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1- Que significados o narrador estabelece entre o espaço da ocupação do antigo prédio

no centro de São Paulo (Hotel Cambridge) e o próprio processo da escritura de seu


romance A Ocupação?

No romance A Ocupação de Julián Fuks, há três planos narrativos: o da relação do


narrador com o pai hospitalizado; o da relação com a esposa e com as consequências
da gravidez desta; e finalmente, o da ocupação do antigo prédio no centro de São Paulo
(Hotel Cambridge). Se a perspetiva dos dois primeiros planos se vincula mais com a
vida pessoal do narrador, de Sebastián, o último demonstra a visível preocupação do
autor de ceder voz aos moradores da ocupação, que são muitas vezes refugiados e
migrantes sem direitos.

O espaço da ocupação é apresentado por narrador no capítulo 3:

Não existia mais nenhum hotel, e, no entanto, suas escadas se erguiam degrau a degrau,

pedras polidas pela fricção incessante dos dias. Não existia mais nenhum hotel, e, no

entanto, suas portas escondiam uma infinidade de corpos tão firmes quanto o meu, suas

portas filtravam vozes quase inaudíveis, vozes que me alcançavam em plena marcha, vozes

que me mantinham em movimento.

No entanto, o valor do espaço da ocupação é desenvolvido através das ações e dos


movimentos dos moradores deste lugar. Como diz o líder Carmen, “todos aqui parecem
estar sempre fugindo de alguma coisa”, o que implica sofrimentos semelhantes desses
indivíduos. Sendo assim, na ocupação, todas as pessoas são partes de “uma mesma e
imensa família” e, isto transforma o hotel abandonado num espaço de solidariedade.
Além disso, visto que a ocupação de Hotel Cambridge é definida como um ato político
de resistência, o espaço de ocupação do antigo prédio é também conferido cunhos de
resistência. Na ausência de políticas públicas eficientes e ferramentas político-sociais
para receber esse contingente de pessoas, elas passam a integrar a luta dos movimentos
sociais contra a insuficiência de moradia e outros problemas sociais da cidade de São
Paulo. Do meu ponto de vista, a formação de espaço da ocupação constitui, de fato,
uma denúncia a desigualdade social existente na realidade brasileira.
Quando prestamos a nossa atenção à temática desta obra, não é difícil percebermos
que o romance A Ocupação costura uma linha entre a literatura política e reflexões
extremamente pessoais. Crê-se que o engajamento físico e transitório no período da
residência na ocupação permite que a escrita de Julián Fuks não se apegue apenas à
própria história. Em algumas entrevistas, o autor afirma que o momento exige uma
literatura engajada e essa crença se reflete na autorreflexividade do seu texto. Na minha
opinião, é justamente através do processo de escritura deste romance que o autor
demonstra a sua valorização da literatura política, que é capaz de refletir “o modo como
as vidas individuais se deixam afetar pela história, pela política e pelos destinos
coletivos”.

4- Desenvolva os perfis dos personagens Najati (refugiado da Síria), Carmen Silva e


Preta Silva (líderes do movimento de luta pela moradia) tais quais aparecem na
narrativa de A Ocupação.

Escrito por Julián Fuks, o romance A Ocupação traz de volta o alter-ego do autor,
Sebastián e, presta a sua atenção ao cenário das ocupações reais em São Paulo, que o
autor frequentou durante a feitura do romance. Entre os moradores das ocupações,
encontra-se um número substancial de refugiados, migrantes e imigrantes de baixa
renda, que vivem numa situação arruinada. Normalmente, as pessoas acima
mencionadas contavam com o desejo de fugir dos sofrimentos levados por guerra ou
pobreza extrema e de buscar uma vida melhor na cidade de São Paulo. No entanto,
acabam enfrentando as mesmas dificuldades encontradas pelos integrantes dos
movimentos que lutam pelo direito à cidade. À medida que se desenrola a narrativa,
várias personagens surgem como representantes dos moradores destas ocupações,
incluindo Najati, Carmen Silva e Preta Silva.

É no início da história que surge a personagem Najati, um refugiado sírio. Sendo


um sírio refugiado na cidade de São Paulo, como tantos outros sírios espalhados pelo
mundo, ele busca esquecer o ruído das bombas e a destruição. O seu ativismo custara-lhe a
liberdade. Fora preso e passara anos em um pavilhão junto a criminosos comuns e

prisioneiros políticos, do qual fora libertado sob a condição de deixar imediatamente o país

e, é justamente no seu relato que podemos conhecer mais sobre os traumas deste grupo, por

exemplo, os “golpes insistentes que deixaram marcas em seu corpo” e o pânico das pessoas

enquanto atravessavam o imenso mar num bote mínimo. Além disso, numa das conversas

do protagonista com Najati, este procura explicar ao narrador que, na ocupação, todos

formam uma família de refugiados em terra própria ou estrangeira, porque a mobilidade

contínua dos seres é uma condição da existência humana. Desta maneira, não é difícil

perceber que ele valoriza bastante a solidariedade em universo dos despossuídos, o que

pode também demonstrada nas falas e ações de outras personagens, entre as quais destacam

Carmen Silvia e Preta Silvia, líderes do movimento de luta pela moradia. Numa conversa

como o narrador, Carmen disse:

Você é o escritor, isso eu já sei. Sei também que tem passado os dias no quartinho do

décimo quinto, isso é mais grave. Mas não se preocupe, eu não me incomodo, não é por

isso que o chamei para conversar. O quarto está desocupado, você pode se refugiar nele

quantas horas achar necessário. Não sei do que você foge, que medo ou tristeza o faz querer

se isolar num espaço tão precário, mas tudo bem, não me diz respeito, e sinceramente não

me importa. Todos aqui parecem estar sempre fugindo de alguma coisa, seja bem-vindo

para somar a sua fuga à nossa [...] converse com quem quiser, é a sua liberdade. Mas saiba

que é inútil. Se quer entender este lugar, melhor esquecer as trajetórias pessoais, as vidas

particulares. Se quer entender este lugar, melhor não perder de vista a coletividade, melhor

se juntar a nós na luta.

Nesta conversa, é relevada a simpatia de Carmen, que não recusa o aparecimento


do narrador no espaço de ocupação, mas lhe dá boas-vindas. Além disso, Carmen é
também capaz de indicar a importância de coletividade e de luta neste espaço: “se quer
entender este lugar, melhor não perder de vista a coletividade, melhor se juntar a nós
na luta”. No que diz respeito a Preta Silvia, num confronto inevitável entre os
despossuídos e a polícia, ela foi líder que deu ordens: “Atendiam às ordens de uma
mulher imponente, postada junto ao muro, uma mulher de braços fortes e vasta
cabeleira- só quando atentei a esse detalhe reconheci a figura de Preta, a jovem de olhos
movediços e alegres que eu ouvira na primeira reunião que presenciei”. Nesta narrativa,
a jovem Preta é configurada como uma representante dos moradores da ocupação que
sempre lutam pelos seus direitos, o que implica a sua coragem e a sua consciência sobre
a realidade social em que vivem.

Concluindo, as três personagens acima mencionadas representam o contingente de


pessoas que vive nas ocupações na cidade de São Paulo e, é justamente este grupo que
está a lutar contra a injustiça, a desigualdade e a especulação imobiliária existente na
sociedade brasileira.

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