samara, queria dar uma lição a um especulador, um
provedor de transporte, que arbitrariamente detinha passageiros que usavam
os serviços de barqueiros para atravessar o rio em vez de sua balsa.
Apresentou uma queixa, apesar de todos os esforços do chefe do antigo
conselho distrital (em nome do especulador, naturalmente) para esgotar o
querelante incansável arrastando a audiência do caso; finalmente, um
veredicto de culpado foi obtido.

Neste episódio, não é apenas importante para nós que Lenin tenha

7 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

mostrado, em menor importância, a mesma teimosia, vontade de ferro e


firmeza pelas quais era conhecido em assuntos importantes. Era importante
que ele soubesse, quando quisesse e quando achasse necessário, como colocar
em movimento mesmo esse método de luta – ele apelou para o tribunal
czarista para ensinar ao pequeno tirano uma lição sobre esse assunto
específico e para proteger o interesses dos pobres barqueiros. Isso não seria
surpreendente se Lenin tivesse pertencido a esse tipo de “ativista social”, um
destacado representante do qual, por exemplo, era V.G. Korolenko. Para eles,
tal luta com a arbitrariedade asiática semi-servil do estado proprietário de
terras “em nome da legalidade” e estritamente por meios legais era uma
espécie de estandarte. Ninguém zombou mais dessas pessoas do que Lenin.
Mas isso de fato prova que Lenin era um mestre desse tipo de luta se não
conseguisse o resultado que buscava, por assim dizer, assumindo uma posição
partidária à frente da luta que estava conduzindo contra a arbitrariedade
autocrática e a exploração capitalista. Por que, provavelmente, 99% dos
nossos bons revolucionários simplesmente teriam torcido as mãos neste caso
em particular e disseram: “Não vale a pena ser envolvido”. E, é claro, ao fazê-
lo, isso teria refletido não o seu compromisso com os princípios como
revolucionários, mas simplesmente a falta de conhecimento do que deveria ser
feito e de que era necessário atuar como advogado; e também falta de
vontade porque era fastidioso. O que poderia ser mais favorável para um
revolucionário do que ir a tribunal e, além disso, comparecer perante o chefe
do governo local. Mas Lenin não era um sonhador ocioso; ele sabia como fazer
trabalhos sujos onde fosse necessário. É verdade, neste caso, que também foi
possível construir um argumento para a conveniência da rota empreendida por
Vladimir Ilitch. Vale a pena, de fato, ter gasto tempo e energia indo a tribunal
com algum especulador individual? Mas este é outro exemplo em que o que é
discutível não é a questão da conveniência, mas a questão de princípio: um
revolucionário deve buscar o apoio da corte da Coroa? Um certo indivíduo que
gerenciou a Casa Editorial de Conhecimento cometeu uma violação e, portanto,
estava sujeito à ameaça de uma ação judicial. Na correspondência de Lenin
com Gorki, a questão é considerada: que medidas práticas devem ser
tomadas? Deve-se apelar ao tribunal czarista; isso era permissível?
Obviamente, a perspectiva intelectual ortodoxa, o medo de sujar a roupa limpa
do revolucionário, voltando-se para a corte czarista, a relação anarquista
exigente com os tribunais em geral e, acima de tudo, a impotência legal usual,
a falta de conhecimento de “como isso é feito” – todos estes estão dispostos
contra tais meios de ação. Lenin criticou energicamente essa combinação de
motivos visíveis e ocultos:

“Com relação a P., sou pela corte. Não há razão para se levantar após
a cerimônia. O sentimentalismo seria imperdoável. Os socialistas não
são de forma alguma contra a corte da Coroa. Somos pelo uso da
legalidade. Marx e Bebel recorreram à corte da Coroa, mesmo contra
seus oponentes socialistas. É necessário saber como fazer isso e é
necessário fazê-lo”.

8 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

E não satisfeito com esta avalanche, Vladimir Ilitch novamente “pressiona”


energicamente:

“P. deve ser processado e sem restrições. Se você é criticado por isso
– cuspa nos rostos dos críticos. Criticar seria hipócrita”. (10)

Não se sabe o que aconteceu com este P., e parece que este caso não foi
ao tribunal. Mas parece que até onde a questão dizia respeito a Vladimir Ilitch,
P. teria sido processado “sem reservas”.

Na verdade, é esse aspecto de Vladimir Ilitch que deve ser comparado a


esse firme apelo – já outra questão, na situação do estado soviético – de lutar
contra a violação da disciplina, omissões, corrupção e ultrajes; lutar com
firmeza, trazendo-a inevitavelmente ao fim, ao tribunal, ao castigo.

“Como são penalizados os oficiais que favoreceram as condições


locais em detrimento do centro e em violação das ordens do centro?
Quais são os nomes dos penalizados? A frequência dessas violações
está diminuindo? As penas foram aumentadas e, em caso afirmativo,
para quê?(11)

E mais:

“Devemos reorganizar a Inspetoria dos Trabalhadores e Camponeses


chamando os membros não-partidários para prestar contas tanto
através desta Inspeção como também fora dela através de processo
judicial.”(12)

E também da mesma ordem:

“Sobre medidas de luta com ladrões: eles estão sendo considerados


criminalmente responsáveis? A administração? Os comitês de fábrica
e planta (por luta insuficiente com o roubo)?”(13)

Ao mesmo tempo, Lenin ensina qualquer um que aponte uma deficiência


do mecanismo soviético de que deve contribuir para a luta com todos os
métodos fornecidos pela legalidade soviética. Uma vez iniciado o caso,
encerre-o, usando todos os canais soviéticos e partidários. Não se deixe
dissuadir pelo fato de ter sofrido um fracasso a princípio, não se deixe
dissuadir pelo fato de não saber para onde se virar. Todos são obrigados a
saber onde e como reclamar de uma decisão imprópria, e todos são obrigados
a se tornar cidadãos soviéticos legalmente alfabetizados.

O conhecimento de como conduzir uma luta em “bases legais”, que na


situação pré-revolucionária não teve e não poderia ter significado amplo, em
princípio tem um significado muito diferente após o período de outubro. Sob a
autocracia e sob o capitalismo, era impossível lutar contra a impotência jurídica

9 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

e analfabetismo jurídico das massas, sem conduzir uma luta revolucionária


contra a autocracia e contra o capital: essa impotência é apenas um fenômeno
parcial da subjugação geral para cuja manutenção a legalidade tsarista e
burguesa existia. Mas depois da conquista do poder pelo proletariado, essa luta
tem a mais alta prioridade como uma das tarefas da reeducação cultural, como
pré-condição para a construção do socialismo. Portanto, as obras de Lenin do
período soviético são simultaneamente “propaganda anti-legal”, isto é, uma
campanha contra a ideologia jurídica burguesa e um apelo à luta e à
eliminação do analfabetismo e impotência legais:

“Na medida em que a tarefa básica do poder se torna não subjugação


militar, mas governar, a característica típica de subjugação e coerção
se tornará não a execução instantânea, mas o tribunal. E a esse
respeito, depois de 25 de outubro de 1917, as massas revolucionárias
partiram no caminho correto, e mostraram a viabilidade da revolução
ao começar a estabelecer os tribunais operários e camponeses antes
mesmo de quaisquer decretos serem proferidos sobre a dissolução do
aparato judicial democrático-burguês. Mas nossos tribunais
revolucionários e do povo são excepcionalmente e incrivelmente
fracos. Percebe-se que a sensação popular é desses tribunais como
governamentais e alienígenas – uma atitude herdada do jugo dos
proprietários e da burguesia que ainda não foi finalmente destruída.
Não há uma consciência suficiente do fato de que o tribunal é
um órgão do poder do proletariado e do camponês mais pobre, e
que o tribunal é uma arma educacional para a disciplina”. (14)

III

O revolucionário pequeno-burguês, rejeitando o uso do método legal de


luta, pode considerar-se um arquiesquerdista, como por exemplo a extrema
esquerda que os social-revolucionários se consideravam quando
desconsideravam o exemplo dos bolcheviques e pediam um boicote à Terceira
Duma de Estado. Na verdade, eles estavam simplesmente prestando seus
respeitos a uma frase revolucionária. Mas esses senhores não rejeitaram
simplesmente a legalidade antiquada do antigo regime: eles adotaram a luta
revolucionária exclusivamente como uma luta por uma nova legalidade. Assim,
a legalidade formal continua a ser um fetiche para eles. Eles não partem do
interesse da classe vitoriosa, mas de princípios abstratos; eles não podem
imaginar que a política do proletariado (que tomou o poder e o manteve
através de uma guerra civil cruel) é apenas a forma do estabelecimento de um
novo tipo de legalidade que repousa sobre uma lei correspondentemente
codificada. Sabe-se que os juristas socialistas revolucionários da esquerda, no
dia seguinte à entrada na estrutura do governo soviético, estavam ocupados
elaborando “um código penal da Revolução”.

10 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

Ninguém sabia castigar a abordagem juridicamente formal mofada e


reacionária das questões da luta de classes revolucionárias tão bem quanto
Lenin. As palavras de Bebel não foram em vão: “os juristas são o povo mais
reacionário da terra” – essa era a expressão favorita usada por Vladimir Ilitch.
É suficiente lembrar como ele atacou Kautsky quando este (com respeito à
Constituição Soviética privando os exploradores do direito de voto) apresentou
a questão profunda: “Quem é um capitalista no sentido legal?” É suficiente
lembrar sua reprimenda a Kautsky sobre a questão relativa à expulsão “ilegal”
de socialistas-revolucionários e mencheviques do Comitê Executivo Central de
Toda a União, uma reprimenda que revela toda a idiotice do formalismo legal
em face dos fatos duros da luta de classes:

“Nós, os bolcheviques russos, deveríamos primeiro prometer a


inviolabilidade de Savinkovs e cia., os Lieberdans e Potresovs (“os
ativistas”); em seguida, redigir um código penal que declare
“punível” qualquer participação na guerra contra-revolucionária
tchecoslovaca, ou qualquer aliança com os imperialistas alemães
contra os trabalhadores do seu próprio país na Ucrânia ou na
Geórgia; e só então, com base no código penal, teríamos o direito de
acordo com a “democracia pura” para excluir “certas pessoas” dos
sovietes.”(15)

O que afinal, em última análise, é a teoria leninista da ditadura, se não


uma doutrina do poder revolucionário que rejeita a legalidade formal?

“O conceito científico de ditadura significa nada menos que poder


ilimitado por qualquer coisa, por quaisquer leis, sem restrições por
regras absolutas, e dependendo diretamente da força.” (16)

E em outro lugar:

“A ditadura revolucionária do proletariado é poder ganho e mantido


pela coerção da burguesia pelo proletariado.”(17)

Mas esse poder, sem estar confinado por regras ou leis, não significa a
ausência de todo poder organizacional? Para o jurista burguês arraigado, não
há dúvida de que esse é o caso, porque ele não vê, e não quer ver, que a
legalidade burguesa é a prática consistente da dominação de classe formada
ao longo de décadas e séculos. Essa forma padrão de dominação “legal” pode
ser destruída ou abalada por eventos extraordinários, mas isso ainda não
significa de forma alguma a necessária eliminação da dominação
organizacional da própria burguesia. De acordo com uma situação
extraordinária, ela pode adotar a forma de uma ditadura extraordinária e
extra-legal. E se, como sabemos, a legalidade burguesa se desenvolveu
gradualmente – por causa do trabalho de toda uma legião de parlamentares,
estudiosos, juristas, juízes e funcionários públicos – então seria absurdo exigir

11 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

a mesma perfeição legal e legalidade do poder proletário nascido ontem e


tendo que defender sua própria existência com armas. Legalidade não é um
saco vazio que pode ser preenchido com um novo conteúdo de classe. Mas é
assim que Kautsky imagina o assunto.

“Este ‘estudioso sério’ permite que a burguesia inglesa construa e


desenvolva uma nova constituição burguesa (para a Idade Média),
mas este representante da ciência lacaia não nos dá, aos
trabalhadores e camponeses da Rússia, tempo suficiente. De nós, ele
exige uma constituição elaborada ao pé da letra dentro de alguns
meses.”(18)

A abordagem revolucionária e marxista dos problemas do direito requer,


acima de tudo, uma avaliação das tendências básicas de classe da sublevação
em curso. Mas Kautsky não está de todo interessado nisso. Ele está perturbado
pelo fato de que, ao privar os capitalistas do direito de voto, nossa constituição
permite, portanto, “arbitrariedade”. Aqui está a resposta realmente
esmagadora de Lenin a essas pérolas de claudicação formal-legais:

“Quando, ao longo de séculos ou décadas, todos os burgueses e a


maioria dos juristas reacionários dos países capitalistas
desenvolveram regras detalhadas – escreveram dezenas e centenas
de volumes de leis e explicações de leis; oprimiram os trabalhadores;
acorrentaram os pobres; e colocaram milhares de cavilhas e
obstruções no caminho de qualquer trabalhador simples – o Sr.
Kautsky e os liberais burgueses não detectaram a “arbitrariedade”
aqui! Aqui há “ordem” e “legalidade”… Mas quando, pela primeira vez
na história, as classes trabalhadoras e exploradas… criaram seus
próprios sovietes, convocaram para a tarefa da construção política
aquelas classes que a burguesia havia subjugado, espancado e
amortecido; e começaram a construir um novo estado proletário, em
meio ao pó da batalha selvagem e no fogo da guerra civil, para
delinear os princípios básicos de um estado sem exploradores – todos
os canalhas da burguesia, todo o bando de vampiros, com seu eco,
Kautsky, começou a gritar sobre “arbitrariedade””.(19)

Os revolucionários burgueses – os jacobinos –, abrindo caminho para o


capitalismo, também sabiam usar a arma da ditadura impiedosamente, mas só
podiam interpretar suas ações históricas na falsa forma ideológica de lutar
pelas bases eternas da liberdade e da igualdade. Eles agiram como políticos
revolucionários ousados, mas estavam pensando como juristas e moralistas.
Eles decidiram, para salvar a revolução jacobina democrático-burguesa,
espezinhar a legalidade formal, mas fizeram isso em nome da liberdade, em
nome dos direitos absolutos do homem e do cidadão.

Para Lenin, como seguidor de Marx, não existiam ideais sociais que não

12 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

pudessem ser explicadas em termos das condições materiais de existência e


que, na sociedade de classes, não possuíam um caráter de classe. A ideia de
liberdade e igualdade, a ideia dos direitos eternos e inalienáveis do homem é o
ideal da lei natural. Esta é a única fonte de apoio para o jurista burguês que é
obrigado, em um período revolucionário e em nome de seu interesse de classe,
a abandonar a base da legalidade formal. Este ideal surge em conexão com um
conteúdo social material específico que está enraizado nas condições de
produção.

Em um de seus primeiros trabalhos, Lenin lembra aos nossos populistas:

“Marx aponta repetidamente”, escreve ele, “como na fundação da


igualdade civil, liberdade de contrato e princípios similares
do Rechtsstaat [Estado de Direito], aí reside a relação entre
produtores de mercadorias”.(20)

Lenin começa suas teses sobre a questão nacional e colonial com a mesma
crítica materialista da ideologia da igualdade:

“A democracia burguesa é, por sua própria natureza, caracterizada


por uma declaração abstrata ou formal da questão da igualdade em
geral, incluindo a da igualdade nacional. Sob a aparência da
igualdade universal da personalidade humana, a democracia
burguesa proclama a igualdade formal ou legal do proprietário e do
proletário, do explorador e do explorado, levando assim as classes
subjugadas ao maior engano. A ideia de igualdade em si
mesma, sendo um reflexo das relações de produção de
mercadorias é transformada pela burguesia numa arma de luta para
se opor à liquidação de classes, sob o pretexto da supostamente
absoluta igualdade das personalidades humanas. O significado real da
demanda por igualdade consiste apenas na demanda pela eliminação
das classes.”(21)

Não há mal nenhum em lembrar que essas proposições elementares da


crítica marxista não foram, de modo algum, aceitas de modo geral entre os
indivíduos que pensavam ser sucessores de Marx, como pode parecer à
primeira vista. Para certos representantes do campo menchevique, “o valor
absoluto dos princípios jurídicos da democracia” não estava sujeito a qualquer
dúvida, mesmo na época em que se consideravam seriamente representantes
do marxismo revolucionário. Por que, mesmo no Segundo Congresso, o
delegado Egorov “chiou” contra Plekhanov, quando este afirmou que a situação
é hipoteticamente imaginável quando nós, sociais-democratas, podemos nos
expressar contra o direito universal de votar. E é interessante que Martov,
apesar de não estar alinhado com os defensores dos “princípios absolutos”, no
entanto, mais tarde (no Congresso da Liga dos Sociais Democratas no Exterior)
considerou necessário fazer uma reserva apenas a este ponto; que Plekhanov

13 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

“poderia evitar a insatisfação de alguns dos delegados, se ele acrescentasse


que é claro que não se deve imaginar um estado de coisas tão trágico como
aquele em que o proletariado, para assegurar sua vitória, seria forçado a
atropelar sobre direitos políticos como a liberdade de imprensa”. Toda a
essência do menchevismo está nessa reserva. Por um lado, sendo marxista, é
inconveniente apresentar-se como um defensor dos princípios eternos e sem
classe da democracia formal; por outro lado, a verdadeira natureza pequeno-
burguesa do fato menchevismo se move ao longo dessas linhas “sem classes”:
o resultado é uma dissensão verdadeiramente trágica na qual eles tentam se
salvar dessa contradição na esperança de que “é claro, não se pode imaginar
um estado de coisas tão trágico”. Mas o que pode ser feito se essa “situação
trágica”, apesar das esperanças mencheviques, se tornar uma realidade
histórica? Nós já temos a resposta para essa pergunta; é fornecida pela prática
política consistente do menchevismo, que não era outra coisa senão
subserviência ao fetiche da democracia burguesa e uma luta intensificada
contra a ditadura do proletariado.

IV

A teoria marxista relega as formas legais a um lugar secundário e até


mesmo terciário no desenvolvimento social. As relações econômicas se
desenvolvem com base na condição específica das forças sociais produtivas e
são decisivas em última análise; a alavanca direta que impulsiona a marcha da
história é a classe, isto é, a luta política, que em si nada mais é do que “a
expressão concentrada da economia”; no que diz respeito à formulação jurídica
das relações econômicas e dos fatos políticos, isso desempenha um papel
secundário e subserviente. A teoria marxista, de forma geral, tem atribuído
aos problemas do direito relativamente pouca atenção. De modo contrário, os
intelectuais burgueses têm desenvolvido esse lado externo formal das relações
sociais com particular entusiasmo, pois, além de outras razões, isso concede
aos seus teóricos a possibilidade de evitar completamente a consideração dos
problemas da desigualdade econômica (estes são preocupantes devido ao seu
“materialismo”). A jurisprudência é, portanto, um refúgio seguro. Este aspecto
da questão é apontado, incidentalmente, por Vladimir Ilitch em seu artigo
referente à última obra acadêmica (pré-guerra) de Peter Struve.

“A burguesia moderna”, escreveu ele, “está tão amedrontada com


esse passo [que a economia política fez na pessoa de Marx], está tão
perturbada pelas “leis” da evolução econômica contemporânea, que
são tão óbvias e imponentes, que ela e seus ideólogos estão prontos
para descartar todos os clássicos e todo tipo de lei apenas para
colocar… todos eles… no arquivo da jurisprudência… juntamente
com… a desigualdade social”(22).

Em outro lugar, caracterizando essa tendência dos intelectuais burgueses,

14 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

Vladimir Ilitch formula os desejos secretos dos teóricos burgueses:

“Que a economia política seja ocupada com truísmos, com o


escolasticismo e com a luta sem sentido pelos fatos, e deixe a
questão das ‘desigualdades sociais’ recuar para a área mais segura
das discussões sócio-legais; onde é mais fácil ‘escapar’ dessas
questões desconcertantes”(23).

No entanto, a análise marxista correta da forma jurídica como uma


superestrutura dependente da base pode, em certas circunstâncias, ser
transformada em uma caricatura do marxismo, em uma visão sem vida e
determinista. Aqui, a superestrutura emerge “por si mesma” sobre uma dada
base, e a forma aparece “por si mesmo” em um certo estágio de
desenvolvimento do conteúdo material dado. Com a ênfase crescente na
regularidade do desenvolvimento social, é imperceptivelmente transformada na
afirmação de um certo automatismo social, ou, como expresso em nosso
jargão político militante, em “reboquismo”. Lenin, um feroz oponente a todo
tipo de reboquismo não poderia, é claro, deixar de combater esses tipos de
visões e teorias, e de expô-las como desvios do marxismo. O primeiro tipo de
distorção fatalista do marxismo foi feito, como é bem conhecido, pelos
“economicistas”. Toda luta de classes, eles afirmam, é uma luta política, e
assim concluíram que o potencial político da luta da classe trabalhadora é um
processo automático. A doutrina marxista de que as formas políticas, e até
mesmo as formas da luta política, são inevitavelmente engendradas por seu
conteúdo econômico, é transformada pelos “economicistas” em justificativas e
glorificações para todo tipo de atraso no movimento dos trabalhadores.
Formalmente, os mencheviques repetiram o mesmo erro, a começar com a
propagação do reboquismo ou problemas organizacionais. “Conteúdo”, eles
anunciaram, “(isto é, o conteúdo da luta política) é mais importante que a
forma; programa e tática são mais importantes que organização”. Aqui a
disputa é transferida, por assim dizer, a um nível que nos interessa. A forma
sobre a qual eles estão falando é a formulação legal ou constitucional do
Partido, na qual o último aparece não apenas como a totalidade de pensadores
políticos com pensamentos semelhantes, mas também como um todo
formalmente unificado, isto é, um agregado de organizações. A expressão
externa da unidade é a hierarquia das instituições do Partido e o estatuto do
Partido. A luta que Lenin liderou no Segundo Congresso, e à qual seus passos
foram dedicados, foi também a luta pela necessidade de uma organização
partidária legalmente formulada.

Aqui é apropriado notar que Vladimir Ilitch possuía todos os dados


necessários para não apenas teorizar sobre o direito, mas também para sentir
total segurança sobre onde o direito aparece em sua função prática como um
intermediário formal de um tipo particular de relação social. (24) Esses dados,
em primeiro lugar, foram interpretados pela de férrea lógica de pensamento
característica de Vladimir Ilitch. Se tratando de um pensador dialético

15 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

incomparável e entendendo a posição subordinada da lógica formal, Vladimir


Ilitch, não obstante, deu-lhe o seu merecido lugar. A dialética nunca foi
desviada nebulosamente e confundida por ele. Pelo contrário, ele não propôs
nada difuso, indefinido ou confuso. Cada uma de suas formulações foram
sempre pensadas até o fim; não há nada de excessivo, nada que revele uma
falta de clareza teórica que em tais situações tenta se abrigar por detrás da
verbosidade. Uma mente bem desenvolvida como a dele é uma condição
necessária e suficiente para ser um jurista extraordinário. Recomendamos que
qualquer um que duvide disso leia atentamente, por exemplo, as críticas de
Lenin ao rascunho de Martov sobre o estatuto do Partido em “Passos”(25). O
domínio com o qual Lenin expõe a típica negligência intelectual, com respeito a
definições “legais” precisas, combinada com a falta de conteúdo, verbosidade,
formalismo sem sentido e infinitas repetições, fala suficientemente por si. Em
particular, isso é um exemplo claro do fato de que a crítica de Lenin é dirigida
contra a forma; pois, pelo seu próprio ato de publicar o esboço de Martov, seu
objetivo era mostrar que uma nuance particular de substância (no sentido da
relação negativa com o centralismo) – contrariamente às afirmações de Martov
– não foi revelada em seu esboço do estatuto escrito antes do Congresso.

A luta no Segundo Congresso e depois dele, os debates sobre o primeiro


parágrafo da Carta sobre o centralismo, etc… tudo isso tinha, é claro, uma
certa significância política e significado político revelado na íntegra apenas
posteriormente. Mas, do ponto de vista lógico, o argumento desenrolou-se no
nível de uma abordagem diferente da natureza da Carta ou, em um sentido
mais amplo, à formulação jurídica do nosso Partido. Os oponentes de Lenin
simplesmente negavam a possibilidade de uma formulação sob a qual o Partido
se apresentasse como algo melhor definido que a totalidade das pessoas
que consideravam-se, a qualquer momento, membros do Partido. Nenhuma
regra, por exemplo, Axerold disse, pode proibir que círculos de jovens
revolucionários e pessoas individuais se autoproclamem social-democratas e
até mesmo se considerem parte do Partido. Lenin revelou facilmente o absurdo
desse argumento:

“Proibir alguém de chamar a si mesmo de social-democrata é


impossível e sem sentido, pois essa palavra
expressa diretamente apenas um sistema de pensamentos e não
relações organizacionais definidas. Proibir certos círculos e pessoas
de “se considerarem parte do Partido” é possível e necessário quando
esses círculos e pessoas são perigosos para os assuntos do Partido,
corrompem-no e desorganizam-no. Seria cômico falar
do Partido como um todo, como um montante político, se não
pudesse ‘proibir por decreto’ um círculo ‘que se considera parte’ do
todo! E por que então definir os procedimentos e condições para
expulsão do Partido?”(26)

Para o próprio Lenin revelou-se muito cedo – e ele enfatiza isso em muitos

16 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

lugares em seus “Passos” – que o oportunismo organizacional de Axerold,


Martov e outros é apenas a herança da era anterior (ainda não exaurida) do
circulismo, da época em que o Partido cresceu de um “círculo familiar”, sem
caráter formal, sem a subordinação da minoria à maioria, sem a subordinação
da parte ao todo.

Lenin, mais do que todos, compreendeu a enorme significância do


circulismo revolucionário, isto é, a estreita soldagem ideológica e camarada
dos revolucionários baseada na fé incondicional um no outro. Muitas das
melhores páginas em seu livro “Que fazer?” são dedicadas ao esclarecimento
dessa significância. Mas Lenin também compreendeu que, quando o Partido
desloca-se para a ampla arena da luta política, deve suplementar a unidade
ideológica com o caráter da unidade externa, deve colocar as instituições do
Partido no lugar do círculo. Lenin entendeu que um Partido que tinha sido
detido em seu desenvolvimento no estágio do círculo não estaria em condições
de cumprir as tarefas designadas em seu programa. A conexão do círculo,
informal, sem um estatuto, ainda que tivesse grandes vantagens, também
apresentava falhas que no futuro tornariam-se necessariamente
insustentáveis. Costumes que cresceram nesse período tornaram-se um
impedimento para um maior crescimento. Lenin escreveu:

“Para aqueles que estão acostumados com o roupão e as pantufas


folgadas do círculo familiar do Oblomov (na literatura russa,
expressão de uma personalidade preguiçosa – N.T.), as regras
formais parecem estreitas, restritivas, incômodas, mesquinhas e
burocráticas, um vínculo de servidão e um grilhão no livre processo
da luta ideológica. O anarquismo aristocrático não consegue entender
que as regras formais são necessárias precisamente para substituir
os vínculos estreitos do círculo com o vínculo amplo do Partido. Era
desnecessário e impossível formular uma ligação interna de um
círculo ou vínculos entre círculos, pois esses vínculos repousavam em
amizade ou em uma confiança para a qual nenhuma razão ou motivo
tinha que ser dado. O vínculo partidário não pode e não deve basear-
se em nenhum deles; deve basear-se em regras formais e
burocraticamente escritas (burocrático do ponto de vista do
intelectual indisciplinado), adesão estrita àquilo que é nossa única
salvaguarda contra a vontade e o capricho característico dos círculos
e dos métodos circulistas de luta interna que se apresentam sob o
nome de ‘livre processo da luta ideológica’”.(27)

Os ataques incisivos de Lenin, como sempre, foram explicados pelo fato de


que ele visualizou claramente o próximo e mais necessário passo que, a cada
momento, devia ser tomdo pelo Partido, e ele atacou violentamente aqueles
que empurraram o Partido para trás.

Em resposta ao pronunciamento do quadro editorial do novo Iskra de que

17 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

“confiança é uma coisa delicada que não pode ser martelada no coração e na
cabeça”, Lenin notou:

“Quando eu era apenas um membro de um círculo… eu tinha o direito


de confiar apenas na fé indefinida… e quando me tornei um membro
do Partido, não tinha o direito de confiar apenas em uma indefinida
falta de fé… fui obrigado a motivar minha ‘confiança ou desconfiança’
em uma conclusão formal, isto é, na referência a um ou outro
procedimento formalmente estabelecido de nosso programa, táticas
ou regras; fui obrigado a seguir um caminho formalmente
prescrito para a expressão de desconfiança, para a conduta
daqueles pontos de vista ou daqueles desejos que fluíam dessa
desconfiança.”(28)

“Um passo em frente, dois passos atrás”, é um livro que, além de tudo,
tem profundo significado educacional. Ensina uma relação séria e responsável
com os assuntos do Partido e suas organizações; ensina a não confundir a
discussão política que precede a adoção de uma decisão específica com
discussões intelectuais intermináveis e fúteis; a consideração de candidatos em
eleições de funcionários do Partido com considerações familiares comuns de
como não incomodar alguém; o Partido com um grupo de amigos. Esse livro
enfatiza o lado estrito, formal, externo da questão com o qual muitos dos
revolucionários da época relacionavam-se descuidadamente. Mas Vladimir
Ilitch sabia que “o proletariado, na sua luta pelo poder, não tem outra arma
senão a organização”; que “o proletariado só pode tornar-se, e tornar-se-á
inevitavelmente, uma força invencível quando a sua unidade ideológica,
baseada nos princípios do marxismo, é cimentada pela unidade material da
organização que reúne milhões de trabalhadores num exército da classe
operária”(29), que “a capacidade objetiva-máxima do proletário de se unir em
uma classe será realizada por pessoas vivas, será realizada de outras maneiras
que em formas definidas de organização”(30), que, portanto, a fundação e
formalização (incluindo o aspecto do caráter externo dessa organização) é um
importante passo em diante na história do movimento operário.

Quando, após o Segundo Congresso, os oponentes de Lenin haviam


conduzido uma luta contra o “formalismo burocrático”, eles construíram seu
argumento em uma compreensão mais profunda e, aparentemente, mais
marxista do curso do desenvolvimento histórico. Lenin, é claro, não pensou em
esconder o fato de que seu plano organizacional tinha um significado político
mais definido: proteger o Partido do oportunismo. Contra isso, seus
adversários do campo menchevique apresentaram a seguinte objeção de peso:
“oportunismo”, disseram, “é criado por causas profundamente mais complexas
e definidas do que alguns parágrafos de uma carta” (Trotsky).

“O problema não é”, replicou Lenin, “que os parágrafos da carta podem


criar oportunismo, mas forjar com ajuda deles um instrumento mais ou menos

18 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

incisivo contra o oportunismo”. As fórmulas propostas por Lenin, Trotsky


afirmou ainda, devem ser rejeitadas, pois as definições históricas devem
corresponder às relações de fato. “Trotsky fala novamente como um
oportunista”, respondeu Lenin. “As relações reais não estão mortas, mas vivas
e em desenvolvimento. Definições legais podem corresponder ao
desenvolvimento progressivo dessas relações, mas também podem (se essas
decisões forem ruins) ‘corresponder’ à regressão ou à estagnação”. “O último”,
acrescentou Vladimir Ilitch, “é o caso de Martov”.(31)

O oportunismo na questão da organização foi logicamente expresso na


defesa da primazia do “conteúdo” sobre a forma e na colocação do programa e
táticas antes da adoção do estatuto; do “desenvolvimento real” sobre as
“definições legais”. Lenin revela toda a natureza metafísica desse contraste que
não leva em conta as condições históricas concretas. Aquilo que é apropriado e
correto em um estágio de desenvolvimento torna-se um erro grosseiro em
outro. Martov, falando em defesa da antiga abordagem do círculo, tentou
basear-se em citações dos trabalhos anteriores de Lenin, quando ele discute a
“influência ideológica” e a “luta pela influência”, e as compara com o “método
burocrático de influência com a ajuda das Regras”, e a tendência de confiar na
autoridade que, supostamente, Lenin desenvolveu após o Segundo Congresso.

“Pessoas ingênuas!”, exclama Lenin a respeito, “esqueceram


que formalmente nosso Partido não era um todo formalmente
organizado, mas apenas a soma de grupos separados e, portanto,
nenhuma outra relação, exceto aquelas de influência ideológica, era
possível entre esses grupos. Agora nos tornamos um Partido
organizado e isso implica no estabelecimento de autoridade, a
transformação do poder das ideias em poder de autoridade [e] a
subordinação de organismos partidários inferiores a organismos
partidários superiores. Ora, até nos deixa desconfortáveis”, Lenin
concluir, “ter que mastigar tais ideias rudimentares para o benefício
dos antigos companheiros”(32).

Nesse enfático “agora” concentra-se toda a sabedoria da dialética leninista.


Ele, por assim dizer, diz aos seus oponentes: vocês podem, bons senhores,
afirmar tanto quanto desejarem que o conteúdo define a forma, que a correção
tática é uma condição necessária da solidariedade organizacional, que a
disciplina no Partido depende da análise final da autoridade das ideias etc.,
mas agora chegou o tempo em que é necessário dar um passo adiante;
quando é necessário agir sobre as premissas criadas para a luta ideológica,
quando é necessário compreender o conteúdo da luta política em seu estágio
seguinte, passando para a nova forma juridicamente finalizada da organização
do Partido.

“O trabalho de Iskra”, escreveu Vladimir Ilitch, “e todo o tema da


organização do Partido, toda o tema da efetiva reconstrução do

19 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

Partido, não poderia ser considerado terminado sem o


reconhecimento de todo o Partido e também da confirmação formal
de ideias organizacionais definitivas. O caráter organizacional do
Partido também teve que cumprir essa tarefa.”(33)

A respeito dos comentários do menchevique Iskra, Lenin venenosamente


observa em outro lugar:

“O conteúdo é mais importante que a forma, e o programa e táticas


são mais importantes que a organização. Grandes e profundas
verdades. O programa é de fato mais importante que as táticas,
táticas são mais importantes que organizações. O alfabeto é mais
importante que a etimologia, e a etimologia é mais importante que a
sintaxe – mas o que pode ser dito das pessoas que, tendo falhado no
exame da sintaxe, agora se vangloriam e orgulham-se de terem sido
retidos em uma turma inferior por outro ano?” (34)

Lenin compreende uma organização formal e centralizada como algo real,


e ele não está disposto a dissolvê-la em algum tipo de simbolismo que
satisfaça a “unidade espiritual”.

“A adoção de um programa”, afirmou o menchevique Iskra, “contribui mais


para a centralização do trabalho do que a adoção de regras”.

“Como essa banalidade – apresentada como filosofia – cheira”, reage


Lenin, “ao espírito da intelectualidade radical, e está muito mais
próxima da decadência burguesa do que da social-democracia. De
fato, nessa famosa frase, a palavra ‘centralização’ é entendida em um
sentido muito simbólico”.(35)

É característico que uma relação fetichista com as bases da democracia


formal, que naquela época era inata ao menchevismo, não impediu que Martov
e seus partidários dentro do Partido colocassem suas opiniões (e a vontade de
seu círculo) acima da decisão formal da maioria do Congresso. Martov chegou
a questionar o procedimento de eleições como expressões da vontade do
Partido:

“apenas substituindo a questão da consciência social dos membros do


Partido e do conteúdo socialista de seu trabalho pela questão da
‘confiabilidade’ dos centros investidos de forte poder, podemos chegar
ao ponto de ver no ato das eleições uma expressão específica da
vontade do Partido”.(36)

Lenin, segundo a opinião dos quatro editores do antigo Iskra, “destaca


não a união interna, mas externa, a unidade formal exercida e protegida por
métodos puramente mecânicos, pela subjugação sistemática da iniciativa
individual e da ação social independente”. Zombando do valor desse

20 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

documento – que de fato lembra mais um discurso do conselho distrital pré-


revolucionário sobre reformas (“ação social independente”), do que uma
resolução sobre questões internas do Partido – Lenin continua:

“De que unidade formal, externa, eles estavam falando aqui, nossos
membros do Partido que acabaram de voltar de um Congresso do
Partido, cujas decisões ele solenemente proclamaram serem válidas?
Por acaso eles conhecem algum método de alcançar a unidade em
um partido organizado em qualquer base duradoura, senão através
do Congresso do Partido?”(37)

Lenin desmonta impiedosamente as acusações de formalismo burocrático e


mostra que, por trás delas, estão escondidas apenas “uma frase anarquista e
instabilidade intelectual”.

“Você é um burocrata”, afirma Vladimir Ilitch ironicamente, “porque


você foi indicado pelo Congresso contra meus desejos; você é um
formalista porque confia nas decisões formais do Congresso, e não no
meu consentimento; você está agindo de maneira grosseiramente
mecânica porque cita a maioria ‘mecânica’ do Congresso do Partido e
desconsidera meu desejo de ser cooptado; você é um autocrata
porque se recusa a entregar o poder ao bando de velhinhos que
insistem em sua ‘continuidade’ como um círculo – ainda mais porque
eles não gostam da desaprovação explícita desse círculo pelo
Congresso”.(38)

Lenin liderou firmemente o Partido para uma nova etapa, à


“instrumentalização” organizacional de sua vida política, lutando contra
aqueles que o empurraram de volta à etapa anterior de luta e demarcação
ideológicas. “A unidade em questões de programa e tática é uma condição
essencial, mas ainda insuficiente, para a unidade do Partido e para a
centralização do trabalho do Partido”, explicou Vladimir Ilitch a seus novos
oponentes do Iskra. De uma vez, entre parênteses, exclama com cansaço:
“Pelo amor de Deus, que fundamentos devem ser repetidos hoje em dia,
quando todos os conceitos se confundem!”.

“Este último”, ele continua, “requer, além disso, uma unidade de


organização que, em um Partido que se tornou mais do que um mero
círculo familiar, é inconcebível sem regras formais, sem a
subordinação da minoria à maioria, da parte ao todo. Enquanto não
houvesse unidade nas questões fundamentais do programa e táticas,
admitimos sem rodeios que estávamos vivendo em um período de
desunião e de espírito de círculo; declaramos sem rodeios que as
demarcações deveriam ser traçadas antes que pudéssemos nos unir;
nós nem sequer falamos das formas de uma organização conjunta,
mas discutimos exclusivamente as novas (naquela época, eram

21 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

realmente novas) questões sobre como combater o oportunismo no


programa e táticas. Quando, como todos concordamos, essa luta já
havia assegurado um grau suficiente de unidade – conforme
formulado na resolução do Partido sobre táticas – nós tivemos que
dar o próximo passo, e de comum acordo, nós o fizemos, elaborando
as formas de uma organização unida que uniria todos os círculos.
Mas agora essas formas foram parcialmente destruídas e regredimos
à conduta anarquista, à fraseologia anarquista e ao renascimento de
um círculo no lugar de um conselho editorial do Partido. E essa
regressão é justificada com base no argumento de que o alfabeto é
mais útil para o discurso erudito do que para o conhecimento da
sintaxe!”(39)

Mas para os oponentes do novo Iskra, a “sintaxe” leninista era inatingível,


e eles continuaram a regredir em direção ao “alfabeto”.

“Disciplina”, escreveu Trotsky, “é sensata até o ponto em que


assegura a possibilidade de luta por aquilo que você considera
correto, e em nome daquilo para o que você impõe disciplina a si
mesmo. Mas quando a atenção se volta, de certa forma, à
perspectiva “da negação de um direito”, isto é, negação do direito
de lutar por influência ideológica, então a questão de sua existência
é, para ele, transformada de uma Rechtsfrage (questão de direito)
em uma Machtfrage (questão de força)”.

Como podemos deixar de comparar as opiniões abstratas de Trotsky depois


do Segundo Congresso – sobre o tema da inevitabilidade da dissidência – com
sua declaração concreta em 1908-1914 de “unidade” com os liquidacionistas
que se colocaram ideológica e organizacionalmente fora do Partido? Para
popularizar a nocividade da unidade formal, depois que o Iskra estabeleceu as
bases de uma luta de três anos pela unidade programática e tática, bem como
levantar um clamor contra a dissidência e divergência quando todo um abismo
político se abriu entre as partes e os liquidacionistas – esse é um exemplo raro
e, pode-se dizer, clássico da completa ausência de uma abordagem dialética da
questão.

O erro dos “economicistas” e dos mencheviques eram, como vimos, o


mesmo. Consistia no fracasso em compreender as formas concretas de
implementação da luta de classes proletária. Além disso, em ambas as
situações, sua distorção do marxismo foi apresentada como um suposto
aprofundamento da análise marxista, como a transferência de atenção do
“externo” (da “forma”) para a própria “essência”. Muito mais tarde Vladimir
Ilitch teve que lutar com o mesmo tipo de erro no momento da discussão do

22 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

“direito à autodeterminação”.

Os seus adversários, incluindo os camaradas poloneses, tendo levantado


dúvidas acerca desse ponto do nosso programa, tentaram de forma
semelhante contornar a exigência específica de natureza política e legal,
exigência esta feita pelo próprio curso da luta de libertação do proletariado,
sob o pretexto de que “em essência” não poderia existir “autodeterminação”
sob o capitalismo, e que sob o socialismo não era necessário. A analogia entre
essa linha de argumentação e os argumentos dos “economicistas” foi notada
pelo próprio Vladimir Ilitch em sua resposta ao argumento de que “o
socialismo elimina toda subjugação nacional da mesma forma que elimina o
interesse da classe que a produz”, Lenin observa:

“por que essa discussão das premissas econômicas da eliminação da


opressão? Elas são conhecidas a muito tempo e são indiscutíveis. A
disputa está relacionada a uma das formas de opressão política, a
saber, a dominação forçada de uma nação pelo Estado de uma outra
nação. Isto é simplesmente uma tentativa de evitar questões
políticas”(40).

E mais:

“de fato, nossos oponentes tentaram até mesmo evitar o que era
discutível… Eles não querem pensar nem em fronteiras, nem em
geral sobre o Estado. Esse é um tipo de economicismo ‘imperialista’,
semelhante ao antigo ‘economicismo’ de 1894-1902, que
argumentava que o capitalismo é vitorioso e que, portanto, não
há sentido nas questões políticas”.(41)

Tal teoria política é fundamentalmente hostil ao marxismo.

Retornando novamente a essa analogia, Lenin escreve que “os velhos


economistas” transformaram o marxismo em uma caricatura e ensinaram aos
trabalhadores que apenas a “economia é importante para os marxistas”. Os
novos “economicistas” “pensam”, parece, ou que o Estado democrático do
socialismo vitorioso existirá sem fronteiras (como um complexo de “sensações”
sem matéria), ou que as fronteiras serão definidas apenas pelas necessidades
de produção. Na verdade, essas fronteiras serão determinadas
democraticamente, isto é, de acordo com a vontade e as “simpatias da
população”(42). Por outro lado, argumentos de que o direito das nações à
autodeterminação é irrealizável sob o capitalismo e que, portanto, é preciso
abandoná-lo, são, como Lenin demonstra, uma concessão ao reformismo.
“Objetivamente, suas frases [isto é, dos camaradas poloneses] sobre a
impossibilidade são oportunistas, pois eles assumem silenciosamente [que a
autodeterminação] é impossível sem uma série de revoluções, tão irrealizáveis
sob o imperialismo quanto sob a democracia”.(43)

23 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

A perspicácia política de Lenin nessa disputa era frequentemente explicada


e comentada na literatura marxista posterior. Mas ninguém, até onde sabemos,
notou o fato de que, logicamente, a posição de Rosa Luxemburgo – e aqueles
que detêm pontos de vista como o dela (entre os quais falaram até claros
oportunistas como Semkovsky e Bundist Liebman) – pode ser, incidentalmente,
caracterizada como a completa rejeição da forma jurídica e a total falta de
compreensão de suas características específicas. Começando com o fato de
que o camarada Lenin havia constantemente e firmemente explicado aos seus
oponentes a diferença entre “o direito de secessão” e a própria secessão, Rosa
Luxemburgo, e certamente outros, supôs que o reconhecimento do “direito de
secessão” significa o suporte obrigatório de toda demanda concreta por
secessão, e que isso inclui inerentemente “o encorajamento do separatismo”.
Lenin teve que explicar essa falta de compreensão com o exemplo elementar
do “direito ao divórcio”.

“Culpar os defensores da autodeterminação (isto é, da liberdade de


secessão, de encorajar o separatismo) é tão estúpido e tão hipócrita
como culpar os defensores da liberdade do divórcio por encorajar a
destruição dos laços familiares”.(44)

Era absolutamente incompreensível para os opositores de Lenin que a luta


contra a opressão nacional encontrasse sua expressão mais direta e
apropriada, no interesse do proletariado, na exigência da liberdade legal de
secessão, isto é, na linguagem técnica, na luta pelo reconhecimento do “direito
subjetivo” correspondente. A discussão refere-se precisamente ao
reconhecimento de que cada nação tem o “direito subjetivo” de formar um
Estado independente. Lenin explica isso comparando-o com a palavra de
ordem que exige uma estrutura estatal federal ou autônoma:

“Não é difícil ver que, sob o direito à autodeterminação nacional, é


impossível para o social-democrata entender a federação ou a
autonomia. Abstratamente falando, ambos são subsumidos pela
autodeterminação. O direito à federação é completamente sem
sentido porque federação é um contrato bilateral. Não é preciso dizer
que os marxistas não podem defender o federalismo em geral em seu
programa. No que diz respeito à autonomia, os marxistas não
defendem o “direito à autonomia”, mas a autonomia em si como um
princípio universal de Estados democráticos que têm uma composição
nacional mista e diferenças acentuadas em fatores geográficos e
outros. Portanto, reconhecer ‘o direito à autonomia nacional’ seria tão
sem sentido quanto reconhecer “o direito das nações à
federação”.(45)

Tal afirmação sobre a questão (reconhecimento do direito à


autodeterminação sem o suporte obrigatório de cada demanda concreta por
secessão) definitivamente não foi dominada pelos oponentes de Lenin. Parecia

24 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

“metafísico” a eles, privado de conteúdo político concreto e sem indicações


práticas para a política diária. O Bundista Liebman simplesmente declarou o
direito à autodeterminação “uma expressão sofisticada”, cujo significado
estava cercado por uma bruma.

A ideia de que essa palavra de ordem essencialmente democrático-


burguesa (e, portanto, inevitavelmente formal e abstrata) poderia ser tanto
um grito de guerra do proletariado contra a reação material semi-feudal e
burguesa, quanto poderia desempenhar um papel positivo mesmo após a
vitória do socialismo, falhou absolutamente em encontrar um lugar na
consciência de pessoas sinceramente apresentando a si mesmas como
marxistas consistentes. Pareceu-lhes que a abstração legal vazia da igualdade
de direito definitivamente tinha que ser substituída por algo real e prático.
Lenin esplendidamente expôs o equívoco deles:

“Exigir uma resposta ‘sim ou não’ à questão da secessão no caso de


cada nação pode parecer uma exigência que é muito ‘prática’. Mas na
realidade é absurdo, teoricamente metafísico, e na prática deixa o
proletariado subordinado à política da burguesia…

É teoricamente impossível garantir antecipadamente se a secessão de


uma determinada nação, ou a sua igual posição legal com outra
nação, culminará em uma revolução democrático-burguesa. É
importante, em ambos os casos, garantir o desenvolvimento do
proletariado; a burguesia impede esse desenvolvimento e dá
precedência ao desenvolvimento “nacional”. Portanto, o proletariado
está limitado à demanda “negativa” pelo reconhecimento do direito à
autodeterminação, que não é garantido a nenhuma nação. Toda a
tarefa do proletariado sobre a questão nacional ‘não é prática para a
burguesia nacional de cada nação, porque o proletariado exige um
direito igual ‘abstrato’, uma ausência, em princípio, mesmo do menor
privilégio, porque se opõe a todo o nacionalismo’”. (46)

Lenin entendeu o que seus oponentes não entenderam: que a demanda


“abstrata”, “negativa” de direitos formais era, em dada conjuntura histórica,
simultaneamente uma palavra de ordem revolucionária e revolucionada, e
também o melhor método de fortalecer a solidariedade de classe do
proletariado e protegê-lo da infecção pelo egoísmo nacional-burguês. Na
verdade, na conjuntura concreta em que se deu a discussão (isto é, na véspera
da Guerra Imperialista e no seu auge e, portanto, na véspera da Revolução
Russa), negar o direito à autodeterminação partindo do fato de que se tratava
apenas de uma palavra de ordem da democracia formal – e de que os
marxistas são obrigados a expor essa democracia formal em todos os sentidos
– teria sido “jogar nas mãos não apenas da burguesia, mas na opressão
nacional feudal e absolutista”. Lenin entendeu que, em qualquer estágio de
desenvolvimento, a demanda pela igualdade formal abstrata do direito é uma

25 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

demanda revolucionária que destrói a monarquia semifeudal e, em primeiro


lugar, o absolutismo russo.

Mas então 1920 chegou. Na Rússia, a Revolução de Outubro já havia


ocorrido e o poder soviético foi confirmado; a tarefa seguinte era lutar pela
ditadura do proletariado em escala mundial. A burguesia imperialista e seus
subordinados tentaram firmemente mascarar sua política de opressão e roubo
de países conquistados e colonizados através de frases “wilsonianas” sobre a
igualdade dos povos, os direitos iguais das nações, etc. Sob essas condições,
uma simples repetição das antigas palavras de ordem não teria sentido. A
tarefa básica tornou-se uma luta contra a democracia burguesa e a exposição
de suas mentiras e falsidades. Lenin escreveu suas famosas teses sobre a
questão nacional para o Segundo Congresso do Comintern, e elas começam
com a exposição acima citada da ideia democrática burguesa de igualdade
jurídica formal. As teses enfatizavam que “o Partido Comunista, como
expressão consciente da luta do proletariado pela derrubada do jugo da
burguesia, não deve colocar princípios abstratos e formais no ápice da
questão nacional [comparar com a declaração acima reproduzida de que o
proletariado exige direitos iguais abstratos]”. Primeiro, deve considerar a
situação histórica, concreta e (acima de tudo) econômica; segundo, a diferença
exata entre os interesses das classes trabalhadoras oprimidas e exploradas e o
conceito geral de interesse nacional, que significa os interesses da classe
dominante; terceira, a clara distinção entre nações oprimidas, dependentes e
carentes em direitos iguais, e nações opressoras e exploradoras. Essas
distinções devem ser contrapostas à mentira democrático-burguesa que
mascara a escravidão da grande massa da população da terra por uma minoria
insignificante de ricos países de capitalismo avançado, uma escravidão que é
característica do período do capital financeiro e do imperialismo. (47)

As palavras de ordem democrático-burguesas sobre a questão nacional


perderam sua qualidade revolucionária. A defesa da igualdade “abstrata” dos
direitos era meio caminho andado.

“No campo das relações internas do Estado, a política nacional do


Comintern não pode limitar-se ao reconhecimento nu, formal e
puramente declarativo da igualdade de direitos das nações às quais
os democratas burgueses se limitam – não faz diferença se eles se
reconhecem abertamente como tais ou se eles mascaram-se sob o
disfarce do socialismo.”(48)

Por sua vez, uma nova tarefa é criada:

“a tarefa de transformar a ditadura do proletariado de uma ditadura


nacional (isto é, existente em um país e incapaz de determinar a
política mundial) numa ditadura internacional (isto é, uma ditadura
do proletariado de pelo menos vários países avançados capazes de

26 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

exercer uma influência decisiva sobre políticas mundiais). O


nacionalismo pequeno-burguês declara que o internacionalismo é o
reconhecimento dos direitos iguais das nações, e apenas preserva
(sem falar do caráter puramente verbal de tal reconhecimento) o
inviolável egoísmo nacional. No entanto, o nacionalismo proletário
exige, em primeiro lugar, a subordinação do interesse da luta
proletária em qualquer país ao interesse da luta em toda a escala
mundial; segundo, exige a capacidade e a prontidão, por parte das
nações que alcançaram a vitória sobre a burguesia, em empreender
grandes sacrifícios nacionais para a destruição do capital
internacional”.(49)

Esta foi uma nova etapa, uma nova situação, um novo e mais alto nível de
luta. E novas prioridades correspondiam a isso. O estágio democrático-burguês
havia passado e, com ele, a exigência legal formal de autodeterminação
nacional – característica desse estágio – perdeu seu significado anterior. A
palavra de ordem “derrubar o domínio da burguesia em escala mundial e
estabelecer a ditadura internacional do proletariado” tornou-se a palavra de
ordem prática imediata.

Isso significa que a autodeterminação nacional perdeu todo o significado;


que poderia ser substituído pela “autodeterminação do proletariado”?
Certamente não. Isso teria sido ignorar a presença de países atrasados que
não haviam passado pelo estágio das revoluções nacionais democrático-
burguesas. O proletariado comunista dos países avançados teve que apoiar
esses movimentos; com toda a sua força, teve que lutar para que os acúmulos
de séculos de má vontade e desconfiança das pessoas atrasadas das nações
dominantes – e do proletariado dessas nações – fossem superadas o mais
rápido possível. Era impossível alcançar esse objetivo sem proclamar e realizar
na prática o direito à autodeterminação nacional. Além disso, mesmo para uma
sociedade socialista que caminha em direção à eliminação das classes, a
questão da autodeterminação nacional ainda permanece real uma vez que,
embora baseada na economia, o socialismo não consiste, em absoluto, apenas
em economia:

“Para a eliminação da subjugação nacional, um fundamento


necessário é a produção socialista, mas é também necessário ter
uma organização democrática de Estado, um exército democrático,
etc., erguido nesta base. Ao transformar o capitalismo em socialismo,
o proletariado cria a possibilidade de eliminar a subjugação nacional.
Essa possibilidade é transformada em realidade ‘apenas’ – somente
com o pleno estabelecimento da democracia em todas as áreas, a
determinação das fronteiras de acordo com ‘as simpatias da
população’, e a completa liberdade de secessão. Sobre essa base, por
sua vez, a eliminação absoluta dos menores atritos e desconfianças
nacionais desenvolve-se na prática. O movimento acelerado em

27 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

direção à integração das nações será concluído quando o


Estado desaparecer”.(50)

Esperamos que nesses poucos exemplos tenhamos mostrado que material


rico para o estudo da abordagem dialética revolucionária das questões do
direito está contido nas obras teóricas e políticas de Lenin. Consideraremos
nossa tarefa cumprida se conseguirmos atrair a atenção dos camaradas para
essa área pouco estudada.

Início da página

Notas de rodapé:

(1) A.G. Goikhbarg, Fundamentals of the Law of Private Property (1924), Moscow, p 68.
(retornar ao texto)

(2) V.I. Lenin, What the “Friends of the People” Are and How They Fight the Social
Democrats (1894), LCW, vol.1, p.153. (retornar ao texto)

(3) P. Sagnac, La legislation civile de la Revolution francaise 1789-1804 (1898), Libraire


Hachette, Paris, vol.I, p.2. (retornar ao texto)

(4) ibid.; V.I. Lenin, The Agrarian Question in Russia at the End of the Nineteenth
Century (1918), LCW, vol.15, p.84. (retornar ao texto)

(5) V.I, O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia. (retornar ao texto)

(6) ibid., pp.84-85. (retornar ao texto)

(7) ibid., p.85. (retornar ao texto)

(8) A.G. Goikhbarg (1924), op. cit., p.23. (retornar ao texto)

(9) V.I. Lenin, Left-Wing Communism: An Infantile Disorder (1920), LCW, vol.31, pp.35-36.
(retornar ao texto)

(10) V.I. Lenin, Sochinenii, vol.1, p.135. (retornar ao texto)

(11) V.I. Lenin, Instructions of the Council of Labour and Defence to Local Soviet
Bodies (1921), LCW, vol.32, p.387. (retornar ao texto)

(12) ibid., p.389. (retornar ao texto)

(13) ibid., p.394. (retornar ao texto)

(14) V.I. Lenin, Sochinenii, vol.25, pp.215-216. (retornar ao texto)

(15) V.I. Lenin, The Proletarian Revolution and the Renegade


Kautsky (1918), LCW, vol.28, pp.276-277. (retornar ao texto)

(16) V.I. Lenin, A Contribution to the History of the Question of


Dictatorship (1920), LCW, vol.31, p.353. (retornar ao texto)

(17) V.I. Lenin, The Proletarian Revolution and the Renegade Kautsky (1918), op. cit., p.236.
(retornar ao texto)

(18) ibid., p.274. (retornar ao texto)

28 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

(19) ibid., pp.274-275. (retornar ao texto)

(20) V.I. Lenin, What the “Friends of the People” Are and How They Fight the Social
Democrats (1894), op. cit., pp.149-150. (retornar ao texto)

(21) V.I. Lenin, Preliminary Draft Theses on the National and Colonial
Questions (1920), LCW, vol.31, p.145. (retornar ao texto)

(22) V.I. Lenin, Sochinenii, vol.12, pt.2, p.388. (retornar ao texto)

(23) ibid. (retornar ao texto)

(24) É claro, fazemos a reserva aqui de que os problemas organizacionais da construção do


Partido podem ser classificados como problemas legais apenas um sentido condicional e
relativo. Primeiro, contudo, o estatuto opera tão formalmente como um intermediário para o
conteúdo político da atividade do Partido quanto a lei, no sentido exato e restrito da palavra,
opera como um intermediário para as relações de produção. Segundo, o estatuto do nosso
Partido – e ninguém pode negar isso – é agora um dos elementos da estrutura estatal da
União das Repúblicas Soviéticas. Da perspectiva adicional de sua importância funcional,
portanto, merece a classificação como uma das matérias tratadas pela jurisprudência.
(retornar ao texto)

(25) V.I. Lenin, One Step Forward, Two Steps Back (1904), LCW, vol.7, pp.241-249. (retornar
ao texto)

(26) ibid., p.272. (retornar ao texto)

(27) ibid., pp.392-393. (retornar ao texto)

(28) ibid., pp.393-394. (retornar ao texto)

(29) ibid., p.415. (retornar ao texto)

(30) V.I. Lenin, Sochinenii, vol.8, p.479. (retornar ao texto)

(31) V.I. Lenin, One Step Forward, Two Steps Back (1904), op. cit. p.275. (retornar ao texto)

(32) ibid., p.367. (retornar ao texto)

(33) ibid., p.336. (retornar ao texto)

(34) ibid., p.386. (retornar ao texto)

(35) ibid., p.387. (retornar ao texto)

(36) L. Martov, A State of Siege (1903), cf. LCW, vol.7, p.360. (retornar ao texto)

(37) V.I. Lenin, One Step Forward, Two Steps Back (1904), op. cit. p.362. (retornar ao texto)

(38) ibid., p.363. (retornar ao texto)

(39) ibid., pp.387-388. (retornar ao texto)

(40) V.I. Lenin, The Discussion on Self-Determination Summed Up (1916), LCW, vol.22, p.321.
(retornar ao texto)

(41) ibid., p.322. (retornar ao texto)

(42) ibid., p.324. (retornar ao texto)

(43) ibid., p.327. (retornar ao texto)

29 of 30 18/07/2021 03:17
Lenin e os Problemas do Direito https://www.marxists.org/portugues/pashukanis/1925/...

(44) V.I. Lenin, The Right of Nations to Self-Determination (1914), LCW, vol.20, p.422.
(retornar ao texto)

(45) ibid., p.441. (retornar ao texto)

(46) ibid., p.410. (retornar ao texto)

(47) V.I. Lenin, Preliminary Draft Theses on the National and Colonial Questions, op. cit.
p.145. (retornar ao texto)

(48) ibid., p.147. (retornar ao texto)

(49) ibid., p.149. (retornar ao texto)

(50) V.I. Lenin, The Discussion on Self-Determination Summed Up (1916), op. cit. p.3
(retornar ao texto)
Inclusão 09/07/2018
Última alteração 11/07/2018

30 of 30 18/07/2021 03:17

Você também pode gostar