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Graduação em Filosofia – UFU.

Filosofia Política.

Segundo tratado sobre o governo: a propriedade e a concepção do Estado Cívil.

Marco Túlio Costa França

Turma: Noturno

E-mail: marcotuliofranca@ufu.br

Introdução

Ao longo do século XVII, no contexto onde ideias questionadoras dos modelos


estruturais da sociedade emergiram, discussões a respeito da natureza humana, bem como o
papel do estado civil, pactos sociais e outras questões ganharam uma ênfase nos textos dos
pensadores da época. Como John Locke, considerado o “O Pai do Liberalismo”, a qual
abordaremos a seguir.
Sofrendo influência dos empiristas britânicos, como Francis Bacon, Locke se propõe
a investigar sobre essas questões mencionadas acima, criando sua própria teoria contratualista
e exibindo-a no “Segundo Tratado sobre o Governo”. Abordaremos, a seguir, as principais
ideias, para entender como o conceito de propriedade privada fundamenta a concepção de um
estado civil.
A versão da obra utilizada para o estudo é da coleção “Os Pensadores" de 1983.
Objetivos e razões estabelecidas, seguiremos a análise.

Desenvolvimento

Segundo a teoria de Locke, o estado civil ou qualquer outro modelo de Estado que
governe uma comunidade é criado para proteger a propriedade dos indivíduos que o
compõem. Mas afinal, o que é essa propriedade privada? Quais as características que a fazem
ser tão importante para a concepção do estado? Como ela surge?
De acordo com nosso autor, Deus concedeu o direito a Terra a todos os homens. Isso
implica que tudo que é fruto da criação — seja a terra, os animais, as plantas, os minerais,
etc— atua como um bem comum a todos. Isso é, todos têm o mesmo direito às coisas criadas
por Deus, e não há necessidade de pedir autorização aos demais da comunidade para se
apropriar desse bem. Pois, o homem busca se autopreservar e se dependesse do
consentimento de todos para adquirir esse bem, ele morreria de fome, sede, frio, ou qualquer
outro fator que prejudique sua preservação pelo não consentimento dos demais. Em suma, o
bem comum se dá por um direito natural ao homem.
Entretanto, se o bem é de todos, o direito de consumação ou apropriação dos bens não
deveria ser do particular, mesmo que esse esteja se preservando. Para Locke, não há problema
nenhum nisso, pois o homem tem direito a sua vida, e quando retira da natureza o que é de
todos, ele implica uma força sobre esse bem de forma que esse bem torna-se parte extensiva
de sua vida. Por exemplo, uma maçã (bem geral) quando colhida só é ser enquanto “maçã
colhida” por extensão à vida de quem a colheu. E sendo uma extensão da vida desse
indivíduo, o mesmo tem direito sobre ela, em comparação com os demais. Esse processo que
transforma o bem geral em bem particular é chamado de trabalho.
Em suma, tudo, a princípio, era um bem geral. Entretanto, quando o homem exerce
seu trabalho sobre esse bem, esse se anexa a ele. Todavia, o trabalho deve ser feito de
maneira consciente para que não exista conflito entre os homens. Ou melhor, deve se retirar
da natureza para tornar parte de si somente o necessário para a preservação do homem. E isso
é delimitado pela razão, no qual será apresentada posteriormente. Pois o excedente, para
Locke, pertence a terceiros à medida que não é necessário.
Se houver espaço para todos possuírem um pedaço de terra, todos conseguirem
comida, água e outras condições de sobrevivência, não há problema nenhum segundo o autor
em se apropriar da natureza. Há conflito somente quando assim não é, e nesses casos, os
indivíduos devem chegar a um acordo em comum para resolverem suas diferenças, acordo
novamente delimitado pela razão.
A propriedade privada é, então, aquilo garantido por Deus que resulta do esforço do
homem para com o bem comum, acrescentando esse bem à sua propriedade particular,
possuindo direito sobre ela. O trabalho, no entanto, deve ser limitado pela razão para atuar
somente ao necessário à preservação do indivíduo.
Mas afinal, o que é essa razão que nos torna coerentes e justos na hora de pegar da
natureza para si? Segundo Locke, antes de fazer parte de qualquer coisa, o homem faz parte
de uma comunidade racional, cuja racionalidade é provida de Deus. Essa racionalidade
governa o estado de natureza do homem e o faz ser justo com os demais. Diz Locke:

“O estado de natureza tem uma lei de natureza para governá-lo, que a


todos obriga: e a razão, que é esse lei, ensina a todos os homens que
tão só a consultem, sendo todos iguais e independentes, que nenhum
deles deve prejudicar a outrem na vida, na saúde, na liberdade ou nas
posses.” (LOCKE, 1983, p.10)

O estado de natureza do homem atua sobre dois âmbitos: o primeiro é de liberdade, o


homem é livre para ordenar suas ações e regular suas posses. E como mencionado, tem total
direito a isso. O segundo é de igualdade, pois todos os homens são dotados das mesmas
capacidade intelectual e de direitos para fazer. Nenhum homem possui poder mais que o
outro, por natureza.
Entretanto, Locke reconhece que liberdade não é licenciosidade. “Apesar de ter o
homem naquele estado de liberdade incontrolável de dispor da própria pessoa e posse, não
tem o de destruir a si mesmo ou de outra criatura que esteja em sua posse.” (LOCKE, 1983,
p.36). Isso é, conforme nossa razão diz, nossa liberdade termina quando atinge a liberdade do
outro. Não devemos, em hipótese nenhuma, prejudicar a propriedade alheia. Quando fazemos
isso, desobedecemos a razão e provocamos a guerra. Em outras palavras, a razão visa a
preservação. Ferir a razão, desobedecer a soberana do estado de natureza é, por conseguinte,
ferir a preservação. Nada justifica que inibimos a razão, senão o desinteresse em obedecê-la.
E aos desinteressados, ou degenerados, como Locke os chama, não sobra nada senão
o estado de guerra com os demais. Pois todo homem tem o direito e o dever em castigar
aquele que fere o princípio da razão. Delimita-se castigo, qualquer medida justa, julgada pela
razão, que está em proporção com a transgressão, com aquele que fere o inocente. E esse,
ganha o direito natural de revidar, punir e dar exemplo aos demais o que não deve ser feito.
Os dois indivíduos entram em estado de guerra.
Entende-se que aquele que declara guerra contra um único homem, declara guerra à
humanidade, pois se ele é capaz de fazer mal a um único homem, toda a humanidade corre o
mesmo risco. Portanto, para preservar a razão, todos entram em estado de guerra com ele,
ganhando o direito de castigar ou reivindicar o prejuízo — quando os indivíduos chegam a
um acordo.
Por isso, diz que o estado de guerra ocorre quando um homem se coloca em poder
absoluto com os demais, sem acordo estabelecido. Afinal, invadir a propriedade do outro a
bel prazer não é se colocar acima desse? Segundo Locke: “não há quem deseje ter alguém sob
poder absoluto senão para comepeli-lo pela força ao que é contra o direito da liberdade, isto
é, torná-lo escravo” (LOCKE, 1983, p.40) Portanto, entende que o estado de guerra é
totalmente diferente do estado de natureza.
Enquanto o estado de natureza é caracterizado pela paz, justiça e igualdade, o estado
de guerra é classificado pela força e pela autoridade. Toda vez que um homem se encontra
sem um ser soberano comum, a razão assume esse papel e o homem regressa a seu estado de
natureza. Mas no estado de guerra, onde o homem degenerado não escuta a razão, o emprego
da força é necessário para subir em cima da autoridade dos demais.
Nesse contexto, a lei surge para assegurar a propriedade do inocente e utilizar da
violência, ou de medidas de segurança, para subjugar o agressor. Por isso, para evitar a
sociedade, o homem deve necessariamente se reunir em sociedade, deixando o estado de
natureza e se submetendo a autoridade, para que essa, por intermédio do consenso coletivo,
possa subjugar aquele que provoque o estado de guerra entre os demais.
No estado de natureza, a comunidade do homem se dá em famílias, e a propriedade,
pertencente a essas famílias, é o que delimita as relações de poder entre os indivíduos. O
homem deve se abster dessas relações de poder e aceitar um novo modelo de autoridade para
sair do estado de natureza para entrar no estado civil — ou governamental. E isso deve
ocorrer igualmente com todos que compõem essa sociedade.
Portanto, um bom estado civil deve buscar promover a segurança da propriedade.
Nesse cenário, aquele que governa deve ser soberano, enquanto aquele que a compõe deve
ser súdito. Pois, ao abster-se dos seus direitos naturais, o homem sai do estado de natureza e
submete a uma nova sociedade com uma nova autoridade, que criará leis que devem ser
seguidas, para que não exista mais estado de guerra. Quando todos concordarem em se
submeter a esse modelo de sociedade, deve-se estabelecer leis que limitem a liberdade dos
indivíduos, onde não exista mais invasão da propriedade privada cuja qual não pertença ao
homem que atua sob essa nova jurisdição.
E assim como a razão delimita que o homem não deve invadir a propriedade do outro
no estado de natureza, porque isso é colocar os demais e a si mesmo em estado de guerra,
uma vez que a invadir a propriedade alheia é declarar guerra a humanidade, a razão entende
que o homem deve juntar-se aos demais, na criação de um estado cívil para evitar o estado de
guerra e estabelecer acordos entre todos os homens sobre o que é justo e de consenso geral
nas criações das leis desse estado cívil.

Considerações Finais

Em suma, o homem nasce igual aos demais e livre, com direito à vida, liberdade e
propriedade. Possuindo o direito de preservar esses direitos e a tudo que lhes remetem. No
qual implica o direito de se defender e portanto usar da força para castigar o outro, ou reparar
sua propriedade, quando o estado de guerra é declarado. O estado civil, cujo objetivo é
proteger a propriedade, tem poder sobre todos os membros que a compõem. Por isso, o
homem deve renunciar o direito natural, passando-o para a autoridade da sociedade. Exclui-se
qualquer julgamento privado de qualquer cidadão, por a autoridade ser soberana. E cria-se
leis, onde a sociedade julga com base no que é estabelecido.
A teoria de Locke é bastante relevante quando se estuda qual a função de um estado.
De fato, o autor é considerado um dos contratualistas principais e escreveu sobre ideias
inspiradoras para os que mais tarde vieram a se chamar liberais. Entender sua teoria é
fundamental para entender a política moderna e contemporânea. Uma vez que suas ideias
inspiraram certos acontecimentos. Agora, se esse conjunto de ideias de Locke, bem como a
aplicação das teorias na prática são ou foram boas e/ou efetivas, é uma questão a ser
estudada. Mas isso é assunto para outra pesquisa.

Referências:

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. In: “Coleção os Pensadores”. John Locke,
São Paulo: editora Abril Cultural, 1983.

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