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Os indivíduos, então consentem em abrir mão de outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus
uma parte de seus direitos individuais, concedendo ao bens; todos os homens são obra de um único Criador
Estado a faculdade de julgar, punir e fazer a defesa todo-poderoso e infinitamente sábio, todos servindo
externa. Entretanto, se a autoridade pública, a quem foi a um único senhor soberano, enviados ao mundo por
confiada a tarefa de a todos proteger, abusar de seu sua ordem e a seu serviço; são, portanto sua
poder, o povo tem o direito de romper o contrato e propriedade, daquele que os fez e que os destinou a
recuperar a sua soberania original. Assim Locke defendia durar segundo sua vontade e de mais ninguém.
o direito do povo de insurgir contra o governo e Dotados de faculdades similares, dividindo tudo em
justificava a derrubada e a substituição de um soberano uma única comunidade da natureza, não se pode
legítimo por outro. conceber que exista entre nós uma ‘hierarquia’ que
nos autorizaria a nos destruir uns aos outros, como se
Brasil resgata 942 pessoas do trabalho escravo no primeiro ano da covid-19 tivéssemos sido feitos para servir de instrumento às
necessidades uns dos outros, da mesma maneira que
as ordens inferiores da criação são destinadas a servir
de instrumento às nossas.” (LOCKE, p. 35).
No estado de natureza, todo homem tem o direito de
punir o transgressor e de ser o executor da lei da
natureza. Os “homens vivem juntos segundo a razão e
sem um superior comum sobre a Terra, com autoridade
para julgar entre eles”.
“Ainda que a terra e todas as criaturas inferiores pertençam em comum a O estado de natureza, relativamente pacífico, não está
todos os homens, cada um guarda a propriedade de sua própria pessoa; isento de inconvenientes, como a violação da propriedade
sobre esta ninguém tem qualquer direito, exceto ela”. Locke (vida, liberdade e bens) que, na falta de lei estabelecida,
FILOSOFIA – CEPAP – PAULO TAVARES
de juiz imparcial e de força coercitiva para impor a
execução das sentenças, coloca os indivíduos singulares
em estado de guerra uns contra os outros.
É a necessidade de superar esses inconvenientes que,
segundo Locke, leva os homens a se unirem e
estabelecerem livremente entre si o contrato social, que
realiza a passagem do estado de natureza para a
sociedade política ou civil. Esta é formada por um corpo
político único, dotado de legislação, de judicatura e da distinções – o poder legislativo emana do povo
força concentrada da comunidade. Seu objetivo precípuo representado no parlamento; o poder executivo é
é a preservação da propriedade e a proteção da delegado ao rei pelo parlamento".
comunidade tanto dos perigos internos quanto das O contrato social institui, então a sociedade civil e o
invasões estrangeiras. Estado como garantia dos direitos naturais e não como
criação de outros direitos.
Conselho nacional Sendo fruto do consentimento de todos, a instituição
dos direitos humanos de uma sociedade política não significa a renuncia à
divulga levantamento liberdade individual, e sim a instauração de uma nova
das áreas com maior forma de liberdade: a liberdade civil. Esta não se
incidência de contrapõe a liberdade natural, mas a preserva e a amplia,
violações de direitos
já que os direitos naturais se tornam direitos políticos.
humanos no Brasil.
Assim, a passagem do estado de natureza para a
sociedade política ou civil (Locke não distingue entre
ambas) se opera quando, através do contrato social, os
O Estado social indivíduos singulares dão seu consentimento unânime
para a entrada no estado civil. Estabelecido o estado civil,
A passagem do "estado natural" para o "estado social"
o passo seguinte é a escolha pela comunidade de uma
só pode ser feita pelo consentimento (e não pela
determinada forma de governo. Na escolha do governo, a
conquista) dos homens. "Sendo – todos os homens
unanimidade do contrato originário cede lugar ao
igualmente livres, iguais e independentes, nenhum pode
princípio da maioria, segundo o qual prevalece a decisão
ser tirado desse estado e submetido ao poder político de
majoritária e, simultaneamente, são respeitados os
outrem, sem o seu próprio consentimento, pelo qual pode
direitos da minoria
convir, com outros homens, em agregar-se e unir-se em
No que diz respeito às relações entre o governo e a
sociedade, tendo em vista a conservação, a segurança
sociedade, Locke afirma que, quando o executivo ou o
mútua, a tranqüilidade da vida, o gozo sereno do que lhes
legislativo violam a lei estabelecida e atentam contra a
cabe na propriedade, e melhor proteção contra os insultos
propriedade, o governo deixa de cumprir o fim a que fora
daqueles que desejariam prejudicá-los e fazer-lhes mal."
destinado, tornando-se ilegal e degenerando em tirania. O
Entre os direitos que, segundo Locke, o homem
que define a tirania é o exercício do poder para além do
possuía quando no estado de natureza, está o da
direito, visando o interesse próprio e não o bem público
propriedade privada que é fruto de seu trabalho. O Estado
ou comum.
deve, portanto, reconhecer e proteger a propriedade.
Com efeito, a violação deliberada e sistemática da
Locke defende também que a religião seja livre e que não
propriedade (vida, liberdade e bens) e o uso contínuo da
dependa do Estado.
força sem amparo legal colocam o governo em estado de
A sociedade civil, que veio substituir o estado natural,
guerra contra a sociedade e os governantes em rebelião
possui dois poderes essenciais:
contra os governados, conferindo ao povo o legítimo
Um é o legislativo, que determina como o Estado direito de resistência à opressão e à tirania.
deve agir para a conservação da sociedade e de seus
membros;
O outro e o executivo, que assegura a execução das
PARA PENSAR
leis promulgadas.
"Cada homem tem uma propriedade em sua
O poder legislativo e o executivo devem estar em própria pessoa. A esta ninguém tem direito algum
diferentes mãos para evitar possíveis abusos e evitar a além dele mesmo. O trabalho de seu corpo e a obra
de suas mãos, pode-se dizer, são propriamente
concentração de poder nas mãos de um único grupo.
dele. Qualquer coisa que ele então retire do estado
De acordo com o cientista político Norberto Bobbio, com que a natureza a proveu e deixou, mistura-a ele
"Locke passou para a História – justamente como o com o seu trabalho e lhe junta algo que é seu,
teórico da monarquia constitucional – um sistema político transformando-a em sua propriedade." (Locke, John.
baseado, ao mesmo tempo, na dupla distinção entre as Dois tratados sobre o governo. Martins Fontes, São
duas partes do poder, o parlamento e o rei, e entre as duas Paulo, 1998, p. 409.)
funções do Estado, a legislativa e a executiva, bem como Pode parecer óbvio que somos proprietários de
na correspondência quase perfeita entre essas duas nosso corpo, mas naquele momento reconhecer
essa situação representou um avanço. Pense no