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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Reflexões acerca dos textos “Segundo tratado sobre o governo civil”, de John
Locke e “O contrato social”, de Jean-Jacques Rousseau como convite ao diálogo.

Rio de Janeiro - RJ

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Reflexões acerca dos textos “Segundo tratado sobre o governo civil”, de John
Locke e “O contrato social”, de Jean-Jacques Rousseau como convite ao diálogo.

Trabalho para obtenção de nota na disciplina Filosofia e Psicologia, referente ao curso


de Psicologia.

Rio de Janeiro – RJ

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Introdução

Um dos papéis da filosofia é compreender como os homens se relacionam entre si, com
o meio e como se estruturam na sociedade, sobretudo quando se trata do
estabelecimento e da distribuição do poder. Dessa maneira, serão apresentados nesse
texto dois autores que escreveram prolificamente sobre a sociedade: John Locke e Jean-
Jaques Rousseau. Serão abordados temas chave de ambos os autores: o estado de
natureza e o estado civil, o contrato social, a escravidão e a propriedade.
O Estado de Natureza e o Estado Civil

No Segundo Tratado, Locke discorre sobre o Estado de Natureza, que segundo ele
caracteriza-se por todo homem ser igual, independente e estar plenamente livre para
decidir suas ações, dispor de seus bens e regular os semelhantes que possam vir a
ofender os seus direitos naturais. Mais adiante essa regulação das ofensas é discutida em
sua obra. Locke pontua que no Estado de Natureza somos todos juízes das ofensas de
todos. Contudo, a natureza humana não é de todo justa, em suas próprias palavras:

“não é razoável que os homens sejam juízes em causa própria, pois a autoestima
os tornará parciais em relação a si e a seus amigos [...] e a vingança os leve longe
demais ao punir os outros”.

Dessa forma, segundo Locke, a falha do Estado de Natureza é a não existência de uma
instituição imparcial que resolva disputas originadas da irracionalidade do homem. Para
Locke, então, o Estado Civil surge com o propósito principal de preservar a propriedade
de tais ofensas, uma vez que o Estado de Natureza carece de condições para tal:

“[...] o objetivo capital e principal da união dos homens em comunidades sociais e


de sua submissão a governos é a preservação de sua propriedade. O estado de
natureza é carente de muitas condições. Em primeiro lugar, ele carece de uma lei
estabelecida, fixada, conhecida, aceita e reconhecida pelo consentimento geral,
para ser o padrão do certo e do errado e também a medida comum para decidir
todas as controvérsias entre os homens.”

Rousseau, contudo, atribui a passagem entre os estados a outros fatores. Segundo seu
pensamento, o homem natural é bom, no entanto, a criação da propriedade privada fez
com que os homens caíssem em guerras e disputas entre si. Dessa forma, enquanto
Locke cria o Estado civil para proteger a propriedade, Rousseau cria-o para proteger-se
dos conflitos por ela gerados, então, o contrato social rousseauniano surge para regular
esses conflitos:

“O primeiro que, tendo cercado um terreno, atreveu-se a dizer: Isto é meu, e


encontrou pessoas simples o suficiente para acreditar nele, foi o verdadeiro
fundador da sociedade civil.”

Desse modo, há uma clara distanciação entre os dois autores no que tange a origem do
estado civil. Enquanto o inglês atribui essa mudança à preservação da propriedade (essa
sendo algo bom, um presente de Deus), Rousseau, mesmo a ligando também à
propriedade, a vê como um gerador de conflitos entre os homens, e esse conflito (ou a
sua prevenção) dá motivo à fundação da sociedade civil.

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A visão de Rousseau está fortemente ligada a perspectivas da era moderna uma vez que
mostra o ser humano como bom por natureza. Locke tem uma visão mais pragmática
sobre a condição humana: ele pode ser bom ou mal, está interessado em sobreviver.
Essas visões, em si, implicam em ideias diferentes quanto ao contrato social, Rousseau,
por exemplo, vê, antes do contrato político, um contrato ético de proteção às vontades.
O Contrato Social

O contrato social marca o momento em que o ser humano deixa de viver como um ser
natural e passa a viver como um ser social, que se destaca da natureza, criando suas
próprias leis e um conjunto de instituições para que a convivência seja mais harmônica.

Como já vimos anteriormente, Locke afirma que o contrato social foi firmado para
proteger a propriedade (portanto, a vida e a liberdade) das ofensas dos homens
desprovidos de razão. Indo além, o inglês defende que esse contrato só é firmado
verdadeiramente uma vez que todos os envolvidos renunciem ao próprio poder natural
e, dessa maneira, assumam o compromisso para com todos os membros dessa sociedade
de se submeter às resoluções da maioria e não utilizar-se mais do poder natural de julgar
e punir aqueles que o ofendem, mas agora deixar que um corpo imparcial se encarregue
disso.

Em contrapartida, para Rousseau, o pacto social ocorre para a preservação da vida e da


liberdade:

“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força
comum a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada um, unindo-se a
todos, só obedeça, contudo, a si mesmo e permaneça tão livre quanto antes. Este é
o problema fundamental cuja solução é fornecida pelo contrato social”.

Dessa maneira, Rousseau propõe um pacto social que substitui a liberdade natural pela
liberdade civil, que vem com vantagens no sentido da garantia de proteção da vida e da
liberdade. Ele vê que as vontades são mais respeitadas se todos concordarem em não
ofender outrem. Percebe-se então, que enquanto Locke preocupa-se principalmente com
a manutenção da propriedade e da racionalidade, Rousseau tem uma visão mais
humanista, onde a vida e a liberdade são pilares de seu Estado Civil, e, portanto, é um
estado que respeita o poder de escolha, acima de tudo, porém livre de ofensas vindas de
outrem.
A Escravidão

A escravidão é a condição de um ser humano quando esse pertence a outro. Essa


condição é imposta com o uso da força, ou seja, configura-se como um estado de guerra
entre o escravizador e os escravizados. John Locke, como defensor do individualismo,
repudia a escravidão, uma vez que a liberdade do escravizado é cerceada e, portanto,
sua vida é posta em risco.

“Por isso, aquele que tenta colocar outro homem sob seu poder absoluto entra em
um estado de guerra com ele; esta atitude pode ser compreendida como a
declaração de uma intenção contra sua vida [...], pois ninguém pode desejar ter-
me em seu poder absoluto, a não ser para me obrigar à força a algo que vem
contra meu direito de liberdade, ou seja, fazer de mim um escravo.”.

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Da mesma maneira, Rousseau repudia a prática da escravidão, ainda ligando-a com
súditos de governos despóticos, que tem fome de poder e não se reservaria a fazer mal
aos seus súditos, se isso o trouxesse mais poder.

“Ora, um homem que se faz escravo de outro não se dá, vende-se, pelo menos em
troca de sua subsistência; mas um povo, por que se vende? Longe de prover a
subsistência de seus súditos, o rei apenas tira a sua deles, e [...] um rei não vive
com pouco. Os súditos, por conseguinte, dão suas próprias pessoas sob a condição
de que se tomem também os seus bens? Não vejo o que lhes resta para
conservar.”.
A Propriedade

Dentro dos temas analisados, é nesse que os dois autores mais divergem. Locke
afirmava que da propriedade vem a própria vida e a liberdade. E vai além, afirmando
que o trabalho do homem torna-se propriedade daquele que trabalhou.

“Ainda que a terra e todas as criaturas inferiores pertençam em comum a todos os


homens, cada um guarda a propriedade de sua própria pessoa; sobre esta ninguém
tem qualquer direito, exceto ela. Podemos dizer que o trabalho de seu corpo e a
obra produzida por suas mãos são propriedade sua. Sempre que ele tira um objeto
do estado em que a natureza o colocou e deixou, mistura nisso o seu trabalho e a
isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso o tornando sua propriedade.”

Enquanto isso, Rousseau observava a propriedade e via principalmente os conflitos que


ela gerava. Em sua opinião, a criação da posse acarretou em uma série de dificuldades
na vida social, uma vez que o que ora fora de todos transferiu-se de lugar e passou a ser
instrumento de medição de poder, portanto, um meio de dominação. Essa ideia de
propriedade foi fonte de inúmeras guerras. Talvez o próprio Locke fosse argumentar
que essa conduta quanto à propriedade seja fruto de irracionalidade, mas fato é que
houve conflitos. Eis o pensamento de Rousseau:

“Todo homem tem naturalmente direito a tudo o que lhe é necessário; mas o ato
positivo, que o torna proprietário de qualquer bem, o exclui de tudo o mais.
Tomada a sua parte, deve limitar-se a ela, e já não goza de nenhum direito a
comunidade.”.

Assim, Rousseau, no próximo parágrafo, aponta que cada homem poder tomar posse de
determinado objeto se (em resumo) ele 1: não seja já possuído; 2: for utiliza-lo para
subsistir.

Dessa forma, Locke e Rousseau começam os pensamentos próximos, uma vez que
Locke também defende que só se pode ter um pedaço de terra proporcional àquele que
se conseguiria trabalhar e subsistir. Mais do que isso é demais. Contudo, para Rousseau,
a natureza das posses é causar brigas e conflitos, enquanto que para Locke quem cria os
conflitos é a irracionalidade do homem, uma vez que a propriedade é divina, assim
como a razão.
Conclusão

Em suma, ao observar ambos os pensamentos torna-se claro que a investigação do


contrato social é importante por uma série de razões. Mesmo que seja questionável a

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existência de fato do estado natural como descrito por ambos, a validade como
dispositivo dialético dos pensamentos é inquestionável. Discussões acerca da
propriedade, natureza humana, política e uma infinidade de outros temas são
construídas a partir da discussão da origem da sociedade humana como a temos hoje em
dia. Dessa forma, é de grande importância que os temas levantados por ambos os
autores continuem a ser discutidos, uma vez que eles guiam uma série de diálogos na
humanidade há mais de dois séculos, e assim continuarão pelos séculos vindouros.

Bibliografia

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Lisboa: Ed. 70, 2015.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da


desigualdade entre os homens. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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