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06 Propriedade e Poder de Governar no

Capitalismo
TEXTO 06 – NOTAS DE AULA

Prof. Ernesto Pimentel.

História do Direito Constitucional. PPGCJ. UFPB, 2021-2 (2022). Anotações de Aula.


Atenção: texto inédito, de uso restrito aos estudantes da disciplina. Reprodução e
distribuição não autorizadas pelo autor.

INTRODUÇÃO

A história do direito de propriedade é um capítulo indispensável da


história econômica. Infelizmente é frequentemente descurada. É estudada sob
uma vertente unilateral de negatividade e denúncia, sem a devida compreensão
de sua relação direta com a organização estruturante da capacidade de
autogoverno e de governo da sociedade.

Talvez a principal razão dessa incompreensão histórica do valor jurídico


da propriedade para a sociedade esteja no fenômeno da influência de
concepções equívocas sobre ela, muitas vezes pensada como um conceito a ser
abolido, como no caso da teoria marxista. Diga-se que outra corrente
importante que pregava o fim da propriedade privada no século 19 era o
anarquismo, mas ela deixou de influenciar o debate brasileiro pela influência
das desproporcionais críticas do marxismo. Era o caso de Mikhail Bakunin,
odiado por Marx, como de resto este último tinha pouco apreço por críticos
não-europeus do capitalismo, haja vista ainda os comentários pejorativos sobre
Simon Bolívar. Propriedade, trabalho e riqueza são temas indissociáveis.
Neste estudo, faz-se um panorama dos principais pensadores que
definiram a propriedade no Ocidente com inspiração no estudo de Edwin G.
West (2001). Os pensadores aqui abordados foram capazes de influenciar o
sentido legal do conceito até o ponto em que a propriedade pudesse ser
regulada pelo interesse público para minimizar o desequilíbrio coletivo e a
injustiça.

JOHN LOCKE (1632-1704)

Seu Two Treaties of Government, publicado em 1690, colocou a


propriedade no centro da governamentalidade, ou seja, como elemento
indispensável entre os dispositivos de poder que possibilitam um governo
existir. Sem propriedade privada, não há governo: nem o cidadão é capaz de
exercer a administração de seus interesses particulares, nem o Estado pode
operar em favor dos cidadãos. Para Locke, “Government has no other end but
the preservation of property.” Entretanto, ser fiel ao pensamento de Locke não é
pensar a propriedade como um dispositivo senão como um valor fundante, um
direito natural que preexiste ao governo. O Estado não cria a propriedade, pois
ela é fonte natural do poder do Estado, sendo ela anterior a este.

Observar que a Revolução de 1688 na Inglaterra era o tecido das


controvérsias. Robert Filmer publicara em 1680 um livro chamado Patriarcha
em que ele estabelecia a vinculação do direito de propriedade individual à
concessão da monarquia. (WEST, 2001, p. 2) Da mesma forma que o pai e o
filho, o rei e o súdito expressam uma relação de maioridade e menoridade
originando-se neste ínterim a ideia de que a propriedade individual é uma
outorga monárquica. Embora John Locke tenha feito reverência ao rei William
III, não se deve diminuir sua obra como um simples reflexo do ambiente
político. John Locke evoca a figura de Deus como ente supremo a garantir os
direitos naturais.

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Se ao contrário de Hobbes, o estado de
natureza não era um estado de guerra, a Investidor no tráfico negreiro.

propriedade privada era apreendida pela


razão, antes mesmo da existência do Estado. A
violação do direito de propriedade não poderia
ser deixada ao sabor da vendeta particular, o
que criaria uma situação de ingovernabilidade.
Por outro lado, a visão lockeana de que se
estaria diante de um direito natural impõe também a consideração de que o
governante não poderia descurar dele impunemente.

A estudiosa Catherine Valcke (1994) mostra que o poder supremo está


contido no povo e que a constituição de uma sociedade civil como realidade
melhor que o estado de natureza não é uma carta branca ao poder
governamental. Só há sentido em defendê-la se houver revisão constante do
governo público pelos cidadãos. O pensamento de John Locke autorizou o
aparecimento de uma governamentalidade (arte de governo) baseada
exclusivamente no voto dos indivíduos autônomos e a supressão da autoridade
real como fonte da lei e da ordem nos Estados Unidos da América. “By
appealing to the social contract, therefore, it seems possible to combine the rule
of law with individual autonomy within one and the same political system.”
(VALCKE, 1994, p. 58)

Para John Locke, a conquista da natureza era uma demonstração da


evolução humana, como de fato essa percepção atravessará muitos pensadores
posteriores, inclusive Karl Marx. A propriedade era a expressão da habilidade
humana em usar a razão e desenvolver sua personalidade. A seção 27 do
Segundo Tratado diz que embora a terra e todas as criaturas tidas à época por
inferiores sejam comuns a todos os homens, ainda assim todo homem teria pelo
menos uma propriedade em sua própria pessoa.

A pessoa pode ser um ninguém, mas tem direito a si mesma. O trabalho


de seu corpo e de suas mãos é propriamente dela. Tudo o que o homem remove

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do estado de natureza – que ele agregou com o seu trabalho e juntou ao
trabalho em algo que é seu – torna-se sua propriedade. Sendo pelo homem
removidos os bens de estado comum da natureza, teve este trabalho como algo
anexado à coisa trabalhada, o que exclui ali o direito comum de outros homens.
A coisa passaria a ser extensão da pessoa na qualidade de propriedade – ideia
que foi retomada e enfocada diferentemente por Karl Marx no estudo da
alienação, em que a mercadoria aparece à venda como se fosse um bem
estranho e não como fruto do trabalho humano.

Locke oferece uma teoria normativa da propriedade amplificando e


qualificando sua criação e apropriação: “Por este trabalho ser propriedade
inquestionável do trabalhador, nenhum homem, a não ser ele, pode ter direito
ao que uma vez foi apropriado, pelo menos onde houver o suficiente, e tão
generosamente deixado em comum para os outros”. (“For this labour being the
unquestionable Property of the Labourer, no Man but he can have a right to
what that is once joyned to, at least where there is enough, and as good left in
common for others.” apud WEST, p. 4.) Isto levanta a questão sobre uma
apropriação inapropriada da propriedade pelos produtores (labourer) de forma
a interferir na liberdade dos outros.

AUTOGOVERNO OU PROPRIEDADE? A ESCRAVIDÃO

Essa reflexão de John Locke sobre a propriedade faz-nos pensar que o


conceito traga reflexos na conceituação da capacidade que o ser humano tem de
governar a si próprio. Se o trabalho constrói a autonomia da pessoa e constrói
sua personalidade jurídica, o cidadão é ativo sob circunstâncias precisas:
aquelas que conferem a ele a capacidade. Somente o autogoverno traria a
participação política no sentido pleno. Como corolário, a ausência total de
propriedade descaracteriza a capacidade e o estado de pessoa. Esta é a condição
do escravo para a qual haverá diferentes explicações jurídicas com vivo debate
ainda de consequências para o presente em relação à condição similar à de um
escravo em seu limite de diferença em relação ao trabalho penoso.

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ADAM SMITH (1723-1790)1

Adam Smith propôs uma teoria que tem como implicação uma
contenção rigorosa do governo sobre os agentes econômicos. Para A. Smith, a
ociosidade não poderia conduzir ao desenvolvimento humano, mas o ser
humano, dito o “homem”, fora feito para a ação, pensamento que demonstra
sua leitura de Locke. E esse pressuposto implica, para Smith, na compreensão
de que a propriedade mais sagrada está na liberdade de trabalhar, não sendo
justificada qualquer interferência que implique em limitar a forma como um
homem faz o seu trabalho (WEST, 2001, p. 6).

Advoga que empregados e empregadores não podem receber


interferências em seus contratos, o que afetaria os vizinhos desse processo. O
que se deduz desse pensamento é que não se pode interferir em duas partes
envolvidas numa relação de trabalho sem que o todo não seja afetado, pois
vizinhos são diretamente afetados. Smith considera, em favor de Locke, que a
propriedade é sagrada e a propriedade original por excelência é aquela que
deriva do trabalho humano.

Adam Smith elabora com esmero o valor da mercadoria na


complexidade de funções da era industrial que deveria ser medida pelo
trabalho:

Every man is rich or poor according to the degree in which he can


afford to enjoy the necessaries, conveniences, and amusements of
human life. But after the division of labour has once thoroughly taken
place, it is but a very small part of these with which a man's own
labour can supply him. The far greater part of them he must derive
from the labour of other people, and he must be rich or poor
according to the quantity of that labour which he can command, or
which he can afford to purchase. The value of any commodity,
therefore, to the person who possesses it, and who means not to use or
consume it himself, but to exchange it for other commodities, is equal

1As observações a seguir estão principalmente informadas por Edwin West (2001, p. 5-13) e
próprio estudo de Adam Smith, Lectures on Justice, Police, Revenue and Arms, assim como The
Wealth of Nations (2007).

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to the quantity of labour which it enables him to purchase or
command. Labour, therefore, is the real measure of the exchangeable
value of all commodities. (SMITH, 2007, p. 28)

English ↺ Português ➠ Todo homem é rico ou pobre de acordo com o


grau em que pode se permitir o gozo das necessidades, conveniências
e diversões da vida humana. Mas depois que a divisão do trabalho foi
completamente transcorrida, é apenas uma pequena parte desses
benefícios que é suprida pelo próprio trabalho de um homem. A
maior parte dessa riqueza, ele deve adquirir do trabalho de outras
pessoas, e ele deve ser rico ou pobre de acordo com a quantidade de
trabalho que ele pode ordenar fazer ou comprar. O valor de qualquer
mercadoria, portanto, para quem a possui, e que não pretende usá-la
ou consumi-la, mas empregar como excedente de troca por outras
mercadorias, é igual à quantidade de trabalho que ela lhe permite
comprar ou mandar fazer. O trabalho, portanto, é a medida real do
valor de troca de todas as mercadorias.

Esta fórmula conceitual foi inteiramente adotada por Marx. Em sua


Lectures on Justice, Police, Revenue and Arms, 1763, Smith não elencou a
propriedade como um direito natural, havendo distinção no tripé de direitos
naturais de John Locke. Não questionava que a vida e a liberdade seriam
direitos naturais, mas põe dúvidas sobre o terceiro conceito, já que
“propriedade e governo civil dependem muito um do outro” (“property and
civil government very much depend on one another”. SMITH, 1869.) A
propriedade é um direito adquirido e moldado pelo Estado. Entretanto, não há
uma reflexão detida sobre o assunto em Smith e, assim, as conclusões só podem
ser tiradas a partir de operações hermenêuticas.

Adam Smith era inteiramente contra qualquer interferência no comércio


de atores individuais, pois as trocas mercantis seriam capazes de criar e manter
o capital (WEST, 2001, p. 7). O equilíbrio de preços possibilitava um processo de
produção igualmente equilibrado, logo, a valorização da propriedade essencial
ao Estado. Assim, as pessoas poderiam investir mais em propriedades
envolvidas na produção, ou seja, em capital que geraria mais participação de
mão de obra na economia de um país. O acúmulo de capital – bens usados no
processo produtivo – gerava maior diversificação das formas de trabalho e
gerava progresso tecnológico.

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Por outro lado, Smith sustentava a obrigação do soberano de proteger a
propriedade como sendo crucial à preservação do Estado e da riqueza. A
pobreza da maioria era uma evidência de que a existência da propriedade se
ligava à existência do Estado. Esse argumento pode reforçar a concepção de que
Smith não via a propriedade como um direito natural:

Wherever there is great property there is great inequality. For one


very rich man there must be at least five hundred poor, and the
affluence of the few supposes the indigence of the many. The
affluence of the rich excites the indignation of the poor, who are often
both driven by want, and prompted by envy, to invade his
possessions. It is only under the shelter of the civil magistrate that the
owner of that valuable property, which is acquired by the labour of
many years, or perhaps of many successive generations, can sleep a
single night in security.

English ↺ Português ➠ Onde quer que haja grande propriedade, há


grande desigualdade. Para um homem muito rico, deve haver pelo
menos quinhentos pobres, e a riqueza de poucos supõe a indigência
de muitos. A abundância dos ricos excita a indignação dos pobres,
que muitas vezes são movidos pela necessidade e pela inveja para
invadir suas posses. É somente sob o amparo do magistrado civil que
o dono daquela valiosa propriedade, adquirida com o trabalho de
muitos anos, ou talvez de muitas gerações sucessivas, pode dormir
uma única noite em segurança.

Smith evoca as tribos ditas “bárbaras” em torno do Império Romano


para lembrar que ali não havia segurança quanto ao crédito. “Entre as nações
bárbaras que dominaram as províncias ocidentais do Império Romano, a
execução dos contratos foi deixada por muitos anos à fé das partes
contratantes” (“Among the barbarous nations who over-ran the western
provinces of the Roman Empire, the performance of contracts was left for many
ages to the faith of the contracting parties.” Adam Smith apud WEST, 2001, p.
8). Isso teria feito o credor ser tratado da mesma forma que o falido e as pessoas
de má conduta. A taxa de juros em tal situação de desproteção do Estado vai
aos céus, pois não há confiança no crédito. O crédito ruim gera os juros altos.

Para Smith, o soberano teria três obrigações fundamentais: (1) Proteção


contra invasão por outros países; (2) A administração da justiça e a segurança

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pública; (3) Empreender e manter obras públicas e instituições públicas
essenciais. Lembra, entretanto, que tais empreendimentos não podem favorecer
particulares. Ele considera que os princípios de autoridade e a utilidade são
conceitos de obediência mais importantes que qualquer contrato social suposto
abstratamente. (WEST, 2001, p. 9).

Faz raciocínio de critério de validação com fundamento no senso comum


para contestar do conceito de contrato social:

Ask a common porter or day-labourer why he obeys the civil


magistrate, he will tell you that it is right to do so, that he sees others
do it, that he would be punished if he refused to do it, or perhaps that
it is a sin against God not to do it. But you will never hear him
mention a contract as the foundation of his obedience (SMITH, 1869).

English ↺ Português ➠ Pergunte a um plebeu ou a um diarista por que


ele obedece ao magistrado civil, ele lhe dirá que é correto fazê-lo, que
ele vê os outros fazerem isso, que seria punido se se recusasse a fazê-
lo, ou talvez que seja um pecado contra Deus por não fazer isso. Mas
você nunca vai ouvi-lo mencionar um contrato social como a base de
sua obediência.

Deslegitima-se acima a concepção de contrato social já que ela não seria


verificável empiricamente, tratando-se de uma mera asserção, sem valor
operativo.

JEREMY BENTHAM (1748-1832)2

Bentham constestou a ideia de direitos de propriedade pré-existentes a


lei em Theory of Legislation, de 1795. Lembre-se que direito natural e lei natural
eram realidades não provadas e, depois de Charles Darwin, a ideia de estado de

2As observações a seguir estão principalmente informadas por Edwin West (2001, p. 13-17) e
próprio capítulo de Jeremy Bentham, “Value of a Lot of Pleasure or Pain, How to be Measured”
em Principles of Morals and Legislation (2000).

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natureza se torna uma mera especulação sem qualquer efetiva existência
histórica. Direitos naturais eram metáforas baseadas em sentimentos subjetivos
que não ofereciam qualquer segurança a reflexão sobre os direitos de
propriedade. Um direito não poderia ser derivado senão de leis reais, o que
Locke não oferecera em sua reflexão. Só existe propriedade porque existe
governo, sem o Estado não é possível falar em direito de propriedade.

A ideia básica de Jeremy Bentham é de que a propriedade e o direito


nascem e morrem inseparáveis sempre. Se a propriedade fosse um direito
natural, o Estado não poderia cobrar impostos senão com o consentimento dos
proprietários, o que está longe de ser verdade, pois os impostos são cobrados à
revelia dos titulares da propriedade, os impostos são uma imposição da lei, pois
somente ela reconhece a existência da propriedade. Na lógica binária de prazer
versus dor, Bentham faz repousar suas recomendações para o legislador:
“Prazeres, então, e evitar dores, são os fins que o legislador tem em vista.”
(“Pleasures then, and the avoidance of pains, are the ends that the legislator has
in view”, BENTHAM, 2000, p.31.)

O conceito de utilidade em Bentham subordina o conceito de propriedade e este


está separado da idealização de um trabalhador isolado a produzir bens. A propriedade
em qualquer objeto tem uma utilidade, podendo trazer benefícios, prazeres ou
felicidades. Por outro lado, o princípio da utilidade também se aplica ao que impede a
ocorrência de um dano, uma dor, uma maldade ou uma infelicidade para uma
determinada parte. No governo, a comunidade é uma parte com interesses a serem
preservados, então, a felicidade da comunidade é a utilidade da propriedade.
(BENTHAM, 2000.)

O princípio da utilidade é fácil de ser compreendido em relação à comunidade


em geral. É possível melhor compreender o sentido dessa palavra, utilidade ou
felicidade, no contexto benthaminiano quando se traduz ela por “prosperidade” que
pode ter o sentido de prosperidade pública ou prosperidade individual daquele que
indivíduo que é produtivo ou produtor de riquezas, do cidadão que trabalha ao
capitalista. A ação das pessoas deve ser conforme a utilidade. O legislador deve agir
conforme a soma das felicidades da comunidade. A ação está conforme se a tendência

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para aumentar a felicidade da comunidade é maior do que qualquer outra que vise
diminui-la. Uma medida governamental pode ser considerada conforme quando ditada
pelo princípio de utilidade, na medida em que a aumenta a felicidade do corpo coletivo,
sendo maior do que qualquer outra ação que tenha por objetivo diminuir aquele corpo.
(BENTHAM, 2000.)

O princípio supremo de Bentham, a busca da “maior felicidade,”


implicava a necessidade de igualdade de posses materiais, um objetivo que o
próprio Bentham tentava inicialmente manter dentro de limites precisos.
Entretanto, o futuro ampliará o conceito de forma a aplica-lo de diferentes
maneiras. O Estado era o benfeitor público, construindo estradas e obras de
infraestrutura que possibilitavam ao cidadão ser operativo. O princípio da mais
absoluta felicidade (utilidade) orientou uma lista de pontos nos quais o Estado
deveria intervir, segundo Bentham.

Edwin Chadwick foi o último secretário de Bentham e tornou-se um dos


mais influentes criadores de políticas utilitárias na Inglaterra do século XIX. Ele
foi protagonista na revisão da lei dos pobres de 1834. Ela impôs que a
assistência aos pobres não fosse feita mais fora das Casas de Trabalho. Assim, o
outdoor relief foi substituído pelo indoor relief. Muitas dessas Casas pareceriam
com prisões e foram uma forma de impor a restrição da liberdade aos mais
pobres por atos meramente protocolares. As mulheres com filhos ilegítimos
deixaram de receber seus benefícios, pois a antiga lei foi considerada
inadequada, uma vez que dar benefícios a crianças pobres iria incentivar a má
conduta delas e de seus parceiros que poderiam até casar com elas por esse
medíocre interesse. Edwin Chadwick atuou ainda no disciplinamento da saúde
e saneamento (1840-50) e na regulamentação ferroviária (anos 1860). As
concorrências públicas deveriam ser desenhadas de tal forma que evitassem o
desperdício, o superfaturamento, a fraude e os monopólios.

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CONCLUSÃO

A propriedade deixou de ser um conceito voluntarista ligado à coisa


contratada e passou a ser um instrumento de poder. Seu alcance atingiu a
liberdade dos mais vulneráveis impondo-lhes drásticas limitações em
locomoverem-se e habitarem. As novas noções de propriedade foram eficazes
nas desapropriações para a promoção de obras públicas e de investimento em
infraestrutura.

O poder público passou a lançar suas garras sobre terrenos debaixo da


jurisdição administrativa das cidades a promover intervenções urbanas que
capitalizaram o espaço público em benefício do bem comum, em urbes
progressivamente mais populosas. Mais utilidade teve como corolário mais
disciplinamento das pessoas com forte impacto na valorização de imóveis ao
mesmo tempo em que submeteu os pobres a olhares de vigilância e controle dos
seus corpos. Mais regulações operadas no plano jurídico trouxeram menos
liberdade individual.

O Estado agiu na capitalização dos bens imóveis, incorporou mais


populações ao mercado de trabalho, usou a miséria a seu favor garantindo um
pouco de benefício a uma massa muito maior de pessoas. O poder público
regulou a caridade e favoreceu o impulso das relações assalariadas
acostumando o citadino de renda média acima a viver cercado de miseráveis.
Os miseráveis se acostumaram a conviver com o luxo ao seu redor sem poder
ter acesso à riqueza. As cidades viraram espaços para todas as classes;
reguladas e policiadas.

REFERÊNCIAS

11
BENTHAM, Jeremy. An Introduction to the Principles of Morals and Legislation.

Kitchener: Batoche Books, 2000. Disponível em: Erro! A


referência de hiperlink não é válida.
BENTHAM, Jeremy. Theory of Legislation. London: Trubner & Co., 1864. Internet
Archive. Disponível em: https://archive.org/details/legislation00bentuoft

SMITH, Adam. An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. São
Paulo: Metalibri, 2007. http://metalibri.incubadora.fapesp.br/

SMITH, Adam. Lectures on Justice, Police, Revenue and Arms, delivered in the
University of Glasgow, by Adam Smith. Reported by a Student in 1763 and
edited with an Introduction and notes, by Edwin Cannan, Oxford: Clarendon
Press, 1869. Digitalizado. Disponível em:
http://oll.libertyfund.org/titles/2621#Smith_1647_213

VALCKE, Catherine. Civil Disobedience and the Rule of Law – A Lockean


Insight, in: VALCKE, Catherine. The Rule of Law - Nomos XXXVI, New York:
New York University Press, 1994. Disponível em: https://papers.ssrn.com/
sol3/ papers.cfm?abstract_id=2179136

WEST, Edwin G. Property Rights in the History of Economic Thought: From


Locke to J. S. Mill. Econpapers – Economics at your fingertips, no. 01-
01, Carleton Economic Papers from Carleton University, Department of
Economics, 2001. Disponível em:
https://econpapers.repec.org/paper/carcarecp/01-01.htm

PARA LER MAIS E REFLETIR

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“John Locke against Freedom”, de John Quiggin.

Link: https://www.jacobinmag.com/2015/06/locke-treatise-slavery-private-property/

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