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Recurso de coesão
Ficamos indignados. “Meus filhos não assistiram às aulas? Não tiveram acesso aos
locais das atividades? Dormiram numa casa diferente daquela das fotos do folheto
do acampamento? E ainda tiveram de trabalhar?
Estamos, agora, explodindo de raiva. “Que maluquice é essa? A mesma prova para
crianças que tiveram acesso a aulas e atividades completamente diferentes?” No
entanto, o coordenador está impassível. Não consegue compreender por que teriam
de ser provas diferentes. “São crianças da mesma idade”, diz. “E não houve
nenhuma discriminação na divisão do primeiro dia. Foi por sorteio. Todos tiveram a
mesma chance de participar.”
Certamente, tudo isso seria um grande pesadelo. Não é possível que tenha ocorrido
tamanha loucura, tamanha injustiça, tamanha insensibilidade. Nossos filhos
passaram um mês em condições desumanas e limitadoras por causa de um maldito
sorteio?
A situação acima é fictícia, mas – não nos enganemos – todos passamos por um
sorteio ainda mais drástico quando nascemos, que afeta não apenas alguns meses
ou anos, mas define vidas e famílias por gerações. O que seria se esse acampamento
tivesse acontecido no século 18 e, desde então, os descendentes daqueles primeiros
desafortunados no sorteio nunca tivessem acesso às melhores oportunidades de seu
tempo?
Quantas gerações viram reproduzir um sistema que fixava seu lugar social num
patamar, inteiramente diferente, de liberdade, de autonomia, de reconhecimento?
É sempre emocionante ouvir “sou o primeiro da minha família a fazer curso
superior”. Devemos comemorar cada uma dessas histórias, mas precisamos
multiplicar essas histórias. A igualdade de oportunidades é ainda uma grande
mentira. Muitas pessoas continuam sem acesso, durante toda a vida, a condições
mínimas de desenvolvimento pessoal. Até quando repetiremos o discurso do
coordenador do acampamento? Não podemos mudar o passado, mas podemos e
devemos mudar o futuro.