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Fichamento LOCKE, J.

Segundo tratado sobre o governo civil

Capítulo II
DO ESTADO DE NATUREZA

Para compreender corretamente o poder político, antes é necessário entender como


funciona a condição natural dos homens. Essa condição implica que seja um estado
em que todos são totalmente livres para decidir suas ações sem ter que pedir
autorização de nenhum outro homem nem depender de sua vontade. Além disso, um
estado de igualdade, sem subordinação. A menos que seu senhor e amo de todos,
tivesse destacado um acima dos outros. Por causa disso, os indivíduos tem a obrigação
de se amarem mutuamente. Mas se algum pratica o mal deve esperar sofrer, pois os
outros não tem motivos para dedicar um amor maior do que aquele que lhe é
demonstrado. Entretanto essa condição natural ou estado de liberdade é diferente de
um estado de permissividade: cada um tem liberdade total sobre si mesmo, mas não a
de destruir qualquer criatura que se encontre sob sua posse ou ao seu redor, pois todos
os homens são obra de um único criador. Assim não pode haver uma hierarquia na
sociedade.

Somente a punição com pena proporcional a sua transgressão pode ser usada, mas que
seja o bastante para assegurar a reparação e a prevenção. Sendo que nessa situação um
homem pode adquirir poder (limitado) sobre outro homem.

E já que no estado de natureza cada um tem o poder, é sensato não determinar que os
homens sejam juízes porque, afinal, são levados pela sua “má natureza, paixão e
vingança” (Segundo tratado sobre o Governo Civil, p.88), que os deixa longe da
possibilidade de punir alguém, já que só trará confusão e desordem.Por esse motivo
“Deus instituiu o governo para conter a parcialidade e a violência dos homens” (Idem,
p.88). O governo civil seria a medida ideal para conter as inconveniências do estado
de natureza, que devem ser grandes com os homens sendo juízes das próprias causas.
A ideia de governo civil não remete a ideia de um monarca absoluto, de alguém que
teria poder para fazer o que quisesse com seus súditos. “É muito melhor o estado de
natureza, onde os homens não são obrigados a se submeter à vontade injusta de outro
homem: e, onde aquele que julga, se julga mal em causa própria ou em qualquer outro
caso, tem de responder por isso diante do resto da humanidade” (Idem, p 89).

Mas será que há, ou algum dia houve, homens em tal estado de natureza? Todos os
príncipes e chefes de governos independentes encontram-se nesse estado. “Pois a
verdade e o respeito à palavra dada pertencem aos homens enquanto homens, e não
como membros de sociedade.”

Com certeza há aqueles que dizem nunca ter havido um homem em tal natureza. Mas
como todo homem não nasceu para ser solitário e, sim, para viver em sociedade
(política) a fim de suprir suas necessidades para o gênero de vida, não há como
escapar da vida em sociedade, que obriga os homens a viverem de maneira absoluta
conforme as leis da natureza.
Capítulo III –
DO ESTADO DE GUERRA
“O estado de guerra é um estado de inimizade e de destruição” (Segundo tratado sobre
o Governo Civil, p. 91) assim diz Locke. Quando um indivíduo planeja algo contra a
vida de outro indivíduo isso o põe em estado de guerra diante de tal pessoa. Isso
também significa que está expondo sua vida ao poder do outro, ou seja, o outro
também recebe o direito de tirar a vida daquele que tentou tirar a sua primeiro. É
totalmente justo o motivo de fazer tal ato, já que aquela pessoa que tentou tirar sua
vida se revelou um inimigo de sua existência e, do mesmo jeito que se pode matar um
lobo ou um leão, pode-se matar uma pessoa dessas, porque homens assim seguem a lei
a força e da violência e agiriam do mesmo jeito que um animal selvagem: quando
tiverem a oportunidade de te matar, o farão.

Por isso, aquele que tenta colocar outro homem sob seu poder absoluto,
automaticamente entra em estado de guerra com ele. E este, estando sob o poder da
outra pessoa, fica vulnerável, já que pode ser usado pelo outro para qualquer situação,
inclusive para a destruição. Essa característica evidencia a vontade de fazer do outro
um escravo, que é obrigado à força e não tem direito à liberdade. Locke diz que
quando um homem está no seu estado de natureza e perde sua liberdade
necessariamente perderá todo o resto, pois a liberdade é a base de tudo.

É isso que autoriza o homem a matar um ladrão, mesmo que este não tenha declarado
intenção contra sua vida, afinal, não há garantia de que, depois de ter usado a força
para roubar-lhe o dinheiro, simplesmente irá embora. Há a possibilidade de que
continue se impondo e privasse o indivíduo de todo o resto.

A diferença entre estado de natureza e de guerra é a mesma que há entre paz, boa-
vontade e inimizade, maldade. O estado de natureza pode existir com homens vivendo
segundo a razão, sem uma autoridade humana em comum para julgá-los. Mas a
existência da força imposta sobre homens, mesmo não havendo uma autoridade
comum, e o simples fato de não se ter ninguém para a quem pedir ajuda (como na hora
de um assalto) é o estado de guerra.

A lei deve proteger e reparar o inocente, e quando não se pode agir de imediato para
tentar preservar a própria vida, o indivíduo tem o direito de se defender, mesmo que
seja necessário matar o agressor, porque este não deixa possibilidade de se apelar para
um juiz comum na terra.

Cessando a força, cessa o estado de guerra entre aqueles, e ambos são submetidos à lei
da sociedade e têm acesso a um recurso, tendo que reparar o mal cometido e prevenir
o mau futuro. No estado de natureza, não há esse recurso, porque não existem leis e
juízes. Então o inocente ainda tem o direito de destruir o outro indivíduo, até que o
agressor proponha paz e reconciliação. E mesmo onde haja esse recurso e juízes
estabelecidos, a justiça pode não ser feita corretamente, dando privilégios para o
agressor, mantendo o estado de guerra.
“Evitar este estado de guerra (...) é uma das razões principais porque os homens
abandonaram o estado de natureza e se reuniram em sociedade.” (Idem, p.93 e 94)

Pois onde há uma autoridade humana comum, esse estado de guerra tem que acabar e
o juiz decide o resultado da controvérsia.

Locke cita para suas explicações o seguinte texto bíblico, característica de estilo dele:
“Nada fiz contra ti, mas tu estás cometendo um erro, lutando contra mim. Que o
Senhor, o Juiz, julgue hoje a disputa entre os israelitas e os amonitas” (Juízes 11.27).
O contexto desse texto mostra quando Jefté (líder israelita) luta contra o povo
amonita. Ele desafia o rei amonita dizendo que Deus, no céu, julgará qual dos povos
deve vencer a guerra. O povo israelita vence. Isso é uma simbologia de que Deus, no
papel de juiz de todos os homens, escolheu que o povo de Jefté era mais merecedor do
que o outro.

Com esse texto ele mostra que é necessário que haja um juiz para julgar, e, quando
não há um juiz na terra, deve-se apelar para Deus.

Mas ele deixa em aberto que cabe aos indivíduos querer acreditar que Deus poderia
julgar os homens ou não, mas que essa escolha deveria ser feita até o dia do Juízo
Final, quando todos estiverem perante o juiz supremo (Deus).

Capítulo 4 –
DA ESCRAVIDÃO
O homem, pela sua liberdade natural, deve estar livre de qualquer poder superior na
terra, exceto se há um poder estabelecido, por consentimento na comunidade civil, que
rege leis decretadas pelo legislativo, de acordo com a confiança nele depositada.

Essa liberdade é tão necessária e está tão estreitamente ligada à preservação do


homem que não pode ser perdida. O homem não pode dispor de sua própria vida, nem
por obrigação nem por consentimento próprio. Não podendo se transformar em
escravo de outro homem.Quando é necessário cumprir uma pena por algum ato feito
contra outro indivíduo, pode-se usar a servidão para tentar “pagá-la”. Mas se ele acha
que a pena imposta pela escravidão ultrapassa o valor da sua vida, tem o direito de
resistir à vontade de seu senhor e provocar sua própria morte. “Esta é a perfeita
condição da escravidão, que nada mais é que o estado de guerra continuado entre um
conquistador legítimo e seu prisioneiro”. A condição é que se faça um pacto entre
eles, determinando o limite do poder exercido. Enquanto esse limite durar, o estado de
guerra e a escravidão deixam de existir.

Capítulo 5 –
DA PROPRIEDADE
Este quinto capítulo está relacionado com alguns aspectos importantes, como a razão
natural, o direito a propriedade, o trabalho, as formas de utilização da terra etc.
A razão natural, de acordo com Locke, é o direito de preservação, e desta forma, o
direito a comer, a beber e a todas as outras coisas que a natureza proporciona para sua
subsistência. Segundo ele, foi Deus quem deu a terra aos filhos dos homens, assim, a
toda a humanidade. Supõe-se que é muito difícil explicar esse direito a propriedade
partindo-se do pressuposto de que Deus deu o mundo a Adão. Essa suposição tornaria
impossível que os homens tenham suas propriedades.

Deus deu aos homens a razão, para o beneficio de sua vida, a terra, e tudo o que ela
contém para o sustendo e o conforto de sua existência, as frutas e os animais, que
estão sempre dispostos para o uso do homem, sendo necessário qualquer meio de
apropriação. Todos esses fatores são produções espontâneas da natureza, devido ao
fato de que possuem originalmente o domínio privado, ou seja, apresentam-se em seu
estado natural. A terra e tudo o que a ela se envolve pertence em comum a todos os
homens, porém, cada um guarda a propriedade de sua própria pessoa, sendo que sobre
esta ninguém tem qualquer direito. Pode-se dizer que o trabalho realizado por seu
corpo e por suas mãos são propriedade de cada um. Sempre que o homem tira um
objeto do seu estado natural, e mistura a isso seu trabalho, e acrescenta algo que a ele
pertence, acaba por torná-lo sua propriedade, pois exclui o direito comum dos outros
homens. O trabalho estabeleceu uma distinção nítida entre o que agora lhe pertence, e
o bem comum, ele lhes acrescenta algo além do que a natureza havia feito, e assim,
torna-o um direito privado. Podemos perceber assim, que o fato gerador do direito a
propriedade é o ato de tomar parte qualquer dos bens e retirá-lo do estado em que a
natureza o deixou; o trabalho de removê-lo do estado comum em que se encontravam,
fixa o direito de propriedade sobre eles. Admite-se que o objeto pertence àquele que
lhe consagrou seu trabalho.

A mesma lei que concede dessa maneira a propriedade, também impõe limites, pois
senão, qualquer um poderia tomar tudo para si. Diz-se que Deus nos deu tudo em
abundancia e que tudo o que o homem pode utilizar e de tal forma, retirar uma
vantagem sem desperdício, é o que o trabalho pode fixar como propriedade. O que
excede este limite é mais que a sua parte, e assim, pertence aos outros. Deus não criou
nada para que os homens desperdiçassem ou destruíssem.

Quanto à superfície da terra, ao homem é permitido trabalhar, e dessa forma, plantar,


melhorar, cultivar, e utilizar dos seus produtos, podendo considerá-la sua propriedade.
Ele acaba por limitá-la, separando-a do bem comum. As melhoras realizadas para seu
beneficio indicam um investimento que lhe pertence, o trabalho. Deus deu a terra para
o uso industrioso e racional, e não para satisfazer os caprichos daqueles que se metem
em problemas. De forma que, nenhuma cerca pode ser colocada em seu beneficio,
pois assim, os outros se sentiriam lesados, pois estariam reduzindo a parte dos outros,
o que não pode ser feito.

Por exemplo, “em países como a Inglaterra, ou qualquer outro onde o governo estende
sua competência a um grande numero de pessoas, a quem não falta dinheiro nem
emprego, ninguém pode cercar ou se apropriar de qualquer parcela sem o
consentimento de todos os seus co-proprietários”. Percebe-se uma ligação entre o fato
de cultivar a terra, e de adquirir o domínio sobre ela, de forma que, um garante o titulo
do outro.

A medida da propriedade natural foi estabelecida através da extensão do trabalho do


homem, e pela conveniência da vida. Assim, seria impossível que um usurpasse o
direito do outro.

Percebemos a importância do trabalho, não só porque é ele quem transforma o objeto


natural, em uma propriedade, mas também, pois sem o trabalho, a superfície da terra
tem pouco valor. Locke afirma que cada homem deve ter tanto quanto pode utilizar, e
a regra da propriedade ainda permaneceria válida no mundo, sem prejudicar ninguém,
visto haver terra suficiente para o dobro de habitantes existentes. Tudo o que o homem
plantava, colhia, armazenava e consumia antes de se deteriorar, pertencia-lhe por
direito, mas se apodrecesse, ou perecessem antes de serem colhidos ou consumidos,
esta parte da terra, poderia ser considerada como inculta, e poderia se tornar posse de
qualquer outro, ou seja, seu direito acabava com a necessidade de utilizar estes bens e
a possibilidade de retirar os bens para sua vida.

As nações americanas por sua vez, são ricas em terra e pobres em todos os confortos
da vida, ou seja, possuem solo fértil, capaz de produzir de forma abundante, servindo
como alimento, vestuário, etc., mas falta trabalho para melhorar esse solo. Não tem
um mínimo das vantagens de que desfrutamos. Embora as coisas da natureza sejam
dadas em comum ao homem, este ainda tem em si mesmo a justificação principal da
propriedade, a aquilo que compôs a maior parte do que ele aplicou para o sustento ou
o conforto de sua existência, de forma que a natureza e a terra apenas fornecem a
matéria-prima, que é menos valiosa.

Nesse contexto, foi estabelecido o uso do dinheiro, que poderia oferecer a eles alguma
coisa duradoura que o homem poderia guardar sem que se deteriorasse, e assim os
homens poderiam utilizar na troca por coisas necessárias a vida, que fossem realmente
úteis. Assim, o fato de poderem guardar a quantidade que quisessem não excederia seu
limite, pois de qualquer forma, não iriam se deteriorar.

Capitulo VII –
DA SOCIEDADE POLÍTICA OU CIVIL

Aqui, Locke apresenta como surge a sociedade politica ou civil e que relação tem com a
família. E recorre à bíblia dizendo que o homem foi criado por Deus e que tem uma
forte inclinação para se juntar os outros, e dessa forma surge a sociedade política, igual
um homem que casa com uma mulher, tem filhos e a estes devem a obediência aos pais.
E aqueles que entram em uma sociedade civil também estão aceitando as leis que são
construídas em conjunto entre os mesmos e também as suas sanções tudo para proteger
a propriedade privada de cada um. Todos que se uniam no intuito de estabelecer entre si
uma forma de vida, que todas as decisões seriam para defesa da propriedade privada,
perdendo o seu direito a punição e transmitindo-o para órgãos responsáveis pela
resolução de controvérsias, pertenceriam assim, a uma sociedade política ou civil. E por
esse modo os homens deixam o estado de natureza para entrarem no de comunidade,
estabelecendo um juiz na Terra, com autoridade para resolver todas as controvérsias e
reparar todos os danos que atinjam a qualquer membro da comunidade. Juiz esse
legislativo ou os magistrados por ele nomeados. E é somente dessa forma que é possível
que exista uma sociedade civil, segundo Locke.

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